2016/05/26 A sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o problema mundial da droga – UNGASS 19-21 abril 2016 – e (falta) de uma grande estratégia de consenso global entre o “Ocidente” e a “Eurásia-Pacífico” Breve reflexão Joaquim Margalho Carrilho1 Esta sessão Assembleia especial Geral da ONU de – UNGASS 19-21 abril 2016, sobre o problema mundial de droga, fora preparada por um quadro de diplomatas eleitos no âmbito da ONU – Comissão de Drogas Narcóticas, a partir de 2012-2014. Presidida pelo diplomata egípcio Embaixador Khaled Shamas, em representação do grupo africano, tinha como vogais o Embaixador Karoly Dan da Hungria, representando o grupo da Europa de Leste, o Embaixador de Portugal Luís Pedro Moitinho de Almeida, representando o grupo de Europa Ocidental e outros, o Embaixador do Irão Reza Najafi, representando o grupo da Ásia-Pacífico, numa primeira fase, e ainda, numa segunda fase, o Embaixador do Afeganistão Ayrob Erfani e os Embaixadores da Colômbia Jaime Alberto Cabal Sanclemente (a que se seguiu o Embaixador de El Salvador Carmen Maria Gallardo Hernandez), como representantes do grupo da América Latina e Caraíbas. Esta sessão especial de Assembleia Geral da ONU sobre o problema mundial de droga UNGASS 19-21 abril de 2016 resultou das resoluções 67/193 de 20 DEZ 2012; 69/200 de 18 DEZ 2014 e 70/181 de 17 DEZ 2015. A sessão organizou-se com o plenário a decorrer interativa e simultaneamente com mesas redondas, tendo sido convidados a intervir ONG’s e membros de Sociedade Civil mundial, para além dos óbvios representantes dos Estados membros da ONU. 1 Capitão-de-mar-e-guerra (MN) na Reserva. Pós-graduado em Ciência Política e Relações Internacionais – Segurança e Defesa no Instituto de Estudos Políticos – Universidade Católica Portuguesa. Fellow of the Academy of Political Science – Columbia University – N.Y. - U.S.A. Página 1 de 4 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt Centrados na redução da oferta e redução da procura tradicionais, e na melhoria da sua interação permanente, as mesas redondas subdividiram-se em cinco grupos de temas: Drogas e crime – redução da oferta na ação contra o crime organizado e drogas, lavagem de dinheiro e cooperação judicial internacional; Drogas e saúde – redução de procura, na qual se prevê, além de prevenção e tratamento, a garantia do controlo das substâncias para fins médicos e de investigação, prevenindo o seu desvio para o mercado ilícito; Drogas e Direitos Humanos – jovens, mulheres, crianças e comunidades. Direito Internacional Público – responsabilidade comum e partilhada na implementação das três convenções da ONU para resolução do problema de droga mundial. Desenvolvimento alternativo nas políticas de controlo de drogas e aspetos socioeconómicos, cooperação regional, inter-regional e internacional. No exterior da ONU, surgiram os tradicionais grupos de pressão para a liberalização das drogas, nomeadamente através de políticos reformados, desde o antigo secretário-geral da ONU Kofi Annan, até ao ex-Presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso, passando pelo milionário húngaro-americano George Soros, entre outras figuras públicas mundiais, todos invocando que a “guerra às drogas” havia fracassado. No caso da posição dos ex-políticos, afigura-se curioso o facto de, enquanto exerceram cargos políticos, nunca terem defendido estas posições de liberalização total das drogas, tendo-se “convertido” só recentemente e já aposentados. No caso de George Soros, o envolvimento no tema parece resultar da sua pretensão de criar um mercado legal de “cannabis”, paralelo ao das folhas de tabaco, e concorrente das tabaqueiras. Importa referir que o léxico “guerra às drogas” foi criado num determinado contexto histórico, pelo Presidente dos EUA Richard Nixon, após ser derrotado no Vietname, atento o facto de o inimigo “Vietkong” ter difundido intensamente heroína junto das Forças Armadas dos EUA, para as derrotar. Tratou-se, pois, de um “slogan” político. Em rigor, não existiu nunca “Guerra às Drogas”, como nunca existirá “guerra ao terrorismo” (outro “slogan” político), pois o confronto sempre foi (e será) assimétrico entre o crime organizado, guerrilha ou terrorismo contra os Polícias e Forças Armadas (Segurança Nacional) dos Estados. Distante, pois, do modelo clássico de Carl Von Clausewitz. Na verdade, no nosso entendimento, na redução da oferta de drogas Página 2 de 4 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt global, como problema, só serão úteis, por contraposição ao paradigma Clausewitziano (inútil), paradigmas em Relações Internacionais como o das “New Wars” de Mary Kaldor (“London School of Economics and Political Scíence”), Herfried Munkler e outros autores, ou ainda paradigmas em Estratégia de retorno aos mestres clássicos orientais (de T’ai Kung a Sun Tzu ou de Mao Tze-Tung a Vo Nguyen Giap) e, no ocidente, do infelizmente esquecido B.H Liddell Hart. Aliás, no quadro desta diferença de correntes de pensamento, é curiosamente visível, nos últimos trinta anos, ao nível global, o aprofundamento de uma rutura entre as políticas públicas do “Ocidente”, (União Europeia e Américas, com o grande debate a decorrer, neste momento, no Brasil), claramente no sentido liberalizador progressivo das drogas e, em sentido inverso, as políticas públicas da Eurásia – Pacífico, cada vez mais proibicionistas. Com efeito, nesta reunião UNGASS-2016, essa clivagem acentuou-se ainda mais, com a região de Estados circundantes do Mekong a reafirmarem o proibicionismo nas políticas de drogas, já consensual na Organização de Cooperação de Shangai (Federação da Rússia, R.P. China, etc.) ou na ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático. De referir que, no “Ocidente”, sob a perspetiva de Relações Internacionais e Economia Política Global, a liberalização de drogas vem de dois grupos tradicionalmente opostos, mas que neste tema, por razões diferentes, são aliados. Por um lado, os liberais económicos, defendendo, na linha de Milton Friedman, a entrada normal das drogas na economia de mercado, e parecendo esquecer a semelhança com a indústria farmacêutica legal, fortemente condicionada por restrições éticas e de fármaco-vigilância, que sempre separaram o mercado farmacêutico do mercado de grande consumo. Por outro, os neo-marxistas, que igualmente defendem a liberalização das drogas, incluindo-as ideologicamente naquilo que chamam “questões fraturantes” como o casamento homossexual, adoção de crianças por casais homossexuais, etc. Neste caso, parecendo esquecer que, nos temas ditos fraturantes, estamos a lidar com comportamentos humanos, sociologia e filosofia moral, enquanto na discussão em torno das drogas existem factos de exatidão, reducionistas, testáveis, do órgão cérebro humano, neuro-química e síntese química farmacêutica (usando o racionalismo crítico de filosofia das ciências de Karl Popper) que só podem excluir das tais “questões fraturantes” a liberalização das drogas. Na Eurásia – Pacífico, o proibicionismo progressivo resulta claramente da aplicação da linha da escola Realista de Relações Internacionais na escolha nacional Página 3 de 4 JDRI • Jornal de Defesa e Relações Internacionais • www.jornaldefesa.pt egocêntrica dos Estados em termos de Segurança e Defesa, independentemente de os regimes serem autocratas ou democracias representativas. Pois bem, no Ocidente, julgo que valerá a pena que, “no ruído de Atenas”, os “pensadores estratégicos de Esparta” analisem permanentemente a informação que nos chega ao nível de políticas públicas de drogas da Eurásia - Pacífico e da escola Realista oriental, baseada nas suas Universidades e “think thanks”, para efeitos comparativos com as propostas das escolas liberais e neo-marxistas ocidentais. Isto para dar resposta à questão de saber como irão as mencionadas políticas públicas liberalizadoras em geral lidar com problemas do quotidiano como a (in)segurança rodoviária e ocupacional, e outros danos surgidos no quadro das políticas progressivamente implementadas. Infelizmente, a crise de 2008 não permitiu ao autor destas linhas a concretização de dois projetos de reflexão mais profunda a propósito do tema exposto. O primeiro tratava-se da publicação, em livro, pela Comissão Cultural de Marinha, de textos reflexivos, publicados em revistas militares, sobre redução da oferta e redução de procura de drogas, entre 1988-2004. O segundo tratava-se de um vídeo sobre a redução da oferta no YouTube, em 3 partes, realizado pela Universidade Lusófona, ao qual faltou financiamento para a legendagem em inglês e mandarim, conforme fora planeado, para difusão global através do YouTube. Perante isto, resta-nos a tranquilidade do teólogo e fundador da escola de Relações Internacionais dos EUA Reinhold Niebuhr: “…que me seja concedida a Serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar, Coragem para mudar as que posso e Sabedoria para as saber destrinçar”. Página 4 de 4