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REVISTA DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO IFAM
PRESERVAÇÃO DE FORMAS LEXICAIS NO VOCABULÁRIO LABRENSE
Hecília Ricardo da Silva1; Edson Galvão Maia2
INTRODUÇÃO
Na língua estão refletidos os complexos valores dos grupos sociais. O conhecimento dos falares que individualizam esses grupos é necessário, com vistas a
detectar o legado de nossos antepassados neles ainda presente, as contribuições
das novas gerações, retratando, assim, dinâmica não só da língua, mas também da
cultura de seus usuários.
Os estudos dialetais têm contribuído significativamente para a caracterização do português brasileiro, registrando e analisando os seus diversos falares. No
entanto, apesar do avanço das pesquisas sobre as variantes populares do português do Brasil, a Geografia Linguística ou Geolinguística tem sido mais produtiva
em outras partes do mundo, pois, pela imensa área territorial brasileira e por questões diversas, poucos são os que se dedicam à elaboração de atlas linguísticos ou a
estudos dialetais de modo geral.
A Geolinguística é um método da Dialetologia que até hoje se mostra eficaz
para o conhecimento das variantes populares de uma língua. No que se refere à
Dialetologia, Silva Neto (1957) afirma que compreende um campo mais vasto, o da
Etnografia, ciência que se ocupa da cultura de um povo.
O método geolinguistico foi aperfeiçoado e difundido por Jules Gilliéron,
autor do Atlas Linguístico da França (ALF), publicado entre 1902 e 1910. Esse método possibilita reconstruir a história de palavras, de flexões, de agrupamentos sintáticos e de antigas camadas da língua, segundo a repartição dos tipos geográficos
atuais, o que se dá através da elaboração de atlas que reúnem cartas em que se
registra o material linguístico encontrado na fala de informantes, submetidos a um
questionário previamente elaborado, permitindo o acompanhamento das vias de
difusão das palavras, a observação da pronúncia e dos meios de expressão que dispõe o grupo humano estudado, bem como a obtenção de informações preciosas
sobre a história cultural da região onde este grupo habita. A Dialetologia difundiu-se, então, a partir do final do século XIX, na Alemanha, Itália e França.
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Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – IFAM Campus Lábrea. E-mail: hecilia.
[email protected]
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No Brasil, os pioneiros na área são Amadeu Amaral, Antenor Nascentes, Mário Marroquim, Serafim da Silva Neto e Celso Cunha. Hoje, têm-se oito atlas regionais publicados, além de alguns em andamento e a elaboração do Atlas Linguístico
do Brasil (ALiB), em curso desde 1996, sob a coordenação da professora Suzana Alice
Cardoso, da UFBA.
Por sua vez, a Sociolinguística ou Teoria Variacionista é, segundo Tarallo
(2003), um modelo teórico-metodológico que busca analisar e sistematizar variantes linguísticas usadas por uma mesma comunidade de fala. O modelo nasce em
oposição a uma linguística estrutural, a qual desde os seus primórdios eliminou de
seu campo tudo o que existe de social da língua, considerando-a um fato social. Foi
iniciada pelo americano William Labov, na década de 60, sendo eficaz para a análise
de dados linguísticos ao relacioná-los às variantes sociais, os fatores extralinguísticos, como o nível de formalidade do discurso, a escolaridade, faixa etária, sexo e
nível socioeconômico do informante.
Baseando-se no fato de que a Sociolinguística estuda as relações entre as
variantes linguísticas e as variantes sociológicas, Preti (1994) afirma que esta se liga
à etnolinguística, estudo da mensagem linguística em ligação com o conjunto de
circunstâncias da comunicação.
Os limites de uma e outra disciplina não são ponto pacífico entre os linguistas, no entanto para este trabalho usa-se o termo Dialetologia Pluridimensional que
abrange o campo de ambas e é a tendência atual no estudo da variação linguística.
O Amazonas ainda não tem todos os seus falares caracterizados, uma vez
que são raros estudos dessa natureza nesse Estado. Na cidade de Lábrea, tem-se o
registro de dois estudos: o Atlas Linguístico do Amazonas – ALAM (Cruz, 2004), que
tem como um de seus nove pontos de inquérito esse município, e a dissertação
de Maia (2012), na qual Lábrea ocupa um lugar entre as três localidades estudadas
na Microrregião do Purus. O primeiro trata-se de uma pesquisa de caráter tanto
semântico-lexical, quanto fonético-fonológico, no entanto, o campo semântico privilegiou temas voltados ao meio rural, de cultivo da mandioca, natureza, costumes.
O segundo trata-se de uma pesquisa apenas de caráter fonético-fonológico. Sabe-se de uma pesquisa dialetal em nível de iniciação científica que tratava também
do aspecto semântico, porém foi utilizado o mesmo questionário do ALAM, o que
implica uma abordagem dos mesmos campos semânticos.
Dentre as variações que mais caracterizam um dialeto se encontra a variação lexical talvez por ser mais perceptível ou até mesmo curiosa. Não raro nos deISSN: 1982-5498 ISSN-E: 2238-4286 Vol. 04 - Nº Especial – Dezembro 2013/2014
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paramos com situações nas quais um indivíduo não compreende outro falante de
um dialeto diferente por não conseguir nem mesmo inferir o significado de alguns
vocábulos ou expressões pertencentes a esse dialeto. Isso, longe de ser um empecilho, é uma manifestação da riqueza da língua portuguesa que deve ser registrada,
uma vez que a língua está sempre mudando. Nesse sentido, um estudo lexical no
município de Lábrea torna-se importante, pois poderá registrar os vocábulos típicos da região, observando o que já vem se extinguindo, o que se está preservando,
o que vem mudando de sentido e as novas entradas do léxico.
Este projeto objetivou identificar, registrar e caracterizar palavras e expressões típicas do falar labrense, observando seu nível de preservação nesta comunidade linguística.
Dessa forma, essa pesquisa poderá concorrer para o conhecimento das particularidades do falar amazonense, e especialmente do labrense, uma vez que essa
é uma região tão parcamente explorada do ponto de vista linguístico, bem como
para a compreensão da língua portuguesa como organismo vivo e diversificado,
porém sistematicamente organizado, oferecendo a quem interessar subsídios para
um ensino aprendizagem que considere as variedades dialetais do país.
MÉTODO OU FORMALISMO
Esta pesquisa caracteriza-se como qualitativa e utiliza o método da Geolinguística com apoio da Sociolinguística para a sistematização dos dados.
A fim de alcançar os nossos objetivos, inicialmente fizemos um estudo bibliográfico sobre as teorias que embasam o projeto. Em seguida, fizemos o levantamento das formas lexicais que possam estar em extinção ou em processo de mudança de significado. Selecionamos 30 formas lexicais, considerando o nível desta
pesquisa, essas são: acesa, arear, barraca, boia, bolear, bulinar, braguilha (barguilha),
calibre, cambota, cartilha, cegueta, cesto, charão, chincada, corpete, cortinado, eletrola, extrato, derradeiro, gabola, gamela, gravador, fuxicar, lombrado, merenda, mufino,
passamento, pecinha, petisqueira e tramela. Depois fizemos a pesquisa nos dicionários para vermos quais formas lexicais eram dicionarizadas e quais não constavam
significado nos dicionários.
Logo após, realizamos a pesquisa de campo com informantes naturais e residentes na zona urbana do município, com as seguintes perguntas para cada forma lexical: “Você conhece essa palavra?”, “O que ela significa?”, “Você conhece outro
significado para ela?”. Os informantes foram distribuídos em três faixas etárias: 15
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a 35 anos, 36 a 55 anos e 56 anos em diante, abrangendo, por conseguinte, o fator
diatópico e diageracional da variação.
Foram entrevistados 60 informantes, sendo 20 em cada faixa etária.
Coletados os dados, estes foram analisados e tabulados com vistas à melhor
apresentação dos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir do levantamento das formas lexicais, foi realizada uma pesquisa em
dicionários para saber se estas são dicionarizadas, e chegamos à conclusão de que
três das formas lexicais não contém significado no dicionário (ver tabela 1).
Tabela 1 – Palavras dicionarizadas e palavras que não dicionarizadas
Antes da entrevista com os moradores, com vista a comparar o significado
encontrado nos dicionários e o significado atribuído pelos moradores da comunidade de fala estudada, adotou-se a denominação “significado esperado”, a qual
correspondia o significado hipotético que se esperava que fosse atribuído pelos
moradores. Ao fim das entrevistas foi possível confirmar esse significado.
Após a realização da pesquisa nos dicionários, e considerando o significado esperado juntamente com os resultados das entrevistas, foi possível fazer uma
comparação entre os significados para depois analisamos quais estão preservados
e quais não estão (ver tabela 2). Para a elaboração da tabela, consideramos o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, uma vez que esse possui todas as entradas
lexicais encontradas, no entanto também foram pesquisadas as entradas dos dicionários Global Escolar (Silveira Bueno) e o Aurélio Escolar.
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Tabela 2 – Significados das formas lexicais
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Após a análise de tempo aparente, ou seja, a análise nas faixas etárias, bem
como o significado esperado, foi possível estabelecer quais significados estão preservados na comunidade de fala pesquisada e quais não estão. Os significados que
estão preservados são: bóia, barguilha (braguilha), corpete, cortinado, gabola, extrato, derradeiro, fuxicar, lombrado, merenda, pecinha, tramela e cambota. Para analisamos o nível de preservação levou-se em consideração o percentual correspondente
a primeira faixa etária equivalente a 50% + 1 para os que estão preservados. Abaixo
disso o significado está classificado como não preservado, conforme se observa nas
tabelas 3 e 4.
dos.
A tabela 3 contém o percentual por faixa etária dos significados preservaTabela 3 – Significados preservados
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Analisando a tabela podemos observar que em todas as faixas etárias se conhece os significados esperados das formas lexicais pesquisadas e na primeira faixa
etária os índices ultrapassam 50%.
A seguir falaremos mais sobre três das treze formas lexicais preservadas.
Para a forma lexical bóia, esperávamos os significados “comida” e “objeto flutuante usado para prender redes de pesca, sinalizar ou fazer flutuar um corpo”. Na
primeira faixa etária, os índices apontam para uma preservação do segundo significado (70% dos informantes da primeira faixa etária conhecem o significado), no
entanto o significado “comida” não está preservado na comunidade de fala, uma
vez que, conforme se observa na figura 1, 20% dos informantes da primeira faixa
etária não o conheciam.
Figura 1: Gráfico exemplificando a forma lexical preservada boia
A resposta para esse resultado pode estar no índice de escolaridade da primeira faixa etária, que leva os informantes a responder como primeiro significado
aquele que é mais prestigiado socialmente. Isso se confirma quando se observa a
resposta à pergunta “Você conhece outro significado para essa palavra?”. Muitos
informantes da primeira faixa etária conhecem o significado “comida”, porém não o
atribuem primeiramente à forma lexical, devido ao estigma inerente a ele.
Para a forma lexical barguilha (braguilha) esperávamos o significado de
“abertura na parte dianteira das calças e bermudas; zíper”. Essa forma esta preservada, pois os índices demonstram que 95% na primeira faixa etária conheciam o
significado para essa palavra, como podemos observar na figura 2.
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Figura 2: Gráfico exemplificando forma lexical preservada braguilha
Embora seja frequente o uso da forma “zíper”, os jovens mantêm o uso de
“braguilha” que sempre ouviram dos falantes mais velhos (pais, avós) e o fato de não
atribuírem a essa segunda forma outro significado, bem como o fato de o zíper geralmente ser interpretado como parte da braguilha, geram a preservação da forma.
Para a forma lexical corpete esperávamos o significado de “sutiã”. Na primeira
faixa etária 70% dos informantes conheciam esse significado, na segunda faixa etária 90% conheciam e na terceira 100% tinham o conhecimento do significado dessa
forma lexical, como podemos observar na figura 3.
Figura 3: Gráfico exemplificando forma lexical preservada corpete
Esse resultado mostra que a convivência entre os informantes pertencentes
a primeira faixa etária com os informantes pertencentes às demais faixas, faz com
que o significado da forma lexicais seja preservado, no entanto já percebe-se uma
diminuição gradativa do conhecimento do significado da terceira para a primeira
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faixa etária, o que permite a hipótese de uma futura extinção da forma ao longo
dos anos.
Os três exemplos de formas lexicais preservadas citados acima explicam a
preservação de todas as outras formas, pois os significados dessas formas ainda se
encontram preservados por motivo: da escolaridade, do uso desses significados no
cotidiano dos moradores da comunidade e pela convivência entre os moradores
de diferentes idades. Não obstante, é importante observar que, a exemplo de corpete, muitas delas vem sofrendo uma gradativa diminuição no conhecimento do
significado esperado da terceira para a primeira faixa etária, conforme se observa
na tabela 3 acima.
Agora iremos analisar os significados que não estão preservados, esses são:
acesa, arear, barraca, bolear, bulinar, calibre, cartilha, cegueta, cesto, charão, chincada,
eletrola, gamela, petisqueira, mufino, passamento e gravador.
dos.
Na tabela 4, pode-se observar o percentual dos significados não preservaTabela 4 – Significados não preservados
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Analisando a tabela podemos observar que poucos informantes pertencentes à primeira faixa etária conhecem os significados das formas citadas acima, em
consideração ao significado esperado. Todos os percentuais na primeira faixa etária
estão abaixo ou igual a 50%.
vadas.
A seguir falaremos mais sobre três das dezessete formas lexicais não preser-
Para a forma lexical acesa, esperávamos o significado de “menina ansiosa
por assuntos sexuais”, porém na primeira faixa etária apenas 15% conheciam esse
significado, já na segunda faixa etária, 15% conheciam e na terceira 20%. O significado mais atribuído pelos informantes foi o de “que se acendeu”, que na primeira
faixa etária teve o índice de 85%, na segunda 60% e na terceira 55%, como podemos observar na figura 4.
Figura 4: Gráfico exemplificando forma lexical não preservada acesa
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A resposta para esse resultado pode estar no índice de escolaridade da
primeira faixa etária, pois quando perguntamos “Você conhece outro significado
para essa palavra?” os informantes respondiam o significado de “menina ansiosa
por assuntos sexuais”, outra justificativa para esse índice é que por se tratar de uma
entrevista os informantes optaram por responder o significado mais prestigiado
socialmente, ou seja, o significado de “que se acendeu”. Dessa forma, chegamos à
conclusão de que os informantes da primeira faixa etária conheciam o significado
“menina ansiosa por assuntos sexuais”, todavia optaram por não respondê-lo primeiramente por causa do estigma inerente a ele.
Para a forma lexical gamela tínhamos como significado esperado o de “vasilha de madeira”, no entanto, na primeira faixa etária apenas 25% conhecia tal significado, ao passo que na segunda 80% e na terceira 90%. A maioria dos informantes
da primeira faixa etária respondeu que não conhecia o significado da palavra como
é possível analisar na figura 5.
Figura 5: Gráfico exemplificando forma lexical não preservada gamela
A resposta para esse resultado pode estar no fato de que essa forma lexical
é pouco falada na zona urbana do município sendo mais utilizada na zona rural. Por
esse motivo, os informantes da segunda e terceira faixas etárias têm o conhecimento desse significado, uma vez que quando jovens eram moradores da zona rural do
município. Logo, os informantes mais jovens, que em sua maioria já nasceram na
zona urbana, não conhecem o significado para essa forma lexical.
Para a forma lexical mufino esperávamos o significado de “pessoa magra”.
Na primeira faixa etária apenas 5% conheciam o significado esperado e a maioria
afirmara não conhecer sequer a palavra. Na segunda e terceira, por sua vez, 75%
conheciam, conforme é possível observar na figura 6.
A resposta para esse resultado pode estar no nível de escolaridade dos inISSN: 1982-5498 ISSN-E: 2238-4286 Vol. 04 - Nº Especial – Dezembro 2013/2014
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formantes da primeira faixa etária, uma vez que essa forma não consta no dicionário. Essa forma lexical é mais utilizada entre os informantes da terceira faixa etária
como é possível observar na figura acima.
Figura 6: Gráfico exemplificando forma lexical não preservada.
Os três exemplos de formas lexicais não preservadas citados acima explicam
a não preservação de todas as outras formas. Os principais motivos para que essas
formas não estejam mais preservadas são: o nível de escolaridade maior entre os
informantes da primeira faixa etária e o fato de que algumas formas são mais utilizadas na zona rural do município, onde muitos dos informantes da segunda e da
terceira faixas etárias quando jovens moravam antes de se mudarem para a zona
urbana do município, onde foi realizada a pesquisa para o projeto.
Após à analise dos significados preservados e dos que não estão preservados, foi possível ainda analisar dentre os significados não preservados, quais possuem o significado igual ao do dicionário, quais não são conhecidos e quais estão
mudando de significado (ver tabela 5).
Tabela 5 – Correspondências entre significados das formas não preservadas
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Analisando a tabela podemos observar que os significados das formas lexicais acesa, calibre, cegueta e gravador correspondem ao significado do dicionário e
diferenciam do significado esperado. Já as formas lexicais barraca, cartilha, charão e
chincada possuem significados diferentes do significado do dicionário e com exceção da forma charão, as outras também diferem do significado esperado. Como por
exemplo, barraca, sobre a qual esperávamos o significado de “moradia ou casa”, porém o significado mais atribuído pelos informantes foi de “casa simples e pequena”.
Nesse caso, podemos observar que ocorreu uma mudança entre os significados.
Agora, fazendo uma comparação entre o significado atribuído pelos informantes e
o significado do dicionário, veremos que também houve uma mudança de significado já que no dicionário essa palavra possui os significados de “abrigo portátil para
acampamento”, “tenda de fácil remoção” e “guarda-sol”.
Também detectou-se formas lexicais que os informantes da primeira faixa
etária não conheciam, tais como: arear, bolear, cesto, eletrola, gamela, petisqueira,
mufino e passamento. A forma lexical cesto, por exemplo, só era conhecida por 25%
dos jovens, enquanto 75% nunca ouviram falar da palavra.
Durante a pesquisa na zona estudada do município, ocorreu um caso especial: bulinar., Essa forma lexical não dicionarizada, sobre a qual estávamos esperando o significado de “tocar em alguém com intenções sexuais”, perdeu totalmente o
significado, pois este não fora pronunciado por nenhum informante nas três faixas
etárias. Ao final da pesquisa, obtivemos um novo significado para essa forma que
foi “ação de bullying”, ocorrendo assim uma mudança de significado (ver figura 7).
Figura 7: Gráfico exemplificando forma lexical não preservada.
A resposta para essa mudança de significado pode estar na questão de que
a palavra bullying surgiu a pouco tempo na mídia e vem sendo bastante discutida,
fazendo com que os informantes, principalmente os da primeira faixa etária, asso76
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ciem a forma lexical bulinar com a forma bullying por se tratar de formas lexicais
parecidas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio dos registros e dos resultados, esta pesquisa serve de base para
outros estudos, como, por exemplo, um estudo sobre preservação na zona rural
do município estudado, uma vez que apenas a zona urbana foi pesquisada. Resultados de um estudo na zona rural poderiam ser comparados a esses resultados e
as respostas sobre a preservação das formas lexicais no vocabulário do município
de Lábrea estaria completo. Supõem-se uma maior preservação na zona rural em
detrimento de menor escolaridade e mais isolamento dos informantes dessa zona,
fatores que, conforme se observa nos dados desta pesquisa, são primordialmente
condicionantes de mudanças de significados menos prestigiados pelos falantes.
Esperamos que essa pesquisa contribua para a caracterização da linguagem
labrense e consequentemente da cultura labrense, uma vez que língua e cultura
não são blocos separados.
O conhecimento dos dialetos do português brasileiro, conforme apresentando anteriormente, pode contribuir para o ensino aprendizagem mais eficaz, um
ensino que considera a variação de forma não excludente.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – Campus Lábrea, pela infraestrutura dada aos pesquisadores, principalmente ao Departamento de Ensino, Pesquisa e Extensão que vem nos apoiando no decorrer do projeto. Agradecemos principalmente à FAPEAM, pela bolsa concedida, a qual permitiu
a execução desta pesquisa.
REFERÊNCIAS
BUENO, Silveira, 1898 – 1989. Dicionário Global Escolar Silveira Bueno da língua
portuguesa. – 3. Ed. – São Paulo: Global, 2009.
CRUZ, Maria Luíza de Carvalho. Atlas Linguístico do Amazonas – ALAM. Rio de Janeiro: UFRJ, 2 sem. 2004. Tese de Doutorado em Letras Vernáculas.
FERREIRA, A. B. H. Aurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa. 5ª ed.
ver. ampliada. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
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HOUAISS, Antônio, 1915 – 1999. Dicionário Houaiss da língua portuguesa / [ Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar.
MAIA, Edson Galvão. A realização fonética do /S/ pós-vocálico nos municípios de
Boca do Acre, Lábrea e Tapauá. Manaus: UFAM, 2012. Dissertação de Mestrado em
Letras – Estudos da Linguagem.
PRETI, Dino. Sociolinguística: Os Níveis de Fala: Um Estudo Sociolinguístico do Diálogo na Literatura Brasileira. 7. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1994.
SILVA NETO, Serafim da. Guia para Estudos Dialetológicos. 2. ed.Melj. eampl. Belém: Conselho Nacional de Pesquisas, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia,
1957.
TARALLO, Fernando. A Pesquisa Sociolinguística. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003.
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