O SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO E O ATENDIMENTO AO ALUNO COM DISLEXIA: ASPECTOS LEGAIS. Juliana Jeronymo Fernandes, Rosimar Bortolini Poker. UNESP/Marília. PIBIC/UNESP. [email protected]; [email protected]. Eixo Temático: Inclusão Educacional. Resumo: Desde 1990 o Brasil tem assumido a política educacional inclusiva. Toda a diversidade de alunos, independentemente de suas condições sensoriais, intelectuais, motoras, comportamentais ou mesmo alunos com dificuldades de aprendizagem, como o aluno com dislexia, foco do trabalho, passaram a ter o direito realizar o processo de escolarização salas regulares. Assim, diferentes normativas legais foram promulgadas no sentido de amparar tais alunos, oferecendo-lhes o suporte pedagógico, de forma a garantir a sua aprendizagem. Neste contexto, a pesquisa pretendeu identificar e analisar, por meio de pesquisa documental, como a legislação no âmbito federal têm tratado, especialmente, do atendimento educacional e do apoio ao aluno com dislexia. Os resultados mostraram que em âmbito federal, a legislação é clara: enfatiza que a educação é direito de todos, e aponta que os sistemas educacionais devem se adaptar às condições de aprendizagem dos alunos, considerando as suas necessidades educacionais especiais. A educação especial passou a constituir o apoio, o suporte para alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades. Entretanto, para os alunos com dislexia, foi encontrada apenas uma referência confusa. Conclui-se assim que, apesar do governo federal assumir a perspectiva educacional inclusiva, não desenvolveu, até agora, uma política pública explícita de atendimento ao aluno com dislexia. Palavras-chave: educação inclusiva; aluno com dislexia; legislação para o aluno com dislexia. Introdução O nascimento da educação inclusiva está historicamente vinculado ao direito das pessoas com deficiência terem acesso á educação na sala regular de ensino. No Brasil, desde 1990, a educação inclusiva vem sendo muito tratada, tanto no meio acadêmico, no senso comum e, também, na área legislativa, como afirma Bueno (2008): A inclusão escolar, é hoje, o tema mais cadente das politicas educacionais em todo o mundo. Isso fica evidente quando constatamos sua incidência nas grandes propostas politicas nacionais e internacionais, no discurso dos políticos de todos os matizes ideológicos, nas ações concretas dos governantes e de muitas escolas (ou de todas, mesmo que obrigadas), nas produções cientificas, acadêmicas e de cunho técnico- profissional. (BUENO, 2008, p.43) Desta maneira, é importante que tenhamos a clareza que a educação inclusiva não diz respeito apenas a alunos com algum tipo de deficiência, mas abrange toda a diversidade do alunado, ou seja, alunos com diferentes deficiências, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades, diferenças étnicas, religiosas, lingüísticas, econômicas, dentre outras. Significa a eliminação de discriminações, preconceitos e segregações existentes, como etnia, cultura, religião, condição social, o que engloba também as dificuldades de aprendizagem, como é o caso do aluno com dislexia, que nos dias atuais, tem sido reconhecida pelos profissionais da educação. A educação inclusiva constitui-se em um princípio de trabalho educativo frente aos alunos com necessidades educacionais especiais exigindo dos sistemas educacionais a garantia de que todos os alunos: (...) aprendam juntos, sempre que possível independente das dificuldades e das diferenças que apresentem. Estas escolas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas de seus estudantes, adaptando-se aos vários estilos e ritmo de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos (a)s, por meio de currículos adequados, de boa organização escolar, de estratégias pedagógicas e de utilização de recursos e cooperação com as respectivas comunidades (UNESCO, 1994). A educação inclusiva aponta para uma possibilidade de transformação do sistema educacional, isso porque o foco central da escola inclusiva é a aprendizagem do aluno garantida pela forma diferenciada do professor ensinar seus alunos que, a partir desse novo paradigma, passa a usar estratégias, recursos, adaptações que atendem às diferentes necessidades educacionais do aluno. Cabe à escola e aos professores, avaliar o nível de aprendizagem do aluno e elaborar um plano pedagógico diferenciado de forma a viabilizar sua aprendizagem escolar da melhor maneira possível. Para tanto é imprescindível que o professor tenha conhecimento do real significado a respeito da proposta educacional inclusiva. Precisa saber que refere-se ao ensino de qualidade para todos os alunos, e não exclusivamente para os alunos com deficiência. A escola inclusiva valoriza a diversidade e a subjetividade que existe no ser humano, pretende acolher na sala regular de ensino, alunos com todo o tipo de necessidade educacional especial seja ela advinda de condições econômicas, orgânicas, ambientais ou psicológicas. Segundo Aranha (2004): No âmbito da educação, a opção politica pela construção de um sistema educacional inclusivo vem coroar um movimento para assegurar a todos os cidadãos, inclusive aos com necessidades educacionais especiais, a possibilidade de aprender a administrar a convivência digna e respeitosa numa sociedade complexa e diversificada. (ARANHA, 2004, p.20) Entretanto, apesar de, desde 1990, o Brasil assumir como política pública a perspectiva educacional inclusiva, o fracasso escolar ainda se constitui em um dos grandes problemas da atualidade. Como afirma Collares (2012), O fracasso escolar, é sem duvida, um dos mais graves problemas com o qual a realidade educacional brasileira vem convivendo há muitos anos. Sabe-se que tal ocorrência se evidencia praticamente em todos os níveis de ensino do País. Todavia, incide com maior frequência nos primeiros anos da escolarização. (COLLARES, 2012, p. 24) Sobre tal problema, Vieira (2011) acrescenta, [...] percebemos as consequências do insucesso escolar através do resultado da Prova Brasil ou SAEB promovidas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC), recentemente divulgado. Nosso país obteve media 3,8 no índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) com a triste projeção de avançarmos para a média 6,0 somente em 2021. (VIEIRA, 2011, p.2) Diante desse quadro, cabe a nós profissionais da educação refletir quais são as possíveis causas desse fracasso e identificar formas para reverte-lo. Sendo assim, quanto a discussão a respeito dessas causas, Collares (2012) afirma: Dente os inúmeros fatores correlacionados com o fracasso escolar, aparecem tanto os extra-escolares como os intra-escolares. Os extraescolares dizem respeito ás más condições de vida e subsistência de grande parte da população escolar brasileira. Assim, as péssimas condições econômicas, responsáveis dentre outros fatores pela fome e desnutrição; a falta de moradias adequadas e de saneamento básico, enfim todo o conjunto de privações com o qual convivem as classes sociais menos privilegiadas surge como elemento explicativo fundamental. Dentre os fatores intra-escolares são salientados o currículo, os programas, o trabalho desenvolvido pelos professores e especialistas, e as avaliações do desempenho dos alunos (COLLARES, 2012, p. 24-25) Nesta direção, Vieira (2011) aponta: Almeja-se que a aprendizagem dos alunos possa se efetivar com qualidade, independentemente do nível sócio econômico da família, pois o que não pode acontecer é a escolar argumentar a pobreza e o despreparo dos alunos como justificativa para o não aproveitamento escolar (VIEIRA, 2011, p.2) No Brasil, pode-se dizer que as explicações para as causas e manutenção do fracasso escolar podem se basear em dois pólos. O primeiro se trata das causas que são externas ao aluno, como questões familiares, econômicas, sociais e também pedagógicas, ou seja, questões ligadas às relações e constituição familiar, pobreza, carência cultural, privação material e, também, questões relacionadas com a qualidade do ensino oferecido. Já, o segundo pólo se trata das condições internas da criança como algum tipo de deficiência, distúrbio, má formação. Aqui, trata-se de explicar as causas do fracasso por meio da constituição interna do sujeito, suas condições orgânicas, intelectuais que, é claro, também são decorrentes, muitas vezes, de elementos externos. Este fato pode ser confirmado através de Fonseca (1995), que se debruça na etiologia das dificuldades de aprendizagem que podem ser classificadas de duas formas: exógenas (de origem social) e endógenas (de origem biológica). Destaca-se aqui as causas ditas endógenas (condições biológicas, neurológicas) e, dentre elas estão as dificuldades de aprendizagem, que para Fonseca (1995), referem-se a [...] um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens, manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao individuo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central podem ocorrer durante toda a vida (FONSECA, 1995, p. 71) Além disso, verifica-se que as Dificuldades de Aprendizagem (DA), designam um grupo extremamente vasto e complexo, isto porque nele se insere uma grande parcela das dificuldades de aprendizagem. O quadro das DA é cada vez mais uma “esponja sociológica” que cresceu muito rapidamente, exatamente porque foi utilizado para absorver uma diversidade de problemas educacionais acrescidos de uma grande complexidade de acontecimentos externos a eles inerentes (Senf, 1990 adeput FONSECA, 1995, p. 72) Este fato produz um entrave, já que a DA, conforme Fonseca (1995), é composta por “uma variedade desorganizada de conceitos, critérios, teorias, modelos e hipóteses”, ou seja, ainda não se estabeleceu um consenso da real concepção, de cada especificidade que ela contém e de quais métodos pedagógicos podem e devem ser utilizados para se efetivar o processo de escolarização com esse alunado. Esta falta de consenso leva a outro problema: a dificuldade de avaliação concreta, já que ocorre uma discrepância no diagnóstico, pois ainda não se estabeleceu uma identificação psicoeducacional que fosse compatível com a dos critérios médicopsicopedagógicos. Sobre este fato, Fonseca(1995) afirma: As DA não são uma condição ou uma síndrome simples, nem decorrem de uma única etiologia, trata-se de um conjunto de condições e problemas heterogêneos e de uma diversidade de sintomas e de atributos que obviamente subentendem diversificadas e diferenciadas respostas clinico- educacionais. (FONSECA, 1995, p. 74) Ainda segundo Fonseca (1995), muitas vezes os alunos são rotulados de maneira inapropriada, já que existe uma “vulnerabilidade conceitual”. Devido a essa vulnerabilidade conceitual, muitas crianças e jovens são negligenciados ou mesmo excluídos e encontra partida, muitas outras crianças não são incluídas nos serviços de apoio disponíveis acusando, todavia, DA, apesar de não terem sido identificados como tal. (FONSECA, 1995, p. 72) Dentre as Dificuldades de Aprendizagem, há a dislexia que, Segundo Zorzi (2008), ocorre principalmente no processo formal da alfabetização, pois se refere a uma dificuldade especifica, e acima do esperado, para o aprendizado da leitura e da escrita, enquanto que outros aspectos do desenvolvimento evoluem de modo mais favorável. Um aluno disléxico é o que apresenta um distúrbio de aprendizagem, que tem como base um déficit especifico em habilidades de linguagem, em especial a leitura, apresentando, também, outros tipos de dificuldades como a linguagem com falhas na soletração e na ortografia. O individuo que apresenta dislexia exibe uma dificuldade significativa para compreender a estrutura sonora das palavras, ou seja, a identificação, dos fonemas de modo separado; assim como ocorre uma dificuldade para aprender a correspondência entre os fonemas e as letras que os representam. A dislexia é definida conforme Shaywitz (2006), como um transtorno específico da aprendizagem localizada no lado esquerdo do cérebro, no nível mais baixo do sistema linguístico, mais especificamente no módulo fonológico, onde os diferentes fatores sonoros da linguagem são processados. Estudos apontam que aproximadamente 15% da população mundial é disléxica, sendo assim, se constitui no transtorno mais frequente nas salas de aula (Martins,2010). Verifica-se então que é um problema importante, mas pouco conhecido no Brasil e, por isso mesmo, dificilmente diagnosticado por médicos, pais e professores. Mediante esse aparato teórico, podemos dizer que para que tais alunos não sejam rotulados de maneira inadequada e tenham um ensino de qualidade, é preciso segundo Demo (2007) formar professores que possuam um forte preparo de conceitos e técnicas. Ainda conforme Demo (2007) é preciso investir no professor, pois é através do conhecimento que o professor possui que o aluno pode ter garantido o seu processo de aprendizagem. Na perspectiva da escola inclusiva, a escola e seus professores devem estar preparados para acolher e dar oportunidade para todos os alunos aprenderem. Neste sentido, torna-se fundamental que os professores tenham conhecimento a respeito da dislexia e, além disso, saibam como atuar, como intervir pedagogicamente com esses alunos de forma que sejam respeitadas às suas especificidades e garantidas as melhores condições possíveis para que se efetive o seu processo de escolarização. Só assim o professor poderia assumir uma prática efetivamente baseada na perspectiva de uma escola inclusiva, ou seja, sendo capaz de identificar as condições de escolarização do aluno, de encaminhar para avaliação interdisciplinar e, principalmente, de fazer as adequações curriculares necessárias que favorecem a aprendizagem da leitura e da escrita, aspectos que normalmente o aluno com dislexia apresenta grandes dificuldades. Neste sentido, é imprescindível que o professor tenha conhecimento sobre o que significa a dislexia e quais as necessidades educacionais que o aluno disléxico apresenta. Além disso, precisa saber quais as vertentes teóricas existentes, de que forma a educação especial tem assumido o atendimento do aluno que apresenta essa dificuldade, quais os profissionais estão envolvidos na avaliação e no atendimento desse aluno. Para tanto, é fundamental conhecer se existe e qual é a legislação que subsidia o atendimento ao aluno com dislexia, de que forma as normativas legais brasileiras lidam com essa problemática que afeta substancialmente as escolas brasileiras contribuindo para aumentar os índices de fracasso escolar. Sendo assim constituem os objetivos da presente pesquisa: Identificar e analisar como a legislação e normativas vigentes no âmbito federal têm tratado o atendimento educacional ao aluno com dislexia nos sistemas de ensino e conhecer quais as orientações na esfera federal a respeito do aluno com dislexia são oferecidas aos gestores e professores das escolas denominadas “inclusivas”. Além disso, pretendeu-se favorecer a reflexão sobre esse tema e apontar indicadores de uma formação continuada para o professor alfabetizador e, consequentemente, para uma prática pedagógica adequada para alunos disléxicos tendo como base uma escola, de fato, inclusiva. Material e métodos Em um primeiro momento foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental de caráter exploratório. A pesquisa bibliográfica teve como base livros, artigos e outros meio de informação como periódicos e sites da internet que tratam da dislexia. Já, a pesquisa documental foi fundamentada em documentos, leis, portarias, e decretos encontrados em arquivos públicos da esfera federal (sites governamentais) que versam sobre a educação inclusiva e o atendimento educacional especializado garantido ao aluno com dislexia. Resultados e discussão Após a pesquisa documental pudemos perceber que o governo brasileiro enquanto membro da ONU (Organização das Nações Unidas) reconhece o valor das Declarações Internacionais que tratam de Direitos Humanos e Direito à Educação. Tem sido signatário dos principais documentos que balizam a proposta da Educação Inclusiva, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que assume todos os seres humanos tem o direito da liberdade e igualdade, em dignidade e em direitos, e ainda declara que todas as pessoas tem direito a educação. Na década de 90, o Brasil se comprometeu a incorporar os princípios presentes na Conferencia Mundial sobre Educação para TODOS, em Jomtien, na Tailândia (1990), que incorpora uma perspectiva de educação como direito fundamental de TODOS. Em seguida, assinou o documento elaborado a partir da Conferencia Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade, realizada pela UNESCO, em Salamanca, na Espanha, resultando na Declaração de Salamanca (1994) que prevê o direito de todas as crianças, inclusive as que apresentam necessidades educacionais especiais, às salas regulares junto com os pares da mesma faixa etária, em escolas comuns, garantindo-se ainda o atendimento adequado às suas necessidades educacionais especiais. Em 1999, o Brasil assina também a Convenção da Guatemala. Tal documento, foi assimilado pelo Brasil em toda a sua totalidade, implementando no Brasil através do Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, pretendendo eliminar qualquer tipo de preconceito ou discriminação contra as pessoas portadoras de deficiências, pois são possuidoras dos mesmos direitos humanos e fundamentais que qualquer ser humano. Ao assinar essas Declarações Internacionais, o Brasil, assume o compromisso de defender o modelo de educação inclusiva, implementando no país leis que garantem que o sistema de educação caminhe na direção de um modelo de escola que se fundamenta no paradigma da inclusão, como afirma Carvalho (2004): Como o Brasil é integrante de organizações internacionais e, muitas vezes signatário de documentos que contem diretrizes mundiais, procuramos cumpri-las adequando as nossas realidades. (CARVALHO, 2004, p. 71) Quanto a Constituição Federal brasileira de 1988, já apontava em direção à defesa dos Direitos Humanos e à educação inclusiva. Garante no seu Art. 205 que “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família [...]” e no Art. 206 o ensino deve ser ministrado segundo alguns princípios, sendo o primeiro dele “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Além disso, o Art. 208 inciso III, garante o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. Revela ainda que “§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo”. Porém, apesar de o documento defender os direitos aos alunos com deficiência, não se encontra no documento nenhuma referência explícita aos alunos com dislexia. Tais alunos nem são mencionados pela legislação como tendo condições diferenciadas que exigem um atendimento educacional especializado. Identifica-se aí uma incoerência: é defendido o princípio da educação como um direito de TODOS mas, não se reconhece e nem se considera todos os tipos de necessidades educacionais especiais. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) reforça esses argumentos apresentados na Constituição Federal. No Art. 53. Revela que “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; [...]”. Entretanto, mais uma vez, não é tratada, explicitamente, a questão do aluno com dislexia. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, incorpora a nomenclatura “necessidades educacionais especiais”, apontada na Declaração de Salamanca. Aparentemente, nela, se encaixa o aluno com dislexia, pois, ele também, apresenta uma necessidade educacional especial. Neste documento além de firmar a educação como um direito de todos, no Art. 4, a educação é apontada como dever do Estado, que se efetiva mediante a garantia de alguns elementos, dentre eles, o inciso III atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino. Além disso, no Art. 12 afirma que “Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I - elaborar e executar sua proposta pedagógica; V prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimento; VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola. (...).”. No Art. 13 - Os docentes incumbir-se-ão de: III - zelar pela aprendizagem dos alunos; IV - estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor rendimento; VI - colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade. Coadunando com esses ideais e partindo da mesma terminologia “necessidades educacionais especiais”, as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Resolução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determina: Os sistemas de ensino devem matricular todos os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o atendimento aos educandos com necessidades educacionais especiais, assegurando as condições necessárias para uma educação de qualidade para todos. (MEC/SEESP, 2001). Nessas Diretrizes, quando se define quem é o aluno com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), verifica-se que é possível inserir o aluno com dislexia na definição pois, segundo tal documento: I - dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III - altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes. (MEC/SEESP, 2001). O Plano Nacional de Educação - PNE, Lei nº 10.172/2001, revela que “o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a construção de uma escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade humana.” Aqui, também subentende- se que o aluno com dislexia teria direito a um atendimento adequado às suas necessidades educacionais. A Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva de 2008 tem por objetivo: assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com participação, aprendizagem e continuidade nos níveis mais elevados do ensino; transversalidade da modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. (BRASIL, 2008) Sendo assim, deixa claro que o alunado que tem direito ao Atendimento Educacional Especializado, refere-se, basicamente, ao público da educação especial. Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu públicoalvo os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. (BRASIL, 2008) Entretanto é importante observar, que neste documento há uma citação a respeito do atendimento ao aluno com dislexia pela educação especial. Isso é tratado quando o documento define quem são os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades. Ao final, aponta a existência de alunos com transtornos funcionais, conforme é possível constatar: Consideram-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentam elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse. Dentre os transtornos funcionais específicos estão: dislexia, disortografia, disgrafia, discalculia, transtorno de atenção e hiperatividade, entre outros ( BRASIL, 2008, grifo nosso). Verifica-se, entretanto que, no caso dos alunos com transtornos funcionais, como é o caso do aluno com dislexia, a educação especial não ocorre da mesma forma que ocorre com os outros grupos, nas salas multifuncionais, de forma complementar. Pelo que consta no documento, o aluno com transtornos funcionais e, em especial, o aluno com dislexia, receberia o atendimento pela educação especial de forma indireta, ou seja, o professor da classe regular trabalharia de forma articulada com o professor do Atendimento Educacional Especializado: Nestes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às necessidades educacionais especiais desses alunos. (BRASIL, 2008) Sendo assim, a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva é um importante aliado nos direitos dos disléxicos, já que afirma, mesmo que de forma indireta, que tais alunos também constituem o público-alvo da educação especial o que lhes garante a oferta do atendimento educacional especializado. Entretanto, a forma como o documento apresenta a questão dos alunos com distúrbios funcionais impede ou mesmo inviabiliza o atendimento desse alunado pela educação especial. Isso porque não fica claro como deve ser realizado tal atendimento de forma “articulada”. A resolução Nº 4, de 2 de outubro de 2009, que Institui Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, Art. 4º, não trata a respeito do aluno com dislexia. Considera públicoalvo do AEE, alunos com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e alunos com altas habilidades/superdotação. O mesmo ocorre com o decreto nº 7.611 de 17 de novembro de 2011 que institui: Art. 2 A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. (BRASIL, 2011) Como pode-se perceber os documentos que regularizam a referida Política de Educação Especial de 2008, não referem o atendimento ao aluno com dislexia. Parece que esse grupo, dos que apresentam distúrbios funcionais, foram esquecidos. Talvez isso tenha ocorrido porque, de fato, na formação do professor do Atendimento Educacional Especializado, não haja espaço para o trabalho com o aluno com distúrbios funcionais e, dentre eles, o aluno com dislexia. Nesse sentido fica até descabido cobrar que a Educação Especial preocupe-se, também, com esse alunado. Afinal, o atendimento na sala de recursos multifuncionais já é amplo demais, conforme se pode constatar: O Atendimento Educacional Especializado disponibiliza programas de enriquecimento curricular, o ensino de linguagens e códigos específicos de comunicação e sinalização, ajudas técnicas e tecnologia assistiva, dentre outros. Ao longo de todo processo de escolarização, esse atendimento deve estar articulado com a proposta pedagógica do ensino comum. (BRASIL, 2008) Diante dessas informações, surge o questionamento: De que forma e onde deveria ocorrer o atendimento educacional especializado do aluno com dislexia? Em relação a outras normativas legais a respeito do aluno com dislexia, foi identificada apenas uma lei que trata especificamente da dislexia. Trata-se da Lei nº 13.085 de 8 de janeiro de 2015, que dispõe sobre o dia Nacional de Atenção a Dislexia. Possuindo dois artigos que especificam: Art. 1 Fica instituído o Dia Nacional de Atenção à Dislexia, a ser comemorado no dia 16 de novembro de cada ano. Parágrafo único. O Dia Nacional de Atenção à Dislexia será comemorado com eventos sociais, culturais e educativos destinados a difundir informações sobre a doença, conscientizar a sociedade e mostrar a importância do diagnóstico e tratamento precoces. Art. 2 Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Conclusão Diante desses dados podemos perceber que a legislação brasileira defende o direito de todos os alunos frequentarem as salas regulares de ensino e que inclusão realmente está garantida pela legislação e que, portanto, todo e qualquer ser humano tem direito de frequentar a sala regular de ensino desfrutando dos mesmos direitos e oportunidades de acesso e permanência, independentemente da sua especificidade. Entretanto, quanto ao aluno com dislexia, não fica claro e nem explícito como serão atendidas suas necessidades educacionais especiais pelos sistemas de ensino. Sendo assim, percebe-se que os direitos do aluno com dislexia são tratados na legislação Federal em nível mais abrangente, sendo garantida pela educação inclusiva. Apesar da Politica Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (2008) chegar a identificar a questão dos alunos com transtornos funcionais, não aponta e nem explicita como deve ser oferecido tal atendimento. Em outros documentos não há menção ao alunos disléxicos, apenas aos deficientes, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Em síntese, é possível concluir que no Brasil falta normativa legal para garantir ao aluno com dislexia, avaliação, metodologia e recursos diferenciados em seu processo de escolarização. Além disso, falta tratar desse tema nos cursos de formação inicial dos professores, afinal, esses alunos precisam que o professor detenha conhecimentos específicos sobre dislexia para que possam oferecer oportunidades efetivas de aprendizagem para que tal alunado tenha o reconhecimento de suas condições diferenciadas de aprendizagem, conforme prevê a educação inclusiva. Referencias ARANHA, M. S. F. Projeto Escola Viva. 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