Artroscopia do cotovelo: roteiro de exame

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ARTROSCOPIA DO COTOVELO: ROTEIRO DE EXAME
Artroscopia do cotovelo: roteiro de exame*
GILBERTO OHARA1, KODI KOJIMA2, MARCELO MATSUMOTO3, FLAVIO FALOPPA4, WALTER ALBERTONI5
INTRODUÇÃO
TÉCNICA CIRÚRGICA ARTROSCÓPICA
O aprimoramento técnico do cirurgiões e o surgimento de
novos instrumentais tornaram realidade a artroscopia das pequenas articulações.
A artroscopia do cotovelo, como nas outras articulações,
iniciou-se como meio diagnóstico e com o decorrer do tempo foram sendo realizados procedimentos cirúrgicos de algumas lesões. Andrews & Carson(1) relatam 85% de bons resultados em 12 cotovelos submetidos a procedimentos artroscópicos no cotovelo; Parisien(5) refere 23 resultados excelentes e 2 bons em 25 cotovelos operados, ao passo que
dos 70 pacientes tratados por O’Driscoll & Morrey(4), 73%
tiveram algum tipo de benefício através dessa técnica.
As principais indicações são: remoção de corpos livres,
tratamento da osteomielite do capítulo umeral, desbridamento
de aderências e sinovectomia. A cirurgia artroscópica apresenta vantagens sobre a cirurgia aberta convencional, por
apresentar menor morbidade e melhor recuperação funcional.
O objetivo deste trabalho é apresentar um roteiro da abordagem artroscópica do cotovelo, focalizando o preparo do
paciente, as vias de acesso e a rotina cirúrgica.
1. Preparo do paciente
A abordagem artroscópica do cotovelo deve ser realizada
em centro cirúrgico, com todos os cuidados de assepsia e
anti-sepsia. A anestesia preferencial é o bloqueio interescalênico, possibilitando a realização do procedimento na forma de hospital-dia, podendo-se também optar pela anestesia
geral a critério do anestesista.
Após a anestesia do membro superior, procede-se à exsanguinação com faixa de Esmarch e garroteamento com manguito pneumático colocado na região proximal do braço. O
corpo do paciente, em decúbito dorsal horizontal, é colocado próximo à borda da mesa cirúrgica, no lado a ser operado.
O membro superior é posicionado para fora da mesa cirúrgica, sendo mantido com o ombro em abdução de 90º e o
cotovelo em flexão de 90º ao zênite, através da colocação de
“malha chinesa” nos dedos e suspensão com faixas (fig. 1).
Nessa posição a pronossupinação está totalmente livre e a
flexo-extensão parcialmente livre, facilitando o estudo anatômico intra-articular e a realização dos procedimentos operatórios.
2. Instrumental cirúrgico
O artroscópio utilizado é o de 4mm com 30º de angulação
frontal e sua respectiva camisa e trocartes. Utiliza-se preferencialmente fonte de luz fria.
As pinças utilizadas, basket, tesouras, pinças de preensão,
são as mesmas das cirurgias do joelho, variando de 2,7 a
3,4mm. O instrumental motorizado do tipo shaver, com pontas de corte e abrasão, é de grande utilidade, empregando-se
pontas de 3,5 e 4,5mm.
Há necessidade de microcâmera, videocassete e video-printer para a adequada documentação dos casos.
3. Vias de acesso
Lateral – Encontra-se no centro do triângulo formado pelas linhas que unem a ponta do olécrano, a cabeça do rádio e
o epicôndilo lateral (fig. 2). É utilizada apenas para a penetração da agulha para distensão articular com soro fisiológico antes da introdução do artroscópio, não sendo boa via de
acesso.
* Trab. realiz. no Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Pol. Mil. do Est.
de São Paulo e Disc. de Cir. da Mão e Mem. Sup. do Dep. de Ortop. e
Traumatol. da Unifesp-Esc. Paul. de Med.
1. Diretor Científico do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Pol. Mil.
do Est. de São Paulo; Méd. Assist. da Disc. de Cir. da Mão e Mem. Sup.
do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Unifesp-EPM; Mestre e Doutor em
Ortop. pela Unifesp-EPM.
2. Coord. da Resid. Méd. do Serv. de Ortop. e Traumatol. do Hosp. da Pol.
Mil. do Est. de São Paulo; Pós-graduando do Inst. de Ortop. e Traumatol.
do Hosp. das Clín. da FMUSP.
3. Prof. Assist. e Respons. pelo Grupo de Cotovelo da Disc. de Cir. da Mão
e Mem. Sup. do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Unifesp-EPM; Mestre e
Doutor em Ortop. pela Unifesp-EPM.
4. Prof. Livre-doc. e Chefe de Grupo da Disc. de Cir. da Mão e Mem. Sup.
do Dep. de Ortop. e Traumatol. da Unifesp-EPM.
5. Prof. Tit. e Chefe de Disc. do Dep. de Ortop. e Traumatol. da UnifespEPM.
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G. OHARA, K. KOJIMA, M. MATSUMOTO, F. FALOPPA & W. ALBERTONI
Fig. 1 – Aspectos do ombro em abdução e o
paciente em decúbito dorsal. Posição do
cotovelo em tração ao zênite. Abordagem
através do portal lateral e colocação da pinça
pelo portal medial.
Fig. 2 – Pontos de reparos da
abordagem lateral do cotovelo
visibilizando-se o epicôndilo lateral
(EL), portal lateral (L) e portal
ântero-lateral (AL)
Nesta via, a agulha transfixa a pele, pequena quantidade
de tecido celular subcutâneo, o músculo ancôneo e a cápsula
articular.
Ântero-lateral – Está localizada 3cm superior e 1cm proximal ao epicôndilo lateral (fig. 2).
É a via de acesso de escolha para o início da fase diagnóstica do procedimento. Na realização desse portal de acesso
deve-se ter extremo cuidado para não provocar a lesão do
nervo radial, pois, como ressaltam Lynch et al.(3), se o cotovelo não está adequadamente distendido, o instrumental passa
cerca de 4mm do nervo. Para diminuir esse risco, deve-se
introduzir o instrumental com o cotovelo fletido a 90º e a
articulação completamente distendida com solução salina,
que aumenta a distância até o nervo para 11mm.
Outro cuidado a tomar é proceder à incisão cuidadosa da
pele com o bisturi nº 11, evitando penetração profunda, para
prevenir a lesão dos nervos cutâneos antebraquial lateral e
posterior.
Nessa via de acesso há a transfixação do músculo extensor
radial curto do carpo.
Ântero-medial – Localiza-se 2cm superior e 2cm anterior
ao epicôndilo medial (fig. 3). Esta via pode ser utilizada tan696
Fig. 3 – Pontos de reparos da
abordagem medial do
cotovelo visibilizando-se o
epicôndilo medial (EM) e o
portal ântero-medial (AM)
to para os instrumentais cirúrgicos como para a introdução
do artroscópio. Nela também se evita a lesão de estruturas
vasculonervosas com a flexão de 90º do cotovelo e adequada
distensão articular. Nessa situação o instrumental passa a distância média de 14mm posterior ao nervo mediano e 17mm
posterior à artéria braquial.
A incisão da pele deve ser cuidadosa para não provocar
lesão do nervo cutâneo antebraquial medial.
Ao serem introduzidos, os instrumentais transfixam os músculos pronador redondo e flexor superficial dos dedos.
Medial – Localizada a 2cm proximal ao epicôndilo medial, deve ser realizada anteriormente ao septo intermuscular, em contato com a superfície anterior do úmero (fig. 3).
Essa via possibilita bom acesso de instrumentais para procedimentos cirúrgicos na cabeça do rádio.
A manutenção do acesso anterior ao septo intermuscular e
rente à superfície anterior do úmero evita as lesões do nervo
ulnar, nervo mediano e artéria braquial.
Póstero-lateral – Localiza-se 3cm proximal à ponta do olécrano, lateralmente à borda do tríceps, seguindo a crista supracondilar lateral. Utilizada para avaliação da articulação
ulnotroclear posterior e a fossa olecraniana.
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Fig. 4 – Aspectos
do compartimento
medial com visão
do sulco troclear
(ST), processo
coronóide (PC) e
a membrana
sinovial (S) local
Na realização das incisões na pele deve-se ter cuidado com
os nervos sensitivos cutâneos braquial lateral e antebraquial
anterior.
Ocorre transfixação do músculo tríceps braquial.
4. Rotina operatória
Com o paciente anestesiado e adequadamente posicionado, inicia-se o procedimento com a introdução de uma agulha de raquianestesia nº 18 pela via lateral direita.
Introduzem-se com cautela 5 a 10ml de solução salina e
observa-se distensão das partes moles anteriores, facilitando
a introdução do artroscópio, conforme preconizam Poehling
& Ekman(6). A ocorrência de infiltração desses tecidos indica
que a agulha está extra-articular, sendo necessárias sua retirada e repetição da manobra.
O refluxo livre da solução salina é indicativo de que a
ponta da agulha está intra-articular. Certificando-se dessa
situação, injetam-se 30 a 40ml de solução salina pela agulha
para distensão da cápsula articular, manobra que evita a lesão das estruturas neurovasculares e facilita a introdução do
artroscópio.
Com a articulação distendida, define-se, a partir do epicôndilo lateral, o portal de acesso ântero-lateral e introduzse uma agulha de raquianestesia nº 18 como guia. O refluxo
de solução salina confirmará sua presença intra-articular. A
seguir retira-se a agulha e, através de incisão na pele de 5 a
7mm, introduz-se a camisa do artroscópio com o trocarte
pontiagudo, direcionado para o centro da articulação. Ao sentir um aumento da resistência, substitui-se o trocarte pontiagudo pelo rombo e penetra-se a cápsula articular.
Com o artroscópio colocado no portal ântero-lateral procede-se à avaliação intra-articular na seguinte forma: 1) processo coronóide da ulna, 2) superfície articular da ulna, 3) a
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Fig. 5 – Aspectos
do compartimento
lateral
visibilizando-se o
capítulo (C), a
cabeça do rádio
(CR) e a incisura
intercondilar (II)
crista troclear, 4) avaliação do grau de competência do complexo cápsulo-ligamentar medial, através de manobras de
valgização, 5) membrana sinovial medial e ântero-medial e
6) visibilização parcial da articulação capítulo-cabeça do
rádio (fig. 4).
Mantendo-se o artroscópio na via ântero-lateral, define-se
o portal ântero-medial e introduz-se a agulha nº 18, acompanhando sua entrada na articulação sob visão direta pela artroscopia.
No ponto de referência deixado pela agulha, realiza-se uma
incisão na pele e repete-se o procedimento de introdução do
artroscópio. Com o artroscópio nesse portal dá-se o seguimento da avaliação intra-articular: 7) visibilização detalhada da cabeça do rádio, 8) visibilização do capítulo, 9) avaliação da competência do complexo cápsulo-ligamentar lateral
através de manobra de varização e 10) membrana sinovial
lateral e ântero-lateral (fig. 5).
É importante o adequado posicionamento do paciente, pois
a possibilidade de mobilização do cotovelo durante a cirurgia é de extrema utilidade: com a pronossupinação pode-se
visibilizar grande parte do contorno da cabeça radial, a flexo-extensão facilita a visibilização da superfície articular do
capítulo umeral e da tróclea.
Na artroscopia do cotovelo não existe regra para a via de
acesso para o artroscópio ou para os instrumentais. A definição dá-se de acordo com a estrutura a ser analisada ou operada: quando se deseja operar as estruturas mediais, o artroscópio é colocado na via ântero-lateral e os instrumentais entram pela via ântero-medial; o oposto ocorre nas lesões laterais, o artroscópio pela via ântero-medial e as pinças pela
ântero-lateral.
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G. OHARA, K. KOJIMA, M. MATSUMOTO, F. FALOPPA & W. ALBERTONI
Fig. 6 – Visibilização de pinça artroscópica segurando corpo livre que foi
retirado dessa forma
Fig. 7 – Aspectos de membrana sinovial exuberante em quadro de sinovite
de cotovelo por artrite reumatóide
DISCUSSÃO
A artroscopia do cotovelo vem gradativamente ganhando
espaço e substituindo a cirurgia convencional com vantagens
e tem-se mostrado eficiente tanto no diagnóstico como no
tratamento das patologias do cotovelo. Apresenta menor morbidez além de permitir ao paciente recuperação funcional
mais rápida.
Nos casos de corpos livres intra-articulares, decorrentes
de osteocondrite ou lesões condrais, além de propiciar a retirada dos corpos livres, ainda permite a localização da lesão
original e seu tratamento, com desbridamento e perfuração
da base propiciando sua cicatrização (fig. 6). Nos corpos livres originários de condromatose sinovial, também é possível, além de sua retirada, a realização da sinovectomia.
Nos casos de monoartrites do cotovelo, além da biópsia
sinovial, pode-se realizar a sinovectomia total ou parcial, utilizando-se associação de todas as vias de acesso disponíveis
(fig. 7).
As complicações descritas são pouco freqüentes e muitas
delas evitáveis, conforme relatam Field et al.(2). Complicações como quebra do instrumental dentro da articulação ou
lesão iatrogênica da cartilagem podem ser evitadas com o
adequado treinamento do cirurgião. As lesões neurovasculares são evitadas com o estudo anatômico detalhado da região
e emprego de técnica correta de realização das vias de acesso. Problemas com o torniquete são contornados com a utilização da pressão adequada e evitando-se tempo cirúrgico prolongado.
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Outras complicações, como infecção, deiscência, trombose venosa profunda e aderências, são inerentes ao ato cirúrgico, porém, por ser técnica de menor morbidade, no procedimento artroscópico esses riscos são menores.
A artroscopia abre novo horizonte para o tratamento das
patologias do cotovelo, pois as dificuldades e as desvantagens de abordagem cirúrgica aberta são muito grandes. A
possibilidade da realização de procedimentos através de duas
ou três perfurações de 5mm torna-se um grande avanço da
ortopedia e uma esperança com futuro promissor.
Com o domínio da técnica e o aperfeiçoamento dos instrumentais, acreditamos que deverá haver aumento crescente
de sua utilização, facilitando a abordagem cirúrgica e recuperando o paciente mais rapidamente.
REFERÊNCIAS
1. Andrews, J.R. & Carson, W.G.: Arthroscopy of the elbow. Arthroscopy 1:
97-107, 1985.
2. Field, L.D., Alttchek, D.W., Warren, R.F. et al: Arthroscopic anatomy of
the lateral elbow: a comparison of three portals. Arthroscopy 10: 602607, 1994.
3. Lynch, G.J., Meyers, J.F., Whipple, T.L. et al: Neurovascular anatomy
and elbow arthroscopy: inherent risks. Arthroscopy 2: 191-197, 1986.
4. O’Driscoll, S.W. & Morrey, B.F.: Arthroscopy of the elbow. Diagnostic
and therapeutic benefits and hazards. J Bone Joint Surg [Am] 74: 84-94,
1992.
5. Parisien, J.S.: Arthroscopic surgery of the elbow. Bull Hosp Joint Dis 48:
149-158, 1988.
6. Poeling, G.G. & Ekman, E.F.: Arthroscopy of the elbow. J Bone Joint
Surg [Am] 76: 1265-1271, 1994.
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