A CONSTRUÇÃO DE JUSTIÇA E DIREITOS NO ESTADO MODERNO: A INTRODUÇÃO DAS MULHERES NO DISCURSO DOS DIREITOS HUMANOS MÔNICA NOGUEIRA RODRIGUES Grupo de Pesquisa Ética, Política e Religião: questões de fundamentação Faculdade de Direito Centro de Ciências Humanas e Sociais [email protected] Resumo: Pretendemos aqui discutir em que contexto histórico e teórico ocorre à introdução das mulheres no discurso dos direitos humanos. Partimos do Estado Moderno hobbesiano, criado através do contrato social para preservação dos direitos naturais, os quais não são protegidos no estado de natureza. Os indivíduos abrem mão de parte da liberdade em troca de segurança e paz assegurados pelo Soberano. Utilizamos como parâmetro as principais declarações de direitos do ocidente, bem como os movimentos em favor dos direitos das mulheres. As ações de empoderamento da mulher são indispensáveis à concretização da igualdade de direitos e oportunidades no Estado Contemporâneo. Discutimos, ainda, sob a perspectiva de Hannah Arendt, a relação entre preconceito e a busca pela igualdade de gênero, formal e material, bem como o papel do Estado no âmbito público e social. Palavras-chave: Estado Moderno, Hobbes, mulheres, direitos humanos. Área do Conhecimento: Filosofia do Direito e Política. INTRODUÇÃO O presente artigo propõe uma reflexão acerca da incorporação das mulheres no discurso dos direitos humanos, a partir do Estado Moderno, concebido por Thomas Hobbes, e até o Estado Contemporâneo. Utilizamos como parâmetro as principais declarações de direitos e tratados internacionais, bem como os movimentos feministas. O Estado hobbesiano foi criado para a preservação dos direitos naturais, sendo tratados como direitos civis ao serem transformados em lei pelo Soberano. O Estado Moderno exalta DR. DOUGLAS FERREIRA BARROS Grupo de Pesquisa Ética, Política e Religião: questões de fundamentação Faculdade de Filosofia Centro de Ciências Humanas e Sociais [email protected] o homem como centro da razão e do mundo, dotado de liberdade, direitos civis e políticos; entretanto, negou às mulheres o reconhecimento legal de tais direitos. A Revolução Francesa e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) surgiram como resposta ao Absolutismo Político e aos poderes do Soberano. Esta Revolução reivindicou direitos políticos e civis, mas atribuiu apenas ao homem genérico branco o conceito de cidadania. As demais declarações acompanharam o processo político-social no ocidente, o de reconhecimento da dignidade da pessoa humana independentemente de raça, gênero ou nacionalidade. Os avanços em relação ao reconhecimento da mulher enquanto cidadã e portadora de direitos são muito recentes, tendo seus primeiros passos no Estado Moderno. Entretanto, somente no final do século XX e início do século XXI é possível perceber avanços efetivos no respeito à dignidade da mulher, que ainda hoje é colocada em xeque em diversas situações. Ao analisar a situação da cidadania da mulher no Estado Contemporâneo é estabelecido um diálogo com a filósofa Hannah Arendt, no capítulo "Reflexões de Little Rock", em que aborda a situação de uma menina negra que decide enfrentar a sociedade e exercer seu direito (que acabara de ser reconhecido legalmente) de frequentar a mesma escola de crianças brancas. Discorre também a respeito do papel do Estado em relação à discriminação política e social. Ante o exposto, questionamos: qual é a importância do reconhecimento dos direitos humanos das mulheres? Se ao Estado é atribuído o dever de proteção da vida humana pelo pacto social, por que as mulheres têm seus direitos humanos reconhecidos formalmente no âmbito nacional e internacional apenas no Estado Contemporâneo? I. Thomas Hobbes e a formação do Estado Moderno De acordo com Thomas Hobbes(15881679), filósofo inglês do século XVIII, anteriormente à criação do Estado pelo pacto social, todos viviam no estado de natureza, em que são iguais e têm direito a tudo e a todos, gerando insegurança e medo. Ele define estado de natureza como a liberdade “que cada homem possui de usar o seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação da sua própria natureza, ou seja, da sua vida; e consequentemente de fazer tudo aquilo que o seu próprio julgamento e razão e lhe indiquem mais adequados a esse fim.”1 O estado de natureza coloca os indivíduos em constante guerra de todos contra to2 dos para atingirem seus objetivos, gerando instabilidade pela falta de regras de conduta e total liberdade em relação aos atos. Para não viver mais nessa situação de guerra, cada um abre mão de parte da sua liberdade em troca de segurança e paz. Os homens celebram um pacto social, que dá origem ao Leviatã, Estado Soberano que irá garantir os direitos individuais e a segurança dos cidadãos uns contra os outros e contra os estrangeiros. O Estado assume o papel de definir e atribuir condições de cidadania, além dos direitos civis dos indivíduos. No Estado moderno hobbesiano aparece a ideia irremovível do Estado como conservador e protetor da vida humana. Para Hobbes, “direitos” são liberdades de fazer ou deixar de fazer previstas em lei. E Justiça é o cumprimento das leis, pois foi atribuído poder ao Soberano para que fizesse o melhor ao bem comum. Se ao Estado é atribuído o papel de preservar os direitos naturais por meio das leis, o seu cumprimento é consequentemente o justo. Esse homem livre, dono de si e consciente de seus atos decide sair do estado de natu1 HOBBES, 2008, p.112 2 As principais causas de discórdia no estado de natureza são a competição, a desconfiança e a glória. reza no qual perpetuam o medo da morte e o desejo de uma vida confortável, que só é possível, segundo Hobbes, com a formação e proteção do Estado. O homem, por natureza é parcial, orgulhoso, vingativo, e por isso precisa ter um Soberano lhe impondo ordens e coerções para que os pactos tenham validade e sejam cumpridos, assegurando os direitos. O filósofo inglês deixa claro que os poderes do Soberano são absolutos, podendo fazer tudo o que for necessário para preservar a paz, a segurança, para prevenir a discórdia e garantir direitos. Além disso, ir contra a sua vontade é injustiça por excelência. Há apenas uma exceção a submissão ao soberano: a preservação à própria vida, chamado de autodefesa, direito inalienável. Este seria o único caso em que o direito natural prevalece ao direito positivo. Isso não quer dizer que o Soberano não tenha poder de execução sobre o indivíduo, mas que esse tem o direito de resistir. O conceito de Justiça também foi modificado com a formação do Estado. De acordo com a lei natural “injustiça é o não cumprimento 3 de um pacto. Tudo o que não é injusto é justo.” Já para Hobbes “As leis são as regras do justo e do injusto, nada havendo que seja considera4 do injusto e contrário a alguma lei.” No Estado Moderno, o direito positivo tem por objetivo a garantia legal dos direitos individuais, como consequência do pacto social, delimitando as liberdades de cada indivíduo à do Soberano. Hobbes apresenta o argumento, segundo o qual, e o direito natural foi transformado em direitos individuais concedidos pelo Soberano, e a justiça passou a ser a obediência à lei, a conformidade com o que o Estado impõe. O positivismo jurídico passa a acompanhar os direitos, já que a liberdade dos cidadãos está limitada nas ações permitidas pelo soberano. Hobbes foi um marco para a filosofia política, isto porque, seu conceito de organização política era pensado em função da consumação de direitos naturais e como isso vai proteger a vida humana, trazendo a razão contra a organização teocrática do Estado. 3 HOBBES, 2008, p. 111. 4 Ibidem, 2008, p.197. II. As mulheres no Estado Moderno A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 foi promulgada sob os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Este documento, que serviu como base para a Declaração Universal de Direitos dos Direitos Humanos de 1948, declarou a universalidade e inalienabilidade dos direitos do homem e do cidadão, o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança e à resistência a opressão, bem como assegurou os direitos políticos. Os direitos individuais foram protegidos formalmente em um documento que reconheceu a importância do indivíduo, tornando-se o centro do aparato jurídico e objeto de proteção contra os poderes do Estado, que deixaram de ser absolutos. Se os direitos naturais tinham sua justificativa no poder divino, os direitos individuais têm sua justificativa nos ideais iluministas e racionais. Apesar disso, é um dos momentos históricos em que a discriminação e a desigualdade entre homens e mulheres ficaram explícitas politicamente, já que as mulheres não eram equiparadas aos indivíduos ou cidadãos. Ora, que universalidade é essa que exclui as mulheres do conceito de indivíduo, cidadão e sujeito de direitos? Que universaliza à resistência a opressão como um direito dos homens, mas oprime as mulheres? A Declaração de Direitos da Mulher e da Cidadã foi escrita como resposta à essa exclusão, e apesar de não ter efeitos legais, representou o início da busca por direitos igualitários às mulheres. “Em outubro de 1793, o representante da Convenção, Fabre d'Eglantine, denunciou mulheres que reinvidicavam seus direitos de cidadãs de occupées du soin de leurs ménagges, des mères inséperables de leurs enfants ou des filles qui travaillent pour eurs parents et prennent soin de leuts plus jeunes soeurs; mais (...) un sorte des chevaliers errants, (...) des filles émancipées, des grenadiers femelles [ocuparem-se de cuidar de suas tarefas, de mães inseparáveis de seus filhos ou de garotas que trabalham para seus pais e cuidam de suas irmãs menores. mas (...) uma espécie de jovens errantes, (...) de filhas emancipadas, de granadeiras”(DOUZINAS, op. cit. p.111 apud ARNAUD-DUC, Women Entrapped: from public non-existence to Private Protection) Poullain de La Barre, racionalista do século XVII foi fundamental após a Revolução Francesa por defender os direitos naturais das mulheres. Precursor no assunto, escreveu as obras De l’galité des deux sexes (1673), De L’éducation des dames (1674) e De l’excellente des hommes contre l’égalite des sexes (1675). Condorcet, um dos principais defensores dos direitos das mulheres no século XVIII, publicou em 03 de julho de 1790, “Essai sur l’adminission des femmes au droit de cite”. Ele rebateu os principais argumentos presente no discurso que sustentava a incapacidade das mulheres para exercer os direitos políticos, os quais eram a fragilidade natural, a inferioridade intelectual, a falta de talento e a prevalência dos sentimentos sobre a razão. Em 1792, em Londres, foi publicado A Vindication of the Rights of Woman, de Mary Wollstonecraf. Esta obra trouxe como principal reivindicação o reconhecimento da igualdade intelectual de homens e mulheres. Dissertou a respeito da discriminação da mulher na política, economia e na educação. As mulheres não tinham direitos políticos reconhecidos, tampouco tinham autonomia financeira, o que implicava dependência economia em relação aos pais e maridos. Por fim, a educação das mulheres era destinada a ensiná-las a serem submissas aos homens e dóceis, boas e sensíveis. III. O reconhecimento dos Direitos Humanos no pós-guerra No tocante as mulheres, os primeiros avanços vieram com a “primeira onda feminista”, que compreendeu o período do século XIX ao século XX, no qual movimentos feministas buscaram por direitos civis e políticos igualitários. A conquista do sufrágio universal teve destaque entre as reivindicações, além do questionamento a respeito dos direitos sexuais, econômicos e reprodutivos. Foi a maior e mais intensa das três ondas, pois combateu diversos paradigmas da sociedade. Entre as principais ativistas está Simone de Beauvoir com a célebre frase “não se nasce mulher, torna-se mulher”, em que criticou a própria noção de feminilidade associada às mulheres. Os primeiros acontecimentos do século foram a formação da Liga das Nações, a Carta das Nações Unidas e finalmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Liga das Nações 1920 é o primeiro documento que traz a relativização da soberania do Estado e o direito internacional como mecanismo de promoção da cooperação, paz e segurança dos países. A Carta das Nações Unidas de 1945 foi assinada por 51 países e logo em seu preâmbulo trouxe os objetivos traçados de “empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos”, além do direito de autodeterminação dos povos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 é o documento mais importante da contemporaneidade na proteção internacional da dignidade da pessoa humana. Primeiramente há que se falar no caráter universalizador, já que se refere a “qualquer ser humano, independente de raça, sexo, língua, religião, opinião ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição”. Direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais são reconhecidos a qualquer pessoa humana, essencialmente por sua condição humana. Tratou da igualdade de gênero como essencial ao respeito à dignidade das mulheres. A partir desta Declaração desencadeou-se definitivamente o processo de concretização e instrumentalização para a proteção da dignidade da mulher e outros grupos historicamente oprimidos. Os principais avanços que ocorreram na introdução das mulheres no discurso dos direitos humanos tem como destaque o ano de 1975, declarado o ano da mulher pela Nações Unidas, ocorrendo a Primeira Conferência Mundial sobre as Mulheres no México. A década de setenta foi marcada pela intensidade dos movimentos feministas e a chamada “segunda onda feminista”, trazendo questionamentos a respeito dos direitos políticos, trabalhistas e estruturas de poder sexista. Em 1979, ocorreu a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, mostrando que após décadas da declaração, a discriminação contra as mulheres permaneceu na cultura e na tradição da sociedade. Diante disso, foi estabelecida uma agenda de ações com a finalidade acabar com a discriminação. A Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher de 1993 reconhece que a proteção da vida é mais importante que a privacidade. A proteção deve ir além do espaço público e adentrar a vida privada. A violência contra a mulher é fruto das relações de poder estabelecidas na sociedade no âmbito público, que refletem na privacidade, colocando-as em situação de inferioridade. A violência doméstica é principal causa de lesões às mulheres entre 15 e 44 anos no mundo. Em 1995 ocorreu a IV Conferência Mundial sobre a Mulher em Beijing, a qual produziu uma Declaração e uma Plataforma de Ação. Esta Conferência partiu de uma análise das anteriores e da situação da mulher na contemporaneidade para estabelecer metas e mecanismos para atingir a igualdade de gênero. Foram doze as áreas de destaque da Conferência: a crescente proporção de mulheres em situação de pobreza; a desigualdade no acesso à educação e à capacitação; a desigualdade no acesso aos serviços de saúde; a violência contra a mulher; os efeitos dos conflitos armados sobre a mulher; a desigualdade quanto à participação nas estruturas econômicas, nas atividades produtivas e no acesso a recursos; a desigualdade em relação à participação no poder político e nas instâncias decisórias; a insuficiência de mecanismos institucionais para a promoção do avanço da mulher; as deficiências na promoção e proteção dos direitos da mulher; o tratamento estereotipado dos temas relativos à mulher nos meios de comunicação e a desigualdade de acesso a esses meios; a desigualdade de participação nas decisões sobre o manejo dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente; e a necessidade de proteção e promoção voltadas especificamente para os direitos da menina. A Declaração da IV Conferência sobre a Mulher serviu como um manual de orientação aos Estados para ações afirmativas que visavam resultados nestas doze áreas. Em 2010 a Assembleia Geral da ONU criou o órgão para Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres. Este órgão reúne o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, a Divisão para o Avanço das Mulheres, o Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero e o Instituto Internacional de Treinamento e Pesquisa para a Promoção da Mulher. A Constituição Brasileira, além de marcar a recepção das ideias contemporâneas dos direitos humanos, discorre em seus artigos a respeito das relações internacionais. É uma Constituição socialista e cidadã, marcada pelo caráter garantidor, sendo o documento mais importante do ordenamento jurídico brasileiro. No tocante aos direitos das mulheres, o artigo 5º declara que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. E no inciso I reafirma e destaca: “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS O reconhecimento da igualdade legal ou formal em relação às mulheres ocorreu tardia e gradualmente, mas a igualdade real ou de fato caminha ainda mais lentamente. O momento em que as mulheres se encontram é o de concretização da lei, o reconhecimento de fato que são iguais em direitos e oportunidades. Hannah Arendt, denunciou essa dificuldade ao retratar a situação de uma menina negra que resolveu colocar em prática seu direito de estudar na mesma escola que crianças brancas. Enfrentou dupla discriminação: de ser garota e negra querendo estudar. Neste caso verídico, é possível encontrar o importante e inevitável debate entre igualdade política e social. O fim da segregação era uma conquista jurídica, mas estava longe de ser a realidade. A escritora judia criticou a “batalha política” imposta nos pátios das escolas às crianças. Esta menina negra foi discriminada pelas demais crianças brancas que carregavam - antes de qualquer coisa- o preconceito adquirido em casa com os pais igualmente brancos que viam a segregação com naturalidade. Hannah Arendt entende que a discriminação é um direito social e não deve relacionar-se com a política, ou não deve por ela ser legitimado. Se não houver algum tipo de discriminação, não haverá sociedade, pois interferirá na própria formação dos grupos sociais. “A questão não é como abolir a discriminação, mas como mantê-la confinada dentro da esfera social, quando é legítima, e impedir que passe para a esfera política e pessoal, quando é destrutiva.”(Ibidem, 2004, p. 274). Para exemplificar diferença da atuação no corpo político e na esfera pública, retrata a situação em que ela, enquanto judia, decide passar as férias com os demais judeus, é um direito dela enquanto cidadã passar as férias com quem quiser, discriminando quem não é judeu e não podendo o Estado interferir em sua escolha. Mas a situação é totalmente diferente ao avaliar a situação de cada pessoa entrar aonde quiser, utilizar dos mesmos serviços públicos e demais serviços públicos prestados pelo Estado. Essa segunda situação, claramente é discriminatória de modo destrutivo e não pode ser permitida pelo Estado; entretanto, foi o que ocorreu no Apartheid. O fim da segregação no âmbito político não foi suficiente para que aquela garota negra pudesse ir à escola (exercer um direito tão básico: educação) sem que sofresse com a discriminação da sociedade.5 O que Hannah Arendt entende como discriminação natural são as diferenças que devem ser respeitadas, como livre escolha de cada indivíduo. A discriminação como sinônimo e perpetuação da desigualdade e que estabelece relações de poder de um grupo sobre outro não deve ser permitido pelo Estado. As mulheres não tiveram reconhecimento de direitos em condição igual aos homens. O Estado negou-lhes direitos e oportunidades em praticamente todos os momentos históricos da modernidade. Discriminação que ocorre na esfera social e foi garantido pela esfera política. Por isso, não basta o reconhecimento legal da igualdade, embora ela seja fundamental. É necessário a igualdade na esfera social; e para isso é importante o empoderamento da mulher. 5 “As diferenças são biológicas ou culturais, e não implicam superioridade de alguns em relação a outros. As desigualdades, a contrário, são criações arbitrárias, que estabelecem uma relação de inferioridade de pessoas ou grupos em relação a outros. Assim, enquanto as desigualdades devem ser rigorosamente proscritas, em razão do princípio da isonomia, as diferenças devem respeitadas ou protegidas, conforme signifiquem uma deficiência natural ou uma riqueza cultural.” (COMPARATO, 2010, p.206). “Para aprofundar o desenvolvimento do conceito de empoderamento, Jo Rowlands (1997, p.218-223) diferencia 4 tipos de poder: poder sobre, poder para, poder com e poder dentro.” (Deere; León; 2002, p.53.) O primeiro poder mencionado é o único negativo, sendo que é sobre a outra pessoa. Esse não é o poder almejado pelas mulheres, pois não se trata de ter poder sobre os homens. Os outros três tipos de poderes devem ser compreendidos no empoderamento da mulher. “O “poder para” serve para catalisar a mudança quando uma pessoa ou um líder de grupo promove o entusiasmo e a ação de outros. É um poder gerador ou produtivo, um poder criativo ou facilitador que abre possibilidades e ações sem dominação”(Deere; León, 2002, p.54). O “poder com” é poder coletivo, segundo o qual a união do grupo é mais forte que apenas um membro. É a coletividade do grupo prevalecendo à individualidade dos membros. Por fim, o “poder dentro” é o poder interior, relacionado a auto-estima e resistência quando alguém tenta exercer o “poder sobre”. O empoderamento da mulher deve ser associado ao processo de emancipação para a igualdade de fato, é o poder da mulher sobre si mesma. O reconhecimento da igualdade legal somado ao empoderamento da mulher gera a igualdade de fato, a busca pela concretização dos seus direitos na esfera social. Esse empoderamento ocorre através das próprias mulheres e sua auto-organização, bem como através da reestruturação na esfera econômica, política e cultural através de políticas públicas. Outro passo importante para a igualdade de oportunidades são as ações afirmativas. O reconhecimento dos direitos humanos das mulheres ocorre formalmente no âmbito político por meio de todos os tratados ratificados e Constituições que defendem tais direitos como fundamentais à comunidade humana; e materialmente por meio das práticas políticas, ações afirmativas e empoderamento da mulher, por meio de ações dos Estados no âmbito nacional e internacional, além das próprias mulheres através dos movimentos feministas. REFERÊNCIAS ARENDT, Hannah. Responsabilidade e Julgamento. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. BALLASTEROS, Jesús. Derechos Humanos. Madri: Tecnos, 1992. BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2010. DEERE, Carmen Diana; LEÓN, Magdalena; O Empoderamento da mulher: Direitos à terra e direitos de propriedade na América Latina. Porto Alegre: UFRGS: 2002 HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martins Fontes, 2008. 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