ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS LABORATORY CHANGES DUE TO ANTIRETROVIRAL TREATMENT IN HIV POSITIVE PATIENTS Carla Camila de Lemos Medeiros1 Miriani Amália Ferreira Wyzykowski2 Matias Nunes Frizzo3 Carine Zimermann4 Bruna Comparsi5 RESUMO Desde sua descoberta na década de 80 a epidemia de HIV/AIDS ainda continua sendo um desafio para a saúde pública. Com o surgimento da terapia antirretroviral houve um aumento significativo na sobrevida dos pacientes. No entanto, os pacientes têm apresentado alterações clínicas decorrentes ao uso desses medicamentos. O objetivo deste trabalho é expor as principais alterações clínicas relacionadas ao uso da terapia antirretroviral. Assim, para tal, recorreu-se a consultas bibliográficas em artigos científicos. Foram observadas as principais repercussões hematológicas, bem como os principais distúrbios metabólicos associados ao uso de antirretrovirais. Em nosso estudo, foi possível observar uma alta prevalência de dislipidemias associadas ao aumento das cardiopatias e as repercussões hematológicas como principais alterações clínicas. Também foi possível observar uma importante relação entre as reações adversas provocadas pelos antirretrovirais com a não adesão ao tratamento. Palavras-chave: HIV/AIDS. Antirretrovirais. Dislipidemias. Reações adversas. Adesão. ABSTRACT Since its discovery in the 80s the HIV / AIDS still a public health challenge. With the advent of antiretroviral therapy there was a significant increase in patient survival. However, patients have shown clinical anormalities resulting from the use of these drugs. The objective of this work is to expose the main clinical changes related to the use of antiretroviral therapy. So for this, we used the bibliographic consults in scientific articles. The main effects were observed hematologic, and major metabolic disorders associated with the use of antiretrovirals. In our study, we observed a high prevalence of dyslipidemia associated with increased cardiac and hematological effects as clinical findings. It was also possible to observe a significant relationship between the adverse reactions caused by nonadherence to antiretroviral treatment. Keywords: HIV/AIDS. Antiretroviral. Dyslipidemias. Adverse reactions. Accession. 1 2 3 4 5 Acadêmica do Curso de Biomedicina - 8º semestre. Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo. lemos.cc@hotmail. com. Acadêmica do Curso de Biomedicina - 8º semestre. Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo. mirianiredel@ hotmail.com. Doutor em Biologia Celular e Molecular - PUCRS. Orientador. Professor do Curso de Biomedicina. [email protected] Mestre em Farmacologia (UFSM). Especialista em Gestão de Organização Pública em Saúde (UFSM). Biomédica. Professora do Curso de Biomedicina. Email: [email protected] Mestre em Ciências Biológicas: Bioquímica toxicológica. Orientadora. Professora do Curso de Biomedicina. brunacomparsi@ hotmail.com. 161 CARLA CAMILA DE LEMOS MEDEIROS - MIRIANI AMÁLIA FERREIRA WYZYKOWSKI - MATIAS NUNES FRIZZO - CARINE ZIMERMANN - BRUNA COMPARSI 1. INTRODUÇÃO A Imunodeficiência Humana Adquirida (AIDS) compreende o grupo das imunodeficiências secundárias ou adquiridas causada pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). A principal característica desta família de retrovírus é a sua estratégia replicativa, que inclui a transcrição reversa do RNA viral em DNA e a posterior integração deste DNA no genoma da célula hospedeira. Na infecção, o vírus do HIV infecta células T auxiliares (CD4+). Os estágios clínicos da infecção empregam uma combinação de condições clinicas com a contagem de células CD4+. Na maioria dos pacientes a infecção pelo HIV ocorre em três fases: infecção primaria, período de latência e doença clinica ou AIDS/SIDA (BALESTIERI, 2006; BRASIL, 2002; BRASIL, 2010). 45 40 35 1. 30 2. 25 3. 7 20 10 5 0 5. 5 15 1 2 3 4 4. 6 6. 7. Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Rio Grande do Sul Ano de 2011 Figura 1: Casos de HIV para cada 100.000 habitantes no ano de 2011. 162 Adaptado de: Boletim Epidemiológico AIDS/DST, 2012. Número de casos/100.000 habitantes A epidemia de HIV/AIDS continua sendo um dos mais sérios problemas de saúde pública. De acordo com o último Boletim epidemiológico, de 1980 a junho de 2011, no Brasil, foram notificados 608.230 casos de AIDS. Em 2010, foram notificados 34.218 novos casos. O Rio Grande do Sul está em primeiro lugar entre os estados com maior número de casos de HIV, nos anos de 2000 a 2011, para cada 100.000 habitantes foram registrados 40 novos casos (Figura 1). Na cidade de Santo Ângelo, localizada na região noroeste do estado, foi registrado o aumento de 85% do número de portadores do vírus HIV em pouco mais de cinco anos (A TRIBUNA, 2013; BRASIL, 2013). ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS A dosagem da carga viral e a contagem de linfócitos CD4+ têm implicações prognósticas na evolução da infecção e nos estágios clínicos, sendo também utilizados como base para indicar a terapia antirretroviral. O tratamento é indicado para indivíduos sintomáticos e assintomáticos com contagem de linfócitos CD4+ abaixo de 200 células/µl (BRASIL, 2010; BONOLO, GOMES, GUIMARÃES, 2007 COURA, 2005; PEÇANHA, ANTUNES, 2002). A adesão ao esquema terapêutico antirretroviral propiciou grandes avanços no tratamento da AIDS, com redução da morbidade e da mortalidade associadas à doença e eventual melhora na sobrevida do paciente. O estudo dos marcadores precoces da evolução para AIDS, contagem de linfócitos CD4+ e dosagem da carga viral são critérios utilizados como base para indicar as doses dos medicamentos. (BONOLO, GOMES, GUIMARÃES, 2007; CARVALHO et al., 2003; COURA, 2005; OLIVEIRA, OLIVEIRA, SOUZA, 2011; PEÇANHA, ANTUNES, 2002). Sendo assim, o tratamento objetiva retardar a progressão da imunodepressão suprimindo a replicação viral, alcançando níveis de carga viral abaixo do limite de detecção, bem como estabilizar a imunidade do paciente. No entanto, com a introdução dos antirretrovirais alterações clínicas que, em sua maioria são de leve ou moderada intensidade, vêm sendo descritas (COURA, 2005; OLIVEIRA, OLIVEIRA, SOUZA, 2011). Um efeito imediato comum e decorrente é a intolerância gástrica caracterizada por náuseas, vômitos e dor abdominal. Já a astenia, cefaleia ou insônia estão entre os efeitos observados após o uso de inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN). Os efeitos adversos têm sido um dos principais fatores da desistência do tratamento, levando a falha terapêutica e uma consequente ameaça à saúde publica, diante de uma possibilidade de transmissão de cepas resistentes (CECCATO et al., 2004; OLIVEIRA, OLIVEIRA, SOUZA, 2011). 163 CARLA CAMILA DE LEMOS MEDEIROS - MIRIANI AMÁLIA FERREIRA WYZYKOWSKI - MATIAS NUNES FRIZZO - CARINE ZIMERMANN - BRUNA COMPARSI O uso da terapia repercute em alterações principalmente hematológicas, sendo a anemia o principal achado nos pacientes em tratamento, entre os quais a supressão da medula óssea e/ ou anemia hemolítica. Mas além das alterações nas três séries hematopoiéticas outros achados de relevância encontrados em pacientes durante o uso de antirretrovirais são distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia, dislipidemia e alterações corporais (lipodistrofia) (DAMIELLI, TRITINGER, SPADA, 2010). Nesse sentido, esse estudo visa avaliar as principais alterações clínicas em indivíduos HIV positivos em decorrência a adesão ao esquema antirretroviral. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Trate-se de um estudo de revisão bibliográfica para o qual foram revisados artigos científicos indexados em bases de dados tais como: Scielo, Pubmed, Bireme, entre outros. Disponíveis online, de forma completa e gratuita; publicados do período de 2003 a 2013, obtidos de descritores, isoladamente e agrupados: HIV, terapia antirretroviral, alterações com o uso da terapia antirretroviral, adesão à terapêutica antirretroviral. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO 3.1. Infecção pelo HIV O HIV é um retrovírus constituído por RNA e a enzima transcriptase reversa. É caracterizado pela sua estratégia replicativa, que inclui a transcrição reversa do RNA viral em DNA e a posterior integração deste DNA no genoma da célula hospedeira. Durante a infecção o vírus do HIV infecta preferencialmente linfócitos TCD4+ na membrana das células. Assim, o quadro clínico da AIDS é caracterizado em função da contagem sanguínea de linfócitos TCD4+ e das condições clínicas relacionadas à infecção com o HIV (BALESTIERI, 2006; PEÇANHA, ANTUNES, TANURI, 2002). 164 ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS Na infecção, o HIV infecta células T auxiliares, que expressam em sua membrana a molécula CD4+. Essas células desempenham papel fundamental na resposta imunológica do organismo, estimulando outras células de defesa. Sem a quantidade adequada das células T auxiliares, o sistema imune fica comprometido e consequentemente suscetível a infecções oportunistas. Na evolução da infecção a contagem de células CD4+ em sangue periférico tem implicações prognósticas, pois é a medida de imunocompetência celular (BALESTIERI, 2006; BRASIL, 2002). A contagem de linfócitos CD4+ e a dosagem da carga viral estão diretamente relacionadas aos estágios clínicos da infecção, que podem ser divididos em três estágios: fase primaria, período de latência e AIDS. A infecção primária apresenta característica de uma mononucleose não especifica. Os sintomas aparecem de duas a seis semanas após a exposição ao vírus. De 14 a 21 dias após o seu inicio, os sintomas desaparecem (BRASIL, 2002; BRASIL, 2010). O quadro laboratorial revela uma linfopenia com diminuição dos linfócitos CD4+ e CD8+ seguida de uma linfocitose com aumento predominante dos linfócitos CD8+ e um aumento menor nos linfócitos CD4+. A resposta humoral e celular, que são responsáveis pelos sintomas, é induzida duas a quatro semanas após a infecção com altas concentrações de vírus na circulação. Cerca de uma a três semanas após o inicio dos sintomas é possível a detecção dos anticorpos anti-HIV que são inicialmente de classe IgM e posteriormente substituídos por IgG. Dentre as repercussões hematológicas, o quadro da infecção pelo HIV pode ser acompanhado de linfopenia, pancitopenia ou ainda uma linfocitose com linfócitos atípicos; a manifestação hematológica mais comum é a plaquetopenia, causada geralmente por destruição imunológica; leucopenia com neutropenia na infecção instalada; queda dos linfócitos CD4+, inicialmente mascaradas pelo aumento das células CD8+, resultando em uma linfopenia absoluta na fase sintomática da infecção. O período de latência se expressa, em média, em 10 anos e na fase tardia o paciente possui AIDS e é a etapa onde 165 CARLA CAMILA DE LEMOS MEDEIROS - MIRIANI AMÁLIA FERREIRA WYZYKOWSKI - MATIAS NUNES FRIZZO - CARINE ZIMERMANN - BRUNA COMPARSI aparecem as infecções oportunistas e neoplasmas. A contagem de células CD4+ se apresenta entre 50 e 200 células/µl (ALVES et al., 2011; BRASIL, 2010; LEITE, 2010; ZAGO, FALCÃO, PASQUINI, 2004). 3.2. Critérios para adesão e tratamento O HIV apresenta um ciclo de replicação com diversos eventos direta e exclusivamente relacionados a componentes virais, que são utilizados como critérios para a introdução a terapêutica antirretroviral (PEÇANHA, ANTUNES, TANURI, 2002). Sendo assim, os critérios para adesão incluem a combinação da avaliação da dosagem da carga viral plasmática e contagem de linfócitos CD4+ associados ou não a sintomatologia. Desta forma sendo prescrita a pacientes portadores de HIV sintomáticos ou assintomáticos que apresentam contagem de linfócitos CD4+ inferiores a 200 células/µl. Alguns autores trazem uma contagem de linfócitos CD4+ entre 350 e 200 células/µl como valores determinantes para indicar a terapia (BONOLO, GOMES, GUIMARÃES, 2007; COURA, 2005). Como demonstra o estudo de Geocze e colaboradores (2010), a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) e a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) constituem um dos mais sérios problemas de saúde publica. Com o surgimento dos antirretrovirais, o tempo de vida do paciente aumentou significativamente, com diminuição do número de novas infecções por HIV e aumento do número de pessoas vivendo com o vírus (diminuição da mortalidade relacionada à AIDS). Refletindo o impacto benéfico do tratamento e consequentemente uma melhora na qualidade de vida dos indivíduos. A terapia antirretroviral é causa de profunda e sustentada supressão da replicação viral, objetivando retardar a progressão da imunodepressão e reduzir a morbidade por infecções oportunistas e, consequentemente, restaurar a integridade do sistema imune (ILIAS, CARANDINA, MARIN, 2011). 166 ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS Segundo os estudos de Peçanha e colaboradores (2002), os antirretrovirais atuam na inibição no sitio de ligação da enzima transcriptase reversa, na inibição alostérica da transcriptase reversa ou na inibição “competitiva” da protease. Dessa forma a resposta adequada ao tratamento se da pela associação de esquemas antirretrovirais de alta potência e da análise da combinação carga viral e contagem de linfócitos CD4+. Para que o tratamento apresente eficácia é utilizado o uso combinado de inibidores da transcriptase reversa e da protease. Contudo, essa combinação somente é efetiva se os pacientes fizerem uso correto da medicação. Para que a supressão da replicação viral apresente eficácia é necessário que o paciente ingira 90 a 95% das doses de medicamentos prescritos. Em contrapartida, os efeitos colaterais tem sido um dos importantes fatores da não adesão ao tratamento (GEOCZE, 2010; ILIAS, CARANDINA, MARIN, 2011). 3.3. Alterações clínicas relacionadas ao tratamento Estudos realizados por Marques (2006) e Andrade (2009), demonstram que a Zidovudina (AZT), devido ao seu amplo uso, a mais de 10 anos, apresenta os maiores índices de alterações clínicas a curto e em longo prazo. O AZT foi o primeiro análogo de nucleosídeo inibidor da transcriptase reversa a ser liberado para uso clínico. A ação medicamentosa se inicia uma hora após a administração. Os efeitos adversos provocados pela zidovudina nos primeiros dias de uso podem ser cefaleia, dificuldade de concentração, náuseas e insônia. Anemia, geralmente normocítica normocrômica, mas pode ser macrocítica, leucopenia e plaquetopenia incluem os principais efeitos adversos. Outros achados comuns são as elevações das enzimas hepáticas em até três a cinco vezes acima dos níveis normais. Tardiamente, podem surgir hepatotoxocidade e miosite (Tabela 1). 167 CARLA CAMILA DE LEMOS MEDEIROS - MIRIANI AMÁLIA FERREIRA WYZYKOWSKI - MATIAS NUNES FRIZZO - CARINE ZIMERMANN - BRUNA COMPARSI Mecanismo de ação Nome Químico Efeitos Adversos Inibidores da Transcriptase Reversa Análogos de Nucleosídeos (ITRN) Zidovudina, Didanosina, Zalcitabina, Estavudina Lamivudina Abacavir Tenofovir Emtricitabina Intolerância GI, diarreia e dor abdominal Náuseas e vômitos Cefaléia, Insônia, Indisposição, febre. Sintomas respiratórios Alergia, Rash e Hiperpigmentação. Miopatia Lesão de Retina e Nervo Óptico Neuropatia Periférica Toxicidade hepática Estomatite, Pancreatite Lipodistrofia e dislipidemia Acidose Láctica Supressão da medula óssea/anemia Disfunção renal Inibidores da Transcriptase Reversa Não-Análogos de Nucleosídeos (ITRNN) Nevirapina Delavirdina Efavirenz Etravirina Hepatotoxicidade Reação cutânea grave, Rash. Cefaléia, fadiga Teratogênico Náuseas e dor Abdominal Neuropatia periférica Hipertensão Inibidores de Protease (IP) Saquinavir Indinavir Ritonavir Nelfinavir Lopinavir/ Ritonavir Atazanavir Fosamprenavir Tipranavir Darunavir Cefaléia, Astenia, visão borrada Hemólise e hemorragia intracraniana Leucocitúria Atrofia cortical renal Náuseas, vômitos Diarreia e sintomas GI Parestesia Peri-oral Pancreatite Alteração da percepção do gosto Aumento de CPK e ácido úrico Rash, Stevens-Johnson. Toxicidade e Insuficiência hepática Nefrolitíase Elevação de BI Inibidor da Entrada do HIV e Inibidor da Fusão Enfuvirtida Maraviroque Reação local e eritema, Rash. Induração, nódulos/cistos Febre e calafrios Náuseas e vômitos Neuropatia periférica Insônia Hiporexia, Mialgia Pneumonia bacteriana Aumento de infecções por Cândida, Herpes e Influenza. Dor abdominal e diarreia Edema, Rinite Anormalidades CVS Hepatotoxicidade Inibidor de Integrase Raltegravir Náuseas e cefaleia Diarreia, febre Miopatia Rabdomiólise 168 Adaptado de: ANDRADE, 2009; DOMINGOS, 2006; FARHL, LIMA, CUNHA, 2008; OLIVEIRA, OLIVEIRA, SOUZA, 2011. Tabela 1: Efeitos adversos relacionados ao uso de antirretrovirais. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS De acordo com Alves e colaboradores (2011), o uso dos medicamentos antirretrovirais, repercute principalmente em alterações hematológicas, como descreve a maioria dos estudos. Estão associadas, quase que exclusivamente, ao uso de Zidovudina (AZT), como já descrito. Alguns inibidores da protease como o saquinavir, indinavir e o retonavir apresentam repercussões hematológicas que incluem plaquetopenia e trombocitopenia. O estudo de Daminelli e colaboradores (2010), afirma que a anemia é a repercussão hematológica mais comumente encontrada. As causas de anemia são de natureza multifatorial, podendo estar relacionadas aos efeitos da doença e ao regime terapêutico. Essas anormalidades hematológicas podem estar associadas à toxicidade hematológica causada pela terapêutica antirretroviral, onde a proliferação das células sanguíneas progenitoras pode ser inibida. Como a literatura descreve, o regime terapêutico induz a supressão da atividade da medula óssea, o desenvolvimento de anemia pode ser observado em um período de seis meses ou quarenta e oito semanas em uso dos medicamentos. Períodos maiores tornam o quadro anêmico mais severo. Daminelli e colaboradores (2010) ainda acrescentam em seu estudo que a infecção do HIV está associada a anormalidades morfológicas na medula óssea e diminuição das células sanguíneas progenitoras que, além do regime terapêutico, podem estar associadas ao mecanismo de apoptose das células, alterações na produção de citocinas ou relacionadas a outros fatores imunológicos. Outros achados importantes envolvendo o uso contínuo da terapêutica antirretroviral foram descritos nos estudos de Farhl, Lima e Cunha (2008), como distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia, dislipidemia (aumento de colesterol total, da fração LDL e de triglicerídeos, com diminuição na fração HDL) e alterações corporais (lipodistrofia, perda de gordura subcutânea nos membros e na face). Há uma prevalência de dislipidemia em portadores de HIV submetidos à tratamento. Essa prevalência 169 CARLA CAMILA DE LEMOS MEDEIROS - MIRIANI AMÁLIA FERREIRA WYZYKOWSKI - MATIAS NUNES FRIZZO - CARINE ZIMERMANN - BRUNA COMPARSI chama a atenção dos autores, pois esse distúrbio está associado ao aumento de doenças cardiovasculares, uma vez que ocorre o acúmulo dos fatores associados ao aumento do risco para eventos cardíacos. A literatura aponta que o tempo de exposição aos medicamentos é associado ao desenvolvimento de dislipidemia. Estudos de Domingos (2006) afirmam que os antirretrovirais que representam a classe dos inibidores da transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (ITRN’s) incluem as dislipidemias como repercussões metabólicas. Aumento de triglicerídeos e de lipase, além de alterações de glicemia. Outros achados laboratoriais como elevação assintomática de ácido úrico e acidose lática também fazem parte das alterações. Os potentes antirretrovirais da classe dos inibidores da transcriptase reversa não-análagos de nucleosídeos (ITRNN’s) apresentam, além das dislipidemias, aumento das enzimas hepáticas e elevação das transaminases. Farhl, Lima e Cunha (2008) e Andrade (2009) concordam que, os inibidores da protease (IP) incluem a classe com maior prevalência de dislipidemias. Elevação significativa dos níveis séricos de colesterol e de triglicerídeos, aumento das transaminases e creatinofosfoquinase, lipodistrofia, hiperglicemia, aumento assintomático da bilirrubina indireta, elevação de ácido úrico, hiperbilirrubinemia indireta. O desenvolvimento de resistência à insulina não é raro, levando a hiperglicemia e diabetes, como demonstra a Tabela 1. Esses achados laboratoriais constituem as alterações envolvendo os IP. No uso combinado de antirretrovirais algumas repercussões aumentam ou não aumentam significativamente. Como no caso do Atazanavir associado ao ritonavir onde não há aumento significativo de colesterol total, do LDH e de triglicerídeos. E no caso do Lopinavir que associado à outra droga aumenta as transaminases e causa lipodistrofia (ANDRADE, 2009) Como é descrito na literatura, além das repercussões hematológicas e metabólicas outros efeitos adversos são observados em curto prazo. Eventos imediatos comuns a todos as classes de 170 ALTERAÇÕES LABORATORIAIS DECORRENTES AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL EM PACIENTES HIV POSITIVOS antirretrovirais são os decorrentes de intolerância gástrica caracterizada por náuseas, vômitos e dor abdominal. Cefaléia, febre, diarreia, icterícia, exantema, hepatite, rash, sintomas neuropsiquiátricos (como insônia, depressão e dificuldade de concentração), síndrome de Stevens-Johnson, gosto metálico na boca, mucosas secas (principalmente lábios), fadiga, xerodermia, unha “encravada” ou displasia ectodérmica (principalmente nos primeiros pododáctilos), sonolência, alteração visual, parestesia em torno da boca e também periférica, também constituem efeitos adversos comuns a todas as classes, também representados na tabela 1. Alguns com aparecimento mais regular outros mais raros de apresentarem (ANDRADE, 2009; OLIVEIRA, OLIVEIRA, SOUZA, 2011). É possível notar que os estudos, como o de Daminelli e colaboradores (2010) e Oliveira e colaboradores (2011), descrevem que o uso dos antirretrovirais repercute principalmente em alterações hematológicas. Contudo, o estudo de Farhl e colaboradores (2008) acrescenta que há prevalência de dislipidemias associada ao uso desses medicamentos e essas, estão relacionadas ao aumento de doenças cardiovasculares. Outros achados de relevância incluem os efeitos adversos comum a todas as classes, imediatos e regulares ou com uma frequência baixa de aparecimento. 4. CONCLUSÃO A introdução da terapêutica antirretroviral objetiva retardar a progressão da imunodepressão suprimindo a replicação viral e, com isso, diminuir a morbidade e a mortalidade associadas a infecção e consequentemente melhorar a qualidade de vida do paciente. Porém, sua utilização está associada a efeitos adversos que repercutem em alterações hematológicas que induzem a supressão da atividade da medula óssea e a distúrbios metabólicos, como as dislipidemias associadas ao aumento de doenças cardiovasculares. As recomendações quanto ao uso de antirretrovirais indicam uma tomada completa dos medicamentos prescritos 171 CARLA CAMILA DE LEMOS MEDEIROS - MIRIANI AMÁLIA FERREIRA WYZYKOWSKI - MATIAS NUNES FRIZZO - CARINE ZIMERMANN - BRUNA COMPARSI para que os mesmos apresentem eficácia. Quanto às alterações, estas estão relacionadas à adesão, é de suma importância o seu conhecimento para a escolha do esquema terapêutico e para uma melhor qualidade de vida do paciente, uma vez que as alterações podem ser facilitadoras para uma adesão incompleta ou desistência do tratamento. Como demonstra esse estudo, há um numero limitado de estudos relacionando as alterações clínicas com o uso da terapêutica antirretroviral. Desta forma seria de grande valia que novas pesquisas surgissem, principalmente buscando uma melhor compreensão sobre a importância do tratamento e os efeitos causados por este. 5. 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