CONSCIÊNCIA TEXTUAL E RESUMO: UMA PERSPECTIVA PSICOLINGUÍSTICA Marília Marques Lopes (FALE-PUCRS) [email protected] Introdução A Consciência Textual, preconizada por Jean-Émile Gombert (1992), é objeto deste artigo e fundamenta nossa visão de que ela tem correlação com a produção de resumos por alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Insere-se, portanto, nos estudos psicolinguísticos, dedicados aos processos psicológicos que fundamentam a linguagem verbal. Este trabalho é parte das reflexões de uma tese de doutorado a respeito de consciência textual e sua relação com a elaboração de resumos de narrativas. O trabalho informal com alunos de pós-graduação a respeito de compreensão leitora e sumarização de textos proporcionou muitas indagações, há cerca de doze anos. Entre estas, se haveria correlação entre o desempenho em resumos de narrativas e a consciência textual, proposta por Gombert (1992), entre alunos de 5º ano do ensino fundamental. Até o momento, esta é uma interrogação que somente poderá ser respondida após a análise dos resultados dos testes a serem aplicados em escolas públicas de Porto Alegre, prevista para os meses de setembro e outubro de 2014. Em relação à metodologia adotada, ainda será realizado um estudo de campo com o propósito de verificar os desempenhos de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental nos seguintes aspectos: Consciência textual (CT), Compreensão leitora (CL) e Resumo (R), cujos resultados serão relacionados entre si e daí serão tecidas conclusões. Já temos, de concreto, os resultados dos testes-piloto, que serão relatados mais adiante. Um pouco da teoria que fundamenta o trabalho: consciência linguística e consciência textual A consciência é assunto da esfera do campo da Psicologia, em especial. Porém, seu papel tem sido observado também na área da Linguística. Verifica-se, sobretudo, uma variedade de definições para o termo. A psicóloga norte-americana Margaret Matlin (2004), por exemplo, adota um conceito abrangente, na perspectiva da Psicologia Cognitiva. Para ela, consciência é o indivíduo possuir imagens e sentimentos sobre o mundo exterior e ter suas próprias percepções a respeito. A psicologia cognitiva ocupa-se em explicar os processos conscientes dos sujeitos, e a Psicolinguística adota essa concepção em suas abordagens dos processos mentais que estuda. O processo de conscientização não é de natureza discreta, segundo Poersch (1998), mas é um continuum que abrange vários níveis, desde a inconsciência até o estado que permite ao sujeito controlar completamente um objeto em foco, sendo “alvo de reflexão e de manipulação, podendo ser descrito” (idem, p. 514). Para esse autor, entre esses dois extremos há, na Psicolinguística, a sensibilidade, que abrange muitos graus de conscientização, e esta se refere tanto ao produto como ao processo. É na escola, através de um ensino formal e sistemático, que o sujeito adquire consciência do seu sistema linguístico, e essa consciência terá um papel decisivo no desenvolvimento do seu pensamento (POERSCH, 1998, p.513). aprender a manipular um produto O indivíduo, além de (ler e escrever), é incentivado ao pensamento metacognitivo, que se refere aos aspectos conscientes da mente: “ao mesmo tempo em que desempenha uma atividade cognitiva, o indivíduo lança mão intencionalmente de algumas estratégias de ação e reflexão que ele considera ideais para atingir o propósito que deseja” (idem, p.515). No ambiente escolar a cognição e a metacognição caminham pari passu, tendo em vista que o monitoramento se faz presente, a todo momento, em situações de ensinoaprendizagem. Relacionando essas questões com o objeto deste artigo, é importante acrescentar que nossa análise dos dados utilizou, para os pilotos do teste, um quadro constituído de itens relacionados aos estados de consciência para verificação de duas questões dissertativas inseridas após a questão objetiva; essas duas questões pressupunham aspectos cognitivos e metacognitivos e eram relacionadas à alternativa escolhida pelos sujeitos. Num âmbito mais específico da linguagem, tratemos da consciência linguística. Segundo Tunmer e Herriman (1984), ela pode ser dividida em fonológica, lexical, sintática e pragmática. A consciência fonológica refere-se à discriminação das unidades ortográficas do alfabeto, começando pelas unidades fonológicas. A criança segmenta a palavra falada em seus componentes fonológicos e os sintetiza para produzir palavras. Desde cedo, ela desenvolve gradualmente uma consciência que lhe proporciona refletir sobre a leitura e a escrita durante sua aquisição. A consciência fonológica diz respeito à percepção da criança de que sua fala pode ser segmentada em palavras, fonemas e sílabas, que podem por sua vez ser modificadas. Ela é capaz de pensar sobre os sons das palavras de modo consciente. As atividades lúdicas com cantigas de roda, com rimas e identificação de sons, por exemplo, são utilizadas para despertar na criança o interesse pelos sons e sua discriminação. Ainda conforme esses autores, a consciência lexical (idem) diz respeito à consciência da palavra como unidade de linguagem, como rótulo fonológico arbitrário, e ainda refere-se ao entendimento do termo “palavra” como entidade linguística. A consciência sintática trata da capacidade de reflexão sobre a estrutura gramatical interna das orações, quando a criança passa a julgar sentenças quanto à sua aceitabilidade e a analisar sinônimos e ambiguidades. Na fase em que a leitura está se consolidando, a consciência sintática permite ao aprendiz a leitura de palavras que não consegue decodificar, utilizando o recurso de busca de pistas sintáticas no próprio texto. Ela permite a construção do significado do texto, pois este não está somente na soma dos significados das palavras, mas no modo como os elementos se articulam através de palavras gramaticais, da ordem das palavras, ou do tipo de pontuação. A questão semântica se apresenta ligada à consciência sintática, quando a disposição das sentenças suscita estranhamento na criança leitora, e ela não aceita o que não compreende. Já a consciência pragmática envolve as relações no próprio sistema linguístico e as relações deste com o contexto. Ela pressupõe a adequação da linguagem de maneira a se evitarem inconsistências e ambiguidades, e a se preencherem demandas específicas da situação de comunicação. Gombert (1992) traz uma relevante contribuição, acrescentando à proposta de Tunmer e Herriman a consciência textual, que envolve operações metatextuais no controle deliberado, compreensão e produção de texto, iniciando-se esta última na ordenação de frases em unidades linguísticas mais amplas. Essa consciência tem como foco a estrutura e organização textual de gêneros distintos, enfim, a análise do texto através de um monitoramento intencional. Essa consciência é válida não somente para quem escreve textos, mas para quem lê – o planejamento do que escrever, bem como a predisposição do leitor para ler podem ser determinantes nas respectivas tarefas. Há um conjunto de comportamentos que controlam o processamento do texto, quer em sentido formal como no das representações não estritamente linguísticas, e é difícil separar o que é de natureza metalinguística do que não o é, mesmo possuindo natureza metacognitiva. Gombert (idem) propõe três aspectos importantes dessa consciência – coerência, coesão e estrutura textual – responsáveis, em conjunto, pela compreensão da parte do leitor. Primeiramente, o autor menciona a coerência, ressaltando a importância de se estabelecer o limite entre a consciência da situação extralinguística e o processamento geral do texto, nos aspectos linguísticos conceituais (idem, p. 124, tradução desta autora). A coerência reúne três aspectos, sendo o primeiro deles a compatibilidade de informação nova com o conhecimento prévio (ou de base), ou seja, quando o leitor já tem um lastro mínimo de conhecimentos que possibilite fazer relações entre o novo, vindo do texto, e o dado, que já está presente no seu conhecimento anterior. O segundo aspecto refere-se à compatibilidade entre as diferentes ideias presentes no próprio texto, ou seja, a coerência intratextual ou interna. Nesse sentido, o papel da memória de trabalho entre crianças é importante quando se comparam diferentes informações de forma automática. Já os adultos e leitores proficientes têm mais condições de realizar buscas na memória de longo prazo. O terceiro aspecto da coerência se refere ao monitoramento das inferências, as quais têm papel de destaque no processo de compreensão leitora. Tendo em vista que coerência e coesão têm seus limites muito tênues no processamento da leitura, veem-se abaixo as visões de autores que ora citam coesão, ora mencionam coerência. Essa inevitável transição entre uma e outra reflete sua interdependência. A coesão é representada pelos marcadores de superfície de um texto, como artigos definidos, pronomes anafóricos e conjunções. Gombert (1992) propõe, dentro da consciência textual, a capacidade de o sujeito reconhecer tais marcadores para empreender sua leitura e produção textual. O uso de recursos coesivos aprimora-se com a idade do indivíduo em termos tanto de frequência como de diversidade, mas esse não é o único fator a sofrer uma evolução. Segundo Spinillo (2009), as situações de produção têm influência direta na quantidade de elos coesivos utilizados, assim como o tipo de estrutura de texto influi no tipo de coesão utilizada. Alguns autores propuseram divisões para a coesão, como Koch e Travaglia (2008), para quem ela pode ser em nível sintático, gramatical e semântico. Outros, como Halliday e Hasan (1976), propõem duas divisões: referencial ou sequencial. Assim, a coesão estabelece relações intratexto e que definem um texto como tal, referindo-se a uma série de relações semânticas gerais a todo tipo de produção, estando mais ligada ao modo como as relações semânticas são produzidas. A coerência, adotando o que van Dijk e Kintsch (1983) propõem, é o suporte da textualidade, tanto oral como escrita. Pode ser analisada em termos locais, entre frases que formam a microestrutura; e também pode ser verificada em termos mais amplos, ou globais, referindo-se ao texto como um todo, ou sua macroestrutura – relativa ao conteúdo. Bastos (2001) resume as questões de coesão e coerência da seguinte maneira: são fenômenos distintos, mas responsáveis, tomados conjuntamente, pela transmissão do significado do discurso – embora, segundo nossa percepção, o significado não seja transmitido, e sim construído pelo leitor. A coesão está para a organização interna do texto, assim como a coerência está para a relação dessa organização com o mundo, ou mesmo com o que o leitor conhece acerca da língua que fala. Ao tratarmos do terceiro aspecto, estrutura textual, surge a necessidade de falarmos em gêneros textuais e tipos ou sequências textuais, e adotaremos o que diz Marcuschi a respeito (2007). Os gêneros textuais referem-se a textos materializados que se encontram em nossa vida do dia-a-dia. Têm traços sócio-comunicativos definidos pelo que veiculam, pelas propriedades funcionais e estilo. São incontáveis, podendo ser cartas, romances, telefonemas, reportagem de jornal falado ou escrito, resenha, resumo, e-mails, conversas em redes sociais, editais, piadas, enfim, tudo o que tiver algum tipo de comunicação envolvida - ou seja, todas as nossas atividades. Já os tipos textuais são sequências definidas teoricamente por terem em sua composição uma natureza linguística, ou seja, têm aspectos sintáticos e lexicais, tempos verbais, operações lógicas, por exemplo. Têm um determinado número de categorias, tais como descrição, injunção, exposição, argumentação e narração. No tipo descritivo há a dominância do espaço, que estrutura o texto. Verbos no pretérito ou referentes a estados têm papel relevante, bem como os adjetivos. No tipo injuntivo apela-se ao leitor com o uso de verbos no imperativo, vocativos e pronomes, e conta com o auxílio gráfico da pontuação. O tipo expositivo apresenta situações e visões do autor, o que pode ser auxiliar nas argumentações. No tipo argumentativo, há teses e antíteses, estando o autor empenhado em persuadir seus leitores através do uso de adjetivos e advérbios. No tipo narrativo prevalece a relação tempo e espaço, e o uso de verbos tem papel muito importante. Nossa escolha pela análise do resumo de narrativas surgiu por estas já serem trabalhadas nas escolas desde o primeiro ano, e por presumirmos que, no último ano do ensino fundamental, elas já estejam incorporadas ao conjunto de conhecimentos dos alunos. Na criação de resumos, é importante um olhar atento à macroestrutura e à superestrutura do texto-fonte. Utilizamos os conceitos de van Dijk (1978) a respeito, que são bastante claros acerca da estrutura textual: superestruturas são estruturas globais que caracterizam um tipo textual – neste caso, narrativo, de que tratamos neste artigo; e macroestruturas são representações mentais, ou relacionadas ao conteúdo da narrativa. Gombert (1992) intencionalmente não utiliza os termos macroestrutura e superestrutura, pois ambos são conceitos relacionados a narrativas. Acrescenta que a macroestrutura não só “indica a estrutura semântica mínima do texto como também se refere ao nível conceitual, e assim, pré-linguístico; e a superestrutura refere-se à organização básica, também situada no nível da representação” (idem, p.139, tradução desta autora). Essa tomada de posição de Gombert nos deixa à vontade para agregar aqui, justamente por abordarmos narrativas, os conceitos mencionados de van Dijk. As sequências narrativas são o tipo textual predominante nas salas de aula no início dos anos iniciais. Vêm, desde o início da vida da criança, sendo abordadas tanto no meio familiar, oralmente – com a presença das protonarrativas (PERRONI, 1992) – como na escola, sob a forma de pequenas histórias que se complexificam com o passar dos anos. Segundo Fayol (1988), a narrativa parece ser o único tipo textual consagrado para os indivíduos. Ela representa, na oralidade infantil, uma passagem obrigatória do diálogo para o monólogo, servindo a necessidades cognitivas no momento em que a criança estrutura e processa sua própria experiência, aliada às necessidades sociais quando as compartilha. Ela é a porta de entrada para a criação da noção de temporalidade nos eventos, que culminará, depois de algum tempo de escola, na escrita de histórias. Segundo Gombert (1992, p.146), muitas pesquisas concordam que existe, no indivíduo, uma representação pré-linguística da organização geral comum a toda narrativa, que compreende, em suma, o cenário (setting) e diversos episódios, compostos cada um de início, desenvolvimento e final. Essa representação pré-linguística de esquema narrativo é engendrada pelos primeiros contatos da criança com relatos ou pequenas histórias que os adultos contam, cujos fatos vão-se encadeando e gerando expectativas no pequeno ouvinte. Esse esquema acaba por ter um papel importante nos processos de recordação e compreensão – crianças de seis anos já demonstram o efeito dessa recordação – bem como na produção de histórias, embora entre os quatro e os 12 anos seja observado um aumento na capacidade da memória de trabalho, o que pode ser responsável pelo desempenho dos sujeitos. Porém, somente mais tarde esse esquema narrativo permite à criança fazer julgamentos corretos sobre o caráter das narrativas. Segundo resultados de pesquisa de Fayol (1985), o esquema narrativo se mostra presente entre seis e sete anos, mas a hierarquização consciente dos elementos da narrativa surge somente depois dos 11 anos. Essa ideia justifica a escolha por crianças entre 11 e 12 anos, de modo geral no último ano do ensino fundamental/anos iniciais, para a pesquisa que é parte da tese de doutoramento e que gerou este artigo. O resumo Esse gênero textual tem sido visto mais como um recurso de auxílio nos estudos, sendo tratado como um simples acessório e não como um fim em si mesmo pelas escolas, o que demandaria um trabalho preliminar de ensino explícito por parte do professor. É comum, mesmo entre estudantes adultos, a falta de manejo correto dessa tarefa, provavelmente por falta de um olhar mais detido do professor, nos anos iniciais da escola, sobre esse tipo de produção escrita, quando é solicitada, mas não exatamente exercitada. É somente após os oito ou nove anos que a criança admite que um texto pode ser resumido, por exemplo. Aos doze e treze, a criança consegue identificar o que é um parágrafo, e bem mais tarde consegue desenvolver a hierarquia completa de um texto (GOMBERT, 1992). É importante o professor ter conhecimento a respeito dessas possibilidades dos alunos, para que possa programar suas atividades e dirigi-las ao estímulo dos alunos nos trabalhos com textos de gêneros diversos. Alguns autores se dedicaram a refletir sobre resumos. Marcuschi (2005), por exemplo, afirma que trabalhar a compreensão da criança através do resumo, seja oral ou escrito, é uma forma produtiva de perceber o funcionamento global dos textos sob o ponto de vista tanto do conteúdo como das suas estruturas – seguindo de perto a já mencionada proposta de Gombert (1992), de consciência textual. Ao elaborar o resumo, o sujeito se reporta ao texto selecionando os elementos mais importantes, e isso poderá demonstrar sua compreensão do material lido. Marcuschi (idem), ao defender que a escola deve ter uma correta noção das diferenças entre compreensão e decodificação, acrescenta que compreender envolve mais do que conhecimento da língua e reprodução de informações, e que devem ser adotadas tarefas mais edificantes para avaliar a compreensão leitora dos alunos, como aquelas que envolvem processos criadores, ativos e construtivos, além da utilização do texto em si. A escrita, apesar de ser complexa, pode contar pontos a favor quando se pretende aferir a compreensão. Outro autor, como Charolles (1991, p.9) defende o resumo como “um teste para avaliar as capacidades de compreensão e de produção escrita do aluno”, sendo ele mais curto, fiel em termos de informação, e formalmente diferente do texto-fonte. Salienta a contradição entre os princípios de economia e fidelidade, sendo difícil para o escritor julgar o que é importante para ser incluído na sua reescrita. O resumo, portanto, está diretamente ligado a escolhas adequadas do reescritor. Outro autor, como Van Dijk (2000), já menciona as operações para se elaborar um resumo - as macrorregras de apagamento, generalização e construção. Essas sequências formam as macroproposições e por fim a macroestrutura de um discurso, que pode ser tipicamente expressa através de resumos (idem, p. 103). Segundo o autor, o que alimenta as macrorregras são as proposições do texto, juntamente com as crenças e conhecimento prévio dos sujeitos. Funcionando de modo recursivo, são geradas macroproposições ainda mais gerais. O resumo pode ser uma estratégia didática para enriquecer o trabalho com a leitura, bem como com a produção escrita de crianças. Para Matêncio (2002), por exemplo, ele pode ser uma ação implicada na leitura, ou seja, que se constrói no momento desta, ou um gênero textual útil a diversas práticas discursivas. Para Spinillo (2009), o resumo pode assumir várias dimensões, entre elas ser ele mesmo objeto de aprendizagem, como quando a criança aprende a resumir; ou ser um instrumento de aprendizagem, quando é utilizado para aprender. Brandão e Spinillo (2001), após a análise de crianças entre quatro e oito anos, em tarefas de produção e compreensão, concluem: Dependendo da idade, as relações entre compreensão e produção se alteram. Entre as crianças mais jovens, é mais fácil produzir um texto original do que expressar a compreensão através da reprodução de um texto ouvido. Com a idade, essa relação se inverte, sendo mais fácil expressar a compreensão através da reprodução do que produzir um texto original. (p.59) Aliando ao resumo, apresentamos Kleiman (1995, p.83), que propõe a paráfrase – uma escrita mais autônoma – e afirma que a habilidade em escrever esse tipo de produção a partir de um texto está entre as postuladas por alguns psicólogos e educadores que abordam a leitura. Essa habilidade decorre do uso apropriado de estratégias de processamento. Além disso, a paráfrase vai além da compreensão de pistas locais no texto. Ela envolve a “percepção global e a transformação dos elementos locais em um todo coerente”. O aluno precisa ter uma percepção das relações entre as partes da narrativa e integrar esses dados num todo coerente, para desse modo formar a macroestrutura do texto. Todavia, uma paráfrase não é um resumo, pois não tem a fidedignidade ao texto original – apenas ela demonstra um potencial criativo do leitor-escritor, muito importante no uso de recursos diversos dos utilizados no texto-fonte pelo autor. Indica que seu escritor consegue fazer uma abordagem descendente do texto que leu, reescrevendo-o de modo autônomo, com recursos linguísticos próprios – sem o uso das palavras do texto original. Na construção de um resumo com sentido, o leitor/reescritor conta com pistas textuais que são fornecidas pelo autor e constituídas da disposição textual – ou o gênero de texto –, da pontuação, que lhe serve como guia, e dos dispositivos coesivos, que relacionam as ideias do texto. Alguns traços figuram entre as características gerais desse tipo de produção, como a apresentação concisa, sucinta, compacta, sintética, objetiva e seletiva do texto; a presença dos pontos importantes, básicos e fundamentais do material escrito; e a utilização das próprias palavras do leitor do texto-fonte. Torna-se um desafio para o leitor/reescritor encontrar seu próprio vocabulário e, ao mesmo tempo, ser fiel ao que o texto-fonte apresenta – o que pode, a princípio, parecer um paradoxo. O resumo tem, portanto, a peculiaridade de situar-se em uma posição, ou constituir um amálgama que reúne atividades distintas: revela a compreensão do leitor, sua capacidade de síntese, sua habilidade na escrita e também seu nível de consciência textual com a presença de coerência, coesão e de uma estrutura textual condizente com esse gênero de produção. Discussão dos testes-piloto e perspectivas da pesquisa A tese que originou este artigo pretende verificar a correlação entre a consciência textual, a compreensão leitora e a produção de resumo de história, entre alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Para a validação dos instrumentos, foi necessário aplicar testes-piloto. Mas foi necessário previamente que os instrumentos fossem analisados e resolvidos por cinco juízes, cuja função foi fornecer um feedback dos testes para que, se necessário, se fizessem adaptações ao público-alvo da pesquisa. A contribuição dos colegas foi de grande importância, pois permitiu que fizéssemos alterações nos enunciados e nos critérios de análise dos resultados. Os instrumentos foram elaborados com base num texto-fonte apropriado à faixa etária dos sujeitos, intitulado “Uma volta pela cidade”, retirado do livro Histórias para brincar, de Gianni Rodari. O interessante desse livro é que cada história tem, originalmente, três opções de final, cabendo ao leitor escolher um deles. Escolhemos um final mais adequado à história e fizemos algumas adaptações de linguagem. Essa narrativa vai ao encontro do que preconizam Stein e Glenn (1975) quanto às gramáticas de história: o principal componente de uma história é a presença de um plano de ação definido por um protagonista, cujo objetivo é atingir uma meta ou solucionar um problema. Conta a história de um menino que resolve pegar um mapa de sua cidade e traçar um círculo exato sobre ele, utilizando um compasso. Esse círculo orientaria uma volta pela cidade, que seria feita exatamente sobre a linha circular traçada no mapa. No caminho, o menino, chamado Paulo, passa por algumas dificuldades, conhece um senhor que o ajuda a pular um muro, mas no final da jornada, encontra uma criança perdida de três anos que lhe pede ajuda para encontrar a mãe. Assim, Paulo desiste do seu plano e decide ajudá-la. Pensamos, também, que seria interessante o uso do texto pelo final da história, que apresenta uma atitude que consideramos “louvável” adotada por uma criança – algo a mais do que um texto interessante, e que também reforça a natureza formadora da literatura, que acreditamos ser relevante nas escolas. Os testes-piloto foram realizados em uma turma de escola pública estadual de Porto Alegre. Como tínhamos por objetivo verificar os instrumentos em si e não fazer uma prévia da aplicação definitiva, a turma foi dividida em três grupos, sendo os testes de Resumo, Consciência Textual e Compreensão Leitora distribuídos entre os três grupos, totalizando oito sujeitos para cada tipo de teste. O procedimento inicial foi o seguinte: apresentação e explicação dos testes aos sujeitos e leitura da história em voz alta para toda a turma. Os testes de Compreensão Leitora e Consciência Textual tiveram, cada um, dez questões de escolha simples, sendo que cada uma contava também, ao seu final, com duas outras, dissertativas – de justificativa da resposta e de explicação de como o sujeito pensou para chegar à resposta que ele considerava correta – considerando os aspectos do continuum dos níveis de consciência tratados neste artigo. Dentro desse espectro, essas questões podem ser consideradas de ordem cognitiva e metacognitiva. Alguns ajustes deverão ser implementados dissertativas deverão se adequar aos enunciados, evitando repetição de respostas, do tipo “porque sim”, ou “eu li no texto” – o que ocorreu, a nosso ver, por alguns sujeitos estarem apressados para resolver o teste, ou por não terem compreendido o mesmo. Verificou-se que muitos utilizaram essas respostas como padrão em praticamente todas as dez questões de cada teste. Quanto aos resumos das crianças, observou-se a presença de cópias de trechos da história, incluindo os diálogos entre os personagens. Algumas delas iniciaram seu resumo a partir do início da aventura do personagem principal, sem apresentá-lo devidamente; uma delas começou pelo final da história; outra foi radical no resumo, escrevendo apenas uma frase. Em suma, foi possível observar, não sem alguma preocupação, que os sujeitos do 5º ano não têm noção de como situar personagens ao iniciar uma história, mesmo tendo à sua frente o texto-fonte. A ideia de progressão temática estava praticamente ausente nas produções. É possível que os sujeitos não tenham feito uma leitura mais cuidadosa do texto, o que causou erros de sexo de personagem secundário, por exemplo, demonstrando falta de atenção. Algumas produções eram, digamos, soltas do texto-fonte; outras, continham cópias de trechos grandes da história, não indicando uma reflexão dos alunos sobre o que estavam escrevendo – aqui, estratégias metacognitivas (correção, leitura mais ascendente para certificação da ideia que o texto transmite) também não estavam presentes durante a tarefa de resumo. Consideramos importante um retorno dos resultados para a professora responsável pela turma do teste-piloto. Um relato sobre quais alunos fizeram cada um dos três tipos de teste, bem como seu desempenho individual, e ainda possíveis sugestões de situações linguístico-pedagógicas de ensino do resumo em sala de aula nos parecem úteis para a professora tentar melhorar a competência das crianças, e talvez olhar com mais acuidade a questão da consciência sobre textos, em especial narrativos. Num futuro próximo, cada teste definitivo – consciência textual, compreensão leitora e resumo – representará uma variável, pois as três turmas escolhidas para a pesquisa farão igualmente os três tipos de teste em momentos diferentes, uma vez que nosso objetivo é estabelecer uma correlação entre os seus resultados em termos individuais dos sujeitos. Busca-se a medida em que pode haver essa correlação, e pretende-se oferecer, tendo em vista os resultados dos testes-piloto já realizados, perspectivas de atuação do professor no sentido de problematizar a questão da elaboração de resumos – tornando-os objeto de ensino, e não uma tarefa solicitada sem nunca ter sido abordada em aula. Referências BASTOS, Lúcia K. Coesão e coerência em narrativas escolares. São Paulo: Martins Fontes, 2001. CHAROLLES. Marquages linguistiques et resumé de texte. In: CHAROLLES, Michel; PETITJEAN, André. Le resumé de texte. Actes du Colloque International de Linguistique. Paris: Klincksieck, 1991. FAYOL, Michel. Text tipologies: a cognitive approach. In: DENHIÈRE, G.; ROSSI, J.-P. (eds) Text, and Text Processing, Amsterdam: North-Holland Publishing Co., 1988. FAYOL, Michel. Le récit e sa construction. Une approche de psychologie cognitive. Neuchâtel: Delachaux & Niestlé, 1985. GOMBERT, Jéan-Émile. Metalinguistic development. Hertfordshire: Harverster Wheatsheaf, 1992. HALLIDAY, Michael Alexander Kirkwood; HASAN, Rugaia. Cohesion in English. Londres: Longman, 1976. KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura – teoria e prática. Campinas, SP: Pontes: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 3 ed, 1995. KOCH, Ingedore V.; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. São Paulo: Contexto, 2008. MARCUSCHI, Luiz A. In: Dionísio, A.P.; Bezerra, M.A. (orgs.). O livro didático de Português: múltiplos olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005. MARCUSCHI, Luiz A. In: Gêneros textuais: definição e funcionalidade. DIONÍSIO, A.P.; MACHADO, A.R.; BEZERRA, N.A. (orgs.). Gêneros textuais & ensino. Rio de Janeiro: Lucerna. 2007. MATÊNCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Atividades de (re)textualização em práticas acadêmicas – um estudo do resumo. SCRIPTA, Belo Horizonte, v. 6, n. 11, p. 109-122, 2º sem. 2002 MATLIN, Margaret W. Psicologia Cognitiva. / Tradução Stella Machado. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2004. PERRONI, Maria Cecília. Desenvolvimento do discurso narrativo. S. Paulo: Martins Fontes (Texto e Linguagem), 1992. POERSCH, Jose Marcelino. "Implicações da consciência linguística no processo ensino aprendizagem da linguagem." Actas do 5º Congresso Internacional da Sociedade Internacional de Psicolinguística. 1998. SPINILLO, Alina G. Eu sei fazer uma história ficar pequena: a escrita de resumo por crianças. Interamerican Journal of Psychology, Vol. 43, N. 2, 2009, p.p. 362-373. Sociedad Interamericana de Psicologia Latinoamericanistas. STEIN, Nancy; GLENN, Christine. An analysis of story comprehension in elementary School children: a test of a schema. Washington: Washington University, 1975. TUNMER, William E.; HERRIMAN, M. L. (1984). The development of metalinguistic awareness: a conceptual overview. Em W. E. Tunmer, C. Pratt & M. L. Herriman (Orgs.), Metalinguistic awareness in children: theory, research and implications (pp. 12-35). New York: Springer-Verlag. VAN DIJK, Teun A. La ciencia del texto – un enfoque interdisciplinario. Buenos Aires: Paidós, 1978. VAN DIJK, Teun A.; Kintsch, Walter. Strategies of discourse comprehension. New York: Academic Press, 1983. VAN DIJK, Teun A. (Org. Koch, I.V.) Cognição, discurso e interação. São Paulo: Contexto, 2000.