A participação da infância na sociedade brasileira Lisandra Ogg Gomes EDU/UERJ/DEDI – [email protected]. RESUMO: A principal problemática desta pesquisa – que ainda se encontra em andamento – é mapear, analisar e compreender as formas de participação da infância – crianças de 0 a 12 anos – na sociedade brasileira. Os recentes estudos desenvolvidos nos campos da educação e da sociologia indicam que as configurações formadas entre as gerações produziram espaços sociais próprios para as crianças, nos quais elas têm seus interesses e ações sociais reconhecidos e legitimados. Cada vez mais, as crianças são reconhecidas como sujeitos de direito o que promove uma maior participação da categoria infância na sociedade. Isso porque as configurações de maior proximidade entre os sujeitos e o predomínio de um pensamento científico-interpretativo produzem um estatuto próprio para a infância. Ainda que os espaços das crianças sejam, sobretudo, a família e a escola, elas estão e atuam nas diferentes instâncias sociais, como, por exemplo, igreja, comunidade, rua, ambientes virtuais, etc., e interferem nas dinâmicas das instituições. Sendo assim, este estudo teórico sociológico-educacional recorre a dados de natureza qualitativa e quantitativa com o objetivo de mapear, comparar e compreender as formas de atuação das crianças na sociedade, e, assim, entender os impactos culturais, políticos e econômicos na infância. A proposta metodológica para este estudo é o exame das produções bibliográficas, sobretudo as sociológicas e educacionais, a respeito da participação e das políticas para a infância. E um levantamento e mapeamento de projetos e propostas nacionais que tenham as crianças como atuantes e participantes nos seus espaços sociais. Os primeiros resultados indicaram que a complexidade dessa participação está no fato de que se, por um lado, as transformações socioculturais reconhecem cada vez mais as crianças como sujeitos de direitos e atores sociais, por outro lado, a infância ainda precisa de proteção e provisão e isso acaba por privar as crianças de uma maior ação sociopolítica por meio de instituições públicas. Palavras-chaves: infância, crianças, participação 1 Introdução A conquista de direitos, o reconhecimento de leis e a produção de teorias permitiram novas perspectivas acerca da infância e das crianças, as quais resultam em um contínuo esforço para mudar ideias anacrônicas acerca da participação delas na sociedade. Como parte dos resultados dos estudos da infância que já realizei, considero que atualmente há uma relativa atenção para: (a) o modo de participação das crianças referente às questões públicas, restritas e amplas, que lhes dizem respeito; e (b) a função e posição da infância na estrutura da sociedade como uma categoria sociocultural. Ainda que distante o reconhecimento de que as ações políticas, culturais e/ou econômicas tomadas pela geração dominante dos adultos interfiram sobremaneira nas demais gerações, já é manifesto que as crianças são participantes e atuantes em seus tempos e espaços. Isso permite compreender que a infância tem uma posição e função social assim como as crianças alcançaram outro sentido e valor a partir de uma outra configuração da sociedade. Como inicialmente exposto, os estudos da infância abriram novas perspectivas de teorização e investigações da infância enquanto um fenômeno social e das crianças como atores sociais, possibilitando seu reconhecimento, problematizando suas posições e atuações, e examinando as formas como elas participam da/na sociedade e como são valorizadas suas ideias e ações. Segundo Qvortrup (2002) esse maior interesse da comunidade científica em relação à infância e às crianças é decorrente do fato de que elas passaram a ser consideradas um problema social. De todo modo, os estudos da infância ampliaram o interesse por essa geração, o que significa aprimorar o conceito relativo ao funcionamento da sociedade, construir uma justiça social para as crianças e refletir sobre os fundamentos teóricos em relação aos serviços destinados a elas (MAYALL, 2007). Nesse sentido, esta pesquisa aproxima-se desse último tópico e é importante e necessário direcionar um estudo para a questão da participação da infância na sociedade, por duas razões: (a) aprofundar o conhecimento educacional e sociológico a respeito da atuação das crianças e de como são reconhecidas suas ideias e práticas nos espaços sociais; (b) mapear, examinar e compreender as propostas e os projetos públicos que têm às crianças como atores sociais e ativas em seus meios. A participação das crianças e da infância é um tema que vem sendo tratado no meio acadêmico em razão da exclusão delas dos assuntos que lhes dizem respeito e que ainda são decididos apenas pelos adultos. 2 O fenômeno social da infância Um fenômeno – ou fato – social tem como particularidade uma força imperativa e coercitiva, a qual impõe aos indivíduos ações e ideias constituídas a respeito de uma determinada coisa. É fato social toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente das suas manifestações individuais (DURKHEIM, 2007, p. 13 – grifos do autor). Todo e qualquer fenômeno social assume uma forma, tem um sentido e um conteúdo, mesmo que seja intangível e que não se possa observá-lo diretamente. É pelo efeito que produz que um fenômeno podem ser conhecidos e observados (PAIS, 1996). Portanto, o fenômeno social significa uma realidade singular e é quase que dotado de existência própria; ele é uma realização coletiva e, para continuar a existir, dependem de cada indivíduo, das conjunturas e das circunstâncias sociais. A força imperativa e coercitiva do fenômeno social, necessariamente, não é percebida pelo indivíduos como tal, uma vez que ela é interiorizada e pode ser sentida e praticada como uma liberdade. Segundo Dubet (1994, p. 23), “O actor social torna sua uma coerção que pode ser assim vivida como uma vocação, como um imperativo moral, uma escolha ou uma ‘natureza’ na medida em que ela é ‘refractada’ na consciência individual”. É Qvortrup (1990, 2010a, 2011) quem defende a proposição de que a infância é um fenômeno social. Ao nascer a criança é inserida na infância, quer ela queira ou não, pois é essa categoria geracional que agrega todas as crianças. A infância é o resultado de causas externas; exerce uma função e tem uma força imperativa e coercitiva que impõe às crianças práticas e ideias constituídas a respeito de como essa geração deve ser e atuar. Nesse sentido, a infância manifesta-se e torna-se real a partir das ideias e atitudes tomadas pelas pessoas que vivem em sociedade, dentre elas as crianças. É seu valor de fato social compartilhado que a torna real. O fenômeno da infância existe porque é comum a todas as crianças e pessoas, e porque é parte do conjunto da gênese humana – infância, idade adulta e velhice. A infância como um fenômeno tem, por um lado, as crianças enquanto indivíduos reais, e, por outro, os sentidos e as práticas que definem essa geração. Para compreendê-la é preciso considerar todas as crianças, os parâmetros sociais, as instituições e as relações entre gerações ao longo da história. A partir da análise desses 3 fatores, torna-se possível descrever e explicar as circunstâncias de vida das crianças, uma vez que elas constituem essa geração. Portanto, a infância é efetiva e atuante, parte integrante e essencial da sociedade, tem permanência, posição e função, a participação das crianças na sociedade não é algo trivial. Ao contrário disso, as crianças participam de forma organizada das atividades, as quais estão integradas às dos jovens, adultos e velhos e que são instrumentalmente usadas pelo conjunto da sociedade (QVORTRUP, 1990). Em defesa da participação da infância na sociedade O mapeamento e a compreensão dos modos de participação da infância na sociedade têm como objetivo conhecer e analisar as formas efetivas de atuação das crianças de até 12 anos nos espaços públicos, urbano e rural, formais e informais, e as políticas de participação da infância no processo social, cultural, políticos e econômico. A tema da participação e a delimitação da idade relacionam-se ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), (BRASIL, 1990a), complementado pelo Marco Legal da Primeira Infância, Lei 13.257/16, os quais consideram a criança como cidadã e sujeito social de até 12 anos de idade incompletos. Ademais, a participação é um direito de toda criança desde seu nascimento, reconhecida na Constituição Federal (1988) e proclamada pela Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) (BRASIL, 1990b). Adotada por unanimidade pela Assembleia Geral, em 20 de novembro de 1989, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi aberta para ratificação em 26 de janeiro de 1990 e entrou em vigor em 2 de setembro do mesmo ano, significando que cada Estado Parte da CDC assumia o compromisso de construir uma ordem legal interna voltada para a sua efetivação. (ARANTES, 2012, p. 46). No Brasil, a CDC foi ratificada e entrou em vigor em 1990, tem caráter mandatório e contempla direitos civis e políticos; econômicos, sociais e culturais; e direitos especiais (de proteção) (ROSEMBERG, MARIANO 2010). Todos esses documentos apresentam um conjunto de direitos que abrangem a participação, proteção e provisão das crianças na sociedade. Todavia, a questão da participação da infância na sociedade é um tema delicado, pois se reconhecida legalmente, essa geração ainda não o é socialmente como uma parte permanente e estrutural, assim como tampouco são consideradas as ideias das crianças e suas necessidades. As crianças ainda são vistas como irresponsáveis, irracionais e incapazes de fazerem suas escolhas e de serem informadas em assuntos que lhe dizem respeito (SOARES, 2005). 4 Giovanni Sgritta (1997), crítico incisivo do modo como a sociedade trata a infância, pondera que as crianças só têm importância social na medida em que são vistas como um projeto futuro e quando vinculadas às famílias que as acolhem e as tutelam – acrescentaria também que elas são vistas quando se tornam um problema social. Reconhecer a infância como uma categoria estrutural, permanente e participante da sociedade, significa concordar com o fenômeno social da infância, que sempre existirá em razão das crianças, ideias e práticas próprias da categoria. Portanto, a infância não é um momento específico de preparação da criança para entrada na sociedade e tampouco há um modo único para sua participação social, cultural, política e econômica. De todo modo, não é simples o tema da participação e proteção da infância. Segundo Arantes (2012), na elaboração da CDC muitos foram os questionamentos e as discordância entre os representantes dos 193 países. A questão da participação entra em embate com a menoridade jurídica e sua vulnerabilidade natural. No Brasil, está firmado, no artigo 227 da Constituição Cidadã de 1988, que a criança é sujeito de direito, mas, em prática isso ainda depende do contexto. Certamente, as crianças têm outras precisões e necessitam de proteção e provisão para crescerem e se desenvolverem, pois é notória sua vulnerabilidade natural. E em razão disso a participação delas está circunscrita a alguns espaços, pois em nome da proteção lhes foi cerceado o direito de ir e vir. Todavia, como afirma Jens Qvortrup (2010b, p. 779), “[…] ninguém está disposto a sacrificar a necessária proteção das crianças expondo-as a todos os riscos de uma sociedade moderna; porém, ninguém concordaria em privar as crianças de se experimentarem como pessoas que contribuem para a sociedade”. A relevância dos estudos da infância está na compreensão e análise das circunstâncias de vida das crianças e da função, participação e posição da infância na sociedade. Os estudos desenvolvidos, tanto no âmbito nacional como no internacional, têm enfoques diferenciados, que tratam desde a agência das crianças, considerando-as atores sociais, até a interferência da infância nas diferentes instâncias da sociedade. A diferença entre os enfoques está nas perspectivas microssocial, da agência, e macrossocial, da estrutura. 5 São essas perspectivas, estrutural e agência, que fundamentam o campo da sociologia da infância 1 (QVORTRUP, 2004; SARMENTO, 2008). A perspectiva estrutural trata da categoria da infância, a forma como ela se organiza, como pode variar e sua relação com as instituições, economia, cultura, tecnologia, mídia e leis – para citar alguns dos parâmetros sociais. Por sua vez, a agência – termo que na língua portuguesa mais se aproxima da expressão inglesa agency2 – relaciona-se às ações e modificações que as crianças promovem nos espaços sociais. A agência relaciona-se às atuações e às intervenções dos sujeitos no mundo, os quais são orientados tanto pelo passado como para o futuro. Como novas orientações causam mudanças na estrutura, pode-se considerar que agência e estrutura são conceitos que se interpenetram. Portanto, esses dois enfoque não são excludentes, pois tendem de certo modo a se acrescentar e se complementar. Entende-se dessa forma pois a estrutura é a objetivação de normas e valores construídos por indivíduos que interagem, os quais tanto reproduzem quanto transformam essa mesma estrutura a partir do desenvolvimento das relações sociais e das atuações nas instituições socializadoras (DUBET, 1994; EMIRBAYER, MISCHE, 1998; GIDDENS, 2000). Cabe, então, conhecer como é a participação das crianças e da infância nas esferas micro e macro, e como a complementam. As ações das crianças e a posição da infância estão em correlação com a e na sociedade na qual estão inseridas. Para compreender as formas de participação das crianças nos espaços e nesse tempo sociais é necessário considerar as formas como a sociedade reconhece a infância e as formas de atuação das crianças assim como dos adultos na relação e interação com elas. Parte-se do pressuposto que há uma relação de interdependência entre sujeitos e entre sujeitos e instituições, portanto, uma correlação entre estrutura e agência. O conceito de interdependência é importante na medida em que permite entender as composições que os sujeitos formam (ELIAS, 1994). No caso aqui pesquisado, a interdependência confere sentido às relações e interações ocorridas entre as crianças, entre elas e os adultos, e entre elas e as instituições socializadoras. Todas essas interações que as crianças vivenciam na infância são fundamentais para as pesquisas sociológicas e educacionais, uma vez que pouco se conhece da ótica das crianças e acerca das suas participações e desta categoria na sociedade. 1 Manuel Sarmento (2008) organizou a estruturação do campo a partir de três perspectivas teóricas: estruturalista, interpretativa e de orientação crítica. 2 Sobretudo os pesquisadores anglo-saxônicos estruturam o campo da sociologia da infância. 6 Novamente, Sgritta (1997) pondera que esse precário conhecimento decorre de a condição da infância e das crianças na sociedade serem de segunda ordem, pois as crianças ainda são consideradas menores e não cidadãs, não são titulares dos seus direitos, não têm representação direta nas instâncias sociais e são consideradas de domínio de um adulto. Assim sendo, a CDC acaba por indicar a não cidadania das crianças e a posição secundária da infância, caso contrário elas seriam incluídas no conceito de cidadania desenvolvido por Thomas Marshall3, que se funda no princípio de igualdade, direitos e deveres que derivam do pleno pertencimento a uma comunidade. De acordo com o Sgritta, a CDC não faz uma referência direta à cidadania, mas uma aproximação com base nos direitos dos “3-P”: proteção, participação e provisão. Nesse caso, a proteção se relaciona ao direito civil, a participação aos direitos políticos e a provisão aos direitos sociais. Portanto, os 3-P evocariam direitos de uma série B, e as crianças passariam para a série A somente quando se tornassem adultos, com direitos de um cidadão de fato. Sarmento e Pinto (1997, p. 19) ressaltam que, quando analisadas as pesquisas que tratam da infância e das crianças, dos 3-P aquele que menos progressos se verificou, na construção das políticas e na organização e gestão das instituições para a infância, foi é o da participação. Bem, não cabe aqui discutir quais devem ser as competências dos indivíduos para a participação na sociedade, mas considera-se que para participar da sociedade não é pré-requisito ou tampouco obrigatório ser competente ou experiente (QVORTRUP, 2011). Para citar apenas um caso, vale pensar sobre a participação das crianças no processo eleitoral, ou seja, “[…] se as crianças – dada a sua condição de não votantes – têm uma representação política adequada” (QVORTRUP, 2010b, p. 782). Certamente que não, pois elas não votam, são seus pais ou seus responsáveis que votam e a partir dos seus interesses, os quais muitas vezes não representam os da categoria infância. Mesmo que esses adultos considerassem os interesses das crianças, elas ainda seriam representadas por uma pequena parcela daqueles que têm filhos ou dos que estão de alguma forma comprometidos com a infância (Id.). É nesse sentido que se pode afirmar que as crianças são cidadãs de segunda ordem e igualmente vulneráveis na estrutura diante da deficiência de poder político, econômico, sociais e civis dirigidos a elas. O que se vê é que os meios, os recursos, as influências e o poder são distribuídos de maneira desigual entre as categorias, cujas 3 T. H. Marshall, sociólogo britânico, analisou o desenvolvimento da cidadania a partir dos direitos sociais, políticos e civis. 7 habilidades para enfrentar os desafios externos são diferentes (QVORTRUP, 2010c; SGRITTA, SAPORITI, 1989). A vulnerabilidade estrutural é própria de uma construção histórica, social e política, e de presunções a respeito da natureza da infância. A relação entre vulnerabilidade inerente e estrutural é estabelecida por atitudes culturais (LANSDOWN, 1994). E essa ideia de que a criança é vulnerável e precisa de proteção acaba por protelar o exercício da sua autonomia a participação (SOARES, 2005). A participação da infância e das crianças ainda se dá através da geração dos adultos e/ou de um adulto vinculado a elas que na maioria dos casos são seus os pais ou professores. Isso significa que os direitos estabelecidos pelos adultos para as crianças retornam para elas, mas sobretudo através da família e/ou da escola. Em geral, se lhes é dada alguma autonomia e possibilidade de participação, essa também depende da definição estabelecida pelos adultos. A participação política da infância na sociedade A produção acadêmica que trata da infância vem demonstrando que a participação das crianças na sociedade é um fato e fundamental, pois garante continuidade à tradição e às produções humanas – visto que os indivíduos são socializados. Entre elas também garante que as relações e interações diversas sejam reorganizadas, transgredidas e modificadas, pois são as crianças que interpretam os fatos sociais e atuam ao seu modo, causando alterações e renovações de ideias e práticas socioculturais. Uma das formas de possibilidades de participação da infância pode ocorrer através da política e das políticas públicas específicas para essa categoria. “A noção de política é uma resposta a questões de orientação, do caminho a seguir, e isso inclui questões ideológicas. As políticas, por sua vez, são respostas a problemas práticos e resultarão em decisões pontuais” (QVORTRUP, 2010b, p. 786 – meus grifos). Sendo assim, as políticas são importantes na medida em que auxiliam, interferem e conseguem representar de forma adequada a categoria da infância e os direitos e os interesses das crianças. Isso está posto nos documentos nacionais e internacionais que preveem a escuta da criança e sua participação na formulação de políticas e de ações que lhe dizem respeito. De todo modo, não é fácil determinar se certas leis e/ou propostas visam às crianças ou às famílias e como elas irão participar, isso depende da forma como se pensa a política e como as pessoas entendem seus direitos. 8 É certo que as crianças não reivindicarão seus direitos, pois, como já apontou Sgritta, elas são cidadãs de secundária e não podem praticar atos civis, além disso, a força e o poder da infância ainda têm pouca relevância social. Contudo, tanto a categoria da infância como as atuações das crianças são permanente e basilares na estrutura social e em um processo ainda modesto elas vem aos poucos tomando posição nos seus espaços e tempos. Conhecer as perspectivas das crianças e mapear as formas de participação da infância são demandas importantes, pois fornecem subsídios para compreender as dinâmicas, as práticas e os discursos que as reconhecem como atores sociais e a ação da infância enquanto categoria estrutural. Ademais, essa compreensão é uma possibilidade de se pensar em política e políticas que atendam a criança e a infância e seus modos de participação. Dessa forma, a investigação das formas de participação pública da infância na sociedade apresenta-se como uma importante contribuição visto que se busca compreender, avaliar e tornar evidente a posição, a atuação e a função da infância e das crianças na sociedade, ou seja, revelar os modos como elas se fazem presentes. Mapear e compreender a participação das crianças na sociedade brasileira Ainda em andamento o mapeamento e a compreensão da participação da infância e das crianças na sociedade, esta é uma pesquisa de abordagem quantitativa e qualitativa, visto que se pretende: a) examinar as produções bibliográficas, sobretudo aquelas sociológicas e educacionais, a respeito da participação e das políticas para a infância; b) realizar um levantamento e mapeamento de projetos e propostas nacionais que tenham as crianças como atuantes e participantes nos espaços sociais; c) conhecer os projetos da cidade do Rio de Janeiro, fazendo uso das técnicas de observação e entrevistas. De todo modo, o mapeamento da participação da infância na sociedade é a unidade de análise desta investigação, o qual está sendo realizado a partir da pesquisa em publicações impressas e online de materiais acadêmicos, pedagógicos; da análise de discussões em fóruns acadêmicos e políticos; e da busca em site que divulgam projetos e planos públicos de participação da infância na sociedade. Com este mapeamento será possível definir as regiões da federação que mais têm valorizado as ações das crianças e reconhecido a função e posição da infância na sociedade. Até o momento o mapeamento foi realizado em 3 fases: 1) investigação e seleção de propostas que têm como principais descritores: participação das crianças; 9 participação infantil; participação infanto-juvenil; atuação das crianças/infância/infantil; 2) apreciação dos projetos – objetivos e justificativa – a respeito da atuação das crianças e seus modos de participação; 3) categorização do principal tema indicado no projeto selecionado. Nesta primeira etapa da pesquisa foram selecionados 38 projetos em todo Brasil, sendo que 13 deles não atenderam aos critérios mencionados acima por: se tratarem de projetos para adolescentes; terem poucos ou nenhum dado sobre a forma de participação das crianças; ou serem iniciativas entre gestores públicos estaduais e municipais, organizações não-governamentais e empresas privadas para a promoção e defesa dos direitos de crianças, portanto elas eram apenas beneficiárias, mas não as executoras. Já com os principais descritores foram selecionados 25 projetos, nos quais as crianças de até 12 anos figuram como atuantes no decidir-fazer. Os projetos estão localizados em diferentes Estados do Brasil, sendo que há maior concentração deles na região sudeste – tabela 1. Vale ressaltar que a investigação ainda está em andamento, portanto poderão ser selecionadas novas propostas em todo o Brasil. TABELA 1: Número de projetos em todas as modalidades com a participação das crianças, segundo a região geográfica e as unidades da federação. Unidades da Federação Brasil Sem referência a uma unidade Total 25 01 Nordeste Maranhão Ceará Bahia 01 03 02 Sudeste Minas Gerais Rio de Janeiro São Paulo 01 04 08 Sul Paraná 03 Centro-Oeste Goiás Distrito Federal 01 01 Fonte: Pesquisa na internet no ano de 2016/2017. Considerando os objetivos e a justificativa de cada projeto, buscou-se categorizar o principal tema no qual estavam circunscritos. Os 25 projetos foram separados entre 4 grandes áreas: 1) intervenções lúdicas; 2) gestão e monitoramento de 10 políticas públicas; 3) conselhos escolares e comunitários; 4) aparelhos comunicacionais (tabela 2). TABELA 2: Categorização do projetos de acordo as áreas indicadas. Intervenções lúdicas Gestão e monitoramento de políticas públicas Conselhos escolares e comunitários 04 04 Escolar 06 Aparelhos comunicacionais Comunitário 04 07 Fonte: Pesquisa na internet no ano de 2016/2017. Os projetos que abrangem as intervenções lúdicas têm por objetivo ações que visam a participação das crianças na reorganização de espaços públicos tanto para a realização de atividades de jogos e brincadeiras como mudanças arquitetônicas, por exemplo, grafitagem, revestimentos ou reformas em muros de praças e ruas a partir dos desenhos delas ou conversas com elas. Por sua vez, na gestão e no monitoramento de políticas públicas as crianças atuam com sugestões de propostas para a cidade e no acompanhamento da implementação dos projetos que contemplem a infância. Com maior abrangência, nos conselhos escolares e comunitários as crianças participam de assembleias ou rodas de conversas, nas quais elas debatem, interagem, escutam e tomam decisões acerca de questões locais da escola ou de associações. Enfim, as crianças também estão atuando nos aparelhos comunicacionais, como, por exemplo, rádio, televisão e telefonia, promovendo desde programas que contam com a atuação delas em todo processo de produção ou acesso a canais de telefonia nos quais podem se expressar e falar das suas dúvidas, ideias e fazer solicitações. Diante dessa diversidade já é possível avaliar que uma dimensão problemática da pesquisa será compreender as atuações e as parcerias entre público-privado, pois há projetos que são desenvolvidos em estabelecimentos ou aparatos públicos e contam com apoio ou até mesmo recursos do setor privado, já outros são iniciativas nãogovernamentais. Dos 25 projetos: 9 são ações de organizações não-governamentais, 8 são propostas privadas, 7 são propostas públicas e 1 é uma parceria público-privado. Sabe-se que toda proposta exige e traz novas relações, culturas e valores (BALL, 2001). Portanto, no desenrolar desta pesquisa, está será uma questão a ser tratada com atenção. Por fim, as propostas que promovem a participação das crianças ganham destaque e relevância a partir das suas decisões e realizações. Em razão dos limites desta pesquisa, não será possível observar o funcionamento e entrevistar as crianças que participam de cada um dos 25 projetos, mas a observação e a entrevista com aquelas 11 que participam dos projetos da cidade do Rio de Janeiro permitirá revelar algumas das suas ideias e práticas acerca de como percebem e avaliam estas propostas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Ester Maria de Magalhães. Direitos da criança e do adolescente: um debate necessário. Psicologia Clínica. Rio de Janeiro, vol. 24, nº. 01, p. 45-56, 2012. BALL, Stephen. Diretrizes políticas globais e relações políticas locais em educação. Currículo sem Fronteiras, vol.1, nº. 2, p. 99-116, jul./dez., 2001. BRASIL. Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 16 jul. 1990a. ______. Decreto 99.710, de 21 de novembro de 1990. Promulga a Convenção sobre os Direitos da Criança. Diário Oficial da União. 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