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Folha de S.Paulo
22/01/2008
TENDÊNCIAS/DEBA TES
Febre amarela
A corrida pela vacina por pessoas que não precisam dela reduz a
, disponibilidade para os que efetivamente têm necessidade
ADIB D. JATENE
NO PERíODO em que estive à frente do Ministério da Saúde, tomei
conhecimento
da importância
da relação
entre denaue
e febre amarela
silvestre e o eventual risco da reurbanização desta última.
Desde 1942, não ocorreu nenhum caso de febre amarela urbana.
Entretanto, persiste, e é impossível eliminar, sua forma silvestre.
É por essa razão que o Ministério da Saúde vem vacinando
sistematicamente toda a população das áreas de risco, onde há ocorrência de
casos humanos, adquiridos sempre nas áreas de mata. Já vacinamos, nos
últimos 12 anos, mais de 60 milhões de pessoas.
Nas matas, existe alta concentração de mosquito transmissor e animais,
principalmente macacos, portadores do vírus. Daí o risco de pessoas não
vacinadas incursionarem em regiões com alta concentração de mosquito,
onde alguns estão contaminados e, por isso, são capazes de transmitir a
doença. Assinale se que, nos últimos 12 anos, tivemos 349 casos confirmados,
com 161 óbitos, todos adquiridos por pessoas não vacinadas que
freqüentaram áreas de mata.
A incidência desses casos variou de ano a ano. Tivemos anos com
apenas três casos, enquanto em outros, como 1999, 2000 e 2003, ocorreram,
respectivamente, 76, 85 e 64 casos, com mortes de 29, 40 e 23 pacientes.
Por que com essas três centenas e meia de casos, em doze anos, não
tivemos transmissão urbana, já que, nas cidades, existe o Aedes aegypti,
transmissor da denaue e da febre amarela?
As razões são três: em primeiro lugar, o número de doentes com febre
amarela silvestre no mesmo espaço urbano e ao mesmo tempo é muito
pequeno, o que reduz significativamente a chance de infectar o mosquito
Aedes aegypti; em segundo lugar, é preciso alta concentração de mosquito, ao
redor de 40% de infestação, o que corresponde a 40 habitações em cada 100
com a presença do mosquito, segundo a OMS, para que seja possível a
transmissão da febre amarela; e em terceiro lugar, porque temos altos índices
de cobertura vacinal na área endêmica, portanto, sem susceptíveis em número
suficiente para sustentar uma transmissão.
A concentração do Aedes aegypti nas cidades brasileiras onde ocorre a
denaue não ultrapassa, em média, 5 domicílios infestados em cada 100,
suficiente para transmitir a denQue devido ao número alto de doentes, mas
absolutamente insuficiente para transmitira febre amarela urbana.
Os que retomam às cidades afetados pela febre amarela silvestre são
hospitalizados e têm desenlace, seja para cura, seja para óbito, em prazo
relativamente curto.
Não há, portanto, nenhuma razão para vacinar as pessoas que não
residem em área endêmica nem pretendem adentrar a mata dessas áreas.
Vi na televisão pessoas que sempre residiram na cidade de São Paulo e
que não pretendem viajar desesperadas, em filas para se vacinarem, alegando
que tinham direito. Certamente não tinham necessidade e se expõem aos
efeitos adversos de uma vacina com vírus vivo.
Nos últimos quatro anos, foram registrados pelo sistema de informação
de efeitos adversos pós vacinacão 478 casos (muito mais que os 349 casos
de febre amarela registrados em 12 anos), desde reações simples até
exantemas generalizados, febre alta e, em dois casos, meninQite.
Em relação à vacina contra a febre amarela, a Fiocruz é, praticamente,
a única produtora em todo o mundo.
Há só um outro laboratório privado no exterior, produzindo cerca de 5
milhões de doses por ano, enquanto a produção da Fiocruz é o dobro.
A corrida pela vacina por pessoas que não precisam dela reduz sua
disponibilidade para os que efetivamente têm necessidade.
Diante da imunização da quase totalidade da população de áreas de
risco, o que vem sendo feita há décadas, as recomendações do Ministério da
Saúde são suficientes, ratificadas por especialistas e pela própria OMS, para
garantir que o país não corre risco de re-introdução de febre amarela urbana,
o que seria catastrófico.
Em um país em que freqüentemente se busca desmoralizar iniciativas
governamentais, disseminando desconfiança na palavra oficial, que se
preserve a seriedade com que são tratados assuntos como a febre amarela.
Nunca é demais ressaltar a luta por recursos para o setor, seriamente
afetada pela decisão inegavelmente democrática, mas, sem dúvida, perversa
que permitiu retirar R$ 40 bilhões destinados a atender a população de baixa
renda e entregá los a empresas e parcelas da população mais bem
aquinhoadas, causando sério risco ao esquema financeiro para o setor.
ADIB D. JATENE , 78, cardiologista, é professor emérito da Faculdade de
Medicina da USP e diretor geral do Hospital do Coração. Foi ministro da
Saúde (governos Coltor e FHC), secretário da Saúde do Estado de São Paulo
(governo Maluf) e diretor do InCor.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua
publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas
brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento
contemporâneo. [email protected]
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