Insper Instituto de Ensino e Pesquisa Faculdade de Economia e Administração Rodrigo Kuttler Raimundi Estudo sobre hiperinflação: Como Hjalmar Schacht e seu plano econômico contribuíram para o combate da hiperinflação alemã na década de 1920 São Paulo 2016 Rodrigo Kuttler Raimundi Estudo sobre hiperinflação: Como Hjalmar Schacht e seu plano econômico contribuíram para o combate da hiperinflação alemã na década de 1920 Monografia apresentada ao curso de Ciências Econômicas, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Vinícius de Bragança Müller e Oliveira – Insper São Paulo 2016 Raimundi, Rodrigo Kuttler Estudo sobre hiperinflação: Como Hjalmar Schacht e seu plano econômico contribuíram para o combate da hiperinflação alemã na década de 1920 / Rodrigo Kuttler Raimundi. – São Paulo: Insper, 2016. pg.28 Monografia: Faculdade de Economia e Administração. Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. Orientador: Prof. Vinícius de Bragança Müller e Oliveira Resumo Durante a década de 1920 a Alemanha sofrera uma grave crise econômica marcada por desemprego elevado e hiperinflação. Apesar de não ser o único país afetado por um cenário hiperinflacionário, a magnitude e a importância econômica desse país torna o exemplo alemão referência neste assunto. Apesar de enfrentar condições hostis, a economia alemã surpreendera a todos com sua rápida recuperação. Reformas estruturais, uma nova moeda e os agentes responsáveis por tal cenário de transição rumo à convergência da estabilização da inflação foram cruciais para tamanho êxito. Dessa forma, o presente trabalho busca explicar como as medidas citadas foram capazes de afetar positivamente a expectativa dos agentes econômicos de modo a ancorar novamente as expectativas, quebrando assim o ciclo vicioso até então de inércia inflacionária que apresentava como produto final desemprego, retração econômica, miséria e fortes agitações sociais como reflexo da indignação popular. Palavras-Chave: Hiperinflação; Alemanha; Rentenmark; Hjalmar Schacht; Dolarização Abstract In the 1920s Germany suffered a very harsh economic crises characterized by high unemployment and hyperinflation. That cenario wasn’t exclusive of Germany, although the high level of hyperinflation and the importance of german economy in europe and the world makes the german case a importante subject in the economic literature. Despite the harsh conditions, german economy surprisingly recover quickly bringing back the growth and the inflation level to a healthy stage. Structural reforms, a new currency and the economic team responsable for the change were crucial for the success. In this way, the present objective is explain how the measures mentioned were able to anchor the expectations breaking the cycle of inflationary inertia and the consequeces as unemployment, economic retraction and social unrest. Sumário 1 . Introdução 7 2 . Metodologia 10 3. Marco Teórico & Literatura Empírica 11 4. Resultados Esperados 20 5 . Argumentação 21 6. Conclusão 22 7. Cronograma 26 8. Referências Bibligráficas 27 7 Introdução A Alemanha vivera em sua história períodos de grande e acelerado crescimento econômico. Prova disso, é o amplo crescimento de sua capacidade industrial chegando a ponto de superar a capacidade de produção de aço de países como Inglaterra que tivera ampla história e tradição desde o período denominado Revolução Industrial. Tal conquista é reflexo direto da avançada ligação aduaneira produzida pelo Zollverein possibilitando o livre comércio entre os Estados germânicos até então. Tal união fora tão forte econômica e culturalmente que culminou na década de 1870 com a unificação alemã. O Estado alemão, contudo, ao final do século de XIX fora marcado por uma série de conflitos. Tais disputas entre Estados europeus tiveram amplos desdobramentos e de tamanha magnitude que historiador inglês Eric Hobsbawn denominou o período como “O longo século XIX” devido ao fato de que tal período histórico servira de arcabouço para eventos futuros no século XX explicando, assim, a nomeação do mesmo historiador do centenário de 1900 como “O breve século XX”. O fervor e agitações militares que marcaram a Europa no século XIX levou os Estados a praticaram intensamente a militarização de suas forças armadas. Tal processo fora propulsionado pelo período de grandes invenções e descobertas nos mais diversos campos da ação humana, algo típico do período intitulado Belle Époque. Apesar do frenesi cultural, a morte do arquiduque do Império Austro-Húngaro, Francisco Ferdinando, provocou o rompimento da paz velada, tendo tal acontecimento sendo o estopim de um dos mais sangrentos conflitos da história conhecido como Primeira Guerra Mundial. Como resultado deste intenso conflito, a união conhecida como Tríplice Aliança formada pelo Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e o Reino da Itália - saíra derrotada do conflito. Após a guerra, o grupo derrotado fora obrigado a assinar um acordo com severas punições sendo, na prática, a Alemanha tendo se responsabilizado quase que sozinha pela ocorrência da guerra. Como resultado, as punições provocaram danos econômicos profundos e um forte sentimento de revanchismo e humilhação no povo alemão. Entre as principais cláusulas, destacam-se: “a) o pagamento de reparações de guerra aos países vencedores, cujo valor seria posteriormente definido; b) a destruição de todos os armamentos e equipamentos de guerra alemães; c) a proibição de edificar qualquer espécie de construção militar na região das margens do rio Reno; d) a perda da região mineradora do Sarre para a França, como compensação aos prejuízos causados durante o conflito; e) a entrega de oficiais alemães 8 nominalmente escolhidos para julgamento; f) a imposição à Alemanha de toda a responsabilidade moral pela guerra; g) a perda dos territórios do Togo (para a GrãBretanha e a França), de Camarões (para a França), da Tanzânia e Namíbia (para a Grã-Bretanha), de Ruanda-Burundi (para a Bélgica), das Ilhas Marianas e Ilhas Carolinas (para o Japão), do Arquipélago de Bismarck (para a Austrália), além da anexação da região da Alsácia-Lorena pela França e da anexação das regiões germânicas da Pomerância, Prússia Ocidental e Alta Silésia pela Polônia. A perda das colônias e de algumas regiões européias reduziu o território do império alemão de 2.915.069 km2 para apenas 540.000 km2 ” (Reis, 2001). Após o término do conflito a situação alemã era alarmante. A guinada momentânea da economia para o estado de economia de guerra provocara elevação dos níveis de inflação durante esse período. Além disso, ao término do conflito a Alemanha havia sido derrotada deixando grandes cicatrizes em sua capacidade produtiva. Dessa forma, a economia alemã vivera nos anos subsequentes à Primeira Guerra Mundial grandes déficits no balanço de pagamentos como resultado direto da redução significativa das exportações e grande aumento das importações refletindo a demanda por abastecimento. Tais fatores provocariam por si só instabilidade econômica. Contudo, dentre os elementos responsáveis pela grave crise econômica na Alemanha, as severas indenizações foram fator crucial para explicar a magnitude que atingira tal crise, já que este elemento é o responsável direto pelo cenário hiperinflacionário (Webb, 1984). Devido à presença de capacidade produtiva insuficiente e a quantias voluptuosas de indenizações, o governo alemão viu-se forçado a arcar com severas dívidas expandindo rapidamente sua base monetária por meio da impressão de moeda. O resultado direto de tal política foi o aumento de inflação que posteriormente viria a se agravar em uma hiperinflação. Indiscutivelmente, a economia alemã neste período vivera momentos de grande fragilidade observada na passagem: “ ‘Era da inflação’ é, para todos os que ainda se lembram: bloqueio da entrada de alimentos no país, entrega de bens a potências estrangeiras, inexistência de direitos políticos, revolução social, enriquecimento repentino de figuras obscuras. Perda substancial das classes até então abastadas, empobrecimento da pequena, média e alta burguesias. Corrupção entre políticos e funcionários públicos, negociatas políticas entre os partidos, as Forças Armadas e os ministérios. Mortalidade infantil crescente, criminalidade crescente, jovens deformados por causa do raquitismo, morte prematura dos idosos. Tudo isso e muito mais está contido nas palavras ‘era da inflação’ ”(Schacht, 1999, p. 219). 9 A Alemanha não fora o único nem o maior exemplo de hiperinflação da história. Contudo, devido à importância econômica alemã, a hiperinflação neste país destacou-se perante a casos como o húngaro, o maior registrado na história, que chegou a alcançar inflação de 195% ao dia. Além disso, o caso alemão destaca-se dos demais por apresentar melhora significativa de modo tão espontâneo quanto o seu surgimento. O sucesso no combate à hiperinflação é reflexo direto da atuação do economista alemão Hjalmar Schacht que à frente do desafio imposto a este, soube conduzir e entender as necessidades da economia alemã. Dessa forma, ressalto que apesar de o presente trabalho focar sua pesquisa e dissertações com foco claro na economia alemã, o presente trabalho se mostra muito atual e importante para diversas economias. O primeiro motivo é o fato de economias como o Zimbábue e outras economias de pequeno porte ainda lidarem com cenários hiperinflacionários. Apesar de causas distintas, a hiperinflação alemã e a hiperinflação vivenciada no Zimbábue possuem consequências comuns, tais como, o desarranjo econômico e a desordem social. A cerca de eventos dessa magnitude, o historiador Adam Fergusson em sua obra publicada em 1975 Quando o Dinheiro Morre relata: “ O fato de que as causas da inflação ocorrida na República de Weimar, bem como toda a conjuntura da época, dificilmente irão se repetir é o de menos. A pergunta a ser feita – ou perigo a ser reconhecido – é como a inflação, qualquer que seja a sua causa, afeta uma nação”. Para fins ilustrativos a Tabela 1 demonstra abaixo a hiperinflação vivenciada no século XXI no Zimbábue. Tabela 1 Hiperinflação no Zimbábue Data Março de 2007 Abril de 2007 Maio de 2007 Junho de 2007 Julho de 2007 Agosto de 2007 Setembro de 2007 Outubro de 2007 Novembro de 2007 Dezembro de 2007 Janeiro de 2008 Inflação mensal (%) 50,54 100,70 55,40 86,20 31,60 11,80 38,70 135,62 131,42 240,06 120,83 Inflação anual 2.200,20 3.713,90 4.530,00 7.251,10 7.634,80 6.592,80 7.982,10 14.840,65 26.470,78 66.212,30 100.580,16 10 Fevereiro de 2008 Março de 2008 Abril de 2008 Maio de 2008 Junho de 2008 Julho de 2008 Agosto de 2008* Setembro de 2008* Outubro de 2008* Novembro de 2008* 125,86 281,29 212,54 433,40 839,30 2.600,24 3.190,00 12.400,00 690.000.000,00 79.600.000.000,00 164.900,29 417.823,13 650.599,00 2.233.713,43 11.268.758,90 231.150.888,87 9.690.000.000,00 471.000.000.000,00 3.840.000.000.000.000.000,00 89.700.000.000.000.000.000.000,00 Fonte: Dados fornecidos pelo Banco Central do Zimbábue de Março de 2007 até Julho de 2008 Obervação: Em virtude do fim da divulgação, os dados de Agosto de 2008 até Novembro de 2008 são projeções da Imara Asset Management Zimbabwe O segundo, e de maior importância, é entender e demonstrar como as medidas econômicas implantadas e os agentes responsáveis por tais mudanças, no caso alemão Hjalmar Schacht, ocasionam alterações significativas no impacto das expectativas dos demais agentes econômicos. Metodologia O presente trabalho busca compreender por meio de uma extensa revisão literária como as políticas econômicas adotadas e os agentes responsáveis por tais modificações alteraram as expectativas dos agentes econômicos de modo sanar o cenário hiperinflacionário. Para tanto, os trabalhos serão utilizados como referência para interpretar aspectos não tangíveis das reformas no impacto da expectativa dos agentes econômicos como, por exemplo, o impacto que o viés ideológico do agente responsável pelo ajuste causa na economia. Além disso, serão coletados dados macroeconômicos alemães do período para que seja possível verificar e compreender os movimentos econômicos do período refletindo inclusive de forma direta e/ou indireta o nível de confiança dos agentes frente a economia alemã. Dessa forma, o presente trabalho não utilizará modelos estatísticos teóricos, mas sim uma estatística descritiva das variáveis a serem descritas a seguir. Com isto, o propósito destes dados é identificar temporalmente pontos de inflexão nas variáveis macroeconômicas que afetam direta e indiretamente a inflação e buscar quais acontecimentos motivaram a alteração da tendência dos mesmos. 11 Para realizar tal análise o presente trabalho utilizará as seguintes variáveis: PIB: Total de riqueza produzida por um país sendo medido como a soma do bens e serviços por este produzido Inflação: Variação no nível de preços de uma cesta de bens estabelecida como base que busca refletir o consumo da população Base Monetária: A quantia de papel-moeda emitida pelo Banco Central de um país Reservas Monetárias: Quantia estocada pelo Banco Central sob a forma de moedas estrangeiras e ouro com o intuito de garantir liquidez e lastro à economia nacional A base de dados composta pelas variáveis citadas foi obtida a partir de dados utilizados pelos trabalhos citados como referência para a elaboração do presente trabalho. Assim, sendo a análise do trabalho contemplará o período entre 1919 e 1924. Por fim, vale a ressalva que as variáveis não apresentam a mesma periodicidade sendo a inflação apurada mensalmente, enquanto que dados como o PIB, Base Monetária e Reservas Monetária possuem dados anuais. Marco Teórico & Literatura Empírica O fim da Primeira Guerra Mundial marcou o término do embate bélico entre as principais potências europeias. Contudo, as disputas continuaram mesmo após o embate físico. Visando reestabelecer o equilíbrio no continente europeu e restaurar a paz fora elaborado o Tratado de Versalhes que impusera grandes sanções e intervenções deixando claro o rancor com a jovem nação até então. Cientes das pesadas cláusulas, diplomatas e economistas alemães buscaram negociar os termos do tratado em vão. Mesmo dentro da Tríplice Entente, o grupo vitorioso do conflito, ícones importantes se manifestaram contra as pesadas cláusulas. Dentre os que se opuseram estavam o economista inglês John Maynard Keynes, o senado norte-americano e o então ministro britânico Winston Churchill. Outra figura a se opor ao acordo era Hjalmar Schacht. Hjalmar foi um economista de enorme prestígio e com ampla atuação em cargos econômicos do governo alemão durante as décadas de 1920 e 1930. Sua carreira foi inicialmente marcada pela participação em cargos de 12 diretoria de grandes bancos alemães, contudo as grandes reparações exigidas lhe afligiam imensamente a ponto de transitar de seu cargo como diretor de uma grande instituição financeira para participar mais ativamente da vida pública ajudando a trilhar novos horizontes na economia alemã. Ideologicamente, Hjalmar era descrito como: “Era um liberal, a favor do livrecomércio e da não-intervenção estatal na economia. No entanto, quando se defrontou com problemas práticos, abandonou suas convicções e adotou o comércio bilateral e a intervenção do Estado na economia.” (Couto e Hackel, 2007) Seu primeiro grande desafio fora corrigir a política econômica de monumental expansão da base monetária para realizar os pagamentos exigidos como reparação da guerra. Isso fez com que a inflação tivesse viés explosivo o que resultou no grave cenário de hiperinflação, especialmente após decretar o fim da capacidade de pagamento em 1923. Como consequência, as nações vencedoras tomaram a região do Ruhr. Buscando evitar a transferência de riqueza o governo interviu, como mostra o trecho: “A suspensão dos pagamentos das reparações de guerra levou a França e a Bélgica a ocuparem a rica região do vale do rio Ruhr, em janeiro de 1923. A Alemanha, visando evitar que as empresas e trabalhadores do Ruhr produzissem carvão e aço para os invasores, passou a pagar as empresas para não produzirem. Para financiar essa “resistência passiva”, o governo alemão recorreu à emissão de papel-moeda. A grande soma gasta na resistência passiva fez com que a Alemanha perdesse completamente o controle das finanças públicas.” (Couto e Hackel, 2007) Dessa forma, a inflação apresentou grande evolução mensal como mostra a Tabela 2 abaixo: Tabela 2 Inflação alemã mensal em porcentagem no período (1919 - 1924) Mês Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro 1919 6,94 3,05 1,48 4,38 3,85 3,70 10,06 0,49 16,82 1920 56,41 34,16 1,43 -8,31 -3,77 -8,36 -1,09 60,70 3,31 1921 -0,07 -4,38 -2,76 0,90 -1,36 4,43 4,54 34,24 7,82 1922 5,10 11,95 32,42 16,97 1,62 8,86 43,09 90,87 49,48 1923 88,68 100,68 -12,48 6,63 56,75 137,27 285,80 1162,31 2431,67 1924 -7,01 -0,98 3,87 2,80 -1,28 -5,36 -0,78 4,35 -5,83 13 Outubro Novembro Dezembro 14,00 0,64 18,44 -2,14 19,01 97,21 29607,11 3,14 2,93 38,86 103,89 10121,13 -1,53 -4,57 2,08 27,82 73,85 1,55 Média mensal no ano Mediana mensal no ano Desvio padrão mensal no ano 6,99 4,12 6,34 10,89 8,61 40,77 0,17 3,26 30,12 24,88 14,43 37,20 3671,62 118,98 8658,37 -0,59 -0,88 3,90 Média mensal no período (1919 1924) 623,05 Mediana mensal no período (1919 1924) 4,41 Desvio padrão mensal no período (1919 - 1924) 3674,25 Fonte: Visconti (1987, página 8) Como resultado direto do processo hiperinflacionário a sociedade demandou rápida adaptação das instituições para atender a seus anseios, no caso, a manutenção da paridade real do poder de compra. Para tanto, foram criadas novas entidades e novas metodologias capazes de capturar a inflação corrente com mais precisão. Sobre isso Gustavo H. B. Franco em seu estudo “ O milagre do rentenmark: uma experiência bem sucedida com moeda indexada” relata: "Os contratos coletivos se adaptaram ao ambiente inflacionário de duas maneiras básicas: primeiro, as cláusulas salariais começaram a ser definidas independentemente do resto do contrato, acelerando consideravelmente o processo de negociação coletiva; e, segundo, o período coberto pelas cláusulas salariais seria progressivamente reduzido. Antes da guerra, os contratos e suas respectivas cláusulas salariais duravam, de maneira geral, cerca de um ano. No início de 1921 esses prazos foram reduzidos para uma média de um a três meses; posteriormente, em 1922, os contratos raramente eram firmados para mais do que uma semana ou uma quinzena. Nos últimos estágios do processo, há relatos sobre salários sendo renegociados diariamente; a negociação coletiva era então descrita como "contínua". A generalização da indexação foi, de início, dificultada pelo fato de não existir um índice confiável de custo de vida, o que se revelou um problema de caráter institucional de certa complexidade. Apenas em fevereiro de 1920 um índice oficial de custo de vida seria introduzido. Antes disso, as negociações trabalhistas eram conduzidas com base numa multiplicidade de índices privados calculados por federações, indústrias e sindicatos específicos e autoridades locais. Muito freqüentemente, a discussão sobre a metodologia a ser utilizada na elaboração do índice terminava confundindo-se com as próprias questões trabalhistas em 14 discussão. Os índices oficiais foram revistos e aperfeiçoados de diversas formas, na medida em que se tornaram necessários para a implementação de grandes acordos coletivos envolvendo cláusulas de escala móvel.” (Franco, Gustavo H. B.1988) Apesar do consenso entre os economista e acadêmicos de que a Alemanha no período do pós-Primeira Guerra vivenciou um conturbado período hiperinflacionário, não há um consenso quanto à definição de hiperinflação. Para Zini Júnior (1993, p. 2) o processo hiperinflacionário é aquele em que a economia enfrenta taxas de 1000% a.a., ou seja, o equivalente a uma inflação mensal de 22% a.m. Gustavo Franco, por outro lado caracteriza hiperinflação como o processo em que a inflação mensal supera a barreira dos 50% a.m. (Franco, 1995). Apesar de não haver consenso em sua definição, Couto e Hackel se concentram nas diferenças não somente na magnitude das taxas, mas observam a alteração das funções do papel-moeda como mostra a passagem: “No entanto, podemos acrescentar outra característica que diferencia os dois processos: as funções da moeda. Num processo de inflação, a moeda perde suas funções de reserva de valor e meio de conta, mas ainda é aceita como meio de pagamento. Já num processo de hiperinflação, a função de meio de pagamento da moeda também é perdida, pois os agentes passam a adotar uma outra moeda para essa finalidade.” (Couto e Hackel, 2007, p. 320). Assim, foi verificado um curioso fenômeno em decorrência do processo inflacionário e posteriormente hiperinflacionário. Durante o início do processo inflacionário, o crescimento do produto alemão cresceu mesmo em termos reais, pois o agente econômico na posse de papel moeda imediatamente consumia buscando minimizar o impacto da corrosão real do valor do papel moeda. Assim, elementos do PIB como consumo e investimento cresceram, enquanto que a poupança interna do país se reduziu a níveis irrisórios. No entanto, esse curioso fenômeno fora momentâneo tendo o processo inflacionário ocasionado em grande perda do poder de compra da população, recessão econômica, elevados níveis de desemprego e perda funcional da moeda devido a cotação das mercadorias em outras moedas como o dólar e a libra esterlina. A situação econômica nesse período era insustentável e as agitações de direita e esquerda eram cada vez mais frequentes e com mais força pelas regiões da Alemanha. O governo alemão entendia a necessidade de alteração da política vigente tendo como alternativa a criação de uma nova moeda. Contudo, o cargo de presidente do banco central alemão (Reichsbank) era vitalício e seu presidente manifestava-se contrário a tal medida. Com isso, o 15 Reichsbank sofrera fortes críticas internas e externas devido a seu posicionamento passivo diante de tamanha situação, tendo alterado sua postura sob a direção de Schacht. Schacht orquestrou grandes alterações na política econômica, sendo seu plano conhecido como Rentenmark. A base desse programa de reformas era a criação de uma nova moeda indexada à valores imobiliários e a fixação da taxa de câmbio. Franco ainda expõem fatores como a combinação de emissão de rentenmark e a reforma fiscal praticada como elementos vitais para a eficácia quase que instantânea verificada. Originalmente, a ideia de uma nova moeda indexada foi elaborada por Karl Hefferich um deputado e acadêmico estudioso da economia. A moeda proposta por ele seria indexada no centeio, porém devido a existência da grande volatilidade do preço do centeio, algo típico de commodities, impediu a implementação do então “marco-centeio”. A ideia agradou estudiosos e o parlamento alemão servindo de base para a formulação do rentenmark. A ideia da criação de uma nova moeda indexada não era novidade na Alemanha. Sobre tal fato Franco expõem a realidade vivida na Alemanha através da seguinte passagem: “Diversos tipos de moedas privadas e semi-oficiais existiram durante a hiperinflação alemã. Em 1922, por exemplo, foi fundado o Roggenrentebank, que emitiu sua primeira letra de câmbio denominada em centeio em dezembro de 1922. No início de 1923 diversas entidades municipais, estaduais e de utilidade pública - começaram a emitir empréstimos denominados em commodities como o centeio, carvão e outros, mas cotados em marcos de acordo com a cotação diária dessas commodities.” (Franco, G.H.B , 1988) Para ilustrar a realidade da desordem econômica a Tabela 3 apresenta o grande número de moedas indexadas presentes na Alemanha durante esse período apresentada em um jornal da época: Tabela 3 Empréstimos com valores físicos Cotação de 12-08-1923 (in Frankfurt Gazette) Órgão Emissor Mercadoria (indexador) Roggenrentenbank Série I Série II Série III Centeio Valor em dólares (US$ mil) 400.000 400.000 400.000 130.000 16 Série IV Banco do Estado de Oldenburg Estado de Mecklenburg Série I Série II Estado da Prússia Série I Série II Estado de Anhalt Município de Berlim Município de Dresden Munícipio de Goettingen Munícipio de Bernburg Estado da Saxônia Distrito de Sandershaausen Igreja evangélica da Turíngia Igreja evangélica de Anhalt Município de Hannover Município de Aschorsleben Badenwerk Série I Série II Grosskrafwerk Mannhein Estado da Westfália Série I Série II Estado de Hessen Badenburgische Kreis Elektric Mitteldeutschland-Cassel Elektric Stadtischenlicht Wasserwerk Série I Série II Município de Goppingeen Estado da Prússia Série I Série II Série III Rheniland Main-Donau Neckar Suddeutsche Fesvertband Stutgart Shleswig-Holsteinische Elektrizit Bayer Grosskraftwerke Estado de Hamburgo Município de Lubek Total 114.000 220.000 Centeio Centeio 50.000 70.000 Centeio 230.000 244.000 40.000 53.000 32.000 10.000 4.900 500.000 70.000 30.000 18.000 30.000 12.000 Centeio Centeio Centeio Centeio Centeio Centeio Centeio Centeio Centeio Trigo Trigo Carvão 650.000 650.000 420.000 Carvão Carvão 490.000 490.000 240.000 100.000 350.000 Linhita Linhita Coque Coque Potássio Ouro Ouro Ouro Ouro Ouro Libra Esterlina Coroas Suecas 230.000 520.000 520.000 500.000 250.000 365.000 66.500 4.326.500 530.312 14.741.212 17 Fonte: Robert, P. M. (1926, p. 94-104). Inicialmente, Hjalmar se mostrou contrário a esta ideia heterodoxa. Hjalmar havia proposto um plano econômico ortodoxo baseado na criação de uma moeda indexada ao ouro. No entanto, acabou por aprovar a ideia por meio da justificativa de que tal moeda serviria apenas como instrumento de indexação. A respeito do rentenmark, Hjalmar descreve: “Quando a Alemanha intentou em 1923 frear por seus próprios meios a inflação, mediante a introdução de uma nova moeda, isto não se verificou mediante o Roggenmark [marco-centeio] proposto por Helfferich [dirigente do partido nacional alemão], porque o centeio, com suas oscilações de preços a curto prazo, resultava impossível para ser contemplado como base monetária e, quando em lugar do Roggenmark se propôs o Rentenmark [marcorenda], que tinha sua cobertura nos bens raízes, não terminou ali essa medida, senão que se agregou ao Rentenmark um valor ouro, constituído pelo mesmo valor do ouro que tinha o Reichsmark antes da inflação. Já é tempo de que desapareça de uma vez por todas a lenda do Rentenmark. O Rentenmark era uma construção impossível desde o ponto de vista monetário. Nunca tinha constituído tampouco um meio de pagamento total” (Schacht, 1950, p. 33). Com o intuito de estudar a estabilização de processos hiperinflacionários, Gustavo Franco explica em “ Alternativas de estabilização: gradualismo, dolarização e populismo” (Franco, G.H.B. 1993) dois elementos centrais que desmistificam o “milagre” do rentenmark: a âncora cambial e sistemas bimonetários. A âncora cambial é o mecanismo pelo qual o preço dos bens passa a ser cotado em uma moeda estrangeira mais forte e estável. Por meio desse processo, a economia passa por um processo de dolarização. Sobre esse processo Franco argumenta: “É interessante considerar, além disso, que diversos indexadores foram empregados, mas a taxa de câmbio era a escolha mais freqüente, uma vez que se encontrava disponível em bases diárias, e também em função de sua correspondência com padrões de medida monetária anteriores à guerra (o marco-ouro), além de seu importante papel numa economia com intensas relações com o exterior. "Dolarização" foi o termo adotado para caracterizar esse processo, e sua evolução na Alemanha, descrita minuciosamente por Gerald Merkin (1982), muito se assemelha àquela observada em outras hiperinflações. É importante observar nesse sentido que, em uma economia inteiramente dolarizada, a taxa de inflação em marcos perde significado, 18 dado que todas as transações econômicas são indexadas ou designadas em moedas estrangeiras. Na verdade, a "dolarização" pode ser vista como "um meio de reduzir a taxa de inflação economicamente relevante". Mais especificamente, observou-se que "a taxa de inflação em dólar declinou bem antes de estabilização das taxas em termos de moeda nacional. Nas fases finais de hiperinflação, a moeda nacional praticamente desapareceu e todas as transações eram realizadas em moedas estrangeiras. Nesse ponto, provavelmente, a melhor medida efetiva de taxa de inflação era a taxa de desvalorização cambial”. (Franco, G.H.B 1988) A âncora cambial por vezes está atrelada à sistemas bimonetários. Tais sistemas são uma das alternativas para induzir um sistema monetário à dolarização. Para tanto cria-se uma nova moeda dolarizada em um sistema monetário com uma moeda contaminada pela hiperinflação. Dessa forma, a nova moeda dolarizada é percebida pelos agentes econômicos como de melhor qualidade fazendo com que os indivíduos queiram se desfazer da moeda de pior qualidade em busca da nova moeda. Isso faz com que a nova moeda passe a exercer funções que a moeda vista como de pior qualidade perdera como, por exemplo, a reserva de valor. Logo, o intuito é que a nova moeda com o tempo passe a exercer o papel de nova moeda do país com a aceitação no mercado e assim exercendo as funções de meio de troca, reserva de valor e unidade de conta. Apesar de eficaz, a instalação de um sistema bimonetário com o objetivo de combater processos inflacionários é extremamente complexo. Para atingir o resultado esperado com sua formulação é necessário a percepção dos agentes econômicos de que a nova moeda possui qualidade superior e que a economia passe por um processo de ajuste fiscal para endossar e eliminar as raízes do processo inflacionário. Isto ocorreu na Alemanha por meio do rentenmark e no Brasil por meio da Unidade Real de Valor (URV) com o Plano Real. Sobre o assunto Franco expõem: “O passo mais importante, todavia, é o que transforma uma engenharia financeira esperta (a de concepção da nova moeda, ou título, que tenha valor estável em dólar) numa reforma monetária: fazer a conexão da moeda nova com o orçamento público. Na verdade, não é difícil inventar a um título ou moeda indexada que seja confiável e que tenha valor estável com relação ao dólar, no gênero rentenmark (...) O passo realmente decisivo para a estabilização é o de transformar a moeda nova na moeda nacional, ou seja, quando a conexão é estabelecida entre a nova moeda e as finanças públicas. Nesse momento, a moeda velha deixa de existir e a qualidade da nova moeda passa a depender da qualidade da gestão das contas públicas. Se não houver uma modificação qualitativa nesse terreno, isto é, se não houver uma mudança de 19 regime, a moeda nova em nada será diferente da velha, e o esforço terá sido em vão” (Franco, G.H.B 1993). O sucesso alemão do rentenmark deve-se em parte considerável às reformas e controles de gastos o que possibilitou uma nova trajetória de gastos públicos. Além disso, a percepção da sociedade alemã como uma moeda de qualidade facilitou a recuperação da estabilidade econômica. Isso se deve em parte a existência de um grande número de moedas emitidas por entidades privadas. Logo, o rentenmark atuou como unificador dessas moedas indexadas à, em geral, commodities o que causou forte impacto psicológico na sociedade alemã permitindo combater o processo de inércia inflacionária contendo a expectativa dos agentes econômicos. Essa conclusão tem sido compartilhada por vários estudiosos como é possível verificar no trecho: “A respeito dos empréstimos-ouro, argumentava que "o público ficou hipnotizado pela palavra wertbestandiges escrita na nova moeda". Acrescentava ainda que o rentenmark era uma moeda fiduciária inconversível tanto quanto o marco-papel, apenas com um outro nome; um ponto que é endossado por Thomas Sargento De acordo com ele, "embora tenha se atribuído' um extraordinário efeito psicológico a essa mudança de unidade, é difícil atribuir qualquer efeito substancial ao que nada mais era que uma medida cosmética". Outros autores, mesmo os não-monetaristas, têm apresentado análises similares: Angell referiu-se ao rentenmark comreo um "truque de expectativas". Para Stolper era um "artifício psicológico"59 e para Graham "nada mais que um novo tipo de papel inconversível". Mais recentemente, Karl Hardach ressaltou novamente que a cobertura para as notas de rentenmark era fictícia, ainda que tivesse produzido "os efeitos psicológicos desejados". O Steven Webb qualificou o experimento da "fábula". ” (Franco, G.H.B 1988) Apesar de o fator psicológico ter importância fundamental, estudos mais contemporâneos sobre a hiperinflação alemã mostram que este não fora o fator determinante, para o combate à hiperinflação sendo a fixação da taxa de câmbio como vital para o sucesso da reforma econômica. Isso porque a adoção da taxa de câmbio fixa entre marco e rentenmark ocasionava indiretamente a fixação do marco com o dólar possibilitando um ataque efetivo à inflação. Franco explica o processo no trecho: “A estabilização foi alcançada basicamente por intermédio da fixação da taxa de câmbio no contexto de uma economia dolarizada. O elemento decisivo e peculiar do caso alemão foi inquestionavelmente a experiência do rentenmark. Partiu-se do simples princípio de que títulos 20 indexados têm "valor estável" no sentido que, para uma taxa de câmbio real dada, títulos indexados na moeda estrangeira teriam preços em dólar constantes ou ao menos estáveis independentemente do nível de inflação. Este princípio já era bem conhecido pelo público alemão antes do rentenmark em função da disseminação anterior de moedas de "valor constante" ou wertbestandiges. Assim sendo, o governo pode facilmente dar um pequeno passo à frente, emitindo notas de "valor constante" e em seguida usando-as como substitutos de moedas estrangeiras nas carteiras do público, conseguindo, desta forma, estabilizar o câmbio.” (Franco, G.H.B 1988). Resultados esperados O plano econômico liderado por Hjalmar Schacht redefiniu os rumos econômicos alemães, convergindo novamente para uma economia sólida. Este objetivo alcançado com maestria sempre fora mantido enquanto esteve em posições capazes de definir o trajeto econômico a ser trilhado. As soluções apontadas por esse ícone do século XX sempre foram carregadas de criatividade e por isso carrega o rótulo de ser um economista heterodoxo, mesmo afirmando em sua autobiografia ser liberal e fortemente contrário à intervenção do Estado na economia. Como consequência do sucesso de seus projetos econômicos, ganhou admiradores na Alemanha e no exterior. Esse prestígio levou a diversos encontros e diálogos para a captação de recursos no exterior para a reconstrução da indústria alemã, tendo firmando importante alianças como, por exemplo, o acordo de empréstimo de libras esterlinas junto ao banco central inglês para a criação de um novo banco chamado Golddiskontbank. Dessa forma, o presente trabalho busca compreender dois aspectos. O primeiro é entender como a dinâmica macroeconômica dos planos de Schacht alteraram a expectativa inflacionária conseguindo quebrar a inércia inflacionária. Logo, o primeiro resultado esperado é evidenciar que a nova moeda denominada rentenmark utilizada como indexador e a contração da política fiscal resultaram em uma nova âncora para a expectativa dos agentes econômicos, se aproximando do contemporâneo Plano Real e o indexador de Unidade Real de Valor (URV). Por fim, o segundo objetivo do trabalho é destacar a importância da presença da figura prestigiada de Hjalmar Schacht na condução dos projetos econômicos alemães. Logo, desejase verificar como a presença deste indivíduo que fora apelidado de “mago das políticas 21 públicas” contribuiu para acelerar o processo de ancoragem das expectativas dos agentes racionais. Argumentação O processo de controle e eliminação da hiperinflação vivenciada na Alemanha na década de 1920 fora resultado de um conjunto de fatores políticos e econômicos administrados pelo então nomeado presidente do Banco Central Alemão no fim do ano de 1923. A contenção deste processo de grave magnitude ocorreu com a implementação de um projeto audacioso de quatro pilares principais: a renegociação das reparações de guerra, a contração de empréstimos no exterior, a criação de novos impostos e a criação de uma nova moeda. Tais medidas foram acordadas em um tratado entre Alemanha e as principais potências para recuperar a economia alemã pós Primeira Guerra Mundial, resultando no chamado Plano Dawes (1924). A cerca do Plano Dawes, os autores Couto e Hackel (Couto e Hackel, 2007) relatam: “O Plano Dawes foi assinado por ambas as partes em agosto de 1924, porém o total das reparações não foi fixado. O relatório final do Plano tinha os seguintes pontos principais: a) reforma monetária para estabilizar o marco (já realizada por Schacht); b) criação de novos impostos, para sanear o déficit público; c) revisão dos valores das reparações (o montante a ser pago anualmente seria de 1 bilhão de marcos-ouro nos quatro primeiros anos, e depois 2,5 bilhões pelos anos seguintes); d) empréstimos oferecidos pelos Estados Unidos; e) a França retiraria parte de suas tropas da Alemanha; f) reestruturação do Reichsbank, com a introdução de um grêmio fiscalizador”. O projeto visualizado desde seu esboço era ousado. A grave situação alemã demandava ações coordenadas em âmbitos fiscal e monetário. Em conjunto, as propostas sem sombra de dúvidas resultaram no sucesso observado pelo plano de Hjalmar, contudo as outras medidas seriam inócuas caso não houvesse a renegociação dos pagamentos de reparações de guerras. Tal renegociação permitiu à Alemanha reduzir, aumentar o prazo e, ainda, conseguir um prazo de carência para quitar as reparações de guerras. A reforma monetária orquestrada por Hjalmar através da criação do rentenmark teve impacto crucial na recuperação alemã. Domesticamente, a nova moeda através de uma nova âncora cambial permitiu uma intensa transformação na expectativa dos agentes econômicos o que permitiu reduzir a grande inflação inercial e, assim, conter a hiperinflação. 22 Internacionalmente, a figura de Hjalmar ganhou imenso respaldo, fazendo com que países como Estados Unidos contribuíssem por meio de empréstimos para a reconstrução alemã. Os empréstimos concedidos à Alemanha possuíam como intuito básico estimular a atividade industrial. A capacidade do parque industrial alemão foi severamente afetada devido a conflitos da Primeira Guerra Mundial ou a sanções impostas pelos países vitoriosos do conflito que obrigaram a Alemanha a fornecer parte significativa da produção como forma de pagamento a estes países. A tabela a seguir expõe a queda na produção industrial tendo seu ápice o ano de 1923 reflexo da severa crise econômica deste período. Índice de renda real agregada da população industrial alemã: 1913 = 100 1920 60-85 1921 75-105 1922 70-90 Janeiro - Agosto 1923 58-76 Novembro 1923 36-47 Fonte: Graham (1930), p. 315, atribuído a I. B. L., Geneva. Através da prospecção de crédito no exterior Hjalmar Schacht promoveu duplo incentivo à economia alemã. Ao destina-los à indústria Hjalmar objetivava produzir com o intuito de exportar parcela significativa para conseguir receita promovendo uma balança comercial superavitária e, assim, quitar os empréstimos. Além disso, a atividade industrial gerava emprego e estimulava os demais setores da atividade econômica o que permitiu maior arrecadação tributária graças ao arrocho fiscal instalado e ao efeito renda, já que um maior produto interno bruto possibilitava maior arrecadação fiscal. Para tanto, os gráficos e tabelas abaixo demonstram a trajetória crescente do PIB e PIB per capta alemão a partir do ano de 1924 quando entra em vigor o Plano Dawes. Conclusão O conflito armado no início do século XX rompeu a paz velada vivenciada na Europa. A Primeira Guerra Mundial é materialização em forma de destruição das tensões existentes no 23 continente europeu até então, sendo o embate bélico a explosão da clássica metáfora do “barril de pólvora” que era o continente europeu. Dentre as origens do conflito pode-se destacar o interesse econômico. Tal interesse se manifestava por meio do desejo em anexar territórios coloniais ou mesmo áreas de grande domínio econômico como era o caso de territórios na América do Sul. Além do interesse econômico, a Europa vivenciava o fortalecimento de movimentos nacionalistas que resultaram, como por exemplo, nos movimentos de unificação alemã e italiana. Assim, o interesse econômico foi potencializado pelo nacionalismo levando a um sentimento de revanchismo entre os novos países que almejavam posições coloniais e as antigas potências que se viam prejudicadas pela ascensão de novas nações. O resultado final do conflito teve como vencedor a Tríplice Entente. Apesar de vencer, tais países tiveram grandes cicatrizes socioeconômicas. Do ponto de vista econômico, a guerra danificou severamente a capacidade industrial e, por conta da expansão monetária para financiar a atividade bélica, trouxe a inflação como consequência. Por parte dos países derrotados, as consequências foram, de maneira geral, similares, no entanto amplificadas. Dentre tais países, destaca-se a Alemanha, país este que é alvo do presente estudo. Por conta da assinatura do Tratado de Versalhes (1919), pesadas imposições foram impostas a este país sendo, na prática, responsabilizada praticamente pela totalidade do conflito. Do ponto de vista social, forte sentimento de revanche e humilhação aflorou no povo alemão. Economicamente, as pesadas e contestadas indenizações, inclusive por parte dos países vencedores, resultaram na desordem macroeconômica. Como solução, o governo alemão expandiu exponencialmente sua base monetária imprimindo papel-moeda o que resultara em processo hiperinflacionário sem precedentes pelo porte do tamanho e importância da economia alemã. A origem do processo hiperinflacionário alemão e os cenários de inflação relativamente elevada das potências europeias possuem a mesma origem: o abandono do padrão-ouro. De maneira sintética, o padrão-ouro é uma forma de organizar a política monetária de um país vinculando o tamanho da base monetária as reservas de ouro que este país possui. Quando o país apresenta um desequilíbrio em sua balança comercial como, por exemplo, um superávit há um fluxo de entrada de reservas de ouro para este país. Por conta dessa entrada, há um aumento da expansão da base monetária o que gera o aumento do nível de preços tirando a competitividade dessa economia extinguindo o superávit da balança comercial. Ao manter este 24 tipo de política monetária, o banco central possui uma política monetária passiva já que não pode expandir ou contrair sua base monetária sem que haja um aumento ou redução das reservas de ouro deste país. Apesar de não controlar a política monetária, esse sistema permite que desvios de inflação sejam corrigidos de maneira rápida o que evita a ocorrência de cenários de inflação elevada vivenciados no pós-guerra. Contudo, apesar das vantagens que o padrão-ouro possibilita como a estabilidade no nível de preços, a eclosão de um conflito armado demandou das nações uma transição para uma economia de guerra. Nesta, o banco central possuía uma política monetária ativa conseguindo expandir sua base monetária por meio da emissão de títulos junto a seus cidadãos e por meio da contração de crédito no exterior. Inicialmente, as nações esperavam um conflito breve, todavia, o entrincheiramento e as novas tecnologias prolongaram o conflito o que resultou em uso excessivo dos dois principais meios de financiamento. Durante esse período em que as potências europeias permaneceram em conflito, os Estados Unidos surgiram como país de papel chave na dinâmica global. Por conta da adaptação da indústria europeia para a fabricação de armamento e outros equipamentos bélicos, houve grande demanda por parte destes países de bens manufaturados. Cientes da oportunidade comercial, o Congresso norte-americano permaneceu neutro durante esse conflito por um longo período. Além do comércio com as potências europeias, a repentina interrupção e a grande dependência de produtos manufaturados fizeram com que as colônias ex-colônias dependessem do comércio norte-americano para se abastecer. Sobre tal fato, Jeffrey A. Friden em Capitalismo Global História econômica e política do século XX (pág. 147) relata: “ Como os beligerantes haviam abandonado o mundo em desenvolvimento, e até mesmo suas colônias, para lutarem pelos próprios países, o caminho estava aberto para o capital e as exportações de manufaturados norte-americanos. A mudança mais gritante ocorreu na América do Sul, onde interesses europeus reinavam intocáveis havia séculos. Mesmo na época da diplomacia das canhoneiras, a influência norte-americana se limitava à Bacia do Caribe. Em menos de uma década a partir do início da guerra, os Estados Unidos partiram para a dominação financeira, comercial e industrial na América do Sul”. Além de fornecedor de manufaturas, os norte-americanos adotaram, simultaneamente, outro papel relevante para as potências europeias: o de credor. A expectativa das nações envolvidas inicialmente no conflito era de que o conflito seria breve e, dada a não materialização deste evento, houve a necessidade de grande financiamento estrangeiro o que é descrito por Jeffrey A. Friden em Capitalismo Global História econômica e política do século 25 XX na seguinte passagem: “A atividade do J.P. Morgan se inverteu. Agora, o banco convencia os norte-americanos a apostarem nos empréstimos europeus e britânicos. Ao longo de um ano e meio, a partir de outubro de 1915, o J.P. Morgan e alguns bancos associados levaram para Wall Street US$2,6 bilhões em títulos para os aliados. A soma era enorme, o dobro de toda a imensa dívida do governo norte-americano na época”. Assim, identificam-se as causas da hiperinflação como semelhante às causas que levaram a um aumento de nível de preço no pós-guerra nas demais nações europeias. No entanto, as diferenças residem na magnitude em que foram implementadas a impressão do papel-moeda e do fluxo de financiamento por parte de estrangeiros. Apesar de marcante a expansão monetária alemã, o que realmente a torna singular é hiperinflação gerada como consequência e a rápida correção deste cenário. Dessa forma, Hjalmar Schacht assume grande importância como líder de um projeto heterodoxo de resgate da economia alemã. O plano elaborado por Hjalmar e sua equipe econômica pode ser caracterizado como restaurador da confiança dos agentes econômicos no Banco Central Alemão. Inicialmente, o plano realizou um ajuste fiscal enxugando gastos públicos auxiliando o combate à inflação pelo lado fiscal. Posteriormente, o plano econômico adota uma postura a priori heterodoxa: a criação de uma nova moeda, o rentenmark, uma moeda indexada a garantias hipotecárias. A cerca da indexação por meio de uma nova moeda, Gustavo Franco em sua obra O milagre do rentenmark: uma experiência bem sucedida destaca: “A introdução do rentenmark teve, no entanto, um papel importante para fixação da taxa de câmbio, sendo que foi esta que garantiu o fim súbito da hiperinflação alemã. Na medida em que a taxa de câmbio entre o marco e o rentenmark foi fixada (em um trilhão de marcos por rentenmarks), isto na verdade significava que a taxa de câmbio entre o marco e o dólar era fixa através do rentenmark”. Ainda sobre o processo desinflacionário, Franco complementa: “Quando os rentenmarks começaram a ser emitidos em 15 de novembro o governo atuou em duas frentes: dado que o mecanismo através do qual a nova moeda tinha "valor estável" permitia que um rentenmark fosse trocado por 10/42 dólares, como mostrado pela linha cheia no diagrama, o governo simultaneamente trocava marcos por rentenmarks a uma taxa de um trilhão por um, e ao mesmo tempo empregava suas reservas internacionais para intervir no mercado de câmbio e sustentar a taxa de 4.2 trilhões de marcos por dólar. Como resultado desse duplo ataque a taxa de câmbio ficou estabilizada, e como a dolarização transmitiu a estabilidade do câmbio para os 26 preços domésticos, o processo inflacionário terminou em um só golpe. A estabilização foi alcançada basicamente por intermédio da fixação da taxa de câmbio no contexto de uma economia dolarizada. O elemento decisivo e peculiar do caso alemão foi inquestionavelmente a experiência do rentenmark. Partiu-se do simples princípio que títulos indexados têm "valor estável" no sentido que para uma taxa de câmbio real dada, títulos indexados na moeda estrangeira teriam preços em dólar constantes ou ao menos estáveis independentemente do nível de inflação”. A figura de Hjalmar Schacht no cenário internacional era de grande respaldo por conta de sua atuação como importante banqueiro e funcionário de alto escalão em departamentos econômicos. Essas experiências certamente facilitaram o aumento de reservas internacionais concedidas por meio de empréstimo obtidos principalmente juntos aos EUA para financiar a fixação das taxas de câmbio. Portanto, o fim da hiperinflação alemã foi a concretização de um plano com várias frentes de combate a tal mazela. Para atingir a estabilidade, o plano contou com a criação de uma nova moeda indexada, ajuste fiscal e a credibilidade dos executores do plano. O fator psicológico da implementação de uma nova moeda criada por especialistas renomados como Hjalmar Schacht certamente foram importantes para reestabelecer a confiança da população no Banco Central Alemão e atrair reservas monetárias por meio de empréstimos. Contudo, como mostra Gustavo Franco em seus estudos, a rápida recuperação se deveu à fixação indireta da taxa de câmbio por meio do estabelecimento de uma nova âncora cambial. Cronograma Etapa 1: Início da revisão da literatura e sistematização da literatura Etapa 2: Tratamento dos dados e realização das estatísticas descritivas Etapa 3: Procedimentos econométricos e simulações caso necessário Etapa 4: Redação final e submissão à avaliação Mês Janeiro Fevereiro Etapas 1 X 2 3 4 27 Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Referências bibliográficas Franco, G.H.B. (1988). O milagre do rentenmark: uma experiência bem sucedida. Introdução, 431–450. Franco, G.H.B. (1993). Alternativas de estabilização: gradualismo, dolarização e populismo. Revista de Economia Política, vol.13, número 2 (50), abril-junho 1993 BRESCIANI-TURRONI, C. Economia da inflação: o fenômeno da hiperinflação alemã dos anos 20. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1989. FRANCO, G. O Plano Real e outros ensaios. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995. VISCONTI, C. R. O contexto econômico e um contexto de alta inflação: um estudo da hiperinflação alemã. Dissertação (Mestrado)–Departamento de Economia, PUC, Rio de Janeiro, 1987. WEBB, S. B. Hyperinflation and stabilization in Weimar Germany. New York: Oxford University Press, 1989. ZINI JÚNIOR, A. A. Hiperinflação, credibilidade e estabilidade: um ensaio de interpretação de história monetária. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, 21, Belo Horizonte, 1993. Anais... Belo Horizonte: Anpec, 1993. SCHACHT, H. The stabilization of the mark. New York: Arno Press, 1978. Couto, J. M., & Hackl, G. (1970). Hjalmar Schacht e a economia alemã ( 1920-1950 ) Economia e Sociedade, Campinas, v. 16, n. 3 (31), p. 311-341, dez. 2007. Frieden, Jeffry A., 1953- Capitalismo global: história econômica e política do século XX/ Jeffry A. Frieden: tradução Vivian Mannheimer; revisão técnica Arthur Ituassu.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. 28 Feinstein, H. Charles, Temin, Peter, Gianni, Toniolo – The european economy between the wars , Oxford University Press Ed., 1997.