Conjuntura Local REUNIÃO DE CONJUNTURA 08/08/2016

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REUNIÃO DE CONJUNTURA
08/08/2016
Conjuntura Local
Encanamentos (Gustavo H. B. Franco – 31/07/2016) ................................................................... 1
Esperar, mas até quando? (Paulo Guedes – 01/08/2016) ............................................................. 2
Ficamos velhos antes de nos tornarmos ricos (Marcos Lisboa – 29/07/2016) ............................. 3
Pulso (Monica De Bolle – 03/08/2016) .......................................................................................... 5
Shakespeare, Lula e seu ovo de serpente, Dilma (Roberto Macedo – 04/08/2016) .................... 6
Fardo do setor público garantirá crescimento medíocre por muitos anos (Alexandre
Schwartsman – 03/08/2016) ......................................................................................................... 7
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Encanamentos (Gustavo H. B. Franco – 31/07/2016)
Gustavo H.B. Franco é bacharel e mestre em economia pela PUC do Rio de Janeiro e
Ph.D pela Harvard University. É estrategista-chefe da Rio Bravo, foi presidente do
Banco Central do Brasil e Secretário Adjunto de Política Econômica do Ministério da
Fazenda.
***
Os que sofrem de insônia sabem como é penoso quando o sono termina às
3h da manhã e é preciso esperar o dia começar, sem muita alternativa. Passam-se
longas horas de um descanso meio dolorido, quando a mente procura se organizar,
planejar o dia, refletir sobre o sentido da vida, tudo misturado com os sonhos e
pesadelos de uma noite mal dormida.
Assim estamos todos, esperando já despertos a homologação definitiva do
afastamento de Dilma Rousseff e o encerramento oficial de um dos mais nefastos
episódios de experimentalismo econômico que a nossa história registra.
A tragédia econômica, como se sabe, terá como apogeu a pior recessão da
nossa história, medida pela sequência de quedas no PIB em 2015 e 2016, superando
a Grande Depressão. É um recorde, numa modalidade sombria, a dos fracassos, e
não há atenuante, nenhuma crise ou choque externo, tampouco bodes expiatórios.
Pobre Guido Mantega, diante de cuja disciplina é mais correto contar seus dias no
ministério da Fazenda como vacância do que lhe atribuir a autoria de feitos urdidos
pela chefia. Não deve haver nenhuma dúvida sobre quem mandava, e como as coisas
eram conduzidas.
Pode-se contar a história de Dilma Rousseff, na melhor versão, ainda que um
tanto inverossímil, como um fracasso econômico honesto. Ideias heterodoxas,
genuinamente de esquerda, com tonalidades brizolistas e taninos populistas,
implementada por subordinados descritos como “radicais porém sinceros”, uma
expressão consagrada no governo militar para conferir indulgência a alguns
psicopatas disparando fogo amigo.
Porém esse voluntarismo inflacionista vago — não consigo descrever de
outra forma — confrontava diretamente instituições e práticas estabelecidas com muito
esforço a partir do Plano Real, quando o país venceu a hiperinflação, reconstruiu um
bem social de valor inestimável, a sua moeda, sobretudo ao criar impedimentos para
as condutas fiscais e monetárias que geravam a doença. A ressurreição das mesmas
práticas danosas do passado, enfeitada por uma designação tecnocrática vazia (a
Nova Matriz Macroeconômica) e oculta inicialmente por uma supostamente inofensiva
“contabilidade criativa”, evoluiu para atropelamentos, jeitinhos e ilegalidades flagrantes
com efeitos relevantes no processo eleitoral. As contas do governo federal foram
rejeitadas pelo TCU, que felizmente não é o de outros tempos, e assim começou o
processo de impeachment.
É curioso que os piores feitos da presidente não façam parte do processo
formal de impeachment, como a destruição da Petrobras, no qual teve
responsabilidade direta, e suas conexões, aí incluída a omissão deliberada, com as
quadrilhas envolvidas na Lava-Jato, que drenaram ao menos R$ 6 bilhões, conforme
reconhecido no balanço da empresa, para a corrupção e para a campanha do PT.
Note que o TST registra que a campanha presidencial de Dilma custou menos de R$
300 milhões.
Felizmente, a partir de certo ponto, o julgamento do impeachment se torna
político, o que introduz uma subjetividade por onde os senhores parlamentares podem
apreciar o conjunto da obra, inclusive o temperamento à la Trump e o descuido com o
idioma, que deu novos sentidos ao verso de Fernando Pessoa: “a gramática é mais
perfeita que a vida. A ortografia é mais importante que a política”.
Para o bem do país, ela já podia ter renunciado e acabado com “essa
agonia”, nas palavras dela, em vez de vagar sonâmbula, cada vez menor, perdendo o
nosso tempo. Seria ótimo adiantar o relógio, pois há muito o que fazer, e as coisas
importantes, segundo se espera, serão anunciadas apenas após o fim da
“interinidade” de Michel Temer em agosto. Teremos as Olimpíadas para nos distrair,
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tomara que tudo corra bem e que não passemos mais vexames, mas a economia vai
contando os minutos ansiosa, carente, querendo ser feliz.
Por ora, enquanto o dia amanhece, já é possível enxergar uns vultos
importantes que o nevoeiro ideológico vinha mantendo encobertos. Já se fala com
sobriedade e equilíbrio sobre reformas trabalhistas, na Previdência e em privatizações.
E também, entre tantas possibilidades, em mudar o absurdo funcionamento do FGTS,
eliminar o imposto sindical, lipoaspirar o Sistema S, rever a gratuidade das
universidades públicas. Quem sabe também terminem com a Hora do Brasil, com a
tomada de três pinos (que merecia uma CPI) e com o serviço militar obrigatório!
Subitamente, o horizonte ficou limpo, tudo é possível, ou ao menos discutível,
e as pessoas, ao menos os visionários, querem acelerar o tempo, mudanças e
“disrupção”, palavra ainda inexistente, ou dicionarizada, para descrever “destruição
criadora”. Abriu-se a janela para “reformas”, na política e na economia, e parece haver
demanda para diversos Uber, um para cada igrejinha, cartório e monopólio existente
no país. Que bom seria ter um Uber para os partidos políticos, outro para a legislação
trabalhista, e para os impostos, os bancos. O país precisa de competição,
meritocracia, produtividade e do primado do talento, e não mais da tutela malintencionada do Estado, sempre disposto a promover um assistencialismo malajambrado, onde as segundas intenções são mais importantes que as primeiras.
As autoridades econômicas parecem dispor de efetiva autonomia para
formular as “reformas”, e as dúvidas sobre isso deveriam ser espancadas logo,
admitindo-se a vigência de uma lição básica de Itamar Franco: a economia não é tudo,
mas é quase, e nenhum governo vai conseguir atravessar a rua se a economia não
estiver arrumada. E, para isso, observada a sabedoria australiana recente, é preciso
encanadores e não cangurus.
A equipe econômica de Michel Temer se tornou seu melhor ativo, sua face
mais bonita e seu passaporte para o futuro, se, evidentemente puder trabalhar com
liberdade, desligada das métricas políticas clássicas, e equivocadas, do que é
“popular”. Em vista da máxima, amplamente comprovada, segundo a qual nada é mais
bem-sucedido que o sucesso, segue-se que nada é mais popular que a prosperidade
econômica duradoura sustentável. O pior inimigo da mesma, tenha-se claro, é a
prosperidade efêmera criada por vigarices populistas, tentação permanente nas terras
altas do Brasil central.
Por ora, só se pode aguardar. As verdadeiras competições de saltos não
necessariamente ornamentais sobre obstáculos difíceis, de arremesso de martelos,
aparelhos e outras velharias corporativistas e de ginástica política verdadeiramente
intensa começam mesmo em agosto.
Esperar, mas até quando? (Paulo Guedes – 01/08/2016)
Paulo Guedes é um dos fundadores do Instituto Millenium. Economista com Ph.D pela
Universidade de Chicago, é fundador e sócio majoritário do grupo financeiro BR
Investimentos e um dos quatro fundadores do Banco Pactual.
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O julgamento do impeachment da presidente afastada ocorrerá finalmente
entre 29 de agosto e 2 de setembro. É compreensível que toda a articulação política
do presidente interino esteja no momento mobilizada para assegurar o seu mandato, e
não para encaminhar reformas que pudessem rachar sua base de sustentação.
Apenas quando garantido seu mandato, seria então disparada a incontornável
agenda de reformas. Seriam examinados pelo Congresso a reforma política, o teto de
gastos públicos, os ajustes na Previdência Social e na legislação trabalhista.
Há entre os governistas quem defenda que se espere ainda as eleições de
outubro antes de deflagrar o ciclo das reformas, evitando perder votos pela adoção de
medidas impopulares. “Perdido” agosto com a finalização do ritual de impeachment,
“perde-se” também setembro em busca de expressivas vitórias eleitorais contra
partidários de um populismo que arrasou financeiramente o país.
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Seriam postergados nessa estratégia eleitoral os ajustes na Previdência
Social e na legislação trabalhista. Já o anúncio de uma reforma política para estancar
a roubalheira a céu aberto e um pacto federativo norteando a proposta de teto dos
gastos públicos seriam extremamente populares.
Menos dinheiro na engrenagem estatal de administração centralizada e mais
dinheiro para saúde, segurança, saneamento e educação. Pois o dinheiro tem de ir
para onde o povo está, nos municípios, onde haverá eleições, e não para Brasília.
O pacto federativo conduziria a reforma administrativa do Estado, com férreos
controles sobre o governo central e gradual descentralização de recursos fiscais. Essa
descentralização das políticas públicas coloca um eixo republicano na busca de
sustentação parlamentar e na própria gestão dos recursos públicos.
É preciso desmontar a engrenagem de administração centralizada, que
alimenta piratas privados e políticos corruptos. Mesmo as reformas da legislação
trabalhista e do sistema previdenciário poderiam ser construtivamente abordadas nas
eleições.
Pois a rigidez nas negociações salariais e os encargos excessivos estão na
raiz do desemprego em massa. A maior ameaça ao bom desempenho de Temer na
Presidência seria postergar as necessárias reformas em busca de popularidade, de
olho na reeleição.
Ficamos velhos antes de nos tornarmos ricos (Marcos Lisboa –
29/07/2016)
Marcos Lisboa é presidente do Insper e Ph.D. em economia pela Universidade da
Pensilvânia. Foi professor-assistente na Universidade de Stanford e na EPGE/FGV e
diretor-executivo do Itaú-Unibanco entre 2006 e 2009, e vice-presidente até 2013.
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A demografia sempre foi um ramo da ciência pouco considerado no debate
sobre política pública no Brasil. Não deveria.
A profunda, e rápida, transição demográfica que atravessamos resulta em
difíceis desafios para as próximas décadas. Em 1960, cada casal tinha, em média, 6,3
filhos. Em 2012, esse número tinha caído para 1,7. Para manter o total de pessoas em
idade ativa inalterado seriam necessários cerca de 2,1 filhos por casal.
Com a rápida transição demográfica os recursos se esgotam. O número de
idosos, pessoas com mais de 65 anos, cresce 3,5% ao ano, enquanto que o número
de trabalhadores cresce cerca de 0,7%. Como resultado, a população em idade ativa,
a imensa maioria dos que trabalham, vai começar a se reduzir em 15 anos. Por outro
lado, a população idosa, em grande parte aposentada, vai continuar aumentando até,
pelo menos, a metade do século.
A proporção de idosos na população deve saltar dos atuais cerca de 8% para
cerca de 23% em 2050. Contudo, o problema da previdência oficial, nos moldes
atuais, é muito mais grave. Assumindo que a idade média de aposentadoria continue
próxima aos 55 anos, a proporção de aposentados na população atingiria 36% em
2050. Além disso, os aposentados do futuro viverão significativamente mais. A
expectativa de vida ao nascer, que em 1960 era de 55 anos, hoje já é de 75 anos. O
sistema não só terá que arcar com um maior número de beneficiários, como também
com benefícios por muito mais tempo. Sendo que, ao mesmo tempo, a proporção de
trabalhadores na população, que financia as aposentadorias, irá se reduzir.
Segundo estimativas de Paulo Tafner, em 1980 havia 9,2 pessoas em idade
ativa (entre 15 e 64 anos de idade) para cada inativo. Esse número caiu para 5,6 em
2015. Em 2040, serão 2,56 ativos para cada inativo, e em 2050 apenas 1,9.
Comparações podem ajudar. Em 20 anos, o Brasil terá uma alteração na
composição demográfica da população similar à que ocorreu na França em 120 anos.
Os três gráficos abaixo ilustram a profunda mudança na estrutura etária no
Brasil entre o fim do século passado e a primeira metade deste século.
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A rápida transição demográfica no Brasil resulta em um difícil desafio para o
regime geral da previdência social. Optamos, há décadas, por um regime de
repartição, em que os trabalhadores ativos financiam a aposentadoria dos mais
velhos.
Desde os anos 1990, discute-se a opção de um regime de capitalização, em
que a poupança de cada trabalhador financiaria a sua própria aposentadoria, e, até lá,
colaboraria com o financiamento dos investimentos que a economia real necessita. O
Chile fez essa opção nos anos 1980. Nós insistimos em deixar a conta para as
gerações futuras, com os jovens financiando os idosos. Politicamente, no curto prazo,
mais conveniente, afinal as gerações futuras não votam.
Quando havia muitos jovens, os recursos arrecadados eram mais do que
suficientes para financiar as aposentadorias, além de outros gastos do setor público.
Os países desenvolvidos aproveitaram o seu bônus demográfico, o período
com maior participação de trabalhadores na população total, para aumentar a geração
de renda por meio de maior produtividade e da acumulação de capital. Não foi esse o
caso do Brasil. Desperdiçamos o nosso bônus.
Enquanto alguns países se desenvolveram, nós evitamos as reformas
estruturais e optamos pelo benefício imediato proporcionado pelo populismo. Como
consequência, não conseguimos nos desenvolver antes de envelhecermos. Arcamos
com as consequências há tanto previstas das escolhas populistas.
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Pulso (Monica De Bolle – 03/08/2016)
Monica de Bolle é professora da PUC- RJ e Ph.D. em economia pela London School
of Economics. Foi economista do FMI em Washington entre 2000 e 2005, chefiou a
área de Pesquisa Macroeconômica Internacional do Banco BBM entre 2005 e 2006.
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Pulso, batimento, movimento do sangue no corpo. Pulso não é sinônimo de
punho, a articulação da mão com o antebraço, vulgarmente chamado de pulso.
Contudo, uma pessoa firme em suas decisões, que não cede às pressões, que não
arreda o pé quando confrontada, tem pulso. Outra, mãos fechadas em expressão
defensiva quando afrontada por perigo qualquer, tem punhos cerrados, mas não pulso.
Punho ou pulso? O que, afinal, caracteriza o governo de Michel Temer até agora?
O governo começou com demonstrações de pulso firme. Mudou tudo na
equipe econômica. Propôs medidas e reformas ambiciosas e essenciais. Encerrou o
período de catatonia que marcara o fim da era Dilma Rousseff – a presidente afastada
ainda não passou pelo julgamento final, mas é justo afirmar que sua era acabou.
Michel Temer pôs no Ministério das Relações Exteriores político capaz de encerrar o
nefasto isolacionismo brasileiro em nome de uma ideologia para lá de ultrapassada.
Reduziu sumariamente os penduricalhos dos anos petistas, extinguindo milhares de
cargos comissionados. Ao lado de seu ministro da Fazenda, prometeu consertar as
contas públicas com a adoção de teto para os gastos, uma profunda reforma da
Previdência, um programa de privatização. Privatização, palavra proibida nos tempos
de Dilma. Tais atos e sinais, ideia de pulso firme, enraizaram nas cabeças dos
investidores e do mercado financeiro. Os ativos recuperaram parte do valor perdido. A
Bolsa subiu, o dólar caiu.
Contudo, entre acertos e boa retórica, o pulso firme enfraqueceu.
Enfraqueceu ante a constatação de que a política é a mesma, os políticos, os mesmos
– inclusive o próprio presidente interino. Michel Temer deu ar de novo ao que de novo
nada tinha. Entre a necessidade de manter o pulso firme para arrebanhar a confiança
e de cerrar os punhos para melhor se defender das inevitáveis pressões, a
determinação e a ousadia cederam. Cederam rápido.
Temer interino assumiu a presidência da República em 12 de maio. Nesses
três meses de governo, não aprovou nenhuma de suas propostas – sobretudo a
emenda constitucional para a criação de um teto para os gastos, a PEC do Teto.
Elaborou mas não discutiu com a sociedade brasileira suas propostas para a reforma
da Previdência. Alguns detalhes, veiculados pelos jornais nos últimos dias, não são
compreensíveis para a maioria da população brasileira, que, nesse momento, desvia
sua atenção para os Jogos Olímpicos – e, claro, para a exposição das mazelas
nacionais retratadas nas manchetes dos periódicos de grande circulação internacional.
Como acreditar numa reforma ambiciosa da Previdência que não foi debatida e
explicada àqueles que por ela serão afetados? A falta de debate sobre grandes temas,
outra mazela brasileira duramente exposta nesses tempos bicudos. “Ah, mas o País
estava paralisado em razão do impeachment”. “Ah, mas como fazer qualquer reforma
enquanto prevalece a interinidade?”.
Reconheço a dificuldade. Mas não creio que após a remoção definitiva de
Dilma um novo governo nascerá, um sistema político menos infame surgirá no País.
As dificuldades hão de ser muito semelhantes. Quiçá serão as mesmas, com as
eleições municipais no horizonte próximo, as discussões prematuras sobre
candidaturas para 2018.
Nesses três meses de governo, Temer concedeu reajustes salariais ao
funcionalismo público em dissonância com seu discurso de austeridade. Renegociou
as dívidas estaduais impondo contrapartidas que acabam de ser relaxadas ante a
pressão dos governadores e de membros de seu próprio governo. Prometeu que as
condições para os cortes de juros serão construídas, mas a verdade é que a nova
diretoria do Banco Central ainda pouco acredita que isso seja possível. Tanto que
evitou reduzir os juros. Tanto que preferiu apoiar o aperto das condições monetárias
ao nada fazer em sua primeira reunião. Aperto sim, uma vez que, com a queda das
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expectativas de inflação, a taxa de juros real – a que desconta a inflação e reflete o
custo do investimento – subiu. Subiu em meio à recessão que ainda é avassaladora,
aos 11,6 milhões de desempregados.
Em meio a tudo isso, o pulso ainda pulsa. Porém, pulsa de modo pulsilânime
num País onde o corpo ainda é pouco.
Shakespeare, Lula e seu ovo de serpente, Dilma (Roberto Macedo –
04/08/2016)
Roberto Macedo é economista (UFMG, USP, Harvard), foi secretário de Política
Econômica do Ministério da Fazenda.
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Explico o porquê dessa combinação, começando por Shakespeare. Este ano
marca os 400 anos da sua morte e lhe foram prestadas muitas homenagens. Muitas
foram também as reapresentações de suas peças teatrais. Algumas no teatro circular
a céu aberto, em Londres, construído em 1996 de maneira similar ao que foi destruído
por incêndio em 1613 e no qual foram apresentadas peças de Shakespeare durante
sua vida.
Ele merece a louvação que recebe há séculos, pois sua obra, além de rica em
termos literários, popularizou-se e foi acolhida internacionalmente. Numa reportagem
no site do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 23/4, sobre uma das celebrações, foi
dito que ele foi capaz de escrever sobre cada um de nós. Como ao abordar
sentimentos humanos como ciúme (em Otelo), dúvidas (em Hamlet) e ambição (em
Macbeth). Lições suas, algumas delas sintetizadas em frases ou versos, integraram-se
ao uso corrente em outros idiomas. “Ser ou não ser, eis a questão” , de Hamlet, é uma
das mais conhecidas.
Também quis homenagear sua memória e optei por recorrer a uma de suas
lições, a do ovo da serpente, da peça Júlio César, e procurando situá-la no contexto
do nosso país. Aí entram Lula e Dilma. Quanto ao primeiro, todo mundo já o conhece
bem por aqui, tem um quê de teatral e é também candidato a servir de enredo a filmes
e peças no futuro. Do tipo ascensão e queda? Há quem veja a segunda como
irreversível, mas eleitoralmente permanece muito popular.
Lula serpente? Foi ele mesmo quem se disse uma. Logo após depor na
Polícia Federal em São Paulo, à qual foi conduzido coercitivamente na manhã do dia 4
de março deste ano, declarou: “Se quiseram matar a jararaca, não fizeram direito, pois
não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca está viva”. Um ovo dela
foi chocado anos antes e deu em Dilma.
Voltando a Shakespeare, num dos diálogos da citada peça, Brutus, senador
romano, discorre sobre a lógica de participar da conspiração que depois levaria ao
assassinato do imperador romano Júlio César. Tomando este pela dimensão política
que já então tinha, Brutus argumenta que se César crescesse mais seria ainda mais
ameaçador. E conclui: “Imagine-o como o ovo de uma serpente/ Do qual após
chocado cresceria algo deliberadamente problemático/ e mate-o ainda na casca”
(tradução do texto emenotes.com/shakespeare-quotes/serpents-egg).
No meu enredo não há assassinato. Só entram esses dois personagens
políticos, e apenas na vida deles como tal, no momento desastrosa para ambos. E
muitíssimo pior para o Brasil, por eles levado a um dos maiores desastres
econômicos, políticos e sociais da nossa História.
Lula, presidente por dois mandatos, foi obra da soberana vontade dos
eleitores. No governo encantou-se com Dilma, na qual viu uma gerentona, ainda que
então atuando num período em que predominaram os bons ventos soprados da China.
Comandada por Lula, temia-o, e não aprontou como o fez ao substituí-lo.
Perto de deixar o governo, Lula continuou recebendo a confiança do povo e
elegeu-a em 2010. Cobra criada, Dilma passou a picar aqui e ali, revelando-se
administrativamente não uma gerentona, mas uma trapalhona voluntário-venenosa.
Demonstrou não fazer jus a seu diploma de economista, intervindo equivocadamente
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em mercados como os de petróleo, energia e etanol, e mergulhando de corpo e alma
na irresponsabilidade fiscal.
Foi como se alguém lhe houvesse lido um manual bolivariano-chavista e ela,
ouvido mal, como sendo de economista. Em 2014 quase perdeu a eleição para Aécio,
e só ganhou com base na propaganda veneno-enganosa com que iludiu eleitores ao
alardear resultados que não eram seus, promessas que não poderia cumprir e
malfeitos como se fossem benfeitos.
Para picadas de serpentes desse tipo nossas instituições ainda não criaram
soros eficazes. Precisamos de políticos, legisladores e instituições inspiradas na
vocação antiofídica do cientista Vital Brazil (1865-1950) para socorrer eficazmente o
País contra semelhantes desmandos administrativos e enganações. Na área fiscal já
ressaltei neste espaço a imperiosa necessidade de aprimorar sensores, alarmes e
mecanismos de correção existentes, pois se revelaram inadequados (Estratégia –
Controles fiscais, 17/12/2015).
O desastre dilmista mostrou-se imenso e de corpo inteiro logo após a
reeleição. Seus crimes de irresponsabilidade fiscal vieram à tona, ainda que com
enorme lentidão institucional. Hoje, majoritária e ansiosamente, o País aguarda o
“Dilmexit”. Economicamente, 2015 e 2016 são mais dois anos perdidos. E os ajustes
nas contas governamentais se estenderão pelo fim desta década, que também já pinta
como perdida e como mancha nos currículos da presidente afastada e do seu mentor.
Volto a Lula, que na mesma ocasião citada também se disse tribom.
Conforme suas palavras: “Presidente bom é aquele que se reelege. E bibom é aquele
que faz sucessor. Eu já me considerava bibom, e fiquei tribom quando reelegemos a
Dilma”. No meio acadêmico, afirmações como essa costumam ser chamadas de
apoteose mental.
Na minha avaliação, e com alguma concessão, troco o bom por razoável, pois
o sortudo Lula não aproveitou as benesses econômicas com que foi premiado. E de tal
forma que o País também poupasse e investisse mais, e dessas e de outras formas
fosse fortalecido para crescer com maior vigor, ou mesmo enfrentar melhor os
períodos de vacas magras. Depois, Lula foi mau e bimau ao eleger e reeleger Dilma.
Hoje a jararaca já tem em gestação outro ovo, a sua ideia de voltar à
Presidência. Espero que seja abortado antes da eleição de 2018. Se chegar à
chocadeira das urnas eleitorais, que o povo siga as recomendações de Brutus,
matando com seus votos esse projeto, pois o risco de um Lula trimau é assustador.
Fardo do setor público garantirá crescimento medíocre por muitos
anos (Alexandre Schwartsman – 03/08/2016)
Alexandre Schwartsman foi diretor de Assuntos Internacionais do BC e economista
chefe do grupo Santander Brasil, é doutor em economia pela Universidade da
Califórnia.
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Não consigo (nem tento) disfarçar meu pessimismo sobre o futuro do país,
em que pese a perspectiva de alguma recuperação à frente.
Não me interprete mal. Acredito que estamos melhores agora do que há
alguns meses e muito mais do que estaríamos caso o governo anterior não tivesse
sido afastado.
Ao menos temos uma equipe econômica que entende a natureza dos
problemas enfrentados pelo país, não só a questão do gasto público mas também a
necessidade de reformas que acelerem o crescimento da produtividade. E, embora
tenha cá muitas dúvidas sobre a posição de Michel Temer quanto à questão fiscal,
caso alguém queira defender que ele compartilha da mesma visão de seu time, eu
nem discutiria muito.
Isto dito, até agora, a cada encruzilhada que encontrou, o governo sempre
tomou o caminho errado.
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O reajuste do funcionalismo pode até ter sido (como foi) negociado pela
administração anterior, mas defendê-lo, argumentando que "está abaixo da inflação
esperada para o mesmo período" e, portanto, de acordo com o ajuste fiscal, soa como
uma tentativa canhestra de tapar o sol com a peneira.
Da mesma forma, não é possível vender como vitória da equipe econômica a
meta de deficit de R$ 139 bilhões para o ano que vem, apesar de tentativas em
contrário. Para que esse valor se materialize, será necessário obter R$ 55 bilhões de
receitas ainda não especificadas que certamente não se repetirão em outros anos, ou
seja, o valor recorrente do deficit, que balizará a meta para 2018, será de R$ 194
bilhões.
Acrescentando à lista, agora o governo federal cedeu mais uma vez aos
Estados, ao permitir que não contabilizem certos gastos no limite de sua folha de
pagamento.
Seria muito fácil descrever isso como resultado de um governo fraco, ainda
tentando se consolidar, mas acredito que se trata de um problema bem mais profundo.
Não chegamos aqui por acaso. Como escrevi na semana passada, muito da
piora fiscal se deve ao governo anterior, em particular à presidente, que, desde que
era ministra, sempre se opôs a medidas que colocassem as contas públicas numa
trajetória sustentável. Ela, porém, não esteve sozinha na empreitada de demolir o
Orçamento e, ainda mais importante, o próprio arcabouço institucional que havia sido
criado para dar um mínimo de previsibilidade nesta área.
Quem acompanha o tema há de ter notado a situação dos Estados
brasileiros, esmagados pelo peso de seus gastos com pessoal. Oficialmente, 17 deles
estouram o limite prudencial, mas uma especialista como Ana Carla Abrão Costa,
secretária da Fazenda de Goiás, estima que gastos com o funcionalismo podem ter
ultrapassado 80% da receita líquida, comprometendo qualquer possibilidade de
gestão.
Não há como escapar à conclusão: o setor público brasileiro se tornou, há
muito, refém de interesses especiais.
Nesse contexto, a chance de se concretizar um ajuste fiscal da magnitude do
requerido para estabilizar a dívida relativamente ao PIB é mínima, para colocar de
forma delicada.
Assim, muito embora possamos imaginar que a economia comece a se
recobrar já na segunda metade deste ano, não há como sonhar com uma recuperação
vigorosa como na saída de outras recessões, pelo contrário: o fardo do setor público
há de garantir crescimento medíocre ainda por muitos anos.
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