L.1W,:J FIOCRUZ ~~ Fundação Oswaldo Cruz BCOlA IlAQOIW. Df lAODf POBtIU ltRGIO MOUCA ENSP Laís Záu Serpa de Araújo A moralidade da pesquisa clínica e a bioética da proteçao Orientador: Prof. Dr. Fermin Roland Sehramm Rio de Janeiro 2006 Ministério da Saúde \:i \A. \:i rr", FIOCRUZ 1l(0000ltAOOIW DlllODl POBlKA Fundação Oswaldo Cruz ltRGIO ARoua ENSP "A moralidade da pesquisa clínica e a bioética da proteção" por La(s Záu Serpa de Araújo Tese apresentada com vistas à obtenção do título de Doutor em Saúde Pública área de concentração Bioética Orientador: Prof Dr. Fermin Roland Sehramm Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2006. • •• •••••• Catalogação na fonte Centro de Informação Científica e Tecnológica Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca A663m Araújo, Laís Záu Serpa de A moralidade da pesquisa clínica e a bíoética da proteção. / Laís Záu Serpa de Araújo. Rio de Janeiro: s.n.,2006. 146 p. Orientador: Schramm, Fermin Roland Tese de Doutorado apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. I.Pesquisa I.Título. clínica. 2.Bioética. 3.Vulnerabilidade. CDD - 20.ed. -174.2 / l' '. 11 Aos meus pais Lucio e Luiza e aos meus grandes amores José Osmando e Carolina. iii AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof Dr. Fermin Roland Schramm, que tornou esse caminho produtivo e prazeroso, graças a sua inteligência, solidez e competência. Sintome honrada por ter sido orientada por este grande pensador. Minha gratidão, meu carinho e amizade duradoura. A minha querida amiga Profa. Dra. Dinalva Bezerra da Rocha, por suas mãos sempre estendidas, minha gratidão. A minha grande amiga Profa. Dra. Maria Eugênia Duarte, meu porto seguro no Rio de Janeiro, meu afeto. Ao meu queridíssimo amigo Paulo Roberto Azevedo Chaves, pelo apoio incondicional e pelos momentos maravilhosos na linda Niterói, minha amizade. Ao Prof Alfredo Dacal, pelo grande estimulo e pela confiança nessa sua eterna aluna, minha admiração. Ao grande Prof Dr. Sérgio Rego, pela acolhida, pelo carinho e apoio nessa etapa tão importante da minha vida, minha gratidão e amizade. Ao meu querido amigo e colega do doutorado Ray Pereira, que tornou esse curso mais agradável graças a sua companhia e amizade, obrigada por tudo. Aos meus monitores da disciplina de Bioética Ana Carolina Santos de Souza e Eduardo Jorge Muniz Magalhães, e a minha querida aluna Rosamaria Rodrigues Gomes, pela valiosa contribuição a este trabalho. Aos colegas do Departamento de Patologia da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas, pelo apoio e compreensão. IV A todos que compõem a Fundação de Amparo à Pesquisa de Alagoas FAPEAL, pelo grande incentivo. A todos professores e funcionários da Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP, que direta ou indiretamente contribuíram para realização deste trabalho, meus agradecimentos. Aos amigos da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas UNCISAL, pelo apoio e incentivo, meu carinho sempre. v Quando me meto a reler o que escrevi há 40 anos atrás, vejo que muitas coisas abandonei completamente. Talvez as houvesse abandonado mais rapidamente se houvesse uma interlocução (Santos, 1998l 1 Fonte: Santos M. 1998. O professor como intelectual na sociedade contemporânea. Nacional de Didática e Prática de Ensino (Endipe), Águas de Lindóia. Anais do Encontro sUMÁRIo RESUMO............................................................ VIU ABSTRACT X 1INTRODUÇÃO 1 lI. OBJETIVOS................................................................ 7 III. REFERÊNCIAL TEÓRICO 8 III.I. Pesquisa médica .. 10 I1I.2. Pesquisador 14 IIl3. Casos a serem lembrados 17 IIIA. Documentos internacionais. e nacionais sobre ética na pesquisa 21 I1IA.I. Código de Nüremberg 21 IIA.2. Declaração de Helsinque 22 11.4.3. Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas 25 I1IAA. Good Clinicai Practice 26 I1IA.5. Documentos brasileiros sobre ética aplicada à pesquisa 26 III.S. Consentimento Livre e Esclarecido 28 II1.5.1. Termo de consentimento 35 I1I.6. Riscos e Beneficios III.7. Conútê de Ética em Pesquisa 36 :................ 41 III. 8. Bioética 46 I1I.9. Bioética da Proteção 51 IV. SUJEITO, OBJETO DA PESQUISA E MÉTODO 56 V. ANÁLISE DOS DISCURSOS DOS ENTREVISTADOS 60 V.I. Conflitos éticos na execução das pesquisas com seres humanos V.I.I. Dilemas étiços ... ,..................................................................... 62 63 V.1.2. Problemas éticos 64 Y.1.3. Problemas não pertinentes para esta pesquisa 76 Y.2. Sujeito, objeto da pesquisa 76 Y.2.1. Voluntários consencientes Y.2.2. Não voluntários 77 ,............ Y.2.3. Constrangidos................................ V.3. Responsabilidade.................................................................. 78 80 82 Y.3.1. Do Pesquisador para com os sujeitos 83 V.3.2. Do Comitê de Ética em Pesquisa 87 VA. Proteção do sujeito, objeto da pesquisa 91 VA.l. Relativa às modalidades de recrutamento 91 VA.2. Relativa à vulnerabilidade genérica 95 VA.2.1. Vulnerável........................................................... 95 Y.4.2.2. Vulnerado 96 VA.2.3. Vulnerabilidade 98 V.4.2A. Vulneração 99 Y.4.3. Realidade da proteção 102 V.4.4. Medidas de proteção 106 V.5. Mudanças na execução das pesquisas com seres humanos 111 VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS 114 VII. REFERÊNCIAS BmLIOGRÁFIcAS 119 ANEXO viii RESUMO A utilização de seres humanos nas pesquisas médicas provoca conflitos éticos que interessam aos pesquisadores e aos demais membros da sociedade. Esses conflitos decorrem da necessidade de se descobrir novos tratamentos, dos interesses dos pesquisadores em desenvolver essas pesquisas e da obrigação de proteger os sujeitos,' objeto da pesquisa. Diante desse problema consideramos necessária a execução de uma pesquisa objetivando: identificar os conflitos gerados entre a proteção do sujeito, objeto da pesquisa médica, e os interesses dos pesquisadores da Medicina, através da fala desses pesquisadores; averiguar o que estes pesquisadores pensam e como se conduzem diante destes conflitos; verificar se o sujeito, objeto da pesquisa, está protegido dos conflitos e, por fim, demonstrar que o princípio da proteção é o mais adequado para enfrentar os problemas morais relacionados com a pesquisa médica com seres humanos. Para alcançar os objetivos, utilizamos como referência a Bioética da Proteção de Schramm & Kottow (2001). A população objeto desse estudo constituiu-se de pesquisadores brasileiros, da Medicina, que trabalham com pesquisa clínica, em institutos públicos de ensino e pesquisa, numa das mais representativas capitais do' '. sudeste brasileiro. Nesta pesquisa utilizamos o método qualitativo na coleta dos dados, através da técnica de entrevista semi-estruturada. As falas dos vinte e três pesquisadores entrevistados permitiram que identificássemos as categorias: tipos de conflitos éticos na execução das pesquisas com seres humanos, dilemas e problemas éticos e problemas não pertinentes para esta pesquisa; sujeito, objeto da pesquisa: voluntários consencientes, não voluntários e constrangidos; responsabilidade: do pesquisador para com os sujeitos e do Comitê de Ética em Pesquisa; proteção do sujeito da pesquisa, relativa às modalidades de recrutamento e relativa à vulnerabilidade genérica, vulnerável, vuInerado, vulnerabilidade e vulneração; realidade da proteção e medidas de proteção; mudanças na execução das pesquisas com seres humanos. No discurso dos entrevistados os conflitos éticos mais citados foram: o uso de seres humanos em pesquisas com novos fármacos; a desinformação e a extrema necessidade dos voluntários e a inclusão de seus pacientes nas pesquisas, fato que caracteriza o duplo papel de médico-pesquisador. Sobre os sujeitos da pesquisa, os entrevistados afirmaram que os voluntários são os pacientes que procuram o serviço para serem tratados, e eles concordam em participar da pesquisa sem nenhuma restrição. Alguns pesquisadores IX disseram que também são voluntários da pesquisa alunos, funcionários, parentes e pessoas conhecidas. Os pesquisadores afirmaram que se responsabilizam por todos os aspectos da pesquisa: elaboração do projeto, execução, cuidados com o voluntário e divulgação dos resultados. A responsabilidade do Comitê de Ética, segundo os entrevistados, é avaliar, aprovar e fiscalizar os projetos de pesquisa com seres humanos; os pesquisadores reconhecem que o Comitê é importante, que concorreu para a melhoria da qualidade das pesquisas e que não vêem nenhum problema em fazer as alterações propostas pelos membros do Comitê. Os pesquisadores reconhecem que mudou a condução das pesquisas com seres humanos depois da resolução CNS/MS 196/96 e dos Comitês. Sobre o recrutamento de voluntários os pesquisadores disseram que pode ser através de cartazes ou indicação; que o contato é feito pelos alunos da pós-graduação, que identificam, entre os pacientes, um potencial voluntário. Os entrevistados consideram que o sujeito da pesquisa é vulnerável, por estar incluso numa pesquisa; outros entendem que todos os indivíduos são vulneráveis; outros sustentam que o doente é mais vulnerável e as situações como pobreza, desinformação e necessidades extremas são responsáveis pela vulneração dos sujeitos da pesquisa. Sobre a proteção dos voluntários,. os entrevistados acreditam que os sujeitos de suas pesquisas estão protegidos, sendo as razões: serem médicos, é função do médico proteger seu paciente; terem competência para execução das pesquisas e seguirem as regras existentes. As medidas protetoras citadas foram: avaliação prévia do projeto de pesquisa pelos Comítês e competência do pesquisador. Conclusões: há de prevalecer a Bioética da Proteção, é por ela que se compensará o sujeito da pesquisa, protegendo-o em sua vulneração. É o primado da Bioética da Proteção que propiciará o ponto de equilíbrio entre a necessidade de se empreender a pesquisa médica, de interesse inegável para a ciência e para a própria saúde humana, e o sujeito dessa pesquisa, não permitindo que seja maleficamente afetado. Palavras chaves: pesquisa clínica; conflitos éticos; vulnerabilidade; vulneração; bioética da proteção x ABSTRACT The use of human beings in medicai researches evokes ethical conflicts that interests to the researchers and to the other members of the society. These conflicts come fiom the need of discovering new treatments, fiom the researchers' interests in developing these researches and fiom the obligation of protecting the subjects, objeet of the research. Considering this problem, we found necessary the execution of a research with the aim: identify the conflicts created between the protection of the subject, object of the medicai research, and the interests of the Medicine's researchers, through their speeches; verify what they think about and the way they behave in those ethical conflicts; verify if the subject, object of the research, is proteeted fiom the confliets; and, finally, demonstrate that the principie of protection is the most appropriate to face the moral problems related to the medicai research with human beings. To reach the goals we proposed to, the Bioethics ofProteetion of Schramm & Kottow (2001) was used as a reference. The population object of this study was formed of brazilian researchers, fiom Medicine area, which work with clinicai research, in public institutes of teaching and research, in one of the most representative capitais of the brazilian southeast. In this research, we used the qualitative method while colIecting data, through the technique of the semistructured interview. The speeches of the twenty-three interviewed allowed us to identify the categories: types of ethical conflicts in the execution of the researches with human being, dilemmas and ethical problems not applied to this research; subject, object of the research: conscious volunteers, not volunteers and constrained (selfconscious); responsibility: of the researcher to the subjects and to Ethics in Research Cornrnittee; protection of the research' s subject, relative to the ways of recruitment and reiative to the generics vulnerability, vulnerable, vulnered, vulnerablity and vulneration; protection's reality and means of protection; changes in the execution of the researches with human beings. In the speech of the interviewed, the ethical conflicts more mentioned were: the use of human beings in new drugs researches; the lack of information and the extreme necessity of the volunteers and the inclusion of their patients in the researches, fact that characterize the double role of physician-researcher. About the subjects of the research, thé interviewed affirmed that the volunteers are the patients who attend the service to be treated, and they agree to participate of the research with no restriction. Some researchers said that students, officers, relatives and Xl known people are also volunteers of the research. The researchers affirmed they take responsibility for ali the aspects of the research: projeet's e1aboration,execution, cares with the volunteer and releasing of the results. The responsibility of the Ethics Committee, according to the researchers, it is to evaluate, approve and supervise the projects of research with human beings; the researchers recognize the Committee is important, that it improved the quality of the researches and they don't have problems in doing the modifications suggested by the Committee members. The researchers recognize the leading of the researches with human beings changed after the CNSIMS 196/96 resolution and after the committees. About the volunteers recruitment, the researchers said it can be done by advertisingposters or someone's indication;the postgraduation students do the contact with the ones who are interested in participate; the researchers identif)', among the patients, a volunteer in potential. The interviewed consider the subject of the research is vulnerablefor being inc1udedin a research; others understand that ali individuais are vulnerable; others sustain that the sick person is more vulnerable and situations like poverty, the absence of information and extreme needs are responsible for the vulneration of the research's subjects. About the volunteers protection, the interviewed believe the subjeets of their researches are proteeted, and arnong the reasons for this there are: they are physicians,and the physicianmust protect hispatient; they have the competency required to the execution of the researches and they follow the existent rules. The proteetive measures mentioned were: the previous evaluation ofthe research's project by the Committees and the researcher's competency. Conc1usions: the Bioethics of Protection must prevail, it is through this that the subjeet of the research wil1be compensate, protecting him in his vulneration. It is the Bioethics of Protection pre-eminence that will propitiate the equilibrium point between the need of undertake a medicai research, of an undeniable interest to the science and to the hurnan health, and the subject of this research, not allowingthis one to be affected in an unproper way. Keywords: clinicai research; ethical conflicts; vulnerability;vulneration;bioethics of proteetion. 1 I. INTRODUÇÃO A profissão médica foi a primeira na historia a adotar um código de ética, o Juramento de Hipócrates, que representou a primeira tentativa de resolver os sérios e difíceis problemas éticos originados a partir da prática da Medicina (Rydley, 1998). Os membros dessa profissão enfrentam rotineiramente problemas e dilemas morais como parte integrante de sua atividade profissional, num grau elevado e inigualável a qualquer outra profissão que trata dos cuidados da saúde (Rydley, 1998). Além dessa peculiaridade na prática médica, o avanço cientifico e tecnológico torna a Medicina mais sofisticada com novos tratamentos, procedimentos, e novas opções, sendo essas melhorias fiuto das pesquisas com seres humanos (Asai et ai, 2004). A transformação da atual Medicina e da sociedade gera problemas éticos mais complexos. Da concepção individualista do paciente como agente racional e livre, derivou o princípio da autonomia, fato que impulsionou a adoção do consentimento como um direito dos pacientes, sujeitos da pesquisa (Mainetti, 2003). Este direito é reconhecidamente importante; entretanto, o consentimento apresenta limitações, pois está comprovado que existe uma grande influência do médico na decisão do paciente (Simpson, 2004) e, existem casos em que pacientes se sentiram na obrigação de participar da pesquisa quando seu médico era o pesquisador (Asai et al, 2004). Além disso, o paciente deve ser competente para decidir, o que não é fácil de determinar, pois envolve um exame da comunicação, entendimento, apreciação, habilidade e um sistema estável de valores (Demarco, 2004). A pesquisa científica é o mecanismo através do qual aprendemos como reduzir ou eliminar ameaças no universo da saúde; contudo, a pesquisa com seres humanos envolve riscos para os sujeitos, objeto desta. Algumas pesquisas inicialmente . parecem ter baixo risco; entretanto, os riscos podem se tornar elevados se a pesquisa for executada num pais onde a população é muito pobre e a qualidade e o acesso aos serviços públicos de saúde são questionáveis (Beyrer & Kass, 2002). Segundo esses mesmos autores, os pesquisadores da área clínica geralmente se preocupam com 2. critérios de inclusão e exclusão dos participantes de um estudo, no que se refere aos problemas orgânicos, tais como função de figado ou pressão arterial elevada, até porque a interação destes problemas fisicos com a droga do estudo poderia conduzir a um IÚVel inaceitável de risco. Entretanto, a interação das situações sociais, econômicas ou politicas dos participantes poderia ser igualmente mortal, embora, no delineamento dos protocolos de pesquisa, as exclusões sociais sejam raras (Beyrer & Kass, 2002). Neste caso, trata-se de indivíduos vuInerados! e, segundo Levíne (2004), a vulnerabilidadeé um dos conceitos menos examinados na ética aplicada à pesquisa. Para Shapiro (2001) é preciso evítar a exploração de populações potencialmente mais vulneráveis nas pesquisas clilÚcas. Alguns regulamentos a respeito da conduta ética na pesquisa com seres humanos focalizam o termo "vulnerabilidade" como limitações da capacidade do indivíduo em fornecer o consentimento e outras interpretações da "vulnerabilidade" enfatizam os relacionamentos com desigualdade de poder (Levine et al, 2004). Para Sen (2002), a questão da limitação das capacidades e, conseqüentemente, redução das liberdades, não diz respeito simplesmente a baixa renda; isso seria uma falha de raciocilÚo do utilitarismo, que imagina que o bem estar social deva ser uma função em última análise das rendas e o bem estar social deva ser maximizado por meio de uma distribuição igual de rendas, dada a renda total. "O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdades: pobreza e tirania, carência de oportulÚdades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos" (Sen, 2002: 114). No tocante às incapacidades causadas por limitações econômicas, Sen (2001) argumenta que o desemprego não é meramente uma deficiência que pode ser compensada por transferências do Estado (a um pesado custo fiscal que pode ser, segundo ele próprio, um ônus gravíssimo); é também uma fonte de efeitos debilitadores muito abrangentes sobre a liberdade, a ilÚciativae as habilidades dos individuos (Sen, 2002). Essa teorização sustentada por Amartya Sen encontra amparo no pensamento do brasileiro Josué de Castro que, derrubando o tabu existente até metade do século passado sobre a fome no mundo, foi fundamental na discussão politica acerca dessa brutal realidade ainda hoje existente. No discurso com que se despediu da 1 Schramm (2005) utilizou pela primeira vez o termo vulnerado para referir-se ao ser humano já afetado na sua suscetibilidade. 3 Presidência do Fundo para a Agricultura e a Alimentação da Organização das Nações Unidas (FAO), em 1955, Castro preconizou a necessidade de se integrar à Economia os fatores humanos, de forma a fazer do desenvolvimento econômico o meio de proporcionar a todos, não só os bens de necessidades que lhes fazem falta, mas também os bens de dignidade que suas consciências reclamam; todo e qualquer impulso de desenvolvimento econômico só dará resultados práticos, incorporando-se em seus princípios de ação a obtenção dos meios de satisfação das necessidades minimas da vida humana, que se dará pela elevação de sua humanidade (Castro, 1966). Observando a ausência de dignidade humana, em Geografia da Fome, Josué de Castro afirma, de modo contundente, que a fome age não apenas sobre os corpos das vitimas da seca, consumindo sua carne, corroendo seus órgãos e abrindo feridas em sua pele, mas também age sobre seu espírito, sua estrutura mental, sobre sua conduta moral. Nenhuma calamidade pode desagregar a personalidade humana tão profundamente e num sentido tão nocivo quanto a fome, quando atinge os limites da verdadeira inanição. Excitados pela imperiosa necessidade de se alimentar, os instintos primários são despertados e o homem, como qualquer outro animal faminto, demonstra uma conduta mental que pode parecer das mais desconcertantes (Castro, 1967). Individuos que vivem nas situações descritas por Amartya Sen e Josué de Castro são propriamente vulnerados (Schramm, 2005) e, por conta disso, devem receber atenção especial e conseqüente proteção para desenvolver suas capacidades. Mas, segundo Sen, "não basta unicamente prover renda, pois a renda simplesmente não conduz à elevação das capacidades, tendo como exemplo o seguro desemprego, que não permite que o desempregado tenha liberdade para escolher a melhor atividade que lhe convier". Para Sen (2002), oportunidades reais ou substantivas envolvem mais do que recursos, as capacidades são poderes para fazer ou deixar de fazer (incluindo formar, escolher, buscar, revisar, e abandonar objetivos), sem os quais não há escolha genuína. Também envolve algo que poderiamos chamar de "acessibilidade" a recurso, que depende muito das habilidades e talentos que cada um tem de usar alternativamente recursos. Não dispor de recursos limita não só as alternativas de meios que de fato se têm e de objetivos que deles dependem, como também os próprios preferências consiste objetivos e que se formam durante a vida. Ser carente de habilidades e talentos numa limitação da liberdade de ter e fazer escolhas (Sen, 2001). No entendimento de Amarthya Sen (200 I), o ensinamento de focalizar a pobreza como falta de liberdade é coerente com uma variedade de interesses fundamentais. 4 No contexto da pesquisa clínica, esses indivíduos vulnerados devem receber uma proteção adicional. Este é o caso, por exemplo, das pesquisas clínicas patrocinadas por grupos estrangeiros nos países em desenvolvimento que devem ser limitadas àquelas que respondam às necessidades da saúde do país anfitrião (Shapiro & Meslin, 200 I). Mas, segundo Schramm (I996), a transição epidemiológicaque afeta os sistemas sanitários atualmente faz com que possamos falar em "hipercrise sanitária" e em "crise da prática" em saúde pública, tal situação se caracterizando pela presença de problemas de saúde novos e velhos, ambos precisando de atenção, mas representando, em muitos casos, conflitos de interesses de dificil solução. Esse mesmo raciocínio pode ser transposto para a pesquisa clínica, sendo que, neste caso, não devemos investir apenas nas pesquisas para tentar resolver os velhos males da saúde, mas, também, os novos. Para tanto, podemos ter como princípio ético norteador a eqüidade na distribuição de verbas para as pesquisas clinicas. Da mesma forma, os pesquisadores clinicos também devem se preocupar com a vulneração e a necessidade de proteção dos voluntários da pesquisa, embora isso de fato não aconteça, pois raramente descrevem as características eticamente controversas do projeto de pesquisa e dificilmenterealçam a proteção dos sujeitos, objeto da pesquisa (Miller & Rosenstein, 2002). A pesquisa médica com seres humanos está sujeita aos códigos de conduta ética que, entre as exigências, impõem a necessidade de revisão, aprovação e monitoração das pesquisas pelos Comitês de Ética de Pesquisa (Mann, 2002), que pode ser um dos mecanismosde proteção dos sujeitos da pesquisa que se encontrem em estado de vulneração. Os conflitos éticos na pesquisa médica vão desde os problemas diretamente relacionados com o sujeito, objeto da pesquisa, como necessidades, pobreza, capacidades e liberdades, aos interesses das indústrias de insumos e medicamentos e aos interesses e comportamentos dos próprios pesquisadores. No mês de junho de 2005, foi publicado um artigo na revista Nature, que trata do comportamento impróprio de pesquisadores americanos. Martinson et ai (2005) afirmam que os pesquisadores entrevistados admitiram cometer fraudes na pesquisa cientifica, como falsificação de dados; modificação do projeto e da metodologia; registro inadequado dos dados; plágio; entre outros. Neste mesmo contexto, no final dos anos 1960, com o uso inadequado de seres humanos nas pesquisas científicas, e diante dos . . conflitos éticos causados pelo desenvolvimento das ciências biomédicas, surgiu a Bioética que, segundo Berlinguer (2004), é uma disciplina filosófica que conecta a ciência, a vida e a moralidade. Desde seu inicio, a Bioética floresceu como resultado da 5 interação entre diferentes disciplinas, como medicina, direito, enfermagem, filosofia, teologia, ciências sociais, entre várias outras, e seu principal objetivo era a discussão das vantagens e desvantagens de avanços tanto clinicoscomo científicos (Bony et al, 2005). o crescente interesse por esta ética aplicada pode ser comprovado pelo grande número de publicações e produção de teorias próprias da Bioética. Dentre essas teorias, destacamos a teoria da Bioética da Proteção, nascida em 2001, de autoria de Miguel Kottow e Fennin Roland Schramm, que se ocupa e se preocupa com os indivíduos não somente vulneráveis, mas, outrossim, suscetíveis e vulnerados que, em função da situação em que vívem, necessitam de uma atenção especial. A Bioética da proteção está fundamentada no Estado mínimo, que reconhece suas obrigações de preservar a integridade fisica e patrimonial de seus cidadãos a partir do século XVIII, sendo também responsável pelo fundamento moral de bem estar contemporâneo (Schramm e Kottow, 2001). "A dimensão protetora da Bioética deve ser entendida como um compromísso prático, submetido a alguma forma de exigência social, com o qual a proteção se converte num princípio moral irrevogável, posto que os agentes morais, afetados, áreas e conseqüências, devem ser definidos" (Schramm & Kottow, 2001). As práticas das pesquisas com seres humanos ("pesquisadores" e "pesquisados") podem implicar em conflitos de interesses e de valores entre detenninados atores, autores da pesquisa, e outros atores, objetos desta (Schramm, 2004b). Esses conflitos ocorrem em função da necessidade de se proteger o sujeito, objeto da pesquisa, e que pode, portanto, ser prejudicado ou "vulnerado", ou seja, circunstancialmente afetado, fragilizado, desamparado, em contraposição aos interesses do pesquisador, do órgão financiador e até da própria sociedade, consumidora dos produtos originados das pesquisas. Em função desses problemas e da necessidade de se encontrar uma solução para tais situações, é que executamos este trabalho, que teve as seguintes proposições: identificaros conflitos gerados entre a proteção do sujeito, objeto da pesquisa médica, e os interesses dos pesquisadores da Medicina, através da fala desses pesquisadores; averiguar o que os pesquisadores pensam e como se conduzem diante desses conflitos; verificar se o sujeito, objeto da pesquisa, está protegido desses conflitos e, por fim, demonstrar que o 'principio da proteção é o mais adequado para enfrentar os problemas morais relacionados com a pesquisa médica com seres humanos. Para alcançar nossos objetivos, utilizamos como referência a Bioética da proteção que, segundo Schramm (2002), vísa justamente proteger os pacientes morais, vulnerados e 6 ameaçados, contra eventuais abusos de médicos, cientistas e outros agentes morais que lidam com seres humanos para exercer seus oficios. A tarefa da Bioética é justamente, por um lado, a análise racional dos conflitos morais e, por outro lado, a busca de soluções razoáveis capazes de resolver tais conflitos (Schramm, 2003b), sendo que esta dupla tarefa da bioética pode ser subsumida numa terceira tarefa, que é justamente a tarefa protetora. 7 n. OBJETIVOS 1. Identificar os conflitos gerados entre a proteção do sujeito, objeto da pesquisa clínica, e os interesses dos pesquisadores da Medicina, através da fala desses pesquisadores; 2. Averiguar o que os pesquisadores pensam e como se conduzem diante desses conflitos; 3. Verificar se o sujeito, objeto da pesquisa, está protegido desses conflitos e, 4. Demonstrar que o principio da proteção é o mais adequado para enfrentar os problemas morais relacionados com a pesquisa clinica. 8 m. REFERENCIAL TEÓRICO A ciência e a geração de conhecimento sempre se constituíram em objeto do interesse humano e, em sua causa, muito se fez e se faz, gerando conquistas para a humanidade e, consequentemente, farto material na literatura mundial. Grandes pensadores se preocuparam com a ciência, sua coerência e sua importância no conhecimento sobre o homem, a natureza e seus fenômenos. Aristóteles, por exemplo, considerava que não bastava à ciência ser internamente coerente e cogente: ela deveria também ser ciência sobre a realidade. Aristóteles buscava na realidade um apoio sólido para suas teorias através da observação fiel da natureza, sendo a física a ciência que estudava a natureza em seus aspectos mais gerais, cujo termo vem do grego CPÚ01Ç (physiké), que significa natureza. Geralmente, no estudo de uma questão, Aristóteles procedia por partes: definia o objeto; enumerava as soluções históricas; propunha as dúvidas; indicava a própria solução e, por fim, refutava as sentenças contrárias, de acordo com o método dialético de seu mestre Platão (Aristóteles, 1999). Galileu Galilei, astrônomo e fisico italiano, que viveu no século XVI, tomou-se um dos principais criadores do moderno método científico. O primeiro principio do método, proposto por Galileu, é a observação dos fenômenos tais como eles ocorrem; o segundo consiste na experimentação e, por fim, o terceiro princípio estabelece que o correto conhecimento da natureza exige que se descubra sua regularidade matemática (Galilei, 1999). Assim, considera-se que as contribuições que Galileu fez ao método cientifico são mais importantes do que propriamente as revelações fisicas e astronômicas encontradas em suas obras. Por conta disso, Galileu Galilei foi considerado o pai da ciência experimental moderna (Geymonat, 1997). Ademais, segundo Morin (2002), a ciência é complexa porque é inseparável de seu contexto histórico e social, e não só de seus métodos e sua aplicabilidade técnica. De fato, a ciência moderna só pode emergir na efervescência cultural iniciada com a Renascença, em particular na efervescência econômica, política e social do Ocidente europeu dos séculos 16 e 17. Desde então, ela se associou progressivamente à técnica, tomando-se tecnociência, e progressivamente se introduziu 9 no coração das universidades, das sociedades, das empresas, dos Estados, transformando-os e se deixando transformar, por sua vez, pelo que ela transformava (Morin, 2002). A confirmação desse fato nas ciências e práticas da saúde está expressa, principalmente, nas descobertas dos últimos 50 anos. O advento da anestesia, da penicilina, a descoberta da dupla hélice do DNA e o conseqüente projeto genoma humano, o transplante de rim, as máquinas para diálise, a pílula anticoncepcional, o pnmelro transplante de coração, o primeiro bebê de "proveta" e, recentemente, as pesquisas com células-tronco e, talvez, a clonagem de seres humanos, são exemplos palpáveis dessa junção de ciência e técnica, conhecida como tecnociência, a qual, quando aplicada á transformação dos seres vivos, pode ser chamada de "biotecnociência" (Schrarnrn, 1996a). Segundo Ionsen (2000), esses eventos, reais ou imaginários, seriam responsáveis pela "dramática" mudança na percepção social da ciência e da prática biomédica. Com efeito, as novas tecnologias - dos antibióticos ao transplante e aos órgãos artificiais, ás descobertas genéticas e às técnicas de reprodução assistida juntamente com as pesquisas com seres vivos em geral e seres humanos em particular, introduziram um debate público entre cientistas, médicos e políticos para responderem o que nunca antes fora perguntado (Ionsen, 2000). Em realidade, para Schrarnrn & Escosteguy (2000), a incorporação tecnológica no campo da saúde vem sendo feita, muitas vezes, de forma acrítica, sem avaliar corretamente sua eficácia, sua efetividade e eficiência, bem como sem ponderar seus efeitos sobre os gastos públicos com os serviços de saúde. Por tudo isso, não há dúvida de que o impacto social causado por essas descobertas é significativo e tem repercussões na esfera familiar, na conduta individual e coletiva (Clotet, 1993). Ainda de acordo com Ionsen (2000), esses fatos envolvem pessoas e populações e encorajaram novos questionamentos. Para Clotet, (1993), o desenvolvimento cientifico e tecnológico nas ciências da saúde é um fato sócio-cultural que atinge a humanidade e que provoca perplexidade, mas também esperança. Em suma, "os efeitos da ciência não são simples nem para o melhor, nem para o pior, eles são profundamente ambivalentes" (Morin, 2002:133). No âmbito da Medicina, especificamente, a procura por novos conhecimentos é missão indiscutivel e estimulável (Arnato Neto, 1984), pois, com freqüência, o médico aplica em seus pacientes as informações que foram geradas pelos 10 cientistas (pérez-Miravete, 1983). Em particular, o progresso nas ciências da saúde depende da compreensão de estados fisiológicos e patológicos ou de achados epidemiológicos, e para melhor entendimento desses processos há necessidade de se executar, num determinado momento, pesquisas com seres humanos (Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas, 2004). Em princípio, o progresso nas ciências da saúde, trás beneficios para a humanidade devido em grande parte às pesquisas científicas, principalmente aquelas com seres humanos (Bordin et ai, 1996). m.I. Pesquisa médica Amplo progresso foi feito em Medicinanos últimos 50 anos. Entretanto, ainda há muitas perguntas não respondidas sobre o funcionamento do corpo humano, sobre as causas das doenças, os meios de prevenção e a cura de diversas doenças, sendo que o único meio de responder a estas dúvidas é a pesquisa médica (World MedicaI Association, 2005). A importância da pesquisa científica nas ciências da saúde é inegável, assim como é necessária, em determinados momentos, a utilização de seres humanos entendidos como "sujeitos, objeto de pesquisa" (Brasil, 1996). Com efeito, de acordo com Oliveira (1997), "abdicar das experimentações em humanos poderá, em alguns casos, constituir uma grande irresponsabilidade,acarretando riscos incalculáveis, pois nem sempre o que funciona in vitro, isto é, em culturas celulares, funcionará como o esperado in vivo." A medicina tem muitos princípiosgerais que são válidos na maioria das vezes, mas cada paciente é diferente e o que é um tratamento eficaz para 90% da população pode não ser para os outros 10%. Mesmo os tratamentos mais aceitos necessitam ser monitorados e avaliados para determinar se são eficazes para os pacientes em geral, pois esta é uma das funções da pesquisa médica. Outra função é o desenvolvimento de tratamentos novos, especialmente novas drogas e novas técnicas cirúrgicas (World Medicai Association, 2005). A obtenção, a análise e a interpretação das informações advindas da pesquisa em seres humanos contribuem de maneira significativa para melhorar a saúde humana (Conselho de Organizações Internacionais de CiênciasMédicas, 2004). Para Beauchamp & Childress (2002), embora a pesquisa com seres humanos seja importante para a sociedade, ela é também moralmente perigosa, pois os individuos são expostos a algum grau de risco para o progresso da ciência, ou seja, "utilizados" em nome da ciência e, eventualmente, em prol do beneficio de terceiros, 11 sem que isso implique um beneficio direto para os sujeitos pesquisados. Este fato tem, portanto, sérias implicaçõesmorais, que serão abordadas neste trabalho. o Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas (2004) define pesquisa como um tipo de atividade estruturada para desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável. O conhecimento generalizável consiste em teorias, princípios ou relações, ou no acúmulo de informações em que se baseiam, corroborados por métodos científicos aceitos através da observação e inferência. No presente contexto, pesquisa inclui os estudos médicos relativos à saúde humana. Neste caso, o termo pesquisa é acompanhado pelo adjetivo biomédica para indicar sua relação com a área da saúde (Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas, 2004). A resolução CNS 196/96 no item lU, define pesquisa como: "classe de atividades cujo objetivo é desenvolver ou contribuir para o conhecímento generalizável. O conhecimento generalizáve1consiste em teorias, relações ou princípios ou no acúmulo de informações sobre as quais estão baseados, que possam ser corroborados por métodos científicos aceitos de observação e inferência" (Brasil, 1996). No item 11.2, estabelece o que é pesquisa com seres humanos: "pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais" (Brasil, 1996). A pesquisa médica quando realizada com seres humanos e cujo objetivo seja obter um novo conhecimento acerca da fisiopatologia, métodos de diagnóstico e novos tratamentos, entende-se como pesquisa clinica. Essa modalidade de pesquisa pode ser de dois tipos, assim denominados: pesquisa clínica terapêutica e pesquisa clínica não terapêutica. Essa designação abalizada pela primeira Declaração de Helsinque (1964), entende a pesquisa clínica terapêutica como aquela que combina os cuidados para com os pacientes com pesquisa, ou seja, "o pesquisador propõe a terapêutica que acha mais adequada para o paciente, tendo como objetivo principal uma melhoria da saúde deste" (Alves, 2003:35) e a pesquisa clínica não terapêutica diz respeito àquela cujo objetivo é puramente científico e não trata dos males e da saúde dos sujeitos, objeto da pesquisa, podemos dizer que é aquela "realizada em pessoas doentes ou saudáveis com objetivo de obter resultados científicos que não impliquem num beneficio imediato para elas próprias" (Alves, 2003:35). Segundo Beauchamp & Childess (2002), vincular o termo "terapêutico" à pesqUIsa pode ser perigoso, principalmente quando se refere à obtenção do consentimento, pois sugere que se trata de uma "intervenção justificada" no tratamento 12 de pacientes particulares. No preâmbulo das diretrizes éticas internacionais para a pesquisa biomédica em seres humanos, do Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas (2004), o problema também é abordado e esse documento orienta para se distinguir a pesquisa biomédica em sujeitos humanos, da prática da medicina, saúde pública ou de outras formas de cuidados com a saúde estruturada para o atendimento direto à saúde dos indivíduos ou comunidades. Quando a pesquisa clinica é realizada com medicamentos, os objetivos básicos são de verificar os efeitos, segurança e tolerância, relacionar os eventos adversos, além de analisar a absorção, distribuição, metabolismo e excreção dos princípios ativos, a fim de que se estabeleçama eficácia e a segurança do produto (Lousana & Accetturi, 2002a). As pesquisas com medicamentos correspondem a um grande número das pesquisas clínicas e, segundo Neto (2001), comparações de dados em dois períodos distintos (1995 e 2000) demonstraram aumento, estatisticamente significativo, do número de pessoas nos departamentos de pesquisa clínica, número de protocolos patrocinados pelas indústrias farmacêuticas, número de pacientes envolvidosem estudos clinicas, números de centros treinados e habilitados e estados onde estudos clinicas são conduzidos. Houve, ainda, a diminuição de protocolos fase IV, aumento de protocolos fase H e IH, e mais investimentos financeiros por parte das indústrias farmacêuticas (Neto, 2001). Esse aumento do número de pesquisa clinica com medicamentospode ser justificado pela profunda alteração no setor de desenvolvimentode novos medicamentos que ocorreu nos últimos anos (Alves, 2003). O investimento da indústria farmacêutica neste setor é, sem dúvida alguma, um fator modificador. Globalmente, as indústrias farmacêuticasinvestem cerca de 60 bilhões de dólares ao ano em pesquisa e desenvolvimentode novos produtos, ou, cerca de 20% de seu faturamento (Lousana & Accetturi, 2002b). A globalização econômica desencadeou a transferência da investigação médica das universidades para as indústrias farmacêuticas, que têm realizado fusões na busca de reunirem esforços concentrados de pesquisadores, material técnico e capital, formando grandes monopólios que sufocam antigos centros de pesquisas universitárias, impossibilitandoa concorrência (Alves, 2003). Nos Estados Unidos, dos 6 bilhões de dólares que a indústria farmacêutica gera por ano, cerca de 3,3 bilhões de dólares são aplicados na pesquisa clínica (Lousana & Accetturi, 2002b). O Brasil tem sido considerado como pais emergente para condução de estudos clinicas por comandar 40% do mercado farmacêutico da América Latina, ser o maior mercado, o pais mais extenso, mais 13 populoso e mais industrializado da América Latina; por representar 67% do mercado do MERCOSUL e possuir legislações específicas para condução de estudos c1inicos, investigadores e profissionais da área de saúde capacitados e interessados, e centros com infra-estrutura adequada (Neto & Franco, 2002). o trabalhoso desenvolvimento de um novo medicamento é um processo longo, e de custo bastante elevado. Em geral, de cada 10:000 moléculas identificadas com potencial terapêutico, somente 1.000 chegam à fase de investigação pré-c1inica. Dessas apenas 10 serão estudadas em seres humanos e só uma delas chegará ao mercado, após aprovação e registro para uso terapêutico. Esse processo tem duração aproximada de 10 a 12 anos e custo de 300 a 600 milhões de dólares (Lousana & Accetturi, 2002a). É inegável a importância das descobertas de novos tratamentos para os males da saúde, assim como o alto custo para produção de novos medicamentos. Entretanto, esses dois fatores não justificam a realização de determinadas pesquisas clinicas em paises pobres ou em desenvolvimento. "Muitos projetos de pesquisa que não seriam aprovados em países desenvolvidos desenvolvimento alegando-se são desviados para os paises em a falácia da urgência que facilitou a realização de pesquisas claramente não-éticas" (Greco, 2003 :263). Para Sass (2003), é injusto fazer experiências em seres humanos sem a proteção oferecida, nos países desenvolvidos, formados por pessoas educadas e revisões de pesquisa estabelecidas. É uma infelicidade que principios e procedimentos mais ou menos adequados à proteção de pacientes e sujeitos de pesquisa em sociedades formadas por pessoas relativamente educadas e dotadas de processos adequados sejam usados sem ajustes culturais adicionais em países menos afortunados (Sass, 2003). Seria mais justo para pacientes e sujeitos de pesquisa se se pudesse desenvolver uma política de pesquisa ótima, que atendesse a cem por cento dos requisitos feitos em sociedades modernas de pessoas educadas, autônomas, ao lado de outras caracteristicas como educação adicional por meio de redes existentes nas famílias, informação e proteção extras a grupos de individuos que tradicionalmente não estão acostumados a avaliar e decidir independentemente, o fornecimento de serviços educacionais ou médicos extras vinculados ou não com a pesquisa especifica para qual se pede consentimento (Sass, 2003). Segundo Azevedo, "no cenário de gigantes, os mais urgentes problemas de saúde das populações pobres, demandando pesquisas e ações, entretanto têm pouco 14 poder de influência no direcionamento do tipo de pesquisa a ser priorizada. Assim, não é incomum desenvolverem-se projetos de pesquisa para testar novas drogas para tratamento de doenças que na verdade não são prioritárias naquela população" (Azevedo, 2003:327). A maioria das vezes a agência financiadora, os pesquisadores e até o próprio projeto vêm de um país desenvolvido com a participação, e raramente colaboração verdadeira, de pesquisadores e instituições de um pais subdesenvolvido (Greco, 2003). Muitas vezes a chegada de um projeto de pesquisa, geralmente do exterior, pode ser percebida como a única maneira objetiva de se conseguir algum tipo de acesso a tratamento e a infra-estrutura básica, apesar dessa última geralmente ser transitória (Greco, 2003). Diante desses fatos, vale lembrar o que Morin (2002) afirmou sobre a ciência nos dias de hoje, que se tomou poderosa e maciça instituição no centro da sociedade, subvencionada, alimentada, controlada pelos poderes econômicos e estatais. Os interesses econômicos, capitalistas, o interesse do Estado, desempenhamseu papel ativo nesse circuito de acordo com suas finalidade, seus programas, suas subvenções (Morin, 2002). m.2. Pesquisador "O que distingue um cientista de uma pessoa comum é antes de tudo sua capacidade de formular novas questões, propor metodologia adequada para tratá-Ias e produzir novos conhecimentos" (palácios et ai, 2002:475). O termo cientista foi introduzido na Inglaterra, em 1840, e desde então os pesquisadores fisicos, químicos, biólogos e médicos também são assim denominados (Cruz-Coke, 1994). Para executar uma pesquisa é preciso que o cientista tenha competência para fazer perguntas, deve saber delinear e conduzir a pesquisa e, nos casos de pesquisas com seres humanos, ter competência para dispensar cuidados médicos aos pacientes, objeto da pesquisa (Rossne & Vieira, 1995). As diretrizes éticas internacionais para a pesquisa biomédica em seres humanos recomenda que a pesquisa com seres humanos deve ser realizada ou supervisionada por pesquisadores devidamente qualificados e experientes, de acordo com o protocolo (Conselho de Organizações Internacionais de CiênciasMédicas, 2004). A responsabilidade pelo ser humano.' sujeito da pesquisa repousa, sempre, no médicopesquisador, que deve ser cientificamente especializado e. clinicamente competente (Meira, 1991). O pesquisador deve ter grande conhecimento clinico na área do conhecimento que abranja os tópicos estudados, para poder avaliar a importância e a 15 objetividade da pesquisa proposta, selecionar adequadamente os sujeitos da pesquisa, identificar e tratar de fonna rápida e correta fortuitos eventos adversos e interpretar de maneira correta os resultados obtidos (Oliveira, 2002b). Entretanto, a experiência técnica-cientifica deve estar aliada ao comportamento ético, pois o bom pesquisador deve também observar e cumprir rigorosamente os princípios da ética aplicada à pesquisa científicacom objetivo de proteger os sujeitos, objeto da mesma. Embora a participação na pesquisa seja uma experiência valiosa para médicos, há os problemas potenciais que devem ser reconhecidos e evitados. Em primeiro lugar, o papel do médico no relacionamento com pacientes é diferente do papel do pesquisador no relacionamento com o sujeito, objeto da pesquisa. A responsabilidade preliminar do médico é a saúde e o bem estar do paciente, e a responsabilidade preliminar do pesquisador é a geração do conhecimento, que pode ou não contribuir para a saúde e o bem-estar do sujeito da pesquisa. Assim, fica claro que há um potencial conflito entre os dois papéis, e quando isto ocorre, o papel do médico deve ter precedência sobre o papel de pesquisador (World Medicai Association, 2005). Para Beecher (1966b), a grande proteção do sujeito da pesquisa é a presença de um médico hábil, bem infonnado, inteligente, honrado e responsável. Segundo Beauchamp & Childress (2002), os papéis duplos de cientista-pesquisador e de médico-clinico levam a direções diferentes e trazem obrigações e interesse conflitantes. "Como pesquisador, o médico busca gerar conhecimento cientifico para que possa beneficiar pacientes individuais no futuro. Já na prática c1inica,os contratos e as responsabilidades exigem que o médico aja no melhor interesse dos pacientes atuais" (Beauchamp & Childress, 2002:480). Além desses conflitos que surgem neste duplo papel, a figura do médico, geralmente, expressa a imagem do poder e da detenção do conhecimento, de fonna que questionar e/ou contestar as suas falas pode não ser um facilitador da relação pesquisador-sujeito (Hardy et ai, 2002). Outro problema é o poder de "sedução" ou astúcia do pesquisadorjunto ao sujeito da pesquisa, que pode se utilizar da confiança da relação médico-paciente, ou a "sedução" pela possibilidade de melhor atendimento (ou de mero atendimento), ou a "sedução" pelo novo (Hossne, 2003). O interesse do médico em obter beneficios por executar pesquisa, pode, às vezes, opor-se ao dever de fornecer ao paciente o melhor tratamento "disponivel". Pode também opor-se ao direito do . . paciente em receber toda infonnação necessária para decidir se participa ou não participa da pesquisa e esses fatos envolvem conflitos (World Medicai Association, 2005). 16 Com o aumento das pesquisas exigidas pelo mercado - e conseqüente interesse comercial de expansão das indústrias farmacêuticas - a demanda de profissionais neste setor tem crescido vertiginosamente. Entretanto, segundo Alves (2003), ainda não houve tempo de formar pesquisadores qualificados, ocasionando, por vezes, a contratação de pesquisadores inexperientes para uma área que necessita, pela sua própria natureza, de elevada capacitação ao mesmo tempo técnica, profissional e moral, ou seja, em âmbitos que são distintos, embora não possam ser separados. Um outro problema potencial é o conflito de interesse. A pesquisa médica financiada por uma empresa oferece, ás vezes, aos médicos, recompensas consideráveis para participar como pesquisador. Podem incluir pagamentos em dinheiro para os sujeitos da pesquisa, equipamentos, convites para conferências, e autoria ou co-autoria nas publicações dos resultados da pesquisa (World Medicai Association, 2005). O setor acadêmico, ao deixar de conduzir a descoberta de novos medicamentos, impulsionou a comercialização da pesquisa médica e o cientista passou a ser um funcionário a serviço de uma multinacional que exige uma descoberta rápida e, por vezes, não muito segura nem eficaz. O lucro é o objetivo da indústria e no processo de investigação para atingir este fim sacrificam-se muitas coisas e, entre elas, os direitos das pessoas submetidas á pesquisa (Alves, 2003). Essa oportunidade de pesquisa passa a ser considerada como "qualquer coisa (...) melhor que nada", e, para Greco (2003), este argumento é semelhante á aceitação de migalhas, que podem aliviar a fome imediata, mas que apenas facilitarão a manutenção do status quo, sendo que nunca deveriam justificar a aceitação de requisitos éticos diferentes e menos rigorosos. Os padrões éticos não deveriam depender de onde a pesqUIsa é realizada, e a responsabilidade dos pesquisadores não deveria ser influenciada por fatores econômicos e politicos locais (Angell, 2000). "Embora o conhecimento cientifico elimine de si mesmo toda competência ética, a praxis do pesquisador suscita ou implica uma ética própria. Não se trata unicamente de uma moral exterior que a instituição impõe a seus em pregados; trata-se de mais do que consciência profissional inerente a toda profissionalização; de ética própria do conhecimento, que anima todo pesquisador que não se considera um simples funcionários" (Morin, 2002:120-121). Para a World Medicai Association (2005), estes potenciais problemas podem ser . . superados pelos valores éticos do médico - compaixão, competência e autonomia. Contrariamente a esta afirmação, Palácios et ai (2002 :465), dizem que os pesquisadores que acreditavam que "sua firme determinação de fazer o bem, sua integridade de caráter 17 e seu rigor científico eram suficientes para assegurar a eticidade de suas pesquisas, nos dias de hoje esta concepção já não é mais objeto de consenso". E, com o mesmo tipo de raciocinio, Morin (2002: 131) afirma que "a ciência é um processo sério demais para ser deixado só nas mãos dos cientistas, pois se tornou muito perigosa para ser deixada nas mãos dos estadistas e dos Estados." Problemas dessa ordem não podem estar fechados entre quatro paredes, a ciência passou a ser um problema cívico, um problema dos cidadãos e "o que podemos fazer é levantar os problemas, é formular as contradições, é propor a moral provisória" (Morio, 2002: 133). m.3. Casos a serem lembrados No campo específico da saúde, a pesquisa científica e biotecnocientífica é abundante e, embora o progresso científico e o desenvolvimento de procedimentos preventivos, diagnósticos e terapêuticos, dependam da experimentação em seres humanos, essas pesquisas são sempre, e necessariamente, realizadas em condições de incerteza e em meio a conflitos de interesses e de valores, podendo, em alguns casos, assumir a forma de verdadeiros dilemas morais (Schramm & Kottow, 2000). Há muitos exemplos que confirmam a existência de casos, onde os seres humanos não foram respeitados como sujeitos quando estavam na condição de objeto da pesquisa. Com o intuito de ratificar essa afirmação podemos citar o caso registrado na Inglaterra, em 1721, no qual o cirurgião inglês Charles Maitland, inoculou variola em seis prisioneiros com a promessa de liberdade (Howard-Jones, livro, diversos casos de pesquisas 1982). Pappworth (1968) relata, em seu clínicas com crianças, mulheres grávidas, prisioneiros, pacientes terminais e doentes mentais que aconteceram até 1900, em que foram inoculados virus e bactérias que causavam doenças incuráveis, e, além disso, as pessoas utilizadas nessas pesquisas não deram seu consentimento. Durante a Segunda Guerra Mundial, nos campos de concentração houve diversos casos de pesquisa com seres humanos que não obedeceram a nenhum princípio ético (Gafo, 1994). Transplantes de células cancerosas, exposição proposital à febre tifóide, manipulação de cérebros de mulheres com convulsões e numerosas pesquisas em recém-nascidos, grávidas, doentes mentais e portadores de outras doc:nças, são alguns exemplos dessas pesquisas sofrimento, (Gracia, muito 1998). Nessas pesquisas, essas pessoas experimentaram provavelmente evitável. Na Manchúria, entre dor e 1930 e 1945, prisioneiros chineses foram submetidos a experimentos com morte direta ou indireta, 18 totalizando 3.000 mortes. Foram feitos testes com insetos e todos microrganismos. os tipos de O objetivo era provar a resistência humana ao botulismo, antrax, brucelose, cólera, disenteria, febre hemorrágica, sifilis, entre outros e, também, ao raio X e ao congelamento (Reich, 1995). Houve, também, casos de substituição do sangue da pessoa por sangue de cavalo, congelamento e descongelamento dos braços, até necrose do membro e conseqüente amputação e pesquisas com microrganismos para o desenvolvimento de armas biológicas (McNeill, 1993). Beecher (1966b), em seu artigo seminal, relatou casos de abusos nas pesquisas com seres humanos, além de demonstrar que a maioria desses episódios se passou com individuos pertencentes a grupos particularmente vulneráveis ou literalmente vulnerados em sua condição de saúde. Com efeito, segundo Cooter (1995), verifica-se que, entre os individuas submetidos à experimentação pertence a certas "minorias": negros, mulheres, crianças, médica, a maioria idosos, pobres e, eventualmente, portadores de patologias especificas. Outro trabalho importante foi o de Katz (1972), pois denunciou diversos excessos na pesquisa cientifica com seres humanos na área biomédica. Um dos casos mais conhecidos aconteceu entre 1932 e 1972, em Tuskegee, no A1abama, Estados Unidos. Nesta pesquisa o Serviço Nacional de Saúde e Assistência, selecionou 400 homens negros infectadas por sifilis com o objetivo de estudar a história natural da doença. Ocorre que, na década de 50, o tratamento dessa doença ficou mais eficaz e com menos efeitos colaterais com o advento da penicilina, mas, mesmo assim, esses homens permaneceram sem tratamento, não foram informados do novo tratamento, nem das conseqüências causadas pela sífilis (Caplan, 1992). Outro caso que merece ser relatado ocorreu na Escola em WiIlowbrook em New Yor\(, entre 1950 e 1970, foi inoculado virus da hepatite em crianças doentes mentais com objetivo de estudar a história natural da doença (Beecher, 1966b). O uso inadequado de seres humanos em pesquisa aconteceu também na década de 60, no Jewish Chronic Disease Hospital, quando se inocularam células cancerosas em judeus idosos internados sem o conhecimento e conseqüente consentimento para tal procedimento (Godin, 1994). No estado de Oregon, no ano de 1963, 131 presos foram contratados, como objeto de uma pesquisa, por US$ 200,00 cada um. A técnica utilizada na pesquisa constava em submeter os sujeitos à radiação de 600 roentgen nos genitais e, . . a máxima radiação anual permitida é de 6 (seis) (Kieffer, 1983). Mais recentemente, em 1998, um caso chamou a atenção nos Estados Unidos. Uma equipe de pesquisadores do Bayview Medicai Center, vinculado à Universidade Johns Hopkins, de Baltimore, 19 obteve um financiamento de mais de um milhão de dólares para desenvolver uma linha de pesquisa sobre a resposta das vias aéreas a substâncias químicas, incluindo o Hexametônio e a Metacolina. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, Institutional Review Board (como são denominados nos Estados Unidos) e teve seu inicio em abril de 2001. Embora alguns voluntários tenham apresentado efeitos adversos, a pesquisa continuou. Em 9 de maio uma das voluntárias foi internada no hospital com complicações respiratórias. Em 17 do mesmo mês a pesquisa foi interrompida e em 2 de junho a voluntária teve seu quadro agravado e morreu em decorrência da inalação do hexametônio. Em 16 de julho a Universiade Johns Hopkins divulgou um relatório no qual assumiu a responsabilidade pela morte da voluntária, indicando que o pesquisador e o Comitê de Ética em Pesquisa que avaliou o projeto falharam na proteção dos participantes. O Offiee for Human Researeh Proteetion, órgão do governo norte-americano responsável pelo acompanhamento das pesquisas com seres humanos, suspendeu todas as pesquisas envolvendo seres humanos que tinham alguma forma de financiamento público desenvolvidas na Universidade John Hopkins até que a universidade cumprisse uma série de exigências, entre elas a criação de mais comitês de ética em pesquisa, a promoção de atividadeseducativas para pesquisadores e membros dos comitês e avaliação dos projetos aprovados anteriormente (Steinbrook, 2002). Em 1997, foi publicado no New England Journal of Medieine um artigo com a denuncia de que 15 pesquisas clinicas foram realizadas em paises do "Terceiro Mundo" que tinham como finalidade estudar a prevenção da transmissão vertical do virus HIV, causador da imunodeficiênciaadquirida, de mulheres grávidas para o feto. O problema ético gerado por essas pesquisas relaciona-se à adoção de dois grupos, sendo um grupo tratado (as mulheres receberam o AZT, coquetel de drogas que previne a transmissão vertical) e outro, chamado de grupo controle, que utilizou placebo. Essas pesquisas foram consideradas imorais por pennitir, deliberadamente, a contaminação de crianças pelo virus HIV (Lurie & Wolfe, 1997). Outro caso de repercussão e divulgado nos meios de comunicação aconteceu na cidade do Porto, em Portugal. A notícia publicada como manchete de capa e mais duas páginas centrais sob o título: "Tirei-lhe um bocadinho do seu cérebro", na edição do jornal O Independente, de Lisboa, em 15 de junho de 2001, relata o caso de um médico do Hospital São João, da cidade do Porto, que fora acusado de ter retirado amostras de cérebro de 29 doentes vivos, sem que os próprios soubessem ou lhes tivessem dado seu consentimento. As amostras foram • 20 retiradas no serviço de urgência e no serviço de cirurgia do referido hospital. O destino do material era uma pesquisa que resultou numa tese de doutoramento, já apresentada e aprovada pela Faculdade de Medicina do Porto. No centro dessa polêmica está o fato de o médico-pesquisador não ter obtido o consentimento dos pacientes (Esteves, 2001). No New England Joumal of Medici, foi publicado, em 2001, um artigo sobre transplante de células fetais para o tratamento da doença de Parkinson. Nesse estudo incluíram-se 40 pacíentes, sendo que 20 foram operados e receberam o transplante de células fetais e outros 20 pacientes foram submetidos à trepanação, mas não foram transplantadas as células fetais. Os observadores da pesquisa desconheciam os casos que estavam num grupo e no outro, e os doentes só foram informados no final do estudo. Os resultados foram desencorajadores, ao final de um ano os efeitos indesejados no grupo tratado foram piores e superiores ao não tratado (Freed, 2001). Neste caso a reflexão ética que se faz, vai desde a utilização de células fetais em pesquisa científica, até a validade de se realizar uma ferida operatória, de se submeter os pacientes a riscos cirúrgicos e anestésicos, sem objetivo terapêutico. O outro caso que relataremos é de uma pesquisa desenvolvida no Brasil, publicada na Revista Brasileira de Psiquiatria, em 2001. O trabalho teve como objetivo verificar a sensibilidade de pacientes com transtorno de pânico (TP) ao teste de indução de ataques de pânico com dióxido de carbono a 35% e analisar a intensidade, a duração e a sintomatologia dos ataques produzidos por esse agente, em laboratório. Foram selecionados 31 pacientes graves com TP e que, após uma semana sem medicação, foram submetidos a duas inalações, sendo que um grupo de voluntários inalava dióxido de carbono a 35%, que sabidamente causava ataque de pânico e o outro grupo inalava oxigênio. Essas inalações eram repetidas após duas semanas e esses pacientes não receberam nenhuma medicação psicotrópica durante todo periodo da pesquisa. Após os testes, 71% dos pacientes que inalaram o dióxido de carbono a 35% tiveram ataque de pânico. Entretanto, essa possibilidade de ataque de pânico não fora mencionada aos sujeitos, objeto da pesquisa. O autor justifica a realização do experimento alegando que é quase impossível um pesquisador presenciar um ataque de pânico espontâneo in natura. E, ao final da pesquisa, conclui que os dados encontrados na pesquisa coincidem com os da literatura (Valença et ai, 2001). Essa pesquisa é contestada eticamente porque utiliza individuos vulnerados, deixa-os sem medicação, no termo de consentimento não explicita a possibilidade de ataque de pânico e os dados obtidos já eram conhecidos e divulgados na literatura científica. . 21 A pesquisa eticamente justificada deve satisfazer muitas condições, incluindo uma probabilidade razoável de que a pesquisa gere o conhecimento que está sendo buscado, um equilíbrio favorável entre os riscos oferecidos ao individuo na pesquisa e os prováveis beneficios para o individuo e para a sociedade, uma seleção justa dos individuos participantes e a real necessidade de usar seres humanos (Beauchamp & Childress, 2002). Tudo isso demonstra claramente a pertinência da discussão sobre o tema ética aplicada à pesquisa no ambiente acadêmico e científico, assim como sua importãncia estratégica no âmbito social, sendo que, em última ínstância, a ética aplicada à pesquisa visa não somente entender os conflitos, mas, sobretudo, tentar resolvê-los e, portanto, proteger, em última instãncia, os voluntários que participam das pesquisas científicas. (Schramm, 2002). mA. Documentos Internacionais e Nacionais sobre ética na pesquisa Os excessos cometidos em nome da ciência motivaram a sociedade e a consciência critica da comunidade científica a encontrar um caminho no qual o desenvolvimento científico, em princípio em prol do bem comum, não implicasse prejuízos para o ser humano, quando voluntário numa pesquisa científica; devendo, portanto, ser tratado com dignidade e não prejudicado. Esse caminhofoi trilhado através da adoção de documentos normativos que expõem parâmetros de moralidade para a correta utilização de seres humanos em pesquisas cientificas. Gerou-se, assim, nos últimos decênios do século XX, uma forte fiscalização das investigações biomédicas nos países do Primeiro Mundo, sendo que uma das conseqüências - moralmente questionável - foi a transferência desses estudos para países cujas legislações e regulamentações éticas eram ou pareciam ser menos rigorosas (Schramm & Kottow, 2000). m.4.I. Código de Nüremberg O primeiro código de alcance internacional que trata sobre a ética aplicada à pesquisa é o Código de Nüremberg (Nüremberg Code, 1947). Este documento é considerado o "decálogo" do pesquisador e originou-se a partir do Tribunal Internacional de Nüremberg (1946). Este tribunal funcionou logo após o término da Segunda Guerra Mundial, em Nüremberg, Alemanha,quando vinte médicos 22 nazistas e três administradores foram julgados por assassinatos, torturas e outras atrocidades cometidas supostamente em nome da ciência, mas, de fato, em nome dos interesses de um Estado totalitário e sob o véu de uma pretensa cientificidade, garantida por cientistas e médicos subservientes de uma ideologia niilista. E, em 19 de agosto de 1947, 16 foram declarados culpados e 7 condenados à morte (Ionsen, 2000). o Código de Nuremberg não teve o efeito desejado, pois pesquisas fora de padrões éticos continuaram a ser desenvolvidas. Segundo Diniz & Corrêa (200 I), para os médicos e pesquisadores c1inicos norte-americanos, o Código de Nuremberg se referia a uma espécie de má medicina ou mesmo uma medicina do mal, tipica e exclusiva do nazismo, distante da prática médica de países com tradição politica democrática. O documento seria, portanto, o resultado de um julgamento politico e não um tratado universal de direitos humanos no campo da pesquisa científica. "Somente vinte anos depois da promulgação do Código de Nuremberg, a possibilidade de uso inadequado de seres humanos na pesquisa clínica foi considerada uma hipótese concreta para todos os médicos e pesquisadores, fossem eles nazistas ou democratas" (Diniz & Corrêa, 2001). fi.4.2. Declaração de Helsinque O pós-guerra viu o florescer do progresso científico e isso foi associado com um crescimento exponencial na pesquisa médica. Para Greco (2003), regras e normas por elas mesmas não foram capazes, e provavelmente nunca serão suficientes, e nem o melhor meio, de tomar a pesquísa justa, equânime e relevante. Mesmo com o Código de Nüremberg e com a então Declaração de Helsinque, pesquisas não éticas são realizadas no chamado mundo desenvolvido (Greco, 2003). Segundo Palácios et alo (2002), a necessidade de regulamentar as pesquisas em humanos de forma a proteger as populações a elas submetidas, e a pouca influência do Código de Nüremberg sobre as práticas de pesquisa, estão dentre as condições que deram origem à chamada Declaração de Helsinque, que foi elaborada e aprovada pela World Medical Association, com a finalidade de garantir a moralidade da pesquisa com seres humanos. "A Declaração de Helsinqúe projetou-se para o futuro como um guia ético obrigatório para todos os pesquisadores" (Diniz & Corrêa, 2001). 23 Este documento já sofreu várias modificações desde sua primeira versão, de 1964. A nova versão da Declaração de Helsinque foi votada na 52' AssembléiaGeral da World Medical Association, na cidade de Edimburgo, no ano 2000, perfazendo um total de seis documentos. Depois que a Assembléia Geral adotou, em outubro de 2000, uma versão revisada da Declaração de Helsinque, expressaram-se inquietudesa respeito do artigo 29, que trata sobre o uso de placebo, e o artigo 30, que fala da atenção continuada aos participantes da pesquisa, inclusive depois do término da pesquisa. Na tentativa de solucionar os problemas originados pelos artigos 29 e 30 da Declaração de Helsinque (2000), o Conselho da World Medicai Association, numa reunião em outubro de 2001, nomeou um grupo de trabalho para estudar os problemas identificados no artigo 29. Em maio de 2002 o grupo notificou ao Conselho sobre a necessidade de se adotar nota de esclarecimentoem relação ao artigo 29. A sugestão foi acatada e o grupo de trabalho teve a incumbência de elaborar o documento. Na reunião do dia 6 de outubro de 2002, do Conselho da World Medical Association, aprovou-se uma nota de esclarecimento para a Declaração de Helsinque (2000). A nota de rodapé da Declaração de Helsinque (2000) que elucida o artigo 29 (uso de placebo) reafirma que as pesquisas que utilizam placebo devem ser conduzidas com muito cuidado e que esse recurso metodológico não deve ser usado quando existir terapia comprovada. Entretanto, a própria nota de esclarecimentoabre uma ressalva para essa modalidade de pesquisa. Diz o apontamento que a utilização de placebo é eticamente aceita em certos casos, até mesmo naqueles em que se disponha de uma terapia comprovada, desde que cumpra determinadas condições. Essas situações previstas são: quando, por razões metodológicas, cientificase prementes, o uso do placebo é necessário para determinar a eficácia e a segurança de um método preventivo, diagnóstico ou terapêutico, quando a enfermidade não é grave e o uso de placebo não implique em risco adicional, efeitos adversos graves ou danos irreversíveispara os pacientes. Em maio de 2003, o Conselho da World Medical Association solicitou ao mesmo grupo de trabalho que estudasse os problemas identificados no artigo 30 e elaborasse um documento sobre essa questão. No mês de janeiro de 2004 foi divulgado um informe do grupo de trabalho sobre o artigo 30, onde se recomenda que o referido artigo não receba nenhuma emenda. Mas, de fato, o grupo não chegou a um consenso sobre a atenção continuada dos participantes da pesquisa depois do término da mesma. No dia 30 de janeiro, o Conselho da World Medicai Association divulgou um comunicado sobre esse assunto. Refere-se às divergências e às criticas ao artigo 30, 24 relata as atividades desenvolvidas pelo grupo de trabalho designado para estudar o problema, e apresenta três alternativassugeridas pela comissão, que são: 1. Agregar uma introdução que explique que a Declaração de Helsinque é um conjunto de normas éticas, e não um código de leis ou regras. 2. Agregar uma nota de esclarecimento que reafirme o parágrafo 30, para evitar a possibilidade de uma má interpretação. 3. Não agregar nenhuma mudança à Declaração. Segundo Greco (2003), a pressão ocorreu principalmente em relação aos itens número 29 (uso de placebo) e 30 (atenção continuada aos participantes da pesquisa), que define o nivel dos cuidados médicos a serem garantidos aos voluntários de ensaios clinicos. A versão em espanhol da Declaração de Helsinque (2000) apresentou um problema de tradução da expressão em inglês "the best proven methods", que ficou "los mejores (...) existentes", ou seja, a interpretação universalista da Declaração de Helsinque modifica-se para uma interpretação situacionista (Schramm & Kottow, 2000). Aparentemente, é uma tênue diferença o que separa o "melhor método comprovado de diagnóstico e terapêutica" do "melhor método diagnóstico, profilático ou terapêutico que em qualquer outra situação estaria disponivel" (Diniz & Corrêa, 2001). A aceitação deste relativismo ético pode resultar em exploração de populações vulneráveis do terceiro mundo nos programas de pesquisa que não podem ser realizados no pais de origem (Angell, 1997). Na verdade o que está por trás desta aparente mudança semântica não é um mero jogo de adjetivos, e sim o que deve ser referência ética de controle e julgamento para eticidade e justiça das pesquisas com seres humanos (Diniz & Corrêa, 2001). Após muitos debates, a questão foi dirimida quando a World Medical Association decidiu substituir a expressão "os melhores métodos (...) disponiveis" pela "os melhores métodos (...) existentes", o que, de fato, não resolve o problema (Schramm & Kottow, 2000). A lição que se tira de toda essa história é que, mlUSuma vez, alguns países ricos, com o apoio de poderosos complexos empresariais internacionais de medicamentos e bioderivados, interessados quase que exclusivamente no mercado e no lucro, tentam fazer valer seu poder (econômico) de pressão e persuasão, em detrimento da priorização pelo social, da inclusão dos sujeitos sociais no campo verdadeiramente democrático, com conseqüente usufiuto dos beneficios do mundo contemporâneo 25 .(Garrafa & Prado, 2001). Os padrões éticos não deveriam depender de onde a pesquisa é realizada, e a responsabilidade dos pesquisadores não deveria ser influenciada por fatores econômicos e políticos existentes no local (AngeIl, 2000). Mas, um bom exemplo foi estabelecido durante as intensas discussões que ocorreram nos últimos cinco anos, relacionadas às modificações propostas para a Declaração de Helsinque: ativistas, bioeticistas e cientistas têm sido capazes, trabalhando juntos, de resistir às manobras para diminuir o padrão ético (standard) para os ensaios clínicos e para evitar aumentar ainda mais o verdadeiro abismo que separa as pessoas afluentes dos paises industrializados da maioria da população do resto do mundo (Greco, 2003). É possível concluir que o espírito "universalista" da Declaração de Helsinque (2000) deve prevalecer sobre o espírito "situacionista", do contrário cabe a pergunta se podemos considerar a Declaração de Helsinque como um instrumento idôneo para avaliar a eticidade da pesquisa científica e, se é um mecanismo efetivo de proteção dos sujeitos, objeto da pesquisa e das populações pesquisadas (Schrarnrn & Kottow, 2000). ill.4.3. Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos O Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas CIOMS - é uma organização internacional não-governamental que mantém relações oficiais com a Organização Mundial de Saúde - OMS. Foi fundado sob os auspícios da OMS e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura UNESCO, em 1949, tendo entre outras atribuições colaborar com a Organização das Nações Unidas e seus órgãos especializados, particularmente a UNESCO e a OMS. No final da década de 1970, o CIOMS, em associação com a OMS, começou a trabalhar no campo da ética da pesquisa biomédica. No ano de 1982, a CIOMS e a OMS, editaram as Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos. No periodo seguinte, com a pandemia HIV/AIDS e conseqüentes propostas de realização de ensaios de vacinas e medicamentos, passam a exigir a revisão e atualização das diretrizes. Assim, em 1993, surge uma nova versão do documento. Depois de 1993, surgiram temas éticos para .os quais as Diretrizes da CIOMS não continham dispos!tivos especificos. Tratava-se principalmente de ensaios clínicos controlados com pesquisadores e patrocinadores externos executados em paises com poucos recursos. O tema em debate era a necessidade de conseguir soluções de saúde pública, 26 tecnologicamente apropriada e de baixo custo, especialmente para o tratamento do lllV/AIDS. A revisão e atualização das Diretrizes de 1993 começaram em dezembro de 1998, sendo finalizada em 2002. O novo texto estabelece princípios éticos gerais, trás um preâmbulo e 21 diretrizes, contendo urna introdução e urna breve descrição de instrumentos e diretrizes anteriores (Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas, 2004). ID.4.4. Good Ginical Practice Embora todos os documentos citados sejam aplicados a todas as pesquisas com seres humanos na Medicina, por sua particularidade, a pesquisa clinica tem um referencial ético além daqueles aqui apresentados, trata-se da Good ClinicaI Practice. Nos anos 1970 realizaram-se, nos Estados Unidos, várias inspeções que evidenciaram a questionável qualidade das pesquisas médicas, inclusive casos de fraudes cientificas (Alves, 2003). Por conta desses fatos, a partir de 1977, a Food Drug Administration - FDA, órgão responsável por verificar a segurança e qualidade dos novos fárrnacos, propôs um conjunto de normas para regulamentar as pesquisas clínicas com seres humanos. O objetivo desse documento, denominado Good Clinicai Practice - GCP, é garantir a qualidade das pesquisas clínicas(Food Drug Administration,2005). A Good ClinicaI Practice é um conjunto de normas e orientações éticas e cientificas para o desenho, condução, registros e divulgação de resultados de estudos clinicas (Oliveira, 2002b). As atuais regras da Good Clinicai Practice são o resultado de várias normas adotadas por diversos organismos nos últimos anos, dentre os quais as normas do FDA, diretrizes européias e recomendações da OMS (Alves, 2003). Independente da área em que se desenvolva um estudo com seres humanos, ele deve ser conduzido conforme a legislação vigente e de acordo com as Good Clinicai PraticaI, que correspondem a um conjunto de regras de condução de ensaios clínicos, internacionalmente reconhecido, de forma a garantir a execução de estudos éticos e cientificamente criteriosos (Lousana & Accetturi, 2002a). IDA.5. Documentos brasileiros sobre ética aplicada à pesquisa O Brasil, que é sígnatário desses documentos internacionais, aprovou, através do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Ministério da Saúde (MS), urna 27 resolução que teve como objetivo criar parâmetros éticos para as pesquisas com seres humanos, a resolução CNS/MS 01 (Brasil, 1988). Esse primeiro documento adotado tratava exclusivamente das pesquisas na área da saúde, e não apresentou o efeito desejado, pois poucos pesquisadores e instituições de pesquisa adotaram e cumpriram a recomendação. Em função dos problemas apresentados e do crescente número de pesquisas desenvolvidasno Brasil com seres humanos, houve a necessidade de se adotar outro documento sobre o tema, a resolução CNS/MS 196 (Brasil, 1996). O Conselho Nacional de Saúde designou uma comissãoz para trabalhar e construir a nova resolução, que contou com a participação da comunidade científicae dos usuários dos serviços de saúde (Hossne & Freitas, 1996). A resolução CNS/MS 196 (Brasil, 1996) fundamentase nos principais documentos internacionais, declarações e diretrizes, como: o Código de Nüremberg; a Declaração dos Direitos do Homem; a Declaração de Helsinque e as Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos. Além disso, a resolução obedece aos dispositivos constitucionais brasileiros, bem como a toda legislação pertinente. A resolução CNS/MS 196/96 incorpora, sob a ótica do individuo e das coletividades, os quatro referenciais básicos da Bioética, de inspiração principialista: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, e visa assegurar os direitos e prescrever os deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. Depois da resolução CNS/MS 196 (1996), o Conselho Nacional de Saúde editou outras resoluções complementares. A resolução CNS/MS 240 (Brasil, 1997a), que define o termo "usuários" para efeito de participação nos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições; a resolução CNS/MS 251 (Brasil, 1997b), norma complementar para a área temática especial de novos fármacos, vacinas e testes diagnósticos; a resolução CNS/MS 292 (Brasil, 1999), que estabelece normas especificas para a aprovação de protocolos de pesquisa com cooperação estrangeira; resolução CNS 301 que contempla o posicionamento do CNS e CONEP contrário a modificações da Declaração de Helsinque (Brasil, 2000a); a resolução CNS/MS 303 (Brasil, 2000b), que contempla norma complementar para a área de reprodução humana; a resolução CNS/MS 304 (Brasil, 2000c), que trata das Pesquisas em Povos Indígenas; 2 Resolução CNS nO170/95 - criou o Grupo Executivo de Trabalho para rever e atualizar à Resolução CNS nO O 1/88, que trata de pesquisas em seres humanos. Membros: Willian Saad Hossne; Sérgio lbiapina Ferreira Costa; Artur Custódio Moreira de Souza; Fátima de Oliveira; Leocir Pessirú; Simone Nogueira; Roque Monteleone; Jorge Bermudez; Márcio Fabri; 04 (quatro) integrantes da Comissão Intersetorial de Ciência e Tecnologia - CICT/CNS; OI (um) farmacólogo c1irúco a ser designado pelo Conselho Nacional de Saúde, a partir de indicações feitas por entidades representativas do setor; 01 (um) empresário a ser designando pela Confederação Nacional da Indústria - CNI. 28 resolução CNSIMS 340 que aprova as Diretrizes para Análise Ética e Tramitação dos Projetos de Pesquisa da Área Temática Especial de Genética Humana (Brasil, 2004); a CNSIMS 346 que trata dos projetos multicêntricos (Brasil, 2005a) e a resolução CNSIMS 347 aprova as diretrizes para análise ética de projetos de pesquisa resolução que envolva armazenamento de materiais ou uso de materiais armazenados em pesquisas anteriores (Brasil, 2005b). As pesquisas com seres humanos sofrem conflitos éticos e os documentos normativos podem constituir-se em mecanismos de controle e prevenção dos abusos e atitudes não éticas por parte dos pesquisadores e cientistas (Dexeus & Dexeus, 1996). Segundo Garrafa e Prado (2001), todas estas regulamentações são conseqüências de conquistas da humanidade, que representam teses democráticas da maior importância para a comunidade mundial. Os documentos aqui apresentados adotam critérios éticos comuns, necessários para execução das pesquisas científicas com seres humanos, entre eles, o consentimento livre e esclarecido, a análise criteriosa dos riscos e beneficios e a revisão prévia por um Comitê de Ética em Pesquisa. Diante disso, fica claro que a adoção desses documentos e a criação dos comitês independentes de ética aplicada à pesquisa fortalecem a afirmação de que, "se houve um tempo em que muitos pesquisadores acreditavam que sua firme determinação de fazer o bem, sua integridade de caráter e seu rigor científico eram suficientes para assegurar a eticidade de suas pesquisas, nos dias de hoje esta concepção já não é mais objeto de consenso" (palácios et ai, 2002 :465). m.s. Consentimento Livre e Esclarecido The Belmont Report, documento editado pela The National Cornrnissíon for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, que trata dos princípios éticos para execução de pesquisas com seres humanos, afirma que o respeito pelas pessoas requer que os sujeitos, na medida em que sejam competentes, ou seja, compreendam as informações dadas pelos pesquisadores, tenham a oportunidade de escolher o que deve ou não deve acontecer com eles (The National Cornrnission for the Protection of Human Subjeets of Biomedical and Behavioral Research, 1979). Para este mesmo documento, o consentimento se estabelecerá quando esta oportunidade for promovida adequadamente. O consentimento livre e esclarecido é um processo compartilhado, de troca de informações e consenso mútuo (Zaboli & Massarollo, 2002). 29 o consentimento através do respeito pela diferença que testemunha, é necessário e eficaz para manter o caráter humano das relações entre os indivíduos, principalmente em situações radicais de extrema vulnerabilidade, para garantir a natureza ética da relação (Neves, 2003). Para Beecher (1966a), o consentimento é o aspecto maIS importante da pesquisa com seres humanos e "é ele que transforma o que seria simplesmente uso da pessoa em sua participação consciente num empreendimento cientifico" (Hossne & Vieira, 1995:134). Hoje, praticaInente todos os códigos proeminentes da medicina e da pesquisa, e as regras éticas institucionais mantêm que os médicos e os pesquisadores devem obter o consentimento livre e esclarecido dos pacientes e dos sujeitos de pesquisa antes de qualquer intervenção (BeauchaInp & Childress, 2002). No Código de Nüremberg (1947), o primeiro artigo trata da necessidade da obtenção do consentimento para realização das pesquisas com seres humanos: "O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete nele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente... !"- Declaração de Helsinque e as Diretrizes Interna~ionais (CIOMS) taInbém trazem no seu bojo a necessidade da obtenção do consentimento para realização das pesquisas que envolvem seres humanos. O artigo 22 da Declaração de Helsinque (2000) trata da necessidade do pesquisador informar adequadaInente ao potencial 30 voluntário sobre todos os propósitos e procedimentos da pesquisa e obter seu consentimento: "Em toda pesquisa com seres humanos, cada sujeito em potencial deve receber informações adequadas acerca dos objetivos, métodos, fontes de financiamento, possíveis conflitos de interesses, afiliações institucionais do pesquisador, benefícios esperados, potenciais riscos e incômodos derivados do experimento. A pessoa deve ser informada do direito de participar ou não da pesquisa e de retirar seu consentimento em qualquer momento, sem sofrer represálias. Depois de assegurar que o indivíduo compreendeu a informação, o médico deve então obter, preferivelmente por escrito, o consentimento livre e esclarecido e voluntário da pessoa. Se o consentimento não puder ser obtido por escrito, o processo para obtê-lo deve ser documentado formalmente por testemunha. " A recomendação 4, das Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédicas Envolvendo Seres Humanos (2002), diz respeito ao consentimento livre e esclarecido: "Em toda a pesquisa biomédica realizada em seres humanos, o pesquisador deve obter o consentimento livre e esclarecido do sujeito potencial ou, no caso de indivíduo incapaz de dar seu consentimento livre e esclarecido, a autorização de um representante legalmente qualificado de acordo com o ordenamento jurídico aplicável. A omissão do consentimento livre e esclarecido deve ser considerada incomum e excepcional e, em todos os casos, deve ser objeto de aprovação de um comitê de avaliação ética. " No Brasil, a resolução CNS/MS 196 (1996) adota a expressão "consentimento livre e esclarecido" e define-o, como: "anuência do sujeito ~ pesquisa e/ou de seu representante legal, livre de vícios (simulação, fraude OU erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previstos, 31 potenciais de riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária no experimento ". Na realidade, o consentimento livre e esclarecido é freqüentemente dificil de obter; porém, mesmo diante de várias dificuldades, o consentimento é uma meta que o pesquisador deve atingir (Beecher, 1966b). O consentimento livre e esclarecido, muitas vezes, tem sido tratado como um ritual vazio, um procedimento rotineiro limitado ao preenchimento e à assinatura de um formulário, com vistas à evidência legal de obtenção da anuência do usuário para casos de possíveís pendências juridicas (Zaboli & Massarollo, 2002). O consentimento livre e esclarecido é comumente entendido como o resultado do seguinte processo: o ato de ler e assinar um termo de consentimento (Sánchez et ai, 2001). Mas, se faz necessário entender que o consentimento é rigorosamente indispensável, principalmente em situações de extrema dependência, no seu simbólico caráter relacional, na medida em que promove e assegura que as relações entre pessoas estranhas permaneçam éticas (Neves, 2003). O consentimento livre e esclarecido é muito mais do que a assinatura do sujeito, objeto da pesquisa, no termo de consentimento livre e esclarecido. Para Beecher, (1966b), a necessidade da adoção do consentimento livre e esclarecido é baseada em três razões: Ética - nenhum homem tem o privilégio de escolher os participantes para um procedimento arriscado sem o conhecimento e acordo do individuo; Sociológica - a sociedade não tolerará a dominação de um pesquisador no que diz respeito à sua saúde ou vida, estudos que não têm o apoio tácito do público não florescerão e, Legal - a lei protege a integridade e a vida humanas e é ofensivaquanto à invasão do corpo. O significado do consentimento livre e esclarecido para os sujeitos, objeto da pesquisa, varia. Os individuos processam as informações de acordo com suas necessidades pessoais, nivel cultural e habilidades cognitivas, ou seja, eles recebem as informações e as processam do seu jeito (Sánchez et ai, 2001). Segundo Palácios et ai (2002:475), "o consentimento livre e esclarecido implicaem um processo de tomada de decisão por parte da pessoa que participará da pesquisa, onde estão implícitos dois momentos: o entendimento e o julgamento moral." De posse dessa compreensão, o sujeito pode julgar, segundo seus próprios valores morais, se é bom ou não participar da pesquisa (palácios et ai, 2002). O processo de consentimento envolve dimensões intelectuais e afetivas, e os sujeitos devem entender, claramente, os objetivos e os procedimentos da pesquisa, seus direitos e deveres e os beneficios e riscos envolvidos .32 (Sánchez et ai, 2001). Existe uma dificuldade de se estabelecer quais as informações os prováveis sujeitos da pesquisa devem receber e, neste sentido, Wilkinson (2001) diz que o respeito pelo consentimento livre e esclarecido implica que, aos sujeitos da pesquisa, devem ser dadas maiores explicações do que aquelas impostas pelas normas éticas. Isto inclui as características pessoais do pesquisador, suas opiniões e quem está patrocinando a pesquisa. Para este autor, os sujeitos podem querer saber quem está patrocinando a pesquisa, pois eles podem ter dúvidas sobre a imparcialidadedo pesquisador, ou ter uma opinião negativa sobre algum tipo de patrocinador. Por exemplo, uma pesquisa sobre câncer de pulmão patrocinada pela indústria de tabaco. Todavia, é bem provável que informações sobre os pesquisadores e sobre os patrocinadores podem resultar na recusa de alguns potenciais sujeitos de pesquisa em participar da mesma (Wilkinson, 2001). Aos sujeitos devem ser dadas as informações necessárias para que eles possam avaliar os prováveis beneficios, não só para ele, mas para a sociedade como um todo (Wilkinson, 2001). Entretanto, nem sempre os sujeitos, objeto da pesquisa, compreendem as informações e tal fato prejudica sua tomada de decisão. O maior desafio dos pesquisadores na obtenção do consentimento livre e esclarecido é, em fornecer informações complexas, que essas sejam proporcionadas no tempo certo e em linguagem e estilos corretos (Sánchez et ai, 200I). É notório que a linguagem médica é mais técnica do que comum, o que pode favorecer a distância entre aquele que informa e o que recebe a informação, em termos de compreensão e apreensão (Hardy et aI, 2002). O momento do entendimento implica que as informações passadas sejam consideradas suficientes para que o sujeito, candidato a objeto da pesquisa, compreenda o todo da pesquisa e suas partes (palácios et ai, 2002). Alguns pacientes, contudo, têm uma base de conhecimento tão limitada que comunicar a eles situações estranhas ou novas é extraordinariamente dificil, em especial se forem necessários novos conceitos e construtos cognitivos (Beauchamp & Childess, 2002). Um estudo qualitativo que explorou o processo de tomada de decisão de mulheres que participavam de pesquisas com contraceptivos, detectou que muitas voluntárias da pesquisa não entenderam as informações dadas sobre a pesquisa (Sánchez et ai, 2001). Um trabalho que entrevistou pesquisadores e voluntários de pesquisa no Japão, executada por Asai et ai (2004), informa que todos os pesquisadores entrevistados expressaram-se sobre a importância de obter o consentimento livre e esclarecido dos sujeitos da pesquisa. Entretanto, alguns. deles sentiram que a capacidade dos sujeitos da pesquisa de compreender a informação médica e cientifica não era plena, embora essa condição seja extremamente importante (Asai et ai, 2004). O desentendimento das informações dadas verbalmente ou escrita no 33 TCLE ocorre devido ao pequeno conhecimento sobre o assunto, ou pela presença de concepções erradas, ou de DÚtos(Sánchez et al, 2001). A comunicaçãobem-sucedida de informações novas e especializadas a leigos com freqüência pode se fazer acompanhar de analogias entre elas e eventos mais comuns, fanúliares ao paciente ou sujeito (Beauchamp & Childess, 2002). Para evitar desentendimentos das informações, é necessário que o processo de consentimento seja adaptado à cultura .local e ao nivel educacional dos sujeitos da pesquisa (Sánchez et ai, 2001). Na pesquisa realizada no Japão, por Asai et al (2004), a maioria dos pesquisadores entrevistados disse que a pesquisa médica para os voluntários da pesquisa é algo estranho, DÚsterioso,e dificil de compreender. Num trabalho que entrevistou mulheres, voluntárias de pesquisa cientifica, e que teve como objetivo avaliar a prática do consentimento livre e esclarecido nas pesquisas com seres humanos, as entrevistadas referiram que não receberam informações acerca da maioria dos itens da resolução 01/88 (Hardy et a!. 2002). Os voluntários dão grande valor em ser bem informados sobre a fisiologia, os métodos, seus efeitos colaterais (tópicos usualmente evitados na educação formal) e os procedimentos que serão realizados (Sánchez et al, 2001). Fica evidente que a questão do consentimento livre e esclarecido é complexa, que além da compreensão, há de se fornecer todas as informações,bem como esclarecer adequadamente o sujeito, objeto da pesquisa. A complexidade do consentimento não se esgota nesses pontos levantados. A condição de dependência dos individuos, ou pela condição de pobreza ou pela influência do médico-pesquisador, também deve ser considerada. A aplicação do consentimento livre e esclarecido às pessoas sem o menor poder de escolha tem profundo impacto na moralidade de médicos e pesquisadores. Consequentemente, solicitar o consentimento para participação de pesquisa c1inica a pacientes em evidentes circunstâncias de pobreza, individuos analfabetos e analfabetos funcionais impõe sérias dificuldades aos principios do respeito à autonoDÚa,beneficênciae justiça (Azevedo, 2003). Cabe perguntar se eticamente (em nome da beneficência e da não maleficência) o pesquisador pode propor ao sujeito da pesquisa algo que é eticamente insustentável e que passaria a ser aceitável porque o sujeito concordou com a proposta (Hossne, 2003). Nas situações de decisão em circunstâncias de pobreza, o princípio do respeito à autonoDÚado paciente torna-se, . . para médicos e pesquisadores, uma prática de auto-ilusão (Azevedo, 2003). Nessas circunstâncias, esvazia-se o significado do consentimento, agredindo o referencial da 34 autonomia e, o maIS grave, propicia-se, de modo sub-reptício, a "legalização" de eventuais injustiças (Hossne, 2003). Outro problema importante a ser considerado é a influência do médicopesquisador contexto razão sobre a tomada de decisão do sujeito em participar da pesquisa. No da medicina, enfrentaIll-se muitos problemas em relação à autonomia, em da condição profissional de dependência do paciente e da posição (BeauchaIllp relacionaIllento de autoridade & Childess, 2002). Asai et ai (2004) do afirmaIll que o do médico com o paciente tem uma forte influência na decisão do sujeito em participar da pesquisa. Muitos voluntàrios da pesquisa, neste trabalho, responderaIll que concordariaIll em participar de um estudo se um médico em quem confiassem pedisse que fizessem e que participariaIll a fim de cooperar com seus médicos. A confiança no médico, por quem os participantes foram convidados para participar da pesquisa parece ter um papel considerável em suas decisões sobre a participação (Asai et ai, 2004). Deve-se observar que há, na medicina, a tentação de usar a autoridade do papel de médico para fomentar ou perpetuar a dependência dos em vez de promover sua autonomia (Beauchamp & Chíldess, 2002). O pacientes, consentimento para a participação na pesquisa médica deve favorecer decisões verdadeiraIllente voluntárias do paciente. Mesmo não havendo nenhuma finalidade de coerção, perguntar aos pacientes que têm fortes e longas relações com seus médicos sobre a participação médicos pesquisadores involuntària da pesquisa poderia ser manipulativa. Conseqüentemente, devem sempre estar cientes da possibilidade os de coerção e da influência imprópria, e devem evitar explorar seus pacientes que confiam nela (Asai et ai, 2004). O processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido taIllbém pode ser influenciado pelo pagaIllento do voluntàrio por sua participação como sujeito, objeto da pesquisa científica. Por décadas, muitos pesquisadores pagaraIll os sujeitos para participar de pesquisa, sendo esta prática um dos métodos mais controversos do recrutaIllento (Cohen, 1996). Há, inclusive, uma discussão sobre quem deve ser pago e, segundo Dickert e Grady (1999), a maioria dos textos na literatura sobre pagaIllento dos sujeitos reflete a percepção comum de somente os sujeitos saudáveis -aqueles que não tenhaIll a circunstância do 'estudo- devem ser pagos por sua participação na pesquisa clínica. Para esses autores, o argumento ético para o não pagaIllento dos pacientes repousa nas seguintes premissas: os pacientes são particularmente vulneráveis; os pacientes terão o beneficio médico de alguma maneira que os sujeitos saudáveis não 35 terão (Dickert e Grady, 1999). Mesmo diante dessa discussão, sobre quem deve ser pago, sabe-se que os incentivos financeiros afetam a resposta dos participantes no recrutamento para a pesquisa médica, a possibilidadede reduzir a carga financeira para sua fanúlia parece ser um motivo especial para os voluntários participarem da pesquisa (Asai et ai, 2004). Diante desses problemas, reforça-se o entendimento de que o consentimento livre e esclarecido é um critério ético necessário, mas não suficiente para justificar a pesquisa clíruca. Para AngelI (1997) o consentimento, embora importante, não promove a proteção suficiente contra exploração, por causa da assimetria no conhecimento e da autoridade dos pesquisadores. Sendo assim, há de se estabelecer outros critérios éticos que justifiquem e garantam a proteção dos sujeitos, objeto da pesquisa científica. m.s.l. Termo de consentimento Além da maIÚfestaçãodo consentimento, o sujeito da pesquisa deverá assinar um formulário de consentimento e, para Sánchez et ai (2001), a assinatura do TCLE beneficia os sujeitos da pesquisa, por garantir o direito ao acesso médico gratuito associado à pesquisa. Segundo Beauchamp & Childress (2002), é importante que se entenda o consentimento livre e esclarecido como um processo que ocorre com o tempo, e que se evite a visão comum de que um formulário de consentimento assinado é a essência do consentimento livre e esclarecido. Segundo Clotet et ai (2000), o primeiro registro científico de que se tem notícia sobre o uso de um documento estabelecendo uma relação entre um pesquisador e um individuopesquisado data de 19 de outubro de 1833. Foi o caso de um paciente que após um tiro acidental de arma de fogo ficou com uma seqüela que permitia a observação do interior de seu estômago. O médico e pesquisador Willian Beaumont, que atendeu o paciente, fez um experimento observacional da lesão durante anos. Este caso é considerado como o precursor na utilização de um termo de consentimento para realização de uma pesquisa científica (Clotet et ai, 2000). O Formulário de consentimento é um documento assinado pelo sujeito, redigido com linguagem acessível aos voluntários. da pesquisa. Clotet et ai (2000), afirmam que muitas informações simples são redigidas de forma quase que incompreensível para um leitor menos familiarizado com a terminologia médica. A utilização de um vocabulário usual para com as participantes de um estudo é uma 36 consideração para com essas pessoas, é uma maneira de demonstrar cuidado na elaboração do material informativo (Clotet et al, 2000). Segundo Sánchez et al (2001), voluntários da pesquisa consideram que as informações escritas e orais se complementam. Para o consentimento livre e esclarecido atingir a compreensão, dois aspectos são importantes: o que é dito, e a capacidade de entendimento do sujeito (palácios et al, 2002). Para que o que é dito por um sujeito seja entendido pelo outro, é necessário que ambos utilizem o mesmo código, ou seja, partindo do principio de que tudo pode ser compreendido desde que se dê atenção especial e se compreenda o código. E é por isso que a linguagem utilizada pelo pesquisador tem que ser adequada ao entendimento de seu interlocutor, sujeito da pesquisa (palácios et al, 2002). Fennin Roland Schramm (comunicação pessoal) vai, além disso, ele afirma que a linguagem do TCLE deve ser a linguagem do outro e não só aquela compreendida pelo outro. Essa afirmação de Schramm é baseada na distinção feita pela lingüistica entre "informação" e "comunicação", sendo a primeira de alguma forma unidirecional e a segunda um autêntico compartilhar o "Iógos" (Schramm, 2005a). ill.6. Riscos e Beneficios Existem várias maneiras pela qual o fenômeno do risco é trabalhado na literatura científica, sendo a mais comum a perspectiva realista, que se desenvolveu e é expressa nas abordagens técnicas e científicas (Lupton, 1999). Uma perspectiva alternativa sobre o conceito de risco é o construtivismo social, defendida por aqueles que estão interessados predominantemente nos aspectos sociaís e culturais do risco (Lupton, 1999). As três abordagens principais que trabalham com essa perspectiva são: simbólica/cultural, sociedade de risco e "Governamentalidade" (Govemmentality). Douglas (1994) adota a abordagem simbólico/culturalna questão do risco e a considera como uma estratégia ocidental contemporânea para lidar com o perigo e a alteridade. Essa autora vê o risco como uma interpretação socialmenteconstruída em resposta a um perigo real, que existe objetivamente (Douglas, 1994). Os teóricos da sociedade de risco Beck (1992) e Giddens (1998) dão ênfase aos processos macro-sociais percebidos como caracteristicos da ~odernidade tardia e sua relação com o conceito de risc~. Os teóricos da governamentalidade, representados aqui por Foucault (1991), exploram a noção de risco no contexto de vigilância, disciplina e regulação das populações, e como esses conceitos constroem normas de comportamento usadas para encorajar os individuos a se 37 engajar voluntariamente em auto-regulação. O risco tomou-se um conceito da existência humana progressivamente difundido nas sociedades ocidentais, é um aspecto central da subjetividade humana, é percebido como algo que pode ser lidado pela intervenção humana e está associado a noções de escolha, responsabilidade e culpa (Douglas, 1994). Essas perspectivas compreendido sócio-culturais e negociado. Esse dão ênfase ao contexto conceito é proveniente no qual o risco de disciplinas é como antropologia cultural, filosofia, sociologia, história social e geografia cultural (Lupton, 1999). A outra perspectiva, a realista, trata o risco como objetivo, passível de conhecimento e controle, pré-existente na natureza, e discute acerca da validade das medidas do risco, gravidade e formas de resposta das pessoas ao risco (Bradburgy, 1989). Essa perspectiva delineia uma abordagem técnico-científica do risco, proveniente de campos como engenharia, estatística, psicologia, epidemiologia e economia, que apresentam a noção de risco ou perigo com cálculos de probabilidade (Lupton, 1999). Assim, o risco é definido como um produto da probabilidade (magnitude e severidade) para eventos adversos (Bradburgy, e conseqüências 1989). Na perspectiva realista, o risco é um perigo objetivo, uma ameaça, um perigo existente, passível de conhecimento, de ser mensurado e controlado (Lupton, 1999). Neste caso, a gravidade do risco é calculada em termos de seus possíveis efeitos, a acurácia da ciência é utilizada pra medir e calcular o risco (Lupton, 1999). Segundo Beauchamp & Childress (2002), a determinação dos riscos é descritiva na medida em que estabelece a probabilidade de que ocorram acontecimentos nocivos. Contudo, a determinação dos riscos é também valorativa, na medida em que há necessariamente um valor vinculado à ou à prevenção dos acontecimentos ocorrência (Beauchamp & Childress, 2002). Douglas (1994) afirma que o julgamento leigo sobre risco não se baseia em termos de probabilidade, mas em suposições e ponderações culturalmente aprendidas. As respostas leigas ao risco não devem ser consideradas errôneas, apenas se diferem dos especialistas, cultural realizadas ao contrário, representam particular para valores expressos que deve ser reconhecido identificar padrões (Douglas, de comportamento dentro de um contexto 1994). em Várias pesquisas relação aos riscos, argumentam que as pessoas leigas superestimam ou subestimam determinados tipos de riscos e têm dificuldades de avaliar o risco usando probabilidades (Lupton, 1999). Essas afirmações evidenciam a diferença na avaliação do risco de um especialista e a percepção de um individuo desses mesmos riscos. As diferenças na percepção dos 38 nscos sugerem limitações nas tentativas de usar somente medições objetivas e quantitativas da probabilidade e da magnitude dos riscos para chegar às conclusões acerca da aceitabilidade (Beauchamp & Childress,2002). Apesar dos pesquisadores que trabalham na medida de riscos saberem que a subjetividadeé um elemento inevitável no julgamento humano e que, portanto, a medida técnica do risco não é neutra, os cálculos produzidos tendem a ser considerados como fatos objetivos e verdades absolutas (Lupton, 1999). ,<~- Na pesquisa científica, a abordagem sobre risco tem base na perspectiva realista, pois uma vez que o mérito científico e o valor social do projeto de pesquisa sejam estabelecidos, exige-se que o pesquisador demonstre que os riscos aos sujeitos da pesquisa não. são exagerados ou desproporcionais aos beneficios previstos (World Medicai Association, 2005). A presença do risco na pesquisa científica é aceitável porque é uma maneira de promover o objetivo de garantir um conhecimento generalizável (Ness, 2001). Sempre que ocorre um avanço cientifico ou tecnológico a humanidade vê-se diante da possibilidade de obter beneficios, mas, também, de ter que conviver com os riscos (Freire-Maia, 1990). Tem-se estabelecido que os riscos de uma pesquisa devam ser aceitos de acordo com os beneficios esperados; ou seja, uma pesquisa deve ser conduzida através da análise de risco e beneficio (Ness, 2001). Na pesquisa clínica pode haver grandes margens de erro na quantificação dos riscos, e pode ser dificil extrapolar a informação acerca dos efeitos de um produto químico sobre os seres humanos, mesmo que possa demonstrar que o produto, em altas doses, por exemplo, é cancerígeno para roedores (Beauchamp & Childress, 2002). Deve-se atentar que risco não quer dizer incerteza se algo acontecerá ou não. Uma situação incerta é aquela onde mais de uma conseqüência pode ocorrer com uma probabilidade desconhecida, entretanto o risco na pesquisa descreve uma situação em que possíveis conseqüências podem ocorrer com uma determinada proporção conhecida (Ness, 2001). Desse modo o termo risco refere-se a um possível dano futuro, sendo o dano definido como prejuízo dos interesses relacionados à vida, à saúde a ao bem-estar (Beauchamp & Childress, 2002). Um risco é o potencial para um resultado adverso (dano) ocorrer. Sendo assim, o conceito de risco tem dois componentes: (1) a probabilidade da ocorrência do dano (de altamente improvável a muito provavelmente), e (2) a . . severidade do dano (de trivial à inabilidadesevera ou permanente e até a morte) (World Medicai Association, 2005). Um risco altamente improvável de um dano trivial não seria problemático para um bom projeto de pesquisa. Na extremidade oposta do 39 espectro, um provável risco de um dano sério seria inaceitável, a menos que o projeto fornecesse a única esperança do tratamento para os sujeitos da pesquisa (World Medical Association, 2005). Não há riscos a menos que tenha ocorrido, previamente, uma avaliação negativa de algumas condições. Desse modo, o risco é um conceito tanto descritivo como valorativo. Uma circunstância de risco é, fundamentalmente, aquela em que há a possibilidadeda ocorrência de algo que foi avaliado como nocivo e em que há também incerteza a respeito dessa ocorrência, que pode ser expressa em termos de sua probabilidade (Beauchamp & Childress, 2002). No Brasil, a resolução CNS/MS 196/96, define risco da pesquisa como possibilidade de danos à dimensão fisica, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente. Desse modo, entende-se que o pesquisador deve expor todos os riscos para os participantes da pesquisa e os prováveis beneficios tanto para os sujeitos, objeto da pesquisa, como para a sociedade em geral (Beauchamp & Childress, 2002). A resolução CNSIMS 196/96 estabelece que o pesquisador deve suspender imediatamente o experimento quando perceber a ocorrência de um dano ao sujeito da pesquisa e, caso ocorra algum dano conseqüente do experimento, previsto ou não no termo de consentimento, o sujeito da pesquisa terá direito à assistência integral e fará jus a indenização (Brasil, 1996). O pesquisador tem a liberdade de propor um projeto de pesquisa para tentar responder a uma inquietação ou a uma demanda específica, mas também deve ter a preocupação sobre as conseqüências do que está propondo e fazer tudo o possível para evitar danos aos sujeitos da pesquisa (palácios et al, 2002). A questão que se levanta é que risco e beneficio são conceitos assimétricos e, mesmo assim, são pareados constantemente no contexto biomédico e em muitos documentos éticos importantes (Ness, 2001). Segundo Beauchamp & Childress (2002), diferentemente do termo risco, beneficio não tem conotação de probabilidade. A probabilidade do beneficio é justamente o contrário do risco, sendo que os beneficios são comparáveis antes aos danos que aos riscos de danos. Assim, as relações riscobeneficio devem ser concebidas em termos de uma relação entre a probabilidade e a magnitude de um beneficio previsto e a probabilidade de um dano previsto (Lolas, 2001). Ao contrário de risco, beneficio não é um termo que expressa probabilidade, beneficio está propriamente contrastado com a idéia de dano, e o dano pode ocorrer para determinados sujeitos de uma pesquisa em uma probabilidade (Ness, 2001). O termo beneficio na medicina às vezes se refere à redução dos riscos; porém, é mais comum que o termo se refira a algo que tenha um valor positivo (Beauchamp & Childress, 40 2002). O beneficio pode ter diversas variantes, por exemplo, o beneficiopara um sujeito da pesquisa derivado diretamente do projeto de pesquisa (uma pesquisa com uma nova droga potencialmente eficaz pode resultar positivamentepara alguém); noutro plano, se supõe que o resultado da pesquisa beneficiará a sociedade, e, eventualmente, a outros sujeitos em condições semelhantes; por fim, a pesquisa científica beneficia os pesquisadores que obtém prestígio, recursos e ascensão na carreira acadêmica (Lolas, 2001). O pareamento assimétrico de risco e beneficio é, provavelmente, uma conseqüência de que os beneficios são quistos, todavia os danos não (Ness, 2001). Nos ensaios c1inicosem que os sujeitos, objeto da pesquisa, não serão necessariamente os diretos beneficiados da pesquisa (é o caso, por exemplo, das vacinas para portadores de HIV), pressupõem-se que questões de não maleficênciasejam observadas (Schrarnrn & Escosteguy, 2000). Contratos informados que esboçassem riscos e beneficios, direitos e responsabilidades de todas as partes envolvidas, são instrumento de escolha no curso normal da entrada em negócios arriscados e potencialmente prejudiciais em toda parte, mas não é o que acontece na pesquisa em que apenas se pede aos participantes que consintam com base em informações freqüente e necessariamente insuficientes (Sass, 2003). As populações pobres sofrem diretamente esse problema, pois se sabe que maior incidência de doenças infecciosas está entre os pobres e destituídos; por essa razão, deveriam compor as populações para as quais o investimento e o esforço de pesquisa deveriam ser direcionados (Greco, 2003). Isso, evidentemente, não ocorre, entretanto eles podem até participar de pesquisas, mas geralmente de maneira tangencial, ou seja, são voluntários para as pesquisas, mas não recebem os possíveis beneficios de seus resultados (Greco, 2003). É inquestionável a existência de diferenças culturais, mas não é adequado que pesquisadores e estudiosos que chegam diagnostiquem unilateralmente circunstâncias locais e ajam em termos dessas pretensas diferenças (Kottow, 2003). Embora também se reconheça que podem advir beneficios para os paises hospedeiros e seus sujeitos de pesquisa, é mais uma vez uma questão de reflexão e avaliação local decidir se se deve esperar que os beneficios sejam razoáveis e proporcionais, o que muito difere de promessas de beneficios especificos pelos patrocinadores, que depois não honram seus compromissos (Kottow, 2003). A verdade crua é que sem educação, acesso aos cuidados necessários de saúde e participação comunitária, haverá pouca ou nenhuma esperança para que se atinja a saúde desejada e haja distribuição dos benéficos das pesquisas, o que só acontecerá após mudanças consideráveis na ordem mundial, entre participação efetiva de todos nas decisões sobre a distribuição dos recursos (Greco, 2003). Esses diversos beneficios e beneficiários entram em análise nos Comitês 41 de Ética em Pesquisa e a tendência atual é identificare declarar conflitos de interesses, situações nas quais os beneficios podem ser incompativeis ou os beneficiários podem desconhecer seus direitos (Lolas, 2001). m.7. Comitê de Ética em Pesquisa o marco referencial do surgimento dos Comitês de Ética é o episódio ocorrido na cidade de Seattle, no Estado de Washington, nos Estados Unidos, com as primeiras máquinas de hemodiálise e o shunt arterio-venoso. O Seattle ArtificialKidney Center tinha capacidade para 9 leitos, além do que, na época, a diálise era um tratamento raro em muitos Estados americanos. O custo do procedimento era alto - em torno de $10,000/ano - e as companhias de seguro resistiam em pagar um tratamento que era considerado experimental (Jonsen, 1993). A Solução encontrada para resolver esse problema foi a constituição de um comitê local composto por sete pessoas de diferentes formações profissionais, que tinha a função de analisar caso-a-caso referenciado por critérios de mérito social (sexo, idade, status conjugal, número de dependentes, escolaridade, ocupação, potencial futuro) e escolher quem deveria receber o tratamento (Jonsen, 2000). A função de decidir sobre a vida e a morte dos pacientes tornou o comitê conhecido como a "Comissão de Deus" (God Commission) e o maior foco das atenções foram os critérios utilizados na deliberação de quem receberia o tratamento (Kuhse & Singer, 1998). Os membros do comitê de Seattle, com sua atuação, fundaram um procedimento para a tomada de decisão no campo médico que transcendia à profissão médica. Constituíram um verdadeiro comitê de ética, cujas deliberações foram tomadas não apenas de acordo com a história clinica, mas também com a história de vida dos pacientes (Lolas, 200Ia). O caso ocorrido em Seattle é um referencial importante sobre os comitês de ética hospitalar, que têm como objetivo auxiliar no processo da tomada de decisão e apoiar a equipe de saúde e familiaresdiante de situações dificeis que envolvem problemas éticos, é formado por um grupo interdisciplinar, com funções: normativa, consultiva, assessora e educativa (Brennan, 1988). Entretanto, pode-se contestar os critérios como o de "mérito" Os comitês surgiram com a própria Bioética, a partir da evidênciade que os princípios gerais da moral e até da própria deontologia não eram suficientes para ditar a conduta oportuna em situações novas, em contextos inéditos (Lepargneur, 2002). Estamos num momento de um conflito imperativo e os comitês bioéticos que existem 42 atualmente constituem um lugar para que esses conflitos sejam expressos. Para tal, há necessidade que eles reúnam personalidades de opinião, de metafisica, de crenças muito diferentes (Morio, 2002). Os comitês de ética se distinguem dos colóquios, institutos e outros lugares onde a ética é objeto de debates e ensino, pois sua vocação é de reunir, além de homens e mulheres de ciência, juristas, filósofos e cidadãos, capazes de contribuir com uma visão diferenciada no exame do fundamento ético das questões abordadas (Fieve, 1998). É necessária e indispensável a criação de espaços de discussão de dimensão comunitária em que se atenda á peculiaridade que os problemas assumem nessa unidade social e que privilegiem e preservem os valores dessa mesma comunidade. A institucionalização da reflexão ética quer com a criação de comitês locais, quer nacional, quer comitês especializados (pesquisa científica), evita que a reflexão bioética seja desarticulada ou abstrata da realidade ou ineficaz nas orientações que formula (Neves, 1995). Além dos comitês hospitalares, o surgimento dos comitês de ética para avaliar os projetos de pesquisa com seres humanos propiciou a participação direta de pessoas não pertencentes à comunidade científica em decisões de ordem ética. A totalidade das regulamentações sobre ética aplicada à pesquisa científica inclui a avaliação e aprovação prévia de um comitê de ética em pesquisa dos projetos de pesquisa com seres humanos, sendo que esses comitês devem ser diversos daqueles que controlam a prática assistencial, mas, mesmo suas funções sendo diferentes, ambos devem se preocupar com a ética e possuir formação multidisciplinar (Lolas, 2001b). Graças a esses comitês o público passou a ter uma função muito importante e participar das decisões no que se refere aos problemas de atenção à saúde (Callahan, 1990). Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) surgem com a tarefa de considerar estas dimensões e ponderar os conflitos que ocorrem na execução de pesquisas com humanos, de maneira imparcial, sem deixar de proteger a parte mais frágil que é quase os sujeitos da pesquisa (Schramm & Kottow, 2001). Conhecidos em alguns paises como Institucional Review Boards (lRB), esses comitês têm o poder de revisar a qualquer momento um projeto de pesquisa com seres humanos (Lolas, 2001b). A criação dos Institutional Review Boards (lRB) e instituições afins, assim como a proclamação do The Belmont Report, tiveram por finalidade interpretar e fazer efetivas as normas éticas das Declarações Internacionais sobre experimentação com seres humanos (Schramm & Kottow, 2001). As Diretrizes Éticas Internacionais. para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos estabelece que o protocolo deve ser avaliado cientificamente e eticamente por um ou mais comitês de avaliação adequadamente constituidos, independentes dos pesquisadores (Conselho de Organizações 43 Internacionais de Ciências Médicas, 2004). A Declaração de Helsinque (1975) instituiu pela primeira vez, neste documento, a necessidade prévia da análise a aprovação do projeto de pesquisa por uma comissão de ética independe. As comissões nacionais e institucionais de bioética e ética em sua composição são semelhantes, e, nas suas atribuições, discutem os conflitos éticos gerados pela tecnologia, notadamente nas ciências da saúde, como uso de embriões em pesquisa, transplante de órgãos e morte encefálica, clonagem e outros temas que provocam inquietações éticas, mais especificamente os comitês institucionais que tratam sobre ética aplicada à pesquisa ocupa-se não apenas do uso de seres humanos em pesquisa, mas também, em algumas instituições, a utilização de animais (McShane et ai, 1994). Segundo Schramm (2002), os comitês são multidisciplinares, porque cada ponto de vista é importante para se ter a visão geral ("global") dos vários aspectos envolvidos numa pesquisa com seres humanos. De regra, podemos dizer que a multidisciplinaridade é a condição necessária para o funcionamento dos CEPs porque é preciso que tenhamos uma multiplicidade de pontos de vista específicos para que as atividades dos CEPs possam acontecer (Schramm, 2002). A interdisciplinaridade constitui o segundo momento da dinâmica dos CEPs. Trata-se do momento de confronto dos vários pontos de vista e de seus argumentos, em vista de uma correta ponderação do todo em vista de se chegar a um acordo; assim, podemos considerar o momento interdisciplinar como a segunda condição necessária para o funcionamento do CEP (Schramm, 2002). Dadas estas duas condições necessárias, o CEP pode operar de forma transdisciplinar se a soma dos vários pontos de vista e a integração desses pontos de vista resultam numa interpretação específica moral dos fatos em exame. Neste caso, pode-se dizer que a transdisciplinariedade constitui a condição suficiente do processo. (Schramm, 2002). Para Soares (2002), um Comitê de Ética em Pesquisa deve ter como atributo específico, isto é, como característica fundamental de sua natureza, a interdisciplinaridade e a provisoriedade de suas respostas. A presença de membros que não são pesquisadores nos Comitês de Ética em Pesquisa tem a função de representar grupos sociais, seus valores culturais e morais. Tais pessoas devem ser qualificadas para esta função e verdadeiramente representar os interesses dos grupos sociais que representam (Edelman, 1991). No Brasil, o representante do usuário, estabelecido pela . resolução . CNSIMS 240/97, tem um papel fundamental de colocar em pauta os interesses e as vivências daqueles que são submetidos aos protocolos de pesquisa, aspectos que muitas vezes escapam à percepção dos pesquisadores (palácios et al, 44 2002). Segundo Callahan (1990), graças a esses comitês o público foi levado a ter uma função muito importante no que se refere aos problemas de atenção à saúde, pois a pesquisa científica passou a ter que satisfazer muitas condições para proteger os voluntários. De fato, segundo Beauchamp & Childress (2002), só é apropriado solicitar que individuos participem de uma pesquisa se tais condições forem satisfeitas, devendo isso ser assegurado por pesquisadores e por um comitê institucional. Toda pesquisa com seres humanos deve, obrigatoriamente, ser apreciada e aprovada por um CEP, às vezes por mais de um CEP, como nos casos dos projetos multicêntricos, quando o mesmo protocolo tem que ser analisado por tantos CEPs quantas instituições participarem da pesquisa (palácios et al, 2002). Os Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), devem avaliar a moralidade da pesquisa com seres humanos. Esses comitês são compostos de especialistas e representantes da sociedade civil que têm, em princípio, o mesmo peso na avaliação final (Schramm, 2002). As atribuições do CEP são: examinar os projetos de pesquisa, acompanhar seu desenvolvimento e emitir parecer sobre eles (Soares & Piiieiro. 2002). A tarefa dos CEPs consiste em, além de analisar os projetos de pesquisa com seres humanos, ocupar-se dos conflitos e implicações éticas que são geradas a partir dessa modalidade de pesquisa (Lolas, 2001b). O papel dos CEPs é poder ajudar os pesquisadores a perceber situações que aparecem no desenho da pesquisa, que os diferentes olhares que constituem um comitê podem perceber mais facilmente e, desta forma, proteger os direitos e interesses e garantir os beneficios aos sujeitos da pesquisa, individual e coletivamente (palácios et al, 2002). Os membros dos comitês devem esclarecer para educar os pesquisadores no que se refere aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos, assim como a população em geral, a fim de entender e aceitar a pesquisa médica (Lolas, 200Ib). Para cumprir essas atribuições específicas, os comitês devem seguir um ritual metodológico constituido de três etapas: narrativa, analitica e resolutiva (Soares & Piiieiro. 2002). Neste novo contexto, definido conjuntamente pelas lógicas próprias e não necessariamente congruentes das tecnologias, do mercado, das comunidades científicas, do Estado e dos consumidores, que surge a necessidade de institucionalizar órgãos independentes de avaliação como são os CEPs, cujas funções consensualmente aceitas são: a) analisar as implicações éticas das pesquisas; b) Acompanhar, controlar e fiscalizar a pesquisa científica; c) ponderar os conflitos de interesses e os valores entre os atores envolvidos na pesquisa e, d) analisar a relevância social da pesquisa (Schramm e Kottow, 2000). Segundo Palácios et al, (2002), a avaliação dos CEPs não deve ser 45 uma avaliação de tipo burocrático, de verificação se a pesquisa está, ou não, de acordo com uma norma e se estão preenchidos todos os campos de um formulário. Ao contrário, a apreciação deve passar pela consideração do contexto institucional; das características da população que se submeterá ao projeto de pesquisa em cada instituição; das relações internas na instituição de sorte que, do ponto de vista do CEP, as exigências de informação contidas na resolução CNSIMS 196/96 não se esgotam em si mesmas (palácios et ai, 2002). Existem, ademais, funções que não são aceitas unanimemente como, por exemplo, a análise dos fundamentos epistemológicos e a coerência metodológica da pesquisa. Neste caso a discordância está entre aqueles que consideram que tal tipo de análise não pertence aos membros dos CEPs e, sim, a instâncias técnicas responsáveis pela pesquisa, frente àqueles que sustentam que nenhum aspecto da pesquisa pode ser a priori separado da ética (Schrarnrn e Kottow, 2000). Outra discussão diz respeito às diferenças no julgamento moral entre os Comitês de Éticas em Pesquisa e isso se configura num problema, pois se identifica que algumas incompatibilidades ocorrem devido à irracionalidade, ou descuido, ou a outros interesses que se opõem; entretanto, nem todas as diferenças no julgamento moral dos comitês são más e, sendo assim, devemos incentivá-las (Edwards et ai, 2004). Há três argumentos para justificar essas diferenças: o primeiro chamado de justice argument é que as diferenças no julgamento não são necessariamente incompatíveis com a idéia de justiça para com os pacientes, potenciais participantes da pesquisa. O segundo argumento é que tais comitês não têm uma única verdade moral, este argumento é chamado de moral pluralismo O terceiro argumento é que o processo da revisão do comitê de ética é também moralmente relevante e não unicamente seu resultado. O autor denomina este argumento de due process, esse método deve examinar todos os fatores relevantes para o sujeito, objeto da pesquisa (Edwards et ai, 2004). Por fim, devemos salientar que quando o CEP aprova um projeto de pesquisa, está assumindo perante cada sujeito da pesquisa a responsabilidade,junto com o pesquisador, de que o projeto está sendo eticamente conduzido (palácios et ai, 2002). No Brasil, a resolução CNS 196 (1996) define Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) como: "colegiados interdisciplinares e independentes, com 'munus público', de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos sujeitos da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos". E Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP/MS como: "uma instância colegiada, de natureza consultiva, 46 deliberativa, (Resolução normativa, CNSIMS independente, vinculada ao Conselho Nacional de Saúde" 196/96). Em função desse documento, as Universidades e os Institutos de Pesquisa tiveram que criar Conútês de Ética em Pesquisa (CEPs), sendo em setembro de 2005 o número de 442 CEPs por todo o Brasil (CONEP, 2005a), com a função de analisar os projetos de pesquisa com seres humanos. Os CEPs vinculam-se à Conússão Nacional CEP/CONEP, de Ética em Pesquisa (CONEP), formando, assim, o sistema onde os CEPs, após aprovação, encanúnha o protocolo de pesquisa à CONEP que, no exercicio da sua função, também analisará e aprovará os projetos das chamadas áreas temáticas especiais que incluem as pesquisas em genética humana; reprodução humana; procedimentos; novos populações equipamentos, indigenas; insumos biossegurança; e dispositivos; pesquisas novos com cooperação estrangeira e a critério do CEP (CONEP, 2005b). ID.S. Bioética O termo Bioética foi cunhado pelo médico oncologista Van Rensslaer Potter (1970) e difundido através do livro Bioethics: Bridge to the Futllr (1971). Potter (1970) propusera o termo com o sentido de "ciência da sobrevivência", isto é, um estudo interdisciplinar que almejava assegurar a preservação da biosfera, razão pela qual seria necessário o desenvolvimento de uma ética global que trataria da relação do homem com o meio ambiente (Reich, 1995a). Em 1971, na Georgetown University, fundou-se o Kennedy lnstitllte for Stlldy of HlIman Reprodllction and Bioethics, e os cientistas dessa instituição utilizaram o termo Bioética com um significado diferente, mais restrito, considerando-a como uma ética aplicada a um outro campo de estudo, o médico e biológico (Mori, 1994). A partir de então, o vocábulo Bioética apresenta dois significados: por um lado, o de uma "ética global", com conotações universalistas e ambientais; por outro, o de ética aplicada ao campo biomédico (Lolas, 2001a). Esse primeiro periodo surgimento desenvolvidos da Bioética, do neologismo chamado de "fase dos pioneiros", Bioética, é marcado pelo criado por Van R. Potter, pelo Kennedy lnstitllte e pela publicação da poderosa dos trabalhos enciclopédia Encyclopedia of Bioethics, coordenada p.or Warren T. Reich em 1978 (Schramm, 2002a). Contribuiram, nesta primeira fase, para a consolidação da Bioética no campo acadênúco e em âmbito público, sobretudo nos moldes do modelo principialista norteamericano, a Encyclopedia of Bioethics, que é a obra de maior colaboração inter e 47 multidisciplinar produzida até o presente momento, e a publicação do livro PrincipIes of Biomedical Ethics de Beauchamp & Childress, de 1979, teoria que trabalha com quatro princípios: da autonomia, da beneficência, da não maleficência e da justiça (Schramm, 2002b). A primeira edição, em 1978, da Encyc/opedia of Bioethics, definiu Bioética como: o estudo sistemático da conduta humana no campo das ciências da vida e da saúde, enquanto examinada à luz dos valores e princípios morais (Reich, 1978). Na segunda edição, em 1995, o conceito de Bioética muda significativamentee assume o sentido de estudo sistemático das dimensões morais - incluindo visão, decisão, conduta e normas morais - das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas em um contexto interdisciplinar(Reich, 1995b). O surgimento da Bioética tem duas premissas: a primeira diz respeito ás transformações dos conceitos de vida e saúde decorrentes da vigência daquilo que se chama paradigma biotecnocientífico no campo dos saberes biomédicos, quer dizer, daquelas formas de intervenção nos sistemas vivos; a segunda está relacionada ás transformações dos próprios conceitos de bem e de mal, aos principios e valores em geral, e como as sociedades contemporâneas democráticas e pluralistas encaram a questão dos valores (Schramm, 2002 a). A Bioética é definida por Kottow (1995:75) como: "o conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e legitimam eticamente os atos humanos [cujos] efeitos afetam profunda e irreversive!mente,de maneira real ou potencial, os sistemas vitais" Para Schramm (2002b), "esta definição tem uma dupla vantagem, a de ser bastante precisa, sem ser reducionista, e a de ser suficientementeabrangente, sem ser genérica". A partir dos anos 1990 entramos num período que podemos chamar de "fase dos conflitos", onde assumem cada vez mais relevância os problemas morais propriamente públicos (políticas sanitárias, políticas de desenvolvimento e de ciência e tecnologia), e os métodos para enfrentar os dilemas morais no mundo globalizado e mais complexo (Lolas, 2001a), em detrimento da chamada Bioética "privada" (Schramm, 1996b). "Admite-se que a bioética seja, ao mesmo tempo, uma análise racional e crítica das práticas existentes e dos conflitos éticos implicados por tais práticas, e uma proposta prática de como tentar resolver tais conflitos, tendo em conta tanto a força argumentativa que pretende justificar um tipo de comportamento ao invés . . de outro, como as conseqüências que podemos razoavelmente inferir e prever na adoção de um comportamento determinado" (Schramm, 2005b). . 48 Temas como clonagem, aborto, eutanásia, pesquisa com seres humanos e alocação eqüitativa de recursos, estão presentes hoje no debate bioético e abarcam, muitas vezes, conflitos que precisam ser resolvidos, mesmo que temporariamente, devido á sua urgência. Por isso, pode-se dizer que a decisão moral é parte integrante da vida cotidiana (Silva, 1993). Em particular, não é possivel suspender a vida ética enquanto se aguarda a construção de saberes científicos fidedignos, técnicas e biotécnicas que aprimorem a saúde e a qualidade de vida de individuas e populações de humanos. Em suma, há de haver sempre uma moral, mesmo que provisória (Silva, 1993), e uma competência crítica capaz de analisar e, se for necessário, corrigir tal moral. A bioética trata de questões próprias da condição humana, sendo que, para algumas, não se tem resposta definitiva, fato que obriga o homem a manter constantes e profundas reflexões e revisões do que é licito fazer ou não fazer. Novas tecnologias, novas condições sociais e, conseqüentemente, novos problemas éticos eclodirão, e a Bioética tem o dever de promover o debate sobre tais questões, rejeitando soluções simplistas para perguntas complexas (Ionsen, 2000). É por isso que, para Engelhardt (1998), a Bioética funciona como um instrumento para a negociação pacífica das instituições morais. Segundo Schramm (2003), em decorrência desse pluralismo moral existente nas sociedades complexas contemporâneas, a Bioética aplicada ao campo das práticas da saúde deve ser necessariamente laica para poder resolver os conflitosmorais baseando-se em argumentos racionais e compartilháveis, que permitam propor medidas protetoras razoáveis para todos os afetados por uma política pública determinada. O surgimento e a consolidação da Bioética aparecem ligados ás conquistas referentes aos direitos humanos e também aos conflitos morais decorrentes dos rápidos e constantes avanços tecnológicos e científicos (Garrafa & Prado, 2001). Após duas décadas de intenso debate acerca de sua pertinência teórica e legitimidade prática, a Bioética dos anos 1990 é reconhecida mundialmente como campo interdisciplinar consolidado da filosofia aplicada, que tem uma relevância pública compartilhada por usuários, comitês hospitalares e conselhos de saúde, que passam paulatinamente a ter o bioeticista entre seus quadros (Schrarnrn, 1996c). A reflexão Bioética baseada nos princípios teve origem nos Estados Unidos, através do Belmont Report, elaborado pela National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research (1979). Em 1974, constituí-se a referida comissão com a proposta de estudar os problemas éticos relativos às pesquisas científicas nas ciências do comportamento e na biomedicina. O 49 Belmont Repor! é o resultado do trabalho da referida comissão, que apresentou três princípios éticos balizadores da reflexão e solução dos conflitos éticos que surgem, notadamente, nas pesquisas com seres humanos. Os princípios éticos são: princípio do respeito às pessoas, princípio da beneficência e princípio da justiça. O respeito às pessoas requer que cada qual seja tratado como indivíduos autônomos e que nos casos de pessoas em situação de vulnerabilidade seja garantida proteção especial contra qualquer forma de abuso. Na aplicação desse princípio o Belmont Repor! recomenda, nas pesquisas com seres humanos, a adoção do consentimento informado, sendo que os voluntários da pesquisa devem receber todas as informações e explicações sobre o projeto de pesquisa e que, após total esclarecimento, decidam livremente por sua participação ou não (National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavíoral Research, 1979). Segundo o Relatório Belmont, o princípio da beneficência, baseado na ética médica tradicional, orienta no sentido de que o pesquisador deve assegurar o bem-estar dos participantes da pesquisa e não causar danos. Por fim, o princípio da justiça, que trata da eqüidade social, se preocupa com quem deve receber os beneficios da pesquisa e orienta os pesquisadores na escolha equânime dos sujeitos, objeto da sua pesquisa (National Commission for the Protection ofHuman Subjects ofBiomedical and BehavíoralResearch, 1979). No mesmo ano, na obra clássica PrincipIes of Biomedical Ethics, de Beáuchamp & Childress (1979), são incorporados à ética biomédica os quatro princípios fundamentais: princípio da autonomia, princípio da não-maleficência, da beneficência e princípio da justiça. As mudanças fundamentais em relação ao The Belmont Repor! foram a transformação do princípio do respeito às pessoas para princípio da autonomia e o desmembramento do princípio da beneficência em dois princípios: não maleficência e beneficência. Segundo Beauchamp & Childress (2002), o princípio da autonomia implica tratar as pessoas respeitando suas decisões, enquanto o desrespeito envolve atitudes e ações que ignoram, insultam ou degradam a autonomia de outros e, portanto, negam uma igualdade minima entre as pessoas. Neste princípio, o respeito pela autonomia do outro é indispensável, entretanto só deve ser considerada quando tal decisão não resulte em danos aos demais e na medida em que a pessoa a ser respeitada possua um razoável nivel básico de maturidade, ou seja, tenha capacidade de compreender as informações dadas (Beauchamp & Childress, 2002). Segundo esses mesmos autores, o princípio da não maleficênciadetermina a obrigação de não infligir dano intencionalmente. De base hipocrática, o princípio da não maleficência está 51 previsíveis serão evitados (não maleficência); d) relevância socíal da pesquísa Gustíça e eqüidade). ID.9. Bioética da Proteção o antecedente teórico da Bioética da proteção decorre da definição de Bioética cunhada pelo chileno Miguel Kottow, que a considera um "conjunto de conceitos, argumentos e normas que valorizam e legítimam eticamente os atos humanos, [cujos] efeítos afetam profunda e irreversivelmente, de maneíra real ou potencial, os sistemas vitais" (Kottow, 1995:53). A definição de Miguel Kottow permite a expansão das funções da Bioética, ao mesmo tempo em que evita seu niducionismo a uma ética biomédica, como a proposta por André Hellegers, em 1971 (Reich, 1994). E, diferentemente do conceito de Van Rensslaer Potter, que propusera o termo como "ciência da sobrevivência", isto é, um estudo interdisciplinar que almejava assegurar a preservação da biosfera, razão pela qual seria necessário o desenvolvimento de uma ética global que trataria da relação do homem com o meio ambiente (Reich, 1995), o sentido apresentado por Kottow aproxima a Bioética do homem, seus atos, funções e . responsabilidades para com ele mesmo, para com os membros da sociedade e para com o meio ambiente. Segundo Schrarnrn (2002), este conceito de Bioética proposto por Kottow define qual é a caractenstica pertinente da vida que merece prima facie proteção, isto é, a irreversibilidade (ou autopoiese) dos sistemas vivos, da qual dependem os equilíbrios bioecológicos graças aos quais nossa vida também se torna possível. Schrarnrn & Kottow (2001) argumentam que a ética da proteção tem suas raizes filosóficas na própria origem da palavra ética, cujo significado mais arcaico é de "guarida" para os animais e, por extensão, de rerugio e proteção para os seres humanos. O princípio da proteção se aplica em situações de Estado mínimo que recónhece suas obrigações de preservar a integridade fisica e patrimonial de seus cidadãos, a partir do século XVIII, sendo também responsável pela aplicação moral de bem estar contemporâneo que orienta as políticas públicas de saúde (Schrarnrn & Kottow, 2001). O Estado tem responsabilidade para com os membros da sociedade, considerados tanto ~m suas individualidades quanto em sua cidadania, ist? é, o aparelho admínistrativo e organizacional do Estado deve proteger as populações, em particular, os suscetiveis e os vulnerados, que estão sob sua responsabilid;tde, através de políticas públicas, e tomar medidas necessárias e eficazes (Schramm, 2003b). 52 Assim sendo, segundo Schramm (2002), a Bioética tem três tarefas: a descritiva, a normativa e dimensão protetora. A tarefa descritiva, que implica também, em muitos casos, uma análise conceitual (ou metaética), vem da tradição analítica, que se constitui numa condição necessária para a solução racional de um conflito. A tarefa normativa (chamada também de "prescritiva", porque diz o que é correto fazer, e "proscritiva", porque diz o que dever-se-ía evitar) visa escolher rumos razoáveis para a solução de conflitos. Tanto a descrição quanto a prescrição podem revelar-se insuficientes, na prática, para se tomar uma decisão faetual ao invés de outra numa situação particular (Schrarnrn,2005). É por isso que surge a terceira tarefa da bioética, a tarefa protetora, pois a bioétíca (pelo menos desde o Código de Nüremberg) visa justamente proteger os pacientes morais, vulnerados ou afetados, contra os eventuais abusos de médicos, cientistas e outros agentes morais que lidam com seres humanos para exercer seus oficios (Schrarnrn,2002). É com essas três tarefas que a Bioética pode e deve se aproximar dos conflitos e dos dilemas morais que se referem ao uso das biotecnologías, tanto no campo da saúde como no campo da alimentação e da transformação do ambiente natural (Schrarnrn, 2003c). Schrarnrn & Kottow (2001) entendem por proteção a atitude de dar resguardo ou cobertura às necessidades essenciais, e decidir aquelas que devem ser satisfeitas para que o afetado possa atender a outras necessidades ou outros interesses moralmente legítimos. Esses mesmos autores estabelecem as caractensticas do princípio da proteção, que são: a gratuidade, no sentido de existir um compromisso a priori de assumir atitudes protetoras; a vinculação, no sentido de que, uma vez livremente assumida, converte-se num compronusso irrenunciável, e a cobertura das necessidades entendidas pelo afetado (Schramm & Kottow, 2001). A Bioética da proteção deve ser entendida como um compromisso prático, submetido a alguma forma de exigência social, com o qual a proteção se converte num princípio moral irrevogável, devendo ser definidas as áreas, as conseqüências e os agentes morais afetados (Schrarnrn & Kottow, 200 I). A dimensão "protetora" é, ao mesmo tempo, condição e resultado das dimensões descritiva e normativa, o que parece paradoxal. Mas, de fato, "é a preocupação em proteger o outro desamparado, e em proteger-se a si contra ameaças e danos, que pode desencadear a necessidade da análise racional e imparcial dos argumentos em jogo em um conflito, logo a necessidade de descrever e compreender os aspectos relevantes de um conflito para poder tomar uma decisão capaz de orientar a prática correta" (Schrarnrn, 2005). .53 Ações voltadas para proteger indivíduos e grupos vulnerados podem ser entendidas como paternalistas e, portanto, ser questionadas pelos próprios grupos que se pretende proteger (Macklin, 2003). Essas ações têm sido defendidas como paternalismo bem-intencionado, sem que se considere que o paternalismo é sempre moralmente suspeito se o beneficio que se pretende não for valorizado positivamente e aceito pelas partes afetadas (Kottow, 2003). No paternalismo procura-se impor o bem pessoal (o que se julga ser o bem) a outrem, em vez de propiciar ao outro algo que possa razoavelmente ser considerado como uma escolha de seu próprio bem (Muiioz & Almeida, 1995). O comportamento paternal é adequado em seu contexto próprio, como na relação de pais com filhos pequenos; entretanto, o paternalismo é inadequado quando a conduta paternal está fora de lugar porque, bem ou mal-intencionada, se impõe e silencia decisões autônomas (Kottow, 2003a). Nesse sentido, "a sugestão de que "ações voltadas para proteger indivíduos e grupos vulneráveis podem ser entendidas como paternalistas" é correta quando rejeita o paternalismo errôneo que pretende proteger os vulneráveis quando é necessário assistir na eliminação da causa de sua vulnerabilidade secundária" (Kottow, 2003b:71). "Deve-se determinar que critérios se deveriam usar para estabelecer quem são as pessoas e os grupos vulneráveis, o que pode ser considerado apropriadamente exploração e quando esforços bem-intencionados de proteção podem ser paternalistas e, portanto, questionáveis" (Macklin, 2003a:59). A proteção visa dar ao indivíduo ou à população de indivíduos - objeto da proteção - as condições necessárias para adquirir a competência da autonomia e poder exercê-la (o que é, em última análise,também uma maneira de responsabilizá-los pelas suas escolhas e práticas). E, por outro, a proteção - ao incorporar em suas finalidades o aprimoramento da autonomia -, acaba garantindo em princípio o bem-estar e a qualidade de vída de seus "protegidos", justamente por preservar e garantir que eles se tomem cada vez mais autônomos em suas escolhas sobre o que lhe diz respeito (Schramm, 2004a). Sendo assim, o princípio da proteção não pode ser considerado paternalismo, pois este princípio é uma maneira de garantir os interesses do indivíduo vulnerado ou literalmente desamparado (Schramm, 2004a). "A função protetora tem particular importância quando se considerem as possíveis ameaças a indivíduos e populações humanas que podem literalmente nadifiear seus direitos humanos fundamentais" (Schramm,2004b). A vulnerabilidade é uma condição "existencial" de todo ser vívo, o que faz que este transforme necessariamente seu ambiente de acordo com suas necessidades, 54 embora devam ser respeitados determinados limites definidos pela estrutura interna de cada ser vivo e seu acoplamento estrutural com seu entorno, o ambiente (Schramm, 2005). A vulnerabilidade circunstancial ou secundária, segundo Kottow (2003), é a destituição que impede as pessoas de atender às suas necessidades e realizar seus desejos, predispondo-as a infortúnios adicionais. O conceito de vulnerabilidade(com o sentido de "que pode ser ferido") refere-se a qualquer ser vivo, sem distinção,que pode, eventualmente, ser "vulnerado" devido a alguma caracteristica ou circunstância particular. Neste caso, a vulnerabilidade se toma vulneração termo defendido por Schramm (2005) que, neste trabalho, o adotaremos. Do mesmo modo, denominaremos de vulnerado (Schrarnrn, 2005) quando nos referirmos ao individuo vulnerável, termo adotado por Kottow, ou seja, individuoque sofre de necessidadesnão atendidas, o que o toma frágil, predisposto a sofrer danos (Kottow, 2003). Populações pobres, principalmente dos paises em desenvolvimento, que vivem em estado de extrema necessidade, são vulneradas, pois necessitam de cuidados em saúde, educação, nutrição, por conta da falta de políticas públicas que atendam essas necessidades (Glantz et ai, 1998). A pobreza, em si, é uma base material individuale coletiva para diferentes tipos de vulneração (social, cultural, étnica, política, econômica, educacional e de saúde). Essa situação pode facilmente ser transformada em desigualdade - um caldo de cultura inviabilizador da autonomia dos sujeitos (Oliveira, 2003). Outra situação que coloca as pessoas em estado de vulneração é a fome, que para Castro (1966:20), "seja como fator determinante ou predominante, seja como fator predisponente de inúmeros males, a fome rebaixa aos niveis infimos o estado de saúde das populações subnutridas". Fomes coletivas continuam a ocorrer em determinadas regiões, negando a milhões a liberdade básica de sobreviver (Sen, 2002). Individuos vulnerados muitas vezes se tomam objeto da pesquisa cientifica. De um modo geral, para o paciente pobre, qualquer oferta que, no presente, facilite sua sobrevivência, tem prioridade absoluta .de independentemente de considerações adicionais ou aceitação, de possíveis preferências alternativas. Esta é a situação vivenciada pelos pacientes pobres diante da oferta de medicação gratuita que, normalmente, vem acompanhada do convite para participação em pesquisa de ensaio clínico (Azevedo, 2003). Esses grupos populacionais não farnilíarizados com intervenções médicas, notadamente de pesquisa, são individuos mais suscetiveis à exploração, o que implica na adoção de normas específicas para pesquisas com seres humanos (Glantz et al, 1998). O sujeito da pesquisa, não raramente fragilizado, dependente diretamente ou indiretamente do pesquisador e ou da instituição que o assiste, acaba abrindo mão de sua autodeterminação, concordando in limine com o 56 IV. SUJEITO, OBJETO DA PESQUISA, E MÉTODO Na seleção da população, objeto desse estudo, seguimos as recomendações de Minayo (1998): definição do grupo social mais relevante; não esgotamento da amostragem até o completo delineamento do quadro empírico (saturação); flexibilidade da amostragem e possibilidade de inclusão progressiva; possibilidade da triangulação, como critério de validade. A amostra não foi definida aleatoriamente; ao contrário, ela se constituiu com base em uma perspectiva de intencionalidade (Triviiios, 1987) e, dessa forma, obedeceu a critérios que pudessem cumprir com os objetivos desse trabalho. Os sujeitos, objeto da nossa pesquisa, foram pesquisadores brasileiros, pertencentes à àrea da Medicina, que desenvolvem pesquisa clínica, vinculados às Universidades e Institutos de Pesquisa públicos ou privados da cidade de São Paulo. A escolha da formação básica dos pesquisadores em Medicina se deu em razão de esta ter sido a primeira profissão ínstitucionalizada pertencente às ciências da saúde a adotar um código moral de comportamento para seus profissionais (Rydley, 1998). Delimitamos o universo de atuação dos pesquisadores, objeto do nosso trabalho, à pesquisa c1ínica3, pois essa modalidade de pesquisa atingirá sempre e necessariamente o ser humano na sua integridade e saúde, necessitando, conseqüentemente, de cuidado e proteção especiais. A opção da cidade de São Paulo como sede da nossa pesquisa se justifica pela maior concentração de pesquisadores da Medicína na área clínica e de ser, sem dúvida alguma, o maior pólo de pesquisa biomédíca do Brasil. A comprovação desse fato se dá pelo volume de verba disponibilizada pelo CNPq, segundo dados desse organismo, no periodo de 200 I a 4 2004, sendo São Paul0 o Estado que recebeu maior investimento em bolsas e no fomento à pesquisa. No processo de seleção dos pesquisadores para serem sujeitos, objeto da nossa pesquisa, adotamos outros critérios, a saber: ter ao menos 20 anos de 3 Na investigação médica se faz a distinção entre pesquisa c1Inicaou terapêutica e pesquisa pura ou não terapêutica, diferença adotada e difundida pela Declaração de Helsinque. A investigação c1Inicaou terapêutica tem como objetivo principal a melhora da saúde do sujeito, objeto da pesquisa e a experimentação pura ou não terapêutica tem como finalidade a construção de conhecimentos cientificos. 4 Fonte: CNPq/ AEl. http://www.cnpq.br/servicos/estatisticas/historicas.htm 57 graduação em Medicina, considerando que esse é um periodo suficiente de armazenamento de experiência e conhecimentos, não apenas no que se refere ao domínio tecnocientífico, mas, igualmente, quanto à VÍvência de conflitos éticos no exerCÍcio da profissão; ter ao menos o título de doutor, por considerar que o doutoramento forma e qualifica o pesquisador; ter no mínimo 10 anos de conclusão do doutoramento, no entendimento de que, assim, tenha armazenado experiência suficiente em pesquisa científica e, por fim, possuir, ao menos, 30 artigos científicos publicados em reVÍstas indexadas na base Medline, levando em conta que este critério é um demonstrativo efetivo da produção científica do pesquisador. Na primeira etapa da pesquisa, procedemos ao levantamento dos pesquisadores, com currículo disponível na plataforma Lattes/CNPq e verificamos quais currículos se enquadravam nos critérios acima descritos. Após a identificação dos pesquisadores que interessavam aos objetivos do trabalho, procedemos ao processo de recrutamento. Para tanto, contatamos, VÍae-mail, todos os pesquisadores selecionados..•. "\ preVÍamente, cujos endereços eletrônícos estavam disponíveis nos currículos da-" plataforma Lattes/CNPq. Na ocasião, informamos aos pesquisadores sobre nossa pesquisa, objetivos, método e finalidades, e solicitamos sua participação. Com aqueles que responderam afirmativamente à nossa mensagem, marcamos as audiências para cada entreVÍsta,que aconteceram no periodo de novembro de 2004 ajaneiro de 2005. Em função dos objetivos da pesquisa e do tipo de informações que se pretendia obter, utilizamos o método qualitativo para coleta e análise dos dados. O emprego dessa abordagem permite ao investigador lidar com conteúdos de natureza subjetiva, como os que se referem a atitudes, valores, aspirações, crenças e motivações (Minayo, 1992), atendendo às preocupações deste estudo, qual seja, identificar os conflitos gerados entre os interesses dos pesquisadores e a proteção aos sujeitos, objeto da pesquisa; apurar o que os pesquisadores pensam acerca desses conflitos; verificar se o sujeito da pesquisa está protegido desses conflitos; de que modo se opera essa proteção e, finalmente, demonstrar que o prinCÍpioda proteção é o mais adequado para fazer face aos conflitos encontrados. Para tanto, utilizamos a técnica de entreVÍstasemiestruturada, baseando-nos num roteiro elaborado para orientar a abordagem, com o intuito de obtermos informações em profundidade. Esta técnica de investigação tem como objetivo ir além da compreensão imediata e espontânea, ou seja, ela tem como função básica a observação mais atenta dos significados das falas em seu contexto, e isso pressupõe uma construção de ligações entre as premissas de análise e os elementos 58 que aparecem nas sentenças (Rizzini et ai, 1999). As entrevistas foram conduzidas pessoalmente por mim e direcionadas aos pesquisadores num local de conveniência para os sujeitos, objeto da pesquisa. As entrevistas foram armazenadas no gravador digital da marca Panasonic modelo IC Recorder RR-US320. Este equipamento, de propriedade da pesquisadora, por ser digital, não utiliza fita cassete. Após o término de cada entrevista o material era transferido para o computador e arquivado no programa Voice Editor 2 e, imediatamente, suprimido do gravador. Posteriormente, o conteúdo foi transcrito no computador para o programa editor de texto Microsoft Word. Como o programa Voice Editor 2 armazena a voz dos entrevistados, após o término deste trabalho e conseqüente defesa da tese, todo material arquivado neste programa será suprimido da memória do computador. No material transcrito para o programa editor de texto Microsoft Word não consta nenhuma informação que possa identificar os sujeitos, objeto da nossa pesquisa. Após a transcrição dos dados, realizamos a leitura exaustiva e por diversas vezes repetida do material, seguindo o que aconselham Minayo (1998) e Triviiiios (1987), quando falam de "leitura flutuante" das transcrições das entrevistas. O objetivo da "leitura flutuante" é a impregnação depoimento pelo sentido do "todo" de cada e a identificação das "unidades de significação", que apontam os temas presentes nas falas (Martins & Bicudo, 1989). Dessa forma, a interpretação surge como elemento essencial do processo de pesquisa, não havendo distinção entre o levantamento das informações e a interpretação, pois durante todo processo da pesquisa estamos imersos no processo de interpretação (Spink & Lima, 2000). Optamos por trabalhar com categorias, que são elementos encontrados nas falas dos entrevistados que contém caracteristicas (Gomes, comuns, fato que permite estabelecer uma classificação 1999). O processo de categorização não é impositivo, há um confronto possível entre sentidos construidos no processo de pesquisa e de interpretação e aqueles decorrentes da familiarização prévia com nosso campo de estudo (nossa revisão bibliográfica) e de nossas teorias básicas (Spink & Lima, 2000). O passo seguinte foi o desenvolvimento dos mapas de associação, que têm o objetivo de sistematizar o processo de análise, conforme orientam Spink & Lima (2000). A construção dos mapas iniciou-se pela definição de categorias gerais, de natureza temática, que refletem, sobretudo, os objetivos da pesquisa, lembrando que, segundo Spink & Lima (2000), o próprio processo de análise pode levar à redefinição das categorias. A técnica para construção dos mapas obedeceu aos seguintes passos (Spink & Lima, 2000): a) utilizamos o processador de dados Word for Windows e digitamos todas as entrevistas; 59 b) construímos uma tabela com um número de colunas correspondente às categorias e, por fim, c) usamos as funções "cortar" e "colar" para transferir o conteúdo do texto para as colunas, respeitando a seqüência do diálogo. Dessa forma, obtivemos, como resultado, o que Spink & Lima (2000) denoDÜnamde efeito escada. De posse dos mapas, passamos à análise do material, usando como teoria básica a Bioética da Proteção de Schramm & Kottow (2001). Roteiro da entrevista - questões diretivas No momento inicial da audiência; explicamos detalhadamente aos entrevistados os objetivos e o método utilizados em nossa pesquisa, depois entregamos o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE, que, após sua leitura, os entrevistados assinaram e deles receberam uma cópia. A partir desse momento, o gravador era ligado e procedíamos com as questões. No primeiro momento, os voluntários foram estimulados a falar sobre os conflitos éticos que vivenciam na execução das pesquisas com seres humanos e como se conduzem diante desses conflitos. Perguntamos se os voluntários das suas pesquisas estavam protegidos contra esses conflitos. Na resposta positiva a esse questionamento, buscamos saber de que modo se operava essa proteção e, na hipótese dos sujeitos não estarem protegidos, que medidas, do seu conhecimento, poderiam ser aplicadas para que a proteção ocorresse. Depois, questionamos qual é a responsabilidadedo pesquisador para com os sujeitos de sua pesquisa e qual é a responsabilidadedo CODÜtêde Ética em Pesquisa. Perguntamos também como eles recrutavam os voluntários das suas pesquisas e se, nesses últimos anos, mudou a maneira de se executar as pesquisas com seres humanos. As entrevistas duraram em média trinta DÜnutos. 60 V. ANÁLISE DOS DISCURSOS DOS ENTREVISTADOS O projeto de pesquisa que gerou este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca ENSP/FIOCRUZ. Todos os sujeitos, objeto da pesquisa, deram seu Consentimento, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e desse documento receberam uma cópia. Na totalidade, entrevistamos 27 (vinte e sete) pesquisadores. Entretanto, na computação dos dados, selecionamos 23 (vinte e três) entrevistas, para as quais o perfil dos pesquisadores obedeceu, rigorosamente, aos critérios descritos no capitulo "Sujeito, objeto da pesquisa, e Método" e que tinham as seguintes caracteristicas: todos os pesquisadores pertenciam a instituição pública de ensino e pesquisa; o tempo de graduação em Medicina variou entre 35 e 20 anos; a titulação miníma era a de doutor, isto representado por 5 (cinco) pesquisadores, enquanto os demais, 18 (dezoito), tinham pós-doutorado; 20 (vinte) eram livres-docentes; o tempo minímo do titulo mais alto da carreira foi de 10 (dez) anos e o número de artigos publicados em revistas indexadas variou entre 40 e 300 trabalhos. Os resultados obtidos foram organízados de acordo com as categorias que se seguem: v. 1. Tipos de conflitos éticos na execução das pesquisas com seres humanos V. 1.1. Dilemas éticos V. 1.2. Problemas éticos 61 V. 1.3. Problemas não pertinentes para esta pesquisa V. 2. Sujeito, objeto da pesquisa V. 2.1. Voluntários consencientes V. 2.2. Não voluntários V. 2.3. Constrangidos V. 3. Responsabilidade V. 3.1. Do Pesquisador para com os sujeitos . V. 3.2. Do Comitê de Ética em Pesquisa V. 4. Proteção do sujeito, objeto da pesquisa V. 4.1. Relativa às modalidades de recrutamento V. 4.2. Relativa à vulnerabilidade genérica V. 4.2.1. Vulnerável V. 4.2.2. Vulnerado V. 4.2.3. Vulnerabilidade V. 4.2.4. Vulneração V. 4.3. Realidade da proteção V. 4.4. Medidas de proteção V. 5. Mudanças na execução das pesquisas com seres humanos Apresentaremos e analisaremos categorias acima mencionadas. os dados obedecendo à seqüência das 62 V.I. Conflitos éticos na execução das pesquisas com seres humanos Na verificação desta categoria, identificamos, no inicio da fala dos entrevistados, que a maioria absoluta dos pesquisadores, quando questionados sobre os conflitos éticos que enfrentam na execução confirmou a existência desses conflitos. das pesquisas Esse resultado com seres humanos, ratifica as informações encontradas na literatura sobre a existência de conflitos éticos no uso de seres humanos em pesquisas científicas. Segundo Beauchamp & Childress (2002), existem conflitos sempre que a obrigação do profissional como pesquisador ou seu interesse pessoal em se ajustar a uma instituição, em ter segurança no emprego, em objetivos pessoais, comprometa ou ameace comprometer suas obrigações em relação a outros que têm o direito de esperar objetividade e imparcialidade. No material por nós analisado, um dos pesquisadores entrevistado deixou claro na sua fala que tinha dúvida quanto à existência de conflitos éticos. Esse fato é evidente no trecho selecionado da entrevista: "Não é que a gente tenha conflitos quando está jazendo pesquisa. Os projetos de pesquisa clínica são bem melindrosos,principalmente relacionados a novosjármacos ", (Entrevistado 1O) Entretanto, esse mesmo pesquisador, na seqüência do seu discurso, declara: "Nós já tivemos grandes conflitos com projetos que vêm de jora, é mais difícil lidar com eles porque eles vêm prontos". (Entrevistado 10) De todos entrevistados apenas um afirmou que não enfrenta nenhum conflito ético quando realiza pesquisa com seres humanos. Após a confirmação da existência de conflitos éticos pela maioria absoluta dos entrevistados, procedemos ao processamento dessa categoria denominada conflitos éticos e distinguimos na fala dos pesquisadores as seguintes subcategorias: 1.1. Dilemas éticos; 1.2. Problemas éticos e; 1.3. Problemas não pertinentes pesquisa. Tais subcategorias importância. serão apresentadas obedecendo a essa para esta ordem de 63 V.I.I. Dilemas éticos Dois dos entrevistados descreveram um conflito ético que enfrentam na execução de suas pesquisas que, pela dificuldade de estabelecer o que devem fazer, pode sugerir estarmos diante de um dilema ético, que pode ser entendido como um conflito onde se deve escolher necessariamente entre dois pontos de vista igualmente rejeitáveis moralmente (Japiassú e Marcondes, 1996) ou, então, entre dois pontos de vista igualmente aceitáveis moralmente, sendo que a escolha resultante da obrigação moral implicada por um acarreta, necessariamente, em infringir a obrigação moral contida no outro. Esses pesquisadores, no transcorrer da pesquisa, se depararam com casos onde os dados coletados não correspondiam aos resultados esperados. Depois de uma completa verificação e confirmação de que não se tratava de um erro laboratorial, houve a necessidade de fazer exame para determinação da paternidade. O primeiro conflito identificado pelos entrevistados relaciona-se ao consentimento para realização do exame, pois, segundo eles, pedir o consentimento, por si só, geraria uma crise na vida familiar do sujeito da pesquisa. O outro conflito refere-se à divulgação ou não do resultado, quando a paternidade for negativa. Os pesquisadores preferiram tratar o caso como uma informação de laboratório e não forneceram o resultado aos envolvidos. Vejamos, na fala de um dos pesquisadores, o relato do conflito: "Eu acho uma mutação e preciso saber se aquele indivíduo herdou a doença dos pais, então pego o DNA dos pais que colhi para fazer a pesquisa e vejo que não bate, aí eu faço um teste de paternidade. Então é assim: eu tenho autorização para fazer o teste de pdternidade no paciente? Não! Eu vou perguntar para o indivíduo se eu posso fazer o teste de paternidade? Lógico que não! Aí o que eu faço? Eu tenho a informação. Eu não posso falar para ele o resultado. Então é uma informação minha, de laboratório, só que eu fiz esse exame de paternidade, um exame que ele não me pediu, não me deu permissão. Mas eu prefiro resguardar a família, entendeu? Se eu chegar e pedir permissão, é obvio que será um problema, então eu faço assim. Eu mmca discuti isso. " (Entrevistado 4) A situação conflituosa acima descrita, pode sugerir que estamos diante de um dilema ético. !'- palavra dilema, de origem grega, etimologicamente .quer dizer: di: "dois", e lemma: "princípio", "[uma das duas] premissas [de um silogismo]", ou seja, "escolha entre duas premissas". No caso de um dilema moral, trata-se de uma "situação em que cada curso possivel de ação viola um certo princípio moral que também é, por 64 seu lado, obrigatório. O cerne de muitas tragédias são dilemas graves desse tipo. O conflito pode ser descrito de diferentes maneiras. Uma é que, seja qual for a ação que a pessoa realize, ela fará algo de errado ou que não deveria fazer. Outra descrição discorda dessa apreciação, afirmando que o dilema significa que dadas as circunstãncias, a pessoa agiu de forma correta ou, pelo menos, tão corretamente quanto qualquer outra alternativa. É importante para a fenomenologia desses casos que cada ação deixe um resíduo de culpa ou remorso, embora, uma vez mais (desde que a pessoa não seja responsável por se encontrar no dilema), a racionalidade dessas emoções possa ser contestada. Qualquer moral com mais do que um princípio fundamental poderá gerar dilemas e há dilemas como o do romance A escolha de Sofia onde uma mãe deve decidir qual de seus dois filhos deve sacrificar, ainda que nenhum princípio favoreça qualquer um deles" (Blackburn, 1997:102). A análise do conflito narrado pelos pesquisadores e a observância ao rigor filosófico do significado de dilema, permite que façamos duas inferências distintas do caso descrito. A primeira é que o conflito narrado não se configura num dilema, pois há alternativa de ação e tal opção não gera dúvida de qual seria o caminho correto a seguir. Esse problema tem sua solução no processo de recrutamento para sujeitos da pesquisa. Os prováveis voluntários deveriam receber antecipadamente todas as informações sobre a pesquisa, inclusive sobre a possibilidade de, num determinado momento, realizar o exame para confirmação de paternidade e a divulgação do resultado. A aceitação para participar da pesquisa incluiria a anuência para efetivação do teste de paternidade, se necessário, e, consequentemente, o fornecimento do resultado. A segunda inferência é que, de fato, o conflito ético apresentado seria um dilema, pois pedir o consentimento para realização do teste de paternidade, mesmo que antecipadamente, poderia por si só gerar um problema familiar no caso de recusa da mãe, e não consentir com a participação da criança na pesquisa negaria a esta o beneficio que poderia obter com sua participação. Ou seja, por esse raciocínio, qualquer decisão tomada afetaria negativamente a criança e a família, configurando-se de fato num dilema ético. V.1.2. Problemas éticos Classificamos os conflitos éticos, descritos pelos pesquisadores, como problemas éticos, pois, embora eles existam como "conflitos", têm solução. Define-se 6.5 problema, "em um sentido genérico, como dificuldade, tarefa prática ou teórica de dificil solução. Em sentido mais amplo, filosófico e, em geral, teórico, toda questão crítica, de natureza especulativa ou prática, examinando o fundamento, a justificativa e o valor de um determinado tipo de conhecimento em forma de ação" (Japiassú e Marcondes, 1996:221). Dentre os problemas éticos decorrentes da utilização de seres humanos na pesquisa clínica, o mais citado pelos pesquisadores entrevistados refere-se ao uso de seres humanos em pesquisas com novos fármacos. Os trechos selecionados nas entrevistas ilustram esse problema: "Usar uma droga a primeira vez é um grande conflito. " (Entrevistado 15) "Você jaz uma pesquisa e há controvérsias no mundo sobre essa droga, esse é um conflito. " (Entrevistado 18) "Quem jaz pesquisa com medicamento, com uma droga qualquer, com doenças graves, tem mais chances de ter conflitos. " (Entrevistado 11) Este problema identificado pelos pesquisadores tem sua raiz na incerteza da eficácia de uma nova droga e dos efeitos colaterais, mas também no aumento do número de pesquisa com novos fárrnacos. Segundo Mainetti (2003), existe um novo cenário na pesquisa cientifica que se caracteriza pela convivência da academia e da empresa - a comercialização da pesquisa médico/universitária -, fato que não é recente; o que é recente é o destacado incremento no financiamento dos ensaios clinicos por parte da indústria farmacêutica e biotecnológica, cujos lucros dependem de novos produtos a um custo menor, com maior eficiência no mercado. Observa-se que, mesmo diante desse problema, os pesquisadores entendem que os ensaios clínicos devem ser realizados e justificam-se pela necessidade de se descobrir novos medicamentos. Podemos confirmar esse fato através de dois trechos das entrevistas: "Apesar de parecer que está tudo bem, ainda há situações clínicas onde existem dúvidas e precisa se estudar. " (Entrevistado 9) "...se não fizermos ensaios clínicos, como vamos conhecer as contra-indicações? Cedo ou tarde você precisará tomar o medicamento novo.•• (Entrevistado 20) 66 o pensamento exposto pelos pesquisadores está em conformidade com as Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos, que afirmam: antes de serem aprovadas para uso geral, as novas vacinas e os novos medicamentos devem ser testados em seres humanos mediante ensaios clínicos; esses ensaios constituem uma parte substancial da pesquisa em seres humanos. (Conselho de Organizações Internacionaisde CiênciasMédicas, 2004). O conflito identificado por um dos pesquisadores entrevistados diz respeito ao tempo para execução das pesquisas. A justificativa para sua alegação é que não é possivel utilizar os mesmos critérios e exigências, em relação aos prazos para execução das pesquisas, quando se trabalha com seres humanos e com animais. Vejamos, na fala do entrevistado: "O primeiro conflito é a duração do projeto. Então, eu tenho um prazo determinado, seja no mestrado, doutorado ou da agência jinanciadora, e eu não tenho um rato. Eu tenho pessoas que respiram, que se emocionam, que resolvem não vir no dia marcado porque ele não tem dinheiro, porque ele não gosta, não foi com a minha cara, o time dele perdeu e eu perco meu prazo. E o rato não! O rato está lá. Pesquisa básica anda mais rápido, tem menos conflito. É... tem menos dificuldades. Não tenho nada contra os dois métodos, são fundamentais, apenas são diferentes. Fazer pesquisa com seres humanos é completamente diferente de pesquisa com animais. " (Entrevistado 22) O problema apresentado pelo entrevistado 22 é relevante e deve ser observado com rigor, pois segundo Beauchamp & Childress (2002), todo pesquisador que acelera a pesquisa além da aceitabilidademetodológica, a fim de atrair ou conservar um financiamento, tem um conflito. Esses autores afirmam que os interesses financeiros comprometem tanto a qualidade da pesquisa, quanto a objetividade das recomendações aos pacientes. O mesmo trecho apresentado do discurso do entrevistado 22, embora chame nossa atenção para a questão do prazo que o pesquisador deve cumprir no desenvolvimento das pesquisas com seres humanos, demonstra claramente outra dificuldade na execução da pesquisa clínica. O problema identificado em sua fala é evidente, as necessidades e as dificuldades das pessoas e o livre arbitrio, condição própria dos seres humanos, influenciamna realização das pesquisas científicas. 67 Outros pesquisadores também abordaram esse problema maiS diretamente e afirmaram que os sujeitos da pesquisa são muito necessitados e que essa condição se configura num conflito ético na execução das pesquisas com seres humanos. Esse estado de total desamparo, segundo os entrevistados, contribui para o surgimento de outro problema ético, pois induz à aceitação incondicional do individuo necessitado em participar como voluntário numa pesquisa cientifica. Para exemplificar essa preocupação, citaremos a fala de um dos pesquisadores: "Para ser sincero, o problema principal é que o sujeito da pesquisa é muito necessitado, a comunidade é muito sofrida, eles não reclamam de nada, eles não pedem nada ou, melhor, aceitam tudo. É mais fácil fazer pesquisa com seres humanos do que com animais. É incrível isso! É um paradoxo ... " (Entrevistado 13) Os casos aos quais os pesquisadores se referem são de pessoas muito necessitadas, nos quais a pobreza é a condição que interfere em sua capacidade de decisão. Para as pessoas vivendo na pobreza, as circunstâncias em que as decisões são tomadas anulam, via de regra, qualquer possibilidade de exercício de autonomia. A pobreza é uma camisa-de-força a lhes impedir decisões alternativas (Azevedo, 2003). A pobreza, segundo Sen (2002) deve ser vista como uma privação de capacidades básicas, e não apenas como baixa renda. A privação de capacidades elementares pode refletir-se em . morte prematura, subnutrição significativa, morbidez persistente, analfabetismo muito disseminado e outras deficiências (Sen, 2002). Segundo Azevedo (2003) o que importa à pessoa pobre é resolver o problema do momento, pois tal resolução é sempre fundamental para a sobrevivência. É irrelevante, para o paciente pobre, mas não para o saber médico-pesquisador, que a oferta da medicação seja só por algum tempo. Para o paciente pobre, necessidades vitais não podem esperar e, para o médico-pesquisador, o conflito ético é óbvio (Azevedo, 2003). Nos trechos selecionados dessas entrevistas, identificamos uma posição antagônica na fala dos dois pesquisadores, quanto às dificuldades na execução das pesquisas com seres humanos, comparativamente às pesquisas com animais. O entrevistado 22 considera mais dificil fazer pesquisa com seres humanos, pois a liberdade de fazer o que quer da sua vida, uma condiç~o humana, e a penúria dos voluntários, pode, em algumas situações, prejudicar o bom andamento da pesquisa. Na fala do entrevistado 13, a preocupação é com a extrema necessidade da população que leva a uma condição de total desamparo, situação em que os individuos aceitam 68 qualquer coisa, inclusive ser voluntário de uma pesquisa. É inegável, e esses trechos das. entrevistas demonstram completamente que os desfavorecidos. sujeitos, objeto da pesquisa Essa situação conflituosa científica, são deve ser observada pelo pesquisador a fim de garantir o respeito à dignidade do ser humano e, do mesmo modo, levar em conta o direito do sujeito, objeto da pesquisa, de decidir sobre a sua própria vida. Dentre os pesquisadores que destacaram a extrema necessidade da população como um problema ético que enfrentam na execução das pesquisas com seres humanos, dois deles entendem que, ao participar como voluntário de uma pesquisa, a pessoa passa a ter privilégios no atendimento. Para eles, isso se configura num outro problema ético a ser resolvido. Exemplificamos com o trecho de uma das falas: "Nossa população é muito carente, mas normalmente ele [voluntário] é beneficiado por participar da pesquisa. Isso incomoda um pouco porque o voluntário da pesquisa recebe os benefícios de ser atendido em horário especifico, mais visitas e exames, isso é um conflito. " (Entrevistado 11) A condição de pobreza causa diversos problemas, alguns já mencionados; além desses, muitas pessoas pobres têm pouco acesso a serviços de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a vida lutando contra uma morbidez desnecessária, com freqüência sucumbindo à morte prematura (Sen, 2002). O conflito se torna mais grave quando para ter acesso a um bom atendimento nos serviços públicos de saúde as pessoas têm que ser objeto de pesquisa científica. Além do total os desamparo entrevistados, que os potenciais sujeitos da pesqUIsa eles desinformados. apresentam, segundo também são Essa característica apresentada por algumas pessoas representa um problema ético para aqueles que fazem pesquisa clínica. Podemos verificar essa informação através da fala: "Eu acho que o sujeito da pesquisa é desinformado, mas não é só ele, nós brasileiros [também). Eu acho que o brasileiro não entende o que é ser cidadão. Acho que o indivíduo ser cidadão significa saber a importância de deveres e de direitos. Nós não temos ainda essa formação. :' (Entrevistado 7) Os pesquisadores pesquisa identificaram outro conflíto ético na execução da clínica: a inclusão dos seus próprios pacientes em suas pesquisas. Os entrevistados não recomendam essa situação e para eles é necessário separar e escolher 69 entre ser o médico que assiste o paciente ou ser o pesquisador, responsável pela pesquisa. Os exemplos abaixo demonstram esse pensamento: "Tem pesquisador que jaz pesquisas na clinica privada. A clinica é credenciada pela indústria jarmacêutica e desenvolve a pesquisa e recruta os voluntários entre seus próprios pacientes. Eu acho esse jato muito complicado e isso é um conflito ético. " (Entrevistado 2) "Outra coisa é quando você é o médico assistente, ou você é uma coisa ou outra. Então eu sou o médico assistente e o paciente não entra no estudo, ou eu não sou o pesquisador envolvido no estudo. Essa é uma divisão que eu costumo recomendar. " (Entrevistado 23) Segundo Beauchamp & Childress (2002) os papéis duplos de cientistapesquisador e de médico-clínico levam a direções diferentes e trazem obrigações e interesses conflitantes. Como pesquisador, o médico busca gerar conhecimento cientifico para que possa beneficiar pacientes individuais no futuro, na prática clínica, os contratos e as responsabilidades exigem que o médico trabalhe no melhor interesse dos pacientes atuais. Ambos os papéis pretendem beneficiar o doente, mas o papel do . cientista visa pacientes desconhecidos e futuros, enquanto a função da clínica lida com pacientes conhecidos atuais (Beauchamp & Childress, 2002). Alguns autores referem que a ética na pesquisa em seres humanos é diferente da ética na prática clinica e as obrigações do médico com seu paciente seriam diferentes daqueles do pesquisador com o sujeito da pesquisa. Contudo, não se deve esquecer que o pesquisador é o médico do paciente (sujeito da pesquisa) na maioria das vezes e, como tal, deve proteger o sujeito enquanto paciente (Rossne, 2003). Sem dúvida alguma, esse duplo papel médicopesquisador é conflitante e requer uma reflexão sobre o exercicio da medicina que tem como prioridade léxica os cuidados com os pacientes. Esse principío ético está descrito nos principais códigos morais da profissão, como o Juramento de Hipócrates, referência histórica sobre o comportamento ético do médico: "Aplicarei os regimes, para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, nunca para prejudicar oujazer mal a quem quer que seja"; a Declaração de Genebra, adotada pela Assembléia Geral da Associação Médica Mundial (1948) diz que: "A saúcfe dos meus pacientes será a minha primeira preocupação"; o Código Internacional de Ética Médica adotado pela 3' Assembléia Geral da Associação Médica Mundial (1949), no que se refere aos deveres do médico para com o doente, afirma que: "O médico deve ter sempre presente o 70 cuidado de conservar a vida humana e deve devotar a seu paciente completa lealdade e empregar em seu favor todos os recursos da ciêncid' e, a referência brasileira, o Código de Ética Médica, do Conselho Federal de Medicina, no capítulo I, que trata dos principios fundamentais, diz textualmente, no artigo 2° "O alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em beneficio da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional." Um entrevistado considera ser conflituoso outro pesquisador pedir o consentimento para seu paciente participar da sua pesquisa. Esse entrevistado avalia que o melhor seria ele mesmo pedir o consentimento, poís o paciente confia nele. Analisando essa fala, podemos inferir que, de fato, esse pesquisador não admite a autonomia do paciente. No discurso desse entrevistado fica evidente que a confiança do paciente no médico-pesquisador influencia a decisão de aceitar participar como voluntário da pesquisa e que, contrariamente ao que disseram os outros pesquisadores, para ele não há conflito ético em utilizar seus pacientes em suas pesquisas. Segundo esse entrevistado, o problema está em outro pesquisador pedir o consentimento. "Outro conflito que enfrento é para pedir o consentimento, tem que mandar alguém que não cuide do paciente. Se eu mandar um aluno que ele nunca viu? O paciente me conhece e confia em mim e sabe o que eu posso oferecer. " (Entrevistado 4) Entre os conflitos relacionados pelos entrevistados, podemos citar a execução de pesquisas com crianças. Assim, destacamos duas falas sobre esse tema: "O maior conflito diz respeito a testes com crianças que é o meu segundo conflito, são os testes normais. " (Entrevistado 5) "... e fazer pesquisa com criança é mais difícil ainda. Muito mais difícil ... Tudo depende dos pais. " (Entrevistado 13) Segundo Pelaez (1988) a pesquisa pediátrica somente deve ser realizada quando a criança for beneficiada diretamente. Para Gutteridge (1982) a criança jamais deve ser submetida a uma pesquisa que possa ser desenvolvida em individuos adultos, sua participação deve estar condicionada aos casos que a investigação trate de uma . . enfermidade infantil. Entretanto, limitar demasiadamente a pesquisa pediatria pode se configurar num grave erro, pois essa modalidade de pesquisa é necessária para se conhecer os parâmetros terapêuticos a fim de tratar as doenças infantis, visto que as dosagens medicamentosas utilizadas em adultos não podem ser transpostas para as .71 crianças sem estudo preVIo. Devemos, sim, considerar alguns princípios éticos para pesquisa com crianças que vão desde indagar sobre a real necessidade de se obter tal conhecimento; a análise criteriosa dos riscos e beneficios; avaliar os desconfortos para criança e a obtenção do consentimento livre e esclarecido que deve ter a participação da criança, respeitando suas limitações. O item IV.3, a1inea a, da resolução CNS 196/96, trata das pesquisas adolescentes, pediátricas portadores e diz que: "em pesquisas envolvendo crianças e de perturbação em suas ou doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição capacidades de consentimento, deverá haver justificação clara da escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e cumprir as exigências do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade" (Brasil, 1996). Alguns entrevistados entendem que utilizar o recurso metodológico de adotar um grupo controle é um conflito ético e, como exemplo, citamos a seguir, o relato de um dos pesquisadores: "Você sabe que para jazer um trabalho de pesquisa em medicina você tem que ter comparação. Você não pode pegar um grupo que tem umas características e comparar com outro diferente. Tem que ter um mesmo grupo, mesma jaixa etária, é o grupo controle e isso toma as pesquisas difíceis. " (Entrevistado 13) A depender do método utilizado na pesquisa, podem surgir implicações éticas quando se adotar determinadas técnicas, como, por exemplo, o uso de placebo, a suspensão temporária de uma medicação (washout) ou a randomização para formação dos grupos de sujeitos a serem pesquisados. A randomização, designação aleatória de qual grupo o sujeito da pesquisa participará, é uma técnica muito utilizada nas pesquisas clínicas onde se compara dois ou mais tipos de tratamentos para a mesma patologia. Segundo Angell (1997), uma condição ética essencial para uma pesquisa clinica randomizada é que não haja evidência absoluta que um tratamento é melhor do que o outro; se houvesse, os pesquisadores alguns participantes estabelece seriam culpados de dar um tratamento inferior a da pesquisa. A resoluyão CNS 196/96 no item In.3, a1inea e, que a pesquisa deve: "obedecer a metodologia adequada. Se houver necessidade de distribuição aleatória dos sujeitos da pesquisa em grupos experimentais e de controle, assegurar que, a priori, não seja possivel estabelecer as vantagens de um 72 procedimento sobre outro através de revisão de literatura, métodos observacionais ou métodos que não envolvam seres humanos" (Brasil, 1996). Um dos entrevistados destaca, como conflito ético, os riscos de se fazer pesquisa com seres humanos. Esse entrevistado chama a atenção para esse problema no início de sua fala: "Preciso colocar a primeira coisa sobre o pesquisador que é o risco de você jazer um trabalho, uma pesquisa, um experimento com ser humano. Veja bem: o objetivo da gente é transformar todo o sujeito que a gente pega, todos pacientes que você acompanha em pesquisa. Então é ai que começa o conflito. O conflito de colher mais sangue do que o necessário, mas não é um grande conflito porque não causa dano, ou de eu ter aluno que não consegue pegar a veia do paciente e são várias tentativas. " (Entrevistado 12) Outro pesquisador que se refere aos nscos da pesquisa com seres humanos, diz que: "As minhas pesquisas, vamos dizer assim, não são todas que levam algum tipo de risco para o paciente. Na verdade isso deve corresponder a uns 20%. " (Entrevistado 21) Segundo a resolução CNS 196/96, risco da pesquisa é "possibilidade de danos à dimensão fisica, psiquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano, em qualquer fase de uma pesquisa e dela decorrente." E dano associado ou decorrente da pesquisa é o "agravo imediato ou tardio, ao individuo ou à coletividade, com nexo causal comprovado, direto ou indireto, decorrente do estudo cientifico." O tenno risco refere-se a uma probabilidade de dano futuro, sendo o dano definido como o prejuízo dos interesses à vida, à saúde e ao bem-estar (Beauchamp & Childress, 2002). Toda pesquisa científica envolve risco, até porque, mesmo as intervenções terapêuticas de rotina, estão associadas a efeitos colaterais (Rossne & Vieira, 1995). Sempre que ocorre um avanço científico ou tecnológico, a humanidade vê-se diante da possibilidade de obter beneficios, mas também de ter que conviver com os riscos (Freire-Maia, 1990). Para Beauchamp & Childress (2002) a pesquisa com seres humanos é importante para a sociedade, mas é também moralmente perigosa, poís os individuos sãQ expostos a algum grau de risco para o progresso da ciência. Para realizar qualquer projeto de pesquisa com seres humanos, o pesquisador deve refletir sobre os aspectos éticos de sua conduta. Ele tem a liberdade de propor um projeto de pesquisa para tentar responder uma 13 inquietação ou uma demanda específi2.a, mas também deve ter a preocupação sobre as conseqüências do que está propondo (palácios et al, 2002). O pesquisador não pode exigir que um individuo se exponha a um risco maior do que aquele que esse individuo .~ em particular pode exigir de si (Sgreccia, 1996). ."",. Um conflito abordado por um dos entrevistados se refere ao fato do pesquisador participar de um comitê de avaliação e ter seus próprios projetos analisados e aprovados pela comissão. Este problema pode ser solucionado se o pesquisador não participar da avaliação e o comitê agir com isenção na tomada de decisão. Entretanto, essa questão é mais complexa, pois, embora "a tarefa dos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs), seja analisar, de maneira crítica e imparcial, as ferramentas científicas (conceitos, teorias, paradigmas); os materiais e métodos; os valores e as crenças sobre o correto e íncorreto, o justo e o errado, diretamente envolvidos na pesquisa" (Schramm, 2004b), alguns países patrocinadores questionar de pesquísas clinicas, sentem-se autorizados a a competência dos Comitês de Ética em Pesquisa locais, de reduzir as exigências do consentimento, de flexibilizar as condições de recrutamento dos sujeitos e, em geral, de aplicar métodos de estudos que em seus próprios países seriam reprovados eticamente (Kottow, 2005). Ocupar o lugar de avaliador de um protocolo de pesquisa pode, evidentemente, ser objeto de controvérsias devido a questionamentos tanto sobre a efetiva competência (metodológica e epistemológica) necessária isenção (moral e ideológica) da avaliação (Schramm, Kottow quanto sobre a 2004b). (2005), existem diversas iniciativas acadêmicas provenientes Segundo de países do primeiro mundo, para promover cursos de capacitação em ética aplicada à pesquisa científica nos países em desenvolvimento, ínclusíve da América Latina. Essa denúncia de Kottow e as observações de Schramm, colocam em suspeição a avaliação de um CEP, que pode ser enviesada por conflitos de interesses e de valores entre os agentes da avaliação e os autores do protocolo de pesquisa revisada, o que pode complicar a conflituosidade tradicionalmente da pesquisa reconhecidos por acrescentar conflitos entre um novo agentes fator de pesquisadores conflito aos e pacientes pesquisados (Schramm, 2004b). Por tudo isso, entendemos que há de haver uma política pública eficaz que contribua diretamente para a excelência desse processo de análise e aprovação dos projetos de pesquisas com seres humanos, e, conseqüente acompanhamento do desenvolvimento dessas pesquisas através dos Comitês de Ética. Neste caso, o objetivo maior deve ser a proteção dos sujeitos, objeto da pesquisa, onde ,~ I. 74 devem prevalecer, sempre, os interesses do país hospedeiro da pesquisa, de seus cidadãos e o respeito aos aspectos sócio-culturais existentes. "Outro conflito ruim quando ao mesmo tempo o pesquisador é líder mim comitê de avaliação. " (Entrevistado 17) A conduta do pesquisador é uma preocupação de outro entrevistado, que chama a atenção para o fato de que a preocupação de quem executa pesquisa é com a aprovação do projeto pelo Comitê, e não com o sujeito, objeto da pesquisa. Ele afirma: "Acho que a gente nem pensa no sujeito da pesquisa, não que a gente não saiba a importância da ética. Eu acho que nós pensamos 'sempre é como nós podemos fazer aprovar o nosso projeto. Somos egoístas, então a gente pensa no nosso lado. A gente vai sempre fechar pro nosso lado e acho que qualquer pesquisador está preocupado com sua pesquisa. " (Entrevistado 7) Logo após discorrem sobre os conflitos éticos que enfrentam na execução de suas pesquisas, os pesquisadores explicaram como solucionam esses problemas ou como se deve agir para resolvê-los. Alguns entrevistados acreditam que os problemas podem ser resolvidos através de uma maior conscientização dos pesquisadores, da sociedade e dos voluntários sobre a pesquisa científica, sua importância e os cuidados para com os sujeitos, objeto da pesquisa. "Precisa de uma conscientização do que representa. o sujeito da pesquisa." (Entrevistado 7) "Esses conflitos éticos entre pesquisador e paciente passam por uma conscientização. Eu acho que o que falta é a comunidade cientifica trazer à sociedade uma discussão ampla sobre tudo isso. " (Entrevistado 19) "Eu acho que tudo tem uma solução, tudo tem umjeito, tudo se resolve. Só que tem que conversar, tem que dialogar, tem que chegar a um acordo. " (Entrevistado 20) A solução dos conflitos, para alguns entrevistados, está em o pesquisador se preparar adequadamente para trabalhar com as peculiaridades que envolvem a pesquisa com seres humanos; informar os voluntários sobre todos os aspectos da 75 pesquisa e cuidar dos sujeitos, objeto da pesquisa, levando-se em consideração as necessidades dele como paciente. "Você tem que estar preparado tecnicamente, filosoficamente e eticamente por meio de ClIrsos e explicar para o doente o projeto, porque ele pode entrar no projeto. A partir do momento que o paciente está muito bem informado e você preparado para explicar tudo e conversar com ele, isso dimimti os conflitos. " (Entrevistado 23) "Peço exames que têm radiação, mas tenho o ClIidado de não pedir outro antes de 6 meses, só se for necessário para o paciente. " (Entrevistado 21) Para outro pesquisador, a solução para resolver os conflitos éticos que surgem nas pesquisas clinicas é escolher o sujeito da pesquisa, evitando pessoas que possam causar problemas. Segundo a resolução CNS 196/96 o pesquisador no protocolo de pesquisa deve: "descrever os planos para o recrutamento de individuos e os procedimentos a serem seguidos. Fornecer critérios de inclusão e exclusão." "Então eu escolho bem com quem quero trabalhar e separo as pessoas que não causam problemas. " (Entrevistado 11) Alguns pesquisadores admitem a existência dos conflitos, mas acreditam que os beneficios que a pesquisa trará para os sujeitos, objeto da pesquisa, e para a sociedade, justificam a realização das pesquisas com seres humanos. "Então você estuda muito e faz a pesquisa. E são essas pesquisas que mudam condutas terapêuticas e vão trazer um enorme beneficio. " (Entrevistado 18) "Na realidade existem vários conflitos, mas tem que ser muito franco porque a condição é se a pesquisa vai beneficiar o paciente e até mesmo a sociedade. Têm que proCllrar divulgar ou procurar esclarecer o que é essa pesquisa, quais os beneficios que a pesquisa traz para os participantes. " (Entrevistado 19) A pesquisa com seres humanos deve trazer beneficio aos participantes envolvidos e contribuir potencialmente para o conhecimento generalizável do homem (pessini & Barchifontaine, 1996). Existem pesquisas que não trazem beneficios para os . sujeitos, como as pesquisas clínicas não terapêuticas executadas com individuos sadios, que além de não ter nenhu~ beneficio, impliCam em expor a riscos os sujeitos (Kottow, 2005). Esses ensaios clinicos, denominados Fase I, devem ser sustentados e precedidos . . 76 de estudos prévios em animais, culturas celulares, simulações ou outras técnicas que propiciem a indicação de prováveis efeitos colaterais. V.1.3. Problemas não pertinentes para esta pesquisa Embora houvesse um consenso entre os pesquisadores entrevistados sobre a existência de conflitos éticos na execução de pesquisas com seres humanos, nas falas de alguns encontramos conflitos que não são pertinentes para a nossa pesquisa e que não se configuram como um problema ético quando se desenvolve pesquisa com seres humanos. São problemas que os pesquisadores enfrentam na realização de qualquer pesquisa científica e que não se relacionam ao uso dos seres humanos como objeto da pesquisa. Sendo assim, destacamos as seguintes falas: "Eu acredito que o conflito para maioria dos pesquisadores foi achar que essas regras pré-estabelecidas, ou alguma lei mais especifica fossem atrapalhar a pesquisa." (Entrevistado 3) "Existem outros interesses que não a pesquisa apenas e eu não estou falando mal, mas deve ter alguma coisa superior que seja responsávelpelo aval dessa pesquisa. Eu acho que a indústriafarmacêutica tem outros interesses.•• (Entrevistado 8) "O maior problema é o dinheiro da pesquisa, não com os pacientes. Você conseguir verba para pagar a pesquisa. Isso é um conflito para o pesquisador. É a verba para a pesquisa. Porque as pesquisas são caras e a gente não tem nada. " (Entrevistado 14) "Na minha experiência, o conflito mais importante que tenha acontecido foi a participação de um projeto com dois pesquisadores da minha universidade e outros dois de outra grande universidade. Eu era o pesquisador principal, mas não era o gerente e isso causou alguns problemas, entre eles uma dupla fonte de financiamento. " (Entrevistado 16) V.2. Sujeito, objeto da pesquisa Nesta etapa da entrevista queríamos saber como uma pessoa se toma sujeito, objeto da pesquisa cientifica. Sendo assim, perguntamos aos pesquisadores qual 77 a procedência dos voluntários de suas pesqUisas. Nas falas dos entrevistados identificamos três categorias: voluntários consencientes, não voluntários e constrangidos. V.2.1. Voluntários consencientes o adjetivo consenciente refere-se aquele individuo: "que consente; que pensa do mesmo modo; que está de acordo" (Houaiss, 2001:807). Essa categoria, denominada de voluntários consencientes, representa o grupo composto de individuos que consentem em participar de uma pesquisa citmtifica como sujeitos, objetos da mesma. Essas pessoas estão de acordo quanto à sua participação e exerceram livremente sua vontade. Quase a totalidade dos pesquisadores entrevistados afirmou que os voluntários de suas pesquisas são os pacientes que procuram o serviço para ser tratados e, na oportunidade, são convidados a participarem como objeto da pesquisa. Podemos comprovar este fato pelas seguintes falas: "Os pacientes que procuram nosso serviço e podem participar da pesquisa são informados e perguntados se eles querem participar. " (Entrevistado 2) "Quando são pesquisas sobre uma patologia específica, escolhemos entre os pacientes que se tratam aqui no nosso serviço e ele é convidado a participar da pesquisa como voluntário. " (Entrevistado 5) "Os voluntários vêem do atendimento normal aqui do hospital e eles são perguntados se querem participar da pesquisa. " (Entrevistado 7) "O hospital tem um grande volume de atendimento e nas nossas pesquisas, como é de alta complexidade, são os pacientes que são atendidos aqui. Mas, claro que todos são informados de tudo e eles sabem que é uma pesquisa e tudo mais. " (Entrevistado 16) "Nossos voluntários procuram o serviço e quando se encaixam no perfil da pesquisa, eles são convidados a participar. " (Entrevistado 18) "Os voluntários são re"erutadosentre os que procuram o serviço do hospital e são convidados a participar da pesquisa, quandofor o caso. " (Entrevistado 19) 78 "Os voluntários são recrotados entre aqueles que procuram o serviço e o caso se encaixa na projeto que será desenvolvido. Mas, nós temos muito cuidado em seguir os critérios estabelecidospelo projeto e a necessidade do paciente. " (Entrevistado 12) Nos trechos dos discursos acima mencionados fica evidente que as pessoas são convidadas a participar da pesquisa e têm a liberdade, em princípio, de aceitar ou não' participarem pesquisadores como objeto da pesquisa proposta. Dessa forma os cumprem com o princípio contido na Resolução 196/96 que estabelece: "a garantia de esclarecimento, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo e a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuizo ao seu cuidado." Nesses casos, os pesquisadores obtêm o consentimento, que é uma condição necessária, mas por si só não é suficiente para justificar eticamente a realização da pesquisa (Beauchamp & Childress, 2002). O ato de consentimento, competente concreto enquanto tal, será consciente (a pessoa é do ponto de vista psiquico, e também juridico, para o aspecto precíso, e singular a que se refere aquela sua autorização), esclarecido (a pessoa compreendeu devidamente a informação prestada sobre o procedimento em si e seus eventuais efeitos secundários) e voluntário (a pessoa é totalmente livre de dar ou recusar o seu consentimento em qualquer momento do processo em causa) (Neves, 2003). V.2.2. Não voluntários Estimativas mundiais de pobreza revelam que, em paises em desenvolvimento, cerca de um quarto da população vive com menos de um dólar ao dia. No Brasil, admite-se que cerca de vinte por cento da população vive em extrema pobreza. Diante dessa magnitude proporcional, e das múltiplas necessidades de saúde prevalecentes entre os pobres, probabilidade de essas pessoas existe, serem nos paises em desenvolvimento, maior incluidas em pesquisas de ensaio clinico (Azevedo, 2003). Em outros casos, a privação de liberdade vincula-se estreitamente à carência de serviços públicos e assistência social, como por exemplo, a ausência de programas epidemiológicos, de um sistema bem planejado de assistência medica e educação ou de instituições eficazes para manutenção da paz e da ordem locais (Sen, 2002). Diante dessas afirmações podemos denominar a próxima categoria de "não voluntários", pois representa os casos em que individuos se tomaram sujeito, objeto de 79 uma pesquisa científica, porque não tiveram alternativa para solução do seu problema de saúde. As circunstâncias que levam um individuo a estar nesta categoria - não voluntário - variam: há aqueles que estão doentes, precísam de tratamento e procuram o servíço porque têm um grande volume de atendimento; outros por falta de opção e precisam se tratar; há os casos daqueles que já tentaram outros tratamentos em outros lugares e não obtiveram sucesso; ou quando o único tratamento disponível no Brasil é a pesquisa. Essas situações foram descritas pelos pesquisadores entrevistados, o que podemos comprovar pelos trechos dos discursos: "Os voluntários são aqueles que já fazem parte da demanda, aqui é muito procurado para atendimento, já são os que procuram porque estão doentes e estão precisando de tratamento. " (Entrevistado 3) "Às vezes ele aceita participar da pesquisa porque precisa. " (Entrevistado 7) "Os pacientes são voluntários em potencial. Quando eles vêem para nós sabem que aqui se faz pesquisa e eles querem o melhor tratamento, o que tem de mais novo, eles querem resolver seu problema de saúde. " (Entrevistado 10) "Os voluntários são do serviço... Temos pacientes que já procuraram outros serviços que não conseguiram solução para o seu problema e vêm aqui buscando uma perspectiva de solução. Eles já vêm procurando a pesquisa. Muitos não têm curso superior, mas eles acessam a internet e sabem das novidades e procuram nosso serviço. " (Entrevistado 20) "Nas minhas pesquisas, 50% ou até 60% dos nossos pacientes são de fora de São Paulo. Tem até uma coisa que facilita e o governo paga a passagem para as pessoas fazerem o tratamento fora. Eles já vêm procurar o nosso serviço. " (Entrevistado 21) "Geralmente os voluntários são aqueles que vêm à procura de tratamento. Esse hospital é muito grande, vem gente do Brasil todo. " (Entrevistado 9) "Veja bem: o objetivo da gente é transformar todo o sujeito que a gente pega, todos pacientes que você acompanha em pesquisa. "(Entrevistado 12) Nas falas dos entrevistados fica evidente que o impulso à luta pela sobrevivência impõe a decisão dessas pessoas. Receber a medicação de graça é coercitivamente tão forte que anula a pressuposta liberdade para decidir. O impacto 80 psicológico da possibilidade de poder resolver, no ato, urna necessidade imediata (conseguir a medicação) é muito maior que a teórica liberdade de escolha. A escolha, na verdade, não existiu: foi predeterminada pelas circunstâncias de pobreza (Azevedo, 2003). Numa pesquisa realizada no Japão por Asai et ai (2004) com sujeitos da pesquisa, identificou-se que a confiança no médico por quem os pacientes foram convidados para participar da pesquisa teve um papel considerável em sua decisão, assim corno o desejo de alcançar o melhor cuidado médico disponível e usar as melhores drogas motivou alguns individuos a concordarem em participar da pesquisa, na esperança de esclarecer sua doença e de saber sua situação médica atual (Asai et ai, 2004). Esses casos comprovam que a autonomia do paciente, quando no papel de sujeito da pesquisa, pode ser limitada por vários fatores, inclusive culturais (Zulueta, 2001), e que o consentimento, por si só, não é suficiente para justificar eticamente a realização de urna pesquisa. Para Angell (1997) o consentimento não promove proteção suficiente contra exploração, devido à assimetria de conhecimento entre o pesquisador e os sujeitos da pesquisa. Segundo Benatar (2003), por mais dificil que possa ser essa mudança, deveIÍamos nos sentir entusiasmados pelo fato de que muito se conseguiu por meio do discurso bioético na reformulação do equilíbrio de poder entre médicos e pacientes. V.2.2. Constrangidos Alguns pesquisadores entrevistados informaram que, também, fazem parte do universo de sujeitos, objeto da sua pesquisa, alunos, funcionários, parentes e pessoas conhecidas. Eles alegaram que em determinadas pesquisas o recrutamento de voluntários é dificil e o caminho que encontraram para resolver o problema foi utilizar esse grupo de individuos. Essa categoria nós denominamos de constrangidos, pois abrange as pessoas que se encontram numa situação que, em razão da condição de submissão ou dependência do pesquisador, certamente sentem-se impossibilitados de recusar o "convite" para constituir-se objeto da pesquisa. Podemos dizer que, nestes casos, eles tiveram pouca ou nenhuma escolha, ou agiram contra sua vontade. No Brasil, a resolução CNS 196/96 estabele?e que: "a liberdade do consentimento ser particularmente estejam expostos deverá garantida para aqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, a condicionamentos específicos ou à influência especialmente estudantes, militares, empregados, presidiários, de autoridade, internos em centros de 81 readaptação, casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, assegurando- lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias." Nas falas dos pesquisadores fica evidente a utilização desse grupo de "voluntários" em suas pesquisas: "Tenho alunos quejáforam voluntários de pesquisa e eu acho melhor, porque ele sabe tudo sobre o que pode acontecer, já é esclarecido. Eu digo: você conhece muito bem sobre essa droga e sabe o que pode acontecer. Eu prefiro que os alunos sejam os voluntários. " (Entrevistado I) "Por conta das dificuldades de recrutar voluntários, nossos funcionários, filhos, sobrinhos são os voluntários." (Entrevistado 4) "Dependendo do projeto, temos que recrutar voluntários entre funcionários ... " (Entrevistado 5) "Indivíduos sadios é muito mais dificil, então os funcionários indicam pessoas para serem voluntários. " (Entrevistado 14) Durante a entrevista, quando tratávamos do tema voluntários das pesquisas, os entrevistados se referiram à aceitação dos pacientes, em participarem das suas pesquisas, e demonstraram claramente, em seu discurso, que a maioria dos pacientes aceita ser objeto de pesquisa sem nenhuma objeção. Podemos comprovar esse fato pelas falas a seguir: "Quando perguntado se ele quer participar a grande maioria aceita sem nenhum problema. " (Entrevistado 2) "Eu te digo uma coisa, até agora ninguém disse que não aceitaria. " (Entrevistado 5) "Então eu acho que a maneira que a gente atende aqui, geralmente a paciente que está participando daquilo que nós estamosfazendo. Ela sabe, tem uma confiança enorme em você. A gente fala que tem um grupo que está nas pesquisas, a gente consegue manter uma boa atenção delas e se você for se sentar e conversar, você consegue que elas assinem o consentimento. " (Entrevistado 11) "Então, aqui na enfermaria existem muitos pacientes e normalmente tem uma boa aceitação. " (Entrevistado 14) 82 "Os voluntários são do serviço e quando são perguntados se querem participar da pesquisa J 00% aceitam. " (Entrevistado 20) A aceitação da maioria das pessoas em participar de uma pesquisa científica deve ser analisada com cuidado, pois há situações, como as que já vimos, que podem influenciar nessa anuência. Segundo Hossne (2003), o receio de ser prejudicado em seu atendimento, o desejo de ser agradável ao seu médico e às vezes até mesmo a "sedução" pelo pesquisador levam o sujeito da pesquisa a assinar o termo de consentimento. Pacientes doentes podem ser fortemente dependentes de seus médicos e podem acreditar que tudo o que o médico recomende lhes trará beneficios (Beauchamp & Childress, 2002). Do mesmo modo, quanto maior a pobreza, maior o poder da oferta. Quanto maior a desigualdade de poderes entre pesquisador e paciente, maior a probabilidade de violência à dignidade do mais fraco (Azevedo, 2003). E, não esquecer que sempre existe um poder, maior ou menor, mais ou menos visível, do pesquisador sobre o sujeito da pesquisa, em vista da relação entre eles ser assimétrica; de um lado o dono do saber e de outro o dependente do saber, fragilizado por ser dependente (Hossne, 2003). V.3. Responsabilidade Diante dos conflitos éticos descritos pelos pesquisadores na execução das pesquisas clínicas com seres humanos, perguntamos aos entrevistados quais são as responsabilidades do pesquisador e dos Comitês de Ética. em Pesquisa para com o sujeito, objeto da pesquisa. Na análise do material, identificamos a categoria denominada de responsabilidade, que apresenta duas subcategorias: responsabilidade do pesquisador e a responsabilidadedo Comitê de Ética em Pesquisa. Responsabilidade (do lat. responsus, de respondere: responder) em ética, é a noção de que um indivíduo deve assumir seus atos, reconhecendo-se como autor destes e aceitando suas conseqüência, sejam estas posítivas ou negativas, estando portanto o indivíduo sujeito ao elogio ou à censura. A noção de responsabilidade está estritamente ligada à noção de liberdade, já que um indivíduo só pode ser responsável por seus atos se é livre, isto é, se realmente teve a intenção de realizá-los, e se tem a plena consciência de tê-los praticado. Há, no entanto, casos em que excepcionalmente o indivíduo pode ser considerado culpado mesmo de atos não-intencionais, por exemplo, 83 quando algo ocorre por descuido ou ainda em casos de conseqüências não-intencionais de seus atos (Japiassú e Marcondes, 1996). Segundo o Dicionário OXFORD de Filosofia, socialmente, as responsabilidades das pessoas constituem ações pelas quais têm de responder. Não cumprir uma responsabilidade,sujeita as pessoas a censuras ou a punições. Um emprego, profissão ou papel social, é parcialmente definido em termos das responsabilidades que envolve. A ampliação da responsabilidade não apenas referente a si-mesmo, mas, do mesmo modo, relativamente aos outros, é um terna da teoria política e da ética (Blackbum, 1997). Podemos também conceituar responsabilidade como a exata noção do dever. Neste sentido, ela implica no conhecimento e cumprimento de nossos deveres(Muíioz e Almeida, 1995). E entendese por dever, o que se tem de fazer, ou o que nos pode ser exigido que façamos. No Dicionário OXFORD de Filosofia, o termo dever está associado ao que é devido a outras pessoas ou, talvez, a si-mesmo, ou seja, esse vocábulo é tratado como uma obrigação de cada um para com as outras pessoas e para consigo mesmo (Blackbum, 1997). Neste caso, considera-se "si-mesmo corno um outro" (Ricoeur, 1991). Os deveres universais seriam "devidos" às pessoas (ou seres sencientes) como tais, enquanto os deveres especiais surgem em virtude de relações especificas, tais como ser o filho de alguém ou ter feito uma promessa a uma pessoa. O dever, ou obrigação, é o conceito primitivo nas abordagens deontológicas da ética, mas é construído, em outros sistemas, a partir de outras noções (Blackbum, 1997). V.3.1. Do Pesquisador para com os sujeitos Quase a totalidade dos pesquisadoresentrevistados, quando perguntamos qual era a responsabilidade dele para com o sujeito,objeto da pesquisa, respondeu que o pesquisador deve se responsabilizar por todos os aspectos da pesquisa, desde a elaboração do projeto, execução, cuidados com o voluntário, até a divulgação dos resultados. Alguns exemplos das falas dos entrevistados: "A rfsponsabilidade do pesquisador é com tudo na pesquisa, desde o projeto, escolha dos voluntários, execução e qualquer coisa queacontecer. " (Entrevistado 19) "Sou responsável por tudo na minha pesquisa, desde o projeto até a publicação. " (Entrevistado 21) 84 "Então, nós assumimos a responsabilidade total e integral de toda a pesquisa. E todos os fatos técnicos da pesquisa e dos exames. É assim que entendemos. Desde uma simples coleta de sangue, até a prescrição de um medicamento, até a análise de um efeito colateral. ••(Entrevistado 12) "Então, o pesquisador é o responsável-morpela pesquisa. Se hOllveum ato inadequado é de inteira responsabilidade do pesquisador. Acho que o pesquisador tem obrigação de conhecer todos os passos técnicos da pesquisa.•. (Entrevistado 11) "O pesquisador sabe qual é sua responsabilidade, até porque ele também corre risco. Eu tenho a liberdade de montar um projeto e, se fiz, tenho que me responsabilizar por ele.•• (Entrevistado 8) "O paciente comparece no centro de pesquisa clínica, o protocolo foi encaminhado e aprovado, mas a responsabilidade está na mão do pesquisador .•• (Entrevistado 2) "Total! O pesquisador é responsável por tudo o que acontece na pesquisa, mesmo passando pelo Comitê de Ética, no final a responsabilidade é do pesquisador .•• (Entrevistado 14) Na fala dos entrevistados fica evidente que eles se responsabilizam formalmente por seus atos, que respeitam todas as normas e regras estabelecidas para o exercício da Medicina, bem como ao que se refere à pesquisa clínica. Entretanto, essa responsabilidade deve ser diferenciada da substancial que requer por parte do agente a consciência do dever moral fundamentada na obrigação moral, naquela que brota da consciência do próprio indivíduo, aqui, no sentido proposto por Kant. O pesquisador também tem a responsabilidade de proceder à análise ética da proposta antes de submetê-la ao sujeito da pesquisa e, mais ainda, se convencido da adequação ética da proposta, atuar como parceiro do sujeito da pesquisa, fornecendo-lhe todos os dados para a devida avaliação, com liberdade de dar ou não seu consentimento (Hossne, 2003) Alguns pesquisadores entrevistados chamaram atenção para a responsabilidade em relação aos cuidados para com os pacientes, quando são objetos de pesquisa científica. Esses pesquisadores deram ênfase a esse aspecto, como destacamos nas falas a seguir: 85 "O pesquisador, sem dúvida, ele tem uma grande responsabilidade, ele não pode ficar inerte. Ou seja, na hora que ele assume que vai fazer um determinado projeto de pesquisa é obrigação dele os cuidados com o paciente. " (Entrevistádo 3) "Olha, a responsabilidade é que o sujeito não tenha nenhum problema, que a pesquisa tenha um determinado padrão de excelência. Existe uma série de pesquisas clínicas, que basicamente o sujeito tem que ser cuidado como um paciente. " (Entrevistado 6) "A responsabilidade é na pesquisa e fora da pesquisa. Você não tem mais responsabilidade com o voluntário do que com o paciente eu não vejo diferença, não deveria haver diferença. " (Entrevistado 10) "O pesquisador é responsável por monitorar todos os procedimentos que sãofeitos no paciente. " (Entrevistado 18) "Acho que o pesquisador, assim como o médico, é responsável por tudo que esteja relacionado com a pesquisa e com seus pacientes. " (Entrevistado 23) As obrigações para com as pessoas que no futuro poderão adoecer são fortes o bastante para que permitamos, encorajemos e apoiemos pesquisas que possam gerar conhecimento, mas sem violar os direitos e interesses de nossos atuais pacientes. A obrigação de beneficência em relação a futuras gerações de pacientes é em geral menos forçosa que a obrigação de beneficiar os doentes que já têm um relacionamento com os médicos (Beauchamp & Childress, 2002). Um pesquisador que aceite agir como médico-pesquisador assume algumas ou todas as responsabilidades legais e éticas do médico com relação ao cuidado primário do sujeito (Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas, 2004). No Brasil a resolução CNS 196/96 define pesquisador responsável como: "pessoa responsável pela coordenação e realização da pesquisa e pela integridade e bem-estar dos sujeitos da pesquisa." Dois entrevistados disseram que a responsabilidade do pesquisador está em informar adequadamente o sujeito, objeto da pesquisa, esclarecendo todos os procedimentos que fazem parte do experimento. "Opaciente tem que ser ofoco central do estudo, tem que informar tudo que acontece e isso o pesquisador é o responsável. " (Entrevistado 18) 86 "Eu acho que o voluntário tem que ser muito bem esclarecido e é responsabilidade do pesquisador. " (Entrevistado 1) A informação é a base da decisão autônoma, sendo a total compreensão uma condição necessária para a livre escolha. Se, o sujeito da pesquisa não compreende os potenciais riscos de uma experimentação não pode se dizer que escolheu livremente enfrentar aqueles riscos (Shalala, 2000). A responsabilidade em relação à pesqUisa científica não é apenas do pesquisador, segundo um dos entrevistados, mas, também, é da instituição onde se realiza a pesquisa. "Ele [pesquisador} também não está sozinho porque ele está inserido numa instituição. E a instituição tem que ser parceira dele mesmo... A instituição tem que verificar se tudo que ele está fazendo está bem, de acordo com o projeto. Ele tem respaldo na instituição, que vai avaliar até aquele momento se está inserido no contexto ético vigente e ai ele vai poder serfeito. Ele é responsável juntamente com a instituição que permitiu que ele realizasse a pesquisa. " (Entrevistado 3) Em contraponto, outro entrevistado afirma que não divide a responsabilidade com ninguém, nem mesmo com o Comitê de Ética em Pesquisa. Vejamos sua fala: "Eu não divido responsabilidade com o comitê, não tem essa divisão, eu me responsabilizo pela pesquisa e tenho consciência absoluta do que faço. " (Entrevistado 15) Shalala (2000) diz que não podemos tolerar ou desculpar proteção inadequada aos sujeitos da pesquisa e que a responsabilidade final para proteger os sujeitos da pesquisa deve ser das instituições que as executam. Não obstante ações do governo, os sujeitos da pesquisa não estarão mais ou menos protegidos se as instituições de pesquisa não cumprirem seriamente com suas responsabilidades (Shalala, 2000). A responsabilidade da instituição deve ser compartilhada com o pesquisador que assume sua parcela e, também, com a outra instância envolvida na pesquisa, o financiador. 87 V.3.2. Do Comitê de Ética em Pesquisa Dentro da categoria responsabilidade, aquelas atribuídas aos Comitês de Ética em Pesquisa pelos entrevistados, as mais citadas foram: avaliar, aprovar projetos e fiscalizar o andamento das pesquisas; educar e assessorar os pesquisadores os e ser um ouvidor dos pesquisadores e voluntários e, por fim, regular e normatizar o uso de seres humanos nas pesquisas cientificas. "O objetivo da comissão é avaliar se ele [protocolo de pesquisa} está dentro dos princípios. " (Entrevistado 3) "O comitê é responsávelpor aprovar os projetos de 'pesquisa ejiscalizar a execução da pesquisa. Não sei se elefaz isso, mas deveria. " (Entrevistado 21) "Fiscalizar todos os protocolos clínicos, nossos códigos, monitorar as pesquisas. O comitê tem que acompanhar o que éfeito nas pesquisas. O comitê deve verificar o que se passa nas pesquisas. " (Entrevistado 18) "A comissão de ética tem que procurar resolver os problemas de maneira a fazer um processo educativo. " (Entrevistado 7) "O comitê tem que dar assessoriapara o pesquisador. " (Entrevistado 10) "O comitê exerce um papel do ouvidor para os pesquisadores e para os sujeitos da pesquisa. " (Entrevistado 20) "O comitê tem umafunção reguladora." (Entrevistado 19) "O papel da comissão de ética é normatizador, mais do que normatizador, tem que saber se as pesquisas foram publicadas, se os dados foram divulgados, acho que muda a postura quando vaipara publicação. " (Entrevistado 23) Apenas um pesquisador citou a resolução CNSIMS 196/96 e relacionou a função do Comitê de Ética em Pesquisa com a resolução. Podemos observar na sua fala esta preocupação: ''A comissão de ética teria que zelar pelo cumprimento da resolução 196 e da sua complementar, e cabe à instituição a avaliação técnica do projeto .•• (Entrevistado 3) 88 Por fim, encontramos alegações de que a responsabilidade no discurso de três pesquisadores entrevistados do Comitê de Ética em Pesquisa implica em proteger o sujeito, objeto da pesquisa: "O comitê é uma coisa boa e dá pra proteger o sujeito. " (Entrevistado 5) "O Comitê tem que pensar na pessoa e assim passa a proteger essa pessoa, como você está protegendo essa pessoa. " (Entrevistado 4) "O comitê protege o voluntário da pesquisa quando vê o que está errado no protocolo, então tem que chamar a atenção sobre isso. " (Entrevistado 9) Para Angell (1997), a aprovação prévia de um projeto de pesquisa por um Comitê de Ética em Pesquisa, embora importante, varia tanto na análise dos projetos, quanto na responsabilidade que tem para com os pacientes, cujos interesses podem, em alguns casos, se opor aos interesses dos pesquisadores. Segundo Pullman (2002), o comitê não pode ser um protetor dos interesses de um grupo em oposição a outro grupo, o papel dos comitês de ética em pesquisa deve ser de mediador entre os interesses dos pesquisadores e a proteção dos sujeitos, objeto da pesquisa, quando vulnerados. O processo de avaliação ética e monitoramento da pesquisa com seres humanos devem ser compreendidos como um exercício de justiça social (Pullman, 2002). Os CEPs no Brasil têm as seguintes atribuições, segundo a resolução CNS 196/96: a) revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, inclusive os multicêntricos, cabendo-lhe a responsabilidade primária pelas decisões sobre a ética da pesquisa a ser desenvolvida na instituição, de modo a garantir e resguardar a integridade e os direitos dos voluntários participantes nas referidas pesquisas; b) emitir parecer consubstanciado por escrito, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, identificando' com clareza o ensaio, documentos estudados e data de revisão. A revisão de cada protocolo culminará com seu enquadramento em uma das seguintes categorias; c) manter a guarda confidencial de todos os dados obtidos na execução de sua tarefa e arquivamento do protocolo completo, que ficará à disposição das autoridades sanitárias; d) acompanhar pesquisadores; o desenvolvimento dos projetos através de relatórios anuaIs dos 89 e) desempenhar papel consultivo e educativo, fomentando a reflexão em torno da ética na ciência; f) receber dos sujeitos da pesquisa ou de qualquer outra parte denúncias de abusos ou notificação sobre fatos adversos que possam alterar o curso normal do estudo, decidindo pela continuidade, necessário, modificação ou suspensão da pesquisa, devendo, se adequar o termo de consentimento. Considerar-se como anti-ética a pesquisa descontinuada sem justificativa aceita pelo CEP que a aprovou; g) requerer instauração de sindicância à direção da instituição em caso de denúncias de irregularidades de natureza ética nas pesquisas e, em havendo comprovação, comunicar à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEPIMS e, no que couber, a outras instâncias; e h) manter comunicação regular e permanente com a CONEPIMS. Durante o discurso dos entrevistados, ainda no que se refere aos Comitês de Ética em Pesquisa, quase que a totalidade deles reconhece que o Comitê de Ética em Pesquisa é importante, que contribui para a melhoria da qualidade das pesquisas e que não tem nenhum problema em fazer as alterações propostas pelos membros do Comitê. Dois pesquisadores sugestão colaborou declararam que já mudaram até o título do projeto acatando a do Comitê e que isso não se configurou num problema, pelo contrário, acertadamente para a qualidade das pesquisas. Podemos confirmar essas afirmações pelas falas: "Eu acho que muita pesquisa indevida passou a ser evitada com o comitê." (Entrevistado 12) "Tive pesquisas que foram muito melhor elaboradas e estruturadas com pareceres dos avaliadores. Quer dizer, melhora o nível significativamente da pesquisa e de fato às vezes a gente como pesquisador fica tão focado que não se atém a certos detalhes que fazem a diferença. " (Entrevistado 19) "A comissão de ética ajuda muito, principalmente para quem está começando. A comissão é uma garantia de que a pesquisa não tem nenhum problema ético." (Entrevistado 17) 90 "Meu Termo de Consentimento Livre e Esclarecido melhorou muito porque a relação com o comitê é muito boa. Eles fazem sugestões e nós acatamos e melhorou muito. Teve uma vez que eles pediram para mudar o título do projeto. " (Entrevistado 19) "Eu acho que o comitê é uma vigilância que faz com que a gente não cometa exageros, e ela tem que existir, não de uma maneira exagerada. " (Entrevistado 14) "... eu observo que o comitê hoje é mais expressivo. É um salto no papel do comitê, principalmente aqui na universidade o comitê incorporou muito bem seu papel." (Entrevistado 7) Um entrevistado afirma que o Comitê de Ética em Pesquisa deve, no exercício das suas funções, ser rigoroso na análise dos protocolos de pesquisa. "O comitê deve ser bastante rigoroso na análise do protocolo. " (Entrevistado 9) Podemos identificar nas falas citadas dos entrevistados que, nesses quase la anos de funcionamento do sistema CEP/CONEP, a aceitação e o reconhecimento do trabalho dos Comitês e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa é evidente. Importante também ressaltar que todos os pesquisadores entrevistados faziam pesquisa antes do advento dos comitês e continuam fazendo, o que lhes permite ter experiência e, consequentemente, a visão de dois momentos diferentes na execução de pesquisas com seres humanos no Brasil. As criticas em relação ao sistema CEP/CONEP foram poucas e se relacionam à burocracia. Entretanto, há de se adotar regras burocráticas que muitas vezes funcionam para proteger os direitos quando os individuos "se encontram na situação de 'estranhos morais'" (Engelhardt, 1998), como costuma acontecer nas pesquisas .patrocinadas por paises do chamado primeiro mundo desenvolvidas nos paises pobres, em populações vulneradas. Para assegurar a máxima proteção dos sujeitos, objeto da pesquisa, as instituições de pesquisa devem empreender ação corretiva, mesmo que tal ação envolva custos substanciais. O governo federal e outros patrocinadores devem fornecer verba para ser usada com a finalidade de reparar os problemas. O mais importante na pesquisa, não obstante nenhuma prioridade, é a proteção dos sujeitos da pesquisa quando se encontram em estádo de vulneração. "... vamos dizer, toda aquela documentação é muito enfadonha, terrível e isso chateia, aborrece. " (Entrevistado 11) é uma burocracia -91 "O melhor é enfrentarmos o comitê como uma burocracia a mais que surgiu no meio da pesquisa, e enfrentar, mas não como uma barreira, talvez porque eu mesmo já tivesse meus padrões éticos bem estabelecidos. " (Entrevistado 1) Esse mesmo pesquisador noutro trecho da entrevista continua na sua fala: "Quando eu mesmo jaça o protocolo de pesquisa é muito chato. Eu mesmo convido os alunos para jazer protocolo. É exaustivo. É muito chato. " (Entrevistado 1) Segundo Rossne (2003), o termo de consentimento livre e esclarecido nem sempre tem recebido a atenção que merece; é, às vezes, encarado como mera peça burocrática, de "isenção de responsabilidades" e não como instrumento de natureza ética. V.4. Proteção do sujeito, objeto da pesquisa A categoria proteção do sujeito, objeto da pesquisa, decorre diretamente dos conflitos éticos, identificados nas falas dos pesquisadores na execução das pesquisas clínicas e da necessidade de proteger os voluntários quanto a esses problemas. Esta categoria é subdividida em: modalidades do recrutamento; vulnerabilidade genérica e vulneração; vulnerável e vulnerado; realidade da proteção e medidas de proteção, que passamos a apresentá-Iasa seguir. V.4.I. Relativa às modalidades de recrutamento A pesquisa clínica bem sucedida depende da habilidade de recrutar sujeitos da pesquisa. A tensão entre a necessidade de recrutar sujeitos e a obrigação de oferecer-lhes determinados tipos de proteção faz do recrutamento um desafio ético persistente (Dickert e Grady, 1999). Diante disso, perguntamos aos entrevistados de que forma eles fazem o recrutamento dos voluntários das suas pesquisas e estes responderam existirem modos variados de recrutamento, dependendo do tipo de pesquisa realizada Denominamos essa categoria de modalidades de recrutamento, pois se refere aos procedimentos utilizados para arregimentar pessoas para serem sujeitos, objeto da pesquisa científica. Como vimos na categoria sujeitos, objeto da pesquisa, a maioria dos voluntários é constituída de pacientes que procuram o serviço porque estão 92 doentes e, no momento do atendimento, são convidados a participar como sujeito da pesquisa. Nesta situação, o recrutamento ocorre naturalmente e pode ser feito pelos alunos da pós-graduação, que identificam, entre os pacientes, os potenciais sujeitos da pesquisa. Entretanto, segundo os pesquisadores, em outros casos, como, por exemplo, os ensaios clinicos fase I de fánnacos, o processo de recrutamento é mais dificil e pode ser feito por indicação, através de cartazes, ou por meio de convencimento direto das pessoas para serem objeto de pesquisa. Vejamos, na fala dos entrevistados, as situações aqui descritas: "Sempre quem identifica os pacientes para pesquisa são os alunos da pós-graduação, como eles têm responsabilidade em encontrar os voluntários eles procuram entre aqueles quejá são atendidos aqui. " (Entrevistado 7) "O primeiro contato com o voluntário é sempre o pós-graduando que faz. Ele explica tudo para o paciente e qualquer dificuldade eu estou na retaguarda. " (Entrevistado 21) "É muito difícil conseguir recrutar os voluntários da pesquisa dependendo do procedimento. As vezes, com indivíduos totalmente sadios, a gente tem que mobilizar dentro de um ciclo de acordo com a pesquisa. " (Entrevistado 14) "Dependendo do projeto, temos que recrutar voluntários através de cartaz." (Entrevistado 5) "Já fizemos recrutamento de voluntário por cartaz e depois entrevistamos para selecioná-los. " (Entrevistado 8) "Talvez você tenha que convencer as pessoas que é muito importante participar da pesquisa, tomar aquele medicamento. " (Entrevistado 15) Apenas um dos entrevistados disse que, além dos pacientes do serviço público de saúde, recruta pacientes do consultório particular a fim de participar como voluntário da sua pesquisa: "Eu tenho consultório particular e também atendo aqui. Eu tenho em média 10% dos pacientes do consultório dentro do meu protocolo. Eu tenho pacientes do meu . . consultório que estãoparticipando do projeto. A elesfoi dada a mesma informação que foi dada ao paciente do SUs. O mesmo tipo de informação, de dedicação e, claro, o mesmo tipo de assistência médica. " (Entrevistado 10) Diretamente vinculado à categoria recrutamento, que trata das ações para aliciar pessoas para participarem como voluntàrias de pesquisa, três pesquisadores entrevistados se referiram ao tema ressarcimento e pagamento ao voluntàrio da pesqUisa: "Nosso voluntário recebe ajuda de custo, por exemplo, uma mãe trás dois filhos, um é para fazer exame e o irmão é voluntário numa pesquisa. É natural que ela passe meio dia aqui e recebe o básico. Agora não vem também a ser o modelo americano que você paga o voluntário. " (Entrevistado 1) "Eu não tenho dinheiro para dar e eu digo: os americanos pagam e eu acho que aqui no Brasil temos que rever isso. Lá as dificuldades não são muito diferentes que aqui. Temos que rever isso no Brasil, porque acho melhor você pagar o sacrifício dessa criança e o pai saber que está colaborando e ele tem retorno. " (Entrevistado 4) "Nos Estados Unídos, os voluntários são pagos e aqui, no Brasil, não. Fica difícil ter pessoas sadias numa pesquisa farmacológica sem oferecer nada. E não pagar não garante proteção para os voluntários. " (Entrevistado 6) Embora alguns discutam que o pagamento dos sujeitos da pesquisa nunca é ético, esta prática tem sido por muito tempo uma parte integral do recrutamento de participantes da pesquisa (Dickert e Grady, 1999). Segundo McGee (1997) a opinião predominante é de que o pagamento dos sujeitos representa um alistamento impróprio, pois diminui a voluntariedade dos sujeitos em participar como objeto da pesquisa. Outro problema é que o pagamento dos sujeitos pode resultar no alistamento das populações pobres e que essas pessoas submetem-se a riscos pela necessidade do dinheiro (Titmuss, 1997). Segundo Azevedo (2003), para a maioria das familias pobres, a existência de grandes adversidades nQ presente (pobreza) não deixa espaço para projeção de preocupações com riscos no futuro. Somente as pessoas que têm assegurada a sobrevivência no presente dispõem de tempo mental para preocupar-se com a probabilidade de eventos adversos no futuro. Interessa, sim, às farniliaspobres a oferta, 95 V.4.2. Relativa à vulnerabilidade genérica Denominamos esta categoria de vulnerabilidade genérica, para nos referirmos tanto à condição própria da existência humana, quanto às circunstanciais. Subdividimos esta categoria em quatro, sendo as duas primeiras relacionadas ao voluntário da pesquisa, que pode ser: vulnerável ou vulnerado; e, as outras duas, vulnerabilidade e vulneração, que se referem à conjuntura. V.4.2.1. Vulnerável Para Kottow (2003b) "ser vulnerável significa estar suscetível a, ou em perigo de, sofrer danos. Estar vivo é uma improbabilidade biológica altamente vulnerável a perturbações e à morte, e mais ainda se vidas humanas qua humanas têm de ser construídas, sendo, portanto desproporcionalmente frágeis e propensas a desordens e disfunções" (Kottow, 2003b:72). Somos todos vulneráveis pelo simples fato de sermos vivos, pois vulnerável quer dizer que pode ser vulnerado, mas que não o esteja sendo de jacto (Schramm, 2005). Esta subcategoria vulnerável surgiu pela necessidade de se diferenciar o ser humano que é vulnerável daquele que está vulnerado e em função das considerações dos pesquisadores quando admitiram que o sujeito, objeto da pesquisa, é vulnerável por estar incluso numa pesquisa científica. Essa opinião dos pesquisadores fica clara nas seguintes falas: "Os sujeitos da pesquisa são vulneráveis ... " (Entrevistado 5) "As vezes ele [paciente] é vulnerável na pesquisa. A vulnerabilidade é quando a gente usa um novo medicamento, você acha que ele vai ter algum problema. " (Entrevistado 7) "... os voluntários são sempre vulneráveis. Claro que hoje em dia menos do que antes, porque alguns nem sabiam o que era uma pesquisa illl que estava numa pesquisa, mas, mesmo com toda mudança, eles são vulneráveis." (Entrevistado 14) "Olha só usar uma droga nova já deixa o paciente que está na pesquisa vulnerável. " (Entrevistado 18) 96 "São vulneráveis e por isso surgiu esse controle. Se não fossem vulneráveis ninguém ia se preocupar. " (Entrevistado 21) "Os sujeitos da pesquisa são vulneráveis e aqui no Brasil mais ainda. " (Entrevistado 23) Dois entrevistados julgam que tanto os pacientes que não estão em • nenhuma pesquisa, quanto os sujeitos, objeto das pesquisas, são vulneráveis. Podemos constatar essa afirmaçãopelos exemplos das falas: "Os voluntários da pesquisa são vulneráveis, tanto quanto os pacientes. " (Entrevistado 6) "Creio que os voluntários são tão vulneráveis quanto os pacientes que procuram nosso hospital. " (Entrevistado 15) V.4.2.2. Vulnerado Para Kottow (2003a), alguns indivíduos são afetados por circunstâncias desfavoráveis entre as quais a pobreza, a falta de educação, as dificuldades geográficas, as doenças crônicas e endêmicas ou outros infortúnios os tornam ainda mais vulneráveis ou suscetíveis. Essa descrição de Kottow se refere, segundo Schramm (2005), a determinados seres vivos que são não só ontologicamente vulneráveis, mas, outrossim, circunstancialmente afetados, fragílízados, desamparados; em suma, "vulnerados". A chamadas populações "vulneradas" ou afetadas, devem ser situadas de acordo com suas peculiaridades e carências (Schramm, 2005). Baseados, na diferenciação entre o conceito de individuos vulneráveis e vulnerados, identificamos nas fala dos pesquisadores entrevistados a subcategoria vulnerado, que se refere aos sujeitos, objeto da pesquisa, que estão doentes. Essa situação circunstancial, a doença, agravou sua condição anterior, passando de vulnerável para vulnerado. Todos os individuos são vulneráveis, qualidade da existência humana, entretanto, portadores de uma doença se tornam vulnerados. Muitos dos pesquisadores entrevistados se manifestaram, demonstrando, no seu discurso, esse conceito. Assim, podemos afirmar que as pesquisas clínicas são, na sua maioria, desenvolvidas com individuos vulnerados, com exceção da fase I de novos fármacos onde os voluntários são sadios, mas que podem, eventualmente, se tornar "vulnerado". Em respeito às falas dos pesquisadores, a palavra 97 vulnerável não foi substituída por vulnerado, embora seja a mais adequada para expressar os casos aqui descritos. "A situação de pesquisa deixa o paciente mais vulnerável, embora ele seja sempre vulnerável. " (Entrevistado 4) "Acredito que a situação de ser voluntário da pesquisa deixe o paciente mais vulnerável. " (Entrevistado 2) "Alguns são mais vulneráveis que outros e os pacientes, quando estão numa pesquisa, são, sem dúvida, vulneráveis. " (Entrevistado 3) "Paciente já é vulnerável e participar de pesquisa como voluntário acho que deixa essa pessoa mais vulnerável ainda. " (Entrevistado 8) "Alguns pacientes, dependendo da doença e da necessidade dele, são mais vulneráveis que outros. As vezes ele aceita participar da pesquisa porque precisa. " (Entrevistado 10) "...os pacientes que estão nas pesquisas são sempre vulneráveis, pela própria situação de ser pesquisa, de usar uma droga nova, um tratamento novo. " (Entrevistado 1O) "Me preocupo muito com isso. A vulnerabilidade é um estado que, no caso dos pacientes que estão participando de uma pesquisa, se agrava muito. " (Entrevistado 20) Para Sass (2003), todos nós, seres humanos, somos vulneráveis e precisamos de proteção e, segundo o mesmo autor, essa é uma compreensão comum a todas as culturas. Partindo do princípio estabelecido por Sass, que todos nós somos vulneráveis e, portanto, devemos ser protegidos, o que podemos dizer em relação à proteção dos individuos vulnerados? Trazendo esse questionamento para a pesquisa clínica e, em especial, para aquelas, cujos sujeitos da pesquisa estão doentes e, portanto, vulnerados, a proteção deve ser especificamente voltada para essa condição. Não podemos tratar, em pesquisa científica, sujeitos vulnerados e vulneráveis da mesma maneira, há de se estabelecer um maior rigor quando os voluntários da pesquisa forem vulnerados. O pesquisador deve fixar cuidados adicionais a estes grupos de voluntários . . e os Comitês de Ética em Pesquisa devem avaliar rigorosamente essas situações. Diante do exposto, fica nitida a distinção entre os dois tipos de proteção: aquela do Estado Mínimo que "protege" todos seus cidadãos contra calamidades, 98 guerras etc e aquela de um Estado que não pode ser mínimo, mas sim o Estado do Bem Estar que dê as condições aos sujeitos vulnerados para que possam desenvolver suas capabilitie~, ou seja, se "capacitem". Sendo assim, para Schramm (comunicação pessoal) o termo capability pode ser melhor traduzido por capacitação, neste caso reflete verdadeiramente a concepção de Amartya Sen que defende o desenvolvimento das capacidades dos sujeitos vulnerados6 para que eles possam praticar suas habilidades sozinhos em vista de uma qualidade de vida digna, comparável aos demais e que, por fim, possa exercer suas liberdades. V.4.2.3. Vulnerabilidade Como já vimos, a vulnerabilidade é uma caractenstica ontológica de todo ser vivo, pois todo ser vivo passa a existir e desaparece no seu tempo (Schramm, 2005). Kottow (2003) chama esse tipo de vulnerabilidade básica ou primária: é aquela intnnseca da existência humana. Denomínamos essa subcategoria de "vulnerabilidade" para tratar dessa condição que afeta a todos os seres vivos. Embora tenhamos encontrado, na fala dos entrevistados, um consenso sobre a vulnerabilidadedos sujeitos, . objeto de pesquisa, apenas três pesquisadores se expressaram a respeito da vulnerabilidade como condição comum a todos os seres humanos. "Todos nós somos vulneráveis, uns mais, outros menos. " (Entrevistado 9) "O Brasil tem tanto problema que todos nós somos vulneráveis, depende da situação de cada um. " (Entrevistado 3) Um dos pesquisadores afirma que não apenas os voluntários da pesquisa são vulneráveis, para ele, todos os brasileiros são, inclusive os próprios pesquisadores: "Aqui no Brasil todo mundo é vulnerável, inclusive o pesquisador. dependendo do que ele jaz. " (Entrevistado 19) A condição de vulnerabilidade do pesquisador pode se agravar e ele se tornar vulnerado quando for pressionado por agências financiadoras de pesquisa, pela estrutura competitiva da pesquisa e por valores imperantes (Schramm & Kottow, 2000). Arnartya Sen define capability como "um conjunto de vetores de funcionamentos ..." Sen (2001:80). Fermin Schramm utiliza O termo vulnerado para referir-se ao ser humano que de fato é afetados na sua suscetibiliade (Schramm, 2005). S 6 99 A exploração pode acontecer em estudos multicêntricos quando os pesquisadores de países em desenvolvimento são encarados como meros prestadores de serviços técnicos ou agenciadores de pacientes (Hossne, 2003). Para Greco (2003), a realização das desnecessárias pesquisas envolvendo individuos destituidos enfrenta desafios, que incluem não só a vulnerabilidade intrinseca dessas pessoas, mas, também, a própria vulnerabilidade dos pesquisadores, da instituição e do pais. Essa situação pode ainda ser indutora e sedutora para os pesquisadores, instituições e países não somente pelo dinheiro, mas também pela visibilidade e possibilidade de melhora do currículo (Greco, 2003). V.4.2.4. Vulneração Esta subcategoria é baseada no conceito de vulneração de Schramm (2005), que representa um agravamento na situação de vulnerabilidade, transformando-a em vulneração. Ela é circunstancial e depende das condições em que a pessoa vive, como a pobreza, a desinformação e as necessidades extremas, que levam ao estado de vulneração. Esse conceito de vulneração, denominado por Schramm (2005), é referida aos sujeitos de fato afetados por danos concretos. Segundo esse autor, afora a vulnerabilidade intrinseca, os seres humanos são afetados por vulnerabilidades circunstanciais em decorrência da pobreza, da falta de acesso à educação, das doenças e da discriminação. Os dados aqui compilados dos discursos dos pesquisadores também expressam situações graves que alteram as condições de vida dos sujeitos, objeto da pesquisa. Alguns entrevistados apontaram para esses fatos de forma explicita e, ainda que se referissem a vulnerabilidade,sabemos que falavam em vulneração. A transcrição dos trechos das entrevistas é fiel ao discurso dos pesquisadores e, em respeito à fala deles, continua a palavra vulnerabilidade,embora seja vulneração. "A necessidade do povo brasileiro é muito grande, quem precisa aceita qualquer coisa. " (Entrevistado 23) "O povo brasileiro é muito necessitado, eles procuram o serviço para serem atendidos porqu~ precisam e aceitam qualquer coisa. Isso não é ser mais vulnerável? Acho que sim. " (Entrevistado 6) 100 "Olha, quem faz pesquisa com pessoas pobres como eu, que mora na favela, que não tem dinheiro nem para vir buscar o remédio, sabe como elas são vulneráveis." (Entrevistado 13) "Nossas voluntárias são muito vulneráveis. Elas não têm onde morar, o marido foi morto por causa de drogas, a mãe jogada na prisão. Então essas pobres moças são recolhidas, ficam sob a responsabilidade dojuiz. Dá pena. " (Entrevistado 11) "Eles são muito necessitados. Tem gente que não tem dinheiro para buscar o remédio ou não tem onde morar. " (Entrevistado 13) Os pobres, sejam eles crianças, adultós ou idosos, independentemente de qualquer outro atributo humano, estão em inquestionável estado de vulneração (Azevedo, 2003). Ser pobre é ser privado de capacidade; o destituído carece da liberdade substancial necessária para levar o tipo de vida que poderia valorizar. Assim, pobreza não é só nem necessariamente falta de recursos econômicos, pois há outras circunstâncias adversas que levam à privação, como a idade, as deficiências fisicas, a doença (Kottow, 2003a). A pobreza e a privação reduzem o campo da ação livre e colocam o destituído em estado de vulneração. Para Sen (2002), a privação de liberdade econômica, na forma de pobreza extrema, pode tornar as pessoas uma presa indefesa na violação de outros tipos de liberdade. A privação de liberdade econômica pode gerar a privação de líberdade social, assim como a privação de liberdade social ou politica pode, da mesma forma, gerar a privação de liberdade econômica (Sen, 2002). Segundo esse mesmo autor, "a pobreza deve ser vista como privação de capacidades básicas em vez de meramente como baixo nivel de renda, que é o critério tradícional de identificação da pobreza. As "capacidades" refletem liberdades substantivas: P é capaz de fazer x se, dada a oportunidade de fazer x, também poderia escolher deixar de fazer x," ou seja, para Sen (2001) "capacidade [capabiliry] não significa o mesmo que "capacidade" [abiliry] no sentindo ordinário do termo, como quando se diz que "a pessoa P é capaz de nadar", porque neste sentido, "capacidade" não implica "oportunidade": P pode ser capaz de nadar mesmo sem ter a oportunidade de nadar". A capacidade é, portanto, um conjunto de vetores de funcionamentos, refletindo a liberdade da pessoa de lev~ um tipo de vida ou outro, a capacidade pode s~r representada como um conjunto a partir do qual alguém escolhe pacotes alternativos de funcionamentos, essa capacidade é denominada de "conjunto capacitário" [capabiliry set] (Sen, 2001). Os funcionamentos relevantes podem variar desde coisas elementares 101 como estar bem nutrido adequadamente, estar em boa saúde, livre de doença, tomar parte na vida da comunidade, e assim por diante e o "conjunto capacitário" reflete, no espaço de funcionamentos, a liberdade da pessoa para escolher dentre vidas possíveis (Sen, 2001). Sendo assim, uma pessoa menos capacitada para usar seus bens primários para garantir liberdades (ex. devido à incapacidade fisica, ou propensão variada para doenças, ou restrições biológicas ou convencionais ligadas ao sexo) está em desvantagem se comparada com alguma outra, em situação mais favorável sob esse aspecto, mesmo se ambas têm o mesmo pacote de bens primários (Sen, 2001). Partindo do pressuposto estabelecido por Amartya Sen que a perspectiva da capacidade é uma concepção da igualdade de oportunidade que destaca a liberdade substantiva que as pessoas têm para levar suas vidas, podemos afirmar que os individuos vulnerados devem ser protegidos no sentido de receber do Estado as condições necessárias para desenvolverem suas capacidades e consequentemente poderem decidir a respeito de todos os aspectos de sua vida conforme suas próprias convicções. "Os sujeitos da pesquisa são vulneráveis, porque são raras as exceções em que o sujeito da pesquisa vai entender o que está se passando, o que vão jazer com ele. " (Entrevistado 5) Argumenta-se, algumas vezes, que muitos sujeitos e pacientes não podem entender a informação o bastante ou avaliar sua relevância de modo suficiente para tomar decisões sobre cuidados médicos ou participações em pesquisa (Beauchamp & Childress, 2002). Além disso, a vulneração dos pacientes, quando sujeitos da pesquisa, pode ocorrer em função de dois fatores: a inabilidade dos pacientes em distinguir o tratamento clínico de uma pesquisa clínica, chamada frequentemente "therapeutic misconception" (Appelbaum at ai, 1987) e o poder que os pesquisadores exercem sobre os pacientes, especialmente quando o pesquisador também for o médico assistente (Dickert e Grady, 1999). Um dos entrevistados sustenta que o doente, quando atendido fora de uma pesquisa, é mais vulnerável que o próprio sujeito da pesquisa. Esse pesquisador baseia seu ponto de vista na condição de extrema precariedade do sistema público de saúde. Essa situação exposta pelo entrevistado, dem.onstra o estado de vulneração no qual o individuo é inserido quando precisa ser atendido nesse tipo de serviço. "O doente é muito mais vulnerável que o voluntário de pesquisa, porque o paciente entra nesse sistema pensando que receberá o melhor tratamento. O risco de ele ser 102 voluntário é menor, porque o voluntariado é muito cuidado porque ele não está precisando. É você quem vai buscar o melhor voluntário. Então você tem muito cuidado em relação a ele. O doente, quando nessa situação, se ele precisa do cuidado, ele vai ter o cuidado, mas é o cuidado que se oferece ao cliente. Que nem sempre é o melhor. " (Entrevistado 1) "0 paciente é muito mais, infinitamente mais vulnerável que o sujeito da pesquisa, porque ele [sujeito da pesquisa} está saudável. A chance de dar qualquer coisa errada com o indivíduo voluntário de pesquisa é infinitamente mais baixo do que o risco de alguma coisa ir errada com o paciente que tem atendimento, é verdade!" (Entrevistado 1) Para alguns pesquisadores existem recursos para diminuir o estado de vulneração dos sujeitos, objeto da pesquisa, como adotar o consentimento livre e esclarecido, informar adequadamente o sujeito e a atuação do Comitê de Ética em Pesquisa. "Acho que pedir o consentimento para incluir um paciente numa pesquisa diminui a situação de vulnerabilidade dos voluntários. " (Entrevistado 9) "0 comitê de ética deve ver essas situações e até não aprovar projeto que vai incluir pacientes muito vulneráveis. " (Entrevistado 17) "Alguns pacientes, dependendo da doença e da necessidade deles, são mais vulneráveis que outros e essa questão o comitê de ética que tem que analisar. Às vezes o pesquisador não consegue ver isso. Sabe, a gente está tão acostumado a trabalhar com situações graves, pacientes graves que isso pode passar despercebido. " (Entrevistado 10) V.4.3. Realidade da proteção do sujeito, objeto da pesquisa Segundo Macklin (2003a), individuos e grupos vulneráveis ou vulnerados estão sujeitos à exploração, e esta é moralmente errada, mas ser vulnerável à exploração não resulta necessariamente em ser explorado, podem-se instalar salvaguardas e proteções para cada fator capaz de levar à exploração. Schramm & Kottow (2001) entendem por proteção a atitude de dar resguardo ou cobertura às 103 necessidades essenciais, e decidir aquelas que devem ser satisfeitas para que o afetado possa atender a outras necessidades ou outros interesses moralmente legitimos ou seja, dar condições para que o individuo desenvolva suas capacidades, aqui no sentido estabelecido por Amartya Sen (200 I), que é, principalmente, um reflexo da liberdade para realizar funcionamentos valiosos. Partindo do pressuposto de que o sujeito da pesquisa deve ser protegido, perguntamos aos pesquisadores se os voluntários estavam protegidos das situações conflituosas que enfrentam por serem objeto da sua pesquisa. Quase a totalidade dos entrevistados acredita que os sujeitos que participam das suas pesquisas estão protegidos, embora alguns aleguem que a proteção é parcial, pela própria condição de ser uma pesquisa. Vejamos na fala dos pesquisadores: "Eu nunca pensei nisso, mas eu acho que eu estou protegendo de alguma forma e fazendo até o limite, desde o início, amparando, quer dizer, esclarecendo." (Entrevistado 1) "O sujeito da pesquisa, hoje, está mais protegido. Eu acho que está melhor que anos atrás, muito melhor. " (Entrevistado 2) "Eu diria que está. Agora proteção 100% é difícil. " (Entrevistado 4) "Por exemplo, superprotegidos ele não são. Então, eu quero dizer que você nunca sabe o tratamento novo, principalmente se você partir para uma droga nova, a gente faz grandes pesquisas, porque de repente a gente pensa uma coisa, e você tem uma população que vai entrar em contato com aquela droga e você não sabe o que vai acontecer com ele. " (Entrevistado 9) "Umapesquisa bem planejada já garante boa parte da proteção do sujeito da pesquisa. Mas toda pesquisa tem risco e não temos condições de assegurar 100% de proteção." (Entrevistado 16) Quando tratamos do tema proteção do sujeito, objeto da pesquisa, a maioria dos pesquisadores apresentou as razões que certificam a proteção dos voluntários de suas pesquisas. As principais alegações encontradas nas falas dos entrevistados dizem respeito ao fato de ser médico, que é função do médico proteger seu paciente, outra é terem competência para execução das pesquisas científicas e terem doITÚruodo assunto que pesquisam. Como exemplo, podemos citar as seguintes falas: 104 "Bom, os sujeitos já são extremamente protegidos, o médico sempre salvou vidas e protegeu esses indivíduos." (Entrevistado 7) "Quando eu proponho uma pesquisa para as pessoas, a minha experiência na minha prática médica, aqui dentro desse hospital transmite segurança...Eu ajo com aquele que está numa pesquisa como com meus pacientes, do ponto de vista técnico, do ponto de vista do calor humano, tem que ser o mesmo. " (Entrevistado 20) "Pelo tipo de pesquisa que faço, tenho muito critério para pedir os exames complementares que tenham radiação e preservamos a identidade do paciente, são condutas que o médico tem e que protegem o voluntário, é a mesma proteção que dou como clínico. " (Entrevistado 21) "Eu acho assim, a grande proteção acaba sendo a nossa conduta mesmo. Porque você não vai fazer uma coisa que você acredite que é ruim. Na verdade a decisão é do pesquisador. " (Entrevistado 10) "O sujeito da pesquisa estáprotegido na medida em que o pesquisador sabe o que está fazendo, tenha competência para fazer aquela pesquisa. Este hospital é referência e as pesquisas são de qualidade. " (Entrevistado 13) "Olha, eu dediquei minha vida toda para pesquisa e acho que minha pesquisa é boa, tem nível e isso protege o voluntário de qualquer problema. Eu sei o que estou fazendo. " (Entrevistado 17) Dois pesquisadores afirmaram que os voluntários de suas pesquisas estão protegidos dos conflitos éticos porque eles seguem as regras e as normas pré- estabelecidas: "Aqui nós seguimos a Good ClinicaI Practice, tudo é feito seguíndo essas regras, somos cautelosos e dessa forma estamos protegendo o paciente. Além dessas regras, usamos códigos que não identificam os pacientes. Eu tenho certeza dos nossos estudos, temos um ótimo padrão e issoprotege o paciente. " (Entrevistado 19) "Eu acredito que se o pesquisador seguir todas as regras que existem hoje os voluntários estarão protegidos. Nas minhas pesquisas temos muito cuidado em seguir o que mandam a resolução 196 e a 251." (Entrevistado 22) 105 A Good Clinicai Practice (GCP) é um conjunto de regras estabelecidas pela Food and Dntg Administration (FDA) na década de 70, que define um padrão de qualidade para a pesquisa biomédica nos Estados Unidos. A GCP pretende que, na observância desses preceitos, as pesquisas tenham garantida a credibilidade dos dados e a proteção dos direitos dos sujeitos da pesquisa. No Brasil, a resolução MS/CNS 196/96, é uma recomendação ética que deve ser observada pelos pesquisadores na execução das pesquisas com seres humanos, objetivando proteger os sujeitos, objeto da pesquisa. A resolução MS/CNS 251/97, estabelece as normas para execução de pesquisa com fármacos, vacinas e teste de diagnóstico. Na opinião de outros três entrevistados, os sujeitos, objeto da pesquisa, estão mais protegidos que os pacientes que procuram os serviços públicos de saúde. A justificação para esse juízo se baseia na prenússa de que existem mais cuidados nas pesquisas e os voluntários são mais bem informados que os pacientes. "Na verdade o voluntário da pesquisa é quem está mais protegido, os cuidados são maiores. Na verdade ele só está mais protegido quando está inserido dentro do que se . sabe do protocolo de pesquisa. " (Entrevistado 3) "O voluntário da pesquisa não tem tanto problema para ele. Eu acho que o voluntário de pesquisa é mais protegido do que o paciente na verdade. Muito mais! Por que você se cerca de cuidados em relação a ele. " (Entrevistado 1) "O voluntário da pesquisa é mais entendido que o paciente. Então a decisão desse sujeito de pesquisa é baseada na informação, ele está bem protegido se estiver esclarecido. Ele está sempre mais protegido do que o cidadão, o indivíduo não sabe que não tem condição de entendimento. Então, hoje os voluntários estão mais protegidos. " (Entrevistado 5) Os pacientes e sujeitos da pesquisa normalmente têm de entender ao menos o que um profissional de saúde acredita que um paciente ou sujeito devem entender e considerar importante antes de autorizar uma intervenção. Em geral, os diagnósticos, os prognósticos, a natureza e o propósito da intervenção, as alternativas a ela, os riscos e beneficios e as recomendações sã(J essenciais (Beauchamp & Childress, 2002). 106 Outro pesquisador chamou a atenção para o fato de que os voluntários das pesquisas têm privilégios por participarem de uma pesquisa. Segundo esse entrevistado, eles são atendidos no horário e fazem mais exames. "Nossa população é muito carente, mas normalmente ele é beneficiado por participar da pesquisa. Isso incomoda um pouco porque ele recebe os beneficios de ser atendido em horário específico, mais visitas e exames, isso é um conflito. " (Entrevistado 11) Entretanto, um outro pesquisador, quando emitia sua opinião sobre a proteção do sujeito da pesquisa, deixou claro que a conduta do médico deve ser a mesma quando exerce a função de pesquisador e diz, textualmente: "Dizer que o Slljeito da pesquisa está mais protegido é fazer uma má medicina. Não é porque o meu doente está no protocolo de pesquisa que eu tenho que ter uma melhor conduta. O projeto de pesquisa não é mais rigoroso, é maisformal. O sujeito não está mais protegido por participar da pesquisa, claro que não. " (Entrevistado 21) Um pesquisador manifestou sua preocupação em proteger o sujeito da pesquisa depois do término do experimento e disse: "...quem entra no nosso projeto de pesquisa continua sendo tratado aqui depois que termina a pesquisa. É muita falta de ética dizer até logo, muito obrigado por ter participado da pesquisa, até logo, tchau. Na maioria das vezes quem entra nos nossos estudos se toma nossos pacientes e são tratados regularmente. " (Entrevistado 9) V.4.4. Medidas de proteção Ocorre exploração quando individuas ou órgãos abastados ou poderosos se aproveitam da pobreza, da impotência ou da dependência de outros usando-os para servir a seus próprios fins sem adequados beneficios compensatórios aos individuos ou grupos com menos poder ou em desvantagem (Macklin, 2003). A exploração, moralmente entendida, é errada, injusta e insensivel ao fato, que desconsidera, de que suas ações afetam negativamente sujeitos suscetíveis que têm a desvantagem de defesas . . inadequadas (Kottow, 2003a). Os sujeitos, objeto da pesquisa clínica, na sua maioria em estado de vulneração, ficam à mercê de exploração, necessitam fundamentalmente de proteção, e é a esses que se há de proteger. Diante disso, e dos fatos aqui apresentados, 107 perguntamos aos entrevistados quais são as medidas necessárias para proteger os sujeitos, objeto das pesquisas. Para a maioria dos pesquisadores as medidas protetoras consistem basicamente em duas: a avaliação prévia do projeto de pesquisa pelos Comitês de Ética em Pesquisa e a competência do pesquisador na execução da pesquisa. Como exemplos, citamos as seguintes falas: "Com o comitê de ética o sujeito da pesquisa está mais protegido hoje do que. antes, com certeza. " (Entrevistado 10) "O pesquisador sabe que ele é observado. E eu acho que é a principal causa que leva ele a cuidar melhor das coisas. O pesquisador passa ajazer relatório para a comissão de ética. " (Entrevistado 2) "Paraproteger aqueles queparticipam da pesquisa, acho que ojato dos projetos serem aprovados no comitê é uma boa medida de proteção. " (Entrevistado 8) "Outra maneira é a aprovação do comitê, inclusive isso dá mais respaldo para o pesquisador. " (Entrevistado 10) "Então, existe uma salva-guarda e existe uma preocupação tanto das entidades, quanto . dos comitês de ética... " (Entrevistado 12) "Se. você tiver um comitê, a probabilidade de acontecer algum problema para os pacientes é pequena. Então acho que o comitê é uma proteção para os pacientes que participam da pesquisa. A pesquisa em seres humanos tem que ter limites muito bem estabelecidos. " (Entrevistado 20) Pesquisadores e participantes são desiguais em conhecimento e vulnerabilidade - especialmente quando estão envolvidos pacientes doentes -, as políticas públicas e os comitês examinadores devem prevenir contratos potencialmente exploradores, proteger a privacidade e a confidencialidade (Beauchamp & Childress, 2002). É nesse contexto que os comitês de ética em pesquisa têm o dever maior de se posicionarem em defesa das populações vulneradas e, com firmeza, buscar assegurar formas reais de beneficios para a população pesquisada. Nos casos de populações pobres usadas como sujeitos de pesquisa, os compromissos éticos dos CEPs não se esgotam em apenas protegê-Ias na sua integridade fisica, mas se ampliam para a preocupação de beneficiá-Ias(Azevedo, 2003). 108 Os revisores dos Comitês de Ética em Pesquisa devem ser pró-ativos em avaliar essas condições de abuso no estudo proposto, bem como adotar o imperativo ético da proteção apropriada para os sujeitos, objeto da pesquisa cientifica (Beyrer & Kass, 2002). A finalidade de um Comitê de Ética em Pesquisa é rever os protocolos de pesquisa e proteger a dignidade, os direitos, a segurança e o bem-estar de todos os participantes da pesquisa (Edward et ai, 2004). Segundo Mann (2002), também é papel dos Comitês, o estímulo à divulgação pública dos resultados da pesquisa, embora tal função não esteja explicitamente dirigida nos códigos internacionais ou nos regulamentos nacionais que governam a pesquisa com seres humanos. Para esses autores, os Comitês de Ética em Pesquisa devem ter um papel proeminente em assegurar que os resultados das pesquisas sejam divulgados publicamente(Mann, 2002). A sugestão de Miller & Rosenstein (2002) é de que as publicações médicas adotem uma nova política e solicitem aos autores dos artigos informações sobre as questões éticas que envolvem a pesquisa. O importante é promover maior responsabilidade do pesquisador e realçar a confiança pública na pesquisa clínica, que é vital para o progresso da medicina. Aliado a isso, Miller & Rosenstein (2002) acreditam que publicar a descrição dos métodos de proteção aos sujeitos, objeto da pesquisa, pode ajudar a elevar os padrões éticos da pesquisa. Em função dos conflitos éticos existentes, . notadamente, nas pesquisas clinicas, pesquisadores, patrocinadores e Comitês de Ética em Pesquisa de paises desenvolvidos devem assegurar que há justificação clara para realização de uma pesquisa em outro pais e que a mesma esteja adequadamente vinculada às necessidades daquele pais (Shapiro & Meslin, 2001). A outra medida protetora mencionada por vários entrevistados é a competência técnica do pesquisador. Essa afirmação pode ser exemplificada pelas seguintes falas: "Acredito que os voluntários serão protegidos se todos seguirem suas convicções éticas e souberem o que realmente estão jazendo. Se eu tenho convicção do que jaço, se entendo realmente do assunto que estudo, o sujeito será protegido. " (Entrevistado 4) "A primeira medida de proteção é saber o que estájazendo e só jazer o ótimo, o que é bom. " (Entrevistado 11) "...quando você decidiu jazer, tem que ter umprojundo conhecimento daquilo que você decide pesquisar. Isso é que vai proteger os indivíduos. " (Entrevistado 14) 109 "Eu acho que se você sabe o que está fazendo, tem segurança, passa essa segurança para o voluntário, essa é a melhor proteção. Quando o paciente confia em você ele sabe que está protegido e ele se convence que aquilo você quer fazer é bom para ele. " (Entrevistado 17) "Tem que estar preparado para fazer pesquisa. Eu fiz um curso e tenho recomendado para os colegas aqui que fazem pesquisa clínica para fazer o curso, que ajuda a você saber se comportar para evitar conflitos. " (Entrevistado 21) A pesquisa em seres humanos só deve ser realizada ou supervisionada por pesquisadores devidamente qualificados e experientes, de acordo com o protocolo que estabeleça claramente o objetivo da pesquisa, as razões para incluir seres humanos, a natureza e o grau de qualquer risco conhecido para os sujeitos, as fontes a partir das quais se propõe recrutar sujeitos e os meios propostos para assegurar que seu consentimento será adequadamente informado e voluntário (Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas, 2004). A resolução CNS 196/96 quando trata das exigências para execução das pesquisas com seres humanos no Brasil, na alínea h estabelece: "contar com os recursos humanos e materiais necessários que garantam o bem-estar do sujeito da pesquisa, devendo ainda haver adequação entre a competência do pesquisador e o projeto proposto." Dentre as ações sugeridas pelos pesquisadores para proteger os voluntários das pesquisas, destacamos a necessidade de informar e esclarecer adequadamente os voluntários. Como exemplo, transcrevemos as fala de alguns entrevistados: "Se ele for informado de tudo, se for tudo esclarecido, acho que isso garante a proteção do voluntário ... (Entrevistado 5) "Então é um hábito que a gente conserva com eles [voluntários] de explicar tudo ... (Entrevistado 9) "O paciente saber de tudo, realmente entender tudo que se passa é uma forma de estar protegido ... (Entrevistado 10) 110 "Acho que o paciente ser bem informado também é uma maneira de proteger. " (Entrevistado 13) "Se a informação não for transmitida de uma maneira adequada, muitos pacientes e sujeitos de pesquisa terão, com referência ao modelo, uma base insatisfatória para tomar decisões" (Beauchamp & Childress, 2002:167). A resolução CNS 196/96, quando trata do consentimento livre e esclarecido exige que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível. Outros pesquisadores sugeriram que obedecer às normas e regras para execução de pesquisas com seres humanos garante a proteção dos sujeitos: "Seguir as regras de que falei é a maneira de proteger os sujeitos da pesquisa. " (Entrevistado 2) "As medidas que tomamos é seguir todas as regras que protegem o paciente. " (Entrevistado 19) "Existem regras e são seguidas. Nós tentamos fazer nosso trabalho obedecendo a determinadas regras para ter o projeto aprovado e isso protegerá o sujeito." (Entrevistado 6) Apenas um dos pesquisadores entrevistados citou, em sua fala, a Bioética e sua contribuição para proteção do sujeito, objeto da pesquisa: "Eu acho que houve uma evolução fantástica em termos de bioética e normatização, e isso protege o sujeito da pesquisa. " (Entrevistado 12) Outro entrevistado falou que é dever do Estado proteger os sujeitos das pesqUisas: "Eu tenho uma opinião sobre a proteção do sujeito da pesquisa, eu acho que necessita do estado como protetor do individuo. for exemplo, mima nova droga tem que ter seguro, ele vai ter uma indenização e etc. É direito dele, escrito ou não é direito dele. Se tiver uma ocorrência séria, ele vai ter qÚe ter o apoio da instituição, a proteção da instituição, dentro daquilo quefoi estabelecido como indenização. " (Entrevistado 3) I 111 V.S. Mudanças na execução das pesquisas com seres humanos Na parte final da entrevista perguntamos aos pesquisadores sobre as mudanças que ocorreram na execução das pesquisas científicas com seres humanos, aqui no Brasil. Todos os entrevistados faziam pesquisas antes da implantação do sistema CEP/CONEP e, esse critério, adotado para seleção dos sujeitos, objeto da pesquisa, permitiu a identificação dessa categoria. A maioria absoluta dos pesquisadores reconheceu que mudou muito a condução das pesquisas com seres humanos depois do advento da resolução MS/CNS 196/96 e da criação do sistema CEP/CONEP. A transformação, segundo os entrevistados foi muito significativa, pois assegura a qualidade ética das pesquisas com seres humanos. Exemplificaremos esses comentários através do relato de alguns pesquisadores: "Eufiquei fora do pais 97, 98, 99. Voltei em 2000, e aífoi uma coisa muito engraçada. Eu estava saindo em 97 e a 196 obviamente estava no começo. E aí teve grandes expoentes da medicina. brasileira, que disseram: essa revolução aí não vai haver. Quando eu voltei em 2000 eu fiquei impressionado de ver a proporção que aquela resolução tomou e que nada podia ser feito que não fosse ético. Quer dizer, a 196 fez uma virada importantíssima na nossa vida. Muita coisa mudou e ela pesou em todos os aspectos. Foi boa para o paciente, foi boa para o pesquisador. " (Entrevistado 2) "Passei alguns anos fora do Brasil fazendo pesquisa e todos esses critérios que temos aqui desde meados dos anos 90, lá fora já se utilizava. Quando voltei continuei seguindo o que aprendi fora, depois com o nascimento dos comitês o restante dos pesquisadores teve que se adaptar. Acho que a coisa hoje é muito diferente de antes, não dá para dizer que não houve mudança. " (Entrevistado 23) "Mudou muito depois da instituição do Comitê de Ética a maneira de fazer pesquisa..É uma revolução isso, não tenho palavras pra expressar. Foi um grande avanço. Quando eu olho para trás vejo quefazia pesquisa e me preocupava com o projeto de pesquisa, a nossa preocupação com respeito à ética era muito menor do que agora. A nossa a cabeça está abrindo pra esse tipo de coisa. '~(Entrevistado 7) "Mudou muito a maneira de fazer pesquisa, 180 graus, antes do comitê. de ética em pesquisa. Hoje a gente tem uma preocupação de fato. Embora a gente sempre tenha tido, mas não era ... vamos dizer assim definida, protocolada e analisada 112 adequadamente. Então era uma coisa muito pessoal do investigador, do pesquisador. " (Entrevistado 10) ''Mudou muito. Eu lembro no início da década de 80, lembro de algumas pesquisas, não tinha comitê, o paciente não sabia direito o que sejazia com ele. Houve um ganho por parte dos pacientes porque agora eles querem saber de tudo, são mais injormados, tem nível cultural maior. "(Entrevistado 14) "Quando eu comecei a jazer pesquisa não tinha comitê, era uma coisa assim automática. Você tinha um supervisor, o supervisor mandava preencher umasjolhas, aí você copiava do outro, mas nunca deu problema. Hoje você tem regras claras e devem ser seguidas. Eu tenho que pedir o consentimento, convenhamos que não éjácil para o a paciente entender o que está escrito lá dentro. Tem que avisar dos riscos que o paciente possa ter. Então a alguns anos atrás era horrível. " (Entrevistado 15) "De quando eu comecei ajazer pesquisa para hoje a mudança é muito grande. Não que jazíamos as pesquisa sem controle, mas não tinhamos uma conduta única. Os voluntáriosficavam à mercê do pesquisador. " (Entrevistado 18) "Nós mudamos a maneira de jazer pesquisa aqui no Brasil. No início nós tivemos dificuldade para nos adaptar, achávamos que o comitê estava criando muita dificuldade, depois descobri que era o contrário, hoje acho tudo isso razoável, dá para jazer pesquisa sem problema. " (Entrevistado 4) "Teve gente que não acreditou quando os comitês surgiram que teriam que mudar sua prática e depois tiveram que aceitar ejazer o que o comitê manda. " (Entrevistado 2) "Sem dúvida oco"eram muitas mudanças e o comitê de ética é responsável por essa mudança, mesmo para aqueles pesquisadores que só seguem as regras burocraticamente. " (Entrevistado 17) "Houve mudança e para melhor principalmente para os voluntários que tem que saber de tudo o que está se passando e tem que assinar o consentimento. Antes os pesquisadores poderiam até explicar, mas não sei se todos jaziam isso, agora a coisa é bem diferente. " (Entrevistado 19) Apenas um pesquisador atribui e~sas mudanças à Bioética: "Eu acho que com a bioética evoluiu muito nesses 10 anos. " (Entrevistado 9) 113 Apenas dois pesquisadores entrevistados disseram que não houve mudança na condução das pesquisas com seres humanos. Suas afirmações foram: "Eu estou há 24 anos na pesquisa. Eu não acho que eu faça diferente hoje do que fazia há 24 anos. Apenas eu sinto que existem modos de vigilância, de maior formalidade e eu tento seguir essa burocracia. " (Entrevistado I) "Eu acho que para alguns professores, para alguns pesquisadores que já tinha isso na formação não mudou nada. " (Entrevistado 11) Pelas falas da maioria absoluta dos pesquisadores fica evidente que o esforço daqueles que compõem o sistema CEP/CONEP transformou positivamente a execução das pesquisas científica no Brasil. Do mesmo modo, a significatíva influência e o crescimento da Bioética no Brasil contribuíram para o movimento em prol da ética na pesquisa científica. As instituições de pesquisa e as agências de fomento também deram sua colaboração, na medida em que adotaram a exigência da aprovação prévia por um comitê de ética para realização ou financiamentode uma pesquisa. 114 VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após análise dos discursos dos entrevistados, podemos inferir algumas considerações no cumprimento dos objetivos deste estudo. Nosso primeiro propósito foi o de identificar os conflitos gerados entre a proteção do sujeito, objeto da pesquisa clínica, e os interesses dos pesquisadores da Medicina. A maioria absoluta dos entrevistados referiu-se a vários conflitos éticos que enfrenta na execução de pesquisas com seres humanos e esse resultado demonstra claramente que: 1) Essa questão, além da inegável relevância, necessita de mais estudos por parte da comunidade científica. 2) Os cidadãos brasileiros devem ser informados adequadamente sobre o tema, a fim de participarem ativamente das discussões, pois estes são, de . fato, além de objetos das pesquisas científicas, sujeitos que podem ser beneficiados ou vulnerados em suas vidas e seu bem-estar. Desse resultado sobre os conflitos éticos, extraímos duas categorias que denominamos dilemas éticos e problemas éticos. Incluímos na primeira categoria dilemas éticos-, um conflito citado por dois pesquisadores que, ao enfrentá-lo, não tiveram solução para0 caso e experimentaram um impasse. A segunda categoria, _ problemas éticos-, abarca os demaís conflitos, em princípio com solução, destacando-se os casos do uso de seres humanos em pesquisa com novos fármacos, o duplo papel de médico-pesquisador e a extrema necessidade das pessoas que procuram os serviços públicos de saúde, e são convidadas a serem objetos de pesquisas. Aos problemas éticos próprios da pesquisa clínica, somam-se outras dificuldades da prática médica. Relativo à categoria -problemas éticos-, concluímos que: 1) O problema ético mais citado -uso de seres humanos em pesquisa com novos fármacos-, decorre do fato de que essa modalidade de pesquisa 115 implica em riscos diretos à saúde e à integridade do indiVÍduo,e sobre esse tipo de pesquisa incidirem os interesses da indústria farmacêutica, não necessariamente compartilháveis pelos sujeitos, objetos da pesquisa. 2) Todos os entreVÍstadostrabalham com pesquisa clínica e a maioria com fárrnacos, razão porque encontramos a repetição desse problema étíco na fala dos pesquisadores entreVÍstados. Essa repetição está diretamente relacionada ao tipo de pesquisa que eles desenvolvem. 3) A condição de ser o pesquisador e, ao mesmo tempo, o médico responsável pelo paciente, gera conflitos éticos. Esse fato detectado na fala da maioria dos pesquisadores está diretamente relacionado à circunstância de que todos os entreVÍstados são médicos. Quando o pesquisador VÍvenciaessa situação e exerce o duplo papel de médicopesquisador, o cuidado para com os pacientes tem prioridade léxica, ou seja, há uma hierarquia onde o cuidado para com os pacientes é prioritário em relação às necessidades metodológicos da pesquisa. Esse resultado levanta um questionamento: qual é o perfil do médico que realiza pesquisa clínicano Brasil? A extrema necessidade dos voluntários das pesquisas foi citada pelos pesquisadores entreVÍstadoscomo um problema ético que eles enfrentam na execução das pesquisas clínicas. De fato, essas circunstâncias, que podem ser traduzidas como a extrema pobreza e a extrema necessidade de fazer um tratamento médico específico, é aquela que mais gera exploração dos sujeitos, objeto da pesquisa, o que se justifica nas seguintes conclusões: I) Esse tema -a extrema necessidade dos sujeitos, objeto da pesqUlsa-, perpassou todas as entreVÍstase foi mencionado em diversos momentos pelos pesquisadores, embora nem todos os entreVÍstadoso tenham citado como um conflito ético. 2) É fato que um considerável número de cidadãos brasileiros VIve em estado de pobreza extrema. 116 3) É fato que os serviços públicos de saúde são, na sua maioria, ineficientes. 4) A maioria dos voluntários da pesquisa clínica, segundo os entrevistados, está de fato afetada por um problema circunstancial-a extrema necessidade-, o que nos permite incluir esses voluntários dentre aqueles individuosvulnerados. e, portanto, sujeitos a exploração. 5) A extrema necessidade do voluntário, que pode ser tanto a extrema pobreza, como a extrema necessidade de um tratamento médico específico-, determina sua participação como objeto de uma pesquisa clínica. 6) Os individuosvulnerados, de fato, não exercem sua autonomia. 7) Por não exercerem sua autonomia, os sujeitos vulnerados podem ser explorados na fragilidade de sua vontade, pois a vontade livre é uma condição necessária para o pleno exercício da autonomia. 8) Os membros dos Comitês de Ética em Pesquisa não estão atentos à vulneração dos sujeitos da pesquisa, pois, segundo os pesquisadores. entrevistados a maioria dos voluntários de suas pesquisas é vulnerada. Este fato comprova que não há, por parte dos membros dos CEPs, a observância e o devido rigor no cumprimento dos princípios éticos contidos na resolução CNSIMS 196/96 que impedem, em determinadas situações, a participação dos individuos vulnerados em pesquisas clínicas. Diante dessas conclusões se torna imprescindível responder aos questionamentos: qual a real condição dos voluntários das pesquisas clínicas rio Brasil? E, que relevância os membros dos CEPs atribuem às necessidades dos possíveis voluntários das pesquisas? As conclusões aCIma explicitadas estão diretamente relacionadas à proteção do sujeito, objeto da pesquisa, o que nos permitiu concluir: 117 1) Se nem todos os pesquisadores identificaram a extrema necessidade do voluntário como um fator capaz de gerar um problema ético, concluimos que o sujeito da pesquisa não está protegido. 2) Se a extrema necessidade dos sujeitos determina sua participação como objeto da pesquisa, a adoção do Consentimento Livre e Esclarecido, por si só, não garante a proteção dos indivíduos vulnerados. Neste caso, a obtenção do consentimento será apenas o cumprimento de uma formalidade e não, de fato, a manifestação da vontade do indivíduo. Com essas conclusões alcançamos o outro objetivo da nossa pesquisa: verificar se o sujeito, objeto da pesquisa, está protegido dos conflitos. Contudo, mesmo diante da constatação de que a maioria dos voluntários das pesquisas clínicas é vulnerada e não está protegida, completamente a solução não é proibir a inclusão desses indivíduos nas pesquisas clínicas, pois eles poderão obter algum beneficio por participarem da pesquisa. A fim de proteger os indivíduos vulnerados quando são sujeitos, objeto da pesquisa, propomos que: 1) O sistema CEP/CONEP deve atuar na orientação sistemática quanto à identificação da real situação de vulneração dos sujeitos, objeto de pesquisas. 2) O sistema CEP/CONEP deve adotar critérios rigorosos a fim de controlar, através do recrutamento dos voluntários, a inclusão e exclusão de indivíduos vulnerados nas pesquisas clínicas. 3) O sistema CEP/CONEP deve, efetivamente, acompanhar e fiscalizar as pesquisas clínicas no Brasil. 4) Ao Estado compete o cumprimento de metas que possibilitem a inserção dos indivíduos vulnerados nos padrões de conquistas sociais e econômicas. 5) Essas metas devem resultar na elevação das capacidades dos indivíduos vulnerados e, consequentemente, no fortalecimento de sua autonomia. 6) Dentre as metas, a capacitação dos indivíduos vulnerados será aquela que propiciará a possibilidade dele sair de tal condição e, assim, decidir livremente sobre o que pretende fazer dy sua vída . • 118 Por fim, queremos fazer nossas reflexões derradeiras tratando da Bioética da Proteção que, de fato, se constitui no mecanismo mais adequado para enfrentar os conflitos morais relacionados com a pesquisa clínica. A adoção de princípios básicos de proteção deve contribuir para a horizontalização do desenvolvimento individuos terão acesso eqüitativo ao progresso, por fortalecimento de suas capacidades e, consequentemente, exercícío de sua liberdade. meio humano, onde os da expansão e do a capacitação entendida como Assim, prover as condições minimas, consistentes em proteger os vulnerados, é a forma de obter capacidades para alcançar a possibilidade de escolhas e ter autonomia sobre sua própria. vida. A horizontalização do desenvolvimento, pela qual o individuo elimina privações e aumenta suas capacidades, e, conseqüentemente, conquista seu direito à autonomia, fará com que esse mesmo individuo, constituída a sua condição de agente, agora se verticalize, se tome, de fato, um cidadão e, com liberdade, faça suas próprias escolhas e não necessite mais do manto protetor, podendo, portanto, evitar os riscos implicados pelo estado paternalista, que, a rigor, inibe o processo de capacitação de seus sujeitos. 119 Vil. REFERÊNCIAS BmLIOGRÁFICAS Alves N. Ensaios Clínicos. Coimbra: Editora Coimbra; 2003. Amato Neto V. Aspectos médico-cientificos de pesquisas realizadas em seres humanos. Cadernos de Ciências Sociais 1984; 6(3):75. AngeIl M. Investigators' responsibilities for human subjects in developing countries. New EngIand Journal ofMedicine 2000; 9:343.967. AngeIl M. The Ethics ofClinical Research in the Third World. New England Journal of Medicine 1997; 337:847"9. 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Título do Projeto: "Um olhar sobre a ética aplicada às pesquIsas biomédicas que envolvem seres humanos" Classificação no Fluxograma: Grupo rn Pesquisadora Responsável: Laís Záu Serpa de Araújo Orientador: Fermin Roland Schramm Tipo do projeto: Projeto de Doutorado Data de recebimento no CEP-ENSP: 21/10/2004 Data de apreciação: 10 111 I 2004 O projeto "Um olhar sobre a ética aplicada às pesquisas biomédicas que envolvem seres humanos", da pesquisadora Laís Zàu Serpa de Araújo foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública e considerado aprovado. • o