DESMISTIFICANDO CONDUTAS HISTÓRICAS DE ENFERMAGEM E COLOCANDO A NATUREZA A SERVIÇO DO SER HUMANO: RELATO DE EXPERIÊNCIA Telma Geovanini* Desde tempos imemoriais, métodos e procedimentos terapêuticos de grande simplicidade e eficácia são utilizados pela Enfermagem, dentre os quais, podemos citar: compressas, cataplasmas, pedilúvios, banhos e aplicações tópicas. Tais práticas, associadas ao valioso poder terapêutico das ervas e plantas medicinais fornecidas abundantemente pela Natureza, constituem um verdadeiro arsenal terapêutico que pode ser colocado pelos enfermeiros a serviço dos indivíduos, famílias e comunidades. GEOVANINI, referindo-se às práticas de saúde da antigüidade desenvolvidas pelos sacerdotes nos templos asclépios, enfatiza que, naquela época, homens e mulheres que procuravam os templos passavam por um tratamento preliminar catártico que consistia numa série de banhos em fontes de água pura, dietas, exercícios e tratamentos preparados a partir de ervas e plantas pelos próprios sacerdotes. Nos dias de hoje, o avanço tecnológico e as descobertas fenomenais na área da saúde, inegavelmente, contribuem para o aumento da expectativa de vida humana, porém não podemos deixar de reconhecer que mesmo com a globalização e a modernidade, muitas vezes, esses são os únicos recursos existentes nas numerosas comunidades rurais distantes que constituem o nosso imenso e diversificado país. Sobre este tema, assim se expressa BUSS: "O Brasil possui um perfil demográfico e epidemiológico que mostra que a realidade brasileira é subdividida em minirrealidades que constituem um verdadeiro mosaico epidemiológico." A atual situação de saúde no Brasil, aponta para o trabalho inter e multidisciplinar, uso de tecnologia simplificada e de baixo custo, tendo como foco principal a educação em saúde com ênfase no autocuidado, para atender as populações de baixa renda e os programas de interiorização. É importante reconhecer também que nada é dispensável e que, desde que respeitadas as questões éticas e legais, tanto a tecnologia simplificada quanto a sofisticada, são importantes e necessárias e que ambas devem ser incentivadas e colocadas à disposição dos usuários e, ainda, que a liberdade de escolha, constitui um direito do cidadão. Nosso dever, enquanto profissionais de saúde, é estarmos receptivos e preparados para todas estas situações, conscientes de que tudo tem seu lugar, seu momento e sua aplicabilidade, desde que para isto sejam observadas a coerência e a adequação necessárias. Desenvolvimento A Natureza é uma verdadeira farmácia viva e seus recursos poderiam suprir todas as necessidades básicas do ser humano. Ela guarda potenciais terapêuticos que se revelam aos que buscam conhecer e aprofundar seus conhecimentos nesta área. CARIBÉ & CAMPOS afirmam que: "A crise pela qual atravessamos tem-se acentuado de maneira vertiginosa, os recursos materiais vêm-se exaurindo visivelmente. As dificuldades aumentam por toda parte, o que leva o homem a buscar ajuda no reino vegetal, reino que sempre o acompanhou e apoiou ao longo de sua trajetória evolutiva por este planeta." É cada vez maior o número de pessoas que despertam para o reconhecimento de que o reino vegetal possui virtudes especiais e que as plantas são exemplos vivos de serviço desinteressado e fiel, virtudes estas que a humanidade de modo geral relega a um segundo plano. Para os antigos alquimistas, se uma planta era usada viva, ela cooperava no processo de cura de forma intensa, se fosse também aromática, essa faculdade se acentuava. Atualmente, sabe-se que a eficácia de uma planta é ainda maior, se ela for semeada, criada, colhida e preparada com amorosidade, compreensão e gratidão por esse reino. Para LORENZ, "As plantas manifestam a harmonia por meio de suas cores e transmutam o ar, o éter e a atmosfera do ambiente em que se encontram." Sabe-se que um local, onde haja uma área plantada, é beneficiado pela grande concentração de energia e de trabalho das forças da Natureza. Observamos um antagonismo ao verificar que, embora o reino vegetal seja inegavelmente necessário à sobrevivência humana, cada vez mais o relacionamento do homem com este reino não tem sido inteligente e muito menos amoroso, salvo raras exceções. A integração com este reino só é possível, quando um trabalho consciente é feito junto a ele, reconhecendo-se principalmente que reino humano e reino vegetal são partes integrantes do todo sendo portando indissociáveis e que as plantas não só alimentam, mas também curam. As práticas terapêuticas externas naturais, muito usadas na antigüidade, são hoje percebidas como potente instrumento terapêutico e amplo campo de investigação, constituindo valioso meio de integração do ser humano ao reino vegetal. De variadas formas, os elementos da Natureza são levados a interagir com o organismo humano, utilizando-se principalmente a pele como campo de absorção. A pele é um grande órgão sensorial e constitui a maior área de absorção do corpo humano, traz em si a capacidade latente para contatar e absorver diferentes impulsos e correntes de energia essenciais à harmonização geral do ser. Diversamente, o sistema digestivo, via usual e quase exclusiva de administração de medicamentos, apresenta uma crescente incapacidade de elaboração e assimilação, somando-se a isto os diversos efeitos colaterais produzidos por medicamentos administrados por esta via. Entretanto, reconhece-se que, em muitos casos, esta via é necessária, e os que precisam não devem deixar de utilizá-la sem a orientação do profissional de saúde competente. Por meio de compressas, cataplasmas, pedilúvios, banhos e aplicações tópicas, estados doentios podem ser modificados sem ingestão de medicamentos, atingindose desta forma um órgão interno a partir da pele. Neste artigo, abordaremos as compressas, bastante conhecidas, porém pouco ou nada utilizadas nos serviços de saúde. As compressas, são uma forma de tratamento, que pode ser empregado no próprio domicílio do paciente dada a sua simplicidade e eficácia. Compressas: Podem ser úmidas ou não, em variadas temperaturas, dependendo do efeito que se deseja atingir. O calor age estimulando ou acalmando, de acordo com a temperatura, tempo de aplicação (geralmente 30 a 45 minutos) e local. O calor moderado relaxa os músculos, em grau mais elevado facilita a circulação através da dilatação dos vasos e diminui a dor local. Atentar para o cuidado com as compressas quentes ou muito quentes no tocante ao risco de queimaduras no paciente. As compressas frias ou geladas restringem a circulação pela vasoconstricção causada na área de aplicação, diminuindo a incidência de hematomas e aliviando a dor local em casos de traumatismos agudos (torções, luxações ou contusões). Devem ser aplicadas imediatamente após e nas primeiras 24 horas seguintes ao acidente, através de bolsa de gelo. As compressas frias não são adequadas para aplicação na região do abdômen e as quentes são inadequadas para a cabeça, olhos e região cardíaca. Para se ajustar a temperatura de uma compressa, além de observar a sua indicação específica, é importante avaliar o estado geral da pessoa. Saúde, temperatura corporal, condições cardíacas, idade, presença de varizes nos membros inferiores, etc. são fatores que podem contra-indicar uma compressa local quente ou bem quente. Deve-se observar ainda se seus pés estão quentes. Caso não estejam, aquecê-los por meio de uma ducha parcial, de um pedilúvio ou de uma bolsa de água quente. Isso precisa ser feito, porque o calor da compressa poderá ser desviado do local da aplicação para os pés, interferindo em seus resultados. Temperatura ideal das compressas: frias, entre 15ºC e 20ºC; mornas, entre 25ºC e 35ºC; quentes, entre 40ºC e 45ºC e bem quentes, a máxima suportada pelo paciente, em geral, um pouco acima de 45ºC As compressas quentes podem ser só de água ou de chás variados, tais como os de Eucalipto, Arnica, Marcela, Tanchagem, Capim-limão, Mentrasto, etc. Também pode-se utilizar óleos aromáticos, como os de Eucalipto, Alecrim, Manjericão e Arnica. Tanto os chás quanto os óleos servem para relaxar os tecidos, aliviar a dor local e a congestão de órgãos profundos, aumentar a perfusão sangüínea da área, aquecer e dar conforto ao paciente. Podem ser aplicadas através de panos: o interno de algodão (pano da compressa propriamente dita), impregnado com o líquido e que entra em contato direto com a pele, o intermediário, seco, de flanela e o externo, de lã, também seco. Sobre estes panos, colocar uma bolsa de água quente preenchida pela metade, sem ar, bem fechada e envolta em um protetor apropriado ou toalha, para manter a temperatura e facilitar a absorção local da substância ativa da planta. Estar permanentemente atento às reações e queixas do paciente durante e após a aplicação. Observação: No preparo de compressa quente e bem quente é necessário um pano auxiliar, um pouco maior que o interno, para envolvê-lo. O pano interno é bem enrolado, formando um cilindro e colocado dentro do pano auxiliar. Deixar as extremidades do pano auxiliar fora do recipiente e a seguir verter sobre eles o líquido quente, até cobri-los totalmente. Isto permitirá torcê-los com maior facilidade e eficácia. Devem ser muito bem torcidos, por isso, torna-se necessário a utilização de luvas de borracha para proteger as mãos ao torcê-los. Cuidados posteriores à aplicação: cobrir bem o paciente, dos pés aos ombros, evitando correntes de ar. Em pacientes idosos e/ou cardiopatas, os ombros devem estar mais livres. De um modo geral uma compressa úmida é aplicada uma vez ao dia e, durante o período de aplicação, todo o estímulo externo para o paciente deve cessar, evitando-se visitas, leituras e movimentos no aposento. Após a retirada da compressa, deixá-lo descansar mais um pouco, para estar susceptível à fase regenerativa. Todo o processo deve ser realizado em ambiente calmo e silencioso, a harmonia deve induzir o paciente ao sono e esse tempo de repouso, corresponderá à fase regenerativa em que as forças vitais do organismo começam a reagir e a se mobilizar, preenchendo deficiências e trazendo uma nova ordem ao universo orgânico. O sono é um grande auxiliar do processo de regeneração e sem a fase regenerativa, favorecida por um correto repouso, o organismo fica impossibilitado de incorporar toda a eficácia do tratamento. Indicações clínicas das compressas e cataplasmas: Sintomas procedentes de problemas articulares e osteomusculares agudos e crônicos, tais como artrite, artrose, reumatismo, lombalgias, gota e traumatismos - aplicação nos lugares acometidos. Quando se faz necessária a reestruturação do fígado e revitalização do sistema digestivo em geral, como no alcoolismo, nas intoxicações, na hepatite e em quadros de disfunções hepáticas e biliares, deficiências digestivas, intolerâncias alimentares, auto-intoxicação, anemia, debilidade geral, desvitalização, apatia e depressão, aplicar na região do fígado, abrangendo a área que vai da região lateral direita da coluna vertebral até a linha média anterior do tronco. Como tratamento auxiliar das infecções respiratórias agudas e crônicas (pneumonias, bronquites e outras), é indicada a aplicação na região dos pulmões. Propriedades terapêuticas das plantas citadas: Eucalipto (Eucalyptus globulus) - folhas - balsâmica, expectorante, sudorífica, antiséptica, sedativa, antiasmática, antiálgica, anti-reumática, cicatrizante, adstringente, febrífuga, tônica. Arnica-do-campo (Solidago microglossa) - folhas e inflorescências apicais analgésica, balsâmica, anti-espasmódica, cicatrizante, reestruturadora e regeneradora. Muito utilizada nos abcessos, contusões e traumatismos Marcela-do-campo (Achyrocline satureoides) - flores - digestiva, antiadiarréica, antiespasmódica, calmante, antiálgica, adstringente. Tanchagem ou Tranchagem (Plantago major) - folhas e raízes - tônica, depurativa, febrífuga, adstringente, descongestionante, emoliente, expectorante. Capim-limão ou Capim-cidreira (Cymbopogon citratus) - folhas - sudorífica, calmante, digestiva, analgésica, antiespasmódica. Mentrasto ou Erva-de-São-João (Ageratum conyzoides) - planta toda - tônica, aromática, anti-reumática, antidepressiva, antidesentérica, antiespasmódica, diurética. Alecrim (Rosmarimus officinalis) - folhas - tônica, aromática, anti-séptica, balsâmica, anti-reumática, calmante, cardiotônica. Manjericão ou Alfavaca (Ocimun spp.) - folhas e flores - aromática, sudorífica, febrífuga, carminativa, antiemética. Conclusão Após 4 anos de atividades ininterruptas com as plantas e ervas medicinais junto a comunidades rurais e de baixa renda, posso comprovar sua eficácia terapêutica e observar a verdadeira sintonia que as pessoas tem com as plantas que estão presentes em sua própria região. Como um todo integrado e indissociável, ser humano e natureza, interagem e se complementam, cuidando e favorecendo um ao outro. Observo, a cada dia, que meu papel como enfermeira é colocar este arsenal a serviço das pessoas e funcionar como ponte para que o trabalho se realize. Para isto é necessário lançar mão, além dos conhecimentos científicos profissionais, também, do conhecimento coletivo e popular das pessoas em cada região. Este saber já se encontra presente em nós mesmos, faz parte do nosso arquétipo e facilmente se expressa, se as condições são favoráveis para isto. Assim, saber acadêmico e saber popular se integram e interagem à serviço das próprias pessoas e da região. A enfermagem, além dos conhecimentos científicos, também se expressa através de procedimentos técnicos e, quando estes são associados a um arsenal terapêutico eficaz, vem responder às aspirações genuínas da profissão e representa o apostolado de seus verdadeiros praticantes, que é a arte de cuidar. Nesta experiência a enfermagem vai ao encontro da natureza e não se antepõe às suas leis. A existência de uma força universal, vital e sutil, presentes na natureza, é reconhecida pelo enfermeiro e esta presença no corpo do ser humano é considerada tão importante quanto seu aspecto estrutural e orgânico. COELHO lembra que "A força universal é o princípio imaterial que anima o ser humano. O corpo não seria capaz de se mover, de se organizar, nem de agir se não estivesse permeado por esse princípio sutil que atua sobre sua economia continuamente e de forma maravilhosa. É ela que mantém todas as coisas em ordem; estabelece as funções das formas e as perpetua, dá as proporções de cada ser, humano, animal, vegetal e mineral." Organização e harmonia são inerentes à matéria. Assim é o corpo humano com sua tendência para o equilíbrio. Os procedimentos de enfermagem, relacionados à fitoterapia, visam apenas retirar os obstáculos à ação da força vital. É essa força que realiza o trabalho de recuperação do indivíduo, buscando restaurar a harmonia. Sobre a autora: Mestre em Enfermagem de Saúde Pública, Fitoterapêuta, Professora Substituta da Faculdade de Enfermagem da UFJF; Coordenadora da Faculdade de Enfermagem da UNIPAC - Universidade Presidente Antônio Carlos de Juiz de Fora. Email para contato: [email protected] BIBLIOGRAFIA BORENSTEIN, M. S. e ALTHOFF, C.R. Pesquisando o Passado. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília: Aben, v.48, n.144-149, abr/jun.1995. BUSS, Paulo. Súmula-Radis. Rio de Janeiro, FIOCRUZ, setembro, 1992. CAMPOS, José Maria. Guia Prático de Terapêutica Externa. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1993. CARIBÉ, José e CAMPOS, José M. Plantas que ajudam o homem. Guia prático para a época atual. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 1991. COELHO, Geraldo. A Medicina Resgatada - Uma Introdução à Práxis Vertebralis. São Paulo: Pensamento, 1996. GEOVANINI, Telma. et all. História da Enfermagem - Versões e interpretações. Rio de janeiro: Revinter, 1995. LORENZ, Francisco. Receituário dos melhores medicamentos caseiros. São Paulo: Pensamento, 1998.