Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas
(Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana
LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora
ISBN: 978-972-99292-4-3
SLG 32 – As interfaces da gramática.
GRAMÁTICA E RETÓRICA
Eliana Amarante de Mendonça MENDES1
RESUMO: Dentre as interfaces da gramática, neste trabalho é abordada a interface
gramática/retórica, realçando sobretudo as implicações para o ensino do vernáculo.
Apresenta-se um sucinto histórico sobre a gramática ocidental e mostra-se o íntimo
relacionamento dessa com a retórica ao longo dos tempos. Na rica história dessas artes,
elas assumem diversas configurações. Paulatinamente, a retórica vai perdendo espaço,
funde-se com a poética e acaba por sucumbir. Sobrevive somente a gramática. Às vezes
enfraquecida. A "morte" da retórica, no entanto, é, por muito tempo, só formal: a
história dessa interface ainda continua. Toda essa instabilidade implicou, naturalmente,
importantes problemas para o ensino. Propõe-se, então, a mostrar as consequências
de tal oscilação para o ensino do vernáculo no Brasil, no período de 1837 a 1980. 2
PALAVRAS-CHAVE: gramática; retórica; ensino no Brasil
Dentre as interfaces da gramática, interessa-me em especial a interface clássica
gramática e retórica, a que tem merecido menor interesse por parte dos estudiosos. Isso
talvez se deva a uma amnésia que por muitos séculos relegou ao limbo a retórica.
A gramática a que vou me referir no curso deste trabalho é a gramática da
tradição ocidental que remonta à gramática grega, que se desenvolveu paralelamente à
retórica, no mundo grego e no mundo romano.
Identificam-se três períodos no desenvolvimento da gramática grega:
(1) o período que se iniciou com os filósofos sofistas pré-socráticos e os primeiros
retóricos, e continuou com Sócrates, Platão e Aristóteles;
Nesse primeiro período, a língua não era uma preocupação independente,
encontrando-se dispersa na obra dos filósofos do período. À exceção de Platão, que
1
Universidade Federal de Minas Gerais – Faculdade de Letras
Rua Industrial José Costa, 528 – 30460-550 – Belo Horizonte – MG - Brasil
e-mail: [email protected]
2
Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da FAPEMIG.
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escreveu um diálogo (Crátilo) todo dedicado a questões lingüísticas, a informação que
se tem dos filósofos sofistas pré-socráticos, dos primeiros retóricos e de Sócrates é
indireta .
Segundo Collart (1954), de fato só a partir de Varrão, a Gramática se tornou
uma ciência independente. Antes, era um pouco o domínio de todos, uma ciência
acessória cujas fronteiras não eram delimitadas. Diz Collart que o filósofo via na
Gramática uma teoria sobre as origens da linguagem; o retor, um manual do estilo
correto; o crítico, um auxiliar para os estudos dos textos; o compilador, um guia de
lexicografia; o poeta, um arsenal de termos pitorescos; o homem do mundo, um
divertimento de salão.
Diversos filósofos dessa fase contribuíram para o desenvolvimento da gramática.
Vejamos alguns exemplos: Protágoras (490 - 420 a.C.) distinguiu os três gêneros e os
modos verbais; Prodicus (c. sec. V a.C.) se ocupou da definição de sinônimos. A
Aristóteles devemos, dentre suas muitas contribuições, a introdução da categoria caso,
para qualquer tipo de flexão, a inserção do nome, do verbo e da partícula às partes da
oração e a divisão dos nomes em simples e compostos.
(2) o período dos estóicos (século II a.C.- III a.C.)
Após Aristóteles, vieram os estoicos. No que concerne à gramática, foram
muitas e importantes as contribuições desses filósofos: na opinião de Marc Baratin
(2003), o provável ancestral dos tratados de gramática, a Téchne perì phonês, de
Diógenes de Babilônia ((240-152 a.C),
foi dessa fase. Além disso, devemos aos
estoicos a não consideração do artigo como partícula, ( para Aristóteles eram uma só
categoria); a determinação de uma quinta parte da oração, o advérbio; a restrição do
caso à flexão dos substantivos (para Aristóteles qualquer tipo de flexão era caso); a
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distinção de quatro casos principais de nome, e divisão do verbo em tempos, modos e
classes, etc.
(3) o período dos alexandrinos
Em Alexandria, críticos estudaram a língua de Homero e dos escritores áticos,
comparando-a à língua daquele tempo. Esses estudos levaram ao exame de regras e
fatos de gramática. Começa nessa fase a polêmica analogia/ anomalia. Deve-se a Crates
de Malos (197-150 a.C.) a que foi considerada a primeira gramática formal da língua
grega, uma coleção de fatos gramaticais obtidos pelos críticos alexandrinos e uma
reforma da ortografia grega. Mas, segundo Moura Neves (2005, p. 125), Dionísio o
Trácio (170-90 a.C.) é considerado “o verdadeiro organizador da arte da gramática na
Antiguidade, dando-lhe uma forma que, por muito tempo, foi definitiva e cujos traços
fundamentais ainda hoje podem ser reconhecidos em muitas obras gramaticais do
Ocidente”. Sua gramática, de cunho nitidamente didático, foi escrita para atender ao
interesse dos Romanos pela língua grega, e foi publicada no tempo de Pompeu.
Dois eminentes gramáticos de Alexandria, Apolônio Díscolo, (século II d.C.) e
seu filho Herodiano, deram continuidade aos trabalhos de seus antecessores, mas
inovaram principalmente por terem pela primeira vez tratado da sintaxe.
A gênese paralela da gramática e da retórica e a indefinição quanto a um objeto
próprio da gramática levaram a que essas artes, embora se pretendessem distintas,
muitas vezes se confundissem. Por exemplo, nessas duas últimas fases, embora já se
registrem matérias gramaticais strictu sensu, encontram-se misturadas à gramática
muitas matérias específicas da retórica: segundo Kennedy (1994, p. 91 ) o primeiro
estudo sobre tropos, por um gramático, foi feito por Taurisco (século II a.C); Crísipo
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(281 -204 a.C.) fez uma lista de figuras de pensamento; na gramática de Dionísio o
Trácio, a exegese de tropos poéticos foi incluída como uma de suas seis partes. Em
Roma, também Varrão (116 a 27 a.C.) inclui aspectos retóricos em sua gramática.
O contrário também ocorria. Como bem aponta Moura Neves (2004 p. 81-82),
na Retórica de Aristóteles há várias observações que chamaríamos hoje de gramaticais:
dentre muitas outras, tomo como exemplo as observações sobre a correção no uso dos
conectivos (III,5,1407a), matéria nitidamente gramatical.
Na Idade Média essa mesma indefinição se evidencia, já que as gramáticas
latinas dessa fase tiveram como base as gramáticas anteriores. Por exemplo, Aelius
Donatus (sec. IV d.C. ), em Ars Grammatica vai além de assuntos estritamente
gramaticais e trata, em seu livro 3,
de barbarismo e solecismo. Donatus define
barbarismo como um erro gramatical no uso de uma única palavra e solecismo como um
erro no uso de palavras em um contexto. Mas, por outro lado, um erro caracterizado
como barbarismo pode, na poesia, ser um metaplasmo ou outro ornamento de estilo; e
um solecismo pode, na poesia, ser uma figura (schemata). Para Donatus, figuras de
pensamento pertenciam à retórica, figuras de linguagem eram parte da gramática.
Também em Prisciano (século V- VI d.C. ), encontram-se matérias da retórica.
Na Idade Média começam a surgir gramáticas latinas nas línguas vernáculas,
com o objetivo de ensinar latim a falantes não-nativos. Houve também gramáticas
latinas escritas em Latim, mas com exemplos nas próprias línguas vernáculas. A
primeira dessas gramáticas
latinas traduzidas foi a de Elfrico, no ano 1000, que
escreveu as Excerptiones de Prisciano, uma tradução de Prisciano para o inglês antigo.
Essas traduções, naturalmente, mantiveram a sobreposição gramática/retórica.
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No Renascimento, o conceito de gramática deixa de corresponder simplesmente
à gramática latina, passando a se preocupar com as línguas vulgares e com a pedagogia
para ensinar a língua materna. Mas, dada a importância do Latim como língua da
cultura,
continuam ainda a aparecer novas gramáticas latinas. Em Portugal, por
exemplo, temos a do jesuíta Manuel Alvares, De Institutione Grammatica ( 1596) e a
gramática portuguesa escrita em Latim, de Bento Pereira, Ars grammatica pro lingua
lusitana (1672). A indefinição gramática/ retórica se manteve no Renascimento. Por
exemplo, nas gramáticas portuguesas3 −
de Fernão de Oliveira (1536), de João de
Barros (1540), Roboredo 1619, Jeronymo Contador de Argote (1725) − registram-se
matérias retóricas: força da tradição latina da qual esses gramáticos não escaparam
totalmente.
Mesmo posteriormente, quando a retórica começa a perder prestígio, as
gramáticas preservam matérias de retórica, como se pode ver, por exemplo, em Reis
Lobato (1817) e em Jeronymo Soares Barboza (1822). Nessa fase já se tem uma
retórica reduzida à elocutio, na qual, segundo Hansen (1994, p.37) as figuras e tropos
constituem uma como que “...teoria de afastamento, desvio ou rupturas discursivas, que
passam a fazer parte dos manuais de gramática com o nome geral de ‘Tropos e figuras’
ou ‘Figuras de estilo".
No Brasil, na esteira do que ocorreu em Portugal, nossas gramáticas − desde as
mais antigas, como as de Júlio Ribeiro (1881), de João Ribeiro (1887), Maximino
3
O mesmo se dá com a, Gramática de la lengua castellana, de Antonio de Nebrija. NEBRIJA, Antônio
de. Estudio y edición de Antonio Quilis, 3ª ed., Madrid, Centro de Estudios Ramón Areces, 1989, p. 112
[1ª ed. 1496]
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Maciel(1887), Pacheco e Silva e Lameiro de Andrade (1888), Noronha Massa (1888),
Ernesto Carneiro Ribeiro (1890), Eduardo Carlos Pereira (1907),
até as
contemporâneas − reservam espaço para alguma matéria retórica. A última gramática
publicada no Brasil, em 2008,
de Evanildo Bechara, ainda apresenta matéria da
retórica.
Embora artes
distintas, gramática e retórica são muito
relacionadas
e
apresentam uma zona de interseção. Para a retórica, a menor unidade lingüística é a
palavra. Diferentemente da gramática, a retórica não trata de partes de palavras como
morfemas e fonemas. Ambas disciplinas cuidam da palavra, da frase e da oração e a
retórica cuida ainda do parágrafo, da divisão da oração e da oração toda. A área de
interseção se situa, então, nos níveis da palavra, da frase e da oração. No entanto,
embora gramática e retórica apresentem tal zona de interseção, tratem de elementos
comuns, sua relação com esses elementos não é, estritamente falando, a mesma. A
gramática cuida da correção, preocupa-se com o como, em uma dada língua, palavras
são formadas e com o como as palavras podem ser juntadas em frases e orações. A
retórica, por sua vez, preocupa-se com a efetividade, trata da escolha da melhor dentre
um número de possíveis expressões numa língua (CORBET & CONNORS, 1999, p.
340).
Depois de consolidadas como
disciplinas nos diversos sistemas de ensino,
gramática e retórica, na maior parte de suas histórias, foram disciplinas distintas: no
programa de ensino grego, a enkiklios paideia, concebido por Isócrates (436 a.C),
gramática e retórica eram duas das disciplinas. Assim também o foi no sistema de
ensino romano, concebido por Cícero e inspirado no sistema grego. Para Cícero (188
a.C.) a gramática era disciplina
que devia necessariamente preceder os estudos
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retóricos. No Institutio Oratoria de Quintiliano (42-117 dc ), os capítulos 4 a 9 do livro
I são dedicados à gramática. Embora gramática e retórica fossem tratadas no mesmo
livro, receberam tratamento diferenciado. Marciano Capela (século V) as inclui entre as
sete artes liberais (retórica, gramática, dialética, geometria, aritmética, astrologia e
música), e Alcuíno (século XI), na sua reforma das escolas, que introduz o septennium,
conserva-lhes um lugar no trivium (junto com a dialética).
Mas a linha divisória entre as disciplinas gramática e retórica era, na verdade,
flexível na antiguidade. A rigor era competência do grammaticus ensinar língua e
literatura − preparação para a escola de retórica. Essa cuidava da prosa e da
argumentação, da amplificação e do ornamento, incluindo as figuras de linguagem; e
era dada continuidade à composição escrita começada com o grammaticus. Mas os
conteúdos ensinados em ambas eventualmente se sobrepunham, o que costuma ser
atribuído ao fato de que muitas vezes um mesmo professor acumulava o papel de
grammaticus e de rhetor. Mas, de fato, os estágios mais avançados de gramática se
confundiam com os primeiros estágios de retórica.
Segundo George Kennedy ( 1994, p. 83) , todas essas indefinições entre retórica
e gramática já se evidenciam tanto na própria definição de gramática de Dionísio o
Trácio, "gramática é o conhecimento do que é dito nos poetas e escritores de prosa",
quanto nas seis partes de sua gramática, que correspondiam às atividades diárias dos
alunos e professores na escola: ler em voz alta, incluindo o conhecimento da métrica
usada no verso, identificação de tropos no texto poético, explicação do significado de
palavras raras e de referências históricas, construção de etimologias , declinação de
nomes e conjugação de verbos e julgamento dos poetas.
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Em toda a história dessas disciplinas, até o Romantismo, quando se deu a
"morte" oficial da retórica, conviveram sempre obras que se dedicavam à gramática
com obras que se dedicavam à retórica. Embora algumas obras retóricas tenham
tratado de aspectos gramaticais, o mais comum era as gramáticas incorporarem matérias
retóricas.
Toda essa ausência de limites, essa pouca clareza quanto ao escopo dessas
disciplinas implicou, naturalmente, (e ainda implica), importantes problemas para o
ensino.
A definição do que é competência da gramática e da retórica, como vimos,
sempre foi problemática. E, em consequência, a inserção dessas disciplinas no
currículo e a definição do programa específico de cada disciplina é outro grande
problema.
No Brasil, isso se evidenciou já nos currículos do Imperial Colégio de Pedro II.
Considerando a importância que teve essa instituição para o ensino no Brasil, tendo sido
criada com a intenção de que fosse o padrão do ensino brasileiro, pode-se dizer que o
que acontecia no Pedro II era o que acontecia no Brasil.
Seu primeiro currículo foi
fixado em 1837, antes do banimento oficial da retórica do nosso ensino. Vejamos:
Currículo de 1837
1º ano: Português; Latim; Francês; Aritmética; Geografia.
2º ano: Latim; Francês; Inglês; Aritmética; Geografia.
3ºano: Latim; Francês; Inglês; Aritmética; Álgebra; Geografia; História da Idade
Média.
4ºano: Latim; Inglês; Geometria; História Moderna e Contemporânea; Botânica e
Zoologia.
5ºano: Latim; Inglês; Trigonometria; Física, Botânica e Zoologia; Grego e Alemão.
6ºano: Latim; Grego; Alemão; Italiano; Filosofia (Lógica e Metafísica); Retórica;
História Antiga; Química e Física.
7ºano: Latim; Grego; Alemão; Filosofia Moral e História da Filosofia; Retórica e
Poética; Análise e Crítica dos Clássicos Portugueses; História da Literatura
Portuguesa e Nacional; Química, Geologia e Mineralogia.
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Fato inédito nesse currículo foi a instituição do Português como uma das
disciplinas, embora com um espaço muito reduzido. A Reforma Pombalina, em 1759,
que visou à modernização do sistema educacional, até então a cargo dos jesuítas,
impôs a língua portuguesa como idioma do ensino no Brasil. Assim, a língua portuguesa
passou a fazer parte dos conteúdos curriculares, mas seguindo os moldes do ensino de
Latim, com o nome de Gramática Nacional. Mas de fato, como disciplina curricular, foi
introduzida somente nesse primeiro currículo do Pedro II. Apesar da mudança de nome,
de Gramática Nacional para Português, o conteúdo era o mesmo: gramática tradicional
de tradição latina, aliada a conteúdos retóricos, no que dizia respeito à produção textual.
.Aí registram-se sobreposições de conteúdo, uma vez que havia também nesse currículo,
além de uma disciplina Retórica, uma disciplina Retórica e Poética. Essa última,
fusão de duas disciplinas, revela a confusão existente também entre essas disciplinas.
Aristóteles separou retórica e poética, tendo escrito dois tratados distintos dedicados a
cada uma delas. No entanto, constatam-se remissões recíprocas, o que evidencia a
proximidade delas. No modelo aristotélico, grosso modo, a retórica se ocupa sobretudo
com oratória, raciocínio e persuasão e a poética trata principalmente da poesia, da
mimesis, da verossimilhança e da catarse. Na Idade Média, O sistema de ensino
medieval não incluiu a poética entre suas disciplinas, uma vez que domina a identidade
retórica e poética. A posição da poesia no trivium oscilava entre a retórica e gramática.
No início da idade moderna começa a se reforçar a distinção entre retórica e a poética.
Posteriormente, com a "morte" da retórica, houve a fusão, por sincretismo, de retórica
e poética. O nome Retórica e Poética dessa disciplina do currículo do Pedro II já revela
uma tendência a esse sincretismo.
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Esse currículo inicial se manteve até 1857, quando foi fixado um novo currículo
que em nada alterou as disciplinas que nos interessam. O português, como disciplina,
continuou tendo espaço diminuto nesse currículo, situação que se manteve até 1869.
Em 1869, quando o exame de Português foi incluído entre os exames preparatórios para
o ingresso nos cursos superiores, foi dada maior ênfase e maior espaço a essa
disciplina, que passou a ser dada no 1º, 2º , 4º e 5º anos; mantiveram-se Retórica e
Retórica e Poética. A literatura nacional era ensinada no currículo de Retórica e
Poética, disciplina exigida nos Preparatórios das faculdades de direito, e na disciplina
História da Literatura Nacional.
Vejamos agora uma pequena amostra de programas
e recomendações
pedagógicas relativas à disciplina Português, focalizando as partes relativas à produção
textual, em que se evidencia a presença da retórica. Começamos com o período de 1837
a 1891 - 1ª fase - em que essa disciplina convivia com as disciplinas Retórica e
Retórica e Poética. No todo, os programas de Português continham uma parte de
gramática tradicional, com matérias
estritamente
gramaticais, seguida da parte
dedicada à composição. É essa parte que vai nos interessar especialmente.
1870
Programa do
2º ano
(...)
Exercícios:
Além da leitura e recitação, que serão pelo modo já indicado na parte do programa
relativa ao 1º ano, o professor preparará os alunos para os exercícios de redação,
lendo-lhes trechos de algum clássico, e acrescentado às explicações, que der para
fazer bem compreender o sentido e a significação das palavras, as observações que
entender convenientes sobre o tom, qualidades gerais e particularidades do estilo
em que estiver escrito. Feito isto, os alunos repetirão verbalmente, com redação
sua, a matéria do trecho já examinado, e, depois de mostrarem tê-lo
compreendido, trá-lo-ão por escrito no dia seguinte.
Programa do 3º ano
(...)
Composições
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Os exercícios de composição versarão sobre assuntos usuais, e serão executados
pelos alunos depois de explicações do professor. Exemplos: o regime disciplinar do
colégio, a descrição do edifício e de suas imediações, os estudos feitos na aula até
aquele dia ou na semana anterior, a descrição de qualquer objeto de uso comum,
observações sobre sua utilidade, propriedades e aplicações.
1881
Programa do 1º ano
(...)
Composição: períodos simples a completar e a formar pelos alunos sobre assuntos
a seu alcance; breves narrações seguidas de perguntas a que terão eles de
responder de viva voz e por escrito.
Simples reprodução de breves narrativas feitas pelo professor, podendo o aluno
conservar, pouco mais ou menos, a mesma forma e ordem dos pensamentos.
Imitação de pequenos trechos ditados e convenientemente explicados e
desenvolvidos pelo professor.
Programa do
5º ano
(...)
Composição: períodos a formar pelos alunos com pureza, propriedade e precisão de
dicção; redação de escritos de uso comum sem subsídio ministrado pelo professor,
mas sobre assunto que este indicar; imitação de narrações, descrições e cartas,
modelos em seu gênero, à escolha do professor
Recomendações sobre a composição escrita:
(...)
Quando tiver consagrado tempo suficiente a tais exercícios, passará aos de
composição propriamente dita. Dando aos alunos as noções indispensáveis
concernentes ao estilo e formalidades a guardar nos escritos de uso comum,
marcará o assunto dos que deverão eles preparar em casa, para serem corrigidos
no dia seguinte na aula.Oportunamente, traçados os preceitos relativos a cada
gênero, passará a ler-lhes alguma descrição ou narração tida geralmente por obra
prima, fazendo-os notar os mais belos pensamentos e as principais expressões.
Feito isso, exigirá que os alunos exponham o assunto com redação sua e depois o
imitem em casa, trazendo seu trabalho no dia seguinte para a devida correção na
classe.
1882
Programa do
1º ano
(...)
Os exercícios de composição versarão especialmente sobre:
1- Simples reprodução de breves narrativas feitas pelo professor, podendo o aluno
conservar, pouco mais ou menos, a mesma forma e ordem dos pensamentos.
2- Imitação de pequenos trechos ditados e convenientemente explicados e
desenvolvidos pelo professor.
A análise da amostra dos programas dessa 1ª fase , de 1831 a 1891, revelou-os
calcados na retórica e na pedagogia retórica. Há claras evidências dessa vinculação:

A valorização da oralidade – na leitura em voz alta, nas reproduções orais,
composições orais, recitação, respostas orais a perguntas, valorização da dicção
pura, a declamação, a redação oral precedendo a redação escrita;
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
A importância do papel do professor, como leitor privilegiado, como condutor
da aprendizagem, orientador, avaliador, modelo;

A valorização dos aspectos estilísticos, da clareza , pureza; propriedade, beleza,
correção;

A presença da imitatio em várias atividades ;

A importância do modelo – clássico, canônico;

A consideração de sentido natural e figurado ;

A consideração da dicotomia forma/conteúdo;

A exploração de gêneros clássicos: epístola, fábula, apólogo, provérbio,
parábola, apresentando e explicando os protótipos;

A exploração de tipos textuais: narrativa, descrição, retrato, apresentando e
explicando os protótipos.
Considerando que existiam também as disciplinas Retórica e Retórica e Poética,
constata-se uma triplicação dos conteúdos, o que se pode ver no seguinte programa de
Retórica e Poética:
1877
Programa do 5º ano (da disciplina de Retórica e Poética)
(...)
Exercícios de composição de narrações, descrições, cartas e discursos; declamação.
Romance, conto, novela, seus caracteres, regras. Exercícios de composição de
narrações, descrições e retratos adequados ao romance, ao conto e à
novela.Gênero epistolar, seu caráter, regras. Noções do desenvolvimento histórico
do gênero epistolar. Exercícios de composição. (...) Epístola, fábula, apólogo,
provérbio, parábola, conto. Noções do desenvolvimento histórico das espécies
mencionadas. Modelos.
Em decorrência da reforma do ensino promovida por Benjamim Constant, de
caráter positivista, um novo currículo foi fixado em 1891. Vejamos:
Currículo de 1891
1º Ano: Aritmética e Álgebra, Português, Francês, Latim, Geografia, Desenho,
Ginástica e Música;
2º Ano:Geometria e Trigonometria, Português, Francês, Latim, Desenho, Ginástica
e Música;
3º Ano:Geometria, Álgebra, Cálculo Diferencial e Integral, Geometria Descritiva,
Latim, Inglês ou Alemão, Desenho, Ginástica e Música. Revisão inicial;
4º Ano: Mecânica e Astronomia, Inglês ou Alemão, Grego, Desenho, Ginástica e
Música. Revisão de Cálculo, Geometria, Português, Francês, Latim e Geografia;
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5º Ano: Física e Química, Inglês ou Alemão, Grego, Desenho, Ginástica e Música.
Revisão
de Cálculo, Geometria, Mecânica, Astronomia, Geografia, Português,
Francês e Latim;
6º Ano:Biologia, Zoologia e Botânica, Meteorologia, Mineralogia, Geologia, História
Universal, Desenho e Ginástica. Revisão de Cálculo, Geometria, Mecânica,
Astronomia, Química, Francês, Inglês ou Alemão, Grego e Geografia;
7º Ano: Sociologia, Moral, Noções de Direito e Economia Política, História do Brasil,
História da Literatura Nacional, e revisão geral."
Como se pode ver, as disciplinas Retórica e Retórica e Poética foram banidas
desse currículo. Permaneceram as disciplinas Português e
História da Literatura
Nacional. Vejamos agora uma amostra de programas da disciplina Português nessa 2ª
fase:
1892
Programa do 1º ano
(...)
Narrações, transcrições, cartas de uso freqüente escritas pelos alunos conforme os
subsídios que lhes ministrar o lente.
Programa do
2º ano
(...)
Exercícios de redação, sem subsídio ministrado pelo lente, mas sobre assunto que
este indicar.
1893
Programa do 1º ano
(...)
Exercícios de redação, sobre assuntos fáceis, com auxílio ministrado pelo lente.
Programa do 2º ano
(...)
Exercícios de composição gradualmente mais difíceis, com subsídios ministrados
pelo lente.
Programa do 3º ano
(...)
Exercícios de composição, sem subsídio ministrado pelo lente.
1917
Programa do 3º ano
(...)
Composição: exercícios em que gradualmente se exijam não somente correção
gramatical, mas algumas qualidades estilísticas.
Examinando os programas dessa fase ( Segunda fase - 1891 a 1929), a
impressão que se tem é que os mestres, com o fim da retórica, ficaram perdidos, sem
saber o que ensinar e como ensinar. A elaboração dos programas parece ter sido o
simples cumprimento de uma formalidade. Esse tipo de programa, lacônico e sucinto,
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permanece até o ano de 1929, portanto por 37 anos, quando finalmente aparece um
programa mais adequado e se inaugura uma terceira fase, de 1929 a 1961.
Pode-se dizer, portanto, que foi a partir de 1929 que a extinção da retórica
começou a promover alguma mudança na concepção de ensino do Português.
É
também, a partir desse marco, que se pode notar uma tendência à exclusão também da
gramática do ensino do vernáculo. Nota-se também que não se poderá mais, nessa 3ª
fase, entender que o ensino é calcado na retórica, mas sim que há resquícios da retórica
no ensino.
Analisemos agora uma amostra dos programas dessa 3ª fase. As modernidades
detectadas nos programas serão destacadas em negrito. As influências − resquícios − da
retórica, em sublinhado.
1929
Programa do 5º ano
(...)
5- Gênero descritivo. Evolução desse gênero em português
6- Gênero narrativo. A narração nos contos e romances modernos
7- A dissertação. Dissertação didática
(...)
11- A fábula; teoria. A composição modelar de La Fontaine e as deturpações de
seus tradutores em português
12- Gênero epistolar. Estilo das cartas de Vieira. Estilo das cartas de Camilo Castelo
Branco.
1931
Orientações
(...)
Nas duas primeiras séries do curso, o ensino será acentuadamente prático,
reduzidas ao mínimo possível as lições de gramática e transmitidas por
processos indutivos. A conversação bem orientada, as pequenas exposições orais e
a reprodução livre de um trecho lido na aula darão ensejo a que o professor
corrija a linguagem dos alunos e,assim, prepare os subsídios para a composição
escrita, mais aconselhável nas séries superiores.
(...)
Somente na 4ª série começará a redação livre, dando-se-lhe daí por diante, até o
termo do curso, maior atenção. Cerca de três quartas partes do tempo letivo
deverá ser destinado à correspondência, às descrições e narrações, entremeadas
com exercícios de estilo e análise literária de textos.
Os trabalhos de composição escrita serão preparados fora da classe, indicando-se
ao aluno, tanto quanto possível, as leituras a que convém recorrer afim de melhor
executá-los.
Para que a correção seja eficaz, recomenda-se ao professor recolher as provas
e,fora da aula, nelas assinalar todos os erros, classificando em lista especial os
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mais comuns (erros de ortografia, pontuação, concordância, regência,
impropriedades, etc); na aula seguinte, mandando fazer, no quadro negro, as
emendas necessárias, com a colaboração na classe, deve verificar se os
interessados as transportam para as respectivas provas.
Composição oral: pequenas descrições de cenas comuns da vida humana e da
natureza; breves narrativas, fábulas, contos populares.
1942
Seção outros exercícios
1ª série
(...)
3- Breves exposições orais, reprodução livre de trechos lidos na aula, redação
escrita de frases curtas e pequenas descrições à vista de gravuras.
2ª série
(...)
2- Redação de cartas, bilhetes, telegramas e documentos oficiais
3- Exercícios de composição
1943
Seção outros exercícios
1ª série
(...)
3- Exercícios de redação e composição sob a forma de cartas, documentos
oficiais, narrativas, descrições e dissertações.
2ª série
(...)
2- Exercícios de redação e composição, constantes, sobretudo, de biografias de
grandes vultos da literatura portuguesa, de pequenos estudos de fases e
escolas literárias e de ensaios de crítica.
3ª série
(...)
2- Exercícios de redação e composição, constantes, sobretudo, de biografias de
grandes vultos da literatura portuguesa, de pequenos estudos de fases e
escolas literárias e de ensaios de crítica.
1951
Programa da 1ª série
(...)
c) Reprodução resumida e oral de assuntos lidos em aula; narração oral de fábulas
e contos populares. (...) e) Breves exercícios escritos de redação feitos em aula,
a propósito de textos lidos, com subsídios ministrados pelo professor.
Programa da 2ª série
(...)
c) Reprodução resumida e oral de assuntos lidos em aula; narração oral de
ocorrências da vida escolar e social.
(...)
e) Breves narrações escritas e cartas familiares, feitas em aula, com subsídios
ministrados pelo professor.
Programa da 4ª série
(...)
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c) Exercícios orais, impressões de leituras feitas fora da classe, narração de
episódios da história do Brasil, exposição de pontos do programa já tratados em
aula.
d) Exercícios escritos: descrição de paisagens, cenas e tipos; cartas,
requerimentos, dissertações, notícias para jornais.
Orientação:
Começará na 4ª série ginasial a composição livre, para a qual, além das
indicações do professor, muito servem como recursos preliminares os exercícios de
estilo e a análise literária elementar de textos breves, de preferência
modernos. (...)
Instruções metodológicas gerais para o segundo grau
Redação, composição e análise literária
Os trabalhos de redação, sempre muito fáceis, devem ser executados de
preferência em aula, individual ou coletivamente, orientados pelo professor ou
sugeridos pela leitura explicada. Como exercícios subsidiários, são recomendáveis,
entre outros, os seguintes:
1) Formação de frases com aplicação do vocabulário ensinado.
2) Substituição de frases por outras de forma diversa e sentido
equivalente.
3) Conversão de períodos compostos em períodos simples.
4) Transformação de orações subordinadas em coordenadas e vice-versa;
substituição de subordinadas adjetivas por adjuntos atributivos ou por
apostos; de subordinadas
de forma conjuntiva pelas reduzidas correspondentes, etc.
5) Conversão de voz passiva na ativa e vice-versa.
6) Exercícios de concisão.
7) Resumo oral de leituras feitas fora da classe.
8) Paráfrases de textos breves.
9) Correção de trabalhos apresentados pelos alunos, feita pela turma, sob a direção
do professor.
Nesses
currículos
dessa
terceira fase ( de 1929 a 1961), embora mais
modernos, ainda convivem resquícios da retórica com posturas mais modernas. Como
se pode ver nos meus grifos inseridos nesses programas, foram localizados os seguintes
índices de influência da retórica:

A valorização da oralidade – no resumo oral, nas exposições;

A consideração do estilo – exercícios de estilo;

A presença da imitatio - em atividades de paráfrase;

A presença de exercício de concisão – resumos orais e escritos
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
A exploração de gêneros clássicos: epístola, fábula, provérbio, máximas,
encômio; textos históricos;

A exploração de tipos textuais: narrativa, descrição;

A consideração de modelos canônicos.

O trabalho de correção feito pelos próprios alunos.
Como índices de modernidade, registram-se:

A menor importância do papel do professor;

A consideração de maior variedade de gêneros: conto, romance moderno,
dissertação didática, dissertação moral, dissertação literária, bilhetes, telegramas,
documentos oficiais,requerimentos,
biografias, ensaios de crítica, contos
populares, notícias para jornal, artigos para revista escolar, impressões de
leitura;

Recomendação de ensino prático;

Redução do ensino gramatical;

Ênfase no nível da frase;

Redação de preferência nas séries superiores;

Trabalho com temas sociais e do cotidiano;

Reprodução livre;

Trabalhos de livre-escolha do aluno.
Cumpre também notar, que a disciplina Português, além de cuidar de aspectos
gramaticais, continua incorporando os aspectos ligados ao nível textual, antes de
competência dos estudos retóricos, e passou também a incorporar os estudos literários,
como se pode ver nos programas analisados que incluem:

Análise literária de textos

Fases e escolas literárias

Crítica literária

Autores clássicos
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
Preferência por autores modernos
Passamos agora a analisar uma quarta fase, de 1961 a 1980, iniciada com a
publicação4 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 4.024 de 20 de
dezembro de 1961), portanto não mais com base nos programas do Pedro II.
1961 - (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(...)
Os estudos teóricos de gramática e estilística são meramente subsidiários
e, por conseqüência, hão de constituir apenas o meio para desenvolver, no
discente, a sua capacidade de expressão.
Por isso, importa considerar:
(...)
2º- Expressão Escrita
Nos exercícios escritos, procurar-se-á levar o aluno à utilização correta, ordenada,
eficaz das palavras, a fim de que logre alcançar uma expressão clara do
pensamento. Para isso, convirá partir da elaboração de frases breves, sem
pretender, todavia, a uniformidade estilística. Cumpre resguardar, e até
estimular, a liberdade de expressão individual, dentro das possibilidades de
escolha permitidas pelo idioma. Aos progressos por parte dos alunos no domínio da
sintaxe deve corresponder mais ampla liberdade na eleição dos temas para
redação, abrindo-se oportunidade à prática da análise literária, que irá
desenvolver-se no segundo ciclo.
Como se pode constatar, mesmo nas orientações da LDB de 1961, portanto mais
modernas, ainda se deixam flagrar ligeiras influências da retórica: nas considerações
sobre estilo - na concepção de estilo como escolha - e na valorização de clareza. Por
outro lado, como índices de modernidade, constata-se mais uma vez a tendência à
relativização da importância da gramática e da estilística,
estudos que devem ser
subsidiários, e também uma tendência à linguística do nível da frase, do texto visto
como uma soma de frases.
Em suma, no ensino brasileiro em relação a gramática e retórica, constatam-se
quatro fases:

uma fase (1837 a 1891) em que conviviam o Português ( incluindo gramática e
conteúdos retóricos),
Retórica
e Retórica e Poética como disciplinas
curriculares. Nessa fase, eram muitas as sobreposições de conteúdo: conteúdos
4
Esta Lei não prescreveu currículo fixo nem programas de disciplinas, apenas
foram apresentadas orientações gerais de como deveria ser o ensino
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retóricos eram tratados nas aulas de Português, nas aulas de Retórica e nas
aulas de Retórica e Poética.

uma fase (1891 a 1929) em que, banidas do currículo as disciplinas Retórica e
Retórica e Poética, além da matéria estritamente gramatical, não se sabia o que
ensinar, mais especificamente, não se sabia ensinar a produção textual.

uma fase (1929 a 1961) em que as matérias retóricas passam a participar
discretamente dos programas de Português, convivendo com modernidades,
como, por exemplo, a relativização da importância da gramática.

uma fase (1961 a 1980) em que a influência retórica diminui drasticamente, mas
não desaparece, deixando-se ainda flagrar nos programas de Português, agora
mais calcados na gramática.
Segundo Soares (2001, p. 152), foi somente a partir da segunda metade dos
anos oitenta que as novas teorias desenvolvidas na área das ciências lingüísticas,
introduzidas nos currículos de formação de professores a partir dos anos 60,
começaram a alterar fundamentalmente essa situação, não só em relação à retórica mas
também à gramática.
A partir daí, houve algo como a "morte" − pelo menos oficial − da gramática
tradicional no ensino do vernáculo, que ficou sem retórica e sem gramática. Mas foi
só nos anos 90 que essas ciências linguísticas modernas começaram a chegar de fato à
escola, "aplicadas" ao ensino da língua materna, inaugurando a fase atual.
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