Trabalho - Sintese Eventos

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XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E
NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL
04 a 07 de setembro de 2012
UFPI, Teresina-PI.
GT19 - Juventudes, territorialidades e identidades
Juventude: sob a ótica de jovens internos no Centro
Educacional Patativa do Assaré - Fortaleza CE
ISIS DE ALBUQUERQUE
[email protected]
Universidade Estadual do Ceará
Juventude: sob a ótica de jovens internos no Centro Educacional
Patativa do Assaré - Fortaleza CE
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo central significar criticamente a categorias
juventude sob a ótica de jovens em cumprimento de medida socioeducativa de
privação de liberdade. Para o alcance de tal objetivo, realizou-se pesquisa
bibliográfica e empírica sobre a referida temática, tendo os jovens do Centro
Educacional Patativa do Assaré - CEPA como sujeitos da pesquisa. Tal Centro
Educacional está situado no município de Fortaleza-CE, sendo escolhido como
lócus de pesquisa pelo fato de atender jovens, em sua maioria, que já
cumpriram outras medidas socioeducativas de internação. Concluímos que
para os jovens juventude é aproveitar a vida, passear, jogar bola, etc. Mas que
os mesmos não se percebem como jovens. Para eles as responsabilidades, os
comportamentos e as mudanças de vida impostas pela criminalidade fazem
com que estes passem a se perceberem como adultos.
Palavras-chave: Juventude. Internação.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como foco de pesquisa significar criticamente a
categoria juventude sob a ótica de jovens em conflito com a lei privados de
liberdade no Centro Educacional Patativa do Assaré - CEPA. Percebendo a
relevância da juventude como categoria social fundamental à compreensão do
funcionamento, das transformações e das características das sociedades
modernas (Groppo, 2000), nos utilizamos deste entendimento para realização
deste estudo. Sabendo que a categoria juventude possui tanto representação
sociohistórica quanto adequação à outras situações sociais e diferenças
culturais, tais como gênero e raça que levam a falarmos não de uma juventude
mais na pluralidade de tal categoria, ou seja, na existência de várias
juventudes. (Rezende, 1989)
O Estado do Ceará tem o maior índice de superlotação do Brasil em
centros educacionais voltados para jovens em conflito com a lei 1.
Nesse
sentindo, notamos a importância deste estudo ao acreditarmos que
compreendendo qual a real significação de juventude para os jovens em
conflito com a lei seja possível viabilizar ações e práticas que efetivamente
percebam os mesmos como cidadãos e protagonistas de suas próprias
histórias de vida.
Buscaremos nos afastar de uma caracterização dos sujeitos deste
estudo apenas como jovens carentes ou fragilizados. Apesar de sabermos que
a pobreza é uma das categoriais presentes no cotidiano dos sujeitos em tela.
Acreditamos que a complexidade da juventude em conflito com a lei vá além
desse viés tão em voga nos estudos sobre tal temática. Consideramos que
muitas relações feitas entre pobreza/violência e juventude gerem até
involuntariamente certo reforço do estigma desses jovens. Nesse sentido vimos
emergir os pensamentos de classes pobres, classes perigosas (Novaes, 2003)
ou da condição social como determinante para que os indivíduos venham a ser
os protagonistas da violência.
Como orientação teórica o conceito de violência utilizado será
influenciado
por
Figueiredo
(2008)
ao
compreendermos
está
como
multifacetada e multideterminada considerando sua importância na formação
das mentalidades e dos padrões de sociabilidade dados aos que nascem,
crescem e se desenvolvem nesse ambiente cultural. Onde os efeitos dessa
violência alcançam todos os níveis da vida pública e privada, onde seu
enraizamento se dá em todas as instituições, até mesmo nas ditas como mais
protetoras de seus membros, como a família e a escola.
Aliado a isso se tem o consumismo desenfreado que gera a atribuição
de um valor simbólico que se transfere para aos “bens” de consumo, valor este
que deixa de ser conferido aos atributos tradicionalmente ditos como
mantedores da sociabilidade. Nesse sentido, a escola e a família perdem
espaço no processo de orientação desses jovens, o desejo de consumo passa
1
Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente da Secretaria de
Direitos Humanos da Presidência da República - SDH/PR (dados até novembro de 2010).
a guiar suas necessidades, que então postas tem sua viabilização muitas
vezes inacessível a esses jovens. É próprio também desse contexto uma
cultura que põe em evidência o imediatismo e o descompromisso consigo
mesmo, com o outro e com o devir. (Costa, 2004)
METODOLOGIA
“ todo o conhecimento e, em particular, o do mundo
social, é um ato de construção que utiliza esquemas de
pensamento e expressão, além do que, entre as
condições
de
existência
e
as
práticas
ou
as
representações, se interpõe estruturante dos agentes que,
longe de reagir mecanicamente a estímulos mecânicos,
respondem aos apelos ou às ameaças de um mundo,
para cuja produção do sentido eles próprios haviam
contribuído” (Bourdieu, 2011, p. 435).
Nos apoiando em Bourdieu (2011) consideramos que os sentidos de
mundo, e também de juventude, são gerados pelos sujeitos e as
conseqüências desses sentidos igualmente. Isso se dará não de forma
automática, mas interativamente as condições do meio ao qual os jovens estão
inseridos. Nesse sentido, o conhecimento é produzido se levarmos em
consideração os gestos e as falas, sendo estas atividades estruturantes não
universais, mas esquemas incorporados que se gestam no caminhar da história
não apenas para produzir conhecimento como também para garantir a
sobrevivência dos sujeitos.
Buscaremos conceituar este jovem em sua totalidade, sendo esta
resultado da relação intrínseca entre os fatores sociais, psicológicos e
biológicos que compõem tal sujeito. Desta forma, o notamos como resultado
dessa interação de fatores e não como produto estratificado onde
hierarquicamente alguns aspectos têm mais relevância que outros. Tendo
como referencial teórico os princípios de Groppo (2000) que compreende que
os jovens inseridos em classes sociais marginalizadas podem criar uma
identidade juvenil estruturada no reconhecimento e até na explicitação de sua
diferença.
Realizamos assim uma pesquisa não apenas observadora, mas também
interpretativa. Escolhendo, por meio da base social, entre as estruturas de
significação existentes nas falas e comportamentos dos jovens
que tinham
maior importância ao foco deste estudo. Como dito por Geertz (2008) fazendo
as indagações necessárias quanto à importância do que esta sendo transmitido
e por meio de sua agência. Com isso, buscamos apreender as estruturas
conceptuais complexas existentes que muitas vezes nos são estranhas,
inexplicáveis e irregulares. Vale salientar, que nos opomos à construção de um
conhecimento argumentativo que busque sua legitimação pelo convencimento
(racionalidade contemporânea) e nos amparamos na tentativa de produção de
um conhecimento racional. Dando credibilidade às ditas ausências, expandindo
o conceito de contemporâneo à todas as experiências vividas e práticas sociais
juvenis (Geertz, 2008).
Como principais aportes teóricos nos estruturamos nas produções de:
Boaventura (2003), Bourdieu (2011), Foucault (1987); Geertz (2008), Groppo
(2000), Misse (2000).
Optamos por realizar um estudo de caráter qualitativo que terá como
instrumentais de pesquisa de campo: observação participante e grupos focais.
Informamos que a observação participante será livre e que buscará abranger o
conjunto do lócus e da duração prevista para o trabalho de campo, se valerá do
diário de campo que torna o ato um relato, que deixa de existir apenas no
momento de sua ocorrência, quando o pesquisador o anotada. (Geertz, 2008;
Minayo, 2000)
A oportunidade de estagiar em instituições que possibilitam um contato
direto com os jovens em conflito com a lei permite uma maior observação
participante, pois permitiu que observássemos inúmeras situações, o que nos
consente configurar alguns aspectos bastante recorrentes quando aos jovens
em tela. Além do que este instrumental emprega mais autenticidade ao que
esta sendo produzido, já que mesmo outras pessoas tendo vivenciado tais
experiências o pesquisador dará a estas um sentido único e diferente dos
demais interlocutores. A desvantagem de estarmos tão densamente inseridos
no campo de pesquisa se deu por inicialmente cairmos na armadilha de realizar
respostas ocultadas em perguntas.
No tocante ao campo de pesquisa fora escolhido o Centro Educacional
Patativa do Assaré – CEPA que atende, em regime de internato, adolescente
autores de ato infracional de natureza grave sentenciados, em suas
necessidades básicas, com vistas a sua reinserção ao convívio sócio-familiar,
após o cumprimento da medida sócioeducativa a qual se encontram
submetidos. Os jovens internos no CEPA receberam sentenças de no mínimo
seis (06) meses, sendo este Centro o que abriga os jovens que praticaram atos
de maior gravidade. O CEPA fora escolhido por acreditamos encontra nesse
lócus ricas falas, tendo em vista que ele atende a jovens reincidentes que
devido a isso já possuem certo conhecimento sobre o sistema socioeducativo
do Estado do Ceará.
Como exposto no grupo focal para os sujeitos participantes da pesquisa,
os reais nomes não serão relevados. Para identificar e diferenciar as falas dos
jovens usaremos nomes de personalidades do mundo do rap, música que é
tida como referência para esses jovens. Mais precisamente utilizaremos nomes
de cantores de rap, compreendendo que tal estilo musical é uma das maiores
formas de expressão da cultura desses jovens. Então serão assim
denominados: Pedro Paulo; Eduardo; Edivaldo; Kleber; Misael; Emicida;
Crioulo; Dum-dum e Jota.
Os temas surgidos pelas observações foram discutidos no grupo focal
que teve o caráter complementar ao enfatizar os aspectos relevantes, não
tendo este número de sessões predeterminando pois tal instrumental poderia
requerer aprofundamento sucessivo. Vale salientar, que nosso grupo focal fora
estruturado em torno de um roteiro de entrevista2 semi-estruturado que serviu
de base de referência para o desenvolvimento do instrumental em tela.
2
O roteiro de entrevista segue nos Anexos, ao final deste trabalho.
Nesse sentido foram transcritas todas as falas feitas no grupo focal,
mesmo que nem todas tenham sinto utilizadas neste estudo. Além do que no
próprio decorrer da realização do grupo focal eram feitas anotações relevantes
e logo após, aproveitando que algumas percepções estavam “frescas” foi
elaborado uma espécie de relatório de impressões iniciais. Tudo isso com o
intuito de absorvermos não apenas o que fora dito, mas também o que fora
observado durante a realização do grupo focal.
É importante informar que o aparato empírico utilizado para construção
de tais instrumentos, e de muitas reflexões feitas neste estudo é fruto também
das experiências vivenciadas ao longo dos estágios e projetos de pesquisa e
de extensão. Onde pudemos realizar parecer social, visita domiciliares,
pequenos estudos de casos. Desta feita, o dia-a-dia no Centro Educacional o
contato com os instrutores educacionais, os técnicos, as famílias dos jovens e
os jovens nos proporcionaram perceber como se estão muitas das relações
existentes nesses espaços. Já na Unidade de Recepção Luis Barros
Montenegro3 pudemos perceber outras relações demarcadas pela presença
direta da policia, do poder judiciário e dos sentimentos mais exacerbados pelo
jovem ter acabado de praticar o ato infracional. De uma forma geral pudemos
perceber como as relações de poder se gestam, como os sentimentos de
medo, raiva, vergonha, tristeza e até alívio se perpassam. Já nos projetos de
pesquisa e extensão pudemos ter contato com os jovens em um ambiente
atípico as instituições educacionais. Onde compartilhamos do cotidiano de vida
deles, percebermos como se gestam suas relações sociais, notamos os
anseios e dificuldades pelos quais os mesmos passam quando estão na
liberdade.
3
Local que acolhe os adolescentes acusados da prática de atos infracionais, por até 24 horas,
encaminhados pela Delegacia da Criança e do Adolescente - DCA, ou pelo Juiz da Infância e da
Juventude e/ou pelas comarcas do interior do Estado, enquanto a medida sócioeducativa é estabelecida
judicialmente. Essa experiência também me possibilitou participar dos procedimentos de coleta de
oitivas3 pela Promotoria da 5ª Vara da Infância e da Juventude pelo Projeto Justiça Já, do Ministério da
Justiça. Esta última experiência me permitiu ouvir diversas falas de jovens e seus familiares .
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A categoria juventude é uma criação da sociedade moderna, tendo em
vista que nas sociedades antigas crianças e jovens eram considerados e
tratados como adultos em miniaturas. Os primeiros que tiveram a oportunidade
de vivenciar a juventude foram os jovens burgueses e com o passar do tempo
o direito à juventude fora se expandindo as demais classes sociais. Com o
surgimento da escola moderna é que passam a existir três estágios do ciclo de
vida: a criança, o jovem, o adulto.
A explicação disso se dá pelo fato que os adultos possuíam
informações a cerca do profano e do sagrado dos livros, como as crianças não
tinham este conhecimento elas eram obrigadas a ir à escola. O que quer dizer
que o surgimento dessas três fases não esta relacionado diretamente ao
surgimento da escola moderna, mas sim de fenômenos relacionados a ela
como: a impressão gráfica e a cultura livresca. (SCHMIDT, 2001).
“A juventude é uma concepção, representação ou criação
simbólica, fabricada pelos grupos sociais ou pelos
próprios indivíduos tidos como jovens, para significar um
série de comportamentos e atitudes a ela atribuídos. Ao
mesmo tempo, é uma situação vivida em comum por
certos indivíduos” (Groppo, 2000, p. 23).
De acordo com Bourdieu (1978) a juventude é caracterizada pela força,
virilidade, violência enquanto que a sabedoria e o poder se tornaram
atribuições dos adultos. Em outras palavras, os jovens eram tidos
irresponsáveis como mecanismo de se retirar deles qualquer pretensão de
ascensão ao poder. Há então uma repartição das características de cada faixa
etária onde os atribuídos de uma são incompatíveis com os de outra faixa
etária. Desse modo, os limites da juventude são postos pelas sociedades para
lhe limitar suas ações, atribuir funções e retirar outras. Assim mais do que
aspectos biológicos, psicológicos ou sociais a demarcação da juventude é
posta pelas necessidades de manutenção da ordem e do poder vigente.
Notamos os jovens de nossa pesquisa como sujeitos que
possuem desejos, medos, dúvidas, inquietações como qualquer jovem não
sendo a classe social ou grau de violência ao qual ele está inserido que irá
destruir tais questões. O contexto socioeconômico e cultural realiza orientação
sobre que gosto, que habitus possuir. O conceito de habitus reconstruído por
Bourdie muito nos ajuda a compreender as ações praticadas por esses jovens
tendo em vista tal conceito atuar como espécie de sistema que permite aos
sujeitos notarem a relação entre suas práticas ou representações e as posições
em seu lócus social. Assim o habitus se refere a uma condição social, por meio
dos condicionamentos sociais que o geraram. Bourdieu (2011) faz uma
importante citação sobre isso:
“... o gosto, ao funcionar como uma espécie de sentido de
orientação social (sense of one’s place), orienta os
ocupantes de determinada posição no espaço social para
posições sociais ajustadas as suas propriedades, para as
práticas ou bens que convém aos ocupantes dessa
posição,
que lhes “ficam bem”.
Ele implica
uma
antecipação prática do que, provavelmente, será o sentido
e o valor do social da prática ou do bem escolhido,
considerando sua distribuição no espaço social, assim
como o conhecimento prático que os outros agentes têm
da correspondência entre bens e grupos” ( Bourdieu,
2011, p. 435).
Cremos que as escolhas feitas pelos jovens, independente da condição
social e da vulnerabilidade a violência, são tomadas se levando em
consideração a importância que elas (as escolhas) terão para o grupo ao qual
estes jovens estão inseridos e dada a ocorrência dessa escolha por outros
membros do grupo. No entanto, não estamos responsabilizando totalmente os
jovens
por
suas
escolhas,
pois
acreditamos
ser
necessário
haver
oportunidades concretas de desenvolvimento social e humano para que esses
jovens possam decidir qual melhor caminho se deseja seguir.
Assim amparados nos ensinamentos de Boaventura (2003) em A
gramática do tempo temos como interesse não reproduzir ausências mais sim
produzir emergências. Sabemos que os jovens da periferia são, na atual
conjuntura de desigualdade social, ausências. Buscamos romper com a
invisibilidade social desses jovens e de suas experiências sociais vividas,
mostrando-os como sujeitos inseridos em alguma das totalidades existentes.
No sentido da juventude em foco ser tida como ausência e se ter como
conseqüência disso a geração, por vezes, de ações passíveis de punição pela
sociedade e pelo Estado. Percebemos se gestar uma espécie de ciclo onde a
ausência gera a necessidade de emergência, que aqui compreenderemos
como visibilidade/reconhecimento que por sua vez pode ser obtido pela pratica
de atos infracionais. Consideramos que tal reflexão se constitui de grande valia
para nosso estudo. Tendo em vista, que Boaventura (2003) avança na
explicação do fenômeno de invisibilidade social, que aqui apresentamos como
um dos fatores para que tais jovens possuam tal visão sobre a juventude,
quando relaciona cinco modos de produzir ausências: monocultura do saber e
do rigor do saber, do tempo linear, da naturalização das diferenças, da escala
dominante e a lógica produtiva.
A monocultura do saber nega todo e qualquer conhecimento que não
seja oriundo da ciência moderna e da alta cultura. Desse modo, o que não se
adéqua a produção teórica e cultural capitalista é posto como não existente.Daí
podemos perceber o porque da não valorização do rap, do grafite, do hip-hop
que são formas de expressão cultural próprias dos adolescentes em conflito
com a lei e que não são valorizadas pela sociedade. Além de tornar inexistente
a riqueza dessas experienciais sociais, esta racionalidade as marginaliza, as
criminaliza. Põem-nas como símbolos da desordem e da periculosidade.
Ocultando o que de fato elas representam: que são os saberes, os
conhecimentos, os traços culturais, os anseios, sonhos, vivências e condições
de vida que esses jovens possuem.
Vejamos agora como o preconceito alimentado pelos estereótipos
produz estigmas que, por sua vez, possuem influencia na maneira desses
jovens perceberem a sua juventude (Mello,2002).
O processo de estigmatização se gesta muito antes da apreensão
desses jovens ele se inicia, muitas vezes, antes dos mesmos terem praticado
qualquer tipo de ato infracional. O morar na periferia é um dos principais fatores
de estigmatização. Em outras palavras, o local onde estes residem reproduz
em relação a seus moradores estigmas que atribuem a eles aspectos
pejorativos de periculosidade, ameaça e marginalização. Como exemplos,
ouvimos muitos jovens relatarem que quando procuram emprego não colocam
em seus currículos o bairro onde moram, pois acreditam serem prejudicados na
hora da seleção. Segundo eles ao colocarem bairros próximos ditos como
“calmos” as chances de serem chamados para entrevistas aumentam. Essa
relação de estigmatização chega ao ponto de bairros serem chamados de
bairros do “vixe”, expressão utilizada no Ceará para significar surpresa,
espanto. Apresentamos isso para demonstrar que somente o fato do lócus
onde se mora já gerar nesses jovens uma identidade, um ser jovem
diferenciado e relacionado à ação delituosa.
Quando esses jovens são apreendidos e institucionalizados nas
Unidades Educacionais lhes é atribuída uma nova identidade, estes passam a
incorpora a categoria de “infrator” específica do sistema jurídico, cujos
qualificativos apenas são incorporados à vida dos jovens quando estes
mesmos passam a serem adjetivados como “em conflito com a lei”. Assim de
uma forma geral antes de cometer o ato infracional ou mesmo quando
praticando com tanto que não tenha sido apreendido o jovem possui uma
identidade que já lhe relaciona à criminalidade, mas somente quando o mesmo
é apreendido e, o status jurídico e social lhe intitula “infrator” é que este passa
a se perceber como em conflito com a lei. Vale lembrar, que nesse processo
primeiro lhe é posta uma identidade “para os outros” e a partir das
características que lhes são atribuídas se inicia um processo de internalização
de tais características, que se encerra pela construção de sua identidade
embasada na criminalidade. Ou seja, o estigma e o estereótipo não formam
apenas a visão que a sociedade tem, e ela mesmo constrói, sobre o jovem,
mas formam também a identidade desses jovens.
Nesse sentido, temos de levar em consideração o que Misse (2003)
denomina de “sujeição criminal”, sendo este um processo social onde as
identidades são edificadas e atribuídas para integrar adequadamente o que é
representado como “mundo do crime”. A representação social se dá quando a
trajetória de vida do jovem se torna sua identidade.
Aliado a esse processo tem-se as situações sociais onde o cotidiano, da
maioria dos jovens em conflito com a lei, é composto pelo uso de drogas e pela
violência, onde o trabalho informal se mostra como única saída a não pratica
de ações delituosas, mas este se apresenta como gritante forma de exploração
da força de trabalho onde o que se ganha não supre suas necessidades
existentes a um jovem inserido na cultura capitalista do consumo, onde a
escola se exibe como instituição quase que obsoleta, tendo como único atrativo
as práticas esportivas. Esse abandono escolar é causado pela falta de atrativos
da escola, pelo início do uso de drogas, pela sedução da vida infracional que
surge como grande saída para o recolhimento social, que a escola já não mais
lhes pode proporcionar e que é tão almejado nessa fase da vida. Assim esses
jovens
desqualificados
profissionalmente
se
tornam
inexistentes
a
racionalidade contemporânea.
Sabemos que a lógica vigente é a do Estado punitivo que por sua vez é
vestígio do Código de Menores e o sistema judicial brasileiro vigente é o
modelo inquisitório onde se confunde o transgressor com a transgressão ou se
faz de transgressor/transgressão coisa única, criando uma associação
permanente da imagem do transgressor à transgressão. (Misse, 2003)
Isso faz com que mesmo não estando cometendo atos infracionais os
jovens sejam vistos como transgressores. Isto ocorre porque o ato que eles
haviam praticado anteriormente marcou sua identidade perante a polícia e a
sociedade. Isso ficou demarcado na seguinte fala de um jovem no grupo focal:
“Olha assim pensa assim na fila: “Aquele ali é só mais
um.” É ladrão, num confia em ti se tiver num lugar assim,
pensando que você vai roubar, vai fazer alguma coisa
errado. Se acontece alguma coisa bota a culpa pra
pessoa. Se a pessoa já foi envolvido, tem pessoa que
muda de vida né? Só porque já foi envolvida ainda fica
pagando, ainda as coisas que fez” (Edivaldo).
Para compreendermos como o ato infracional contribui para que tais
jovens em conflito com a lei tenham determinada ótica sobre a juventude
consideramos de fundamental importância falarmos sobre o crime. Para tanto,
nos utilizamos de Foucault (1987) que apresenta como natural a essência
humana é a busca constante por bem-estar pessoal. O crime não é natural ele
é definido pela sociedade que para isso se baseia em seus interesses próprios.
Unindo a essa visão nosso entendimento é constituído enxergando o crime não
como sendo um acontecimento individual, mas sim coletivo (Misse, 2003). A
ação delituosa em si se trata de um enfretamento individual e o crime esta na
relação social que o transmite. Assim não reduzimos toda complexidade do
processo de delinqüência juvenil ao momento e a ação do ato infracional.
Acreditamos que a prática do ato infracional é apenas uma das peças desse
complexo quebra-cabeça que se configura a vida dos jovens em conflitos com
a lei.
Segundo Trassi (2007) a prática de um ato infracional revela que algo
grave ocorre no tecido social e no sujeito enquanto singularidade, defensor das
idéias de Helio Pellegrino (1984), acredita que existe uma ruptura social que
gera a ruptura do indivíduo com a cultura padrão, que para além de sua
dimensão subjetiva (ou seja, internalização da lei) tem sua dimensão objetiva
que é legitimada também pelo direito como ordenação norteadora da
convivência coletiva, apontando num determinado momento histórico as
exigências da convivência humana.
Fazendo uma relação com nossa atual conjuntura vemos que algumas
ações que são crime não sofrem tantas sanções, pois não prejudicam
diretamente os interesses dos detentores do poder. Assim, muitas vezes,
vemos com bons olhos os jovens que vendem cd’s piratas, produtos
contrabandeados ou mesmo que estão inseridos no trabalho lícito, mas
informal. Sabemos que é ilegal, mas que também são meios de sobrevivência,
então ao invés de combater, muitas vezes, a sociedade apoia. Enfim, o crime
apenas se torna verdadeiramente crime não quando ele fere a lei, mas quando
fere os indivíduos.
Nem sempre o que a sociedade toma como delito foi assimilado da
mesma forma para os jovens, que não internalizaram as normas da sociedade
mais ampla, de maneira plena, ou que não desejam cumpri-las. E por isso
aceitam o convite à pratica de atos infracionais quase na mesma naturalidade
com que aceitam o convite para jogar futebol. Essa idéia de banalização do ato
infracional nos foi percebia de forma surpreendente por ela ter surgiu quando
indagamos os jovens se eles já haviam sido vítimas de algum tipo de crime,
caso positivo qual a reação e o sentimento que os mesmos haviam tido no
momento do acontecido.
“Tem mais do que a gente, mas no mesmo dia a gente
pode ter mais que ele”(Emicida).
“A gente pode roubar e comprar mais”(Kleber).
Nesse sentido, ao se falar de banalização do ato infracional é necessário
apresentar os dois vieses que tal conceito possui: sob o olhar de vários
segmentos da opinião pública, das “elites” e parte dos operadores do sistema
sócioeducativo significando como parte da natureza da pessoa (no caso do
jovem), como sendo próprio da origem social, “biológica”, assim consideram
tais aspectos determinantes da conduta anti-social; o segundo viés considera a
rotinização, a “quotidianização” do ato infracional sem gerar ruptura com as
atividades diárias. Em outras palavras essa segunda concepção considera o
ato infracional como parte integrante no cotidiano de vida desses jovens, mas
não que tais sujeitos estejam o tempo todo entrando em conflito com a lei. A
seguinte fala de um jovem, no grupo focal, nos faz perceber isto:
“- Pra mim foi tranqüilo. Fiquei na paz mesmo, porque
num tirei dos outros? Que que eu vou achar? Tirou meu”(
Misael).
Para Mello (2002) esse não reconhecimento de uma alteridade no outro,
coisifica a vítima, a reduzindo a um mero possuidor de dinheiro e/ou do bem
material desejado. Isso não naturaliza o ato infracional por observarmos que o
jovem sabe que é prejudicial mais não se importar com isso. Segundo Soares
(2000) esse não reconhecimento de uma alteridade no outro é próprio da
juventude que percebe o outro apenas na identidade, no seu semelhante, no
seu
grupo
de
convivência.
Esse
desconhecimento
da
alteridade
é
conseqüência da submissão dos jovens em tela à “invisibilidade política e
cultural de sua classe social”.
Vemos
então,
que
a
juventude
é
um
momento
próprio
de
desconhecimento da alteridade, onde os jovens apenas percebem como igual
quem esta inserido em seu grupo social. Desse modo ao desconhecer sua
vítima ele a tem apenas como objeto que vai lhe proporcionar os meios para
alcançar seus objetivos. Com isso o ato infracional se torna uma forma de
inclusão social via a possibilidade de inserção no mundo do consumo ao passo
que rompe com os princípios morais da sociedade e esta passa a rechaça-lo. É
o que Paiva (1992) chama de “inclusão excludente”4.
Adotando as idéias de Groppo (2000) acreditamos que o comportamento
juvenil é um comportamento transitório que depende da sociedade e, mais
ainda, da posição que os sujeitos possuem dentro da estrutura social ao qual
estão inseridos, e não apenas dos fenômenos biopsicológicos relacionados a
essa idade. Dessa forma, são os sistemas sócioculturais e econômicos que
determinam o início, os períodos de transição e o final de cada fase da vida
humana.
É fundamental compreendermos que estes jovens não são anormais,
suas experiências de vida e relações sociais, a partir das quais formam suas
atitudes e possibilidades de ação é que não são normais. A anormalidade
dessas experiências e relações sociais para Groppo (2000) é consequência da
desilusão, desorientação e desintegração ocorridas a nível pessoal, a nível
família e a nível social respectivamente, alia-se a isso o baixo grau educacional
e/ou situações de violência vividas.
4
“ A desestruturação do mercado de trabalho (...) ao jogar massas de homens e mulheres no trabalho
precário e no desemprego e ao empurrá-los para atividades alternativas, gerou uma nova situação social
e cultural e reforçou formas de “inclusão excludente”.
Percebemos que esses jovens, por meio da criminalidade, escapam as
condutas que lhe são atribuídas, ao se libertarem dos limites incorporados. No
entanto, a oportunidade de driblar os conflitos desencadeados por essa perda
de senso dos limites só ocorre quando tais jovens conseguem impor uma nova
definição da sua pessoa socialmente realizada. (Bourdie, 2011) Para tanto, são
agregadas propriedades capazes de superar as virtudes comumente
associadas ao estatuto jovem.
Observamos que os jovens pesquisados realizaram todo esse processo
de conflitualidade para supressão dos limites que lhe são postos pela juventude
e pela sociedade. Como fora dito quando os indagamos sobre o que era ser
jovem:
“A gente pode nem falar assim não, nós tamo é preso, a
maioria da juventude já foi preso. Ai como a gente num
é... a gente pula.. é como adulto já... Passar um bocado
de tempo preso... tem nem como explicar como é!”
(Dum-dum)
“De criança a gente já passa pra adulto!” (Edivaldo)
Conforme Zaluar (1994) a percepção que os jovens possuem de si
próprios, como “perigosos” pode se converter em um forte mecanismo
psicológico na construção da identidade dos mesmos. Onde a violência seria o
meio e não o fim, ou seja, seria a forma de obter reconhecimento social frente à
invisibilidade por um sistema que não atua mais na base da repressão, mas na
incitação dos desejos, que por sua vez são geridos pelo mercado cultural.
(Oliveira, 2001)
Segundo estes jovens a maturidade se dá devido às responsabilidades
que os mesmos passam a ter para se manterem vivos no mundo da
criminalidade.
“Quando passa5 ele já tem uma responsabilidade de
adulto já, sabe? A gente sente que é responsabilidade de
adulto já entendeu?”(Pedro Paulo)
“Ora tudo! No crime num pode brincar não! É, tem que ser
sério.” (Criolo)
Assim com tamanha responsabilidade, não se percebem mais como
jovens. Tendo em vista, que os significados que eles têm da juventude “padrão”
são:
“Curtir a vida” (Jota).
“Aproveitar a vida”(Eduardo).
“Ser jovem? Rapaz é porque ser jovem assim, sei lá é
bom. Você sai pra curtir com a família como se fosse
criança, sei lá, brincar com os irmãos. Ir pra parque, jogar,
praia, queria ter passado, poder soltar raia...”(Emicida)
Cremos que para estes jovens o significado da idéia que fazem de si
próprios, o modo como definem o “nós” em relação ao “eles” é dado pelos
sistemas de classificação comuns, pelo uso, ao seu grupo de convivência e
não pelo sentido corrente do termo.(Bourdieu, 2011) Desse modo, obtivemos
as seguintes falas:
“Pecador assumido, sabe porque... porque não tem como
nós
nem ... porque nós morre. Nós não pode brincar
não, tem que vender e pagar porque se não morre! Tem
nem tempo pra preocupar por causa que............. porque
senão óia6 ” (Kleber)
CONCLUSÃO
Neste estudo buscamos apreender o significado de juventude para os
jovens internos no Centro Educacional Patativa do Assaré, situado no
município de Fortaleza, Ceará. Assim abordamos deste a gênese da categoria
juventude
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perpassando
pela
sua
delimitação
como
categoria
social
O passa esta relacionado ao período de internação. Percebemos que a medida socioeducativa de
privação de liberdade também exerce influência nessa “maturidade precoce”.
6
Nesse momento o jovem gesticulou com os dedos formando um revolver ao disparar.
fundamental à compreensão das transformações e do funcionamento das
sociedades modernas (Groppo, 2000). Posteriormente buscamos caracterizar
os jovens em tela notando a importância do habitus (Bordieu, 2011), da
invisibilidade social (Boaventura, 2003) e, dos estereótipos e estigmas como
fatores influentes na configuração do significado de juventude apresentado
pelos jovens em conflito com a lei. Por fim, apresentamos tal significado
apreendendo que o que observamos de maior relevância fora mais do que o
sentido dado por eles ao conceito de juventude e sim tais jovens não se
perceberam como jovens.
O que podemos apreender na realidade é que os sujeitos deste estudo
são ditos por grande parte da sociedade como ingovernáveis, como sujeitos de
atos sem sentido e com explosões emocionais. Porém percebemos que, o que
geralmente sua prática cotidiana oculta é que nenhum desses jovens esta em
conflito com a lei 24 horas por dia. Para além das práticas delituosas a vida
desses jovens é traçada, se dão múltiplas relações sociais para além das
relações meramente relacionadas a criminalidade. Onde existe uma linha tênue
entre o legal e o ilegal para algumas atividades cometidas por eles e
combatidas pela sociedade.
Com este estudo pudemos notar que, segundo a juventude pesquisada,
os jovens não se percebem como jovens. Para eles as responsabilidades, os
comportamentos e as mudanças de vida impostas pela criminalidade fazem
com que estes passem a se perceber como adultos. Acreditamos também que
o fato das ações infracionais provocarem certo distanciamento desses jovens
de seus seios familiares e da escola, instituições ditas como mais protetoras,
cause neles uma idéia de certa independência que é vista , por sua vez, como
característica própria da fase adulta da vida.
Percebemos que há uma visão fatalista de crime como mundo “sem
saída”, de aceitação da morte precoce ou da privação de liberdade como
partes integrantes de suas vidas. Questões estas que são postas e já estão
inseridas de uma forma tão massificada que fazem parte do senso comum
entre os jovens do estudo.
Salienta-se que o mundo do senso comum é produzido pela
incorporação das estruturas fundamentais, esquemas históricos de percepção
que são resultados das divisões objetivas em classes e que funcionam
independente da consciência e do discurso de uma sociedade. (Bourdieu,
2011)
Notamos que, muitos destes jovens, mesmo apesar de já terem
constituído suas próprias famílias, terem seus filhos e companheiras, ainda
estão muitos presos a seus laços maternais. Acreditamos que isso não se deva
apenas a um artifício mimético devido às condições em que se encontram
(privados de liberdade) onde a mãe lhes esteja mantendo “conectados” com
mundo externo, seu bairro, sua comunidade. Mas que esteja relacionado aos
resultados dessa “queima” de etapas da vida que esses jovens passaram, onde
atividades comuns tidas próprias da juventude como passear, jogar bola, soltar
pipa não são próprias à vida desses jovens. Onde para a sociedade as
atividades tidas como próprias a fase da infância para eles são relacionadas a
juventude.
Destarte compreendendo a significação de juventude que os jovens em
conflito com a lei possuem buscamos contribuir para que as ações e práticas a
eles destinadas viabilizem, efetivamente, outras formas de protagonismo social,
que não sejam vinculadas a conflitualidade com a lei. Na busca de que através
deste estudo, e outras pesquisas, possamos criar subsídios para que tais
jovens sejam percebidos como cidadãos de fato e de direito e não meros
beneficiários de políticas assistencialista e imediatistas.
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