ABNews BoLetiM uma publicação da academia Brasileira de Neurologia | ano 11 | edição 1 | Jan/Fev 2015 | iSSN 2175-1080 Canabinoides: a posição da academia. Página 4 Emérito e aspirante: duas faces enriquecedoras Manual de relacionamento com a mídia: mais um serviço para você Página 3 Retrato da Neurologia no Brasil: incentivo e educação podem reduzir discrepâncias entre as regiões Está disponível no portal o manual “O médico na imprensa: comunicação e ética”. Traz desde o melhor jeito de se portar frente a um jornalista até a melhor forma de se expressar, além de filtrar dados, simplificando-os, para auxiliar o contato com as distintas ferramentas de comunicação. Página 8 Página 7 Liga acadêmica: a experiência de Marcela Curci Vieira de Almeida Página 9 ABN tem novo delegado junto à AMB Página 11 Insônia: do diagnóstico ao tratamento A área de atuação da Medicina do Sono está vinculada a quatro especialidades médicas: Neurologia, Psiquiatria, Pneumologia e Otorrinolaringologia. Dentro da Medicina do Sono, a Neurologia e a Psiquiatria são as únicas especialidades que efetivamente tratam da insônia. Veja mais na seção Recomendações dos DCs. Página 8 2 editorial ABNews BOLETIM Diretoria Executiva da ABN Presidente Rubens José Gagliardi Secretário-geral Luiz Henrique Martins Castro Rubens José Gagliardi Presidente Inovação e conteúdo pautam o novo ABNews N em dois meses se passaram desde a posse da nova gestão da ABN e já temos boas novas para os associados. Conforme empenhamos a palavra na edição anterior do ABNews, empreendemos uma série de mudanças ousadas para tornar nosso boletim mais dinâmico, vibrante e útil a seu dia a dia. Assim, temos a satisfação de fazer chegar às suas mãos agora o novo ABNews. A publicação teve alterações profundas em todo o seu projeto gráfico, visando torná-lo mais atraente e de fácil leitura. Foram criadas seções com conteúdo relevante ao exercício da especialidade, e outras que objetivam retratar os caminhos e perspectivas da neurologia nas áreas clínica, de pesquisa, etc. Já nesta edição, trazemos reportagens sobre distintos aspectos profissionais. São textos sobre a importância de investimentos na etapa da formação, sobre rotinas e condutas práticas, bem como abordando a relação médico/paciente, e ainda enfatizando a defesa profissional como as lutas contínuas de nossa Academia por valorização dos neurologistas. Destacamos assuntos de extrema atualidade, como as indicações do uso de Canabinóides na especialidade, trazendo alguns consensos. As diversidades regionais também são destacadas, considerando formação, infraestrutura e acesso, com foco na educação continuada para equilibrar as desigualdades em nosso país. No novo ABNews, as ligas acadêmicas ganham espaço na seção “Discentes em Foco”. Temos ainda o espaço “Entrevista com o Autor”, no qual a neurologista Yara Fragoso conta de sua participação em um artigo publicado nos Arquivos de Neuro-Psiquiatria. Enfim, o conteúdo é rico e abrangente, como verá a seguir. Contamos com a sua participação, associado, para que o nosso Boletim cresça cada vez mais. Estamos de portas abertas a você. Um abraço a todos! Estamos de portas abertas a você. Participe Boletim ABNews – www.abneuro.org.br Primeiro-secretário Fernando Morgadinho Santos Coelho Tesoureira-geral Márcia Maiumi Fukujima Primeiro-tesoureiro Tarso Adoni Gerente administrativo e financeiro Aureo Dias de Oliveira Assistente administrativo pleno Simone Regina Osti Assistente administrativo pleno Lidiane Soares Lima Academia Brasileira de Neurologia Rua Vergueiro, 1.353 – 14o andar – sala 1.404 São Paulo, SP – CEP 04101-000 Telefax: (11) 5084-9463 ou 5083-3876 www.abneuro.org – [email protected] Comissão de Comunicação e Editoração Fernando Morgadinho Santos Coelho (Coordenador), Tarso Adoni (Suplente), Denis Bernardi Bichuetti (Diretor Editorial), Marcelo Cedrinho Ciciarelli Jornalista responsável Chico Damaso – MTB 17.358/SP Diagramação Giselle de Aguiar Pires Comercial Editora Omni Farma Ltda. Rua Capitão Otávio Machado, 410 – São Paulo, SP CEP 04718-000 – PABX: (11) 5181-6169 [email protected] ISSN 2175-1080 Publicação dirigida a profissional de saúde Edição Nacional com distribuição gratuita Emérito & Aspirante 3 Duas faces enriquecedoras da Neurologia O boletim ABNews também entra em um novo ciclo, com nova programação visual e mudanças em sua linha editorial, com o objetivo de dinamizar a comunicação com os associados. Nesta página, por exemplo, inauguramos a seção “Emérito & Aspirante”, que terá sempre comentários de um tema proposto sob duas ópticas. A nova seção começa com Elza Dias Tosta da Silva, ex-presidente da ABN, e Luana Karla, médica neurologista residente no Hospital São Rafael (Salvador, BA), falando de suas expectativas para o campo da Neurologia. Elza Dias Tosta da Silva, ex-presidente da ABN Vários campos da Neurologia merecem destaque quando se analisam os avanços de 2014, como é o caso da imunologia, em que novos medicamentos para esclerose múltipla foram colocados no mercado brasileiro com o objetivo não só de reduzir o número de surtos como também a progressão da doença, ainda que não a cesse por completo. Os fármacos orais também são avanço considerável em relação à qualidade de vida do paciente. O que aguardamos para 2015 é a continuação das pesquisas para o desenvolvimento de fármacos que atuem na fase degenerativa da doença, inclusive na forma primária progressiva. Também merece citar a evolução do conhecimento básico de neuromielite óptica, com a introdução do conceito de espectro de neuromielite óptica . Para 2015, outra expectativa é a definição de formas mais eficientes de tratamento a partir desses conceitos básicos. Na epidemiologia, para citar alguns dos itens mais relevantes, faz-se mister a constatação de que em 2050 deveremos ter quadruplicado o número de afetados pela demência tipo Alzheimer, se nada for conseguido no enfrentamento dos fatores de risco ambientais e no tratamento na fase precoce da doença. Modelos animais e cultura de células que evidenciam a importância da genética no desenvolvimento dessa afecção ajudam a ter uma visão mais próxima da encontrada nos estudos patológicos. Agora, em 2015, ainda estamos longe da cura dessa doença, devendo nos ater a diminuir os fatores de risco cardiovascular, já demonstrados importantes nas diversas formas de demência, sobretudo as microangiopatias, tão negligenciadas durante muito tempo como “próprias dessa faixa etária”. As demências rapidamente progressivas são para mim um campo que mereceu estudos relevantes, considerando as formas autoimunes que a cada dia são relacionadas a múltiplos anticorpos. Esse é um exemplo de pesquisa básica já aplicada à prática clínica diagnóstica e terapêutica. Para este ano almejamos a difusão desses conhecimentos no Brasil, com consequente melhora no aspecto de tratamento. Vimos doenças de origem genética iniciarem tratamento com reposição enzimática, mas o que mais entusiasma é assistir a genética sair da pesquisa básica para o campo clínico diagnóstico e terapêutico, principalmente relevante nas doenças musculares como distrofia muscular de Duchenne e amiotrofia espinhal. O leque de doenças hoje já reconhecidas como de origem genética abrange todas as manifestações neurológicas e são especialmente estudadas nas ataxias, polineuropatias e neuromiopatias. No campo clínico, aguardamos brevemente, por meio de várias modalidades de terapia gênica, a possibilidade de tratamento para duas doenças devastadoras como distrofia muscular de Duchenne e amiotrofia espinhal, já com ensaios clínicos adiantados. Luana Karla, neurologista residente no Hospital São Rafael (Salvador, BA) Século XXI, ano de 2015, novos paradigmas da Neurologia. Vivenciamos constantes avanços nessa especialidade. Se antes éramos aqueles que observávamos a evolução do paciente, hoje somos capazes de mudar a história natural de algumas afecções. Tome-se como exemplo a trombólise venosa e intra-arterial em casos agudos de acidente vascular encefálico isquêmico. E não paramos por aí. Continuamos a evolução no estudo da fisiopatologia e bases genéticas de várias doenças, com notoriedade para epilepsia. Nesse sentido, há perspectiva de que fármacos com menor potencial de interação medicamentosa e efeitos colaterais estejam disponíveis no mercado brevemente. Ademais, merece destaque a farmacogenômica, área que deve apresentar grande desenvolvimento na busca do tratamento individualizado de pacientes com epilepsia refratária. Todavia, ainda enfrentamos o desafio diário de lidar com enfermidades para as quais não há terapia curativa até o momento. Nesse sentido, tem-se enfatizado a importância do trabalho interdisciplinar com equipe de Fisioterapia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional e Psicologia, conforme ressaltado no XXVI Congresso Brasileiro de Neurologia, com palestras de excelente qualidade. Assim, esperamos técnicas inovadoras para reabilitação neurológica e consequente melhor qualidade de vida do paciente. Diante de tudo isso, construímos boas expectativas para este ano da Neurologia, sem esquecer, é claro, da minuciosa história clínica e do exame neurológico, os quais nunca se tornarão obsoletos. Boletim ABNews – www.abneuro.org.br 4 ESPECIAL CANABINOIDES e seu uso em Neurologia: a posição da ABN R ecentemente o uso do canabidiol (CBD) foi liberado para prescrição, aos médicos do Estado de São Paulo, pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), em 9 de outubro de 2014. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já liberou seu uso medicinal por importação para vários casos, exigindo-se prescrição, laudos médicos e termo de responsabilidade. Cada vez mais o uso terapêutico dos canabinoides tem sido discutido. A ABN, através de seus Departamentos Científicos, tomou sua posição de acordo com as evidências científicas sobre o uso dos canabinoides nas devidas doenças neurológicas. Os canabinoides mais exuberantes são o Δ9-tetrahidrocanabinol (THC), que possui propriedades psicoativas, e o CBD, que não tem propriedades psicoativas. Boletim ABNews – www.abneuro.org.br Existem no sistema nervoso central os endocanabinoides, sendo dois tipos mais abundantes: o 2-arachydonoyl glycerol e o n-arachidonoyl ethanolamide. Os endocanabinoides são liberados em resposta à atividade sináptica excitatória, sendo sintetizados no corpo e nos dendritos dos neurônios, em resposta ao aumento da concentração de cálcio intracelular. Inibem a liberação de neurotransmissores pela via final em terminais gabaérgicos e, em menor extensão, glutamatérgicos. Agem em vários mecanismos de plasticidade de curto e longo prazos de sinapses inibitórias e excitatórias. Várias áreas cerebrais são ricas em receptores CB1, como córtex frontal, núcleos da base, cerebelo e região límbica cerebral. Por esses mecanismos podem ter ação em várias doenças neurológicas1-3. EFEITOS COGNITIVOS O uso de cannabis na forma inalada, por indivíduos saudáveis, está associado a pior desempenho cognitivo, seja de forma aguda ou crônica. A suspensão de seu uso reverte parcialmente essa queda, sem o normalizar4. Poucos estudos avaliaram a influência na cognição do uso da cannabis na forma inalada em pacientes com doenças neurológicas. Pacientes com esclerose múltipla que utilizaram cannabis de forma inalada, seja com intuito recreativo ou terapêutico, apresentaram pior desempenho cognitivo em teste de velocidade de processamento de informação, memória operacional, funções executivas e processamento visoespacial5. O uso de CBD parece não ter relação com declínio cognitivo, porém poucos estudos avaliaram seu uso na população idosa6,7. 5 Na esclerose múltipla Na epilepsia O uso da maconha na esclerose múltipla é frequentemente discutido no tratamento sintomático e preventivo. Alguns cuidados devem ser tomados quanto à indicação do uso de canabinoides na forma oral na esclerose múltipla, pois seus efeitos adversos podem ser agravados em função de características inerentes à doença. Sintomas como comprometimento cognitivo, fadiga e alterações de humor, que podem variar de depressão a ideação suicida, devem ser avaliados antes da indicação dessas substâncias na esclerose múltipla. O naxibimol é um preparado comercial, utilizado em alguns países com indicação específica para espasticidade na esclerose múltipla. Contém THC e CDB, na proporção de 1:1, de uso exclusivamente orobucal e utilizado na dose de máxima de até 12 puffs ao dia. Não existem estudos consistentes para indicação terapêutica da maconha na forma de cigarros em qualquer dos sintomas da esclerose múltipla. Existem estudos classe I, II e III para preparados orais e naxibimols para alguns dos sintomas da esclerose múltipla. Para o tratamento da espasticidade, estudos com naxibimols demonstraram melhora nas escalas de autoavaliação em seis semanas, embora não fossem observadas melhoras nas escalas objetivas para espasticidade. Sua eficácia a longo prazo ainda não foi confirmada. O extrato de cannabis oral e o THC também se mostraram eficazes apenas nas escalas de autoavaliação no uso por até 15 semanas; porém, após um ano os resultados indicaram melhora também nas escalas objetivas de mensuração da espasticidade. Esses resultados sugerem que essa opção terapêutica pode ser considerada nos pacientes com esclerose múltipla, embora faltem estudos de segurança com uso por longos períodos8. Na dor neuropática ou central, os estudos foram realizados em períodos curtos, com eficácia variável. Os naxibimols, os preparados com THC/CBD e o extrato de cannabis apresentaram resultados conflitantes, e, embora não seja possível concluir de forma definitiva quanto a sua eficácia, os dados sugerem que essa pode ser uma opção terapêutica em pacientes que não responderam aos tratamentos convencionais9,10. No tratamento dos tremores e da disfunção vesical, o uso dos naxibimols ou de preparados orais THC, CBD ou THC/CDB mostrou-se ineficaz, não havendo neste momento indicação para seu uso no alívio desses sintomas. Concluindo, o naxibimol pode ser utilizado na espasticidade e na dor da esclerose múltipla, desde que esgotadas as demais possibilidades terapêuticas, sempre observando riscos e benefícios de sua indicação. O CBD tem reconhecido efeito antiepiléptico, porém com mecanismo de ação, segurança a longo prazo, propriedades farmacocinéticas e interações com outros fármacos ainda obscuros. As pesquisas clínicas bem conduzidas metodologicamente são limitadas, pois há restrição legal ao uso de medicamentos derivados do cannabis, embora o CBD não possua propriedades psicoativas. Orrin Devinsky, professor da New York University School of Medicine, foi autorizado pelo Food and Drug Administration (FDA) a conduzir um estudo aberto com um produto contendo 98% de CBD, de nome comercial Epidiolex, fabricado pela GW Pharmaceuticals. A dose diária foi gradualmente aumentada até o máximo de 25 mg/kg/dia, associada aos medicamentos que o paciente já utilizava. Os resultados dos primeiros 23 pacientes, cuja média de idade foi de 10 anos, demonstraram que 39% dos indivíduos tiveram redução de 50% de suas crises. Controle total das crises foi obtida em apenas 3 dos 9 pacientes com síndrome de Dravet (um tipo de epilepsia muito grave da infância) e em 1 dos 14 pacientes com outras formas de epilepsia. Os efeitos colaterais mais comuns foram sonolência, fadiga, perda ou ganho de peso, diarreia e aumento ou redução do apetite. Todos os pacientes recebiam mais de um fármaco antiepiléptico. Os resultados preliminares demonstraram redução de 50% de crises em cerca de 40% dos pacientes. Tal resultado não difere dos resultados disponíveis na literatura dos mais de 20 fármacos antiepilépticos disponíveis no mercado. As populações expostas ao CBD são compostas por pacientes com síndromes epilépticas heterogêneas, que não responderam a qualquer outro fármaco ou que tiveram graves efeitos colaterais com os medicamentos disponíveis no mercado. Nesse cenário, um composto que tenha qualquer efeito benéfico torna-se potencialmente útil. Os dados científicos até agora disponíveis permitem concluir que o CBD poderá desempenhar um papel importante no tratamento de epilepsias muito difíceis, em casos específicos ainda não definidos cientificamente. Enfatizamos que o CBD terá aplicabilidade dentro do cenário das epilepsias intratáveis, de dificílimo controle, possivelmente com excelente resposta em alguns casos, razoável resposta em outros e nenhuma resposta em alguns, como observado com o uso de outros fármacos. A segurança e a eficácia do CBD necessitam ser mais bem estabelecidas por estudos bem conduzidos, uma vez que os dados disponíveis na literatura atual não preenchem os critérios científicos exigidos para que tal composto seja utilizado como medicamento de forma indiscriminada na epilepsia. Na doença de Parkinson e em outros distúrbios do movimento A American Academy of Neurology (AAN) publicou recentemente uma revisão sistemática sobre a eficácia e a segurança do uso terapêutico da maconha e seus derivados no tratamento de doenças neurológicas11. Desse extenso trabalho da AAN podemos verificar que há poucos estudos de qualidade disponíveis na literatura para termos uma conclusão final sobre o uso terapêutico dos derivados da cannabis em pacientes com distúrbios do movimento. Há que se considerar que o risco de efeitos psicopatológicos graves pode chegar a 1%. Isso vai depender sem dúvida da proporção de THC presente no tratamento, mas de certa forma não há relato de efeitos colaterais graves. Os extratos de cannabis não melhoram as discinesias induzidas pela levodopa em pacientes com doença de Parkinson. Recentemente, estudos preliminares utilizando CBD puro no tratamento de pacientes portadores de doença de Parkinson revelaram um efeito positivo sobre os sintomas psicóticos, o sono e a qualidade de vida dos pacientes12. O CBD poderia ter efeito terapêutico nos sintomas do transtorno comportamental do sono REM. Em conclusão, apesar da ausência de evidências suficientes para indicar o uso dos derivados da cannabis em pacientes com distúrbios do movimento, há sinais de que o uso de extratos da planta e especialmente de CBD pode ajudar a minimizar sintomas não motores da doença de Parkinson, como psicose, distúrbios do sono, dor e, talvez, urgência miccional, e também promover melhora geral da qualidade de vida dos pacientes. O uso terapêutico sem indicação precisa só seria indicado em casos de distúrbios do movimento em que os tratamentos convencionais disponíveis falharam e a qualidade de vida do paciente esteja muito comprometida. É provável que o uso de CBD puro e extratos de cannabis com baixo teor de THC sejam os mais eficientes e menos propensos a causar efeitos indesejáveis13. Boletim ABNews – www.abneuro.org.br 6 ESPECIAL CANABINOIDES Na cefaleia Não existem estudos recentes para seu uso na cefaleia. Apesar de algumas afecções relacionadas à dor do segmento cefálico responderem ao uso dos canabinoides, como na dor neuropática orofacial (neuralgia do trigêmeo, síndrome da boca ardente e dor orofacial persistente), e de sua ação no sistema de dor central (sistema trigeminal e substância cinzenta periaquedutal) apresentar intensa intersecção com as vias dolorosas envolvidas nas dores de cabeça, especialmente a enxaqueca, não podemos dizer, pela falta de estudos específicos, que possa ser indicado para seu tratamento17,18. No tratamento de dor neuropática Três estudos avaliaram a eficácia da marijuana no tratamento da dor neuropática. Em um deles foi utilizada a forma spray, como analgesia adjuvante no tratamento de dor central em pacientes com esclerose múltipla. Em outro estudo foi utilizada a forma inalatória, em pacientes com dor neuropática pós-traumática ou pós-cirúrgica, com melhora da intensidade da dor14. Em outro estudo foi observada melhora da dor neuropática em pacientes com HIV15. Por se tratar de um tratamento do tipo Simples, Fácil, Barato e Racional (SFBR) em oposição a tratamentos dispendiosos, tóxicos e custosos, pode ser uma opção para casos de dor refratária, em falhas terapêuticas ou eficácia insuficiente. Para seu uso sistemático seria necessário maior volume de estudos16. CONCLUSÕES Parecem existir evidências de efeitos benéficos dos canabinoides em alterações dos sistemas nervosos central e periférico, porém estudos a longo prazo devem ser realizados (seu uso a longo prazo ainda não é conhecido), com maior número de pacientes, com eficácia medida por instrumentos objetivos. O uso do CBD é indicado na falha terapêutica dos tratamentos já consagrados ou quando estes apresentam eficácia insuficiente. O uso da cannabis de forma recreativa é contraindicada pela ABN. Participaram da elaboração deste documento: • DC de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento Sonia M. D. Brucki, Norberto Anísio Frota • DC de Dor Pedro Schestatsky • DC de Epilepsia Adélia Henriques Souza, Valentina Nicole Carvalho, Maria Luiza Giraldes Manreza • DC de Neuroimunologia Maria Fernanda Mendes, Elizabeth Comini-Frota, Cláudia Vasconcelos • DC de Distúrbios do Movimento Vitor Tumas, Henrique B. Ferraz, Egberto Barbosa • DC de Cefaleia Mauro Eduardo Jurno Boletim ABNews – www.abneuro.org.br reFerÊNciaS 1. Bennaroch EE. Synaptic effects of cannabinoids. Complexity, behavioral effects and potential clinical implications. Neurology. 2014;83:1958-67. 2. Giacoppo S, Mandolino G, Galuppo M, Bramanti P, Mazzon E. Cannabinoids: new promising agents in the treatment of neurological diseases. Molecules. 2014;19:18781-816. 3. Mechoulam R, Hanus LO, Pertwee R, Howlett AC. Early phytocannabinoid chemistry to endocannabinoids and beyond. Nat Rev Neuroscience. 2014;15:757-64. 4. Tait RJ, Mackinnon A, Christensen H. 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LIGAS ACADêMICAS DE NEUROLOGIA 7 Importância e atuação na complementação curricular por Marcela Vieira Almeida C om mais de 100 anos de prática da Neurologia, o Brasil ainda apresenta grande discrepância entre as regiões em ternos de formação, infraestrutura e acesso. Um retrato preliminar sobre a distribuição dos recursos neurológicos constatou que as áreas com maior produto interno bruto (PIB) são as que concentram mais neurologistas e equipamentos de diagnóstico de imagem. Os dados nacionais, porém, não estão distantes dos recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), conforme adianta a responsável pela pesquisa, a neurologista Marleide da Mota Gomes, professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), membro do Conselho Diretor do Instituto de Neurologia da UFRJ, e ex-coordenadora dos Departamentos Científicos de História da Neurologia e Neuroepidemiologia da ABN. São Paulo apresenta a maior população brasileira e a maior quantidade de neurologistas registrados no Conselho Federal de Medicina (CFM) e na ABN. Entretanto, diversos Estados têm boa densidade populacional de especialistas, sobretudo o Distrito Federal (taxas calculadas pela quantidade de médicos por 100 mil habitantes). “Devemos prestar atenção aos números de equipamentos para diagnóstico de imagem, tomografia computadorizada e ressonância magnética no Norte e Nordeste. Apesar de o País ter indicadores semelhantes aos de países desenvolvidos, com aumento do número de aparelhos de ressonância magnética de 115,4% com relação a 2005, essas regiões permanecem aquém da média nacional. Além disso, os hospitais particulares oferecem maior oferta de serviços neurológicos, quando comparados aos públicos”, ressalta Marleide. No que diz respeito à formação de neurologistas e neuropediatras, as áreas litorâneas, as mais populosas e as com mais recursos são onde há maior centralização, mais possibilidades de boa formação e maiores recursos. São Paulo, por exemplo, abriga algumas das melhores instituições de Medicina do Brasil. A pressão para o aprimoramento do atendimento neurológico cresce em decorrência do envelhecimento populacional, com consequente incremento de doenças crônico-degenerativas. As regiões de PIB elevado (Sul e Sudeste) proporcionam mais incentivo e insumos para o profissional de saúde fixar-se, gerando disparidade de assistência aos afastados das regiões centrais. Por isso, Marleide defende a valorização da interiorização da cobertura da Neurologia. “Residências poderiam ter um programa adaptado às diferenças regionais, preocupadas com a estabilização local dos egressos. Dessa forma, ascenderia o incentivo à implementação de residência em centros menores, com maior uso da telemedicina e do ensino à distância, além de estágios complementares em parceria com grandes centros”, sugere. Em áreas carentes de neurologistas e também geralmente nas avaliações clínicas iniciais, o atendimento é prestado por outros especialistas, como clínicos gerais. “Isso posto, o ensino da Neurologia na graduação em Medicina deve ser valorizado, pois há de se ter cuidado especial com o desenvol- vimento da competência dos médicos da atenção primária para essa abordagem, com reforço do sistema de referência e contrarreferência.” A educação continuada também é caminho para mudar o cenário de desigualdade do atendimento neurológico entre as regiões e Estados brasileiros. “Ela deve estar prontamente disponível aos médicos, principalmente nos locais mais afastados. É fundamental que o neurologista inclua essa tarefa de ensino entre suas responsabilidades, que para eles próprios já está acessível, em especial pela ABN”, acrescenta a professora, que sustenta a importância de parcerias com o governo para o desenvolvimento contínuo da especialidade. “Juntos, podem analisar a prevalência de moléstias neurológicas em cada região e, a partir disso, elaborar um currículo acadêmico voltado para as necessidades locais. Políticos e profissionais de saúde devem unir forças para lidar com o aumento das doenças crônicas, assim como proporcionar melhor qualidade de vida e de atendimento médico, diante do envelhecimento populacional observado no Brasil”. O levantamento da professora Marleide foi realizado a partir dos dados disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pelo CFM, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela OMS, pela Pesquisa de Assistência Médico-Sanitária (AMS) do IBGE, e pela ABN. “O intuito foi criar uma representação básica da situação atual da Neurologia brasileira, lidando com aspectos epidemiológicos e de saúde pública. Observamos que não nos faltam recursos, segundo indicadores internacionais, mas, sim, a devida distribuição necessária para garantir o atendimento adequado a todos.” Boletim ABNews – www.abneuro.org.br 8 reComendaÇÕes dos dCs Insônia: do diagnóstico ao tratamento O III Consenso Brasileiro de Insônia (www. sbsono.com.br/pdf/consenso_insonia_ abs.pdf ) Foi lançado no Congresso de Sono no final de 2013. A insônia tem prevalência elevada, sendo um transtorno que acontece em 20% a 38% da população, dependendo do país. Acredita-se que no Brasil mais de 30% da população tenha esse problema. O Consenso tem como finalidade alertar a classe médica em geral. A área de atuação da Medicina do Sono está vinculada a quatro especialidades médicas: Neurologia, Psiquiatria, Pneumologia e Otorrinolaringologia. Dentro da Medicina do Sono, a Neurologia e a Psiquiatria são as únicas especialidades que efetivamente tratam da insônia. No entanto, os pacientes buscam ginecologistas, cardiologistas, geriatras ou clínicos gerais. O objetivo é expor os novos conceitos de insônia como transtorno e doença, pois não é mais considerada como um sintoma dentro de um contexto. Atualmente, após pesquisas realizadas, tem-se bem determinado o indivíduo que sofre da insônia pura e não apresenta outros fatores. Portanto, esse conceito precisa chegar à classe que mais recebe os pacientes. Foram abordados principalmente o diagnóstico, as propostas de tratamento não farmacológico e as medicações que temos no Brasil para esse fim. Além disso, trata da nova classificação da insônia, e não só da classificação dos distúrbios de sono. As classificações se completam e falam a mesma língua, tendo agora se unificado. A classificação pelo especialista de sono tinha uma conotação completamente diferente da conotação do psiquiatra, fato que nos ajudará a realizar o diagnóstico do paciente e assisti-lo adequadamente. Os temas foram estudados a partir da literatura tanto internacional como nacional, contando com a opinião de especialistas para montar o Consenso. Após cada pergunta existe a referência utilizada para produzir aquela classificação ou tabela. No total, foram 41 perguntas, divididas em temas como Conceito, Classificação, Fisiopatologia, Diagnóstico, Diagnóstico Diferenciado, Tratamento Farmacológico e Não Farmacológico, e um capítulo dedicado à infância. Espaço do Leitor: participe do boletim ABNews A partir desta edição, o ABNews traz diversas novidades. Uma delas envolve diretamente quem o lê: você. Haverá uma seção permanente para sua participação, denominada “Espaço do Leitor”. Você poderá expressar suas opiniões sobre os temas abordados e apresentar críticas, sugestões de pautas e ideias para o aperfeiçoamento do ABNews. Vale atentar para o fato de o boletim já estar de nova cara, mais dinâmico e mais próximo do leitor. Sua participação, portanto, é essencial para o sucesso dessa nova seção e para o processo de qualificação contínua da publicação. Queremos que se sinta parte da equipe de redação. Para participar, mande seu e-mail para o endereço eletrônico [email protected]. Será uma honra tê-lo conosco! Boletim ABNews – www.abneuro.org.br O Consenso foi coordenado por mim e por Luciano Ribeiro, neurologista especialista em Medicina do Sono e Neurofisiologia Clínica pela AMB, Doutor em Neurociência pela UNIFESP com a participação de cerca de 30 especialistas na área de Medicina do Sono de todo o Brasil. Inicialmente foram elaboradas perguntas e levantados dados de publicações nacionais e internacionais, sendo realizado um encontro em São Paulo com os coordenadores de cada etapa. Valeu o esforço, pois chegamos a um resultado importante em termos de assistência à saúde. Andréa Bacelar, vice-presidente da Associação Brasileira do Sono, doutoranda em Neurologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), membro titular da ABN e especialista em Neurofisiologia Clínica pela Associação Médica Brasileira (AMB) Manual sobre a relação médico-imprensa: mais um serviço para você A ABN anuncia que já está disponível no portal www. abneuro.org.br o manual “O médico na imprensa: comunicação e ética”. A publicação descreve, detalhadamente, a postura mais adequada ao profissional de Medicina diante uma demanda de imprensa, seja entrevista, pronunciamento, declaração ou qualquer tipo de aparição pública. O texto abrange informação confiável e simplificada. Sua importância aumenta quando lembramos que, hoje, a internet é porta escancarada de consulta, não sendo, entretanto, tantas as fontes fidedignas. O manual traz desde o melhor jeito de se portar até a melhor forma de se expressar, além de filtrar dados, simplificando-os, para auxiliar o contato dos médicos com as distintas ferramentas de comunicação. disCentes em foCo 9 Liga de Neurologia e Neurocirurgia: a experiência de Marcela Vieira de Almeida À esquerda, estudantes de Medicina durante palestra no Congresso Acadêmico de Neurociências. Acima, a estudante Marcela Curci ao lado de Rubens José Gagliardi, presidente da ABN e presidente de honra do CAN. "E studo, assistência à população e pesquisa. Esses são os pilares nos quais todas as ligas universitárias devem se basear para a realização de suas atividades práticas e teóricas, visando a apoiar a educação dos estudantes de Medicina.” É assim que pensa Marcela Curci Vieira de Almeida. Sua opinião tem como base uma experiência bem ativa na Liga de Neurologia e Neurocirurgia (LNNc) da Faculdade de Medicina de Taubaté (FMT), atual Universidade de Taubaté (UNITAU). Por estar no quinto ano do curso de Medicina, hoje Marcela não integra mais a LNNc, já que é destinada a alunos do primeiro ao quarto anos. Contudo, acompanha as ações de perto, pois plantou sementes importantes em sua participação durante dois anos e quer vê-las frutificar. Um dos marcos de sua passagem na LNNc foi a criação do Congresso Acadêmico de Neurociências. Marcela destaca que a LNNc permite ao aluno contato e conhecimento aprofundados da Neurologia e da Neurocirurgia: “É relevante, pois é um aprendizado não contemplado pela grade curricular”. Na entrevista a seguir, ela detalha um pouco mais sua vivência na LNNc. Como é a rotina da Liga? Em 1997, quando a Liga foi fundada, patrocinava discussões administrativas, aulas teóricas e práticas sobre temas na área de Neurologia e Neurocirurgia, debates de casos clínicos e apresentação de seminários, sempre sob a supervisão de docentes. Hoje em dia, a rotina da LNNc consiste no exercício do tripé no qual toda liga deve se basear: estudo, assistência à população e pesquisa. Qual a importância da LNNc na formação neurológica do aluno? Há temas básicos na Neurologia que devem fazer parte da formação de todo médico, para que saiba orientar a conduta mais adequada para um caso da área, independentemente da especialização que escolha seguir. Sendo assim, participar da Liga é um modo de obter esse tipo de conhecimento. Uma liga como a de vocês enfrenta muitas dificuldades? Creio que é a necessidade de maior desenvolvimento na área da pesquisa, visto que não há muitos neurologistas e neurocirurgiões em Taubaté voltados para a área acadêmica. Além disso, as residências de Neurologia e Neurocirurgia estão fechadas no momento. Que tipo de atividades costumam desenvolver? Acompanhamento semanal do ambulatório de Neurologia, aulas teóricas mensais, curso de iniciação científica anual, monitoria de Neuroanatomia, workshop de Semiologia Neurológica, Congresso Acadêmico de Neurociências (CAN), Mutirão do AVC (campanha de prevenção ao acidente vascular cerebral), Mutirão das Ligas (ação que informa a população e esclarece suas dúvidas sobre determinado tema), além de questões administrativas. Há uma boa interação entre Liga e residência médica/corpo clínico? No momento não temos contato com resi- dentes, mas acompanhamos o ambulatório com os professores bem como algumas cirurgias. Fale um pouco sobre o CAN. O CAN objetiva difundir o conhecimento em Neurociências através de palestras, debates e apresentação de trabalhos e de casos clínicos. Além disso, tem como principal meta promover laços de amizade e companheirismo entre alunos e profissionais das diversas faculdades participantes. O CAN foi realizado em 2 de agosto de 2014, em anfiteatros da Santa Casa de São Paulo. É resultado de uma ampliação do I e II Encontro Interinstitucional de Ligas de Neurologia e Neurocirurgia (ELA), criado pela LNNc. Na data do II ELA, as ligas da Faculdade de Medicina de Taubaté (FMT) e da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP), juntamente com as ligas da Universidade de São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade Estadual Paulista (UNESP), decidiram aprimorar a proposta dos Encontros Interinstitucionais, fundando o primeiro Congresso. Como uma primeira edição, os resultados foram muito positivos, pois divulgou estudos e pesquisas recentemente desenvolvidos nas áreas de Neurologia, Neurocirurgia e Neurociências, desenvolveu habilidades de exibição oral dos estudantes por meio da apresentação de trabalhos científicos, bem como alcançou a adesão de docentes e de alunos de áreas objetivas e proveitosas ao tema proposto pelo evento, como Medicina, Psicologia, Biomedicina, Biociências e Fisioterapia. Boletim ABNews – www.abneuro.org.br 10 Entrevista com o autor Com a palavra, Yara Fragoso A partir desta edição do ABNews, apresentaremos sempre uma entrevista com um dos autores de artigo de destaque da revista Arquivos de Neuro-Psiquiatria, publicação oficial da ABN. A seleção do artigo é realizada pelos editores do periódico e a entrevista é conduzida pelo corpo editorial do ABNews. A série começa com Yara Fragoso, professora titular da Disciplina de Neurologia da Universidade Metropolitana de Santos, que relata em trabalho colaborativo a experiência de vários grupos de neurologistas brasileiros na aplicação da primeira dose de fingolimode em pacientes com esclerose múltipla. O artigo discute os protocolos utilizados e, principalmente, os critérios de segurança de seu uso, descrevendo 6,7% de pacientes com necessidade de observação estendida além de 6 horas e 1,7% de pacientes que necessitaram de atenção intensiva, números semelhantes aos da literatura mundial. Convidamos você a ler o estudo na íntegra, publicado na edição de setembro de 2014 dos Arquivos de Neuro-Psiquiatria (disponível em: www.scielo.br/anp). Qual o principal significado de seu trabalho? Só para esclarecer, o trabalho não é meu, mas de um grupo de neurologistas brasileiros interessados em estudar e divulgar suas experiências. Meu papel foi apenas o de coletar os dados e escrever o artigo. O estudo lida com a vida real dos pacientes de nossa prática clínica no Brasil. É óbvio que temos de nos basear nas evidências dos estudos clínicos para orientar nossas condutas; porém, a observação do exercício diário da Medicina, a troca de experiências e os dados obtidos na população do País também devem ser estimulados. Como este trabalho pode impactar e/ou influenciar a atividade clínica do neurologista? Fingolimode é um fármaco novo, eficaz, de fácil manejo e boa tolerabilidade no tratamento da esclerose múltipla. É atraente ter uma opção de tratamento via oral comprovadamente eficaz para nossos pacientes. No entanto, o neurologista necessita estar alerta para a primeira dose dessa medicação, quando graves eventos adversos podem ocorrer. São raros, porém existem, e é na primeira dose que eles aparecem. Isso muda a prática médica de fazer uma prescrição de comprimidos ou cápsulas para que o paciente utilize em casa; com fingolimode, isso não deve acontecer. Não se pode banalizar uma medicação dessa natureza por se tratar de “uma simples cápsula”. Pode apontar a maior dificuldade na realização deste estudo? Trabalhos com dados retrospectivos de prontuários médicos são tipicamente difíceis de organizar. A falta de sistematização dos prontuários costuma ser o maior empecilho para um estudo bem feito. No entanto, neste caso em particular, como todos estavam muito atentos a essa primeira dose, os dados foram cuidadosamente coletados em prontuário. Uma vez que o grupo de neurologistas interessado em apresentar suas experiências Boletim ABNews – www.abneuro.org.br com fingolimode se reuniu, o trabalho tomou forma e foi conduzido sem maiores dificuldades. Qual o papel da Neurologia brasileira na divulgação e no aprimoramento de pesquisas nesse tema? Desde a publicação de nosso estudo fui convidada a revisar mais três trabalhos de outros países com exatamente o mesmo tema: a vida real na primeira dose de fingolimode. Creio que o fato de sermos pioneiros nessa pesquisa nos colocou em destaque; antes de nossa publicação, apenas um estudo italiano semelhante, mas com resultados diferentes dos nossos no Brasil, foi publicado. Assim como o nosso, esse trabalho italiano também foi de 2014, demonstrando a atualidade do tema que somente agora começa a gerar publicações. Deixe uma mensagem para o colega que tem interesse em desenvolver pesquisas e/ ou trabalhos nessa mesma área. A mensagem só pode ser de entusiasmo e apoio. Temos um inédito trabalho sobre cefaleia nova e persistente como evento adverso do fingolimode, aceito para publicação na revista Headache. Há outro trabalho nosso em andamento sobre a experiência brasileira na troca do natalizumabe por fingolimode, já em fase de coleta de dados. E estamos organizando mais um com a experiência de fingolimode em relação aos parâmetros da esclerose múltipla (surtos, imagens, etc.). As possibilidades são muitas e os neurologistas brasileiros deveriam publicar suas experiências. Tem alguma consideração especial a mais sobre o trabalho e o tema? São muitos medicamentos novos chegando na Neurologia. Não podemos viver apenas nos informando da experiência e recomendações de outros países. Temos de gerar nossa própria experiência para fazer nossas próprias recomendações em protocolos de tratamento. Neste trabalho sobre a primeira dose de fingolimode, a recomendação é: Trabalhe junto com o cardiologista na primeira dose. Afinal, é melhor que critiquem seu excesso de cautela que a falta dela. Em defesa do neurologista 11 Academia tem novo delegado junto à AMB M auro Pedro Cunha, 71 anos, foi eleito recentemente para o cargo de Delegado da ABN junto ao Conselho de Especialidades da AMB. Formado em 1967 pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio de Janeiro, com residência médica pelo Instituto de Neurologia Deolindo Couto, título de especialista da ABN, seu grande orgulho, também é membro titular emérito da ABN e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica. “Sinto-me honrado com esse papel e espero desempenhar da melhor forma possível. Todos esses movimentos já planejados pelo nosso presidente, Rubens Gagliardi, iniciados em diretorias anteriores, com ações em prol do aumento no número de associados e valorização dos neurologistas fazem parte de um sonho. Quanto mais colegas se afiliarem à ABN, mais forte seremos”, argumenta Cunha. Em entrevista especial ao ABNews, Cunha fala de temas que merecem bastante atenção da especialidade, como os processos judiciais, assim como as relações governamentais e dos planos de saúde com os médicos e suas expectativas. O que diz do início de ser trabalho como delegado da ABN frente à AMB? A AMB pediu a todas federadas e sociedades de especialidade que fizessem um levantamento, especialmente seus departamentos científicos, até o último dia do primeiro trimestre de 2015, com críticas, sugestões e quaisquer comentários em relação à Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM). É evidente que a neurologia, além de sua alta capacidade de anamnese e diagnóstico, tornou-se extremamente efetiva na terapêutica. Qual é o valor justo a se cobrar neste caso? Não há uma resposta única. Neste sentido, o que existe de mais organizado no país é a CBHPM. Por isso, é tão importante transmitir esse recado da AMB aos colegas. Portanto, escrevam para a Academia, a Diretoria Executiva mapeará essas informações para que eu as leve à AMB. Quais são os pontos principais para o crescimento da especialidade no país? Estamos na luta pela melhoria da residência médica e da educação médica continuada, fatores essenciais para elevar o padrão neurológico do Brasil. São pontos que chamam muito a atenção de nossa Academia. O neurologista é muito processado? Pela minha experiência aqui em Maringá, não vivenciamos muitos processos. Não vejo como uma área alvo de advogados. Entretanto, isso não significa que esteja imune à possibilidade de uma “americanização” da medicina brasileira. Acredi- to que, com o tempo, isso comece a acontecer. Aqui, a maioria dos médicos processados atua em hospitais públicos. São problemas importantes as condições de atendimento, falta de material ou número excessivo de pacientes. Claro, este não é um privilégio de uma área especifica, é um cenário geral da medicina. Em quais situações o neurologista necessita de uma assessoria jurídica? É relevante a intervenção de uma assessoria quando ele é acusado de negligência (omissão de socorro), imperícia (falta de qualificação em realizar o procedimento) e imprudência (quando o resultado é ruim). Claro que, de um modo geral, a assessoria jurídica é sempre bem vinda. Vou citar um caso pessoal. Emiti um atestado de óbito a um paciente, portador de epilepsia, que faleceu no banheiro de sua casa. Há muitos anos eu não o via, porém a família era minha amiga. Quis ser amistoso ao emitir o atestado. Hoje, eu já não faria isso. Houve uma investigação entre os familiares e uma seguradora, uma vez que uma alta quantia estava envolvida no seguro. Foi um imbróglio violento; a juíza queria ver o meu prontuário médico, e eu não sabia até que ponto era obrigado a mostrar em juízo. No atestado, afirmei que a causa mortis foi morte súbita em decorrência da epilepsia. Não cometi omissão, imprudência ou imperícia, apenas fui ingênuo. Dei o atestado sem ver o paciente morto. Hoje, isso categoriza o encaminhamento ao IML; eu deveria pedir o exame médico legal para afastar envenenamento, suicídio, enfim, uma série de possíveis situações. Não podemos cometer esse tipo de erro. Acho que devíamos passar por revisões dos processos de atuação e cursos de direito médico para ficar mais atento a episódios do gênero. A ABN tem uma importante preocupação frente a essa questão. É preciso atenção do neurologista chamado para comprovar morte encefálica, por exemplo. Somos cheios de pontos vulneráveis e, no futuro, fatalmente aumentará casos de médico como réu. Qual a expectativa em relação à Lei 13.003/2014? Ela será benéfica aos neurologistas e à classe médica em geral? Não sou muito otimista por que fomos muito dependentes das operadoras, individualmente, e estamos assim em relação às ações governamentais que, pelo menos nos últimos tempos, não é favorável aos médicos. Pelo contrário, vejo as associações, no caso a ABN, a AMB e o CFM como os nossos baluartes, as entidades que nos defenderão. É este o caminho da luta por melhores condições. Na prática, quais os principais entraves na relação médico e operadora de saúde? Difícil responder por que a relação é unilateral, nunca vi como bilateral e benéfica. Eles almejam uma carteira de clientes, seja cooperativa, seja plano de saúde, e prometem de tudo. Nós, médicos, a meu ver, que sou um pouco cético, não temos poder. De fato, nesta primeira reunião que compareci, da AMB, falamos sobre avanços, inclusive no caso da Lei 13.003, no entanto, muito aquém do ideal. Tentaremos aperfeiçoar, melhorar essa relação. Como essa relação pode ser melhorada e como ela prejudica o paciente atualmente? Quando cheguei aqui no interior do Paraná, atendíamos particular e alguns pacientes como cortesia, aqueles sem condições de pagar, no entanto, tratando com muito amor e sem cobrar nada. A Santa Casa de Maringá, onde trabalhei por décadas, não havia preocupação com ganho. Hoje, como a maioria das pessoas possui plano de saúde, o rendimento reduziu drasticamente; o médico passou a compensar essa defasagem com mais atendimentos. Não mantém o que ganhávamos no passado, porém proporciona uma remuneração digna. O que representa isso? Em vez de atender 10 pacientes por dia, eu atendo de 25 a 30. O resultado é uma equação matemática óbvia: a consulta se tornou mais curta, apressada, dificultando uma solução adequada. Eu tenho a grande vantagem dos meus 47 anos de formação médica, então a experiência ao meu lado para ver, em um tempo menor, todos aqueles fatores importantes. Dez minutos é tempo suficiente para um paciente ser examinado, diagnosticado e medicado? A meu ver, não. Boletim ABNews – www.abneuro.org.br 12 Lei 13.003/2014 H Saúde suplementar em risco á muito tempo os conflitos na saúde suplementar prejudicam o atendimento aos cidadãos e a prática segura da Medicina. Foi esse um dos motivos que fizeram a promulgação da Lei 13.003/2014 ser recebida com expectativa positiva por usuários de planos de saúde, médicos, hospitais, laboratórios e demais profissionais de saúde. O otimismo era plenamente justificado, pois um dos objetivos da nova lei seria harmonizar as relações entre prestadores de serviço e empresas. Inclusive estabelecendo normas para a substituição de profissionais e instituições descredenciadas por outras de nível semelhante, para não lesar o paciente/consumidor. Sabe-se que as operadoras de saúde cobram mensalidades altíssimas, anualmente reajustadas em índices acima da inflação. Lamentavelmente, ainda colocam inúmeros obstáculos àqueles que necessitam de assistência e remuneram muito mal os profissionais de saúde, com sub-reajustes ao longo das últimas décadas, o que criou grande desequilíbrio econômico no setor. O maior prejudicado é o paciente, que, para fugir das dificuldades do Sistema Único de Saúde (SUS), optou por pagar um plano e quando necessita utilizá-lo se defronta com esse cenário de enormes dificuldades de acesso a médicos, hospitais, exames e serviços de emergência. Hoje é comum pacientes precisando de consultas com especialistas, cirurgias ou exames de maior complexidade aguardando um tempo inadmissível para agendamento, considerando-se que são pessoas doentes. A origem desses problemas sempre esteve na ausência de um instrumento eficaz para regular a relação entre profissionais de saúde e operadoras, pondo fim a tais conflitos e trazendo harmonia ao setor. Há alguns anos, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deu-se conta do problema, e desde 2004 vinha tentando solucioná-lo por meio da Resolução Normativa 71 e da Instrução Normativa 49, que exigem apenas critério para reajuste nos contratos. A despeito de tais medidas, as empresas continuaram impondo contratos usando como regra de reajuste frações de indicadores econômicos (20% do IPCA, 30% do INPC, etc.), o que não repõe a elevação dos custos dos consultórios. A ANS tentou então outro caminho: estabelecer prazos mínimos para agendamento de consultas e cirurgias, entre outras ações, com a justificativa de que isso deveria obrigar as partes a se entender. Na prática, o resultado também foi nulo, ou seja, todas as tentativas da ANS para resolver a questão mostraram-se inócuas. A população continua comprando planos de saúde e, quando há necessidade, enfrenta inúmeros empecilhos. Para completar esse quadro desfavorável a usuários e prestadores de serviço está a atuação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que deveria agir em proteção aos cidadãos, mas sistematicamente tem acusado associações, cooperativas, sindicatos e conselhos profissionais de prática de cartel quando estes, em nome de seus representados, buscam equilíbrio nas negociações hoje marcadas pela desigualdade. Isso é evidente, pois, de um lado, há uma empresa com enorme poder econômico, e, de outro, o médico, que, isolado, se fragiliza no processo. O Legislativo, sensível ao problema, criou a Lei 13.003, que entre outros pontos obriga a existência de um contrato formal entre empresas e profissionais. Principalmente outorga para a ANS o poder de intervir na relação entre essas partes, arbitrando índice de reajuste anual aos honorários profissionais. Ficou clara a intenção do legislador: “Caberá à ANS a partir de agora intervir para evitar o desequilíbrio econômico do sistema, buscando desta forma garantir a harmonia no setor que propiciará ao usuário receber o serviço pelo qual está pagando”. No entanto, a regulamentação da lei por parte da ANS, por meio das Resoluções Normativas Remetente: Academia Brasileira de Neurologia Rua Vergueiro, 1.353 – sala 1.404 – Torre Norte Vila Mariana – CEP 04101-000 – São Paulo, SP Telefax: (11) 5084-9463 ou 5083-3876 – www.abneuro.org – [email protected] 363, 364 e 365, frustrou as expectativas de profissionais de saúde e usuários do sistema, já que foi moldada somente atendendo ao interesse dos planos de saúde. Ao vedar “forma de reajuste que mantenha ou reduza o valor nominal do serviço contratado”, a normativa permite que as empresas continuem reajustando os honorários com frações de indicadores econômicos. Não acatando a negociação coletiva por intermédio das entidades representativas dos profissionais de saúde, possibilita a manutenção da desigualdade de forças no processo de negociação. Ao decidir que o índice definido pela ANS somente será utilizado em situações muito especificas, como a previsão contratual de livre negociação, significa ignorar que a maioria dos contratos hoje em vigência aplica reajustes abaixo da inflação. Infelizmente a ANS optou por um caminho de só intervir excepcionalmente nessa relação conflituosa entre operadoras e prestadores de serviço, o que significa que os problemas irão persistir, com sérios prejuízos para os usuários, que continuam e continuarão enfrentando enormes dificuldades quando necessitarem utilizar o sistema. Florisval Meinão, João Ladislau Rosa e Eder Gatti Fernandes, presidentes, respectivamente, da Associação Paulista de Medicina, do Conselho Regional de Medicina e do Sindicato dos Médicos de São Paulo Uso exclusivo do Correio Ausente Endereço insuficiente Data da reintegração Falecido Não existe o nº indicado Rubrica do carteiro RecusadoDesconhecido Mudou-se Outro (especificar) _________ FECHAMENTO AUTORIZADO PODE SER ABERTO PELA ECT