MINISTÉRIO DA SAÚDE SECRETARIA DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE Departamento de Vigilância em Saúde Coordenação Geral do Programa Nacional de Controle da Dengue Esplanada dos Ministérios, Edifício Sede, sala 156, Ala Sul 70.058-900 Brasília-DF Tel. 315 37 06/3777 NOTA TÉCNICA N. º 015 / 2011 CGPNCD/DEVEP/SVS/MS Assunto: Uso do medicamento paracetamol no tratamento de pacientes com dengue Referência: Procedimento Preparatório nº 1.16.000.001189/2010-12 Procuradoria da República no Distrito Federal (Ofício nº 447/2010-PP de 13 de dezembro de 2010) 1. Introdução: De acordo com Formulário Terapêutico Nacional – 2008, o paracetamol tem sido preferencialmente usado na pratica clinica devido à menor indução de irritação digestiva, principalmente em pacientes que apresentam condições como doença ulcerosa péptica, gastrite, refluxo gastresofágico, asma brônquica e historia de hipersensibilidade ao acido acetilsalicílico. Também é preferencialmente indicado para crianças com menos de 12 anos em que existe maior risco de intoxicação e de aparecimento de Síndrome de Reye na vigência de varicela ou influenza. Prefere-se usar paracetamol em idosos, mais suscetíveis a gastropatia analgésicas determinada por acido acetilsalicílico. Correntemente, o paracetamol é o medicamento de primeira escolha no controle de dor leve por ter perfil de efeitos adversos mais favorável em doses terapêuticas. É fundamental o entendimento de que, com uso de doses apropriadas, raramente haverá o aparecimento de efeitos adversos. 1 O Ministério da Saúde, na publicação Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue recomenda as seguintes dosagens de paracetamol: Crianças: 10 a 15 mg/kg/dose de 6/6 horas Adultos: 500 mg/dose de 6/6 horas ou até o máximo de 750mg de 6/6 horas Ressalta-se que o Formulário Terapêutico Nacional está de acordo com os parâmetros estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde na publicação “Dengue – Guidelines for Diagnosis, Treatment, Prevention and Control”, que faz indicação do Paracetamol, conforme abaixo: “A capacitação de clínicos na resposta a emergências em uma epidemia de dengue se relaciona principalmente, ao entendimento do espectro da doença e os fundamentos e complexidades do tratamento. É importante ressaltar que o tratamento da dengue é feito por uma adequada hidratação e administração de paracetamol / acetaminofeno para controlar a dor e a febre (nunca ácido acetil-salicílico). Este documento foi editado em 2009, e está disponível no endereço: www.whqlibdoc.who.int/publications/2009/9789241547871_eng.pdf). A hepatoxicidade determinada pelo paracetamol apresenta considerável variação individual. A suscetibilidade a esse efeito fica aumentada pelo consumo de álcool, mas é rara nas doses terapêuticas. Estudos de nível I controlados por placebo mostraram que a ingestão repetida de dose terapêutica de paracetamol durante 48 horas por pacientes com alcoolismo grave não produziu aminotransferases hepáticas, nem manifestações clinicas adversas. aumento em Estudos de nível II revelaram que aquela dose pode ser administrada a pacientes com diferentes doenças hepáticas (cirrose alcoólica, biliar primária, pós-necrótica, hepatite viral aguda, crônica ativa ou de outra causa) por períodos de até 14 dias, sem efeitos adversos. Em estudos de nível III, frequentemente incompletos e contraditórios, em 2 que aparece o dano associado ao uso do paracetamol, quando feita uma análise mais acurada, mostra, por exemplo, que as doses empregadas e ditas “terapêuticas”, eram, na realidade tóxicas. Finalmente, em vários estudos, dose única de 1-2 g de paracetamol, administrada a pacientes alcoólicos para estudar metabolismo, não causou dano hepático. O Paracetamol pode ser usado em crianças, gestantes, idosos, e em puerperas, é o mais indicado por não acarretar efeitos indesejáveis no lactente. 2. Comprometimento hepático em infecções pelo vírus da dengue e uso do Paracetamol: O comprometimento hepático na febre da dengue é conhecido desde a década de 70, com diversos estudos evidenciando que o vírus da dengue invade e se multiplica nas células hepáticas. As principais lesões hepáticas resultantes desse processo são necrose focal dos hepatócitos (apoptose) e necrose hialina das células de Kupffer. O percentual de casos com comprometimento hepático tem variado de país para país, refletindo possivelmente (ainda não comprovado cientificamente) as variações genéticas das cepas dos quatro sorotipos do vírus. O desenvolvimento desses quadros pode ser teoricamente potencializado pela presença de doenças hepáticas preexistentes como hepatites virais, entretanto os estudos neste sentido são quase inexistentes. Muitas vezes as alterações de aminotransferases verificadas nestes casos, são fruto de lesões de órgãos e tecidos que contém aminotransferases, tais como: tecido muscular, hemácias e intestino. É possível que o uso de drogas hepatotóxicas e/ou comprometimento hepático por consumo de álcool também possam possibilitar elevação de aminotransferases nestes casos. As alterações hepáticas podem apresentar-se como hepatomegalia (aumento do fígado) e / ou aumento de aminotransferases (AST e ALT) ou, como raríssimos e controversos quadros que evoluem com hepatite fulminante. A hepatomegalia pode ocorrer em cerca de 10 a 30% dos casos, sendo mais comum nos casos de Febre Hemorrágica do Dengue (FHD). Ressalta-se que, nem sempre, o tamanho que o fígado atinge tem correlação com a gravidade da doença. O aumento de aminotransferases tem sido observado tanto em casos de dengue clássico como em casos de FHD. Estudo realizado no Sudeste Asiático 3 evidenciou que a maioria dos casos de FHD em crianças, apresentou grau leve ou moderado de elevação de aminotransferases, e que, em casos com sangramento gastrointestinal essa elevação apresentava-se de forma mais acentuada, sugerindo dano hepatocelular mais severo ou liberação de outras fontes extra-hepáticas. O Comprometimento hepático mais grave pode complicar o quadro clínico de pacientes com dengue, uma vez que a falência hepática contribui diretamente para sangramentos severos e potencializa, indiretamente, a severidade de quadros de coagulação intra-vascular disseminada. Contudo, as manifestações hemorrágicas da dengue costumam ser decorrentes de lesões do endotélio vascular (vasos sangüíneos) e não do fígado. Esse comprometimento severo pode ser observado em crianças, jovens e adultos tanto em infecções primárias como em infecções secundárias. As manifestações graves que atingem o fígado podem fazê-lo de forma indireta. Neste caso não é o vírus da dengue que agride diretamente o fígado, mas o paciente com dengue grave apresenta alterações hemodinâmicas graves que comprometem a circulação de sangue no fígado. Este caso é conhecido como “fígado de choque” e pode acontecer em qualquer processo que comprometa a perfusão hepática. Em resumo, este quadro não é especifico da dengue. A icterícia intensa e altas taxas de mortalidade são observadas em casos de hepatite fulminante. A principal causa do óbito nos primeiros três dias de doença costuma ser sangramento gastrointestinal maciço e septicemia associada à falência de múltiplos órgãos quando os pacientes evoluem para óbito de forma mais tardia. Este quadro pode raramente acometer pacientes agudamente infectados por vírus da hepatite (A,B,D,E). A hepatite C não costuma evoluir da maneira descrita. Não existem estudos na literatura científica que comprovem que uma infecção pelo vírus da dengue potencialize ou leve a uma piora do quadro clínico de pacientes com hepatite C. Dessa forma, comentários e declarações sobre interação dengue/Hepatite C são desprovidos de confirmação cientifica e são merecedores de descrédito por parte dos centros de pesquisa que estudam as duas doenças. Com base na literatura científica atual pode-se constatar que o uso do paracetamol em pacientes com dengue e com doença hepática que apresentem reserva funcional hepática satisfatória pode ser realizado de forma segura sem agravamento do quadro. 4 Brasília, janeiro de 2011. Giovanini Evelim Coelho Coordenador-Geral do PNCD Aprovo a nota técnica. Em____/____/_______ Departamento de Vigilância Epidemiológica (Referencias bibliográficas anexas à NT nº 015/CGPNCD/DEVEP/SVS) Referências consultadas: “Dengue – Guidelines for Diagnosis, Treatment, Prevention and Control”, TDR – For research on diseases of poverty – WHO/ New Edition, 2009 Huerre MR, Lan NT, Marianneau P, Hue NB, Khun H, Hung NT, Khen NT, Drouet MT, Huong VT, Ha DQ, Buisson Y, Deubel V. Liver histopathology and biological correlates in five cases of fatal dengue fever in Vietnamese children. Virchows Arch 438(2):107-15, 2001 Wahid SF, Sanusi S, Zawawi MM, Ali RA. A comparison of the pattern of liver involvement in dengue hemorrhagic fever with classic dengue fever. Southeast Asian J Trop Med Public Health 31(2): 259-63, 2000 Mohan B, Patwari AK, Anand VK. Hepatic dysfunction in childhood dengue infection. J Trop Pediatr 46(1):40-3, 2000 Gubler DJ, Kunno G. Clinical spectrum of dengue infection. In: Dengue and dengue haemorrhagic fever. 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