Consciência Linguística e habilidade de resumir

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CONSCIÊNCIA TEXTUAL E RESUMO: UMA PERSPECTIVA
PSICOLINGUÍSTICA
Marília Marques Lopes (FALE-PUCRS)
[email protected]
Introdução
A Consciência Textual, preconizada por Jean-Émile Gombert (1992), é objeto deste
artigo e fundamenta nossa visão de que ela tem correlação com a produção de resumos por
alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Insere-se, portanto, nos estudos psicolinguísticos,
dedicados aos processos psicológicos que fundamentam a linguagem verbal.
Este trabalho é parte das reflexões de uma tese de doutorado a respeito de consciência
textual e sua relação com a elaboração de resumos de narrativas. O trabalho informal com
alunos de pós-graduação a respeito de compreensão leitora e sumarização de textos
proporcionou muitas indagações, há cerca de doze anos. Entre estas, se haveria correlação
entre o desempenho em resumos de narrativas e a consciência textual, proposta por Gombert
(1992), entre alunos de 5º ano do ensino fundamental.
Até o momento, esta é uma
interrogação que somente poderá ser respondida após a análise dos resultados dos testes a
serem aplicados em escolas públicas de Porto Alegre, prevista para os meses de setembro e
outubro de 2014.
Em relação à metodologia adotada, ainda será realizado um estudo de campo com o
propósito de verificar os desempenhos de alunos do 5º ano do Ensino Fundamental nos
seguintes aspectos: Consciência textual (CT), Compreensão leitora (CL) e Resumo (R), cujos
resultados serão relacionados entre si e daí serão tecidas conclusões. Já temos, de concreto,
os resultados dos testes-piloto, que serão relatados mais adiante.
Um pouco da teoria que fundamenta o trabalho: consciência linguística e consciência
textual
A consciência é assunto da esfera do campo da Psicologia, em especial. Porém, seu
papel tem sido observado também na área da Linguística. Verifica-se, sobretudo, uma
variedade de definições para o termo.
A psicóloga norte-americana Margaret Matlin (2004),
por exemplo, adota um conceito abrangente, na perspectiva da Psicologia Cognitiva. Para ela,
consciência é o indivíduo possuir imagens e sentimentos sobre o mundo exterior e ter suas
próprias percepções a respeito. A psicologia cognitiva ocupa-se em explicar os processos
conscientes dos sujeitos, e a Psicolinguística adota essa concepção em suas abordagens dos
processos mentais que estuda.
O processo de conscientização não é de natureza discreta, segundo Poersch (1998),
mas é um continuum que abrange vários níveis, desde a inconsciência até o estado que
permite ao sujeito controlar completamente um objeto em foco, sendo “alvo de reflexão e de
manipulação, podendo ser descrito” (idem, p. 514). Para esse autor, entre esses dois extremos
há, na Psicolinguística, a sensibilidade, que abrange muitos graus de conscientização, e esta se
refere tanto ao produto como ao processo.
É na escola, através de um ensino formal e sistemático, que o sujeito adquire
consciência do seu sistema linguístico, e essa consciência terá um papel decisivo no
desenvolvimento do seu pensamento (POERSCH, 1998, p.513).
aprender a manipular um produto
O indivíduo, além de
(ler e escrever), é incentivado ao pensamento
metacognitivo, que se refere aos aspectos conscientes da mente: “ao mesmo tempo em que
desempenha uma atividade cognitiva, o indivíduo lança mão intencionalmente de algumas
estratégias de ação e reflexão que ele considera ideais para atingir o propósito que deseja”
(idem, p.515). No ambiente escolar a cognição e a metacognição caminham pari passu, tendo
em vista que o monitoramento se faz presente, a todo momento, em situações de ensinoaprendizagem. Relacionando essas questões com o objeto deste artigo, é importante
acrescentar que nossa análise dos dados utilizou, para os pilotos do teste, um quadro
constituído de itens relacionados aos estados de consciência para verificação de duas questões
dissertativas inseridas após a questão objetiva; essas duas questões pressupunham aspectos
cognitivos e metacognitivos e eram relacionadas à alternativa escolhida pelos sujeitos.
Num âmbito mais específico da linguagem, tratemos da consciência linguística.
Segundo Tunmer e Herriman (1984), ela pode ser dividida em fonológica, lexical, sintática e
pragmática.
A consciência fonológica refere-se à discriminação das unidades ortográficas do
alfabeto, começando pelas unidades fonológicas.
A criança segmenta a palavra falada em
seus componentes fonológicos e os sintetiza para produzir palavras.
Desde cedo, ela
desenvolve gradualmente uma consciência que lhe proporciona refletir sobre a leitura e a
escrita durante sua aquisição.
A consciência fonológica diz respeito à percepção da criança
de que sua fala pode ser segmentada em palavras, fonemas e sílabas, que podem por sua vez
ser modificadas. Ela é capaz de pensar sobre os sons das palavras de modo consciente. As
atividades lúdicas com cantigas de roda, com rimas e identificação de sons, por exemplo, são
utilizadas para despertar na criança o interesse pelos sons e sua discriminação.
Ainda
conforme esses autores, a consciência lexical (idem) diz respeito à consciência da palavra
como unidade de linguagem, como rótulo fonológico arbitrário, e ainda refere-se ao
entendimento do termo “palavra” como entidade linguística.
A consciência sintática trata da
capacidade de reflexão sobre a estrutura gramatical interna das orações, quando a criança
passa a julgar sentenças quanto à sua aceitabilidade e a analisar sinônimos e ambiguidades.
Na fase em que a leitura está se consolidando, a consciência sintática permite ao aprendiz a
leitura de palavras que não consegue decodificar, utilizando o recurso de busca de pistas
sintáticas no próprio texto. Ela permite a construção do significado do texto, pois este não
está somente na soma dos significados das palavras, mas no modo como os elementos se
articulam através de palavras gramaticais, da ordem das palavras, ou do tipo de pontuação.
A
questão semântica se apresenta ligada à consciência sintática, quando a disposição das
sentenças suscita estranhamento na criança leitora, e ela não aceita o que não compreende. Já
a consciência pragmática envolve as relações no próprio sistema linguístico e as relações
deste com o contexto. Ela pressupõe a adequação da linguagem de maneira a se evitarem
inconsistências e ambiguidades, e a se preencherem demandas específicas da situação de
comunicação.
Gombert (1992) traz uma relevante contribuição, acrescentando à proposta de Tunmer
e Herriman a consciência textual, que envolve operações metatextuais no controle deliberado,
compreensão e produção de texto, iniciando-se esta última na ordenação de frases em
unidades linguísticas mais amplas. Essa consciência tem como foco a estrutura e organização
textual de gêneros distintos, enfim, a análise do texto através de um monitoramento
intencional. Essa consciência é válida não somente para quem escreve textos, mas para quem
lê – o planejamento do que escrever, bem como a predisposição do leitor para ler podem ser
determinantes nas respectivas tarefas. Há um conjunto de comportamentos que controlam o
processamento do texto, quer em sentido formal como no das representações não estritamente
linguísticas, e é difícil separar o que é de natureza metalinguística do que não o é, mesmo
possuindo natureza metacognitiva.
Gombert (idem) propõe três aspectos importantes dessa
consciência – coerência, coesão e estrutura textual – responsáveis, em conjunto, pela
compreensão da parte do leitor. Primeiramente, o autor menciona a coerência, ressaltando a
importância de se estabelecer o limite entre a consciência da situação extralinguística e o
processamento geral do texto, nos aspectos linguísticos conceituais (idem, p. 124, tradução
desta autora).
A coerência reúne três aspectos, sendo o primeiro deles a compatibilidade de
informação nova com o conhecimento prévio (ou de base), ou seja, quando o leitor já tem um
lastro mínimo de conhecimentos que possibilite fazer relações entre o novo, vindo do texto, e
o dado, que já está presente no seu conhecimento anterior. O segundo aspecto refere-se à
compatibilidade entre as diferentes ideias presentes no próprio texto, ou seja, a coerência
intratextual ou interna.
Nesse sentido, o papel da memória de trabalho entre crianças é
importante quando se comparam diferentes informações de forma automática. Já os adultos e
leitores proficientes têm mais condições de realizar buscas na memória de longo prazo. O
terceiro aspecto da coerência se refere ao monitoramento das inferências, as quais têm papel
de destaque no processo de compreensão leitora.
Tendo em vista que coerência e coesão têm seus limites muito tênues no
processamento da leitura, veem-se abaixo as visões de autores que ora citam coesão, ora
mencionam
coerência.
Essa
inevitável
transição
entre
uma
e
outra
reflete
sua
interdependência.
A coesão é representada pelos marcadores de superfície de um texto, como artigos
definidos, pronomes anafóricos e conjunções. Gombert (1992) propõe, dentro da consciência
textual, a capacidade de o sujeito reconhecer tais marcadores para empreender sua leitura e
produção textual.
O uso de recursos coesivos aprimora-se com a idade do indivíduo em
termos tanto de frequência como de diversidade, mas esse não é o único fator a sofrer uma
evolução. Segundo Spinillo (2009), as situações de produção têm influência direta na
quantidade de elos coesivos utilizados, assim como o tipo de estrutura de texto influi no tipo
de coesão utilizada.
Alguns autores propuseram divisões para a coesão, como Koch e Travaglia (2008),
para quem ela pode ser em nível sintático, gramatical e semântico. Outros, como Halliday e
Hasan (1976), propõem duas divisões: referencial ou sequencial. Assim, a coesão estabelece
relações intratexto e que definem um texto como tal, referindo-se a uma série de relações
semânticas gerais a todo tipo de produção, estando mais ligada ao modo como as relações
semânticas são produzidas.
A coerência, adotando o que van Dijk e Kintsch (1983) propõem,
é o suporte da textualidade, tanto oral como escrita. Pode ser analisada em termos locais, entre
frases que formam a microestrutura; e também pode ser verificada em termos mais amplos, ou
globais, referindo-se ao texto como um todo, ou sua macroestrutura – relativa ao conteúdo.
Bastos (2001) resume as questões de coesão e coerência da seguinte maneira: são
fenômenos distintos,
mas responsáveis,
tomados conjuntamente,
pela transmissão
do
significado do discurso – embora, segundo nossa percepção, o significado não seja
transmitido, e sim construído pelo leitor. A coesão está para a organização interna do texto,
assim como a coerência está para a relação dessa organização com o mundo, ou mesmo com o
que o leitor conhece acerca da língua que fala.
Ao tratarmos do terceiro aspecto, estrutura textual, surge a necessidade de falarmos
em gêneros textuais e tipos ou sequências textuais, e adotaremos o que diz Marcuschi a
respeito (2007). Os gêneros textuais referem-se a textos materializados que se encontram em
nossa vida do dia-a-dia. Têm traços sócio-comunicativos definidos pelo que veiculam, pelas
propriedades funcionais e estilo. São incontáveis, podendo ser cartas, romances, telefonemas,
reportagem de jornal falado ou escrito, resenha, resumo, e-mails, conversas em redes sociais,
editais, piadas, enfim, tudo o que tiver algum tipo de comunicação envolvida - ou seja, todas
as nossas atividades.
Já os tipos textuais são sequências definidas teoricamente por terem em
sua composição uma natureza linguística, ou seja, têm aspectos sintáticos e lexicais, tempos
verbais, operações lógicas, por exemplo.
Têm um determinado número de categorias, tais
como descrição, injunção, exposição, argumentação e narração.
No tipo descritivo há a
dominância do espaço, que estrutura o texto. Verbos no pretérito ou referentes a estados têm
papel relevante, bem como os adjetivos. No tipo injuntivo apela-se ao leitor com o uso de
verbos no imperativo, vocativos e pronomes, e conta com o auxílio gráfico da pontuação. O
tipo expositivo apresenta situações e visões do autor, o que pode ser auxiliar nas
argumentações. No tipo argumentativo, há teses e antíteses, estando o autor empenhado em
persuadir seus leitores através do uso de adjetivos e advérbios. No tipo narrativo prevalece a
relação tempo e espaço, e o uso de verbos tem papel muito importante. Nossa escolha pela
análise do resumo de narrativas surgiu por estas já serem trabalhadas nas escolas desde o
primeiro ano, e por presumirmos que, no último ano do ensino fundamental, elas já estejam
incorporadas ao conjunto de conhecimentos dos alunos.
Na criação de resumos, é importante um olhar atento à macroestrutura e à
superestrutura do texto-fonte. Utilizamos os conceitos de van Dijk (1978) a respeito, que são
bastante claros acerca da estrutura textual: superestruturas são estruturas globais que
caracterizam um tipo textual – neste caso, narrativo, de que tratamos neste artigo; e
macroestruturas são representações mentais, ou relacionadas ao conteúdo da narrativa.
Gombert (1992) intencionalmente não utiliza os termos macroestrutura e superestrutura, pois
ambos são conceitos relacionados a narrativas. Acrescenta que a macroestrutura não só
“indica a estrutura semântica mínima do texto como também se refere ao nível conceitual, e
assim, pré-linguístico; e a superestrutura refere-se à organização básica, também situada no
nível da representação” (idem, p.139, tradução desta autora).
Essa tomada de posição de
Gombert nos deixa à vontade para agregar aqui, justamente por abordarmos narrativas, os
conceitos mencionados de van Dijk.
As sequências narrativas são o tipo textual predominante nas salas de aula no início
dos anos iniciais. Vêm, desde o início da vida da criança, sendo abordadas tanto no meio
familiar, oralmente – com a presença das protonarrativas (PERRONI, 1992) – como na
escola, sob a forma de pequenas histórias que se complexificam com o passar dos anos.
Segundo Fayol (1988), a narrativa parece ser o único tipo textual consagrado para os
indivíduos.
Ela representa, na oralidade infantil, uma passagem obrigatória do diálogo para o
monólogo, servindo a necessidades cognitivas no momento em que a criança estrutura e
processa sua própria experiência, aliada às necessidades sociais quando as compartilha. Ela é
a porta de entrada para a criação da noção de temporalidade nos eventos, que culminará,
depois de algum tempo de escola, na escrita de histórias. Segundo Gombert (1992, p.146),
muitas pesquisas concordam que existe, no indivíduo, uma representação pré-linguística da
organização geral comum a toda narrativa, que compreende, em suma, o cenário (setting) e
diversos episódios, compostos cada um de início, desenvolvimento e final. Essa representação
pré-linguística de esquema narrativo é engendrada pelos primeiros contatos da criança com
relatos ou pequenas histórias que os adultos contam, cujos fatos vão-se encadeando e gerando
expectativas no pequeno ouvinte.
Esse esquema acaba por ter um papel importante nos
processos de recordação e compreensão – crianças de seis anos já demonstram o efeito dessa
recordação – bem como na produção de histórias, embora entre os quatro e os 12 anos seja
observado um aumento na capacidade da memória de trabalho, o que pode ser responsável
pelo desempenho dos sujeitos. Porém, somente mais tarde esse esquema narrativo permite à
criança fazer julgamentos corretos sobre o caráter das narrativas.
Segundo resultados de
pesquisa de Fayol (1985), o esquema narrativo se mostra presente entre seis e sete anos, mas a
hierarquização consciente dos elementos da narrativa surge somente depois dos 11 anos. Essa
ideia justifica a escolha por crianças entre 11 e 12 anos, de modo geral no último ano do
ensino fundamental/anos iniciais, para a pesquisa que é parte da tese de doutoramento e que
gerou este artigo.
O resumo
Esse gênero textual tem sido visto mais como um recurso de auxílio nos estudos,
sendo tratado como um simples acessório e não como um fim em si mesmo pelas escolas, o
que demandaria um trabalho preliminar de ensino explícito por parte do professor. É comum,
mesmo entre estudantes adultos, a falta de manejo correto dessa tarefa, provavelmente por
falta de um olhar mais detido do professor, nos anos iniciais da escola, sobre esse tipo de
produção escrita, quando é solicitada, mas não exatamente exercitada. É somente após os oito
ou nove anos que a criança admite que um texto pode ser resumido, por exemplo. Aos doze e
treze, a criança consegue identificar o que é um parágrafo, e bem mais tarde consegue
desenvolver a hierarquia completa de um texto (GOMBERT, 1992). É importante o professor
ter conhecimento a respeito dessas possibilidades dos alunos, para que possa programar suas
atividades e dirigi-las ao estímulo dos alunos nos trabalhos com textos de gêneros diversos.
Alguns autores se dedicaram a refletir sobre resumos. Marcuschi (2005), por exemplo,
afirma que trabalhar a compreensão da criança através do resumo, seja oral ou escrito, é uma
forma produtiva de perceber o funcionamento global dos textos sob o ponto de vista tanto do
conteúdo como das suas estruturas – seguindo de perto a já mencionada proposta de Gombert
(1992), de consciência textual. Ao elaborar o resumo, o sujeito se reporta ao texto
selecionando os elementos mais importantes, e isso poderá demonstrar sua compreensão do
material lido.
Marcuschi (idem), ao defender que a escola deve ter uma correta noção das
diferenças entre compreensão e decodificação, acrescenta que compreender envolve mais do
que conhecimento da língua e reprodução de informações, e que devem ser adotadas tarefas
mais edificantes para avaliar a compreensão leitora dos alunos, como aquelas que envolvem
processos criadores, ativos e construtivos, além da utilização do texto em si. A escrita, apesar
de ser complexa, pode contar pontos a favor quando se pretende aferir a compreensão. Outro
autor, como Charolles (1991, p.9) defende o resumo como “um teste para avaliar as
capacidades de compreensão e de produção escrita do aluno”, sendo ele mais curto, fiel em
termos de informação, e formalmente diferente do texto-fonte. Salienta a contradição entre os
princípios de economia e fidelidade, sendo difícil para o escritor julgar o que é importante
para ser incluído na sua reescrita.
O resumo, portanto, está diretamente ligado a escolhas
adequadas do reescritor.
Outro autor, como Van Dijk (2000), já menciona as operações para se elaborar um
resumo - as macrorregras de apagamento, generalização e construção. Essas sequências
formam as macroproposições e por fim a macroestrutura de um discurso, que pode ser
tipicamente expressa através de resumos (idem, p. 103). Segundo o autor, o que alimenta as
macrorregras são as proposições do texto, juntamente com as crenças e conhecimento prévio
dos sujeitos. Funcionando de modo recursivo, são geradas macroproposições ainda mais
gerais.
O resumo pode ser uma estratégia didática para enriquecer o trabalho com a leitura,
bem como com a produção escrita de crianças. Para Matêncio (2002), por exemplo, ele pode
ser uma ação implicada na leitura, ou seja, que se constrói no momento desta, ou um gênero
textual útil a diversas práticas discursivas.
Para Spinillo (2009), o resumo pode assumir
várias dimensões, entre elas ser ele mesmo objeto de aprendizagem, como quando a criança
aprende a resumir; ou ser um instrumento de aprendizagem, quando é utilizado para aprender.
Brandão e Spinillo (2001), após a análise de crianças entre quatro e oito anos, em tarefas de
produção e compreensão, concluem:
Dependendo da idade, as relações entre compreensão e produção se alteram.
Entre as crianças mais jovens, é mais fácil produzir um texto original do que
expressar a compreensão através da reprodução de um texto ouvido. Com a
idade, essa relação se inverte, sendo mais fácil expressar a compreensão
através da reprodução do que produzir um texto original. (p.59)
Aliando ao resumo, apresentamos Kleiman (1995, p.83), que propõe a paráfrase – uma
escrita mais autônoma – e afirma que a habilidade em escrever esse tipo de produção a partir
de um texto está entre as postuladas por alguns psicólogos e educadores que abordam a
leitura.
Essa habilidade decorre do uso apropriado de estratégias de processamento. Além
disso, a paráfrase vai além da compreensão de pistas locais no texto.
Ela envolve a
“percepção global e a transformação dos elementos locais em um todo coerente”.
O aluno
precisa ter uma percepção das relações entre as partes da narrativa e integrar esses dados num
todo coerente, para desse modo formar a macroestrutura do texto. Todavia, uma paráfrase
não é um resumo, pois não tem a fidedignidade ao texto original – apenas ela demonstra um
potencial criativo do leitor-escritor, muito importante no uso de recursos diversos dos
utilizados no texto-fonte pelo autor.
Indica que seu escritor consegue fazer uma abordagem
descendente do texto que leu, reescrevendo-o de modo autônomo, com recursos linguísticos
próprios – sem o uso das palavras do texto original.
Na construção de um resumo com sentido, o leitor/reescritor conta com pistas textuais
que são fornecidas pelo autor e constituídas da disposição textual – ou o gênero de texto –, da
pontuação, que lhe serve como guia, e dos dispositivos coesivos, que relacionam as ideias do
texto. Alguns traços figuram entre as características gerais desse tipo de produção, como a
apresentação concisa, sucinta, compacta, sintética, objetiva e seletiva do texto; a presença dos
pontos importantes, básicos e fundamentais do material escrito; e a utilização das próprias
palavras do leitor do texto-fonte. Torna-se um desafio para o leitor/reescritor encontrar seu
próprio vocabulário e, ao mesmo tempo, ser fiel ao que o texto-fonte apresenta – o que pode,
a princípio, parecer um paradoxo.
O resumo tem, portanto, a peculiaridade de situar-se em uma posição, ou constituir um
amálgama que reúne atividades distintas: revela a compreensão do leitor, sua capacidade de
síntese, sua habilidade na escrita e também seu nível de consciência textual com a presença de
coerência, coesão e de uma estrutura textual condizente com esse gênero de produção.
Discussão dos testes-piloto e perspectivas da pesquisa
A tese que originou este artigo pretende verificar a correlação entre a consciência
textual, a compreensão leitora e a produção de resumo de história, entre alunos do 5º ano do
Ensino Fundamental.
Para a validação dos instrumentos, foi necessário aplicar testes-piloto.
Mas foi necessário previamente que os instrumentos fossem analisados e resolvidos por cinco
juízes, cuja função foi fornecer um feedback dos testes para que, se necessário, se fizessem
adaptações ao público-alvo da pesquisa. A contribuição dos colegas foi de grande
importância, pois permitiu que fizéssemos alterações nos enunciados e nos critérios de análise
dos resultados.
Os instrumentos foram elaborados com base num texto-fonte apropriado à faixa etária
dos sujeitos, intitulado “Uma volta pela cidade”, retirado do livro Histórias para brincar, de
Gianni Rodari. O interessante desse livro é que cada história tem, originalmente, três opções
de final, cabendo ao leitor escolher um deles. Escolhemos um final mais adequado à história e
fizemos algumas adaptações de linguagem. Essa narrativa vai ao encontro do que preconizam
Stein e Glenn (1975) quanto às gramáticas de história: o principal componente de uma
história é a presença de um plano de ação definido por um protagonista, cujo objetivo é atingir
uma meta ou solucionar um problema. Conta a história de um menino que resolve pegar um
mapa de sua cidade e traçar um círculo exato sobre ele, utilizando um compasso. Esse círculo
orientaria uma volta pela cidade, que seria feita exatamente sobre a linha circular traçada no
mapa. No caminho, o menino, chamado Paulo, passa por algumas dificuldades, conhece um
senhor que o ajuda a pular um muro, mas no final da jornada, encontra uma criança perdida de
três anos que lhe pede ajuda para encontrar a mãe. Assim, Paulo desiste do seu plano e decide
ajudá-la. Pensamos, também, que seria interessante o uso do texto pelo final da história, que
apresenta uma atitude que consideramos “louvável” adotada por uma criança – algo a mais do
que um texto interessante, e que também reforça a natureza formadora da literatura, que
acreditamos ser relevante nas escolas.
Os testes-piloto foram realizados em uma turma de escola pública estadual de Porto
Alegre. Como tínhamos por objetivo verificar os instrumentos em si e não fazer uma prévia
da aplicação definitiva, a turma foi dividida em três grupos, sendo os testes de Resumo,
Consciência Textual e Compreensão Leitora distribuídos entre os três grupos, totalizando oito
sujeitos para cada tipo de teste. O procedimento inicial foi o seguinte: apresentação e
explicação dos testes aos sujeitos e leitura da história em voz alta para toda a turma. Os testes
de Compreensão Leitora e Consciência Textual tiveram, cada um, dez questões de escolha
simples, sendo que cada uma contava também, ao seu final, com duas outras, dissertativas –
de justificativa da resposta e de explicação de como o sujeito pensou para chegar à resposta
que ele considerava correta – considerando os aspectos do continuum dos níveis de
consciência tratados neste artigo.
Dentro desse espectro, essas questões podem ser
consideradas de ordem cognitiva e metacognitiva. Alguns ajustes deverão ser implementados
dissertativas deverão se adequar aos enunciados, evitando repetição de respostas, do tipo
“porque sim”, ou “eu li no texto” – o que ocorreu, a nosso ver, por alguns sujeitos estarem
apressados para resolver o teste, ou por não terem compreendido o mesmo. Verificou-se que
muitos utilizaram essas respostas como padrão em praticamente todas as dez questões de cada
teste.
Quanto aos resumos das crianças, observou-se a presença de cópias de trechos da
história, incluindo os diálogos entre os personagens.
Algumas delas iniciaram seu resumo a
partir do início da aventura do personagem principal, sem apresentá-lo devidamente; uma
delas começou pelo final da história; outra foi radical no resumo, escrevendo apenas uma
frase. Em suma, foi possível observar, não sem alguma preocupação, que os sujeitos do 5º
ano não têm noção de como situar personagens ao iniciar uma história, mesmo tendo à sua
frente o texto-fonte. A ideia de progressão temática estava praticamente ausente nas
produções. É possível que os sujeitos não tenham feito uma leitura mais cuidadosa do texto, o
que causou erros de sexo de personagem secundário, por exemplo, demonstrando falta de
atenção. Algumas produções eram, digamos, soltas do texto-fonte; outras, continham cópias
de trechos grandes da história, não indicando uma reflexão dos alunos sobre o que estavam
escrevendo – aqui, estratégias metacognitivas (correção, leitura mais ascendente para
certificação da ideia que o texto transmite) também não estavam presentes durante a tarefa de
resumo.
Consideramos importante um retorno dos resultados para a professora responsável
pela turma do teste-piloto. Um relato sobre quais alunos fizeram cada um dos três tipos de
teste, bem como seu desempenho individual, e ainda possíveis sugestões de situações
linguístico-pedagógicas de ensino do resumo em sala de aula nos parecem úteis para a
professora tentar melhorar a competência das crianças, e talvez olhar com mais acuidade a
questão da consciência sobre textos, em especial narrativos.
Num futuro próximo, cada teste definitivo – consciência textual, compreensão leitora e
resumo – representará uma variável, pois as três turmas escolhidas para a pesquisa farão
igualmente os três tipos de teste em momentos diferentes, uma vez que nosso objetivo é
estabelecer uma correlação entre os seus resultados em termos individuais dos sujeitos.
Busca-se a medida em que pode haver essa correlação, e pretende-se oferecer, tendo em vista
os resultados dos testes-piloto já realizados, perspectivas de atuação do professor no sentido
de problematizar a questão da elaboração de resumos – tornando-os objeto de ensino, e não
uma tarefa solicitada sem nunca ter sido abordada em aula.
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