Laboratório de Máquinas Eléctricas Máquinas de Corrente Contínua — reóstato de arranque Manuel Vaz Guedes Núcleo de Estudos de Máquinas Eléctricas FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE DO PORTO Na aplicação, como motor eléctrico, das máquinas eléctricas de corrente contínua existe um problema — o problema do arranque — com o valor atingido pela intensidade da corrente eléctrica no circuito do induzido da máquina, no momento em que partindo do repouso lhe é aplicada a tensão nominal nos terminais. circuito indutor U i E circuito induzido I Ui No momento do arranque a intensidade da corrente eléctrica tende a atingir valores muito elevados, que podem pôr em risco a integridade da máquina. Torna-se, por isso, necessário criar condições para que essa situação não ocorra. Tal pode ser conseguido com a utilização de um reóstato de arranque. O arranque de um motor de corrente contínua Um motor de corrente contínua tem o seu funcionamento em regime permanente regido por uma equação de tensão, que resulta da aplicação da segunda lei de Kirchhoff a um circuito que possui resistência eléctrica R, e onde se desenvolve uma força electromotriz E (que é proporcional à velocidade de rotação do circuito do induzido da máquina E = k·n·φ). Conforme o circuito indutor está intercalado (máquina série), ou não (máquina derivação), no circuito eléctrico do induzido, assim a resistência deste circuito tem um valor maior ou menor. No entanto o valor da resistência total do circuito principal da máquina de corrente contínua é sempre muito pequeno, para que não provoque uma grande queda de tensão quando percorrida pela corrente principal da máquina I, e para que não provoque uma grande perda de energia por efeito Joule, R·I2·t. No funcionamento normal da máquina com uma velocidade constante nr, no U – E1 circuito do induzido é gerada uma força electromotriz que é proporcional a essa I = R velocidade de rotação E1 = k·nr·φ. Desta forma a corrente eléctrica que percorre o circuito principal da máquina I = (U – E1)/R, é limitada pelo valor da força electromotriz E1, e pelo Texto de apoio aos trabalhos de Laboratório de Máquinas Eléctricas © 1994 pp. 1 a 4 Máquinas de Corrente Contínua — reóstato de arranque 2 valor da resistência do circuito eléctrico. No momento do arranque do motor eléctrico, a velocidade de rotação do induzido é nula I= U nr = 0, e também é nula a força electromotriz gerada na máquina E1 = 0, apesar de existir R campo magnético indutor (com um fluxo médio por polo φ). Por isso, a corrente eléctrica que percorre o circuito principal da máquina apenas é limitada pela resistência do circuito eléctrico. Como a resistência desse circuito é, naturalmente, baixa o valor da intensidade da corrente eléctrica é muito elevado I = U/R. O valor da intensidade da corrente eléctrica de arranque é superior ao valor da intensidade nominal da máquina. o que põe em risco o funcionamento da máquina. resolução do problema Uma forma de evitar o valor elevado da corrente eléctrica de arranque consiste em aplicar ao circuito eléctrico uma tensão com um valor menor do que o seu valor nominal: é o que sucede quando existem dois motores eléctricos que são ligados em série no momento do arranque, e que depois do arranque passam a funcionar numa ligação em paralelo. Esta solução é adoptada no accionamento de veículos de Tracção Eléctrica. U U1 M U2 M U (R + Rv) Uma outra forma de solucionar o problema de arranque do motor eléctrico de corrente contínua consiste em manter o valor da tensão aplicada e provocar a diminuição do valor da intensidade da corrente eléctrica de arranque por aumento da resistência eléctrica do circuito através inserção de uma resistência eléctrica variável por pontos: um reóstato de arranque Rv. I= I Rv E U i Ui Existem ainda métodos, contemporâneos, baseados na aplicação de sistemas de controlo de potência com aplicação de elementos semicondutores de potência. actuação do reóstato de arranque No momento em que se dá o arranque do motor eléctrico de corrente contínua, como a velocidade é nula e não existe força electromotriz que se oponha ao aumento do valor da corrente, esta atinge um valor muito elevado. Se no momento em que se dá o arranque a intensidade da corrente eléctrica for muito elevada, põese em risco o motor. Existe, por isso, um valor máximo para a intensidade da corrente eléctrica, normalmente (1,8 a 2)·In. 1,8·In < IM < 2·In Através do reóstato de arranque procura-se limitar esse valor. Se a intensidade da corrente eléctrica que atravessa o circuito induzido for suficiente para provocar um binário electromecânico maior que a soma de todos os binários resistentes aplicados ao veio da máquina Te > Tr, o motor começará a rodar. Apesar da velocidade ser pequena passará a existir uma força electromotriz a limitar, também, o valor da intensidade de corrente eléctrica. Como a velocidade vai aumentando, porque o binário motor (ainda) é superior ao binário resistente, a intensidade da corrente eléctrica vai diminuindo, porque também vai aumentando a força electromotriz que se opõe à passagem da corrente eléctrica. Mas, se a resistência do reóstato de arranque não se alterar e, devido ao efeito T = k ·φ·I T conjunto da resistência eléctrica adicional e da força electromotriz, a intensidade da corrente eléctrica no circuito induzido se tornar muito baixa, o motor pode não acelerar, porque é muito pequeno o binário electromecânico desenvolvido nessa situação Te = kT·φ·I, face ao valor do binário resistente Te ≅ Tr. Existe, por isso, um valor mínimo para a intensidade da corrente eléctrica, normalmente (1 a 1,2)·In. © Manuel Vaz Guedes, 1994 NEME Máquinas de Corrente Contínua — reóstato de arranque 3 In < Im < 1,2·In Assim, o reóstato de arranque terá de provocar uma variação da intensidade da corrente eléctrica no tempo de arranque. I IM 2·I n Im In t A actuação do reóstato de arranque durante todo o tempo de arranque será controlada pelos valor máximo e pelo valor mínimo da intensidade da corrente eléctrica admissível no circuito do induzido do motor eléctrico. Aqueles dois valores condicionam a forma de realização da manobra de arranque, e o dimensionamento, mesmo o dimensionamento expedito, do reóstato de arranque. Å Manobra do reóstato de arranque Durante o arranque, o reóstato de arranque: r2 r3 r… r1 não pode ser actuado de forma a que a mudança de pontos (diminuição da resistência) seja tão rápida que ultrapasse a velocidade de aumento do valor da força electromotriz com a velocidade de rotação do motor; rn 3 1 off não pode ser actuado tão lentamente que a mudança de pontos (diminuição da resistência) só se dê ao fim de um largo tempo de manutenção de um valor da intensidade da corrente eléctrica que provoque o aquecimento exagerado das resistências do reóstato (e a sua fusão); tem de ser actuado com firmeza e segurança a uma velocidade controlada pela alteração do ruído típico provocado pelo aumento de velocidade do motor; ou controlada pela leitura do valor da intensidade da corrente eléctrica num amperímetro. Dimensionamento expedito do reóstato de arranque O reóstato de arranque é formado pela composição de diversas resistências eléctricas que ligam os pontos do reóstato. O valor da resistência de cada um dos ramos do reóstato são diferentes, porque são condicionados pelos valores limites da intensidade da corrente eléctrica e da força electromotriz que existe em cada momento do arranque no circuito induzido. Conhece-se: Para resolução do problema de dimensionamento expedito do reóstato de arranque conhecem-se o valor da tensão nominal de alimentação do motor, o valor da intensidade da corrente eléctrica nominal. A partir desses valores estabelecem-se os valores mínimo Im e máximo IM entre os quais vai variar a intensidade da corrente eléctrica no arranque, IM → 1,8·In < IM < 2·In Im → 1·In < Im < 1,2·In (se o arranque for enérgico faz-se Im = 1,5·In para as primeiras resistências e Im= In para as últimas) Desenvolvimento da determinação expedita: © Manuel Vaz Guedes, 1994 NEME Máquinas de Corrente Contínua — reóstato de arranque 4 a) — no momento de arranque a força electromotriz é nula; considerando R1(resistência total introduzida quando o reóstato está no ponto 1), a soma da resistência do circuito do induzido, do circuito indutor e dos pólos auxiliares (Rm), mais a própria resistência do reóstato de arranque Ra1, é R1 = Rm + Ra1 e R1 = Un/IM O motor começará a rodar (devido ao binário electromecânico T = kT·φ·IM), e começa-se a desenvolver força electromotriz E. b) – a intensidade da corrente eléctrica I começará a decrescer, devido ao aumento da força electromotriz, até que atinge um valor I = Im; nesse momento verifica-se que: Un = E1 + R1·Im c) – quando intensidade da corrente eléctrica atinge o valor Im, muda-se o reóstato para o ponto 2, a que corresponde R2 = Rm + Ra2; neste novo ponto deverá poder circular, inicialmente, uma intensidade da corrente eléctrica igual a IM. d) - considera-se que a força electromotriz existente na máquina, “instantaneamente”, não se altera (!…), [nesta aproximação reside o carácter expedito desta determinação]. Nesta situação — no momento da mudança para o ponto 2 — verifica-se que: Un = E1 + R1·Im e R1 = (Un – E1)/Im e R2 = (Un – E1)/IM Assim, R2/R1 = Im/IM = Kr e) – o processo de cálculo continua, Un = E2 + R2·Im R3/R2 = Im/IM = Kr e Un = E2 + R3·IM … Como a resistência do reóstato de arranque em cada ponto é dada por Ran = Rn – Rm designando o valor da resistência entre os pontos por rn, rn = Ran – Ran+1, com ∑n rn = R1 – Rm = Ra1. Rn = Kr·Rn–1 Ran = Rn – Rm rn = Ran – Ran+1 R1 = Un/IM R2 R3 Ra1 Ra2 Ra3 r1 r2 r3 r1 r2 r3 Ra3 f) – Tem de se dimensionar o reóstato quanto à dissipação do calor libertado nas resistências. Exemplo_1 – Dimensionar o reóstato de arranque para um motor série alimentado com uma tensão de 500 V, com uma corrente nominal de 35 A, com uma resistência interna Rm = 0,5 Ω. A intensidade da corrente eléctrica durante o arranque deverá variar entre IM = 56 A e Im = 35 A. Como Im/IM = 35/56 = 0,625, pode-se construir a tabela: n 1 2 3 4 5 6 7 Rn = Kr·Rn–1 (Ω) 8,93 Un/IM 5,58 3,48 2,18 1,36 0,85 0,5 Ran = Rn – Rm (Ω) 8,43 5,08 2,98 1,68 0,86 0,35 rn = Ran – Ran+1 (Ω) 3,35 2,1 1,3 0,82 0,51 0,35 0 Obriga-se o↑ último ponto ↑ a ser nulo = 0 ∑ rn = 8,43 Há, também, que dimensionar o reóstato quanto á possibilidade de dissipar o calor libertado por feito Joule. – MVG.94 – Bibliografia A. E. Clayton N. N. Hancok; “The Performance and Design of Direct Current Machines”, Pitman, 1959 M. G. Say E. O. Taylor; “Direct Current Machines”, Pitman, 1980 © Manuel Vaz Guedes, 1994 NEME