Neurociências Volume 13 – no 3 – suplemento - 2005 www.unifesp.br/dneuro 1 ISSN – 0104-3579 versão eletrônica exclusiva Anais do V Simpósio Brasileiro de Hipertermia Maligna 2005 Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 2 Editorial Hipertermia Maligna Mais que risco adicional, a anestesia representa proteção face à agressão representada pela doença e intervenção cirúrgicas. Procedimentos cada vez mais extensos beneficiam pacientes cada vez mais graves. Entretanto, à medida que os obstáculos de ontem são removidos, surgem novos desafios. Entre eles a Hipertemia Maligna. Assunto relevante, doença conhecida há pouco, cerca de 40 anos, a Hipertermia Maligna tem sido objeto de grande atenção e profundas mudanças. Em nosso País, o esforço da comunidade, representada na Associação Sempre Viva, das corporações médicas, como a Associação Paulista de Medicina e Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina de São Paulo, Sociedade Brasileira de Anestesiologia e Sociedade de Anestesiologia de São Paulo, lograram ao mesmo tempo sensibilizar anestesiologistas, médicos de outras especialidades e parlamentares, na difusão da informação e elaboração de uma legislação com o potencial de garantir o controle desta grave condição clínica. Nesse sentido, amplia-se a participação dos neurologistas, representados pela Academia Brasileira de Neurologia, na tarefa de proteger os portadores de doenças neuromusuclares, grupo particularmente vitimizado pela Hipertermia Maligna. As Universidades Federais de São Paulo e do Rio de Janeiro hoje disponibilizam, nestas instituições de excelência, centros de diagnóstico que permitem confirmar casos suspeitos, conduzir pesquisa e avançar no conhecimento da Hipertermia Maligna. Resta, todavia, ainda muito a fazer. A legislação ora disponível abrange apenas o Estado de São Paulo, deixando à margem o restante do Brasil. A maioria das instituições hospitalares não mantém tratamento específico (dantroleno sódico) e a capnografia ainda não faz parte da rotina da monitoração anestésica dos pacientes tratados com agentes desencadeantes. Entre todas as ações, não haverá outra que substitua ou que traga maior impacto no controle desta doença que a informação. E, neste contexto, vem este Simpósio atualizar os interessados neste assunto, aparelhando-nos para continuarmos a progredir. Bem vindos ao V Simpósio Brasileiro de Hipertermia Maligna. José Luiz Gomes do Amaral Helga Cristina Almeida da Silva Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências Índice 3 Anestesia em Doenças Neuromusculares – Vincenzo Tegazzin............................................. 10 Fisiologia da termorregulação normal - José Reinaldo Cerqueira Braz................................ 13 Modelos animais ajudando a decifrar doenças neuromusculares humanas – Mariz Vainzof. 18 Hipertermia e Drogas no Brasil, Ceatox - Anthony Wong..................................................... 21 Hipertermia Maligna, Legislação no Estado de São Paulo – Paulo Teixeira........................ 21 Doenças do neurônio motor - Marco Antonio Troccoli Chieia............................................. 26 Neuropatia Periférica (S-M e autonômica) - Wilson Marques Júnior.................................... 31 Miastenia Grave - Anamarli Nucci......................................................................................... 31 Miopatias - Alzira Alves de Siqueira Carvalho...................................................................... 35 Hipertermia Maligna Anestésica - José Luiz Gomes do Amaral............................................ 39 Síndrome Neuroléptica Maligna - Paulo E. Marchiori.......................................................... 47 Fisiologia do Exercício - Antonio Carlos da Silva................................................................. 49 Hipertermia e exercício físico - Acary Souza Bulle Oliveira.................................................. 50 Formas Atípicas de Hipertermia Maligna Anestésica - Maria Anita Spindola...................... 58 Fisiologia da Contração Muscular - Alice Teixeira Ferreira................................................. 60 Biópsia e Teste de Contratura Muscular - Helga Cristina Almeida da Silva......................... 63 Estudos genéticos na Hipertermia Maligna – Patrícia Mayumi Kossugue............................ 65 Anestesia para Distrofia, Canalopatia e Miopatia Metabólica – Vincenzo Tegazzin.............. 68 Anestesia para Insuficiência Respiratória Restritiva – Cláudia Lutke................................... 71 Anestesia para Miastenia Gravis – José Luiz Gomes do Amaral........................................... 74 Anestesia para Suscetíveis à Hipertermia Maligna - Luiz Bomfim Pereira da Cunha........... 79 Aspectos farmacológicos do Dantrolene Sódico – Oscar César Pires................................. 79 Prevenção e Tratamento de Hipertermia no Esporte – Antonio Carlos da Silva.................... 88 Sociedade Civil e Hipertermia Maligna – Sempre Viva – Rogério Firme da Silva...…........ 89 Sessão de Posters.................................................................................................................... 90 Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências Editor Chefe / Editor in chief Gilmar Fernandes do Prado, MD, PhD, São Paulo, SP Editora Executiva / Executive Editor Luciane Bizari Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Co-editor / Co-editor José Osmar Cardeal, MD, PhD, São Paulo, SP. Editores Associados / Associate Editors Alberto Alain Gabbai, MD, PhD, São Paulo, SP Esper Abrão Cavalheiro,MD, PhD, São Paulo, SP Fernando Menezes Braga, MD, PhD, São Paulo, SP Corpo Editorial / Editorial Board Desordens do Movimento / Movement Disorders Chefe / Head Henrique Ballalai Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Francisco Cardoso, MD, PhD, Belo Horizonte, MG Sônia Maria Cézar de Azevedo Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Egberto Reis Barbosa, MD, PhD, São Paulo, SP Maria Sheila Guimarães Rocha, MD, PhD, São Paulo, SP Vanderci Borges, MD, PhD, São Paulo, SP Roberto César Pereira do Prado, MD, PhD, Aracajú, SE Epilepsia / Epilepsy Chefe / Head Elza Márcia Targas Yacubian, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Américo Ceike Sakamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Carlos José Reis de Campos, MD, PhD, São Paulo, SP Luiz Otávio Caboclo, MD, PhD, São Paulo, SP Alexandre Valotta da Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Margareth Rose Priel, MD, PhD, São Paulo, SP Henrique Carrete Jr, MD, PhD, São Paulo, SP Neurofisilogia/Neurophysiology Chefe / Head João Antonio Maciel Nóbrega, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Nádia Iandoli Oliveira Braga, MD, PhD, São Paulo, SP José Fábio Leopoldino, MD, Aracajú, SE José Maurício Golfetto Yacozzill, MD, Ribeirão Preto, SP Francisco José Carcchedi Luccas, MD, São Paulo, SP Gilberto Mastrocola Manzano, MD, PhD, São Paulo, SP Carmelinda Correia de Campos, MD, PhD, São Paulo, SP Reabilitação / Rehabilitation Chefe / Head Sissy Veloso Fontes, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Jefferson Rosa Cardoso, PhD, Londrina, PR. Márcia Cristina Bauer Cunha, PhD, São Paulo, SP Ana Lúcia Chiappetta, PhD, São Paulo, São Paulo, SP Carla Gentile Matas, PhD, São Paulo, SP Fátima Abrantes Shelton, MD, PhD, Edmond, OK, USA Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, São Paulo, SP Luci Fuscaldi Teixeira-Salmela, PhD, Belo Horizonte, MG Fátima Valéria Rodrigues de Paula Goulart, PhD, Belo Horizonte, MG Patricia Driusso, PhD, São Paulo, SP 4 Distúrbios do Sono / Sleep Disorders Chefe / Head Lucila Bizari Fernandes do Prado, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Flávio Aloe, MD, São Paulo, SP Stela Tavares, MD, São Paulo, SP Dalva Poyares MD, PhD, São Paulo, SP Ademir Baptista Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Alice Hatsue Masuko, MD, São Paulo, SP Luciane B. Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Maria Carmen Viana, MD, PhD, Vitória, ES Virna Teixeira, MD, PhD, São Paulo, SP Geraldo Rizzo, MD, Porto Alegre, RS Rosana Cardoso Alves, MD, PhD, São Paulo, SP Robert Skomro, MD, FRPC, Saskatoon, SK, Canadá Sílvio Francisco, MD, São Paulo, SP Doenças Cerebrovasculares / Cerebrovascular Disease Chefe / Head Ayrton Massaro, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Aroldo Bacelar, MD, PhD, Salvador, BA Alexandre Longo, MD, PhD, Joinvile, SC Carla Moro, MD, PhD, Joinvile, SC Cesar Raffin, MD, PhD, São Paulo, SP Charles Andre, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Gabriel de Freitas, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Jamary de Oliveira Filho, MD, PhD, Salvador, BA Jefferson G. Fernandes, MD, PhD, Porto Alegre, RS Jorge Al Kadum Noujain, MD, PhD, Rio de Janeiro, RJ Márcia Maiumi Fukujima, MD, PhD, São Paulo, SP Mauricio Friedirish, MD, PhD, Porto Alegre, RS Rubens J. Gagliardi, MD, PhD, São Paulo, SP Soraia Ramos Cabette Fabio, MD, PhD, São Paulo, SP Viviane de Hiroki Flumignan Zétola, MD, PhD, Curitiba, PR Oncologia / Oncology Chefe / Head Suzana Maria Fleury Mallheiros, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Carlos Carlotti Jr, MD, PhD, São Paulo, SP Fernando A. P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Guilherme C. Ribas, MD, PhD, São Paulo, SP João N. Stavale, MD, PhD, São Paulo, SP Doenças Neuromusculares / Neuromuscular disease Chefe / Head Acary de Souza Bulle de Oliveira, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Edimar Zanoteli, MD, PhD, São Paulo, SP Helga Cristina Almeida e Silva, MD, PhD, São Paulo, SP Leandro Cortoni Calia, MD, PhD, São Paulo, SP Luciana de Souza Moura, MD, PhD, São Paulo, SP Laboratório e Neurociência Básica / Laboratory and Basic Neuroscience Chefe / Head Maria da Graça Naffah Mazzacoratti, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Beatriz Hitomi Kyomoto, MD, PhD, São Paulo, SP Célia Harumi Tengan, MD, PhD, São Paulo, SP Maria José S. Fernandes, PhD, São Paulo, SP Mariz Vainzof, PhD, São Paulo, SP Iscia Lopes Cendes, PhD, Campinas, SP Débora Amado Scerni, PhD, São Paulo, SP Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 João Pereira Leite, MD, PhD, Ribeirão Preto, SP Luiz Eugênio A. M. Mello, MD, PhD, São Paulo, SP Líquidos Cerebroespinhal / Cerebrospinal Fluid Chefe / Head João Baptista dos Reis Filho, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Leopoldo Antonio Pires, MD, PhD, Juiz de Fora, MG Sandro Luiz de Andrade Matas, MD, PhD, SãoPaulo, SP José Edson Paz da Silva, PhD, Santa Maria, RS Ana Maria de Souza, PhD, Ribeirão Preto, SP Neurologia do Comportamento / Behavioral Neurology Chefe / Head Paulo Henrique Ferreira Bertolucci, MD, PhD,São Paulo, SP. Membros / Members Ivan Okamoto, MD, PhD, São Paulo, SP Thais Minetti, MD, PhD, São Paulo, SP Rodrigo Schultz, MD, PhD, São Paulo, SP Sônia Dozzi Brucki, MD, PhD, São Paulo, SP Neurocirurgia / Neurosurgery Chefe / Head Mirto Nelso Prandini, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Fernando Antonio P. Ferraz, MD, PhD, São Paulo, SP Antonio de Pádua F. Bonatelli, MD, PhD, São Paulo, SP Sérgio Cavalheiro, MD, PhD, São Paulo, SP Oswaldo Inácio de Tella Júnior, MD, PhD, São Paulo, SP Orestes Paulo Lanzoni, MD, São Paulo, SP Ítalo Capraro Suriano, MD, São Paulo, SP Samuel Tau Zymberg, MD, São Paulo, SP Neuroimunologia / Neuroimmunology Chefe / Head Enedina Maria Lobato, MD, PhD, São Paulo, SP. Membros / Members Nilton Amorin de Souza, MD, São Paulo, SP Dor, Cefaléia e Funções Autonômicas / Pain, Headache and Autonomic Function Chefe / Head Deusvenir de Souza Carvalho, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Angelo de Paola, MD, PhD, São Paulo, SP Fátima Dumas Cintra, MD, São Paulo, SP Paulo Hélio Monzillo, MD, São Paulo, SP José Cláudio Marino, MD, São Paulo, SP Marcelo Ken-It Hisatugo, MD, São Paulo, SP Interdisciplinaridade e história da Neurociência / Interdisciplinarity and History of Neuroscience Chefe / Head Afonso Carlos Neves, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members João Eduardo Coin de Carvalho, PhD, São Paulo, SP Flávio Rocha Brito Marques, MD, São Paulo, SP Vinícius Fontanesi Blum, MD, São Paulo, SP Rubens Baptista Júnior, MD, São Paulo, SP Márcia Regina Barros da Silva, PhD, São Paulo, SP Eleida Pereira de Camargo, São Paulo, SP Dante Marcello Claramonte Gallian, PhD, São Paulo, SP Neuropediatria / Neuropediatrics Chefe / Head Luiz Celso Pereira Vilanova, MD, PhD, São Paulo, SP Membros / Members Marcelo Gomes, São Paulo, SP Neurociências 5 V SIMPÓSIO BRASILEIRO DE HIPERTERMIA MALIGNA 2005 (5TH MALIGNANT HYPERTEMIA BRAZILIAN SYMPOSIUM) 07 e 08 de outubro de 2005 (October 07-08, 2005) (São Paulo, Brazil) Associação Paulista de Medicina (Place: Medical Association of São Paulo) 07/10/05 – 19:30 às 22:00hs 08/10/05 – 08:00 às19:00hs COORDENAÇÃO: (Organizers:) Profa. Dra. Helga Cristina Almeida da Silva Prof. Dr. José Luiz Gomes do Amaral CONVIDADO ESTRANGEIRO: (International speaker:) Dr. Vincenzo Tegazzin (Itália) (Grupo Italiano de Hipertermia Maligna) * Não haverá Tradução Simultânea Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 6 07/10/05 – sexta-feira – 19:30hs (10/07/05 – Friday – 7:30pm) 19:30hs – Abertura (Opening) 20:00 – 20:40hs - Anestesia em Doenças Neuromusculares – Vincenzo Tegazzin (Itália) (Anesthesia in neuromuscular disorders) Módulo 1 – Introdução (Session 1 – Introduction) 20:40 – 21:00hs - Fisiologia da Regulação da Temperatura - José Reinaldo Cerqueira Braz (Thermoregulation) 21:00 – 21:20hs - Modelos Animais de Doenças Neuromusculares – Mariz Vainzof (Animal models of neuromuscular disorders) 21:20 – 21:40hs - Hipertermia e Drogas no Brasil - Ceatox - Anthony Wong (Drug induced hyperthemia in Brasil - Ceatox) 21:40 – 22:00hs - Regulamentação do Atendimento à Hipertermia Maligna no Brasil – Vereador Paulo Teixeira (Brazilian laws on MH in Brazil. São Paulo City Office) Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 7 08/10/05 – Sábado – 8:00h (10/08/05 – Saturday – 8:00am) Módulo 2 – Doenças Neuromusculares (Session 2 – Neuromusculares Disorders) 8:00 – 8:30hs - Neurônio Motor (AMEP, ELA, SPP) – Marco Antonio Troccoli Chieia (Motor neuron disease) 8:30 – 9:00hs - Neuropatia Periférica (S-M e autonômica) - Wilson Marques Júnior (Peripheral neuropathies) 9:00 – 9:30hs - Placa Mioneural (Miastenia) - Anamarli Nucci (Myasthenia gravis) 9:30 – 10:00hs - Miopatias - Alzira Alves de Siqueira Carvalho (Myopathies) 10:00 – 10:15hs - Intervalo (Coffee break) Módulo 3 - Rabdomiólise Session 3 - Rhabdomyolysis 10:15 – 10:45hs - Hipertermia Maligna Anestésica - José Luiz Gomes do Amaral (Anesthetic Malignant Hyperthemia) 10:45 – 11:15hs - Síndrome Neuroléptica Maligna - Paulo E. Marchiori (Neuroleptic Malignant Syndrome) 11:15 – 11:45hs - Fisiologia do Exercício - Antonio Carlos da Silva (Physiology of Exercise) 11:45 – 12:15hs - Hipertermia de Esforço - Acary Souza Bulle Oliveira (Exercise Heatstroke) 12:15 – 13:45hs - Sessão Poster Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 8 12:15 – 14:00hs – Intervalo para Almoço (Lunch and poster session) Módulo 4 – Diagnóstico Session 4 – Diagnosis 14:00 –14:30hs - Formas Atípicas de Hipertermia Maligna Anestésica - Maria Anita Spindola (Atypical forms of anaesthetic malignant hyperthemia) 14:30 – 15:00hs - Fisiologia da Contração Muscular - Alice Teixeira Ferreira (Physiology of muscular contraction) 15:00 – 15:20hs - Biópsia e Teste de Contratura Muscular - Helga Cristina Almeida da Silva (In vitro contracture test) 15:20 – 15:40hs - Genética – Patrícia Mayumi Kossugue (Malignant hyperthermia genetics) 15:40 – Intervalo (Coffee Break) Módulo 5 - Anestesia em Doenças Neuromusculares Session 5 – Safe Anaesthesia in Neuromuscular Disease 16:00 – 16:20hs - Anestesia para Distrofia, Canalopatia e Miopatia Metabólica – Vincenzo Tegazzin (Anaesthesia in myopathies, metabolic, canalopathies, and dystrophies). 16:20 – 16:40hs - Anestesia para Insuficiência Respiratória Restritiva – Cláudia Lutke (Anaesthesia in restricitive respiratory insufficiency) 16:40 – 17:00hs - Anestesia para Miastenia Gravis – José Luiz Gomes do Amaral (Anaesthesia in Miastenia gravis) 17:00 – 17:20hs - Anestesia para Suscetíveis à Hipertermia Maligna – Luiz Bomfim Pereira da Cunha (Anaesthesia in MH susceptible patients) Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 9 Módulo 6 - Tratamento e Prevenção Session 6 – Treatment and Prevention 17:20 – 17:40hs - Dantrolene – Oscar César Pires (Dantrolene) 17:40 – 18:00h - Prevenção e Tratamento de Hipertermia no Esporte – Antonio Carlos da Silva (Treatment and prevention of exercise hyperthermia) 18:00 – 18:20hs - Sociedade Civil e Hipertermia Maligna – Sempre Viva – Rogério Firme da Silva (Non – Governamental Groups and MH – Sempre Viva Group) ENCERRAMENTO Closing session REALIZAÇÃO: Associação Paulista de Medicina e UNIFESP/EPM APOIO: Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo Associação Brasileira de Combate a Hipertermia Maligna – Sempre Viva Academia Brasileira de Neurologia UNIFESP: Departamento de Anestesiologia, Dor e Medicina Intensiva; Disciplina de Neurologia Centro de Estudos do Genoma Humano Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 10 Anesthesia in patients with neuromuscular disorders Anestesia em Doenças Neuromusculares Vincenzo Tegazzin Head of MH Laboratory, Department of Anesthesia and ICU, S.Antonio University-Hospital, Padua, Italy. The scientific progress in molecular medicine, genetic and physiopathology of skeletal muscle junction make over the knowledge on the cause of muscle disorders (NMD) and on molecular action of anaesthetic drugs. To obtain general anaesthesia (narcosis, muscle relaxation, analgesia) more drugs are required, which act, trough specific receptors, on the brain and on the neuromuscular junction. Therefore, the knowledge of the patho-physiology of the muscle plays an important rule in the anaesthesiological practice. However, the complications of anesthesia in patients affected with muscle diseases could be divided in two groups: those derived from triggering agents and attributed to depolarizing muscle relaxants and volatile anesthetics (type I complications-rhabdomyolisis, hyperpotassiemia, cardiac arrest and malignant hyperthermia) and those derived from the well known general side effects of the anesthetics, namely respiratory and cardiac depression (type II complications)1. Therefore, the aim of anaesthesia is to be “safe anaesthesia-avoiding trigger agents-” and this is an appropriate condition particularly for the patients with NMD that can suffer from cardiomyopathy, restrictive lung disease, altered metabolism, skeletal dismorphism with difficulty in airway management, altered pharmacodynamics and pharmacokinetic effects of the anaesthetic drugs. From the literature, in the anesthetized patients with NMD the multimodal approach seems to be the more satisfactory both in adult and in the children1. Another condition that must be controlled particularly during general anesthesia is the titration of anesthetic agents, taking in mind that more than 250 drugs have an effect on neuromuscular transmission and hence interfere pharmacodynamically with muscle relaxant2. For this reason, an accurate monitoring of PA, ECG, ETCO2, SaO2, and temperature, and the availability of a trolley with specific drugs and equipment for airway management and of an experienced anesthetist is needed. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 11 Another important issue concerns patients that are “suspected myopathic or malignant hyperthermic” so that, if not in emergency situations, a good examination before anesthesia should include: 1) deep anamnesis, 2) well documented reports, serum enzymes tests, specialists consulting (neurology, cardiology, respiratory), In case of emergency situation, a general anesthesia without depolarizing muscle relaxant and halogenated is recommended, followed by proper monitoring. References 1. Melloni C. Effects of intravenous anaesthetics on patients with muscle disease Proceedings of “Neuromuscular Diseases and Anaesthesia meeting”, 2004, (in press). 2. Argov Z, Mastaglia FL. Disorders of neuromuscular transmission caused by drugs. N Engl J Med 1979; 301:409-413. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 12 Fisiologia da termorregulação normal Thermoregulation José Reinaldo Cerqueira Braz Professor Titular do Departamento de Anestesiologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual de São Paulo- UNESP. 1. Fisiologia da Termorregulação Normal O homem necessita que a temperatura interna seja constante e o seu sistema termorregulador mantém a temperatura central próxima de 37ºC, para conservação das funções metabólicas1. A manutenção da normotermia nos animais homeotermos, como o homem, é uma função muito importante do sistema nervoso autônomo. Já com pequenas alterações da temperatura central, podem ocorrer alterações metabólicas e enzimáticas2-4. A termorregulação é realizada por um sistema de controle fisiológico, que consiste em termorreceptores centrais e periféricos, um sistema de condução aferente, o controle central de integração dos impulsos térmicos e um sistema de respostas eferentes levando a respostas compensatórias2 (Figura 1). No hipotálamo situa-se o sistema de controle central, que regula a temperatura do corpo ao integrar os impulsos térmicos provenientes de quase todos os tecidos do organismo, e não apenas em relação à temperatura central do organismo, o que tem sido considerado como temperatura corporal média. Quando o impulso integrado excede ou fica abaixo da faixa limiar de temperatura, ocorrem respostas termorreguladoras autonômicas, que mantêm a temperatura do corpo em valor adequado3. Os impulsos termais aferentes provêm de receptores anatomicamente distintos ao frio e ao calor, os quais podem ser periféricos ou centrais4. Também existem receptores termossensíveis localizados na pele e nas membranas mucosas, que medeiam a sensação térmica e contribuem para a ocorrência dos reflexos termorregulatórios. Esses receptores também respondem à sensação mecânica. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 13 Respostas ao calor Hipotálamo Outras partes do cérebro Pele Medula espinhal Tecidos centrais profundos Hipotálamo Sem resposta Vasodilatação Sudorese Comportamental Vasoconstrição Termogênese sem tremores Tremores Comportamental Respostas ao frio Figura 1 - O modelo de termorregulação. Os impulsos térmicos recebidos dos tecidos periféricos são integrados no hipotálamo, o qual determina a temperatura corporal média. A faixa interlimiar é a temperatura corporal média durante a qual não são deflagradas respostas efetoras. Adaptado de Sessler (1994)6. Os receptores para frio têm descargas de impulsos a temperaturas entre 25º-30ºC e são inervados por fibras Aδ. Os receptores para calor têm descargas de impulsos a temperaturas entre 45º-50ºC e são inervados por fibras desmielinizadas C3. No hipotálamo anterior é feita a integração das informações aferentes térmicas, enquanto no hipotálamo posterior iniciam-se as respostas efetoras. Na área pré-óptica do hipotálamo existem neurônios sensíveis e não sensíveis à temperatura, sendo que os primeiros podem ser classificados em neurônios sensíveis ao calor e neurônios sensíveis ao frio, estes últimos predominantes. Ressalte-se ainda a presença de neurônios sensíveis à estimulação térmica local no hipotálamo posterior, na formação reticular e na região medular5. Existe uma faixa interlimiar de temperatura, definida geralmente entre 36,7º a 37,1ºC, na qual não há resposta efetora. Temperaturas abaixo ou acima desses limiares desencadeiam respostas efetoras (Figura 2). Em pacientes anestesiados a faixa interlimiar pode chegar a 3º4ºC de diferença, quando o normal é de 0,4ºC de diferença6. Essa faixa é mais ampla no estado hipotérmico do que no hipertérmico, especialmente no paciente sob anestesia (Figura 3). Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 14 Paciente em vigília Vasoconstrição Termogênese sem tremor 33 Vasodilatação ativa 35 37 39 temperatura corporal (oC) 41 Figura 2 - Limiares termorreguladores em lactentes e crianças em estado de vigília. O eixo das ordenadas representa a intensidade máxima das respostas efetoras. Adaptado de Bissonette (1993)7. O controle termorregulatório é semelhante no homem e na mulher8, mas diminui no idoso9 e em pacientes gravemente enfermos. A resposta comportamental é a resposta termorregulatória quantitativamente mais eficaz, porém vários outros mecanismos, também eficazes, são importantes, como a resposta vasomotora, que se caracteriza pela vasodilatação em resposta ao calor e pela vasoconstrição e piloereção em resposta ao frio; o tremor, que aumenta o consumo de oxigênio e a taxa metabólica em resposta ao frio; e a sudorese em resposta ao calor (Figuras 1 e 2). Quando no termostato hipotalâmico há indicação de temperatura corporal fria, impulsos do hipotálamo se dirigem para o córtex cerebral, dando ao indivíduo a sensação de frio. O resultado é uma modificação comportamental, com aumento da atividade motora, colocação de agasalhos e movimentação para aumento do aquecimento. O controle das respostas comportamentais depende fundamentalmente da temperatura da pele. Em relação ao calor, a primeira defesa autonômica é a vasodilatação cutânea. Já a sudorese, mediada por inervação colinérgica pós-ganglionar nas terminações glandulares, é considerada a mais importante. O suor é um ultrafiltrado do plasma e sua composição depende da intensidade da sudorese, do estado de hidratação e de outros fatores. Em situação máxima, o adulto produz mais de 0,5 L/h de suor, principalmente o atleta bem treinado. A sudorese é um processo muito efetivo de perda de calor por causa do elevado calor latente de evaporação da água. Cada grama de suor que se evapora absorve 584 calorias. Conseqüentemente, a sudorese pode dissipar facilmente o calor especialmente se o ambiente Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 15 estiver seco. A eficiência da sudorese é aumentada pela vasodilatação pré-capilar termorreguladora, resposta característica do homem, que é regulada por fatores como a bradicinina e o óxido nítrico. Ela aumenta, em muito, o fluxo sanguíneo cutâneo para facilitar a transferência do calor central para a pele. Paciente sob anestesia Vasoconstrição Crianças recém-nascidos Vasodilatação ativa Termogênese sem tremor Sudorese Tremor > 6 anos 33 35 37 39 Temperatura corporal (oC) 41 Figura 3 - Limiares termorreguladores em lactentes e crianças sob anestesia. O eixo das ordenadas representa a intensidade máxima das respostas efetoras. Adaptado de Bissonette (1993)7. No caso de ocorrência de hipotermia, a resposta vasoconstritora é a primeira a ser deflagrada e é considerada a mais importante. O fluxo sangüíneo da pele das extremidades pode ser dividido em dois compartimentos: o nutricional, representado pelos capilares, e o termorregulador, pelos curtocircuitos arteriovenosos situados principalmente nos dedos das mãos e dos pés, nas orelhas e no nariz10. Assim, na hipotermia, o fluxo sangüíneo pode ser diminuído em até 100 vezes por meio desses curto-circuitos. O fluxo dos curto-circuitos é mediado primariamente pela noradrenalina liberada nas terminações adrenérgicas pré-sinápticas que, ao ligar-se aos receptores α1-adrenérgicos, determina vasoconstrição10. Embora ocorra diminuição da perfusão cutânea pela vasoconstrição termorreguladora, a redução da perda de calor pelo organismo é pequena, ao redor de 25%. As perdas pelas mãos e pelos pés diminuem ao redor de 50%, mas somente 17% pelo tronco. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 16 2. Locais de Monitorização da Temperatura Central Os locais mais utilizados para monitorização da temperatura corporal durante a anestesia são: nasofaringe, membrana timpânica, reto e esôfago. Outros locais também são utilizados, como bexiga, axila e artéria pulmonar, esta última quando o paciente apresenta monitorização hemodinâmica por meio de cateter de Swan Ganz colocado na artéria pulmonar. A escolha do local para medição de temperatura corporal depende da sua finalidade, podendo estar relacionada à medição da temperatura de órgãos específicos ou da temperatura central. Assim, medições da temperatura na membrana timpânica ou nasofaringe estimam a temperatura cerebral. Já a temperatura esofagiana e a da artéria pulmonar aproximam-se da temperatura do miocárdio. Segundo os autores11, a maior precisão e acurácia são dadas pela temperatura timpânica, seguida pela temperatura da bexiga, nasofaringe e esôfago. Temperaturas da axila têm menor acurácia do que a de outros locais11. A temperatura central é muito próxima a do hipotálamo, região do cérebro na qual ocorre o controle central de impulsos termorreguladores provenientes de todo o organismo. O hipotálamo recebe irrigação sangüínea por meio da artéria cerebral anterior, que é ramo da artéria carótida interna, enquanto a membrana timpânica é irrigada por ramo da artéria carótida externa. Assim, acredita-se que a temperatura timpânica no homem estima, de forma fidedigna, a temperatura central. Em pacientes submetidos à anestesia geral, ao se compararem as temperaturas retal, esofágica e timpânica, obteve-se boa correlação entre as temperaturas esofágica e timpânica. Porém, a temperatura retal apresentou sempre valores mais elevados do que os dos demais, durante a ocorrência de leve hipotermia no intra-operatório12. No entanto, outros autores13 demonstraram que a temperatura retal correlaciona-se muito bem com a temperatura timpânica, durante a anestesia geral e a anestesia subaracnóidea. Referências 1. Sessler DI, Sladen RN - Mild intraoperative hypothermia. N. Engl J Med 1997; 336: 1730-1737. 2. Sessler DI. Consequences and treatment of perioperative hypothermia. Anesthesiol Clin North Am 1994; 12: 425-456. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 17 3. Gyton AC. Body temperature, temperature regulation and fever. 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Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 18 Modelos animais ajudando a decifrar doenças neuromusculares humanas Animal models of neuromuscular disorders Mariz Vainzof1, Lydia U Yamamoto1, Patrícia M Kossugue1, Luciana LQ Fogaça1, Fernando Z Velloso1, Danielle Ayub1, Viviane P Muniz1, Mayana Zatz1, Helga CA Silva1, Silvia MG Massironi2, Maria Angélica Miglino3, Carlos Eduardo Ambrosio3, Ligia G Miyazato4, Julieta RE Moraes4, Fernando HF D’Angeles4, Joaquim C Lacerda Neto4, Ana Carolina Mortari5, Alexandre S Borges5, Luiz antonio L Rezende5, Sheila C Rahal5 1-) Centro de Estudos do Genoma Humano, IBUSP, 2) ICB, USP, 3-) FMVZ, USP; 4) FCAV-UNESP, Jaboticabal; 5-) FMVZ e FM-UNESP, Botucatu, SP. As afecções neuromusculares humanas constituem um grupo heterogêneo de doenças genéticas caracterizadas por degeneração muscular progressiva, levando ao desenvolvimento de fraqueza muscular e perda de capacidade motora. Na última década, foram identificadas mutações em vários genes, resultando na deficiência ou perda de função de diversas proteínas musculares de importância significativa para o bom funcionamento do músculo. Estudos bioquímicos e imunohistológicos têm localizado estas proteínas nos diversos compartimentos da fibra muscular. Associadas à membrana sarcolemal, encontram-se a distrofina, as 4 sarcoglicanas, disferlina e caveolina 3; na matriz extracelular, a α2-laminina e colágeno VI; nos sarcômeros, a teletonina, miotilina, titina, actina e tropomiosina; no citosol muscular, canal de Cálcio (receptor de rianodina), a calpaina 3, FRPR, TRIM32, miotubularina; e nos núcleos, a emerina, lamina A/C, proteína SMN. Algumas das doenças associadas a alterações nestas proteínas são as distrofias musculares progressivas e as miopatias congênitas. Estudos clínicos e neurológicos em animais com fraqueza muscular têm ajudado a identificar alguns modelos animais tais como camundongos, cães e gatos, deficientes para diferentes proteínas musculares. Os estudos realizados nestes animais são cruciais para aumentar nossos conhecimentos a respeito de doenças genéticas humanas e para a investigação de terapias experimentais. A facilidade com que o genoma murino pode ser manipulado faz do camundongo uma ferramenta bastante utilizada em testes moleculares e na avaliação de complexos protéicos musculares. Dentre os modelos murinos, o camundongo mdx, apresenta uma mutação de ponto no gene da distrofina, e uma ausência total da proteína Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 19 no músculo, constituindo um modelo molecular e protéico para a distrofia muscular de Duchenne humana (DMD). Diversos camundongos transgênicos e knockout para as proteínas sarcoglicanas, caveolina e disferlina já foram gerados, e estão ajudando no estudo dos mecanismos de composição e funcionamento destes complexos protéicos nos animais afetados. Devido à deficiência da proteína distrofina, como em pacientes com DMD, o músculo de camundongos mdx é afetado por degeneração e necrose. Entretanto, o camundongo mdx exibe um curso clínico mais brando. Além disso, a fraqueza muscular não é característica e o tempo de vida não é reduzido. Esse camundongo também apresenta um grande número de fibras revertentes (2-3%), que passam a sintetizar novamente de forma espontânea a distrofina. Como a presença natural destas fibras dificulta a análise de terapias que visam a expressão de distrofias, outros modelos murinos de DMD foram experimentalmente induzidos. Embora o camundongo mdx seja um bom modelo molecular, não é um bom modelo clínico, por não apresentar fraqueza muscular significativa, dificultando o seu uso na avaliação clínica da eficácia de triagens terapêuticas . Neste sentido, a identificação do modelo canino da raça Golden Retriever com deficiência de distrofina trouxe novas perspectivas, uma vez que apresenta fraqueza muscular significativa, simulando a distrofia humana. A patogênese do GRMD tem manifestação in utero com o desenvolvimento de lesões musculares linguais. Extensas necroses dos músculos dos membros, tronco e pescoço podem ser identificadas já ao nascimento. Assim como na doença humana e no modelo mdx, as concentrações da enzima creatino quinase sérica estão também extremamente elevadas desde o nascimento. Em seis meses, desenvolvem-se fibrose muscular e contraturas nas junções. Além disso, cães jovens com GRMD podem também morrer por falha cardíaca ou respiratória, embora alguns sobrevivam e alcancem muitos anos de vida. Diversos estudos de terapia gênica e celular estão em andamento no modelo canino da distrofia de Duchenne. Estudos moleculares em modelo porcino contribuíram significativamente na descoberta do principal gene envolvido na hipertermia maligna humana. A partir da identificação de uma mutação neste mesmo gene em porcos com crises semelhantes à HM humana, desencadeadas por estresse, denominada Síndrome do estresse suíno (PSS – Porcine Stress Syndrome), foi possível localizar o gene RYR1 humano no cromossomo 19. Para melhor investigar o efeito de alterações neste importante canal de cálcio, foram gerados em 1998 camundongos mutantes, onde dois genes, RYR1 e RYR3 foram inativados. Verificouse que o músculo esquelético de animais duplo mutantes não se contraía em resposta à cafeína Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 20 ou rianodina e também apresentava diversas alterações histológicas, sugerindo degeneração miofibrilar. Isto foi confirmado por análises bioquímicas das proteínas contráteis, e o estudo ultraestrutural confirmou a presença de miofibrilas reduzidas com completa ausência de receptores de rianodina nas junções do retículo sarcoplasmático. Para o estudo do mecanismo de funcionamento das diversas outras proteínas envolvidas nas doenças neuromusculares humanas, faz-se necessário identificar novos modelos animais com fraqueza muscular, triados em diversos Centros Veterinários. Para tal, estão sendo feitos estudos histológicos, histoquímicos, imunohistoquímicos e de western blot em biópsias musculares de animais com fraqueza muscular. A identificação e caracterização de modelos animais com deficiências musculares semelhantes às descritas nas doenças humanas constituem importante ferramenta para a avaliação fisiopatológica do respectivo defeito molecular primário. Além disso, podem ter um papel significativo como modelo bioquímico e clínico para ensaios terapêuticos. Referências 1. Allamand V, Campbell KP. Animal models for muscular dystrophy: valuable tools for the development of therapies. Human Mol Genet 2000; 9: 2459-2467. 2. Barone V, Bertocchini F, Bottinelli R, et al. Contractile impairment and structural alterations of skeletal muscles from knockout mice lacking type 1 and type 3 ryanodine receptors. FEBS Lett 1998; 422:160-164. 3. Cooper BJ, Winand NJ, Stedman H, et al. The homologue of the Duchenne locus is defective in Xlinked muscular dystrophy of dogs. Nature 1988; 334: 154-156. 4. Fujii J, Otsu K, Zorzato F, et al. 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Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 21 Hipertermia e Drogas no Brasil – Ceatox Drug induced hyperthemia in Brasil - Ceatox Anthony Wong CEATOX do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP. ___________________________________________________________ Hipertermia Maligna – Legislação no Estado de São Paulo Brazilian laws on MH in Brazil. São Paulo City Office Vereador Paulo Teixeira O movimento que levou à promulgação da lei nº 10.781, de 9 de março de 2001, se originou na Sempre Viva e contou com o apoio da Associação Paulista de Medicina, através do Dr. José Luiz Gomes do Amaral, e dos familiares de portadores. Com eles, aprendemos que a Hipertermia Maligna é uma síndrome, ligada à uma herança genética, sem sinais clínicos aparentes, desencadeada por anestésicos gerais halogenados, bem como por relaxantes musculares despolarizantes. As dificuldades para a detecção da suscetibilidade nos levou a crer que a conduta mais adequada seria a preventiva. Percebemos a urgência em obrigar o Poder Público a se preparar para o diagnóstico, tratamento e registro das ocorrências desta síndrome no Estado. O desconhecimento da síndrome, a falta de diagnóstico correto e o consequente tratamento inadequado leva pessoas à morte, e diante deste quadro elaboramos o projeto de lei 867/99, que tinha como objetivo instituir uma política de prevenção, diagnóstico e tratamento da hipertermia maligna. Nosso fundamento foi a determinação constitucional quanto à assistência universal e integral à saúde, de competência do Estado, bem como a Lei 8.080/90 e a lei estadual 10.083, de 23 de setembro de 1998 (Código Sanitário). Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 22 O Governador do Estado vetou parcialmente a lei, retirando as disposições constantes do inciso II do artigo 2º e as do artigo 3º e 4º – respectivamente, a garantia de que todos os hospitais públicos e particulares, bem como as demais empresas que prestem assistência médico-hospitalar, no Estado, diretamente ou por intermediação, possuam medicamentos apropriados para o combate à doença em questão, especialmente, o Dantroleno Sódico; a obrigação de tais estabelecimentos terem, em seus estoques, os mencionados medicamentos; e a sanção caso não cumpram a lei. O argumento dado pelo Executivo foi: “essa imposição, importando em incalculável dispêndio, dada a inexistência de estatísticas nacionais de morbi-mortalidade, relativas à Hipertermia Maligna - HM, que permitam adequado levantamento de dados para que os estabelecimentos de assistência à saúde possam fazer previsão para estoque inicial e de manutenção desses medicamentos, revela-se impraticável, daí decorrendo a impossibilidade da subsistência das disposições ora impugnadas, vetando-se, em decorrência, o artigo 4º, por desnecessárias as sanções aí previstas, ante a inocorrência de infrações, dado o não prevalecimento da norma inscrita no artigo 3º do texto. Afinal, (..) o estabelecimento de medidas de controle da síndrome dependem da constituição de Comissão Técnica para Estudo e Prevenção da Hipertermia Maligna, composta por membros de diversas instâncias da Pasta, das Universidades e entidades representativas das categorias médicas envolvidas, o qual deverá, dentre outras atribuições, realizar estudos epidemiológicos sobre esse agravo à saúde, conforme determina o artigo 7º, inciso VII, do Código Nacional de Saúde (Lei federal nº 8080/90), tendo em vista as diretrizes do artigo 198 da Constituição da República.” Este veto foi analisado pela Assembléia Legislativa, que decidiu derrubá-lo em parte, resgatando o artigo 2º, inciso II do projeto original e o artigo 4º (mas sem a multa) e mantendo os vetos aos artigos 3º e 5º. A lei ficou assim: Lei nº 10.781, de 9 de março de 2001 Dispõe sobre a Política Estadual de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Hipertermia Maligna - HM no Estado de São Paulo, e dá providências correlatas. O GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO: Faço saber que a Assembléia Legislativa decreta e eu promulgo a seguinte lei: Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 23 Art. 1º Fica instituída no Estado a Política para Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Hipertermia Maligna - HM, que será desenvolvida nos termos desta lei pelo Poder Executivo em parceria com a sociedade civil. Art. 2º A Política para Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Hipertermia Maligna HM tem como objetivos: I - prevenir, diagnosticar, tratar e orientar adequadamente os pacientes suscetíveis de hipertermia maligna e seus familiares; II - garantir que todos os hospitais públicos e particulares, as empresas de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares e operem no Estado, possuam medicamentos apropriados para o combate da doença, em especial o Dantroleno Sódico; III - erradicar o número de mortes decorrentes desta síndrome no Estado; IV - produzir materiais de divulgação para os profissionais do setor da saúde no Estado contendo as principais informações sobre a hipertermia maligna e as formas de se evitar os seus efeitos mortais nos pacientes; V - realizar palestras informativas sobre a hipertermia maligna para médicos e paramédicos em hospitais de referências no Estado; VI - implantar um sistema de coleta de dados sobre os portadores da síndrome visando: a) manter um Cadastro Estadual com informações sobre a incidência da doença na população paulista e o número de mortes dela decorrentes; b) obter elementos informadores sobre a população atingida pela moléstia; c) contribuir para o aprimoramento das pesquisas científicas sobre a hipertermia maligna; d) firmar convênios com os serviços funerários existentes no Estado para que informem toda vez que houver vítimas da síndrome. Art. 3º Vetado. Art. 4º A inobservância dos preceitos desta lei sujeitará os infratores a (vetado) sanções penais e civis cabíveis em espécie. Art. 5º O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data de sua publicação. Art. 6º As despesas decorrentes da execução desta lei correrão à conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 24 Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Portanto, a diferença central entre a lei e o projeto original está no artigo 3º, que estabelecia que “os Hospitais e Postos de Saúde, públicos e particulares, as empresas de Medicina de Grupo, cooperativas de trabalho médico, ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares e operem no Estado de São Paulo, estão obrigadas a dispor, em seus estoques, dos medicamentos necessários para o tratamento da Hipertermia Maligna”. Esta lei serviu como modelo para a apresentção de projetos em outros locais e em nível federal. Cerca de um ano após a sanção, foi publicado o Decreto 46.601, de 12 de março de 2002, que regulamentou a lei, estabelecendo que o Programa Estadual de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Hipertermia Maligna (PROPREV – HM) insere-se na Política de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento da Hipertermia Maligna (HM) do Estado de São Paulo, sob a Coordenação da Secretaria da Saúde, e abrange, além da Administração Direta, as Autarquias, as Fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público, bem como as demais instituições direta ou indiretamente vinculadas ao Estado, ou com ele conveniadas ou contratadas para execução de ações e atividades de saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS/SP. Caberia à Secretaria da Saúde constituir Grupo Técnico Permanente com as seguintes atribuições: instituir, organizar e inserir informações/dados no Cadastro Estadual de Informações sobre a incidência, prevalência e óbitos decorrentes da HM; elaborar no prazo de 120 (cento e vinte) dias, Norma Técnica visando disciplinar os aspectos múltiplos referentes à prevenção, diagnóstico e tratamento da HM e, no mesmo prazo, protocolo específico para a investigação clínico-epidemiológico dos casos de HM; promover levantamentos, estudos epidemiológicos/estatísticos e pesquisas sistemáticas na literatura científica e por meio de rastreamento na população, com o objetivo de obter informes a respeito da incidência e prevalência de HM em nosso meio; e divulgar, periodicamente, informações atualizadas sobre a Síndrome da HM e formas para evitar seus efeitos, visando subsidiar as ações de profissionais e entidades ligadas à saúde. O decreto estabelece ainda que as entidades de assistência à saúde do Estado, integrantes ou não do Sistema Único de Saúde - SUS/SP, que realizam procedimentos Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 25 médico-cirúrgicos deverão notificar, ao Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria da Saúde, imediatamente após a adoção das condutas terapêuticas indicadas, o diagnóstico de quadros clínicos de HM, o mesmo se aplicando aos Serviços de Verificação de Óbito - SVO e Instituto Médico Legal - IML, relativamente aos casos suspeitos de HM verificados nos respectivos âmbitos de atuação. Por fim, as entidades de assistência à saúde, integradas ou não ao SUS/SP que realizam procedimentos com o uso de medicamentos que possam desencadear Hipertermia Maligna deverão garantir o tratamento específico imediato dos pacientes que vierem a apresentar quadro clínico de HM, responsabilizando-se civil e criminalmente pela eventual omissão. Perguntamos: esta lei tem sido aplicada? Como anda a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da Hipertermia Maligna no Estado de São Paulo? Os médicos, profissionais da saúde, familiares e portadores aqui presentes podem, melhor do que ninguém, nos dar esta resposta. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 26 Doenças do neurônio motor Motor neuron disease Marco Antonio Troccoli Chieia Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. O neurônio motor caracteriza-se pela distribuição na região anterior da medula e tronco cerebral desempenhando papel de integração de impulsos de origem do sistema nervoso central e atividade muscular. Para estabelecer determinada função, torna-se necessário uma estrutura aprimorada, de alta atividade metabólica, constituída de um corpo celular, axônio extenso com ramificações dendriticas freqüentes sustentadas por um citoesqueleto e porção terminal integrado a junção neuromuscular e músculo esquelético. O corpo celular apresenta alta atividade oxidativa mitocondrial necessárias para a produção de enzimas e outras proteínas responsáveis pela manutenção da integridade funcional, eliminando resíduos tóxicos a célula, estruturando o citoesqueleto para garantia de um transporte axonal adequado, garantindo a neuroproteção diante do stress metabólico. O axônio constitui-se de fibras grossas mielinizadas, de rápida condução, transmitindo um impulso originado por input excitatório glutamatérgico. As patologias que afetam o neurônio motor caracterizam-se por causarem apoptose neuronal, isto é dano na estrutura funcional celular, seja por alterações do DNA ou por stress funcional, ou necrose com agressão direta ao neurônio motor como na poliomielite, além disto, nota-se que as patologias diferem-se na variabilidade de acometimento anatômico, com seletividade por locais e organelas especificas, reforçando as várias possibilidades etiológicas. A doença do neurônio motor é um termo que se aplica a síndromes clínicas com características próprias como a Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), Atrofia Muscular Progressiva (AMP), Esclerose Lateral Primária (ELP), Paralisia Bulbar Progressiva(PBP). A Esclerose Lateral Amiotrófica, caracteriza-se por uma doença degenerativa, que afeta o corno anterior da medula, tronco cerebral e células de Betz do córtex motor, causando morte no corpo celular do neurônio motor de maneira crônica e rapidamente progressiva com óbito em torno de 03 a 05 anos após o inicio da sintomatologia . Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 27 A incidência é de 1 a 2 casos/100000 pessoas ou 2500 casos por ano, com predominância em no sexo masculino em relação ao feminino na proporção de 2:1, com idade média de início em torno dos 50 anos. Os fatores de risco relacionados a doença são traumas elétricos, mecânicos ou cirúrgicos. Em 90% dos casos apresenta-se como forma esporádica e 5 a 10% dos casos sob forma familiar caracterizada por herança autossômica dominante. A etiologia da ELA é multifatorial sendo a excitoxicidade mediada pelo glutamato e o stress oxidativo como teorias mais prováveis, sendo a morte do neurônio motor caracterizada por um desequilíbrio entre o stress celular e seus mecanismos protetores.A forma familiar carrea mutações no gene que codifica a enzima SOD 1 (superóxido desmutase) , que é responsável pela dismutação do radical livre superóxido, cujo acúmulo é altamente lesivo, levando a peroxidação das proteinas celulares e morte. O quadro clínico da ELA caracteriza-se pela presença de sinais de acometimento do neurônio superior e inferior, associando o quadro de paresia, atrofia e fasciculações ao de hiperreflexia, espasticidade, cãibras e sinal de Babinsky. O acometimento bulbar caracterizase por disfonia, disfagia, com paresia da musculatura de língua com atrofia e fasciculações, associados a sintomas como labilidade emocional e depressão, provenientes do acometimento do neurônio motor superior; com a progressão da doença há envolvimento da musculatura respiratória cursando com distúrbio ventilatório restritivo grave. A paralisia bulbar progressiva tem predomínio no sexo feminino com envolvimento predominante dos neurônios motores bulbares, labilidade emocional e evolução mais precoce da musculatura respiratória com evolução a óbito em torno de 06 meses a 03 anos. Por outro lado a ELP apresenta evolução mais arrastada com presença de sinais de acometimento do neurônio motor superior exclusivos, em pelo menos três anos antes de envolvimento do neurônio motor inferior. O diagnóstico é estabelecido pela história clinica, associada a confirmação com dados eletrofisiológicos através da eletroneuromiografia, utilizando exames de imagem como ressonância nuclear magnética e laboratoriais para exclusão de patologias como possíveis diagnósticos diferenciais. Para facilitar a classificação foram estabelecidas síndromes clínicas caraterizando a doença como suspeita, possível, provável e definida de acordo com número de regiões espinhais e bulbares acometidas com envolvimento do neurônio motor inferior e ou superior. Os diagnósticos diferenciais principais são a Neuropatia Motora Multifocal, um Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências distúrbio imunomediado, 28 e a doença de Kennedy, que apesar do caráter degenerativo, apresenta o curso mais arrastado. Os avanços terapêuticos se baseiam no uso de drogas que previnam a apoptose neuronal inibindo o acúmulo de glutamato e a conseqüente excitotoxicidade, além de drogas antioxidantes. A Atrofia Muscular Espinhal caracteriza-se pelo envolvimento puro do motoneurônio inferior, sem envolvimento sensitivo e do tracto piramidal com evolução progressiva determinada geneticamente por várias mutações, podendo envolver a musculatura bulbar e sendo assim também denominada neuropatia motora hereditária. O envolvimento de outros sítios patológicos não são infrequentes, principalmente nas formas recessivas, em decorrência das alterações moleculares. A principal síndrome apresenta-se como atrofia muscular proximal autossômica recessiva, também chamada como amiotrofia muscular espinhal progressiva (AMEP), que representa formas graves com óbitos infantis, hipotonia neonatal caracterizando a AMEP tipo I ou doença de Wernicke-Hoffman, formas intermediárias ou AMEP tipo II com declínio progressivo e complicações respiratórias na adolescência e o tipo III, também chamada de Kugelberg-Willander com início na adolescência ou inicio da vida adulta e evolução lentamente progressiva.O defeito genético encontra-se no cromossomo 5, porção telomérica, no Exon 6 e 7, local codificador da proteína SMN (Survivor Motor Neuron) responsável pela sobrevida da população neuronal.Outras formas de acometimento motor proximal são descritas codificadas por alterações cromossômicas como as formas de envolvimento motor distal com padrão de herança autossômico dominante como a atrofia muscular da musculatura peroneira, com envolvimento das cordas vocais, com acometimento exclusivo de membros superiores e a forma escapuloumeral. Com relação à síndrome pós pólio, tem uma patologia adquirida, secundária a uma lesão prévia do corpo celular do neurônio motor inferior pelo vírus da poliomielite, um enterovírus e após um período de estabilidade clínica que varia entre 15 a 20 anos, começam aparecer novos sinais e sintomas motores novos, mais exuberantes nos territórios afetados previamente na medula. Apesar de adquirida a doença parece afetar indivíduos predisponentes a infecção sendo realizados estudos com gêmeos idênticos para esta comprovação. A presença de SPP nos indivíduos afetados previamente por poliomielite gira em torno de 20 a 35% dos indivíduos, sendo os sintomas mais comuns a fadiga, dores articulares, nova Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 29 fraqueza, associados a atrofia e perda funcional. Novas alterações no estudo eletromiográfico são comuns em uma pequena parte dos pacientes como fibrilações e fasciculações. Existem duas prováveis etiologias para SPP sendo aceitas para explicar o novo dano neuronal. A primeira, proposta por Dalakas em 1995, refere-se ao stress a que são submetidas as unidades motoras íntegras após a infecção, sendo estes neurônios condicionados ao trabalho compensatório sem correspondente capacidade metabólica, propiciando a perda precoce. A outra teoria baseia-se na presença de uma memória imunológica alterada pela exposição ao vírus e continuadamente mediando agressão celular aos motoneurônios.O tratamento baseia-se na reabilitação e condicionamento funcional das unidades motoras com preservação de energia. Referências 1. Pringle CE, Hudson AJ, Munhoz DG, et al. Primary Lateral Sclerosis.Clinical features, neuropathology and diagnostic criteria. Brain 1992;115:495-520. 2. Kuipers-Upmeijer J, de Jager AE, Hew JM, et al. Prrimary Lateral Sclerosis: clinical, neuropathology and magnetic resonance. J Neurol Neurossurg Psychiatry 2001;71:615-20. 3. Rowland LP, Shneider NA. 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Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 31 Neuropatia Periférica (S-M e autonômica) Peripheral neuropathies Wilson Marques Junior Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, São Paulo. ___________________________________________________________ Miastenia Grave Myasthenia gravis Anamarli Nucci Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas – UNICAMP, São Paulo. A junção neuromuscular (JMN) em mamíferos é uma sinapse química que usa a acetilcolina (ACo) como neurotransmissor. Anormalidades físico-químicas pré-sinápticas, sinápticas e pós-sinápticas influenciam negativamente a eficiência da JMN: Afecções pré-sinápticas: Congênitas ou genéticas // Adquiridas [autoimune: síndrome de Eaton-Lambert; toxinas: botulismo; drogas]. Afecções sinápticas: Congênitas ou genéticas // Adquiridas. Afecções pós-sinápticas: Congênitas ou genéticas // Adquiridas [autoimune: miastenia grave; toxinas; drogas]. Miastenia Grave A MG preenche os requisitos para sua identificação como uma doença autoimune: o alvo antigênico é o receptor nicotínico de ACo, localizado na porção pós-sináptica da JNM, onde se deposita a imunoglobulina G; o anticorpo é conhecido e está presente em cerca de 80 a 90% das formas generalizadas da doença; há reprodução da doença em modelo animal experimental, através do soro do doente miastênico; a redução terapêutica dos anticorpos melhora os sintomas da doença. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 32 A incidência anual de MG tem sido estimada entre 2 a 6 casos em um milhão de habitantes. A prevalência da doença tem aumentado, sendo quatro vezes mais elevada em 1990 que em relação aos anos 50. Fatores decorrentes da melhoria tanto em diagnóstico, quanto em tratamentos são responsáveis pelo fato. O diagnóstico fundamenta-se na história característica de fraqueza flutuante e de periodicidade curta (24 horas), localizada ou generalizada, reversível parcial ou totalmente com o repouso ou drogas anticolinesterásicas. O exame neuromuscular costuma colocar em evidências a fraqueza. Escores, Protocolo quantificando o déficit motor e escalas funcionais têm sido recomendadas como instrumentos de avaliação, as quais tanto objetivam a intensidade da doença em dado momento, quanto são úteis para seguir evoluções e analisar a eficácia de terapias empregadas, seja na prática clínica ou em pesquisas. Diagnóstico complementar: 1.) Farmacológico: teste da prostigmina e do edrofônio. A prostigmina é droga inibidora da acetil-colinesterase (ACe) e em conseqüência aumenta a probabilidade de interação entre o neurotransmissor e seu receptor, melhorando a força muscular e revertendo, parcial ou totalmente, o déficit motor. Efeitos colaterais colinérgicos, muscarínicos, são revertidos pela atropina. Teste da prostigmina falso-positivo e falsonegativo podem ocorrer. 2.) Eletrofisiológico: estimulação nervosa repetitiva e a eletromiografia de fibra única (EMG-FU). A estimulação repetitiva (3 Hz) de nervos distais e proximais dos membros, com decréscimo de amplitude no 4º ou 5º potencial de ação muscular composto, acima de 10 %, indica teste positivo. Resultados falso-negativo e falso-positivo devem ser conhecidos. EMGFU: o teste tem sido relatado como positivo em cerca de 98% dos casos de MG generalizada. 3.) Sorológico: dosagens de anticorpos contra o receptor de ACo (ligador, modulador e bloqueador). Anti-receptor de ACo ligador: 90% de positividade na MG generalizada e 50 % na forma ocular. Cerca de 15 a 20 % dos pacientes com MG generalizada não tem anticorpos anti-receptor de ACo detectáveis, após análise de várias amostragens ⇒ MG soronegativa. Cerca de 30 a 40 % dos pacientes MG soronegativos possuem anticorpos anti-tirosinaquinase músculo específica e outros fatores humorais. O sub-grupo de pacientes MuSK positivos mostra fraqueza localizada predominante (bulbar, facial, língua, faringe) e resposta limitada ao tratamento imunossupressor convencional, podendo ocorrer atrofia dos músculos identificados como fracos. 4.) Imagem: a tomografia computadorizada (TC) de mediastino é fundamental na investigação da MG, considerando-se que a classificação da MG em timomatosa e não Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 33 timomatosa tem implicações terapêuticas diversas e prognósticos diferentes. A sensibilidade da TC é de 85 %, a especificidade de 98,7 % e sua acurácia de 95,8 %, no diagnóstico préoperatório de timoma. A avaliação de doenças associadas à MG, principalmente aquelas também autoimunes, tem interesse prático e prognóstico. Uma vez definido o diagnóstico de MG, a classificação da MG em não timomatosa ou timomatosa indica a terapia mais adequada. Na MG timomatosa tem sido consenso a timectomia, com a retirada mais ampla possível de tecido tímico e da gordura mediastinal. A cirurgia permite a definição histológica da neoplasia e seu estadiamento. Pacientes em estágios III e IV da classificação de Masaoka tiveram sobrevida mínima de 5 anos em 88%, 50% e 70%, respectivamente nos graus III, IVA e IVB, como resposta a abordagem terapêutica multimodal e agressiva (timectomia, quimio e radioterapia). Os pacientes com estadiamento I beneficiam-se da timectomia. Naqueles em estágio II o acréscimo da radioterapia tem sido a conduta padrão em vários serviços, embora autores sugiram a necessidade de estudos melhor controlados, para definição consensual de condutas. O tratamento da MG não timomatosa baseia-se em sintomáticos (anticolinesterásicos) e imunossupressores. Entre eles, a primeira escolha tem sido a prednisona, com vantagens (rapidamente eficaz em muitos pacientes, droga de manuseio comum entre os médicos, de baixo custo, pode ser usada em associação com outros imunossupressores) e também desvantagens (exige monitoramento clínico-laboratorial constante, tem efeitos colaterais significativos, principalmente se prescrita em longo prazo). Considerar outras medicações: azatioprina, micofenolato de mofetil, ciclofosfamida, ciclosporina e novas opções terapêuticas emergentes. A timectomia na MG não timomatosa, segundo estudo meta-analítico recente, patrocinado pela Academia Americana de Neurologia, foi demonstrada como eficaz, no sentido de aumentar a probabilidade de remissão ou melhora (nível de evidências qualificadas em classe II). Intervenções terapêuticas de efeitos mais rápidos são, por vezes, necessárias, como ocorre na crise miastênica ou nas exacerbações da MG que colocam em risco a vida do paciente. Nessas circunstâncias, a plasmaferese e a imunoglobulina intravenosa (400 mg/kg/dia, durante 5 dias) devem ser consideradas. Ambas são terapias de alto custo e tem efeito de duração limitada, entretanto podem ser repetidas. O acesso venoso central, instabilidade hemodinâmica e infecção são fatores limitantes na indicação de plasmaferese. A Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 34 agamaglobulinemia A restringe ao uso da imunoglobulina intravenosa. Em nossa experiência a plasmaferese foi considerada eficaz e segura na MG do adulto. Referências 1.Carandina-Maffeis R, et al. Plasmapheresis in the treatment of myasthenia gravis: retrospective study of 26 patients. Arq Neuropsiquiatr 2004;62: 391-395. 2. Dumitru D, Amato AA. Neuromuscular junction disorders. In: Dumitru D, Amato AA, Zwarts M (eds.). Electrodiagnostic medicine. 2ª ed. 2002, Filadelfia: Hanley & Belfus, 1127-1227. 3. Gronseth GS, Barohn RJ. Practice parameter: thymectomy for autoimmune myasthenia gravis (an evidence-based review). Report of the quality standards subcommittee of the American Academy of Neurology. Neurology 2000; 55: 7-15. 4. Kesler KA, Wright CD, Loehrer PJ. Thymoma: current medical and surgical management. Semin Neurol 2004; 24:63-73. 5. Phillips II LH. The epidemiology of myasthenia gravis. Semin Neurol 2004; 24: 17-20. 6. Sieb JP. Myasthenia gravis: emerging new therapy options. Curr Opin Pharmacol 2005; 5:303-307. 7. Vernino S, Cheshire WP, Lennon VA. Myasthenia grave with autoimmune autonomic neuropathy. Auton Neurosci 2001; 88: 187-192. 8. Vincent A, et al. Seronegative myasthenia gravis. Semin Neurol 2004; 24:125-133. 9. Yonger DS, Engel AG, Sanders DB. Advances in diagnosis, pathogenesis and treatment of myasthenia gravis. Neurology 1997; 48 (supll 5):S1-S80. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 35 Miopatias Myopathies Alzira Alves de Siqueira Carvalho Hospital Santa Marcelina – São Paulo. As desordens musculares podem ser subdivididas em miopatia, quando a patologia é confinada ao músculo sem nenhuma anormalidade estrutural no nervo periférico, e neuropatia ou desordem neurogênica na qual a fraqueza muscular é secundária a alteração do nervo periférico, isto é, da ponta anterior da medula até a junção neuromuscular. Ambas podem ser subdivididas em hereditária ou adquirida, aguda ou crônica. Embora os sintomas relacionados ao músculo como fadiga, mialgia e cãibras sejam extremamente comuns, a maior parte das miopatias tem baixa prevalência. Assim, torna-se difícil para o clínico, embora com uma boa prática, adquirir experiência no reconhecimento de diferentes doenças musculares. Cabe lembrar que o paciente com miopatia interessa também a outros especialistas como neurologistas, reumatologistas, pediatras e ortopedistas necessitando certa habilidade no manuseio e diagnóstico desses pacientes. Cada uma dessas desordens tem uma característica que a define: o termo distrofia muscular é usado para as miopatias geneticamente determinadas, progressivas e degenerativas sendo subdivididas com base na distribuição clínica , intensidade da fraqueza e no modo de herança. As miopatias hereditárias mais comuns são as distrofias musculares de Duchenne e de Becker que resultam de uma alteração no cromossomo X. As demais distrofias musculares são caracterizadas geralmente de acordo com o grupo muscular mais acometido, como por exemplo: distrofia muscular facio-escápulo-umeral, distrofia óculo-faríngea, distrofia muscular de cinturas associado a um padrão de herança mais comum a cada uma delas. Da mesma forma, as neuropatias e atrofias musculares espinais são desordens neurogênicas caracterizadas com base nos achados clínicos, modo de herança e alterações estruturais. As miopatias congênitas representam um grupo de desordens mais recentemente reconhecidas cuja apresentação clínica pode ser semelhante às distrofias musculares ou Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 36 atrofias neurogênicas sendo a anormalidade estrutural específica observada no músculo. Outras miopatias genéticas incluem as miopatias congênitas tais como doença do core central, miopatia centronuclear, miopatia nemalínica, miotonia congênita, paralisia periódica e miopatia mitocondrial. Entretanto, elas variam quanto aos sintomas, intensidade e mutação genética. Ambos os modos de herança, dominante e recessiva, estão presentes e certas formas podem ter um padrão ligado ao sexo, afetando principalmente os homens, ou uma herança materna (miopatias mitocondriais). As miopatias metabólicas compreendem as síndromes nas quais a alteração metabólica foi identificada ou presumida e incluem as glicogenoses, miopatias mitocondriais, desordens do metabolismo lipídico e desordens do canal iônico. As desordens miotônicas e miastênicas são reconhecidas através de suas características específicas, clínicas e eletrofisiológicas. As miotonias são desordens dos canais iônicos enquanto que as miastenias têm uma base imunológica. As várias desordens adquiridas incluem as miopatias inflamatórias idiopáticas (polimiosite, dermatopolimiosite e miosite por corpos de inclusão) ou secundárias às desordens endócrinas ou tóxicas afetando o nervo periférico ou o músculo isoladamente. A criança hipotônica representa um problema diagnóstico podendo refletir uma desordem neuromuscular ou estar associada à alteração primária em outro sistema, particularmente o sistema nervoso central, onde a hipotonia pode ser um sinal dentre outros. A maioria das desordens musculares produz fraqueza e atrofia muscular especialmente dos músculos proximais sendo que os músculos distais são menos afetados. Algumas delas, tais como as distrofias musculares, desenvolvem-se precocemente; outras mais tardiamente. Algumas pioram progressivamente sem boa resposta ao tratamento; outras são tratáveis e permanecem estáveis. As três investigações tradicionais no diagnóstico das desordens musculares são enzimas, estudo eletrofisiológico e biopsia muscular, mas sempre precedido de um exame neurológico específico e cuidadoso. Os dois primeiros exames são vistos como procedimentos “screening’ e o último como definitivo, fornecendo na grande maioria, um diagnóstico mais exato e definido. Todos têm falhas e limitações e devem ser analisados em conjunto com quadro clínico e exames complementares. É freqüente a necessidade de um aconselhamento genético paralelamente. As miopatias podem ser classificadas em basicamente seis grupos: • DISTROFIAS MUSCULARES Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 37 • MIOPATIA CONGÊNITA • DISTROFIA MIOTÔNICA • MIOPATIAS INFLAMATÓRIAS • MIOPATIAS METABÓLICAS PRIMÁRIAS • DOENÇAS DO CANAL IÔNICO A abordagem diagnóstica variará de acordo com o grupo de desordem suspeita: Distrofias musculares: biopsia muscular (histoquímica, imunohistoquímica, (“imunoblotting”) e estudos de DNA). Distrofias miotônicas: análise do DNA Miopatias inflamatórias: biopsia muscular (histoquímica, imunohistoquímica, microscopia eletrônica em casos excepcionais) e biopsia de pele. Citopatias mitocondriais: dosagens do lactato e piruvato em repouso e após exercício e amônia; biopsia muscular (histoquímica), estudo do DNA mitocondrial e/ou DNA do sangue periférico e espectroscopia por ressonância magnética, este último como procedimento complementar em alguns casos. Doenças do canal: estudos neurofisiológicos, dosagem de potássio durante as crises (paralisias discalêmicas), testes provocativos, teste do exercício e estudo do DNA Miopatias por desordem dos carboidratos: teste do exercício no antebraço, biopsia muscular (histoquímica), dosagem enzimas (músculo, sangue, fibroblastos), acúmulo de glicogênio no leucócito, estudo do DNA e espectroscopia por ressonância magnética, este último como procedimento complementar em alguns casos. Miopatias por desordem dos lípides: Análise de urina: ácidos orgânicos e acylcarnitina Jejum prolongado: ácidos graxos, lactato, piruvato ácido urico, amônia, corpos cetônicos; dosagem da creatinofosfoquinase(CPK). Exercício aeróbico; dosagem de carnitina no sangue/músculo Teste enzimático: músculo, fibroblasto, fígado; estudo do DNA Cabe aqui um breve comentário sobre a hipertermia maligna associada a desordens musculares. A primeira, caracterizada como uma condição freqüentemente fatal é com aumento rápido e persistente da temperatura durante anestesia geral acompanhado de rigidez muscular, taquicardia, taquipnéia e cianose associada à acidose metabólica e respiratória Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 38 intensas. Ocorre necrose muscular intensa com mioglobinuria e insuficência renal com altos níveis de CPK(acima de 50000U/L). Existe uma provável relação entre hipertermia maligna e doença do core central. Outras doenças possivelmente relacionadas são: a síndrome de King-Denborough e as distrofias de Duchenne e Becker. Um grande número de publicações tem sugerido associação da hipertermia maligna com diferentes desordens neuromusculares como: deficiência da mioadenilato deaminase, síndrome de Scwartz-Jampel, paralisia periódica, miotonia congênita, miopatia mitocondrial e miopatia com alteraçõe mínimas, não se confirmando se a associação é mera coincidência ou se há uma inter-relação. Tratamento: São poucas as desordens neuromusculares tratáveis do ponto de vista medicamentoso. É freqüente a opinião de que, uma vez feito o diagnóstico, nada mais poderá ser realizado. O paciente ou familiar conhecerão o nome da doença, seu provável modo de herança, serão informados de sua incurabilidade e que, freqüentemente piorará. A idéia de que a falha em curar ou prolongar a sobrevida em muitas dessas doenças neuromusculares signifique que não há nada a fazer é uma triste constatação que freqüentemente nos deparamos por falta de um conhecimento holístico ou abordagem em termos de reabilitação. As miopatias estão entre os grupos de desordens mais fascinantes, seja em relação ao tratamento, seja em relação à pesquisa. Muito do trabalho que permanece por ser realizado em termos de doenças genéticas será pioneiro através dos pacientes com miopatia. Referências 1. Barnes PRJ, Hilton-Jones D. Myopathies in clinical practice, 1srt ed. London: Martin Dinitz, 2003 2.Brooke MH. A clinician’s view of neuromuscular diseases, 2nd ed. Baltimore: Williams &Wilkins, 1986. 3.Dubowitz V. Muscle disorders in childhood, 2nd ed. London: Saunders, 1995. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 39 Hipertermia Maligna Anestésica Anesthetic Malignant Hyperthemia José Luiz Gomes do Amaral Professor Titular, Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva Cirúrgica, Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Definição A hipertermia maligna (HM) é afecção hereditária e latente, caracterizada por resposta hipermetabólica aos anestésicos voláteis (halotano, enflurano, isoflurano, sevoflurano e desflurano) e, provavelmente, succinilcolina. Etiologia A HM humana é de herança autossômica dominante. Ela está associada a mais de um gene, nem todos os susceptíveis compartilhando do mesmo padrão genético. Fisiopatologia Em condições normais, os níveis de Ca++ no mioplasma são controlados pelo receptor rianodina do retículo sarcoplasmático, o receptor dihidropiridina do túbulo transverso e pelo sistema Ca++-adenosina trifosfatase (Ca++-ATPase). Na crise de HM, em função de desarranjo da homeostase intracelular do Ca++, é desencadeada hiperatividade contrátil, hidrólise do ATP, hipertermia, aumento do consumo de O2, produção de CO2 e ácido lático, desacoplamento da fosforilação oxidativa, lise celular e extravasamento do conteúdo do citoplasma. Incidência Em geral, a HM incide a cada 50 000 anestesias. Em virtude da exposição aos agentes desencadeantes (prática clínica) e da natureza genética da síndrome, a incidência de HM varia nas diferentes populações estudadas. Ocorre em indivíduos das raças branca e amarela. A susceptibilidade ocorre igualmente em ambos os sexos, ainda que as crises sejam mais comuns em homens. Episódios de HM são freqüentes em crianças (1/10000 anestesias), e raros em idosos. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 40 Quadro clínico A expressão clínica da HM é variável. Ela surge a qualquer momento durante a anestesia e até 3 horas após a interrupção da exposição ao agente desencadeante. Esta condição é expressa por rigidez muscular, aumento do consumo de oxigênio e produção de CO2, acidemia (respiratória e metabólica), taquicardia, taquipnéia, hiperpotassemia, rabdomiólise e mioglobinúria. Nem sempre hipertermia é manifestação inicial ou proeminente da HM. Hipertermia Maligna. Manifestações clínicas iniciais. Taquicardia Rigidez muscular Instabilidade hemodinâmica Taquipnéia Cianose Hipertermia 96,0% 83,6% 85,5% 85,0% 71,1% 30,0% Diagnóstico Crise de HM Nas crises, o diagnóstico de HM é fundamentado no quadro clínico. Os exames complementares têm maior utilidade na avaliação das complicações e da resposta ao tratamento. Hipertermia Maligna. Características fundamentais. Resposta hipermetabólica a anestésicos voláteis ou succinilcolina. Destruição muscular. Hereditariedade. A capnografia tem grande valor no diagnóstico precoce da HM e na avaliação da resposta ao tratamento. Aumento da concentração de CO2 no gás expirado (EtCO2) acima de 5 mmHg merece investigação. De fato, elevações acentuadas do EtCO2, da concentração de CO2 no sangue venoso (PvCO2), sangue arterial (PaCO2) e diferença veno-arterial de CO2 são observadas precocemente nos casos fulminantes, mas podem ser atenuadas por hiperventilação nas crises moderadas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 41 Destacam-se ainda aumentos da potassemia, CPK (12 a 24 horas após o início da crise), creatininemia e distúrbios da hemostasia. Algumas crises de HM podem ser acompanhadas de elevação dos níveis de CPK acima de 20 000 UI/L. Todavia, na maioria dos casos, os valores de CPK não excedem este limiar. O tratamento com dantrolene não parece afetar a elevação da CPK plasmática. Em cerca de 30% das crises de HM tratadas com dantrolene, os picos de CPK encontram-se dentro dos níveis associados à maioria dos procedimentos cirúrgicos. A succinilcolina está relacionada a valores mais expressivos de CPK. Quando ela não é usada, em 50% dos pacientes com HM, os níveis de CPK permanecem dentro do esperado para uma operação não complicada por HM. Biópsia muscular Teste halotano-cafeína (CHCT: cafeine halothane contracture test). Fora da crise, a susceptibilidade é confirmada pela resposta de músculo isolado (espécime de biópsia) a concentrações crescentes de halotano e cafeína (sensibilidade próxima a 100%, falso-positivos entre 10 e 20%). A biópsia muscular para realização do CHCT é realizada distante das crises (o músculo agudamente afetado pode ser irresponsivo) e requer hospitalização (intervenção cirúrgica, anestesia e observação). Diagnóstico diferencial As manifestações clínicas e laboratoriais da HM são inespecíficas e ocorrem em incidência variável. Taquicardia, taquipnéia, hipercarbia, acidose respiratória, acidose metabólica, rigidez de masseter, rigidez muscular generalizada, mioglobinúria, rabdomiólise, arritmias, cianose, má perfusão cutânea, hiperpotassemia, diaforese, elevação da temperatura, instabilidade hemodinâmica e alterações da coagulação confundem-se com diversas situações clínicas (KAPLAN, 1991) Além da HM, diversas situações resultam em elevação da EtCO2: aumento da produção de CO2 (outras causas de hipermetabolismo e febre), hipoventilação (depressão respiratória por anestesia profunda em ventilação espontânea, disfunção do ventilador ou válvulas unidirecionais, vazamentos ou obstrução no circuito de ventilação, balonete do tubo traqueal não insuflado, intubação endobrônquica acidental, broncoespasmo, secreções ou sangue obstruindo a árvore respiratória, edema pulmonar, redução da expansão pulmonar por diminuição da complacência pulmonar, coleções pleurais gasosas ou líquidas, aumento do Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 42 tono muscular do abdomen ou compressão por afastadores). Ao longo das intervenções laparoscópicas, a insuflação peritoneal com CO2 determina esperada elevação progressiva da EtCO2. A elevação da temperatura pode também resultar de calor ambiente (sistemas de aquecimento mal ajustados), hipermetabolismo (tireotoxicose, feocromocitoma, osteogênese imperfecta, infecção, reação pirogênica, lesão hipotalâmica; reação a drogas, como anfetaminas, inibidores da monoamino oxidase, atropina, glicopirrolato, cocaína, anfetamina, droperidol, metoclopramida, cetamina; síndrome neuroléptica maligna e interrupção do uso de levodopa). A definição clínica imprecisa de HM dificulta a estimativa de risco de susceptibilidade (probabilidade de a exposição de determinado indivíduo a agente anestésico desencadeante venha a provocar um crise de HM). O problema torna-se ainda mais complexo, se considerado que nem todo o susceptível desenvolve HM quando exposto e que a penetrância do gene é variável. A partir da opinião de experts em HM foi construída uma Escala Clínica Graduada (CGS-MH) de probabilidade qualitativa (variando da quase impossibilidade à certeza) de que uma reação adversa sob anestesia corresponda a uma crise de HM, ou que determinado paciente seja susceptível. Na CGS-HM são considerados fatores relativos a processos fisiopatológicos distintos. Em cada processo fisiopatológico é considerado APENAS o fator de maior peso (ou pontuação). A aplicação da CGS-HM não prescinde de diagnóstico diferencial. Nesta escala, o julgamento clínico é fundamental para discernir alterações compatíveis com as condições clínicas, técnica de anestesia ou intervenção cirúrgica daquelas inapropriadas, consideradas então atribuíveis à HM. A classificação na CGS-HM não se destina a orientar conduta clínica frente a um caso de HM: mesmo pontuações baixas podem ser obtidas de episódios frustros de HM e de indivíduos realmente susceptíveis. Isto é particularmente verdadeiro quando a investigação clínica e laboratorial é incompleta ou quando faltam antecedentes pessoais e familiares. A maior aplicação da CGS-HM é a estratificação de populações em investigações clínicas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 43 Indicadores de Hipertermia Maligna. Processo Rigidez Destruição muscular Acidose respiratória Acidose metabólica Acidemia Hipertermia Ritmo cardíaco Dantrolene & acidose Indicador Generalizada (exceto shivering) Espasmo de masseter após succinilcolina CPK>20 000 UI com Succinilcolina CPK>10 000 UI sem Succinilcolina Urina cor de Coca-Cola Mioglobinúria>60 mcg/l Mioglobinemia>170 mcg/l Potassemia>6 mEq/l PETCO2>50 mmHg em Ventilação controlada PaCO2>60 mmHg em Ventilação controlada PETCO2>65 mmHg em Ventilação espontânea PaCO2>60 mmHg em Ventilação espontânea Hipercarbia (inapropriada) Taquipnéia (inapropriada) BEa além de - 8 mEq/l pHa < 7,25 Elevação rápida da T (inapropriada) T> 38,8ºC (inapropriada) Taquicardia sinusal (inapropriada) Taquicardia ou fibrilação ventricular Reversão rápida (respiratória ou metabólica) Susceptibilidade à hipertermia maligna. Indicadores Antecedente em familiar de primeiro grau Antecedente em familiar outro que não de primeiro grau Antecedente em familiar & pessoal, exceto CK elevada em repouso CK elevada em repouso Pontos 15 ou 15 15 ou 15 ou 10 ou 5 ou 5 ou 3 15 ou 15 ou 15 ou 15 ou 15 ou 10 10 10 15 ou 10 3 ou 3 5 Pontos 15 ou 5 10 10 Estimativa de probabilidade. NÃO somar pontos de indicadores de um mesmo processo. Considerar a pontuação máxima de cada processo. Pontuação Risco de HM Probabilidade 0 1 Quase impossível 3a9 2 Improvável 10 a 19 3 Algo menos que provável 20 a 34 4 Algo mais que provável 35 a 49 5 Bastante provável 50 ou + 6 Quase certo Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 44 Complicações As principais complicações da HM vêm a ser hipertensão arterial (fase inicial), colapso circulatório (choque), arritmias cardíacas, distúrbios da hemostasia (coagulação intravascular disseminada), insuficiência renal aguda. Freqüentes e eventualmente fulminantes, tais complicações contribuem para a gravidade da HM. Tratamento Fase aguda 1. Interrupção imediata da inalação de anestésicos voláteis e/ou succinilcolina. 2. Hiperventilação com oxigênio puro (não há necessidade de troca do circuito circular ou sistema de absorção de CO2). 3. Dantrolene sódico: Injeções intravenosas de 2,5 mg/kg, repetidas até o completo controle das manifestações de HM. Ainda que doses maiores sejam eventualmente necessárias, o controle das crise de HM é obtido na maioria dos casos com dose total inferior a 10 mg/kg. Diluir cada frasco-ampola, contendo 20 mg de dantrolene e 3 g de manitol, em 60 ml de ÁGUA estéril. 4. Bicarbonato de sódio intravenoso, conforme o bicarbonato sérico (em geral, 1 a 2 mEq/kg); 5. Resfriamento ativo: Lavagem gástrica, vesical, retal e cavidades (peritoneal ou torácica) eventualmente abertas com NaCl 0,9% gelado; colchão hipotérmico e aplicação de gelo na superfície corporal. Evitar hipotermia, interrompendo o resfriamento com temperaturas inferiores a 38 oC.. 6. Tratamento das arritmias cardíacas (geralmente controladas com o tratamento da hiperpotassemia e acidemia). Entre os antiarrítmicos, não usar bloqueadores de canais de Ca++, associados a hiperpotassemia e colapso circulatório. 7. Tratamento da hiperpotassemia, com hiperventilação, bicarbonato de sódio, Solução “polarizante” (0,15 U de insulina simples/kg em 1 ml/kg de glicose 50%), cloreto de Ca ++ intravenoso - 2 a 5 mg/kg (arritmias graves). 8. Manter diurese acima de 2 ml/kg/hora: Hidratação, manitol ou furosemida. Fase tardia 1. Face ao risco de recidiva é conveniente observação em Unidade de Tratamento Intensivo durante pelo menos 24 horas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 45 2. Dantrolene intravenoso 1 mg/kg a cada 6 horas, durante 48 horas. 3. Controles a cada 6 horas: temperatura, gasometria arterial, níveis sangüíneos de creatinofosfocinase (CPK), potássio e Ca++, coagulograma, mioglobina sérica e urinária. 4. Orientação do paciente e familiares acerca da doença. Prevenção (cuidados com susceptíveis confirmados ou potenciais) 1. Quando possível, considerar confirmação diagnóstica (biópsia muscular) dos casos suspeitos de HM e de rigidez de masseter. 2. Evitar exposição a agentes desencadeantes. Resíduos de anestésicos voláteis podem desencadear crise de HM: recomenda-se evitar circuito de ventilação previamente usado para administração de halogenados; 3. Monitorização da temperatura central e capnografia; 4. Garantir disponibilidade imediata (na sala de operação) de tratamento específico (dantrolene sódico); 5. Observação em postanestésico durante pelo menos 3 horas. Dada a improbabilidade de episódios graves de HM sem prévia exposição a agentes desencadeantes e o dantrolene não seja completamente isento de efeitos colaterais, sua administração profilática não é recomendada. Prognóstico A HM, já foi associada a mortalidade acima de 70%. Diagnóstico precoce e rápida instituição de tratamento específico fazem possível reduzi-las a menos de 10%. Relação entre o prognóstico e tempo desde a exposição ao agente desencadeante e o início do tratamento com dantrolene. Tempo decorrido da indução (minutos) Mortes Sobreviventes 0-29 0 9 30-59 0 7 60-119 0 12 120-179 2 4 >180 8 7 Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 46 Para obter informações sobre o tratamento de episódios agudos consulte: _______________________ HOT LINE Informações sobre Hipertermia Maligna (Plantão 24 horas) UNIFESP- EPM 011-5575 9873 __________________________________ Referência 1. Amaral JLG, Carvalho RB. Hipertermia maligna. In: Anestesiologia: Princípios e Técnicas. J Manica e col. (Eds.). 3a. edição, Rio de Janeiro: ArtMed, 2004, 1207-1224. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 47 Síndrome Neuroléptica Maligna Neuroleptic Malignant Syndrome Paulo E Marchiori, Nise B Carvalho Hospital das Clínicas e Universidade de São Paulo. A síndrome maligna dos neurolépticos (SNM) é causada por um efeito adverso severo dos neurolépticos, antidepressivos e outras drogas antipsicóticas e é caracterizada por hipertermia, sinais extrapiramidais, alterações da consciência, pressão arterial incontinência esfincteriana, dispnéia, disfunção autonômica, flutuante, elevação de fosfocreatinoquinase (CPK) e leucocitose. O diagnóstico e tratamento da SNM pode ser difícil, e a síndrome complica em muito a terapêutica psiquiátrica para doenças afins. Como pode ser implicada pela palavra maligna, a morte pode ocorrer como resultado da SNM. Setenta e nove por cento dos pacientes com SNM podem ter recuperação completa e 8% tem recuperação não completa. Em revisão de 202 casos, ocorreu redução da mortalidade de 25% antes de 1984 para 11,6% após 1984, provavelmente pelo melhor reconhecimento e intervenção mais precoce. É também conhecida a relação de maior gravidade naqueles pacientes com doença mental orgânica do que aqueles com psicoses funcionais, ou aqueles pacientes que desenvolvem mioglobinúria e insuficiência renal aguda. Complicações da SNM são freqüentemente conseqüência da gravidade da rigidez muscular e a imobilização que advém desse estado. A ingestão pobre leva a desidratação que aumenta o risco de rabdomiólise e falência renal aguda. Trombose venosa profunda embolismo pulmonar pode ocorrer como conseqüência e da rigidez, imobilização e desidratação. Dificuldade de deglutição e estado mental alterado pode levar a pneumonia aspirativa, com a subseqüente necessidade de entubação e suporte ventilatório. Outras causas de falência respiratória incluem o pulmão de choque e a síndrome do desconforto respiratório agudo. Muitas outras complicações sérias da SNM são a coagulação intravascular disseminada, sepsis e infarto agudo do miocárdio. A degeneração cerebelar tem sido atribuída à hiperpirexia da SNM. Pacientes usuários de lítio, mesmo em níveis séricos não tóxicos, têm maior risco de síndrome cerebelar e ataxia. Há persistência de sinais e sintomas neurológicos Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 48 como déficits cognitivos e neuropsicológicos após a recuperação da SNM. Por outro lado, muitos pacientes se recuperam da SNM sem qualquer déficit neurológico. A medicação neuroléptica deverá ser suspensa imediatamente com suspeita da existência de SNM. Esta é a mais crítica e decisiva intervenção médica. A descontinuação de lítio é recomendada. Preconiza-se a suspensão de anticolinérgicos ou sua substituição por agonistas dopaminérgicos nos casos com resíduos de sinais extrapiramidais ou na superposicão de síndrome parkinsoniana. Medicações dopaminérgicas agonistas como a amantadina deverão ser mantidas, assim como sua suspensão poderá agravar a SNM. Após o reconhecimento da SNM e descontinuação dos neurolépticos, o curso clínico habitualmente se estende por dois a 14 dias, e as medicações e outras terapêuticas devem ser gradualmente retiradas enquanto a recuperação é monitorada. Casos prolongados têm ocorrido, principalmente naqueles pacientes que utilizam preparações neurolépticas de longa duração, com durações de até 35 dias após a data da ultima injeção. A maioria dos pacientes com SNM deverá ser tratada em unidades de terapia intensiva. Casos clínicos com aspectos hemodinâmicos, respiratórios, renais normais ou com aumento discreto a moderado de creatinofosfoquinase (CPK< 1000 UI), sem alterações neurológicas, com ingestão espontânea e que respondem rapidamente a antipiréticos, hidratação poderão ser tratados fora da UTI (sem internação). Os cuidados do paciente internado deverão ser mantidos até que os sinais vitais sejam normalizados, a hidratação adequada e o equilíbrio eletrolítico tenham sido obtidos, função cardiorrespiratória e renal estejam normalizadas e pelo menos duas medidas de CPK sérica mostrem a tendência de regularização. Estes critérios sugerem que um completo clearance dos neurolépticos pode ser necessário antes que a completa recuperação ocorra. Severa e prolongada morbidade da SNM sugere a importância do diagnóstico correto da desordem psiquiátrica e considerações cuidadosas para o uso de medicação neuroléptica de depósito, assim como uso de doses mínimas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 49 Fisiologia do exercício Physiology of Exercise Antonio Carlos da Silva Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Durante atividade física diferentes mecanismos de suporte energético para o trabalho muscular são mobilizados. Dependendo do tipo, intensidade e duração do exercício o metabolismo predominante será anaeróbio alactico, láctico ou aeróbio. O conhecimento das respostas fisiológicas normais ao exercício permite a identificação de padrões alterados pelas doenças e conseqüentemente o uso clínico do exercício físico. Existem particularidades nas respostas fisiológicas ao exercício nas doenças neuromusculares. Por exemplo, a redução da massa muscular ativa ou um déficit enzimático especifico podem alterar respectivamente o comportamento das variáveis cardiorrespiratórias e metabólicas (ácido láctico por exemplo) durante o exercício. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 50 Hipertermia e exercício físico Exercise Heatstroke Victor AF Tarini 1, LigiaVilas2, Ricardo Z Pereira3, Acary SB Oliveira4 Trabalho realizado no Setor de Doenças Neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. São Paulo, SP – Brasil. 1.Professor de Educação Física, Mestre em Fisiologia do Exercício; 2.Fisioterapeuta;3.Professor de Educação Física, Mestre em Fisiologia Humana; 4. Médico, Doutor em Neurologia, Chefe do Setor de Doenças Neuromusculares da UNIFESP. Epidemiologia, Etiologia, Complicações, Fatores de Risco, Intervenções e Prevenção. Semelhante às catástrofes provocadas pela natureza como terremotos e inundações, as ondas de calor geradas pelo aquecimento global também provocam muitas mortes. Em julho de 1995, uma prolongada onda de calor atingiu a cidade de Chicago nos Estados Unidos, matando mais de seiscentas pessoas. Entre os dias doze e vinte de julho, a temperatura oscilou entre 33 e 40ºC, atingindo no dia treze um pico de 48ºC. Entre os meses de agosto e setembro de 2003, cerca de quinze mil pessoas morreram na França em decorrência de uma forte onda de calor sobre uma região despreparada, pois o serviço médico estava bastante reduzido em função do período de férias. Ao longo de vinte e um dias a temperatura atingiu picos de 40ºC. Em novembro passado, durante a terceira etapa de uma competição de Montain Bike dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara (PI), uma competidora sentiu-se mal após percorrer parte do trajeto sob sol forte a uma temperatura de aproximadamente 42ºC. Tendo sido encontrada inconsciente e com a respiração dificultada, foi levada às pressas para um hospital local, aonde chegou em estado de coma profundo, sendo então transferida mais tarde para um hospital em Teresina. A ciclista não resistiu e faleceu durante o trajeto. O médico do hospital de Teresina acredita que a ciclista morreu por hipertermia. A hipertermia pode se definida como a temperatura corporal central superior a 40ºC, acompanhada de alterações no estado mental, bem como o comprometimento de múltiplos órgãos. Contudo, o aumento da temperatura corporal central acima do ponto de ajuste hipotalâmico (37ºC) já provoca sinais de desconforto. De modo geral, a hipertermia se apresenta sob duas formas: a clássica (HC), que geralmente atinge crianças e idosos por exposição prolongada a ambientes com temperaturas Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 51 elevadas. É caracterizada por uma falha dos mecanismos responsáveis pela regulação térmica. Alguns fatores foram citados como possíveis causadores deste problema: nos idosos, uma sensibilidade modificada dos termorreceptores, diminuição da capacidade das glândulas sudoríparas por alteração da estrutura intrínseca da própria pele e da sua árvore vascular, menor liberação do tônus vasomotor e vasodilatação menos ativa após o início da transpiração. Já nas crianças, observa-se uma taxa de transpiração mais baixa e uma temperatura corporal central mais alta durante a exposição ao calor intenso se comparadas a adolescentes e adultos apesar de possuírem maior número de glândulas sudoríparas ativadas pelo calor por unidade de área cutânea. A outra forma de manifestação da hipertermia é a induzida por esforça (HIE), que afeta indivíduos fisicamente ativos. Isso é devido a um aumento na temperatura interna pela atividade prolongada da musculatura, somada a temperatura ambiente e umidade elevadas. Em ambos os casos, os sinais e sintomas mais freqüentes são: ansiedade, confusão mental, comportamento bizarro, perda de coordenação, alucinações, agitação, apreensão e muitas vezes coma. A estes sinais, soma-se a disfunção de vários órgãos como insuficiência renal aguda, insuficiência hepática, lesão cerebral, insuficiência respiratória, lesão intestinal isquêmica, pancreatite, hemorragia gastrointestinal, trombocitopenia e coagulação. Etiologia do estresse térmico e da hipertermia Parece haver um provável polimorfismo genético que determina a suscetibilidade de desenvolver a hipertermia. Este polimorfismo parece afetar os genes que regulam a atividade das citocinas, proteínas de coagulação e uma série de outras proteínas envolvidas no processo de adaptação ao calor. Resposta em fase aguda A resposta em fase aguda é uma reação coordenada que envolve células endoteliais, leucócitos e células epiteliais que atuam na proteção dos tecidos corporais, bem como no reparo de um dano que eventualmente ocorra. As interleucinas mediam a resposta inflamatória sistêmica. Primeiramente, as interleucinas-1 e 6 estão envolvidas no controle do volume de produção de citocinas em resposta ao aumento de temperatura. A interleucina-6 estimula o fígado a produzir proteínas antiinflamatórias de fase aguda que irão inibir as espécies reativas de oxigênio além de liberarem enzimas proteolíticas. O aumento na quantidade de citocinas semelhantes aos fatores de necrose tumoral alfa, é necessário para Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 52 mediar a febre, promover a leucocitose, sintetizar as proteínas de fase aguda e prevenir o catablismo muscular. A etapa seguinte, envolve a produção de proteínas de choque térmico. São proteínas resistentes ao calor, sua produção é controlada pela transcrição do gene no DNA dos cromossomos. As proteínas de choque térmico 72 são as primeiras que acumulam no cérebro, promovendo um estado transitório de tolerância ao estresse térmico. Este mecanismo protege o corpo da hipertermia, hipotensão arterial e isquemia cerebral. Este parece ser o mecanismo principal num processo de aclimatação. Quando a síntese das proteínas de choque térmico é bloqueada ou alterada em função de um polimorfismo na transcrição gênica ou ainda pela ação de anticorpos, as células se tornam extremamente sensíveis ao estresse térmico. Por esta razão, alguns indivíduos podem ser geneticamente propensos a desenvolver síndromes de estresse térmico e até mesmo hipertermia em função da inabilidade de seu organismo de se proteger por meio da produção das proteínas de choque térmico. Resposta em fase aguda exagerada Durante o exercício extenuante ou em situação de hipertermia, o fluxo sangüíneo é desviado da circulação mesentérica para os músculos ativos e para a pele, ocasionando uma isquemia intestinal que por sua vez, permite um aumento da permeabilidade intestinal. A hipotensão esplâncnica altera as funções imunológicas e de barreira do intestino. Esta alteração permite o vazamento de endotoxinas e o aumento na produção de citocinas inflamatórias, que induzirão a ativação de células endoteliais e a eventual liberação de fatores endoteliais vasoativos como o óxido nítrico e a endotelina. Tanto as citocinas pirogênicas quanto os fatores derivados do endotélio podem interferir no mecanismo de termorregulação, pela elevação do ponto de ajuste no qual a sudorese é ativada e por alterarem o tônus vasomotor particularmente da circulação esplâncnica, por essa razão precipitando a hipotensão e a hipertermia. Principais complicações clínicas: coagulação intravascular disseminada As lesões nas células endoteliais e a trombose microvascular são características proeminentes da hipertermia. Insuficiência renal aguada Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 53 A insuficiência renal aguda apresenta uma incidência de aproximadamente 30% em indivíduos com HIE e de 50% nos casos de HC. Esta disfunção renal pode afetar o parênquima ou os túbulos renais. Rabdomiólise É a lise do tecido muscular esquelético de natureza aguda, com conseqüente liberação dos constituintes celulares (mioglobina, creatinoquinase e mediadores inflamatórios), para o plasma. A mioglobina circulante é filtrada pelos rins e eliminada pela urina (mioglobinúria), o que precipita uma obstrução tubular renal e portanto, insuficiência renal aguda. Alterações cardiovasculares Arritmias bem como hipotensão são característicos neste mal, sendo a hipotensão, o produto da transferência do sangue da circulação central para os tecidos periféricos na tentativa de eliminar calor. Alterações neurológicas As alterações neurológicas são características marcantes na hipertermia. Geralmente podem variar em grau de comprometimento, bem como em duração. Estas alterações incluem delírios, letargia, apreensões e coma. Fatores de risco para o desenvolvimento das Síndromes induzidas por calor: Desidratação Transpiração excessiva, ingestão inadequada de líquidos, vômito, diarréia, bem como o uso de alguns medicamentos, álcool ou cafeína podem promover a perda de fluídos. Obesidade Indivíduos obesos apresentam maior risco de desenvolverem síndromes induzidas por calor, devido a maior espessura do tecido adiposo que dificulta a perda de calor. Baixa aptidão física Indivíduos sedentários ou sem ritmo de treinamento são mais propensos a desenvolverem síndromes induzidas por calor do que indivíduos treinados. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 54 Vestimenta inadequada O excesso de roupas ou trajes inadequados para a prática de atividades físicas no calor intenso compromete a habilidade do sistema termorregulatório. Roupas de cores escuras aumentam a absorção de calor do ambiente, o que promove aumento da temperatura corporal. Falta de aclimatação ao calor Drogas O abuso de drogas em casas noturnas constantemente faz vítimas por todo o mundo. Tanto que uma organização norte-americana criou uma página na Web a www.dancesafe.org, dedicada a promover saúde e segurança entre a comunidade de frequentadores de festas Raves e danceterias. Em um levantamento publicado neste site, mais de 100 pessoas morreram após tomar “ecstasy” (3,4 metilenodioximetanfetamina) em festas Raves. Algumas medicações também podem aumentar os riscos de desenvolver síndromes induzidas por calor, quando associadas a exercícios em dias quentes são elas: betabloqueadores, diuréticos, anticolinérgicos, antidepressivos, antipsicóticos, toxinas naturais, estricnina, agentes simpatomiméticos e anoréticos, hormônios tireóideos e ruptores da fosforilação oxidativa. Doenças As doenças das vias aéreas superiores comprometem muito a eliminação do calor podendo aumentar os riscos. Ambiente Quando a temperatura externa supera a temperatura da pele, o corpo começa a absorver o calor do ambiente e passa a depender totalmente da evaporação da transpiração para eliminar o calor. Para que a transpiração evapore, é necessário que haja um gradiente favorável. A alta umidade relativa do ar compromete este gradiente inibindo a evaporação. Os fatores ambientais que influenciam o risco para as síndromes induzidas por calor incluem a temperatura ambiente, umidade relativa (quantidade de vapor d´água no ar), movimento do ar e a quantidade de calor radiante vindo do sol e de outras fontes. Intervenções Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 55 A plena compreensão das alterações fisiopatológicas que ocorrem ao longo de um continuum da síndrome hipertermia é fundamental para os cuidados imediatos e adequados, na tentava de minimizar os danos ao organismo. As principais medidas combinam bases ressuscitativas com resfriamento intenso, objetivando reduzir a temperatura corporal. O monitoramento da temperatura retal e ou esofágea deve ser constante, o que permite acompanhar a evolução do quadro. As medidas de resfriamento devem ser interrompidas quando a temperatura corporal atingir 38 a 38,5ºC, para evitar uma reversão hipotérmica. A redução da temperatura corporal central abaixo de 38,9ºC nos trinta primeiros minutos, aumenta a chance de sobrevivência e minimiza os danos aos órgãos. O ideal seria reduzir a temperatura corporal central em 0,2ºC por minuto. Infelizmente, há indícios de que os danos aos tecidos podem continuar ocorrendo mesmo depois de se atingir este objetivo em 25% dos casos. A tabela 3 sumariza os métodos de resfriamento. Uma medida farmacológica que tem sido discutida com freqüência em muitos estudos é o uso de Dantrolene na tentativa de frear o aumento de temperatura na síndrome de HIE. Dantrolene é um relaxante muscular que diminui a quantidade de Ca2 liberada pelo retículo sarcolasmático para o citosol. Como resultado a atividade muscular é deprimida, diminuindo assim o calor produzido pelo corpo. Apesar de ser bastante eficiente no tratamento da hipertermia maligna, sua eficiência no tratamento de HIE é controversa. Até o presente momento não há evidências suficientes para recomendar que esta droga seja usada rotineiramente no tratamento de HIE. Prevenção Alguns documentos já foram elaborados por centros de pesquisas, com recomendações para minimizar os riscos de desenvolvimento das síndromes induzidas por calor. É possível prevenir tanto a HC quanto a forma induzida pelo exercício. No caso da forma clássica, é fundamental que uma atenção especial seja dada a crianças recém-nascidas, pré-adolescentes, bem como a indivíduos com idades superiores a 65 anos. Os informes meteorológicos podem salvar vidas. Portanto, é fundamental que seus responsáveis estejam alerta durante os períodos de calor mais frequente, com o intuito de evitar uma exposição arriscada. A redução dos riscos relativos a HIE requer em primeiro lugar aclimatação por parte daqueles que pretendem participar de competições em ambientes quentes. Esta aclimatação Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 56 consiste de sessões de treinamento sob o sol forte a intensidades de esforço moderadas porém progressivas, de modo que as adaptações fisiológicas aconteçam de forma segura. A ativação precoce do eixo renina angiotensina aldosterona, promove maior conservação de sódio por parte das glândulas sudoríparas e dos rins. Um aumento na conservação de sódio gera um maior volume plasmático, um aumento na taxa de filtração glomerular e uma maior resistência a rabdomiólise. Em termos gerais a hidratação exerce um papel fundamental na prevenção relativa às síndromes induzidas por calor. A reposição dos líquidos deve concentrar-se na manutenção do volume plasmático, para que a circulação e a transpiração possam progredir em níveis ótimos. A ingestão de uma quantidade extra de líquidos antes das atividades físicas no calor, pode proporcionar uma pequena proteção termorreguladora. Tabela 01. Síndromes induzidas por calor. Síndromes Edema por calor Sintomas Não há Sinais Edema periférico Tratamento Descanso, elevação Das extremidades aclimatação Contraturas por Contraturas e dores Espasmos musculares Alongamentos, massagem calor musculares com gelo e hidratação oral Síncope por calor Síncope Perda de consciência Descanso, deitar com os pés elevados, monitorar sinais vitais Exaustão por calor Fadiga, incapacidade de Hipotensão, desequilíbrio, Vias aéreas respiração e continuar exercício, temperatura corp. central circulação, resfriar, tonturas, náuseas, vômitos, superior a 40,5ºC e descanso, monitoramento síncope, arrepios no síncope da temperatura, sinais pescoço vitais e fluidos orais Hipertermia Evidentes mudanças no Temperatura corp. central Vias aéreas respiração e estado mental, fadiga, superior a 40,5ºC, circulação, resfriar, náuseas, vômitos e síncope hipotensão, taquicardia, urgentemente, monitorar taquipinéia, síncope, sinais vitais, hidratação possível ausência de intravenosa se possível e sudorese, coma, encaminhar urgente à coagulação intravascular emergência médica disseminada, insuficiência renal aguda Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 57 Referências 1. Christianini C. Reportagem sobre a morte da ciclista durante a prova de Montain Bike. 16/11/2004. http://www.cbc.esp.br/inquerito.htm acessado dia 21/05/2005 20:24 hs. 2. Hadad E, Rav-Acha M, Heled Y, Epstein Y, Moran DS. Heat Stroke: a review of cooling methods. Sports Med 2004; 34(8): 501-511. 3. Bouchama A, Knochel JP. Medical progress: Heat Stroke. N Engl J Med 2002; 346(25): 1978-1988. 4. Lee-Chiong Jr TL, Stitt JT. Heat stroke and other heat-related illness: The maladies of summer. Postgrad Med 1995; 98(1): 26-36. 5. McArdle WD, Katch FI, Katch VL. Exercício e estresse térmico. In: McArdle WD, Katch F I, Katch VL. Fisiologia do Exercício: Energia Nutrição e Desempenho humano, 5ª Edição. Guanabara Koogan, 2003, 636-667. 7. Jurkat-Rott K, McCarthy T, Lehmann-Horn F. Genetics and pathogenesis of malignant hyperthermia. Muscle and Nerve 2000; 23: 4-17. 8. Vanakoski J, Seppala T. Heat exposure and drugs: a review of the effects of hyperthermia on pharmacokinetics. 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Diante dessa variabilidade clínica, várias propostas para classificar a HM foram apresentadas. A apresentada por Ranclev Twetman destaca-se pela forma didática; apresentando a HM em quatro formas: forma fulminante, forma frustra, espasmo de masseter e formas atípicas. A forma frustra ou abortiva é um quadro menos óbvio; uma ou mais sinais da forma fulminante estão ausentes ou atenuados. Como os anestesistas estão mais atentos para o diagnóstico, o reconhecimento de um aumento da ETCO2 e/ou outros sinais precoces (taquicardia inexplicada, espasmo de masseter, rigidez localizada) e a retirada dos agentes halogenados pode interromper a crise. O espasmo de masseter pode ser considerado, potencialmente, como o primeiro indicador de uma crise de HM mesmo na ausência de história familiar. Também denominado rigidez de masseter, pode ser definido como o relaxamento incompleto da musculatura da mandíbula, interferindo com a intubação, após a administração de succinilcolina, considerando o uso de uma dose adequada (1 – 2 mg kg -1) e a tentativa de intubação após 1 minuto. Apesar dessa definição, a avaliação de espasmo de masséter é subjetiva e, como tal, pode gerar controvérsia. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 59 As formas atípicas constituem-se num desafio diagnóstico e podem apresentar-se relacionadas ou não à anestesia. Algumas das formas atípicas relacionadas à anestesia são: a) rabdomiólise perioperatória, b) início tardio do quadro com halogenado e succinilcolina, c) recorrência tardia, d) exposição ao isoflurano e succinilcolina sem reação detectável em paciente com biópsia positiva prévia, e) hipotensão como primeiro sinal de HM. A febre pós-operatória isoladamente não é indicativa de HM, porém esta só poderá ser excluída se existirem registros adequados de ETCO2, freqüência cardíaca e respiratória. Informações adicionais importantes são a presença de imobilidade prolongada por alteração muscular e urina escura ou avermelhada. Algumas das formas atípicas não relacionadas à anestesia, ou doenças correlatas, são: a) Doenças Neuromusculares (Central Core, Síndrome de King-Denborough, Miopatia de Evans), b) Síndrome Neuroléptica Maligna, c) Choque térmico/Rabdomiólise induzida por exercício, d) Síndrome HM-Símile em adolescentes do sexo masculino com Diabetes mellitus e rabdomiólise. Como quadros suspeitos de HM, com sinais clínicos e laboratoriais sugestivos, não são posteriormente confirmados como HM, todos os pacientes que apresentarem hipercarbia inexplicada, ou rabdomiólise, perioperatória ou pós-exercício, são candidatos à biópsia muscular e teste de contratura “in vitro”, ainda o “padrão-ouro” para definição fenotípica da HM. Por se a HM uma condição hereditária, a definição fenotípica do paciente é extremamente importante não só para ele mas também para seus familiares; a partir dessa definição podem ser realizados diagnósticos pré-sintomáticos e estudos genéticos em famílias selecionadas. Porém até o presente momento, esses estudos não podem ainda substituir o teste de contratura “in vitro”. Apesar de requerer uma avaliação multidisciplinar, a HM é uma síndrome especificamente relacionada à anestesia e, por esta razão, deve ser de responsabilidade do anestesiologista conhecer e conduzir o diagnóstico nas diversas apresentações clínicas da mesma. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 60 Fisiologia da Contração Muscular Physiology of muscular contraction Alice Teixeira Ferreira Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. O músculo esquelético é um órgão especializado na transformação de energia química em movimento(energia mecânica), desenvolvido para otimizar esta função utilizando um conjunto bem ordenado de proteínas relacionadas com o movimento. Os 600 músculos esqueléticos do corpo humano são compostos de centenas à centenas de milhares de células alongadas, multinucleadas chamadas fibras musculares. Cada fibra contem as proteínas contrateis Miosina e Actina, que compõe os filamentos grossos e finos respectivamente, que estão dispostos paralelamente nas miofibrilas que compõe as fibras. As miofibrilas estão também paralelamente arranjadas e apresentam um padrão de bandas escuras e claras dispostas em série, que dão o caráter de estrias às fibras de tais músculos. Esta aparência estriada característica da miofibrila observável na microscopia de luz decorre da birrefringência diferente das proteínas contrateis:a banda clara, chamada banda-I, é devida a isotropia (I) da região da miofibrila dada pelos filamentos finos e a banda-A, devida a sua anisotropia(A), constituída pelos filamentos grossos intercalados aos finos. Os limites laterais da unidade contrátil chamada de sarcômero são dados pelos discos Z, constituídos por alfaActinina, onde se ancoram os filamentos finos , a Tinina e a Nebulina. Na microscopia de luz o sarcômero é delimitado por duas linhas Z e contem duas banda-I e uma banda –A central separando-as. A contração é definida como a ativação das fibras musculares com a tendência destas se encurtarem. Ocorre quando o cálcio citosólico ([Ca2+]i) aumenta disparando uma série de eventos moleculares que levam à interação entre miosina e actina, ocorrendo o deslizamento desta última sobre os filamentos grosso e o encurtamento dos sarcômeros em série. Acoplamento Excitação-Contração Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 61 A despolarização do sarcolema da fibra muscular esquelética se propaga da superfície para o interior da fibra através dos túbulos-T. Junto aos túbulos se encontram as cisternas do retículo sarcoplasmático formando com o túbulo T uma estrutura denominada Tríade. Na membrana dos túbulos se encontram proteínas integrais que a transfixam chamadas Proteínas DHP por terem afinidade por dihidropiridina, substância inibidora da abertura de seus canais cálcio-seletivos intrínsecos. A despolarização do túbulo T induz a alteração da conformação das proteínas DHP. Esta modificação é transmitida aos podócitos que se encontram em contacto com tais proteínas. Os podócitos são projeções citoplasmáticas de proteínas integrais da membrana do retículo sarcoplasmático, chamadas Proteínas Receptoras de Rianodina, cuja isoforma na musculatura esquelética é abreviada por RyR1. Estas proteínas se encontram concentradas na face da cisterna em contacto com o túbulo T e contem canais intrínsecos seletivos ao cálcio. Uma vez ativado o RyR1 pela alteração de conformação da proteína DHP induzida pela despolarização que atingiu os túbulos T, os seus canais são abertos efluindo cálcio do retículo para o citoplasma da fibra muscular. A mudança de conformação de RyR1 se transmite à outra proteína ligada à este receptor, chamada Triadina. Esta última mobiliza o cálcio ligado á Parvalbumina, Calsequestrina e Reticulina, todas encontradas no interior do retículo sarcoplamático e em contacto entre si, que liberam mais cálcio. Este íon sae pelo canal de RyR1, que se encontra aberto. contribuindo para o maior aumento do cálcio citosólico. O filamento grosso é constituído por moléculas de miosina, dispostas ordenadamente. Cada molécula de miosina é constituída por dupla hélices enroladas entre si e numa das extremidades se encontram duas cabeças globulares. O seu arranjo é regular de tal maneira que as cabeças se dispõe de maneira helicoidal, separadas por 14,5 nm. Existem 294 moléculas por filamento grosso. Como as cabeças têm atividade ATPásica existem 588 sítios com tal propriedade. O filamento grosso se encontra no centro de um hexágono em cujos vértices se encontram dispostos os filamentos finos. O filamento fino é constituído por actina filamentosa (Act-F), que é formada por dois filamentos de actina globular (Act-G) entrelaçados, por Tropomiosinas fixadas sobre Act-F por Tropnina em intervalos de 7 Act-Gs. A Troponina é composta de três subunidades chamadas Troponina C (que tem afinidade por Cálcio, TnC), Troponina I (TnI) e Troponina T (TnT). A subunidade TnI está ligada a uma das Act-Gs e a subunidade TnT à Tropomiosina e a TnC ligada a estas duas subunidades.O cálcio ao se ligar à TnC faz com que o conjunto modifique a sua conformação desligando TnI da AcT-G/F , simultaneamente Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 62 deslocado a Tropomiosina, expondo os sítios das Act-Gs permitindo a interação com as projeções das cadeias de miosina, chamadas de cabeça, que constituem o filamento grosso. Numa reação que envolve a hidrólise de ATP, tem-se o deslizamento dos filamentos finos em relação aos filamentos grossos , com conseqüente encurtamento dos sarcômeros (aproximação dos discos Z), com a produção de força ao longo da miofibrila. A formação de pontes entre Act-F e miosina é reversível, na presença de ATP, ocorrendo com a modificação da posição da cabeça da miosina de 45 à 90 graus, tendo um deslocamento de 100 Angstrons. A energia deste processo provem da hidrólise de ATP, liberando ADP e Pi ( processo de transdução de energia). Pouco se sabe sobre este processo, sendo as seguintes perguntas ainda não esclarecidas: 1) quantos sítios de ligação da Act-F estão envolvidos num abalo contrátil? 2) qual parte da cabeça da miosina muda de conformação? 3). As duas cabeças da miosina comportam-se de maneira independente? Referências 1. Brian R. MacIntosh. Role of Calcium Sensivity Modulation in Skeletal Muscle Perfomance. News Physiol Sci 2003; 18: 222-225. 2. Clark KA, McElhinny AS, Beckerle MC, Gregorio CC. Striated Muscle Cytoarchicterure: An Intricate Web of Form and Function. Ann Rev Cell Dev Biol 2002; 18: 637-706. 3. Geeves MA, Holmes KC. Structural Mechanism of Muscle Contraction. Ann Rev Biochem 1999; 68: 687-728. 4. Brooks SV. Current Topics for Teaching Skeletal Muscle Physiology. Adv Physiol Educ 2003; 27: 171-172. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 63 Biópsia e teste de contratura muscular In vitro contracture test Helga Cristina Almeida da Silva CEDHIMA (Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigação de Hipertermia Maligna). Departamento de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva - Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Rua Napoleão de Barros, 715 - 5º andar – Vila Clementino, CEP 04024-002 - São Paulo/SP, Brasil. Telefone/FAX: 55 (11) 5571-2746 - 55 (11) 5576-4069. E-mail address: [email protected]. O principal objetivo da avaliação laboratorial nos pacientes suspeitos de hipertermia maligna anestésica (HMA) é o de investigar a suscetibilidade dos que sobrevivem à crise, assim como de seus familiares. O método mais confiável para determinar a suscetibilidade à HMA é o estudo da contratura do músculo in vitro em presença de halotano e cafeína (in vitro contracture test IVCT), havendo positividade a pelo menos uma das duas substâncias em praticamente 100% dos sobreviventes de um episódio de hipertermia maligna anestésica. Nesse teste, um fragmento de biópsia muscular é conectado a um transdutor que afere o grau de contração muscular; o músculo é, então, exposto a dose única ou crescente de cafeína e/ou halotano. A diferença entre a resposta do músculo de indivíduos normais e dos pacientes suscetíveis está no grau de contração alcançado e na sua sensibilidade à cafeína e ao halotano. Atualmente existem dois protocolos básicos para a interpretação do teste: o protocolo norte-americano e o protocolo europeu, que é aquele empregado no CEDHIMA. O protocolo europeu considera suscetíveis os pacientes com resposta anormal às duas substâncias (MHS), equívocos (MHE) os que responderam de forma anormal só a uma delas, e negativos (MHS) os que não responderam de forma anormal a nenhuma das duas substâncias. O CEDHIMA investigou 70 pacientes, cujas indicações foram: HMA (42), doença neuromuscular (10) e síndrome neuroléptica maligna (4); 14 eram controles periódicos. No grupo teste de 56 pacientes, a média de idade foi de 43 anos (14-84); havia 27 homens e 29 mulheres. No IVCT, 23 pacientes foram negativos para hipertermia maligna (MHN) e 47 foram suscetíveis (MHE/MHS). No grupo MHS/MHE, 12% apresentavam aumento dos níveis séricos de CPK, 4 pacientes apresentavam alterações na biópsia muscular compatíveis com doença central core (CCD) e 2, multiminicores (MMC). Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 64 Referências 1. Ellis FR, Halsall PJ, Ording H ET AL. A protocol for the investigation of malignant hyperpyrexia (MH) susceptibility. Br J Anaesth 1984; 56:1267-1269. 2. Kozak-Reiss G, Coursange F, Aubert M. Hyperthermies Malignes. In: Encyclopedie Medicochirurgicale. Techniques Chirurgicales. Anesthésie - Reanimation, Paris, Ed. Techniques, 36412 E10, 1991, p 1-18. 3. Larach MG. Should we use muscle biopsy to diagnose malignant hyperthermia susceptibility? Anesthesiol 1993; 79:1-4. 4. Ørding, H for The European Malignant Hyperthermia Group. In vitro contracture test for the diagnosis of malignant hyperthermia following the protocol of the European MH Group: results of testing patients surviving fulminant MH and unrelated low-risk subjects. Acta Anaesthesiol Scand 1997; 41:955-966. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 65 Estudos genéticos na Hipertermia Miopatia de Central Core Maligna e Malignant hyperthermia genetics Patrícia M Kossugue, Viviane P Muniz, Mariz Vainzof Centro de Estudos do Genoma Humano, Depto. de Genética e Biologia Evolutiva, Instituto de Biologia da Universidade de São Paulo - IBUSP. A hipertermia maligna (HM) e a miopatia de Central Core (CCD), obedecem predominantemente a padrão de herança autossômica dominante. O principal defeito primário em ambas doenças ocorre no gene RYR1, que codifica o canal de liberação de cálcio do músculo esquelético, chamado também de receptor de rianodina. O gene RYR1 (19q13.1) contêm 106 exons, sendo 2 modificados por emenda (“splicing”) alternativa e codifica uma proteína de 5037 aminoácidos, que se organiza em elaborada estrutura tetramérica, composta por 4 sub-unidades de cerca de 560 kDa cada, formando o canal de liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático do músculo esquelético. Esta proteína tem também uma função estrutural, formando um pedúnculo que promove a ligação do retículo sarcoplasmático e dos túbulos T. O número de mutações identificadas no gene RYR1 vem crescendo muito, com a implantação de novas metodologias de triagens. Até a presente data, pelo menos 70 mutações diferentes já foram descritas em pacientes com HM e mais de 40 em pacientes com CCD. Os diversos estudos mostraram entretanto, que a freqüência de cada uma das mutações é muito baixa, variando nas diferentes populações entre 2% e 10% dos casos, sendo algumas delas encontradas em famílias únicas ou em uma população específica. Embora não exista uma predominância de certas mutações, 3 regiões grandes vêm sendo consideradas como “hot spots” para mutações: região 1 (códons 34 a 614), região 2 (códons 2163 a 2458) e a região 3 (códons 4136 a 4973). A análise da distribuição das mutações descritas no gene RYR1 mostra que a maioria das mutações ligadas a HM estão localizadas nas regiões 1 e 2, enquanto as ligadas a CCD estão concentradas na região 3 da proteína. Alem do gigantesco tamanho do gene, um segundo fator que dificulta muito o estudo molecular é a significante heterogeneidade genética que ocorre na HM. Mutações no gene Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 66 RYR1 correspondem a cerca de 50% dos casos de HM. Em diversas famílias onde ligação com o gene RYR1 foi excluída, estudos complementares têm identificado ligação com vários outros loci, nos mais diversos cromossomos, como em: 17q11-24 (Gene candidato: SCN4A), 7q11-21 (Gene candidato: CACNLA2), 3q13.1 (Genes candidatos: IAP e MSH4ORF2), 1q31-32 (Gene candidato: CACNL1A3), 5p, 1p32 (Gene candidato: CPTII); e ainda restam famílias cuja ligação com todos os loci citados já foi excluída, sugerindo a existência de pelo menos mais um lócus. Heterogeneidade genética também foi descrita na miopatia CCD. Foram identificadas mutações em um segundo gene, MYH7, que codifica a cadeia pesada da â-miosina, localizado no cromossomo 14, em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica e presença de cores em biópsia muscular. Uma grande variabilidade na manifestação clinica tem sido observada tanto na HM com na CCD. Em grande parte das famílias estudadas, a segregação do fenótipo sugere uma herança autossômica dominante, mas com penetrância reduzida e expressividade muito variável. Somente 4 famílias com CCD e herança AR foram descritos ate a presente data no mundo todo. Interessantemente, em estudo recente finalizado em 5 famílias brasileiras com pacientes com diagnóstico de CCD, identificamos duas famílias com mutações nos dois alelos do gene RYR1, compatíveis com padrão de herança autossômica recessiva, sugerindo que este padrão de herança possa ser mais freqüente do que esperado. O teste de contratura in vitro é o exame diagnóstico padrão para a HM. Entretanto, a identificação e descrição de mutações em um número crescente de famílias tem mostrado que uma correlação total entre os achados nos testes de contratura in vitro e dados moleculares nem sempre ocorre. Apesar da MHS estar ligada ao gene RYR1 em cerca de 50% dos casos, são encontradas mutações no gene RYR1 em cerca de apenas 22 a 25% dos indivíduos com resultados positivos no IVCT. Estudos da literatura relatam em uma mesma família, casos de indivíduos MHN portadores de mutações no gene RYR1 e diversos indivíduos MHS ou MHE sem mutações. Heterogeneidade foi observada para a mutação R614C tanto em estudos internacionais como em uma família brasileira, onde a mutação foi identificada em 3 dentre os 10 indivíduos com resultado positivo para o IVCT. Também para a mutação G1021A, que corresponde a cerca de 10% das mutações encontradas na população européia, observou-se esta variabilidade. Foi sugerido que um outro gene ou outra mutação poderia ser a causa deste padrão discordante entre o teste de contratura in vitro e a mutação, mas esta hipótese ainda não foi comprovada. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências Apesar destes resultados, há 67 um consenso internacional de que embora o teste molecular seja bem mais direto e muito menos invasivo, a realização do estudo de DNA nas famílias em risco é demorada e muito cara, por causa da grande heterogeneidade de mutações, bem como a baixa eficiência de sua identificação molecular. Portanto, até que esta metodologia seja aprimorada para poder ser oferecida de forma eficiente para as famílias em risco, o teste de contratura continuará a ser o exame mais seguro para prevenir novos episódios de HM. Referências 1. Davis MR, Haan E, Jungbluth H, et al. Principal mutation hotspot for central core disease and related myopathies in the C-terminal transmembrane region of the RYR1 gene. Neuromuscul Disord. 2003, 13(2):151-157. 2. Kossugue PM, Muniz VP, Pavanello RCM, et al. Screening for mutations in the C-terminal region of RYR1 gene identify high frequency of autosomal recessive form of Central Core Disease (CCD) in Brazil. 10th International Congress of the World Muscle Society, Iguassu Falls, Brazil, September 28 to October 1, 2005. 3. Muniz VP, Silva HCA, Tsanaclis AMC, Vainzof M. Screening for mutations in the RYR1 gene in families with malignant hyperthermia. J Molec Neurosc 2003; 21(1):35-42. 4. Phillips MS, Fuji J, Khanna VK, et al. The RYR1 gene. The structural organization of the human skeletal muscle ryanodine repector (RYR1)gene. Genomics 15. 1996, 34 (1):24-41. 5. Sambuughin N, Holley H, Muldoon S, et al. Screening of the Entire Ryanodine Receptor Type 1 Coding Region for Sequence Variants Associated with Malignant Hyperthermia Susceptibility in the North American Population. Anesthesiol 2005; 102(3):515-521. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 68 Anaesthesia in myopathies, metabolic, canalopathies and dystrophies Anestesia para Distrofia, Canalopatia e Miopatia Metabólica Vincenzo Tegazzin Head of MH Laboratory, Department of Anesthesia and ICU, S.Antonio University-Hospital, Padua, Italy. Metabolic Myopathies (MM) are a group of muscle disorders caused by biochemical defects of the skeletal muscle energy system, affecting both substrate utilization and final mitochondrial oxidation through the Krebs cycle and respiratory chain. The diagnosis of MM depends mainly on combined clinical, biochemical, histopathological and genetic investigations (1). Disorders of fatty acid metabolism such as carnitine palmitoyltransferase II deficiency (CPTII) produce muscle symptoms after prolonged exercise; in contrast, defects of glycogen breakdown produce muscle symptoms after moderate exercise. Mitochondrial disorders present a large spectrum of clinical syndromes associated with abnormalities of the common final pathway of the mitochondrial energy metabolism and in the oxidative phosphorylation (1). In the MM it is important to avoid trigger anesthetic agents such as suxamethonium and halogenated gases. In normal circumstances, suxamethonium produces a very small but detectable shift of potassium that can became more evident in MM. Finally, also in healthy subjects, depolarizing relaxants have been known to cause cardiac dysrhythmias, hyperkalaemia, myalgia, myoglobinuria that are symptoms already present in MM individuals. Intravenous anesthetics (propofol, pentotal, opiates, non depolarizing relaxant, midazolam) must be titrated in fuction of the severity of the disease keeping in mind that unusual sensitivity to all drugs can occur in MM, as demonstrated by in vitro experiments where propofol and midazolam inhibit coupling between mitochondrial respiration and oxidative phosphorilation. Locoregional Anesthesia (LA), when spontaneous breathing can be maintained, or LA combined with soft GA, is the best choice to improve both postoperative recovery and analgesia. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 69 Chloride and sodium channel myotonia are characterized by hyperexitable membrane due to nonsense and missense mutations in the specific muscle chloride and sodium channels. Hypokalemic periodic paralysis (HypoPP) is usually caused by mutations in the L-type calcium channel and usually neither myotonia or electrical myotonia is present. In the HypoPP there is loss of function (no myotonia occurs) whereas in the HyperPP there is gain of function (myotonia occurs). Glucose and insulin that cause hypokalemia can trigger periodic paralysis. The remedy consists in the administration of potassium. In the patients with chloride and sodium channel myotonia, depolarizing muscle relaxants, mechanical stimuli, anticholinesterases and cold environment (shivering) should be avoided. LA can be used without electrical stimulations. In these patients, Malignant Hyperthermia crisis has been described only once, so that LA seems to be preferred, keeping in mind that surgical stress, sodium chloride infusion, LA and hypothermia can induce a paralytic attack in patients with HypoPP, by decreasing serum potassium. An ECG monitoring is needed to document a preexisting QT prolongation. In the Andersen syndrome, defined by the clinical triad with dyskalemic periodic paralysis, ventricular ectopy and, sometimes, minor dysmorphic features, succinylcholine, anticholinesterases, opioids and cold environment during anesthesia must be avoided, paying attention to potassium level and disturbance of ECG (2). LA with periferal block and mild sedation could be the right and reasonable choice in case of surgical procedure. The dystrophies (muscular dystrophies and myotonic dystrophies) are diseases associated by primary degeneration of muscle tissue and now genetically well characterized. Patients affected with myotonic dystrophy, the most common inherited muscle disease in adults, present inability to relax skeletal muscle after stimulation. Its severity is more related to muscle atrophy and multiple organ involvement rather than to the abnormal contraction. Atrio-ventricular heart block and arrhythmias may suddenly complicate an apparently normal cardiovascular condition, during general anesthesia. Patients with muscular and myotonic dystrophies are at risk of developing malignant hyperthermia syndrome during general anesthesia using trigger agents. Indeed, depolarizing muscle relaxants can have a strong stimulating effect on the weak muscle, causing rupture of fibers, myoglobinuria and rising of serum CK. Recent molecular genetic findings are giving now futher evidence that anaesthetics act by binding directly to sensitive proteins. It is intriguing that a single amino acid change in a receptor or channel may cause dramatic changes of the interection between the drug and the receptor or the channel(4). Furthermore, halogenated gases on cardiac muscle Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 70 can enhance the arrhythmias by depression of cardiac function reducing amplitude and prolonging duration of the calcium transient. Goals of anesthetic management is to preserve the homeostatic status, particularly in the patients with muscular dystrophies; experimental data and clinical experience suggest that when practicable, LA is both suitable and safer than general anesthesia. Of course, a monitoring during anesthesia and in postoperative recovery is imperative. The use of shortacting sedative to reduce anxiety must be careful. References 1. Bresolin N, Corti S. Biochemical Screening in Metabolic Myopathies. Proceedings of “ Neuromuscular Diseases and Anaesthesia” meeting, 2004, (in press). 2. Lehmann-Horn F. Muscle Channelopathies and anesthesia: Non dystrophic myotonias and periodic paralysis. Proceedings of “Neuromuscular Diseases and Anaesthesia” meeting, 2004, (in press). 3. Vincenti E, Scarpa R. Regional Anesthesia in Myopathic Patients. Proceedings of “Anestesia e Malattie Neuromuscolari”meeting. Edizioni Minerva Medica, 1998. 4. Franks NP, Lieb WR. Do general anaesthetics act by competitive binding to specific receptors? Nature 1984; 310: 599-601 Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 71 Anestesia para insuficiência respiratória restritiva Anaesthesia in restricitive respiratory insufficiency Cláudia Lütke Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Sendo a respiração – em definição simplista – a adequada captação de oxigênio e a correta eliminação de dióxido de carbono, entende-se por insuficiência respiratória falha(s) neste processo. Tais falhas podem ocorrer tanto na ventilação propriamente dita como no controle neural da mesma. Podem ainda envolver a difusão e/ou perfusão. Não raro, mais de uma etapa encontra-se comprometida. Classicamente, a insuficiência respiratória divide-se em síndromes obstrutivas e restritivas. As síndromes restritivas, por sua vez, subdividem-se em intrínsecas e extrínsecas. As doenças neuromusculares são exemplos raros de insuficiência respiratória restritiva extrínseca, isto é, os pulmões são primariamente normais. A limitação é dada pela incapacidade de os músculos respiratórios exercerem sua adequada função de “fole torácico”. A insuficiência respiratória gerada por esta classe de doenças é, portanto, do tipo ventilatório. As doenças neuromusculares diferem enormemente entre si, tanto no início do comprometimento respiratório, quanto na intensidade e evolução (1, 2, 3). As distrofias musculares têm caráter progressivo e a idade de início do comprometimento da musculatura varia largamente entre os diferentes tipos de distrofias musculares e miopatias – por volta dos 20 anos na Distrofia de Duchenne e 40 na distrofia escapulo-umeral. Como agravante à disfunção das fibras musculares, até 80% dos pacientes podem apresentar cifoescoliose associada, o que diminui a complacência da parede torácica. A instalação da insuficiência respiratória nos casos de Esclerose Lateral Amiotrófica caracteriza fase avançada da doença e a progressão é geralmente rápida a partir de então. A Miastenia Gravis tem caráter auto-imune, com a presença de anticorpos contra receptores de acetilcolina na junção neuro muscular. Especial atenção deve ser dada ao Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 72 emprego de bloqueadores neuromusculares durante anestesia geral em pacientes portadores da doença. Este tópico será abordado em detalhes em outra exposição. A Esclerose Múltipla, neuropatia desmielinizante, caracteriza-se por alternância de surtos de atividade e remissão. Desta forma, o suporte ventilatório mecânico pode fazer parte do tratamento de suporte durante a evolução natural da doença mais precocemente que na ELA. A Síndrome de Guillain-Barré constitui quadro de poliradiculoneurite aguda, geralmente em caráter ascendente – com envolvimento da musculatura respiratória. Em cinqüenta por cento dos casos há relato de quadro infeccioso respiratório ou gastointestinal precedente às manifestações neurológicas. Na Doença de Parkinson, a depleção dopaminérgica desencadeia movimentos involuntários, tremor de repouso, perda .da mímica facial e rigidez de extremidades (tipo roda denteada). O surgimento de franca insuficiência respiratória é raro. Todavia existe grande tendência a aspiração e, conseqüentemente, surgimento de pneumonias. A apnéia obstrutiva do sono é outro evento bastante comum nestes pacientes. O comprometimento respiratório no Acidente Vascular Encefálico depende do local acometido. No entanto, o mal-funcionamento da musculatura de vias aéreas superiores é freqüente, levando também a episódios de aspiração. Envolvimento do tronco encefálico geralmente necessita ventilação mecânica controlada precoce, em razão do acometimento do centro respiratório. De forma análoga, o nível da lesão no traumatismo raqui-medular determina o grau de insuficiência respiratória. Tais pacientes mantêm a competência do centro respiratório e normalidade – ou quase normalidade - de complacências pulmonar, de parede torácica e abdominal. Tendo em vista o maior risco de aspiração e necessidade de VM pós-operatória, a técnica de anestesia regional deve ser preferida sempre que possível (4). Bloqueios espinhais todavia não devem envolver níveis acima de T10, com o objetivo de não impor redução adicional à função da musculatura respiratória. As técnicas infra-claviculares são melhor opção que as vias interescalênica e perivascular subclávia para bloqueios do plexo braquial, por não determinarem bloqueio frênico. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 73 A ventilação mecânica controlada deve ser empregada nos casos de anestesia geral, objetivando a otimização das trocas gasosas. A redução da capacidade residual funcional e tendência ao desenvolvimento de atelectasias, complicações próprias da anestesia, podem ter seu impacto minimizado com o emprego de pressão positiva ao final da expiração (PEEP) e frações inspiradas baixas de oxigênio. O comprometimento da expansibilidade torácica e a limitada capacidade de tosse são os principais determinantes da necessidade de suporte ventilatório mecânico no período pósoperatório. Referências 1.Unterborn JN, Hill NS. Options for mechanical ventilation in neuromuscular diseases. Clin Chest Med 1994; 15(4): 765-81. 2. Dierdorf SF. Rare co-existing diseases. In: Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK (eds.) – Clinical Anesthesia. Philadelphia: JB Lippincott Company, 1989, 439-58. 3. Ward NS, Hill NS. Pulmonary function testing in neuromuscular disease. Clin Chest Med 2001; 22(4):769-781. 4. Stoelting RK, Dierdorf SF. Chapter 15: Restrictive Lung Disease. In: Anesthesia and Co-Existing Disease, 4th. Ed., Philadelphia: Churchill Livingstone, 2002. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 74 Anestesia para Miastenia Gravis Anaesthesia in Miastenia gravis José Luiz Gomes do Amaral Professor Titular, Disciplina de Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva Cirúrgica, Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Definição A miastenia gravis (MG) é doença auto-imune determinada pela ligação de autoanticorpos às sub-unidades alfa dos receptores de acetilcolina (nAchRs) na junção neuromuscular. Patologia Observa-se nos portadores de MG redução (a aproximadamente 30% do normal) da densidade de nAchRs na placa mioneural secundária à ligação com auto-anticorpos e perda das dobras (lise focal) das membranas celulares devida a fixação de complemento. Cerca de 80% dos pacientes com MG têm anticorpos circulantes contra acetilcolina (soropositivos). Em 70% dos soronegativos encontram-se anticorpos contra o receptor tirosina-cinase (MuSK) específico do músculo esquelético. Em 70% dos casos de MG observa-se hiperplasia folicular linfóide do timo, cujos centros germinativos produzem anticorpos contra nAchRs. Observa-se timoma entre 10% e 15% dos casos e hiperplasia tímica na maioria dos pacientes mais jovens. Dos pacientes com timoma 30 a 50% são igualmente acometidos de MG. Os pacientes com timoma geralmente não melhoram após a operação, enquanto 68% dos que não o apresentam o fazem entre 6 e 24 meses. Aceita-se que os anticorpos antinAchRs sejam produzidos em outros locais além do timo, visto que a timectomia não cura, nem previne MG. Cerca de 12% dos portadores de MG têm outra doença autoimune associada. Estresse, gravidez e infecções são apontados como fatores desencadeantes, enquanto que a anestesia parece não contribuir para o surgimento de MG. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 75 Incidência A prevalência de MG varia de 0,25 a 2 casos por 100 mil indivíduos A MG é mais comum em mulheres jovens (abaixo de 30 anos) e homens em meia-idade, (acima de 50 anos). Quadro clínico A fadiga (fraqueza muscular que piora com o exercício) é a principal característica da doença. Ela surge, na maioria dos casos, nos músculos oculares (diplopia, visão borrada, ptose palpebral), estendendo-se a outros grupamentos musculares, eventualmente comprometendo a deglutição (disfagia) e fonação (disartria) (manifestações denominadas “bulbares”) e a ventilação. A crise miastênica é definida como rápida instalação de fraqueza muscular culminando em insuficiência respiratória aguda. Ela pode levar ao diagnóstico de MG ou decorrer de posologia inadequada de anticolinesterásicos. O diagnóstico é confirmado pela resposta ao cloreto de edrofônio (teste do Tensilon®). Após a injeção de dose teste (1 a 2 mg), a administração de 10 mg de edrofônio segue-se de rápida (entre 1 e 5 minutos) melhora da ptose ou da capacidade vital. Tratamento O tratamento com anticolinesterásicos constitui a base do tratamento da MG. Piridostigmina (Mestinon) é administrada até 120 mg, a cada 3 horas (30 mg de piridostigmina oral equivalem a 1 mg intravenoso). Além dos anticolinesterásicos (neostigmina ou piridostigmina), o tratamento de MG inclui timectomia, imunossupressão inespecífica com corticosteróides, imunoglobulina (IVIg, rituximab [anticorpo monoclonal contra o antígeno CD20 das células B] e outros agentes, como azatioprina [2,5 a 3,5 mg/kg] ou ciclosporina). A plasmaferese é indicada nas manifestações bulbares graves, nas crises miastênicas ou no preparo pré-operatório dos pacientes não controlados com as medidas anteriormente descritas. Prognóstico Registra-se sobrevida acima de 5 anos de 85 a 90% tanto em pacientes jovens, como idosos, tratados de crises miastênicas ou portadores de timoma submetidos a timectomia. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 76 Anestesia e miastenia gravis O anestesiologista assume a atenção de pacientes portadores de MG em diferentes circunstâncias. Nos cuidados pré-, intra e pós-anestésicos (em timectomias ou outras intervenções) e no tratamento da insuficiência respiratória aguda (para assistência ventilatória em crises miastênicas ou colinérgicas). O pré-operatório do paciente com MG envolve consulta ao neurologista assistente, avaliação da medicação em uso, do impacto do tratamento com imunossupressores, eventual otimização da posologia de anticolinesterásicos (mantidos até o dia da intervenção) ou realização de plasmaferese. Os testes de função pulmonar fornecem parâmetros úteis para o planejamento do pósoperatório. A ventilação prolongada (acima de 3 horas) é mais provável quando a capacidade vital forçada encontra-se aquém de 40 ml/kg ou 2,9 litros. A escala de Osserman, destinada a avaliar a intensidade das manifestações clínicas de MG, não guarda correlação consistente com a probabilidade de ventilação artificial prolongada no pós-operatório. Pacientes tratados com 750 mg ou mais de piridostigmina também têm maior risco de dificuldades à desintubação. Aos tratados com corticosteróides adiciona-se o risco de fraqueza muscular induzida por destes agentes. Estimuladores da motilidade gástrica, como a metoclopramida, e inibidores da secreção ácida, como a ranitidina, são recomendados no pré-operatório, enquanto geralmente os opióides e os diazepínicos são evitados. O uso de bloqueadores neuromusculares no miastênico requer consideração de diversos fatores: A redução do número de nAchRs traz relativa resistência à ação dos agentes despolarizantes, como a succinilcolina e o mivacúrio. A dose de succinilcolina recomendada para intubação em seqüência rápida em portadores de MG chega a 1,5 a 2 mg/kg. Por outro lado, o uso crônico de anticolinesterásicos e a plasmaferese diminuem a atividade da butirilcolinesterase, o que prolonga o efeito da succinilcolina e do mivacúrio. O bloqueio tipo fase 2 é mais comum nestes casos. Com relação ao bloqueio não despolarizante, observa-se na MG acentuada potencialização da atividade dos agentes desta classe, intensificação de seu efeito, acelerando o início da ação e prolongando sua duração. A ED95 do vecurônio reduz-se a 40-55% do observado em indivíduos normais e a do atracúrio, 58%. A monitoração com estimulador neuromuscular (train of four) permite titular com segurança os bloqueadores. Em razão da Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 77 ampla variabilidade entre indivíduos, a dose inicial do bloqueadores neuromusculares adespolarizantes é habitualmente reduzida a 1/5 a 1/10 da ED95. Na condução do bloqueio neuromuscular dá-se preferência ao atracúrio visto dispensar antagonismo com anticolinesterásicos. O efeito relaxante muscular induzido pelos anestésicos voláteis é acentuado nos portadores de MG, enquanto o comportamento dos barbitúricos, cetamina, propofol e etomidado não é afetado. A depressão respiratória induzida pelos opióides merece atenção particular no paciente miastênico. A anestesia regional pode agravar a fraqueza muscular e deprimir a ventilação em razão do bloqueio motor (sobretudo quando alcança os primeiros segmentos torácicos) e da redução da sensibilidade da membrana pós-juncional determinada pelo anestésico local. Nesse contexto, para intervenções pélvicas ou em extremidades inferiores, a raquianestesia “baixa” reúne as vantagens de mínimo comprometimento dos músculos acessório das ventilação e limitada absorção sistêmica de anestésico local. A anestesia (e analgesia pós-operatória) peridural torácica, combinada com anestesia geral é recomendada em timectomia e outras intervenções realizadas nos segmentos torácicos e abdômen superior. Antibióticos como os aminoglicosídeos e a polimixinas, mas também as penicilinas, sulfonamidas e tetraciclinas; os antiarrítmicos, como lidocaína, procaína e fenitoína; betabloqueadores e bloqueadores de canais de cálcio podem acentuar a fraqueza muscular da MG e são evitados no peri-operatório. Alguns aspectos particulares da MG exigem especial atenção no pós-operatório: Ainda que alguns portadores de MG possam exigir entre 24 e 48 horas de ventilação artificial pós-operatória, na maioria dos casos a desintubação é possível ao final das intervenções. Evita-se antagonizar o bloqueio neuromuscular, aguardando-se a recuperação espontânea. Sugere-se interromper a administração de anticolinesterásicos nas 24 horas seguintes à anestesia, visto este fármaco poder aumentar a produção de secreção nas vias aéreas e dificultar a desintubação, bem como aumentar o risco de fístulas após anastomoses intestinais. A recuperação da CV (capacidade vital), aferida por sucessivas espirometrias, auxilia na condução da interrupção progressiva da ventilação artificial. Os acometidos da forma “bulbar” de MG têm elevada probabilidade de aspiração pulmonar durante as crises miastênicas, evidenciada pela incidência de pneumonia em 25 a 33%. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 78 Referências 1.Book WJ, Abel M, Eisenkraft JB. Anesthesia and neuromuscular diseases. Anesth Clin North Am 1996;14:515-541. 2.Klinger W, Lehmann-Horn F, Jurkatt-Rott K. Complications of anesthesia in neuromuscular disorders. Neuromuscular Dis 2005; 15:195-206. 3. Naguib M, Lien CA. Pharmacology of muscle relaxants and their antagonists. In Miller D. Miller’s Anesthesia. 6th Ed. Elsevier Churchill-Livingstone. Philadelhpia.Ch 13. 2005. p.481-572. 4. Roos KL, Pascuzzi RM. Anesthesia issues in the perioperative management of myasthenia gravis. Seminars in Neurology 2004; 24:83-94. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 79 Anestesia para suscetíveis à Hipertermia Maligna Anaesthesia in MH susceptible patients Luiz Bomfim Pereira da Cunha Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. ______________________________ Aspectos farmacológicos do Dantrolene Sódico Dantrolene Oscar Pires Universidade de Taubaté – UNITAU, São Paulo. 1. Introdução A redução dos índices de mortalidade pela hipertermia malígna (HM) é conseqüência do emprego de dantrolene sódico, 1-[[[5-(4-nitrofenil)-2-furanil]-metileno]amino]-2-4imidazolidinodiona, um derivado hidantoínico lipossolúvel, sintetizado em 1967 graças a estudos de Snyder no laboratório Norwich-Eaton-Pharmaceuticals administrado por via oral ou intravenosa1. O dantrolene sódico é um relaxante muscular que inibe a liberação de Ca++ do retículo sarcoplasmático durante o acoplamento excitação-contração2 causando redução dose dependente das concentrações de cálcio intracelular em suínos3 e em humanos susceptíveis4. A formulação para uso intravenoso é apresentada em frascos-ampola de 70 ml, contendo 20 mg de dantrolene, 3,0g de manitol e hidróxido de sódio. O conteúdo de cada frasco ampola deve se rdiluído em 60 mlde água estéril. 2. Farmacodinâmica 2.1. Músculo esquelético Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 80 Estudos experimentais sugerem que o dantrolene atua intracelularmente nas fibras musculares esqueléticas inibindo a liberação de cálcio do retículo sarcoplasmático, induzida por cálcio, e consequentemente a contração muscular, sem afetar o potencial de ação5. Mutação em um ponto do canal de liberação do cálcio do retículo sarcoplasmático no músculo esquelético, também chamado de receptor de ryanodine (RYR1) predispõe a HM6,7,8 . 2.2. Músculo liso vascular e cardíaco Estudos realizados com diferentes isoformas de ryanodine sugerem ação seletiva sobre receptores específicos do músculo esquelético (RYR1) e de diversos outros tecidos incluindo cérebro (RYR3), porém sem ação sobre receptores do músculo liso vascular e cardíaco (RYR2)2,9,10,11, outros estudos mais recentes in vitro revelaram alterações latentes, no miocárdio de suínos susceptíveis, manifestas durante exposição ao halotano12. Não obstante, têm se registrado arritmias cardíacas tipo fenômeno de Wenckebach13 e bloqueio átrioventricular total e, parada cardíaca quando em interação com verapamil e diltiazem14. Foi relatado bloqueio de canais de cálcio do músculo liso da artéria mesentérica superior de ratos antagonizando o tromboxane A215. A inibição por dantrolene de Anthopleurin-A, um potente peptídeo cardioestimulante, em ratos e coelhos foi relatada por Bayley16 e a redução da força de contração de átrio esquerdo de coelhos sem alterar o período refratário efetivo, sugere que o efeito inibitório do dantrolene sobre o músculo cardíaco decorre de ação sobre o retículo sarcoplasmático e não sobre a excitabilidade do sarcolema17. Salata demonstrou efeito seletivo de dantrolene sobre a fibra de Purkinje de cães, prolongando a duração do potencial de ação em 90% na repolarização e no período refratário da fibra normal com depressão do plateau e da força de contração18. Embora o dantrolene não apresente efeito significativo sobre o potencial transmembrana em repouso, altera a velocidade de condução nas fibras de Purkinje da fase zero interferindo com a corrente lenta para o interior celular19. 2.3. Outros sistemas e órgãos Em neurônios o dantrolene atua prevenindo a injúria mediada por excesso de estimulação por glutamato, atuando por longo período, o que sugere processo de depressão de estoques de cálcio intracelular7. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 81 Sobre a função respiratória, gatos e ratos anestesiados que receberam dantrolene apresentaram depressão da resposta ao twitch em vários grupos musculares, mas apresentaram pouco efeito sobre a respiração20,21. A liberação de insulina estimulada por glicose foi inibida por dantrolene em ilhotas pancreáticas isoladas de ratos, não obstante o estímulo por leucina, arginina, ouabaína e potássio não sofreu inibição. Estes resultados sugerem que dantrolene interfere com a mobilização de estoques de cálcio das células β22. Contudo em outro estudo in-vitro dantrolene apresentou efeito oposto potencializando o estímulo à liberação de insulina por glicose23. Dantrolene intraperitoneal em ratos, na dose de 25 a 50 mg.kg-1, causou significativo aumento da adrenal, reduzindo os níveis séricos de glicocorticóides e as isoenzimas do citocromo P-450 após 5 dias24. Hepatotoxicidade atribuída ao dantrolene atinge aproximadamente 1,0% dos usuários e é observada com o uso oral25. Fêmeas de ratos Sprague-Dawley tratadas com dantrolene sódico durante 18 meses na dosagem de 15, 30 e 60 mg.dia-1 apresentaram aumento da incidência de tumores mamários benignos e malignos comparadas com controles paralelos, além de, na dose mais elevada haver aumento na incidência de linfangiomas e angiosarcomas hepáticos26. Contraria esses dados, outros estudos com tratamento por 30 meses em 344 ratos Sprague-Dawley ou Fischer ou em camundongos da cepa HaM/ICR26. A segurança para utilização na gravidez não foi estabelecida, sendo classificado pela FDA (Food and Drug Aministration) como fármaco de categoria C, cuja segurança na gestação em humanos não foi determinada e em estudos animais foram positivos para risco fetal ou não foram realizados e o fármaco não deve ser administrado, a não ser em condições onde os benefícios compensem os potenciais riscos26. No pós-parto determina atonia uterina27. Outros efeitos adversos do dantrolene incluem náuseas, vômitos, mal estar, tonturas e irritação local devido ao elevado pH da solução após preparo (9,5)28. 3. Farmacocinética A baixa solubilidade do dantrolene e de seus metabólitos em muitos solventes, incluindo água e sua degradação pela luz são fatores que alteram a análise farmacocinética29. Como resultado o pré-tratamento com dantrolene por via oral não é freqüentemente recomendado e não provisiona o mesmo resultado que dantrolene por via intravenosa30. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 82 3.1. Absorção e Concentração plasmática Estudos em animais demonstram que o intestino delgado é o maior sítio de absorção do dantrolene. Baseado em dados de excreção urinária e biliar, aproximadamente 70%, da dose administrada, é absorvida31. Após administração oral de 100 a 125 mg de dantrolene em 24 voluntários sadios, o pico de concentração plasmática foi de 0,7 a 1,7mg.L-1 em período de 3 a 6 horas após administração32,33. Entretanto, estas concentrações são falsamente elevadas devido a não separação seu metabólito, 5-hydroxy34. Estudos mais recentes, após administração oral de 50mg a voluntários sadios, as concentrações plasmáticas máximas de dantrolene e de 5hydroxidantrolene variaram de 0,5 a 0,95 mg.L-1 e 0,11 a 0,3 mg.L-1 entre 4 a 8 horas e 6 a 8 horas respectivamente35. Tratamento profilático com 2,5 mg.kg-1 de dantrolene em seis pacientes com suspeita ou comprovação da síndrome de hipertermia maligna demonstrou concentração plasmática máxima de 4,3 a 6,5 mg.L-1 36 . Concentrações plasmáticas proporcionalmente semelhantes de dantrolene e 5-hydroxy-dantrolene foram relatadas por Meyler37 e Wuis38 após 100 mg de dantrolene por via oral em voluntários sadios. A administração de dantrolene nas doses de 50, 100, 200 ou 400 mg.dia-1 e a medida de sua concentração sangüínea e de 5-hydroxydantrolene não se elevou após 2 semanas de tratamento39. Em contraste foi relatado que a concentração plasmática de metabólitos de dantrolene (5-hydroxydantrolene e dantrolene acetilado reduzido) elevou-se após tratamento prolongado por mais de dois meses40. Ambos os estudos demonstraram elevação da concentração plasmática de dantrolene após tratamento por longo período e a não elevação quando o tratamento foi com administração de dose única39,40. Em gestantes susceptíveis à hipertermia maligna, a administração oral de dantrolene resultou em relação plasmática fetal-materna de 0,4 mg.dl-1, indicando transferência placentária, o que é explicado pelas características lipofílicas do fármaco41. A secreção de dantrolene no leite materno após administração de doses terapêuticas com bolus de 160mg repetidos totalizando 760mg em episódio suspeito durante cesariana foi confirmada com pico (1,2 mg.ml-1) 36 h após administração, com meia vida (T1/2) no leite materno de 9,02 h sugerindo segurança para o recém nascido na amamentação após 2 dias do término da administração do dantrolene intravenoso42. Dantrolene foi quantificado em 1,39 µg.ml-1 no sangue venoso do cordão umbilical de recém nascidos sem demonstrar efeitos colaterais (Morison, 1983). Concentração sérica Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 83 neonatal de 0,72 ± 0.36 µg.ml-1 e meia vida (T1/2) de aproximadamente 20 h não implicaram em efeitos adversos25. 3.2. Níveis terapêuticos Estudos farmacológicos demonstraram relação inversa entre a concentração plasmática de dantrolene e a contratura muscular ao twitch32,43. Em seis de sete pacientes com espasticidade, houve melhora dos sintomas após administração do dantrolene, mas não houve correlação entre a concentração plasmática e os efeitos, contudo concentrações menores que 0,3 mg.L-1 foram associadas a efeitos semelhantes a placebo, porém efeitos de sedação e vertigens foram relacionados com o pico de concentração plasmática37. Pacientes sadios recebendo dantrolene, por via oral e endovenosa, apresentaram correlação entre o aumento da concentração plasmática e depressão do twitch37 e da porcentagem da depressão da força de contração13. A dose limiar efetiva administrada ou a concentração plasmática para controle da hipertermia maligna é difícil de ser determinada em suínos e eticamente impossível em humanos13. Não obstante, estudos em suínos mostraram que 3,5 mg.kg-1 de dantrolene via intravenosa promoveu 95% da depressão máxima da força muscular, sendo profilática e terapêutica para o uso de halotano e suxametônio44. Estudo multicentrico demonstrou no homem, a dose de dantrolene utilizada com sucesso para o tratamento de hipertermia maligna foi de 2,5 mg.kg-1 45 versus 2,4 mg.kg-1 em suínos13. Esses dados são importantes para a recomendação da dose profilática de dantrolene de 1,0 a 2,0 mg.kg-1 4 vezes ao dia por um a dois dias no pré-operatório46. 3.3. Distribuição Estudos em animais mostram que o dantrolene possui alto volume de distribuição com altas concentrações nos intestinos e fígado. Ocorre interação entre dantrolene e albumina humana in vitro em pelo menos dois sítios da proteína40. Similar às proteínas plasmáticas, o retículo sarcoplasmático do músculo esquelético de suínos possui duas classes de sítios de ligação ao dantrolene, uma com o dobro de afinidade que a outra47. 3.4. Metabolismo e excreção Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 84 O dantrolene, no homem é metabolizado pelo sistema microssomial hepático, principalmente por hidroxilação na posição 5 do anel da hidantoína, por redução do grupo nitro e acetilação do grupo amino48,49. O metabólito 5-hidroxidantrolene (5-OHD) apresentou aproximadamente metade da potência do dantrolene na inibição da contração do músculo gastrocnêmio em ratos48. Em crianças a concentração plasmática de 5-hidroxidantrolene após tratamento com múltiplas doses de dantrolene foi 30 a 50% da concentração do dantrolene49 e 15 a 20% da dose administrada por via oral é excretada por via renal38,49,50. Aproximadamente 79% da droga é excretada pela urina na forma de 5-hidroxidantrolene, 18% na forma acetamido e 4% na forma dantrolene inalterado49. O clearance renal do 5-OHD foi estimado entre 1,8 a 7,8 L/h em voluntários sadios após administração da dose oral de 100 mg, enquanto a eliminação fecal da droga e de seus metabólitos foi insignificante38. A excreção biliar de dantrolene em pacientes submetidos à colecistectomias após administração de 100 mg de dantrolene por via oral foi menor que 1% da dose administrada50. A meia vida de eliminação (T1/2β) do dantrolene apresentou variação entre 6 e 9 horas com extremos em 3 e 22 horas31,37,38,49, enquanto que a de seu metabólito (5-OHD) foi de 15,5 h com extremos em 8,1 e 29,4 horas37. Grande variedade individual na meia vida de eliminação do dantrolene ocorre, não pela diferença na eliminação do 5-OHD, mas provavelmente dos metabólitos não detectáveis ou pela lenta eliminação final38. Estudo farmacocinético de pacientes com hipertermia maligna a meia vida de eliminação após administração de 2,5 mg.kg-1 em período de 10 a 30 min foi de 12 horas36. Referencias 1. Leitão FBP, Cançado TOB. Hipertermia malígna. Rev Bras Anestesiol 1996; 46(4): 302-312. 2. Fruen BR, Mickelson JR, Louis CF. Dantrolene inhibition of sarcoplasmic reticulum Ca2+ release by direct and specific action at skeletal muscle ryanodine receptors. J Biol Chemistry 1997; 271:2696526971. 3. Lopez JR, Allen PD, Alamo L, et al. Myoplasmic free (Ca2+) during a malignant hyperthermia apisode swine. Muscle Nerve 1988; 11(1): 82-88. 4. Perez C, Linares N, Cordovez G, et al. Câmbios em la (Ca2+) inducida por el dantrolene em fibras musculares de sujetos susceptibles a hipertermia maligna. Rev Colomb Anestesiol 1993; 21: 375-378. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 85 5. Amaral JLG, Carvalho RB. 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Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 87 40. Vallner JJ, Sternson LA, Parsons DL. Interaction of dantrolene sodium with human serum albumin. J Pharm Sci 1976; 675: 873-877. 41. Morison DH. Placental transfer of dantrolene. Correspondence. Anesthesiol 1983; 59(3): 265. 42. Fricker RM, Hoerauf KH, Drewe J et al. Secretion of dantrolene into breast milk after acute therapy of a suspected malignant hyperthermia crisis during cesarean section. Anesthesiol 1998; 89(4): 1023-25. 43. Herman R, Mayer N, Mecomber SA. Clinical pharmaco-physiology of dantrolene sodium. Am J Phys Med 1972; 51(6): 296-311. 44. Flewellen EH, Nelson TE, Bee DE. Porcine malignant hyperthermia – failure of dantrolene dose response to diagnose susceptibility (halotane effect). Can Anaesth Soc J 1980b; 27(1): 16-21. 45. Free CW, Jaimon MPC. Pre-anaesthetic administration of dantrolene sodium to a patient at risk from malignant hyperthermia: case report. 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Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 88 Prevenção e tratamento de Hipertermia no Esporte Treatment and prevention of exercise hyperthermia Antonio Carlos da Silva Escola Paulista de Medicina / Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP. A prevenção da Hipertermia em atletas portadores de deficiência pode ser um problema importante na preparação destes atletas. A utilização dos padrões gerais de prevenção contra a desidratação e o excesso de calor, com as devidas adaptações, gerou resultados satisfatórios na Equipe Paraolímpica Brasileira. Os atletas realizaram um período de aclimatização de 12-14 dias na fase pré – competição, com ajustes nas cargas de treinamento e monitoração rigorosa da FC e do peso corporal diário. Nenhum caso de hipertermia ou desidratação aguda foi observado na competição paraolímpica. Os mesmos princípios podem ser usados para prevenção da hipertermia em indivíduos de riscos, não atletas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 89 Sociedade Civil e Hipertermia Maligna – Sempre Viva Non – Governamental Groups and MH – Sempre Viva Group Rogerio Firme Tópicos abordados: 1. O que é a Sempreviva? 2. Por que Sempreviva? 3. Como foi constituída? 4. Em que consiste seu trabalho? 5. Ações políticas da Sempreviva 6. Conquistas da Sempreviva 7. Ações atuais da Sempreviva 8. Precisamos de parcerias para poder continuar nosso trabalho. SEMPREVIVA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE COMBATE A HIPERTERMIA MALIGNA Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 90 Correlações clínicas, morfológicas e funcionais do músculo estriado esquelético de pacientes que se submeteram ao teste de contratura muscular in vitro para o diagnóstico de hipertermia maligna. Helga CA Silva1,2, Débora R Ramadan1, Ana MC Tsanaclis2, José LG Amaral1. 1. Dept. Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da UNIFESP; 2. Dept. Patologia da Faculdade de Medicina da USP. Introdução. A hipertermia maligna (HM) é uma síndrome hipermetabólica desencadeada por anestésicos voláteis halogenados e succinilcolina, em indivíduos predispostos geneticamente, com herança autossômica dominante. A HM está relacionada principalmente ao gene RYR1 (cromossomo 19), que codifica o canal rianodina ou liberador de cálcio do retículo sarcoplasmático do músculo esquelético. Portanto, a HM está associada a uma falência na homeostase do cálcio nas fibras musculares, sendo caracterizada por elevação sustentada do cálcio mioplasmático que leva à hipercontratura muscular, ao hipermetabolismo e à hipertermia. O teste-padrão para a detecção de suscetibilidade à HM é o teste de contratura muscular in vitro (IVCT). Nesse teste, um fragmento de biópsia muscular é conectado a um transdutor que afere o grau de contração muscular; o músculo é, então, exposto a doses crescentes de cafeína (C) ou halotano (H). A diferença entre a resposta do músculo de indivíduos normais e de pessoas suscetíveis está no grau de contração alcançado e na sua sensibilidade às drogas. O principal objetivo do presente trabalho foi analisar se as características clínicas de um grupo de pacientes que realizou o IVCT para o diagnóstico de HM, bem como as características morfológicas e funcionais dos seus músculos, estão influenciando nos resultados do IVCT e, conseqüentemente, se estão ligadas à suscetibilidade à HM. Casuística e metodologia. Foi realizada análise retrospectiva da amostra de indivíduos investigada no CEDHIMA (Centro de Estudo, Diagnóstico e Investigação de Hipertermia Maligna) no período 1997-2001. Foram analisados os dados demográficos (idade, sexo) e clínicos (antecedentes pessoais -AP- e familiares - AF, doenças associadas, exame físico e neurológico). A seguir foram analisados os seguintes parâmetros do IVCT: área transversa, tétano físico e químico, contração máxima nos primeiros 10 minutos e durante o teste, concentração limiar (CL) e específica, resultado parcial de cada teste - H ou C, e resultado global. Finalmente analisou-se o estudo anatomopatológico do músculo esquelético quanto à percentagem de fibras I e II, alterações e diagnóstico. Os dados foram analisados quanto à Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 91 normalidade, comparados por meio dos testes do qui-quadrado e teste t, e correlacionados com os testes de Pearson e Spearman. Resultados. Da amostra de 63 indivíduos (14: controles, 5: dados suficientes), foram analisados 44 pacientes (22 masculinos/22 femininos; média de idade 37+16 anos (14 a 84). A investigação foi motivada por AP (2%) ou AF (71%) de HM anestésica, doença neuromuscular (20%) e síndrome neuroléptica maligna (7%). Houve positividade no IVCT a pelo menos uma das duas substâncias em 89% deles (positivos: 65%H/35%C). Alteração mitocondrial foi o achado mais freqüente nas biópsias (38%). Houve diferença significante entre os resultados do teste de cafeína (positivo ou negativo) e a percentagem de tipo de fibras. Correlações significantes: idade e CL-H (p 0,0372). Conclusões. No atual estudo, o diagnóstico de HM foi influenciado pela idade dos pacientes e pela porcentagem do tipo de fibras musculares presentes nos fragmentos de músculo usados para a realização do IVCT, mostrando assim a importância de se levar em conta uma idade mínima para indicação do teste e a necessidade de padronização de um tipo de músculo para a sua realização. Teste de esforço cardiopulmonar na avaliação da resposta ao exercício na hipertermia maligna. Helga CA Silva1, João J Leite2 1. Dept. Anestesiologia, Dor e Terapia Intensiva da UNIFESP; Dept. Patologia da Faculdade de Medicina da USP. 2.Serviço de Pneumologia do Instituto do Coração do HC/FMUSP. Introdução. Hipertermia maligna anestésica, ou hipertermia maligna (HM) propriamente dita, é uma reação hipermetabólica grave que ocorre, em pacientes geneticamente suscetíveis, após a administração de anestésicos inalatórios halogenados e relaxantes musculares despolarizantes tipo succinilcolina. Clinicamente, a HM caracteriza-se por hipertermia, rigidez muscular, rabdomiólise, acidose e evolução rápida para o óbito. Pacientes suscetíveis à HM podem raramente apresentar outras complicações, como hipertermia desencadeada por esforço físico. Pacientes suscetíveis à HM, mesmo assintomáticos, geralmente apresentam algum grau de doença neuromuscular, detectável por meio do exame clínico, do nível sérico de enzimas musculares, dos estudos eletrofisiológicos, do estudo anatomopatológico, da espectroscopia e dos testes metabólicos. Entre esses últimos estão testes dinâmicos, como o teste de esforço cardiopulmonar (TECP), que analisa as modificações cardiovasculares, Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 92 respiratórias e metabólicas que ocorrem durante esforço físico padronizado. O objetivo deste estudo foi: avaliar a resposta ao TECP em uma amostra de pacientes suscetíveis à HM. Casuística e metodologia. Após consentimento informado, foram avaliados dois grupos, controle (GC) e teste (GT). O GC foi formado por 12 indivíduos sem antecedentes de HM, sem doenças pré-existentes, assintomáticos, com exame clínico e força muscular normais, investigados durante avaliação de rotina anual. O GT constou de 11 pacientes com diagnóstico de suscetibilidade à HM, estabelecido pelo teste de contratura muscular in vitro em resposta ao halotano e à cafeína, segundo o protocolo europeu. No TECP foi utilizado o protocolo do tipo rampa, com bicicleta como ergômetro, e carga de 7,5/10/15 w.min-1, a depender das condições de cada indivíduo estudado. As variáveis analisadas foram potência do trabalho desenvolvido - PT (watts), freqüência cardíaca de pico do exercício - FC (batimentos/minuto), freqüência respiratória (incursões/minuto), ventilação minuto -VE (litros/minuto), consumo oxigênio -VO2 (ml/min), gás carbônico expirado - VCO2 (ml/min), quociente respiratório - QR (CO2/O2). Os dados entre os dois grupos foram comparados, após o teste de normalidade, por meio do teste do qui-quadrado e do teste t não pareado. Resultados. Não houve diferenças entre os grupos quanto à idade (GC: 40+12; GT 31+12,5 anos) e gênero (GC: 7femininos/5 masculinos; GT: 7/4). Da mesma forma, não houve diferenças quanto à PT (GC:82+18%; GT: 82+21% do previsto), FC (GC:86,5+11%; GT: 83+9%), VO2 de pico de exercício (GC:89+15%; GT: 81+17%), VO2 no limiar ventilatório (GC:57,7+9,7%; GT: 57,7+12,2%) e QR pré-teste (GC:0,86+0,06; GT: 0,86+0,15). Houve diferença significativa entre os grupos no valor do QR de pico de exercício (GC:1,18+0,08; GT: 1,09+0,07; p<0,01). Conclusões. A presença de diminuição do QR de pico do exercício, em pacientes com HM, pode resultar de vários fatores, tais como: diminuição da massa muscular, exercício fragmentado, maior custo energético do trabalho (maior VO2 para mesma PT), utilização de músculos habitualmente inativos e mesmo utilização preferencial de lípides pela fibra muscular. É necessário estudar maior número de pacientes com HM por meio de outros protocolos metabólicos e dinâmicos que possam levar a melhor discriminação das alterações encontradas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 93 Triagem de mutações na região C-terminal do gene RYR1 identifica alta freqüência de formas autossômicas recessivas de Miopatia de Central Core (CCD) no Brasil. Patrícia M Kossugue1, Viviane P Muniz1, Rita CM Pavanello1, Mayana Zatz1, Helga C Silva2, Juliana G Giannetti3, Júlia FO Paim 4, Mariz Vainzof1. 1) Centro de Estudos do Genoma Humano, IBUSP; 2-) Depto. de Patologia, FMUSP; Depto de Anestesiologia, UNIFESP; 3) UFMG, Belo Horizonte, MG; 4) RSHAL, Belo Horizonte, MG. A miopatia de Central Core (CCD) é associada à hipotonia neonatal, fraqueza muscular lentamente progressiva, possíveis deformidades ósseas e susceptibilidade à Hipertermia Maligna (HM). O achado histológico predominante na biópsia muscular é a presença de “cores”, lesões dos sarcômeros localizadas centralmente, ou não no interior da fibra muscular. O primeiro gene responsável identificado, RYR1 (19q13), codifica o canal de liberação de Ca++ do retículo sarcoplasmático. O gene é muito grande, composto por mais de 160 kb, contendo 106 exons, o que dificulta significativamente o seu estudo. Recentemente, verificou-se que a região terminal do gene agrega grande parte das mutações já descritas em pacientes com CCD. Na grande maioria das famílias descritas, o padrão de herança é autossômico dominante. Apenas quatro famílias com herança autossômica recessiva (AR) foram descritas, sendo que duas delas apresentam quadro clínico muito grave. Estamos realizando uma triagem de mutações no gene RYR1 em pacientes com CCD pertencentes a 9 famílias brasileiras. O estudo molecular está sendo realizado em DNA genômico. Os exons 94 a 106 são amplificados por PCR, a detecção das mutações está sendo feita por técnica de SSCP, e a confirmação das alterações encontradas, por sequenciamento automático das amostras. Até a presente data, a análise de 3 exons (94, 101 e 102) foi finalizada. Identificamos 6 mutações (3 descritas e 3 novas) em 5 das famílias estudadas. Além disso, identificamos 2 famílias com 3 pacientes moderadamente afetados portadores de mutações em ambos alelos do gene RYR1, indicando um padrão de herança autossômico recessivo. Constatamos em um dos pacientes a mutação V4849I em homozigose. Os pais são consangüíneos e ambos portadores assintomáticos da mutação. Os 2 pacientes da segunda família são heterozigotos compostos para duas mutações novas (R4558Q/A4846V) transmitidas por cada um dos pais assintomáticos. As 2 mutações recém descritas não foram encontradas em 100 cromossomos normais; além disso, estão localizadas em regiões evolutivamente conservadas. Estes dados favorecem a possibilidade dessas mutações serem patogênicas. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências 94 A identificação de 2/5 famílias com herança autossômica recessiva, sugere que este padrão de herança possa ser mais freqüente do que esperado, e poderia explicar a falta de penetrância e a expressividade muito variável observada em portadores de mutações neste gene em algumas famílias. Assim, mutações descritas em indivíduos assintomáticos e consideradas como não-patogênicas podem ser potencialmente responsáveis por um quadro de miopatia quando presente em ambos alelos, em homozigose ou hetorozigose composta. Além disso, deve-se considerar o risco de susceptibilidade à Hipertermia Maligna nos pais heterozigotos assintomáticos. O estudo de mutações no gene RYR1 é muito importante para o diagnóstico de pacientes, para o aconselhamento genético e melhor caracterização da Miopatia de Central Core. O presente estudo irá permitir estimar a proporção de mutações no gene RYR1 na população estudada. Além disso, a identificação destas mutações irá permitir uma análise mais detalhada de seu efeito, relacionando-as com os padrões de “cores” observados nas biópsias musculares dos respectivos pacientes. A correlação genótipo/fenótipo é de fundamental importância para a compreensão do mecanismo fisiopatológico da miopatia CCD. FAPESP-CEPID, CNPq, PRONEX. Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005 Neurociências NORMAS PARA PUBLICAÇÃO A Revista Neurociências é voltada à Neurologia e às ciências afins. Publica artigos de interesse científico e tecnológico, realizados por profissionais dessas áreas, resultantes de estudos clínicos ou com ênfase em temas de cunho prático. São aceitos artigos em português, inglês e espanhol. Os artigos devem ser inéditos e fica subentendido que serão publicados exclusivamente nesta revista, com o que se comprome em seus autores. O Corpo Editorial da revista reserva-se o direito de avaliar, aceitar ou recusar artigos. Quando aceitos, sugerir modificações para aprimorar seu conteúdo, se necessário, aperfeiçoar a estrutura, a redação e a clareza do texto. Para publicação, será observada a ordem cronológica de aceitação dos artigos. Os artigos são de responsabilidade de seus autores. Submissão do artigo: os artigos devem ser encaminhados ao Editor Chefe em disquete mais três cópias do texto original digitado ou via e-mail e poderão ser utilizados editores de texto “Word”, alternativamente no formato “doc”. Adotar as recomendações abaixo. Título: em português e em inglês ou espanhol e em inglês, sintético e restrito ao conteúdo, mas contendo informação suficiente para catalogação. A Revista prefere títulos informativos. Autor(es): referir nome(es) e sobrenome( s) do modo como preferir para indexação, seu grau e posição. Referir a instituição em que foi feita a pesquisa que deu origem ao artigo. Referir o título maior de cada autor ou grupo de autores, ex.: 1- Professoradjunto, 2- Pós-graduando, 3- Residente. Identificar o autor e endereço para correspondência. Resumo e Summary Summary: devem permitir uma visão panorâmica do trabalho, contendo objetivos, métodos, resultados e conclusões. Não exceder 200 palavras. Orientamos os autores a produzirem resumos estruturados. Unitermos e Keywords: Máximo de 6 (seis), referir após o Resumo e o Summary, respectivamente. Como guia, consulte descritores em ciências da saúde (http://decs.bireme.br). Texto: apresentar a matéria do artigo seqüencialmente: introdução, material (casuística) e método, resultados, comentários (discussão e conclusões), referências bibliográficas, eventualmente agradecimentos, suporte financeiro. Não repetir no texto dados que constem em tabelas e ilustrações. Quadros, Gráficos e Tabelas: até cinco, apresentadas em páginas separadas e no final do texto. Em cada uma, devem constar seu número de ordem, título e legenda. Figuras: até duas ilustrações com tamanho não superior a 6 cm x 9 cm cada uma. Fotos em preto e branco bem contrastadas; eventuais detalhes com setas, números ou letras. Identificar cada ilustração com seu número de ordem, nome do autor e do artigo, com etiqueta colada no verso e nela marcada na parte superior. Não grampear e nem colar as ilustrações, embalar cada uma em separado. Encaminhar separadamente as respectivas legendas. Ilustrações reproduzidas de textos já publicados devem ser acompanhadas de autorização de reprodução, tanto do autor como da publicadora. Ilustrações em cores podem ser publicadas; dado seu custo elevado, será de responsabilidade dos autores, assim como o custo por número de tabelas e ilustrações acima dos mencionados e desde que sua publicação seja autorizada pela editora. O material recebido não será devolvido aos autores. Manter os negativos destas. Referências: Até cerca de 30 (para artigos originais ou de atualização), restritas á bibliografia essencial ao conteúdo do artigo. Para artigos de revisão, até 100 referências. Todos os 95 autores e trabalhos citados no texto devem constar na listagem de referências bibliográficas. No texto, as citações devem seguir o sistema numérico, isto é, são numerados por ordem de sua citação no texto, utilizando-se números arábicos sobrescritossegundo o estilo Vancouver(www.icmje.org). Por exemplo: “....o horário de ir para a cama e a duração do sono na infância e adolescência6-12,14,15.” As referências devem ser ordenadas consecutivamente na ordem na qual os autores são mencionados no texto. Listar todos os autores no máximo de 6, quando forem 7 ou mais, listar os 3 primeiros seguidos de “et al.”. a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do periódico (abreviados de acordo com o Index Medicus) ano; volume: página inicial – final. Ex.: Wagner ML, Walters AS, Fisher BC. Symptoms of attention-deficit/hyperactivity disorder in adults with restless legs syndrome. Sleep 2004; 27: 1499-504. b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, total de páginas. Ex.: Ferber R, Kriger M. Principles and practice of sleep medicine in the child. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1995, 253p. c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo. In: Editor(es) do livro. Título do livro. Edição, se não for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação: editora, ano, página inicial e página final. Ex.: Stepanski EJ. Behavioral Therapy for Insomnia. In: Kryger MH; Roth T, Dement WC (eds). Principles and practice of sleep medicine. 3rd ed. Philadelphia: W.B. Saunders Company, 2000, p.647-56. d) Resumos: Autor(es). Título. Periódico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso): página(s). Quando não publicado em periódico: Título da publicação. Cidade em que foi publicada: editora, ano, página(s). Ex.: Carvalho LBC, Silva L, Almeida MM, et al. Cognitive dysfunction in sleep breathing disorders children. Sleep 2003; 26(Suppl):A135. e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no texto entre parênteses. f) Tese: Autor. Título da obra, seguido por (tese) ou (dissertação). Cidade: instituição, ano, número de páginas. Ex.: Fontes SV. Impacto da fisioterapia em grupo na qualidade de vida de pacientes por AVCi (Tese). São Paulo: UNIFESP, 2004, 75p. g) Documento eletrônico: Título do documento. Endereço na Internet, data e hora do acesso. Ex.: Agentes dopaminérgicos no tratamento da Síndrome das Pernas Inquietas. Diponível no site: http:// www.sindromedaspernasinquietas.com.br, acessado em 10/05/2005, às 14h. Categoria: O próprio autor deve indicar a qual categoria pertence seu texto. a) artigo original b) artigo de revisão c) artigo de atualização d) relato de caso Endereço para submissão de artigos para revista Neurociências: Prof.Dr. Gilmar Fernandes do Prado – Editor Chefe R: Cláudio Rossi, 394 – Jardim da Glória São Paulo - SP - Brasil CEP: 01547-000 Telefone/fax: 5081-6629 E-mail: [email protected] [email protected] http://www.unifesp.br/dneuro Revista Neurociências V13 N3 (supl-versão eletrônica) – jul/set, 2005