Universidade Federal de Minas Gerais Instituto de Ciências Biológicas Departamento de Parasitologia Tese de doutorado Caracterização de atividades salivares e intestinais relacionadas ao processo alimentar de Triatoma infestans Klug, 1834 (Hemiptera: Reduviidae) sobre hospedeiros invertebrados e vertebrados Ceres Luciana Alves Orientador: Marcos Horácio Pereira Co-orientadores: Nelder de Figueiredo Gontijo Ricardo Nascimento Araujo Belo Horizonte, MG 2011 Ceres Luciana Alves Caracterização de atividades salivares e intestinais relacionadas ao processo alimentar de Triatoma infestans Klug, 1834 (Hemiptera: Reduviidae) sobre hospedeiros invertebrados e vertebrados Tese de doutorado apresentada ao programa de Pósgraduação em Parasitologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Parasitologia. Área de Concentração Entomologia Orientador: Marcos Horácio Pereira Co-orientadores: Nelder de Figueiredo Gontijo Ricardo Nascimento Araujo Belo Horizonte, MG 2011 Alves, Ceres Luciana Caracterização de atividades salivares e intestinais relacionadas ao processo alimentar de Triatoma infestans Klug, 1834 (Hemipetera : Reduviidae) sobre hospedeiros invertebrados e vertebrados. [manuscrito] / Ceres Luciana Alves. - 2011 108f. : il. ; 29,5 cm. Orientador: Marcos Horácio Pereira. Co-orientadores: Nelder de Figueiredo Gontijo, Ricardo Nascimento Araujo. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Instituto de Ciências Biológicas. 1. Hemolinfagia. 2.Triatoma infestans. 3. Triatominae 4. Hematofagia. 5. Saliva - Teses. 6. Inseto - Intestino médio - Teses. I. Pereira, Marcos Horácio. II. Gontijo, Nelder de Figueiredo III. Araújo, Ricardo Nascimento. IV. Universidade Federal de Minas Gerais. Instituto de Cências Biológicas. III. Título. CDU: 595.75 Aos meus pais e irmãos pelo amor, incentivo, apoio e compreensão Agradecimentos Agradeço à Deus por estar sempre presente na minha vida, e tornar tudo possível. À minha família, que me apoiou, durante todas as etapas da minha vida, minha mãe Zoraide, meu pai Benedito, meu irmão Hertz, minha irmã Geisa e a Daniele minha Cunhada. Muito obrigada por todo amor, carinho e compreensão. Obrigada também por sonhar junto comigo, e por sempre me apoiar. Sem vocês tantos outros sonhos não seriam possíveis, muito obrigada!!! Ao meu orientador, o Professor Dr. Marcos Horácio Pereira muito obrigada pela oportunidade de fazer parte da equipe do Laboratório de Fisiologia de Insetos Hematófagos (LFIH), pela orientação e acompanhamento desde a iniciação científica, pelo aprendizado constante ao longo desses anos, enfim, obrigada mesmo por tudo... Ao meu co-orientador, o Professor Dr. Nelder de Figueiredo Gontijo também pela orientação e acompanhamento desde a iniciação científica, pelas valiosas discussões e disposição para ajudar sempre. Ao meu co-orientador, o Professor Dr. Ricardo Nascimento Araújo muitíssimo obrigada pela constante orientação, paciência, confiança, disposição para me ajudar nos experimentos e por toda a dedicação ao longo dos últimos anos... Ao César Nonato, técnico do LFIH, muito obrigada pela amizade, ajuda cotidiana, profissionalismo e excelente convivência ao longo de todos esses anos. À Dra. Vânia Cristina dos Santos, pós-doutoranda do LFIH e MINHA AMIGA, que me indicou para fazer parte da equipe do LFIH e tornou possível que eu chegasse até aqui. Muito obrigada pela constante e incondicional ajuda, amizade e ouvidoria, além da excelente convivência cotidiana. À Dra. Adriana Coelho Soares, pós-doutoranda do LFIH, obrigada pela amizade, ajuda cotidiana, paciência e excelente convivência. À Rafaela M. M. Paim, doutoranda do LFIH, muito obrigada por todas as consultorias, pela paciência, amizade, excelente convivência e ajuda cotidiana. Ao Vladimir Fazito do Vale, doutorando do LFIH, obrigada pela amizade, ajuda cotidiana, excelente convivência. Aos "outros", também amigos do LFIH que representam a "nova geração": Alexandre, Luciana, Antônio, Kléber, Cássio, Kolyvan, Dimitri, Rafaello e Gabriel, obrigada pela ajuda, por serem pessoas tão especiais, que propiciam um ambiente de trabalho agradabilíssimo. Aos "ex" integrantes do LFIH: Luciane, Isabella, Adriana, Daniela, Jéssica, Luiza, Raquel, Annalice, Andreza, Natasha, Fernanda, Camila, Bruno, Iancor, André, Lucas agradeço pelo divertido convívio cotidiano, e desejo que o sucesso continue acompanhando vocês. Aos remanescente da Família Mexicana” (Turma de Mestrado 2005 – Departamento de Parasitologia do ICB/UFMG) e os Agregados, obrigada pelo privilégio de desfrutar da companhia de vocês, por ordem alfabética gostaria de agradecer em especial Ana Flávia pela amizade, constante disponibilidade e carinho. Camila pela amizade e excelente convívio. Kelly Key pela amizade, carinho e atenção. Priscila pela amizade, constante atenção e disponibilidade para minhas dúvidas nos assuntos de bioinformática. Renata Cristina pela amizade, paciência, carinho, disponibilidade e conspiração. Sílvia pela amizade, paciência, ajuda cotidiana e ouvidoria. Sydnei, amizade, constante ajuda e disponibilidade, além do cuidado e do excelente atendimento aos meus cachorros de estimação. Aos amigos de Departamento de Parasitologia, pela convivência e carinho, em especial Luciana, Lara, Helen, Tiago, Iara, Carol, Pedro, Tati, Rodrigo, Júlia, Letícia, Andrey, Laila, Juliana, Anderson, Breno, Iuri. Aos colegas do Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da Doença de Chagas do IRR/FIOCRUZ. À Dr. Silvia Ermelinda Barbosa, do Laboratório de Triatomíneos e Epidemiologia da Doença de Chagas do IRR/FIOCRUZ, pelo carinho, atenção e pelas importantes críticas e excelentes sugestões feitas ao trabalho durante o exame de qualificação desta tese. À Professora Dra. Élida Mara Rabelo, do Laboratório de Parasitologia Molecular, por sempre disponibilizar a infra-estrutura do seu laboratório, pelo excelente convívio e por suas importantes críticas e excelentes sugestões feitas ao trabalho durante o exame de qualificação desta tese. Ao Professor Dr. Alan Lane de Melo, muito obrigada pelo carinho, atenção e importantes ensinamentos que contribuíram para a minha formação, profissional e pessoal. Aos Professores Dr. Pedro Marcos Linardi e Dr. José Ramiro Botelho, do Laboratório de Ectoparasitos, pelo carinho, atenção e excelente convívio cotidiano. À secretária do curso de Pós-graduação em Parasitologia, nossa querida Sumara Aparecida G. Ferreira, pela constante ajuda, atenção e carinho incondicional. Ao Laboratório de Imunologia e Genômica de Parasitos (Departamento de Parasitologia do ICB - UFMG) em nome da Professora Dra. Daniella Castanheira Bartholomeu e do Professor Dr. Ricardo Toshio Fujiwara, pela disponibilidade e gentileza no uso de equipamentos À Dr. Aparecida S. Tanaka e ao Dr. Agenor Vasconcelos pela colaboração durante a realização das análises por espectrometria de massa. “Sonhe com aquilo que você quiser. Seja o que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só se tem uma chance de fazer aquilo que se quer.” Clarice Lispector Este Trabalho foi realizado no Laboratório de Fisiologia de Insetos Hematófagos (LFIH), do Departamento de Parasitologia - ICB - UFMG, e contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (concessão de Bolsa de Doutorado), e com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). RESUMO Nesse trabalho foi demonstrada a importância de algumas atividades presentes na glândula salivar e no intestino médio anterior do triatomíneo T. infestans, durante o processo de alimentação. A saliva dos triatomíneos além de contribuir para obtenção de sangue durante o processo de hematofagia, também auxilia o processo de hemolinfagia. Na saliva de T. infestans foi caracterizada uma atividade paralisante sobre invertebrados, que favoreceria a obtenção de hemolinfa como fonte de alimentação (hemolinfagia), pois foi observado que os insetos alvos da hemolinfagia, permanecem parcialmente imóveis durante esse processo alimentar. A molécula responsável pela atividade paralisante presente na saliva de T. infestans é termorresistente, possui baixo peso molecular, e aparentemente não possui natureza proteica nem lipídica. Além disso, foi demonstrado pela primeira vez que a saliva de T. infestans atua sobre o sistema imune de invertebrado, sendo capaz de inibir a ativação da profenoloxidase (proPO) de invertebrados. No presente trabalho, também foi parcialmente caracterizada a molécula responsável pela atividade hemaglutinante, sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados, presente no intestino médio anterior de T. infestans. A molécula é termoresistente, sua natureza provavelmente é proteica, e ela possivelmente é constituída por subunidades menores que apresentam variações no perfil eletroforético, dependendo do tratamento ao qual a molécula foi submetida (tratada ou não termicamente). A cinética da atividade hemaglutinante de ninfas de terceiro estádio em jejum, demostrou que a atividade foi inicialmente baixa ou ausente, aumentando entre 5 e 7 dias após a muda, mantendo-se elevada até 25 dias de observação. A atividade hemaglutinante provavelmente não é devida a ação de lectinas. As análises por espectrometria de massa sugerem que a molécula hemaglutinante seja uma ferritina, e o encontro de uma sequência de ferritina-like provavelmente secretada no intestino médio anterior reforça essa hipótese. ABSTRACT This work demonstrated the importance of activities present in the salivary gland and anterior midgut of the triatomine T. infestans during the feeding process. The insect's saliva contributed to the blood feeding and also aided in the process of hemolymphagy. A paralyzing activity was identified in the saliva of T. infestans and the effect on invertebrates was characterized. This activity facilitates the obtention of hemolymph, once the target insects remained partially immobile during this process (hemolymphagy). The molecule responsible for paralysis is thermo-stable, has a low molecular weight, and apparently has no protein or lipid nature. Furthermore, the saliva of T. infestans acts on the immune system of invertebrates, being able to inhibit the activation of invertebrate proPO cascade. The present work also partially characterized the molecule responsible for the hemagglutination activity present in the anterior midgut of T. infestans. The molecule is thermo-stable, have probably proteic characteristics and consists of smaller subunits that have variations in the electrophoretic profile depending on the treatment in which the molecule was submitted (thermally treated or not). The insect age after molt influenced significantly the hemagglutinant activity, in third instar nymphs of T. infestans, the activity is low or absent until approximately 5 days after moult, and increases and remains at higher levels from 5 days after moult. The hemagglutinant activity is not promoted by lectins and the analysis by mass spectrometry suggests that the hemagglutinin is a ferritin. The identification of a ferritin-like sequence expressed in the anterior midgut reinforces this hypothesis. LISTA DE FIGURAS Página Figrua 1 Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 11 Figura 12 Figura 13 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 17 Glândulas salivares das tribos Triatomini e Rhodniini Esquema do tubo digestivo dos triatomíneos Esquema representativo do sitema imune de insetos, ilustrando o processo de ativação da cascata da profenoloxidase. Esquema representando a sequência de procedimentos experimentais realizados Esquema da região dorsal dos segmentos abdominal de triatomíneos Metodologia utilizada para avaliar a frequência e a amplitude das contrações do vaso dorsal Detalhe do vaso dorsal de R. prolixus Hemolinfagia de ninfas de segundo estádio de T. infestans em um espécime adulto de R. prolixus Aspecto do abodômen e do conteúdo do intestino médio anterior de ninfas de segundo estádio de T. infestans após hemolinfagia (A e C) ou cleptohematofagia (B e D) em ninfas de quinto estádio de R. prolixus Perfil eletroforético (SDS-PAGE 12,5%) do conteúdo intestinal de ninfas de segundo estádio de T. infestans após hemolinfagia e cleptohematofagia em ninfas de R. prolixus Hemolinfagia de ninfas de primeiro estádio de T. infestans em ninfas de quinto estádio de R. prolixus Efeito da saliva de T. infestans sobre a cascata da profenoloxidase (proPO) da hemolinfa de ninfas de quarto estádio de R. prolixus Avaliação das contrações do vaso dorsal durante a hemolinfagia de ninfas de segundo estádio de T. infestans em adultos de R. prolixus In situ avaliação da frequência e da amplitude relativa das contrações do vaso dorsal depois da adição da saliva bruta de T. infestans e lavagem (retirada) da amostra adicionando solução salina à preparação Cromatograma da saliva semipurificada de T. infestans utilizando coluna C8 fase reversa Fórmulas estruturais das moléculas orgânicas com similaridade ao composto presente na fração purificada da saliva de T. infestans Representação dos perfis e dos valores relativos de absorvância obtidos nos ensaios de hemaglutinação em espectrofotômetro 04 06 20 19 26 27 28 32 33 33 34 36 38 39 40 41 54 Figura 18 Figura 19 Figura 20 Figura 21 Figura 22 Figura 23 Figura 24 Figura 25 Figura 26 Figura 27 Figura 28 Figura 29 Figura 30 Figura 31 Figura 32 Efeito da adição do extrato de intestino médio anterior de T. infestans em suspensão de hemácias de camnundongo Atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de terceiro estádio de T. infestans em diferentes dias após a muda Perfil eletroforético (PAGE 12,5% (A) e PAGE 6% (B)) do extrato intestinal de ninfas de quinto estádio de T. infestans Eletroforese (SDS-PAGE 7,5%) corresponde a porção não filtrada (>100 kDa) do extrato de intestino tratado termicamente de ninfas de quinto estádio de T. infestans Eletroforese corresponde a porção não filtrada (>100 kDa) do extrato de intestino tratado termicamente de ninfas de quinto estádio de T. infestans antes e após a eletroeluição Western blot utilizando soro de camundongos Balb/C imunizados contra proteína de 16,5 kDa. Eletroforese mostrando as bandas de interesse para identificação por espectrometria de massa do perfil protéico das amostras do extrato de intestino de ninfas de quinto estádio de T. infestans tratados termicamente Gel de agarose 1,5% mostrando a expressão da ferritina na glândula salivar e no intestino médio anterior de ninfas de T. infestans Gel de agarose 1,5% mostrando a expressão da ferritina apenas no intestino médio anterior de ninfas de T. infestans Alinhamento das sequências de ferritina de T. infestans com outras sequências de ferritinas de diferentes insetos hematófagos Dendograma construído após o alinhamento das sequências de ferritinas encontradas em alguns insetos hematófagos selecionados Atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de terceiro estádio de T. infestans em diferentes dias após a administração de 10 µg de dsRNA Cinética de expressão relativa de RNAm da ferritina em ninfas de terceiro estádio de T. infestans, em diferentes dias após a muda Cromatograma do extrato intestinal de ninfas de quinto estádio de T. infestans tratado termicamente utilizando coluna de troca iônica Relação entre a absorvância das amostras no comprimento de onda 280 nm e o título de hemaglutinação das frações obtidas após cromatografia em coluna de troca iônica 67 68 72 73 74 74 75 76 77 78 79 81 82 83 84 Figura 33 Figura 34 Figura 35 Perfil eletroforético das frações resultantes da HPLC troca iônica (A) (SDS-PAGE 15%), (B) SDS-PAGE 6% Cromatograma do extrato intestinal de ninfas de quinto estádio de T. infestans tratado termicamente utilizando coluna de filtração molecular Relação entre a absorvância das amostras no comprimento de onda 280 nm e o título de hemaglutinação das frações obtidas após cromatografia em coluna de troca iônica 85 86 86 LISTA DE TABELAS Efeito da injeção da saliva bruta ou semipurificada de T. infestans em ninfas de segundo estádio de R. prolixus Tabela 2 Paralisia de ninfas de segundo estádio de R. prolixus induzida pela injeção das frações da saliva semipurificada de T. infestans após cromatografia em coluna C8 de fase reversa Tabela 3 Oligos utilizados nas reações de PCR Tabela 4 Atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de T. infestans sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados Tabela 5 Efeito de diferentes tratamentos sobre a atividade hemaglutinante presente no extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans Tabela 6 Efeito da temperatura sobre atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans Tabela 7 Efeito do pH sobre a atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anteriror de ninfas de quinto estádio de T. infestans Tabela 8 Efeito da ultrafiltração do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans sobre a atividade hemaglutinante Tabela 9 Resultados obtidos na espectrômetria de massas das proteínas de interesse das amostras de extrato de intestino tratado termicamente de ninfas de T. infestans Tabela 10 Grupos de insetos injetados e avaliação da atividade hemaglutinante em diferentes dias após a administração do dsRNA Tabela 11 Quantificação de proteínas totais e títulos de hemaglutinação das frações resultantes da cromatografia em coluna de troca iônica Tabela 12 Quantificação de proteínas totais e títulos de hemaglutinação das frações resultantes da cromatografia em coluna de filtração molecular Tabela 1 Página 37 41 62 66 69 70 70 71 76 80 84 87 SUMÁRIO 1.3 1.4 1.5 Página Introdução 01 Biologia, ingestão de sangue e capacidade vetorial dos triatomíneos 01 A glândula salivar e a ação de biomoléculas salivares durante o 02 processo de hematofagia dos triatomíneos A influência do ambiente intestinal durante o repasto sanguíneo 05 Hemolinfagia e cleptohematofagia nos triatomíneos 09 Sequências gênicas e proteoma de triatomíneos 14 2 Justificativa 17 3 3.1 3.2 Objetivos Objetivo Geral Objetivos específicos 18 18 18 1 1.1 1.2 Material e Métodos (Parte 1 – Hemolinfagia) Delineamento Experimental Manutenção dos insetos 4.1 Obtenção da saliva 4.2 Semipurificação da saliva 4.3 Hemolinfagia e cleptohematofagia em condições de laboratório 4.4 Influência da hemolinfagia na taxa de sobrevivência das ninfas de T. 4.5 infestans Estimativa do volume de hemolinfa 4.6 Avaliação do efeito da saliva de T. infestans sobre a ativação da 4.7 cascata da profenoloxidase Avaliação do efeito da saliva de T. infestans sobre a atividade da 4.8 fenoloxidase Caracterização da atividade paralisante 4.9 4.9.1 Efeito da injeção de saliva de T. infestans sobre a motilidade de ninfas de R. prolixus 4.9.2 Ensaio "in vivo" do efeito da saliva sobre o vaso dorsal de R. prolixus 4.9.3 Ensaio "in situ" do efeito da saliva sobre o vaso dorsal de R. prolixus 4.10. Caracterização da natureza da molécula salivar com atividade paralisante 4.10.1 Tratamento com proteinase K 4.10.2 Extração de lipídeos Cromatografia líquida de alta performance (HPLC) 4.11 Eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) 4.12 Análise estatística 4.13 4 19 19 20 21 21 22 22 23 23 24 24 24 25 27 28 28 29 29 30 30 31 31 5.4 5.5 5.6 5.7 Resultados (Parte 1 – Hemolinfagia) Caracterização da hemolinfagia e cleptohematofagia de ninfas de T. infestans Influência da hemolinfagia na taxa de sobrevivência de ninfas de T. infestans Efeito da saliva de T. infestans sobre a ativação do sistema da profenoloxidase (proPO) Caracterização da atividade paralisante da saliva de T. infestans Caracterização da molécula paralisante da saliva de T. infestans Identificação da molécula paralisante da saliva de T. infestans Espectrometria de massa dos compostos ativos 6 Discussão (Parte 1 – Hemolinfagia) 42 7 Conclusões (Parte 1 – Hemolinfagia) 51 8 8.1 8.2 8.3 8.4 8.5 8.5.1 8.5.2 8.5.3 8.5.4 8.5.5 8.5.6 8.5.7 8.6 8.7 8.8 8.9 8.10 8.11 8.12 8.12.1 8.12.2 8.12.3 8.13 8.13.1 8.13.2 Material e Métodos (Parte 2 – Atividade hemaglutinante) Obtenção do intestino médio anterior e preparação dos extratos Preparação da suspensão de hemácias Ensaio de hemaglutinação em lâmina Ensaio de hemaglutinação em espectrofotômetro Caracterização da molécula hemaglutinante Quantificação do título de hemaglutinação Tratamento térmico do extrato intestinal Quantificação de proteínas antes e após o tratamento térmico Tratamento do extrato intestinal com proteases Estabilidade térmica Efeito da variação do pH sobre a atividade hemaglutinante Tratamento do extrato intestinal com colágeno e gelatina Semipurificação do extrato de intestino Eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) Eletroeluição Imunização Western Blot Espectrometria de massa: Obtenção e análise dos peptídeos Silenciamento Gênico por RNAi Extração de RNA, síntese de cDNA e PCR Produção de dsRNA e silenciamento de genes alvo por RNAi Avaliação dos níveis de RNAm pós-silenciamento Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) Coluna de Troca iônica Coluna de filtração molecular 52 52 52 53 53 54 54 55 55 55 56 56 56 57 57 57 58 58 59 60 60 62 63 64 64 65 5 5.1 5.2 5.3 33 35 36 39 39 41 66 66 9.5 9.6 9.7 9.8 9.9 Resultados (Parte 2 – Atividade hemaglutinante) Ação hemaglutinante do extrato intestinal sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados Atividade hemaglutinante do extrato intestinal em diferentes dias após a muda Avaliação da estabilidade da atividade hemaglutinante após diferentes tratamentos Perfil eletroforético do extrato de intestino médio anterior de T. infestans Identificação da molécula responsável pela atividade hemaglutinante Western Blot Identificação da molécula por espectrometria de massa Pesquisa no banco de dados do NCBI e silenciamento gênico (RNAi) Fracionamento do conteudo intestinal por HPLC 10 Discussão (Parte 2 – Atividade hemaglutinante) 88 11 Conclusões (Parte 2 – Atividade hemaglutinante) 97 Referências Bibliográficas 99 9 9.1 9.2 9.3 9.4 Anexo I – Artigo aceito para publicação 68 68 71 73 74 75 76 82 1. Introdução 1.1 Biologia, ingestão de sangue e capacidade vetorial dos triatomíneos Os triatomíneos são insetos pertencentes à família Reduviidae, subfamília Triatominae. Eles são paurometábolos, isto é, o seu ciclo biológico de desenvolvimento passa pelas fases de ovo, ninfa (com cinco estádios ninfais) e adulto (macho e fêmea) (Lent and Wygodzinsky, 1979). Tanto as formas imaturas, quanto os insetos adultos, necessitam de sangue para o desenvolvimento biológico. Eles atuam como ectoparasitos temporários, que se alimentam do sangue de hospedeiros vertebrados, diretamente dos vasos (vênulas ou arteríolas) da pele (Lavoipierre et al., 1959). Dessa hematofagia decorre a importância médica desses insetos, que são vetores de tripanossomatídeos, agentes causadores de doenças em humanos e outros mamíferos (Lent and Wygodzinsky, 1979). O ciclo de vida e a dinâmica populacional dos triatomíneos estão diretamente relacionados à interação com seus hospedeiros vertebrados (Schofield, 1994). A percepção da presença do vetor pelo hospedeiro vertebrado durante a hematofagia representa uma ameaça para o vetor, e é um fator determinante para o seu sucesso na aquisição de sangue. Ao perceber o vetor, o hospedeiro vertebrado tenta eliminá-lo mecanicamente, o que pode provocar desde uma interrupção precoce do repasto sanguíneo, até mesmo a morte desse vetor (Rossignol et al., 1985). Nos triatomíneos essa ameaça é contornada por dois mecanismos cooperativos: a produção de anestésicos salivares capazes de impedir que o hospedeiro perceba a perfuração da pele (Dan et al., 1999), e a presença (o desenvolvimento) de uma bomba muscular, a bomba cibarial (formada por um complexo de fortes músculos, localizada na cabeça do inseto) que é capaz de gerar alta pressão e permitir a ingestão de grandes quantidades de sangue em pouco tempo (Guarneri et al., 2000a). 1 Em triatomíneos, o contato com seus hospedeiros vertebrados ocorre apenas durante o repasto sanguíneo, que, geralmente, dura de 20 a 50 minutos. Durante este tempo, dependendo da espécie, um triatomíneo adulto pode ingerir em média 5 a 8 vezes o seu próprio peso (peso inicial) em sangue (Schofield, 1994). Esse tempo de contato dos triatomíneos com os hospedeiros vertebrados é influenciado pela taxa de ingestão de sangue (que varia entre as espécies de triatomíneos); pelo estágio de desenvolvimento dos insetos (ninfa ou adulto); bem como pela fisiologia do hospedeiro (Guarneri et al., 2000a, 2003; Sant'Anna et al., 2001). Uma implicação da melhor exploração do recurso alimentar pelos triatomíneos refere-se à dinâmica de dejeções e, consequentemente, à transmissão do Trypanosoma cruzi (Chagas, 1909) para os seres humanos. Segundo Trumper e Gorla (1991), o momento da dejeção depende não só da espécie de triatomíneo, como também da quantidade de sangue ingerida, pois os triatomíneos que fazem repastos sanguíneos maiores tendem a defecar mais rapidamente do que aqueles que fazem repastos menores, favorecendo assim a transmissão do T. cruzi via urina e fezes contaminadas. Os triatomíneos T. infestans e Rhodnius prolixus Stal, 1859 estão entre as espécies estudadas que apresentam as maiores taxas de ingestão de sangue (Guarneri et al., 2000a, 2003; Sant'Anna et al., 2001) e são os principais vetores de T. cruzi para humanos nas Américas (Cruz-Lopez et al., 2001; Garcia et al., 2007) . 1.2 A glândula salivar e a ação de biomoléculas salivares durante o processo de hematofagia dos triatomíneos A hematofagia é um processo complexo que envolve tanto adaptações sensoriais, como a detecção de emissões de infravermelho provenientes da pele do hospedeiro, facilitando o encontro dos vasos (Ferreira et al., 2007), quanto adaptações na morfologia do aparato alimentar (Barth, 1952, 1953; Kraus, 1957) e adaptações 2 fisiológicas, como a presença de diversas moléculas bioativas na sua saliva (Ribeiro, 1995), que auxiliam na ingestão do sangue (Ribeiro and Garcia, 1980). Os vertebrados possuem sofisticados sistemas hemostáticos, que visam minimizar a perda de sangue. Entretanto, os artrópodes hematófagos apresentam um amplo e redundante repertório de moléculas, com atividades anti-hemostáticas, como anticoagulantes, inibidores de agregação plaquetária e vasodilatadores, capazes de facilitar a ingestão do sangue de hospedeiros vertebrados (Ribeiro and Francischetti, 2003; Ribeiro, 1995). A glândula salivar dos artrópodes hematófagos é um dos principais órgãos envolvidos na adaptação à hematofagia. Nos triatomíneos as glândulas salivares estão situadas na região toráxica, lateralmente ao esôfago. Os estudos sobre anatomia e morfologia das glândulas salivares da família Triatominae foram realizados em espécimes das tribos Triatomini e Rhodniini, não existindo estudos sobre espécimes das demais tribos (Alberproseniini, Bolboderini, Cavernicolini, Linshcosteusinii) (Baptist, 1941; Barth, 1954; Lacombe, 1999). Na tribo Triatomini cada par de glândula salivar é composto por 3 unidades: uma glândula principal (D1), uma suplementar (D2) e uma acessória (D3), enquanto que a tribo Rhodniini apresenta uma glândula principal e uma glândula menor acessória (Fig. 1) (Baptist, 1941). 3 Figura 1 – Glândulas salivares das tribos Triatomini (A) e Rhodniini (B). Adaptado de Baptist (1941). Além da sua função primitiva de lubrificar as peças bucais (Miles, 1972), a saliva dos triatomíneos auxilia na obtenção de sangue, sendo liberada durante todo o processo de alimentação (Soares et al., 2006). A partir do trabalho pioneiro de Ribeiro e Garcia (1980), que demonstrou que a saliva de um inseto hematófago (R. prolixus) possuía a capacidade de inibir a agregação plaquetária do sangue do hospedeiro vertebrado, facilitando assim a ingestão de sangue pelo inseto, seguiu-se a identificação de inúmeros agentes anti-hemostáticos, antiinflamatórios, imunossupressores e analgésicos na saliva de diversos artrópodes hematófagos (Ribeiro and Francischetti, 2003), tais como, anticoagulantes (Champagne et al., 1995; Gudderra et al., 2005; Hellmann and Hawkins, 1964, 1965; Pereira et al., 4 1996; Ribeiro et al., 1995; Ribeiro et al., 1998) vasodilatadores (Ribeiro et al., 1993; Ribeiro et al., 1990; Ribeiro and Nussenzveig, 1993; Yuda et al., 1996), antihistamínico (Ribeiro and Walker, 1994; Ribeiro and Sarkis, 1982), uma proteína formadora de poro (Amino et al., 2002), bloqueador de canal de sódio (Dan et al., 1999) e inibidores de agregação plaquetária induzida por ADP (Faudry et al., 2004; Francischetti et al., 2000; Ribeiro and Garcia, 1980; Sarkis et al., 1986), trombina (Golodne et al., 2003; Ngo et al., 1998), colágeno (Andersen et al., 2003; NoeskeJungblut et al., 1994; Ribeiro and Garcia, 1981), ácido araquidônico (Francischetti et al., 2000; Ribeiro and Sarkis, 1982) e fator de ativação de plaquetas (Golodne et al., 2003). Além de substâncias que facilitam a localização dos vasos e a manutenção do fluxo sanguíneo, também foram descritas atividades imunossupressora (Kalvachova et al., 1999), sialidásicas (Amino et al., 2001), e atividade anticomplemento (Barros et al., 2009; Cavalcante et al., 2003) que protege o tubo digestivo contra o ataque do complemento e auxiliam no processo de alimentação, reduzindo a resposta imune e inflamatória do hospedeiro vertebrado. 1.3 A influência do ambiente intestinal durante o repasto sanguíneo Além das glândulas salivares, o intestino também representa um importante órgão no processo alimentar dos triatomíneos. O tubo digestivo dos triatomíneos pode ser subdividido em 3 partes: intestino anterior, intestino médio (anterior e posterior) e intestino posterior (Fig. 2). O sangue ingerido passa pelo intestino anterior (faringe e esôfago) e é armazenado na parte anterior do intestino médio, onde a água e os íons são transportados para a hemolinfa e túbulos de Malpighi. O sangue concentrado passa em pequenas quantidades à parte digestiva e absortiva do intestino médio posterior (Kollien and Schaub, 2000). O intestino posterior é constituído pela ampola retal e o reto, e possui um importante papel na reabsorção de água e sais minerais. Na ampola retal 5 ficam contidas fezes e urina para serem eliminadas posteriormente pelo reto (Terra and Ferreira, 1994). Figura 2 – Esquema do tubo digestivo dos triatomíneos. Adaptado de Ramirez-Perez (1969). Poucas moléculas intestinais com atividades farmacológicas, que auxiliam na hematofagia, foram descritas em triatomíneos, dentre elas destacam-se os anticoagulantes intestinais que foram descritos em várias espécies. No intestino de R. prolixus, a proteína que inibe a coagulação sanguínea é denominada rhodinina (Friedrich et al., 1993), em T. infestans infestina (Campos et al., 2002) e em Triatoma brasiliensis Neiva,1911 brasiliensina (Araujo et al., 2007). 6 Em 2007, Araujo et al. demonstraram que a inibição, por RNAi ou pela ingestão de trombina, da atividade anticoagulante do intestino médio anterior de T. brasiliensis causa uma redução significativa da quantidade de sangue ingerida. A explicação para esta redução foi que o sangue no intestino do inseto precisa estar em baixa viscosidade durante a alimentação, uma vez que a alta viscosidade sanguínea induziria uma maior pressão hídrica intestinal, o que interferiria no bombeamento do sangue para outras partes do intestino. Como o canal alimentar dos triatomíneos é contínuo, problemas no fluxo do sangue ingerido, em qualquer local do tubo alimentar (incluindo o intestino médio anterior), poderiam interferir na performance alimentar do inseto (Araujo et al., 2007). Além disso, a coagulação do sangue poderia causar um aumento repentino na viscosidade do sangue, devido à formação de fibrina (Puckett et al., 2005). Sendo assim, evitar um aumento da viscosidade sanguínea dentro do tubo digestivo, durante a fase de bombeamento do sangue, parece ser uma função fisiológica importante para os insetos hematófagos. Seguindo o mesmo contexto dos resultados encontrados por Araujo et al., (2007), outros fenômenos que interferem na viscosidade do sangue ingerido, também poderiam influenciar o processo alimentar dos triatomíneos. Dentre os fenômenos podemos citar a aglutinação eritrocitária (ou hemaglutinação) que ocorre no intestino médio anterior dos triatomíneos logo após a ingestão de sangue. Esta atividade, descrita inicialmente para T. infestans (Gregorio and Ratcliffe, 1991) e R. prolixus (Pereira et al., 1981), foi atribuída à participação de lectinas. As lectinas são definidas como proteínas ligantes de carboidratos, capazes de aglutinar células e/ou glicoconjugados, através da ligação específica a carboidratos de superfície (Goldstein et al., 1980). Várias hemaglutininas (aglutininas de hemácias) têm sido descritas na hemolinfa e/ou nos extratos de tecidos de outros artrópodes (Ibrahim et al., 1984; Kamwendo et al., 1993; 7 Mohamed et al., 1992; Wallbanks et al., 1986), entretanto seu papel biológico ainda não foi totalmente elucidado. Acredita-se que elas estejam relacionadas ao reconhecimento de moléculas estranhas, nas reações de defesa contra bactérias, protozoários, nematódeos e fungos, e consequentemente na interação parasito-vetor (Ingram et al., 1984). Resultados obtidos por Hypsa e Grubhffer (1995) sobre a molécula hemaglutinante presente no intestino de T. infestans sugerem que ela possui um sítio de ligação complexo, que reconhece fragmentos específicos da cadeia glicídica em vez de resíduos individuais de monossacarídeos, não entrando, portanto, na definição convencional de lectinas (Grubhoffer et al., 1997). Embora possa haver diferenças entre as condições experimentais ocasionando diversas controvérsias nos resultados, os trabalhos publicados até o momento com hemaglutininas do intestino médio anterior de triatomíneos indicam que podem existir variações entre as populações de insetos estudadas e que o fenômeno é ainda pouco conhecido (Grubhoffer et al., 1997). Hypsa e Grubhffer (1995) identificaram um peptídio de 20 kDa com atividade hemaglutinante no intestino médio anterior de T. infestans, porém a sequência dessa molécula ainda não é conhecida. Além do intestino médio anterior, a atividade de hemaglutinação, nos triatomíneos, também foi detectada em outros tecidos (hemolinfa e intestino médio posterior), entretanto seu papel biológico ainda não é conhecido. Como algumas aglutininas foram capazes de aglutinar formas epimastigotas de T. cruzi e de Trypanosoma rangeli Tejera, 1920, foi sugerido que elas possam ter um papel relacionado à interação parasito-vetor (Gregorio and Ratcliffe, 1991; Pereira et al., 1981). 8 Araujo et al., (2009a) mostraram que o fenômeno da hemaglutinação no triatomíneo T. brasiliensis inicia-se assim que o sangue ingerido chega ao intestino médio anterior, o que causa a separação dos eritrócitos do plasma. O processo ocorre muito rapidamente, sendo mais rápido e intenso que a agregação eritrocitária observada no sangue de alguns animais. Intrigantemente, quando esses triatomíneos se alimentam do sangue de um hospedeiro específico (Thrichomys apereoides (Lund, 1839), um roedor naturalmente associado ao triatomíneo T. brasiliensis) essa separação não ocorre no intestino, e o tamanho do repasto sanguíneo é reduzido significantemente tanto em experimentos realizados in vivo quanto in vitro. Estes resultados preliminares indicam que a atividade hemaglutinante pode ter um papel importante no processo alimentar dos triatomíneos, principalmente pelo fato da hemaglutinação influenciar a viscosidade do sangue ingerido. A importância da hemaglutinação para a alimentação é reforçada pelo fato da atividade estar presente no intestino médio anterior de insetos em jejum, fato também observado em R. prolixus (Pereira et al., 1981), que indica que a atividade hemaglutinante precisa estar presente assim que o sangue chega ao intestino. 1.4 Hemolinfagia e cleptohematofagia nos triatomíneos Apesar dos triatomíneos alimentarem-se preferencialmente do sangue de hospedeiros vertebrados, ninfas em jejum podem alimentar-se em outras ninfas ingurgitadas, sendo capazes de ingerir hemolinfa (processo chamado de hemolinfagia) (Ruas-Neto et al. 2001) ou o conteúdo intestinal (processo chamado de cleptohematofagia) (Sandoval et al. 2000) dessas ninfas ingurgitadas. Este hábito foi primeiramente relatado como "canibalismo" por Brumpt (1914), ao descrever que algumas ninfas das colônias de triatomíneos, das espécies T. infestans, Triatoma chagasi Brumpt e Gomes, 1914, Triatoma sordida (Stal, 1859), Panstrongylus megistus (Burmeister, 1835) e R. prolixus, que estavam em jejum, frequentemente alimentavam9 se em outras ninfas engurgitadas. A hemolinfagia tem sido frequentemente relatada em algumas espécies de triatomíneos por diferentes autores como: T. sordida (Torres 1915), P. megistus (Abalos e Wygodzinsky 1951), R. prolixus, Triatoma pallidipennis (Stal, 1872), Triatoma guasayana Wygodzinsky e Abalos, 1949 e Triatoma longipes Barber, 1937, Triatoma phyllosoma Burmeister, 1835 (Ryckman 1951), Triatoma klugi Carcavallo et al., 2001 (Emmanuelle-Machado et al. 2002), T. infestans, Triatoma protracta (Uhler, 1894), Triatoma maculata (Erichson, 1848) (Brumpt 1914, Torres 1915, Ryckman 1951, Phillips 1960), Belminus herreri Lent e Wygodzinsky, 1979 (Sandoval et al. 2000, Sandoval et al. 2004) e Belminus ferroae Sandoval et al. 2010 (Sandoval et al. 2010). Abalos e Wygodzinsky (1951) descreveram que Triatoma rubrovaria (Blanchard, 1843) poderia usar a hemolinfa de diferentes artrópodes (como por exemplo, hemolinfa de larvas de borboletas e/ou de aranhas) como fonte alimentar. Miles et al., (1981) observaram que ninfas de 1º, 2º e 3º estádios do triatomíneo Eratyrus mucronatus Stal, 1859 alimentam-se preferencialmente da hemolinfa de outros artrópodes, como por exemplo, de aranhas, enquanto que os demais estádios ninfais e os espécimes adultos alimentam-se de sangue de vertebrados. Estudos de laboratório com as espécies Triatoma circummaculata (Stal, 1859), T. rubrovaria, e Triatoma carcavalloi Jurberg et al., 1998 sugerem que o comportamento de hemolinfagia também seja comum nestas espécies (Lorosa et al., 2000; Ruas-Neto et al., 2001). Um estudo recente destaca que B. herreri, um triatomíneo que habita regiões de floresta entre a Colômbia e o Panamá, poderia colonizar construções humanas e o intradomicílio, e as ninfas dessa espécie teriam preferência por se alimentar de hemolinfa de baratas a sangue de hospedeiros vertebrados (Sandoval et al., 2004). 10 Ryckman (1951) observou que durante a hemolinfagia, as ninfas que eram sugadas permaneciam paradas durante todo o processo de alimentação e aparentemente não sofriam danos em consequência desse tipo de alimentação e não morriam. Em condições de laboratório, durante o processo de hemolinfagia dos triatomíneos, não se observa a pré-digestão dos tecidos e nem a morte dos artrópodos sugados, apenas uma imobilização temporária dos mesmos (Lorosa et al., 2000). O hábito de sugar hemolinfa poderia representar uma fonte alternativa de alimento para os triatomíneos em períodos de escassez de hospedeiros vertebrados disponíveis para a realização da hematofagia. Além disso, a hemolinfagia e/ou cleptohematofagia também podem ter implicações importantes na transmissão dos tripanossomatídeos T. cruzi e T. rangeli entre os triatomíneos. Em condições experimentais foi demonstrado que ninfas não infectadas poderiam se infectar ao se alimentar de ninfas infectadas por T. rangeli (Anez, 1982). Brumpt (1914) foi o primeiro a sugerir que o "canibalismo" poderia servir para aumentar a porcentagem de infecção pelo T. cruzi entre os triatomíneos. Dias (1936) demonstrou que 29% das ninfas de P. megistus que ingeriram sangue de triatomíneos infectados adquiriram a infecção por T. cruzi. Pinero e Torrealba (1977) sugerem que o "canibalismo" poderia ter um importante papel na transmissão de T. rangeli em condições naturais, o que explicaria as altas taxas de infecção, por T. rangeli, encontradas em R. prolixus, coletados de palmeiras na Venezuela. Apesar dos vários relatos sobre hemolinfagia em hospedeiros invertebrados, o papel da saliva durante a hemolinfagia em hospedeiros invertebrados ainda não é conhecido. Algumas atividades presentes na saliva de triatomíneos poderiam favorecer o processo de alimentação em hospedeiros invertebrados, entre elas, destacam-se os efeitos imunossupressor e paralisante. 11 Os artrópodes possuem um sistema circulatório aberto, por isso, após sofrer uma injúria em seus tecidos, eles devem estabelecer uma estratégia que bloqueie rapidamente a perda de hemolinfa. A coagulação da hemolinfa é a primeira resposta para uma injúria no corpo do inseto, e ela também evita a propagação de patógenos invasores na hemolinfa, sendo, portanto parte integrante da imunidade inata (Theopold et al., 2004). O sistema imune dos invertebrados contra patógenos invasores inclui respostas rápidas que envolvem a ativação de cascatas proteolíticas da hemolinfa. Ele é composto pelas respostas imunes celular e humoral. A resposta imune celular é mediada pelos hemócitos (células da hemolinfa) e compreende a fagocitose, a formação de nódulos e o encapsulamento de patógenos. Fazem parte da resposta imune humoral a síntese de peptídeos antimicrobianos e ativação do sistema da profenoloxidase (proPO). A ativação da proPO é desencadeada pela presença de componentes da parede de células microbianas, tais como, lipopolissacarídeos e peptídeoglicanos, na hemolinfa dos insetos. As serino proteases convertem a proPO circulante em fenoloxidase (PO) (Fig. 3). Esta ativação é estritamente regulada por serpinas (inibidores de serino proteases), inibidores da PO e lectinas, restringindo a atividade da PO à superfície do patógeno (Ferrandon et al., 2007; Gillespie et al., 1997). A PO é responsável pelo processo de melanização que resulta na encapsulação de patógenos, esclerotização da cutícula e reparo da lesão (Andersen, 1985; Theopold et al., 2002). Apesar do processo de melanização causar ou levar à morte os patógenos, a melanização sistêmica é prejudicial para o inseto. Fatores de inibição naturalmente encontrados na hemolinfa regulam e impedem uma superativação. Uma relação entre a cascata de melanização e a coagulação da hemolinfa tem sido sugerida (Cerenius and Soderhall, 2004; Theopold et al., 2002). 12 Figura 3 – Esquema representativo do sitema imune de insetos, ilustrando o processo de ativação da cascata da profenoloxidase. Adaptado de Cerenius e Soderhall, 2004. Com relação a um possível efeito paralisante na saliva dos triatomíneos, que favoreça a hemolinfagia, destacam-se as observações realizadas por Ryckman (1951) de que os insetos alvos permaneciam imóveis durante a hemolinfagia. A hipótese mais provável seria uma ação da saliva dos triatomíneos, atuando na minimização da percepção do hospedeiro, favorecendo asssim a obtenção da dieta, tal como acontece durante a alimentação dos triatomíneos em hospedeiros vertebrados. Alves (2007) demonstrou que a saliva semipurificada de T. infestans é capaz de inibir tanto os batimentos do vaso dorsal isolado de R. prolixus como o potencial de ação composto de nervo isolado de rato, sugerindo que a atividade paralisante pode ter o mesmo mecanismo de ação da atividade anestésica descrita por Dan et al. (1999) e poderia ser atribuída à mesma molécula. 13 1.5 Sequências gênicas e proteoma de triatomíneos Nos resultados obtidos através do sequenciamento em larga escala de cDNAs de glândulas salivares de diferentes artrópodes hematófagos, têm-se observado uma enorme variedade de transcritos que codificam proteínas com funções aparentemente relacionadas à alimentação de sangue. Este fato sugere que as moléculas bioativas da saliva estejam submetidas a uma intensa pressão seletiva e que o desenvolvimento destas funções esteja experimentando um contínuo processo de diversificação durante a evolução dos grupos (Ribeiro et al., 2007). Os sialomas (resultados de transcriptomas e proteomas da glândula salivar) de triatomíneos publicados até o momento – R. prolixus (Ribeiro et al., 2004), T. brasiliensis (Santos et al., 2007) e T. infestans (Assumpção et al., 2008) – têm mostrado que estes insetos apresentam majoritariamente na sua saliva, um grande número e variedade de proteínas (Assumpção et al., 2008; Ribeiro et al., 2004; Santos et al., 2007). Dentre as proteínas descritas, as lipocalinas, proteínas em forma de barril e que geralmente atuam no transporte de moléculas hidrofóbicas (Flower et al., 2000), são as mais abundantes. Elas representaram 93,8% das proteínas secretadas nas glândulas salivares de T. brasiliensis (Santos et al., 2007), 55% em T. infestans, (Assumpção et al., 2008) e 83,7% em R. prolixus (Ribeiro et al., 2004). Além das diferenças percentuais entre as lipocalinas, observam-se também diferenças significativas entre o repertório de moléculas salivares dos triatomíneos. As nitroforinas (NP) são as lipocalinas salivares mais abundantes encontradas em triatomíneos do gênero Rhodnius, e não são observadas no gênero Triatoma (Champagne et al., 1995). Além disso, a apirase salivar e as atividades anticoagulante e vasodilatadora mostraram diferenças quantitativas e qualitativas entre as espécies de triatomíneos estudadas (Ribeiro et al., 1998). 14 Entre as sequências de proteínas que provavelmente são secretadas na saliva de T. infestans e que estão disponíveis no NCBI apenas algumas foram caracterizadas funcionalmente, como a trialisina (Amino et al., 2002), a enzima apirase (Faudry et al., 2004) e a triplatina (Morita et al., 2006). Apesar de ser um importante órgão envolvido no processo alimentar dos triatomíneos, o intestino tem sido normalmente negligenciado em estudos genômicos, pois, na tentativa de identificar genes que possam ser importantes para o processo alimentar, a maior parte das publicações focou na descrição do sialoma dos triatomíneos (Assumpção et al., 2008; Ribeiro et al., 2004; Santos et al., 2007). Poucos projetos de sequenciamento foram desenvolvidos focando o intestino dos triatomíneos e apenas algumas sequências são conhecidas, como por exemplo, da rodinina, infestina e brasiliensina, genes que inibem a coagulação sanguínea no intestino de R. prolixus (Friedrich et al., 1993); T. infestans (Campos et al., 2002) e T. brasiliensis (Araujo et al., 2007), respectivamente. Neste contexto, é importante um conhecimento mais detalhado sobre as moléculas presentes na glândula salivar e no intestino dos triatomíneos, principalmente àquelas relacionadas ao processo de alimentação. Atualmente várias ferramentas estão disponíveis para estudos de genômica funcional, dentre elas destacam-se programas de bioinformática e o RNA interferente (RNAi). O RNAi é um mecanismo de interferência pós-transcricional (Montgomery et al., 1998; Ngo et al., 1998) altamente específico (Duxbury et al., 2004) que permite estudar a função de um gene pela clivagem do RNA mensageiro de interesse (Montgomery et al., 1998; Ngo et al., 1998; Zamore et al., 2000). O RNAi constitui-se em uma ferramenta rápida e eficaz para avaliar “in vivo” o papel funcional de moléculas, sobretudo em “non-model organisms”. Esta técnica foi utilizada pela 15 primeira vez em triatomíneos, em 2006, quando Araujo et al. demonstraram sua viabilidade para o silenciamento de genes salivares, através da injeção e/ou da ingestão de dsRNA. Neste estudo o gene alvo foi a lipolicana salivar nitroforina 2 de R. prolixus. Em 2007, Araujo et al. demonstraram a viabilidade do RNAi para o silenciamento de genes intestinais e também para estudos de genômica funcional de triatomíneos ao inibir a atividade da proteína anticoagulante do intestino médio anterior de T. brasiliensis (brasiliensina). A utilidade do RNAi para o estudo da importância de genes salivares durante o processo alimentar de R. prolixus também foi demonstrada por Araujo et al., (2009b). 16 2 Justificativa Os triatomíneos alimentam-se preferencialmente do sangue de hospedeiros vertebrados, podendo, em períodos de escassez de hospedeiro vertebrado, alimentar da hemolinfa de hospedeiros invertebrados. As glândulas salivares e o intestino são os principais órgãos envolvidos no processo alimentar desses insetos. Neste contexto, torna-se importante o estudo de moléculas presentes nestes órgãos, pois eles são responsáveis pela produção de diversas moléculas bioativas que atuam no processo de alimentação dos triatomíneos, permitindo a eles obterem sangue de hospedeiros vertebrados (hematofagia) e/ou hemolinfa de hospedeiros invertebrados (hemolinfagia). Um maior conhecimento dessas moléculas bioativas e da sua participação na hematofagia ou na hemolinfagia poderia gerar informações importantes para entender a biologia, dinâmica populacional e interação dos triatomíneos com seus hospedeiros vertebrados, invertebrados e os agentes etiológicos de doenças. Na tentativa de identificar moléculas bioativas e de elucidar os parâmetros que possam afetar a hematofagia, diversos estudos envolvendo o sequenciamento de bibliotecas de cDNA foram desenvolvidos nos últimos anos. O aumento da disponibilidade de genomas e sequências de transcriptomas dos triatomíneos e de outras espécies vetoras de agentes etiológicos de doenças tem proporcionado à comunidade científica uma vasta informação para estudos posteriores. Entretanto ainda são necessários estudos para identificar e caracterizar os genes “chaves” responsáveis pelos diferentes processos fisiológicos dos triatomíneos, entre eles, os genes relacionados à alimentação, pois, é durante o processo alimenar que o agente etiológico circula entre o hospedeiro e o vetor. 17 3 Objetivos 3.1 Objetivo Geral Caracterizar funcionalmente atividades salivares e intestinais relacionadas ao processo alimentar de T. infestans sobre hospedeiros invertebrados e vertebrados, bem como, identificar as moléculas responsáveis por essas atividades. 3.2 Objetivos Específicos Parte 1 – Hemolinfagia a) Caracterizar o processo de hemolinfagia de ninfas de T. infestans em ambiente artificial (condições de laboratório). b) Avaliar a importância da hemolinfagia na taxa de sobrevivência de ninfas de T. infestans. c) Avaliar o efeito da saliva de T. infestans sobre a cascata da profenoloxidase de invertebrados. d) Caracterizar a ação paralisante da saliva de T. infestans sobre invertebrados. e) Identificar a molécula paralisante presente na saliva de T. infestans. Parte 2 – Atividade hemaglutinante a) Caracterizar a atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior de T. infestans. b) Identificar a molécula responsável pela atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior de T. infestans. 18 4 Material e Métodos – Parte 1 - Hemolinfagia Delineamento Experimental Para caracterizar a hemolinfagia e avaliar sua importância para os triatomíneos, espécimes de T. infestans foram utilizados como modelo experimental de hemolinfagia. Ninfas de quinto estádio e adultos de R. prolixus foram utilizadas como "hospedeiro" invertebrado e representaram os alvos da hemolinfagia. Primeiramente foi feita a reprodução da hemolinfagia, em condições de laboratório, utilizando-se ninfas de segundo estádio de T. infestans que se alimentaram em ninfas de quinto estádio ou adultos de R. prolixus. As condições experimentais estão detalhadas no item 4.4. Posteriormente foi avaliada a influência da hemolinfagia sobre o prolongamento da taxa de sobrevivência de ninfas de primeiro estádio de T. infestans na ausência de hospedeiro vertebrado (item 4.5). A ação da saliva de adultos de T. infestans sobre o sistema imune de invertebrados foi avaliada antes e após a ativação da cascata da profenoloxidase (itens 4.7 e 4.8 respectivamente), utilizando a hemolinfa de ninfas de quarto estádio de R. prolixus. Também foi analisado o efeito paralisante da saliva de T. infestans sobre invertebrados, utilizando os ensaios de paralisia de ninfas de R. prolixus após injeção da saliva de adultos de T. infestans (item 4.9.1). A paralisia dos batimentos do vaso dorsal de R. prolixus foi avaliada em testes "in vivo" (item 4.9.2) quando ninfas de segundo estádio de T. infestans alimentavam-se da hemolinfa de adultos de R. prolixus e em testes "in situ" (item 4.9.3) quando foi adicionado saliva de adultos de T. infestans sobre o vaso dorsal de adultos de R. prolixus. Em seguida foi realizada a caracterização e identificação da molécula salivar 19 com atividade paralisante sobre invertebrados. O delineamento experimental da parte 1 – Hemolinfagia está representado na figura 4. Hemolinfagia em T. infestans 4.4 Hemolinfagia em condições de laboratório 4.5 Influência sobre a taxa de sobrevivência de ninfas de primeiro estádio Ação da saliva 4.9 Paralisante sobre invertebrados 4.9.1 Motilidade de ninfas de segundo estádio de R. prolixus injetadas com saliva Sobre o sistema imune de invertebrados 4.7 Fenoloxidase não ativada 4.8 Fenoloxidase ativada Vaso dorsal de R. prolixus 4.9.2"In vivo" 4.9.3 "In situ" 4.10. e 4.11 Caracterização e identificação da molécula salivar com atividade paralisante Figura 4 – Esquema representando a sequência de procedimentos experimentais realizados. 4.1 Manutenção dos insetos As colônias de triatomíneos são mantidas sob condições semicontroladas de temperatura e umidade (28 ± 2ºC e 65 ± 10%), com fotoperíodo de 12 horas de claro/escuro no Laboratório de Fisiologia de Insetos Hematófagos (LFIH) do Departamento de Parasitologia, ICB/UFMG. A alimentação dos insetos é realizada semanalmente em ratos previamente anestesiados. Os espécimes de T. infestans são oriundos de uma colônia originada de espécimes coletados em diferentes regiões da 20 Bolívia, e a de R. prolixus de insetos coletados em Honduras. Estas colônias são mantidas no LFIH há mais de 10 anos. 4.2 Obtenção da saliva A saliva de triatomíneos adultos foi coletada de acordo com Amino et al. (2001). Inicialmente adultos de T. infestans foram imobilizados individualmente entre os dedos de uma das mãos do coletor. Após assoprar levemente o inseto, a saliva do triatomíneo era liberada pela extensão do rostro e coletada em um tubo capilar de vidro. A saliva era transferida para um tubo de microcentrífuga (mantido em banho de gelo durante a coleta), e posteriormente, armazenada em freezer a -20oC até seu uso. Foram obtidos volumes de 0,5 a 1 μl de saliva por inseto. Nos experimentos utilizando saliva bruta, a amostra foi seca utilizando uma centrífuga evaporadora (Centrivap Concentrator) e dissolvida no mesmo volume inicial com solução salina (154 mM de NaCl). Esse procedimento foi realizado para utilizar a solução salina como controle nos experimentos e para comparar a saliva bruta com a saliva semipurificada. 4.3 Semipurificação da saliva A saliva bruta de adultos de T. infestans foi diluída em água MilliQ, na proporção de 1:1, e submetida à fervura por 2 minutos. Em seguida, a amostra foi centrifugada a 20.900 g durante 20 minutos à temperatura ambiente e o sobrenadante foi transferido para uma coluna com limite de exclusão de 5 kDa (Ultrafree®-MC Microcentrifuge). A porção ultrafiltrada (moléculas de peso molecular menor que 5 kDa) foi seca em centrífuga evaporadora e em seguida dissolvida (no mesmo volume inicial) em solução salina. A saliva submetida a este tratamento foi chamada de semipurificada. 21 4.4 Hemolinfagia e cleptohematofagia em condições de laboratório Ninfas de segundo estádio de T. infestans, com estado fisiológico similar (10 a 15 dias em jejum e peso de 2 a 3 mg), foram colocadas em contato com ninfas de quinto estádio ou adultos de R. prolixus. Espécimes de R. prolixus que haviam sido alimentados 3 a 5 dias antes da realização dos experimentos, foram utilizadas nos ensaios de hemolinfagia. Nos ensaios de cleptohematofagia os espécimes de R. prolixus foram alimentados 1-3 horas antes da realização do experimento. A proporção utilizada foi de 1 R. prolixus para 10 ninfas de T. infestans. Em alguns experimentos os espécimes de R. prolixus estavam soltos sobre a placa e em outros eles foram imobilizados com fita adesiva. Em alguns ensaios os espécimes de R. prolixus imobilizados também foram mantidos durante 5 minutos em uma incubadora a 40oC antes dos experimentos. As ninfas de T. infestans foram pesadas antes e após os ensaios para o cálculo do ganho de peso. Cada experimento de hemolinfagia foi repetido 10 vezes. 4.5 Influência da hemolinfagia na taxa de sobrevivência das ninfas de T. infestans Foram formados dois grupos (teste e controle) com 45 ninfas de primeiro estádio de T. infestans, com estado fisiológico similar (2 dias após a muda e peso médio de 1,33 ± 0,17 mg). No grupo teste, as 45 ninfas ficaram em contato com duas ninfas de quinto estádio de R. prolixus, dentro de um pote de acrílico. No grupo controle, o pote de acrílico, continha apenas as 45 ninfas de T. infestans. Os potes de acrílico eram forrados com um papel de filtro no seu interior e tampados com uma malha de pano. Os grupos foram mantidos sob as mesmas condições de temperatura e umidade do insetário de triatomíneos. As ninfas de T. infestans foram pesadas a cada 15 dias, durante 120 dias. As ninfas de quinto estádio de R. prolixus haviam sido alimentadas 3 a 5 dias antes de 22 serem utilizadas neste ensaio, e eram substituídas, por outras ninfas de quinto estádio, 24 horas após mudarem para o estágio adulto. 4.6 Estimativa do volume de hemolinfa A estimativa do volume hemolinfa de uma ninfa de quinto estádio de R. prolixus, foi feita de acordo com a metodologia de Naidu (2001). Dez ninfas de quinto estádio de R. prolixus foram pesadas individualmente, e em seguida tiveram a cutícula dorsal removida, e a hemolinfa coletada por capilaridade com o auxílio de um papel de filtro. Essas ninfas foram então, pesadas novamente e o volume de hemolinfa foi estimado pela subtração dos pesos. 4.7 Avaliação do efeito da saliva de T. infestans sobre a ativação da cascata da profenoloxidase Para avaliar o efeito da saliva sobre a ativação da profenoloxidase, os ensaios foram realizados utilizando o método de Gomes et al. (2003) modificado. Trinta ninfas de quarto estádio de R. prolixus com estado fisiológico similar (8 ± 2 dias após a muda e peso médio de 18 ± 3 mg) foram injetadas lateralmente na região do tórax, com 552 nl de salina ou saliva bruta de T. infestans. As injeções foram feitas usando um microinjetor (Nanoinjector, Drummond). Ninfas não injetadas foram utilizadas como grupo controle. Vinte quatro horas após a injeção, as ninfas tiveram o fêmur (da terceira perna direita) cortado para a coleta de hemolinfa. Foram montados “pools” de 2 μl de hemolinfa provenientes de 2 ninfas. Cada "pool" de hemolinfa foi colocado em tubos de microcentrífuga de 1,5 ml contendo 18 μl de tampão HEPES/NaCl (10 mM de HEPESNaOH, 154 mM de NaCl, 10 mM de CaCl2, pH 7.4) 23 Dez microlitros das amostras de hemolinfa diluída foram adicionados a uma placa de 96 poços, contendo 35 μl de tampão HEPES/NaCl. As reações foram iniciadas pela adição de 15 μl de uma solução de L-DOPA saturada (4 mg/ml) (Sigma Chemical Company). A formação do DOPA-cromo, pela ação da fenoloxidase sobre L-DOPA, foi medida espectrofotometricamente, a 492 nm em um leitor de placa (VersaMax Tunable Microplate reader, Molecular Devices), a cada 30 segundos, a 28oC. As reações foram realizadas durante 7,5 minutos e a média da velocidade máxima (aumento da absorbância/minuto) foi usada para comparações entre os grupos (não injetado, injetado com salina ou com saliva). Os ensaios foram feitos em duplicata para cada amostra, totalizando 15 medidas da PO por grupo. 4.8 Avaliação do efeito da saliva de T. infestans sobre a atividade da fenoloxidase Para avaliar o efeito da saliva sobre a atividade da fenoloxidase ativada, 30 ninfas de R. prolixus foram injetadas lateralmente na região do tórax, com 552 nl de salina e tiveram sua hemolinfa coletada 24 horas após a injeção, conforme descrito no item 4.7. Antes de iniciar a reação com L-DOPA, as amostras foram divididas em duas alíquotas de 10 μl (cada) e adicionadas a uma placa de 96 poços contendo 35 μl de tampão HEPES/NaCl. Uma das alíquotas foi incubada por 10 minutos com 0,5 μl de saliva bruta e a outra foi incubada com 0,5 μl de salina (controle). As medidas foram feitas conforme descrito no item 4.7. 4.9 Caracterização da atividade paralisante 4.9.1 Efeito da injeção de saliva de T. infestans sobre a motilidade de ninfas de R. prolixus Ninfas de segundo estádio de R. prolixus com estado fisiológico similar (8 ± 2 24 dias após a muda) foram injetadas lateralmente na região do tórax, entre o primeiro e o segundo par de pernas, com 276 nl de salina (controle), saliva bruta ou saliva semipurificada de T. infestans. Após a injeção, cada ninfa foi colocada, sobre uma placa de Petri, com a superfície dorsal para baixo e o tempo gasto para se desvirarem foi medido e comparado com o grupo controle (injeção de salina). Vinte quatro horas após a injeção, as ninfas que sobreviveram foram alimentadas em ratos (previamente anestesiados), e o ganho de peso foi calculado. 4.9.2 Ensaio "in vivo" do efeito da saliva sobre o vaso dorsal de R. prolixus O vaso dorsal dos triatomíneos é um tubo, localizado na linha mediana, dorsalmente ao trato alimentar e que se estende do tórax ao abdômen (Fig. 5). A porção posterior do vaso dorsal, o coração, é dividida por válvulas em uma série de câmaras, cada uma das quais contendo um par de aberturas laterais (óstios). A parte anterior do vaso dorsal, a qual não possui óstio, é a aorta dorsal. A hemolinfa circula principalmente pela atividade de contração longitudinal do vaso dorsal, que se inicia da parte posterior para a anterior, a qual se abre na cavidade geral do corpo, a hemocele (Chiang et al., 1990). 25 Figura 5 – Esquema da região dorsal dos segmentos abdominal de triatomíneos (A) e detalhe do vaso dorsal após a remoção do tergo (B). Legenda: I – IX divisões dos segmentos abdominais. Adaptado de Ramirez-Perez (1969). O triatomíneo R. prolixus foi escolhido como modelo experimental, pois seu vaso dorsal apresenta coloração esverdeada (Fig. 6 e 7), devido ao acúmulo do pigmento biliverdina nas células pericárdicas (Paiva-Silva et al., 2006; Wigglesworth, 1943), o que facilita a visualização do vaso dorsal e favorece o registo do seu funcionamento, conforme metodologia descrita a seguir. Para avaliar o efeito da saliva de T. infestans sobre o vaso dorsal de insetos, durante a hemolinfagia, adultos de R. prolixus (que haviam se alimentado do sangue de ratos, 5 dias antes da realização dos ensaios) foram imobilizados sobre uma placa de Petri, as asas foram cortadas com o auxílio de uma tesoura e uma gota de óleo mineral foi aplicada sobre o abdômen do inseto, para facilitar a visualização do vaso dorsal. Nesta placa, foram adicionadas 10 ninfas de segundo estádio de T. infestans com estado fisiológico similar (peso de 2 a 3 mg e em jejum de 10 a 15 dias). A atividade do vaso dorsal de R. prolixus foi gravada utilizando uma câmera digital (Olympus C-4000) acoplada a um microscópio estereoscópio (Olympus SZ4045). As imagens produzidas 26 foram analisadas utilizando o software ImageJ (Abramoff et al., 2004) para avaliar a frequência e a amplitude das contrações do coração. Uma seção pré-definida da região anterior contrátil do coração (entre os segmentos V ao VI) (Chiang et al., 1990), contendo aproximadamente 1 mm do vaso dorsal foi selecionada e a área do vaso dorsal incluída nessa seção foi medida em cada moldura do vídeo (25 frames/segundos). Usando essa metodologia, as contrações são vistas como valores reduzidos da área do vaso dorsal, enquanto que o relaxamento do vaso aumenta a área da seção selecionada (Fig. 6). Os valores foram transferidos para o programa SigmaPlot v.8.0 para análise e representação gráfica. As variações da área do vaso dorsal (que representa uma estimativa do diâmetro do vaso) foram medidas durante todo o ensaio (antes, durante e depois da hemolinfagia). Foram realizados cinco experimentos. A B Figura 6 – Metodologia utilizada para avaliar a frequência e a amplitude das contrações do vaso dorsal. (A) Seção selecionada da região anterior contrátil do coração entre os segmentos abdominal V ao VI; (B) Detalhe da área do vaso dorsal selecionada que foi analisada utilizando o programa ImageJ. 4.9.3 Ensaio "in situ" do efeito da saliva sobre o vaso dorsal de R. prolixus Adultos de R. prolixus foram imobilizados sobre uma placa de Petri e tiveram suas asas cortadas. Os segmentos abdominal II a VII (Chiang et al. 1990) foram removidos e o vaso dorsal foi exposto (Fig. 7). O vaso dorsal foi tratado com 50 μl de solução salina por 1 minuto a temperatura ambiente. Após esse período, a salina foi 27 removida e 1 μl das amostras: solução salina (controle) ou soluções testes (saliva bruta ou saliva semipurificada), foram adicionadas na preparação. O processo foi gravado e analisado utilizando o ImageJ conforme descrito no item 4.9. As variações da área do vaso foram registradas durante 90 segundos após a adição das amostras. Depois desse período, as amostras foram retiradas, através da adição de 50 μl de solução salina e as batidas do coração foram analisadas por mais 30 segundos. Para avaliar a estabilidade da preparação, foram realizados ensaios controles, com a adição de solução salina, que demonstraram que os batimentos do vaso dorsal mantêm-se regulares (sem variação de frequência e amplitude) por mais de uma hora, nas condições experimentais descritas anteriormente. Foram realizados cinco experimentos. A B Figura 7 – Detalhe do vaso dorsal de R. prolixus (seta) observado sob microscópio estereoscópio. Cor esverdeada do vaso devido a presença da biliverdina. (A) Aumento de 8 X após a remoção da região dorsal (tergo) do abdômen e (B) aumento de 30 X. Fonte: Alves, 2007. 4.10 Caracterização da natureza da molécula salivar com atividade paralisante 4.10.1 Tratamento com proteinase K A saliva semipurificada (35 μl) foi seca em centrífuga evaporadora, dissolvida no mesmo volume em solução salina e incubada com 1 μl de proteinase K (Promega) na concentração final de 0.018 μg/μl em um volume final de 36 μl. Após 3 horas de incubação a 37oC, essa mistura foi filtrada utilizando uma coluna com limite de 28 exclusão de 5 kDa (Millipore) (para remover as moléculas de proteinase K – 28,9 kDa) e o filtrado (material com peso molecular inferior a 5 kDa) foi utilizado nos ensaios. Como controle, 35 μl de solução salina também foram incubados com proteinase K e submetidos aos mesmos procedimentos descritos anteriormente. A atividade da proteinase K nas condições experimentais utilizada foi avaliada pela sua capacidade de inativar a lisozima de acordo com o ensaio descrito por Cançado et al. (2008). 4.10.2 Extração de lipídeos Para a extração de lipídeos, 20 μl de saliva semipurificada foram adicionados a 180 μl de água MilliQ, 250 μl de clorofórmio e 500 μl de metanol. Essa mistura foi vortexada a cada 5 minutos, durante 60 minutos. Em seguida ela foi centrifugada a 1000 g por 30 minutos. A fase líquida foi separada do precipitado formado e adicionada a uma mistura contendo 800 µl de clorofórmio e 800 µl de água destilada. Esta nova solução foi homogeneizada por 30 segundos em vórtex e após centrifugação de 30 minutos a 1.000 g à temperatura ambiente, separou-se as duas fases formadas: a fase aquosa (porção superior, não lipídica) e a fase orgânica (porção inferior contendo os lipídeos da amostra). As amostras de cada fase (aquosa e orgânica) foram secas em centrífuga evaporadora. Para os ensaios, a fase aquosa foi dissolvida em 20 µl de salina, e a fase orgânica em 20 µl de salina contendo 5% de dimetil sulfóxido (DMSO) (Sigma). Salina contendo 5% de DMSO foi usada como controle. 4.11 Cromatografia líquida de alta performance (HPLC) Cinquenta microlitros de saliva semipurificada foram cromatografados em uma 29 coluna de fase reversa C8, utilizando um gradiente linear de acetonitrila (0 a 100%), em 35 minutos. Os picos foram monitorados no comprimento de onda de 215 nm. As frações obtidas após a cromatografia foram coletadas e secas em uma centrífuga evaporadora para a retirada da fase móvel. Posteriormente cada fração foi dissolvida em 10 µl de solução salina e utilizada nos ensaios de efeito sobre o vaso dorsal e de motilidade de ninfas. 4.12 Eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) A eletroforese em gel de poliacrilamida foi realizada de acordo com o método de Laemmli (1970) modificado. As ninfas de segundo estádio de T. infestans após realizarem a hemolinfagia ou cleptohematofagia tiveram o intestino (médio anterior) dissecado e transferido para tubos de microcentrífuga de 1,5 ml, contendo 10 µl de solução salina (NaCl 154 mM). Cada tubo contendo o intestino médio anterior foi macerado utilizando-se um pistilo de vidro, sonicado por 1 minuto, centrifugado por 5 minutos a 12.000 g e o sobrenadante dessas amostras foi adicionado ao tampão da amostra contendo β-mercaptoetanol, e em seguida aplicado no gel. Para visualisar as proteínas presentes, o gel foi corado com nitrato de prata. 4.13 Análise estatística Os dados foram representados pela média ± desvio padrão. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste Kolmogorov-Smirnov. Variáveis com distribuição normal foram comparadas utilizando o teste de Qui-quadrado e/ou ANOVA seguida pelo teste de Tukey para identificar diferenças entre os grupos. 30 5 Resultados – Parte 1 – Hemolinfagia 5.1 Caracterização da hemolinfagia e cleptohematofagia de ninfas de T. infestans Nas condições utilizadas durante os ensaios, a hemolinfagia foi facilmente induzida em laboratório. Quando as ninfas de segundo estádio de T. infestans (em jejum de 10 a 15 dias) foram colocadas em contato com ninfas de quinto estádio ou adultos de R. prolixus (que haviam se alimentado de sangue 3 a 5 dias antes da realização desse experimento), aproximadamente 80% (n=100) perfuraram o abdômen dos espécimes de R. prolixus (n=10) para se alimentarem. Quando os espécimes de R. prolixus foram previamente aquecidos, aparentemente eles tornaram-se mais "atrativos", pois quase todas as ninfas de T. infestans (98%, n=100) tentaram alimentar-se neles. Os insetos que tiveram sua hemolinfa sugada manifestaram certo incômodo às picadas, e, às vezes, retiravam as ninfas que tentavam se alimentar neles, com o auxílio de suas pernas. Entretanto, alguns deles permaneceram imóveis por períodos de tempo relativamente longos, o suficiente para permitir a alimentação de uma ninfa de segundo estádio. Quando 10 adultos de R. prolixus (que haviam se alimentado de sangue 3 a 5 dias antes da realização desse experimento) foram imobilizados e colocados juntamente com 100 ninfas de segundo estádio de T. infestans (em jejum de 10 a 15 dias) (Fig. 8), 10% das ninfas de T. infestans foram capazes de se alimentar e aumentar mais de duas vezes o seu peso inicial (2,5 ± 0,3 mg). O ganho de peso médio das ninfas foi de 7,6 ± 2,3 mg. Várias ninfas perfuraram o abdômen dos insetos adultos, mas não se alimentaram ou ingurgitaram menos que o dobro do peso inicial. Interessantemente, o abdômen de uma ninfa de T. infestans recém alimentada de hemolinfa apresentava-se mais claro (Figs. 8, 9A) e após a dissecação do inseto, verificou-se que o conteúdo do intestino médio anterior era transparente (Fig. 9C), indicando a ingestão de hemolinfa. 31 A B Figura 8 – Hemolinfagia de ninfas de segundo estádio de T. infestans em um espécime adulto de R. prolixus (A e B). Quando foram utilizadas ninfas de quinto estádio de R. prolixus recém alimentadas de sangue (1 – 3 horas após repasto em hospedeiro vertebrado) foi possível reproduzir em condições de laboratório a cleptohematofagia. As ninfas de segundo estádio de T. infestans foram capazes de sugar o conteúdo intestinal dos espécimes de R. prolixus, realizando assim a cleptohematofagia. O abdômen das ninfas que realizaram a cleptohematofagia possuia cor escura (Fig.9B), e a vizualização do conteúdo do intestino médio anterior, após dissecação do inseto, revelou uma coloração vermelha, típica de sangue (Fig.9D). A análise do perfil eletroforético referente às bandas do conteúdo intestinal de ninfas de segundo estádio de T. infestans que realizaram cleptohematofagia, comparada com o perfil das ninfas que realizaram hemolinfagia demonstra diferentes padrões de bandas e a presença de grande quantidade de proteínas, no conteúdo intestinal das ninfas que realizaram cleptohematofagia (Fig. 10). 32 A B C D Figura 9 – Aspecto do abodômen (A e B) e do conteúdo do intestino médio anterior (C e D) de ninfas de segundo estádio de T. infestans após hemolinfagia (A e C) em ninfas de quinto estádio de R. prolixus que haviam se alimentado de sangue 3 a 5 dias antes do experimento; e cleptohematofagia (B e D) em ninfas de quinto estádio de R. prolixus que haviam se alimentado de sangue 1 a 3 horas antes do experimento. Figura 10 – Perfil eletroforético (SDS-PAGE 12,5%) do conteúdo intestinal de ninfas de segundo estádio de T. infestans após hemolinfagia e cleptohematofagia em ninfas de R. prolixus. Legenda: Colunas: 1 – Padrão de peso molecular; 2 – conteúdo do intestino médio anterior após hemolinfagia; 3 – conteúdo do intestino médio anterior após cleptohematofagia. 5.2 Influência da hemolinfagia na taxa de sobrevivência de ninfas de T. infestans A importância da hemolinfagia para ninfas, em estádios iniciais de desenvolvimento, foi monitorada durante 120 dias (Fig. 11). O grupo controle foi formado por 45 ninfas de primeiro estádio de T. infestans, enquanto que o grupo teste era composto por 45 ninfas de primeiro estádio de T. infestans colocadas em contato 33 com duas ninfas do quinto estádio de R. prolixus (que haviam se alimentado de sangue 3 a 5 dias antes da realização desse experimento). Em comparação com o grupo controle, o peso das ninfas de primeiro estádio do grupo teste foi significativamente maior a partir de 30 dias do início do experimento, e manteve-se significativamente maior até que todas as ninfas do grupo controle estivessem mortas (teste T, p <0,001), o que aconteceu 60 dias após o início do experimento. As ninfas do grupo teste foram capazes de manter ou aumentar seu peso corporal ao longo dos 120 dias (Fig. 11A), indicando que elas estavam sugando a hemolinfa dos espécimes de R. prolixus e essa ingestão de hemolinfa prolongou a sua taxa de sobrevivência (Fig. 11B). Duas ninfas (4,4%) do grupo teste mudaram para o segundo estádio alimentando-se apenas de hemolinfa. A quantidade média de hemolinfa de uma ninfa de quinto estádio de R. prolixus foi estimada em 33,7 ± 6,9 mg (n = 10). A B 100 4,0 Controle Teste 90 80 Controle Teste 3,0 % de ninfas vivas Peso médio das ninfas (mg) 3,5 * 2,5 * 2,0 * 1,5 70 60 50 40 30 1,0 20 0,5 10 0,0 0 30 45 60 75 90 105 120 Período de escassez de sangue (dias) 0 0 30 45 60 75 90 105 120 Período de escassez de sangue (dias) Figura 11 – Hemolinfagia de ninfas de primeiro estádio de T. infestans em ninfas de quinto estádio de R. prolixus. (A) Variação do peso corporal de ninfas de primeiro estádio de T. infestans (média ± desvio padrão); (B) Taxa de sobrevivência de ninfas de primeiro estádio de T. infestans. Os grupos continham 45 ninfas de primeiro estádio de T. infestans sozinhas (controle) ou em contato com duas ninfas de quinto estádio de R. prolixus (teste). O asterisco (*) indica uma diferença significativa em relação aos demais grupos (teste T, p <0,001). 34 5.3 Efeito da saliva de T. infestans sobre a ativação do sistema da profenoloxidase (proPO) Para verificar os efeitos da hemolinfagia de triatomíneos sobre o sistema imune de hospedeiros invertebrados, a ativação da proPO foi avaliada 24 horas após a injeção de 552 nl de saliva bruta de T. infestans em ninfas de quarto estádio de R. prolixus. Os resultados demostraram que as ninfas injetadas com saliva tiveram uma atividade da PO 73% menor do que ninfas injetadas apenas com solução salina (ANOVA / Tukey, p <0,001). Além disso, os insetos injetados com a saliva bruta tiveram um padrão de ativação similar aos insetos do grupo não-injetado (ANOVA / ns) (FIG. 12A). Esses resultados demonstram que quando os insetos são injetados com salina há uma ativação da cascata da proPO, enquanto que nos insetos injetados com saliva bruta ocorre uma inibição da ativação da cascata da proPO. Diante desses resultados, foi avaliado se a atividade da PO (após ativação da cascata da proPO pela injeção de salina) poderia ser inibida pela saliva de T. infestans. A hemolinfa de ninfas de quarto estádio de R. prolixus (injetadas com solução salina 24 horas antes) foi incubada com saliva bruta ou solução salina, e a atividade da PO foi medida. Não houve diferença na atividade da PO entre grupos de insetos injetados com solução salina, que foram incubadas com saliva bruta ou com solução salina (FIG. 12B; análise de variância, ns). Além disso, a atividade da PO no grupo das ninfas injetadas com solução salina foi quatro vezes maior do que no grupo controle (ninfas não injetadadas) (ANOVA / Tukey, p<0,001), demonstrando com isso, que a saliva de T. infestans não inibiu diretamente a atividade da PO quando a cascata da proPO já estava ativada. 35 A B Figura 12 – Efeito da saliva de T. infestans sobre a cascata da profenoloxidase (proPO) da hemolinfa de ninfas de quarto estádio de R. prolixus. (A) Efeito da saliva na ativação da cascata da proPO. (B) Efeito da saliva sobre a PO ativada. Os asteriscos (*) indicam uma diferença significativa em relação aos demais grupos (ANOVA / Tukey, p <0,001). Os valores correspondem à média ± desvio padrão de cada grupo. 5.4 Caracterização da atividade paralisante da saliva de T. infestans Para avaliar se a saliva é capaz de promover outros efeitos que possam favorecer a hemolinfagia, como por exemplo, a paralisia do inseto durante a retirada de hemolinfa, ninfas de segundo estádio de R. prolixus foram injetadas com saliva bruta ou saliva semipurificada de T. infestans. Todas as ninfas injetadas permaneceram imóveis por pelo menos 10 minutos (Tab. 1). Aparentemente a saliva, ao ser injetada nas ninfas não é nociva. Vinte quatro horas após a injeção de saliva bruta ou saliva semipurificada, a mortalidade (X2, 3 g. l., p = 0,49) e o ganho de peso das ninfas após a alimentação em ratos (ANOVA / ns) não foram significativamente diferentes do grupo controle (Tab. 1). A mortalidade dos grupos foi aparentemente, uma consequência do dano causado pelas injeções. O tempo total de paralisia foi considerado o período necessário para que as ninfas se desvirassem. Mesmo após se desvirarem, as ninfas injetadas com amostras de 36 saliva bruta ou saliva semipurificada permaneceram com movimentos lentos por longos períodos (~ 2 horas). Tabela 1 - Efeito da injeção da saliva bruta ou semipurificada de T. infestans em ninfas de segundo estádio de R. prolixus Nos parâmetros mortalidade (X2, 3 graus de liberdade, p = 0,49) e o ganho de peso (ANOVA / Tukey p>0,05) não há diferença estatística entre os grupos. O funcionamento do vaso dorsal foi avaliado "in vivo", enquanto as ninfas de segundo estádio de T. infestans alimentavam-se da hemolinfa de adultos imobilizados de R. prolixus (Fig. 13A). A frequência e a amplitude das contrações vaso dorsal de R. prolixus diminuiu gradualmente após a inserção das peças bucais das ninfas no seu abdômen (n=5). A figura 13B representa um dos experimentos realizados, dos 90 aos 120 segundos após a picada onde, observa-se que a frequência e a amplitude das contrações do vaso dorsal foram reduzidas em aproximadamente 46 e 50%, respectivamente. Em alguns experimentos, as contrações do vaso dorsal pararam completamente por períodos de até 20 segundos. Após o término do processo de alimentação, as contrações do vaso dorsal mantiveram-se em baixas frequências e amplitude por aproximadamente 5 minutos e voltaram a aumentar gradualmente até atingirem os valores iniciais (n=5). 37 A B Figura 13 – Avaliação das contrações do vaso dorsal durante a hemolinfagia de ninfas de segundo estádio de T. infestans em adultos de R. prolixus. (A) Vista do vaso dorsal (setas) por transparência durante a hemolinfagia. (B) Representação gráfica da frequência e amplitude relativa das contrações do vaso dorsal durante a hemolinfagia. O gráfico mostra os resultados de um dos experimentos (n=5) e a primeira área medida do vaso dorsal foi considerada 100%. A paralisia do vaso dorsal causada pela saliva foi confirmada por meio de um sistema onde a frequência e a amplitude das contrações foram analisadas "in situ". A adição de 1 μl de saliva bruta ou saliva semipurificada de T. infestans diretamente na preparação de vaso dorsal de R. prolixus causou uma paralisia imediata e total das contrações (n = 5 para cada amostra; Fig. 14). Esse efeito foi revertido imediatamente após a lavagem com salina. Quando a saliva bruta foi aplicada, a frequência das contrações permaneceu baixa por longos períodos (pelo menos 40 segundos) após a lavagem (retirada da saliva pela adição de solução salina na preparação). 38 Figura 14 – In situ avaliação da frequência e da amplitude relativa das contrações do vaso dorsal depois da adição da saliva bruta de T. infestans e lavagem (retirada) da amostra adicionando solução salina à preparação. O gráfico representa um dos experimentos e a primeira área medida do vaso dorsal foi considerada 100%. 5.5 Caracterização da molécula paralisante da saliva de T. infestans O tratamento da saliva semipurificada com proteinase K não interferiu na atividade paralisante sobre as contrações do vaso dorsal de R. prolixus que permaneceram presentes (n = 3). Após submeter a saliva semipurificada de T. infestans ao protocolo de extração de lipídios, a molécula ativa estava presente na fase aquosa, que causou uma parada nas contrações quando adicionada às preparações de vaso dorsal de R. prolixus (n = 3). A frequência e a amplitude das contrações voltaram aos níveis anteriores à adição de saliva após a lavagem. O material presente na fase orgânica não causou redução nas contrações ou amplitude do vaso dorsal. 5.6. Identificação da molécula paralisante da saliva de T. infestans Para identificar a molécula salivar com atividade paralisante, 50 µl de saliva 39 semipurificada de T. infestans foram cromatografados usando uma coluna de fase reversa C8. Todas as frações resultantes da cromatografia foram testadas, e apenas as frações 7 e 8 (correspondentes a dois picos sobrepostos) (Fig. 15) induziram uma paralisia imediata das contrações do vaso dorsal de R. prolixus, e este efeito foi revertido após a lavagem. Essas frações (7 e 8) também foram as únicas frações que apresentaram atividade paralisante, quando injetadas em ninfas de segundo estádio de R. prolixus. Ambas induziram uma paralisia por mais de 10 minutos em 62% (8 em 13) das ninfas injetadas e os níveis de mortalidade foram inferiores a 15% (Tab. 2). Figura 15 – Cromatograma da saliva semipurificada de T. infestans utilizando coluna C8 fase reversa. A área pontilhada indica o pico contendo as frações (7 e 8) com atividade paralisante. 40 Tabela 2 – Paralisia de ninfas de segundo estádio de R. prolixus induzida pela injeção das frações da saliva semipurificada de T. infestans após cromatografia em coluna C8 de fase reversa. Frações testadas Número de ninfas por grupo Número de ninfas imobilizadas por mais de 10 minutos Mortalidade 24 horas após a injeção Ganho de peso 24 horas após as injeções (mg) 7 8 1, 3, 4, 5, 6,10,11, 13, 14, 18 e 19 13 13 5 8 8 0 2 (15.4%) 1 (7.7%) 0 9.06 ± 2.65 9.1 ± 2.48 9.03±1.61 a 9.24 ±1.67 5.7 Espectrometria de massa dos compostos ativos Uma análise por espectrometria de massa das frações ativas (frações 7 e 8) resultantes da cromatografia da saliva semipurificada de T. infestans, em coluna C8 de fase reversa, identificou um composto com similaridade a alguns compostos orgânicos: dissulfiram, 2-aminothiazol, benzeno, benzamidina e dapsona. Os compostos benzeno e benzamidina possuem anel aromático em sua estrutura química; dapsona possui além do anel aromático dois agrupamentos amina em sua estrutura química, enquanto que dissulfiram e 2-aminothiazol possuem agrupamento amina (Fig.16). Figura 16 – Fórmulas estruturais das moléculas orgânicas com similaridade ao composto presente na fração purificada da saliva de T. infestans. 41 6 Discussão – Parte 1 – Hemolinfagia Os resultados do presente estudo confirmaram que a hemolinfagia entre triatomíneos é um comportamento comum, sobretudo nos primeiros estágios ninfais em jejum prolongado. Ninfas de primeiro e segundo estádio utilizaram a hemolinfa de ninfas de estágios mais avançados ou adultos como fonte de alimento. Entretanto, nós observamos que algumas ninfas precisaram de estímulo extra para serem motivadas a se alimentar da hemolinfa dos insetos alvos. Como o calor é atrativo para insetos hematófagos (Ferreira et al., 2007), o aquecimento dos insetos alvos induziu um maior número de ninfas em jejum a perfurar o corpo dele à procura de alimento (hemolinfa). Embora outros estímulos possam estar relacionados a resposta de extensão da probóscida (PER), resposta que antecede a picada no hospedeiro, o calor é um estímulo importante para os triatomíneos (Guerenstein and Lazzari, 2009) e foi muito útil nos experimentos para facilitar a observação da hemolinfagia, entretanto ele não foi um estímulo essencial para a ocorrência da hemolinfagia. A cleptohematofagia de ninfas de segundo estádio de T. infestans em ninfas de quinto estádio de R. prolixus foi reproduzida apenas quando ninfas de R. prolixus recém alimentadas de sangue (1 a 3 horas após respasto) foram utilizadas como insetos alvo. As ninfas de segundo estádio de T. infestans foram capazes de sugar o conteúdo intestinal dos insetos alvos, e a análise do conteúdo do intestino médio anterior dessas ninfas demonstrou a presença de sangue. Para evitar a cleptohematofagia nos experimentos de hemolinfagia, foram utilizados insetos alvos que haviam realizado respasto sanguíneo pelo menos 3 dias antes da realização dos ensaios; pois os triatomíneos assim que se alimentam de sangue de hospedeiros vertebrados, ocorre no intestino uma rápida excreção dos líquidos presente no sangue ingerido, e o conteúdo restante desse sangue é concentrado e armazenado no intestino médio anterior (Lehane, 1996; Maddrell, 1964). Dessa forma, 42 3 dias após o repasto sanguíneo, o sangue no interior do intestino do triatomíneo encontra-se concentrado e em alta viscosidade. Provavelmente esta é a razão das ninfas de T. infestans não se alimentarem do conteúdo intestinal do inseto alvo (R. prolixus). Ao examinar o conteúdo do intestino médio anterior das ninfas que realizaram hemolinfagia aparentemente foi observada apenas a presença de hemolinfa. Os ensaios avaliando a influência da hemolinfagia sobre a taxa de sobrevivência de ninfas de primeiro estádio de T. infestans demonstraram que esse hábito é importante durante períodos prolongados de escassez de sangue, pois ele possibilitou às ninfas que se alimentaram de hemolinfa permanecerem vivas por longos períodos mesmo na ausência de sangue. A ingestão de hemolinfa prolongou em mais de 50% o período de sobrevivência dessas ninfas, quando comparado com ninfas submetidas ao jejum total de alimento. As ninfas que realizaram a hemolinfagia foram capazes de sobreviver por pelo menos 120 dias, enquanto as ninfas submetidas ao jejum de sangue e de hemolinfa sobreviveram menos de 75 dias. Estudos anteriores demonstraram que ninfas de primeiro estádio de T. infestans sobrevivem por 31 a 90 dias sem alimento (Perlowagora-Szumlewicz, 1969). Interessantemente, ninfas de primeiro estádio, aparentemente, alimentam-se exclusivamente de ninfas de estádio mais avançados, como quarto, quinto estádio ou adultos. Não foi observada hemolinfagia entre ninfas de estádios iniciais como primeiro e segundo. As ninfas de T. infestans que sobreviveram alimentando-se exclusivamente de hemolinfa de R. prolixus não tiveram nenhum dano fisiológico aparente e após o término dos experimentos elas foram capazes de realizar respasto sanguíneo em hospedeiro vertebrado (rato, previamente anestesiado) normalmente. O ganho de peso e o tempo de muda foram similares aos de ninfas de segundo estádio da colônia (dados não mostrados). Na natureza, onde hospedeiros 43 vertebrados não estão sempre disponíveis, as ninfas que ingerem hemolinfa certamente obtêm uma vantagem considerável sobre outras ninfas em jejum total de alimento. O comportamento de agregação dos triatomíneos em abrigos também pode favorecer a hemolinfagia. Pires et al. (2002) observaram que ninfas em estádios iniciais e adultos de T. infestans, assim como de P. megistus tendem a ficar agregadas em locais onde a superfície está impregnada por suas fezes e/ou substâncias cuticulares. Esta tendência de agregação também tem sido observada nos triatomíneos R. prolixus e T. infestans de maneira inter e intraespecífica (Figueiras and Lazzari, 2002). Na natureza essa agregação favoreceria a hemolinfagia de ninfas de estádios iniciais em outras ninfas e/ou adultos, proporcionando a elas uma fonte constante de alimento no próprio abrigo, evitando assim a exposição a possíveis predadores durante a busca por um hospedeiro vertebrado. Além disso, os abrigos oferecem condições ideais para a reprodução, proteção e postura, e, portanto, para a colonização do habitat pelo triatomíneo (Vitta et al., 2007). Com relação à saliva dos triatomíneos, os resultados encontrados no presente estudo sugerem que, assim como na hematofagia, a saliva pode ser também importante para a hemolinfagia. A saliva de T. infestans foi capaz de inibir a ativação da cascata da proPO. Em invertebrados, as respostas imunes são imediatas (Cerenius et al., 2010; Vilmos and Kurucz, 1998), e uma inibição parcial ou total delas favoreceria a hemolinfagia, ao evitar o aparecimento de respostas imunes (por exemplo, a coagulação da hemolinfa) próximas ao local da picada. Foi demonstrado que um aumento na viscosidade da dieta ingerida reduz a eficiência alimentar dos triatomíneos (Smith, 1979). Dessa maneira, um aumento na viscosidade da hemolinfa, devido à ativação da cascata de coagulação dificultaria a hemolinfagia. 44 Acredita-se que os sinais de ativação, da PO e de outras respostas imunes de invertebrados como degranulação celular, síntese de proteínas antimicrobianas e coagulação de hemolinfa, são os mesmos, pelo menos em algum grau (Jiravanichpaisal et al., 2006; Lemaitre and Hoffmann, 2007). A saliva de T. infestans contém serpinas que são importantes inibidores de serino proteases. Serino proteases estão envolvidas na inflamação, coagulação sanguínea e ativação do complemento, bem como na regulação da ativação da PO (Assumpção et al., 2008; Soderhall and Cerenius, 1998) . As serpinas seriam moléculas que, poderiam estar inibindo a ativação da proPO, entretanto esta suspeita ainda dever ser confirmada uma vez que as moléculas que inibem essa ativação ainda não são conhecidas. Outra evidência de que a saliva de T. infestans é capaz de interferir no sistema da profenoloxidase são as observações indiretas do conteúdo intestinal das ninfas que ingeriram hemolinfa. A hemolinfa ingerida apresentou uma cor amarelo clara e não marrom escura (cor característica de hemolinfa coletada na ausência de inibidores, após poucos minutos). Esta cor escura é devida à deposição de melanina, um dos produtos gerados pela ativação do sistema da profenoloxidase. Contudo, não podemos descartar a possibilidade de que a inibição do sistema da proPO seja devida ou auxiliada por moléculas presentes no intestino médio anterior. Interessantemente, quando a saliva de T. infestans foi adicionada a hemolinfa contendo a cascata da proPO ativada, não houve redução na atividade da PO já formada, sugerindo que a saliva só atua sobre o processo de ativação inicial e não sobre os fatores intermediários da cascata. É importante ressaltar que para avaliar os efeitos da saliva sobre a cascata proPO durante hemolinfagia, a atividade da PO deveria ser medida em um período de 0 a 15 minutos após a picada/lesão, esse período corresponde ao tempo médio que ninfas de 45 segundo estádio gastam para se alimentarem (Guarneri et al., 2003; Guarneri et al., 2000b). Além disso, uma vez que a ativação da PO é imediata e altamente localizada (Richman and Kafatos, 1996), uma melhor caracterização seria obtida somente através da avaliação do efeito local de saliva. Embora essas análises não tenham sido realizadas, os resultados obtidos 24 horas após as lesões terem sido provocadas podem ser indicativos sobre os eventos que ocorrem durante esses períodos iniciais. Durante a hemolinfagia, também foi observado que alguns espécimes de triatomíneos alvos demonstravam incômodo às picadas exercidas pelas ninfas que se alimentavam neles, e às vezes, eles tentavam remover essas ninfas com as pernas. Apesar desta tentativa de remoção, as ninfas eram capazes de se alimentar. E, quando os espécimes alvos foram imobilizados, o número de ninfas que se alimentaram neles aumentou. As observações deste estudo corroboram os estudos anteriores de Ryckman (1951) e Lorosa et al. (2000) que demonstraram que os insetos alvos permanecem com motilidade reduzida ou imóveis, durante a hemolinfagia, por um período de tempo suficiente para as ninfas completem a sua alimentação. A saliva pode ter um papel importante nesta imobilização. Foi demonstrado que ninfas de segundo estádio de T. infestans são capazes de reduzir consideravelmente a amplitude e as contrações do vaso dorsal de R. prolixus (ensaios in vivo) quando se alimentaram da hemolinfa de adultos. Para caracterizar essa atividade paralisante, a saliva foi testada em dois diferentes modelos. No primeiro modelo, a saliva de insetos adultos de T. infestans foi adicionada diretamente no vaso dorsal de adultos de R. prolixus (ensaios in situ) e produziu um efeito semelhante aos observados durante a hemolinfagia de ninfas de segundo estádio de R. prolixus. A saliva de T. infestans causou uma redução na amplitude e na frequência de contrações do vaso dorsal de R. prolixus tanto nos ensaios in situ quanto nos in vivo, e em algumas vezes foi observada uma parada total das 46 contrações do vaso dorsal. No segundo modelo, a saliva de adultos de T. infestans foi injetada no tórax de ninfas de segundo estádio de R. prolixus, e uma única injeção de 276 nl de saliva causou a paralisia dos insetos por mais de 10 minutos. A saliva de insetos adultos de T. infestans foi utilizada nos experimentos, pois a extração de uma quantidade suficiente de saliva de ninfas de segundo estádio é extremamente difícil. Embora trabalhos anteriores demonstrem que os componentes salivares dos triatomíneos podem variar ao longo de seu desenvolvimento (Guarneri et al., 2003; Moreira et al., 2003), a molécula responsável pela atividade paralisante parece ser expressa nos estádios ninfais e no estágio adulto do inseto. Analisando os possíveis efeitos nocivos da saliva sobre insetos alvos, nosso trabalho está de acordo com estudos anteriores, que demonstram que em condições de laboratório, a hemolinfagia exercida por triatomíneos aparentemente não causa nenhuma pré-digestão do tecido ou a morte dos espécimes alvos (Lorosa et al., 2000; Ryckman, 1951). Aparentemente a saliva liberada durante a hemolinfagia apenas provoca uma paralisia (parcial ou total) temporária (Noireau et al., 2005). Embora a saliva de T. infestans possua uma proteína formadora de poros, trialisina, que é capaz de lisar células de bactérias e tripanossomatídeos, e em altas concentrações lisar eritrócitos de mamíferos (Amino et al., 2002), e serino proteases (Amino et al., 2001), (que provavelmente possuem uma função de ativar outras moléculas salivares, e não função digestiva), no presente estudo nenhum efeito nocivo aparente da saliva de T. infestans foi observado quando ela foi injetada em ninfas de R. prolixus. As ninfas foram capazes de se alimentar 24 horas após a injeção e mudaram para o estádio seguinte sem problemas aparentes. Os ensaios de caracterização da molécula com atividade paralisante indicam que ela é termo-estável e tem baixo peso molecular (<5 kDa). A atividade da molécula foi 47 mantida após a remoção da fase lipídica e após o tratamento da amostra com proteinase K. Essas características (não lipídica ou protéica, de baixo peso molecular) apresentadas pela molécula dificultam a manipulação e a caracterização do composto funcional. Embora a filogenia dos triatomíneos seja controversa, todos os autores concordam com a existência de um predador reduviídeo como ancestral das espécies hematófagas da subfamília Triatominae (Hypsa et al., 2002; Schofield, 1988). A saliva de insetos predadores contém muitas proteases digestivas, que são responsáveis pela pré-digestão dos tecidos das presas e causam muita dor. Em triatomíneos, essas enzimas foram perdidas, durante a evolução para a hematofagia, possibilitando então ao inseto ingerir sangue pela picada indolor (Tartarotti et al., 2004). O fato de moléculas salivares de triatomíneos não matarem ou digerirem o inseto alvo, mas apenas provocarem uma paralisia temporária torna o processo de hemolinfagia mais parecido com a hematofagia do que com a predação. Essa paralisia temporária pode estar relacionada à presença de inibidores de canais de sódio na saliva de T. infestans (Dan et al., 1999), os quais paralisariam os hospedeiros invertebrados e atuariam como um composto anestésico em animais vertebrados. A hemolinfagia pode ser um hábito remanescente da evolução dos triatomíneos hematófagos a partir de predadores reduviídeos (Schofield, 1988) ou apenas uma variação da hematofagia. A hemolinfagia nas espécies hematófagas pode ter experimentado uma pressão positiva durante a evolução para minimizar a dependência constante destes insetos por sangue de hospedeiros vertebrados. Além dos triatomíneos, outras espécies de insetos hematófagos (dípteros) também possuem relatos de hemolinfagia. Em condições de laboratório, fêmeas dos mosquitos Aedes aegypti (Linnaeus, 1762) e Culex tarsalis Linnaeus, 1758 podem se alimentar dos fluidos (hemolinfa) de larvas de lepidópteros e produzirem ovos viáveis sem terem se alimentado de sangue (Harris and Cooke, 1969). Fêmeas do mosquito 48 Mansonia titillans (Walker, 1848) frequentemente sugam o conteúdo intestinal de outros mosquitos que haviam se alimentado recentemente de sangue ou outros fluidos (Burton, 1963). Os experimentos de caracterização da hemolinfagia confirmaram que os triatomíneos podem alimentam-se em indivíduos de outras espécies de triatomíneos, entretanto na natureza, diferentes espécies de triatomíneos vivendo junto no mesmo ecótopo é uma ocorrência incomum (Pires et al., 2002). R. prolixus e T. infestans possuem diferentes distribuições geográficas e habitam distintos ecótopos (Noireau et al., 2005). Diferentes espécies de invertebrados têm sido encontradas compartilhando os mesmos ecótopos dos triatomíneos e foi demonstrado que espécimes de baratas (Dictyoptera) podem representar uma importante fonte de hemolinfa (Freitas et al., 2005; Lorosa et al., 2000; Ruas-Neto et al., 2001). Portanto, a ocorrência da hemolinfagia em triatomíneos deve ser mais frequente entre indivíduos da mesma espécie e/ou em outros invertebrados que compartilham os mesmos ecótopos. Resultados preliminares, da análise por espectrometria de massa das frações da saliva semipurificada de T. infestans (obtidas após cromatografia) identificou similaridade da molécula paralisante com alguns compostos orgânicos como: dissulfiram, 2-aminothiazol, dapsona, benzeno e benzamidina. Dentre estes compostos, os dois primeiros apresentam agrupamentos amina em suas estruturas químicas, os dois últimos possuem um anel aromático, e a dapsona apresenta tanto o agrupamento aromático, quanto agrupamentos amina. Fámacos descritos com propriedade bloqueadora de canais de sódio possuem uma estrutura química formada por um anel aromático (que é a porção lipossolúvel do fármaco, responsável pela penetração no nervo) e ligantes intermediários de agrupamentos amina (que é a porção hidrofílica da molécula, que determina a 49 velocidade de ação do fármaco) (Becker and Reed, 2006). Nossa hipótese é que a atividade paralisante presente na saliva de T. infestans possa ter o mesmo mecanismo de ação da atividade bloqueadora de canais de sódio descrita por Dan et al., 1999. 50 7 Conclusões – Parte 1 – Hemolinfagia Ninfas de triatomíneos em estádios iniciais, em jejum, frequentemente realizam a hemolinfagia em ninfas de estádios mais avançados. Na ausência de sangue de hospedeiro vertebrado, a hemolinfagia representa uma fonte alternativa de alimentação para os triatomíneos, capaz de prolongar taxa de sobrevivência das ninfas. A saliva de T. infestans é capaz de inibir a ativação da cascata da proPO de invertebrados; entretanto, não exerce efeito sobre a PO ativada. A saliva de T. infestans causa in vivo uma paralisia temporária, sem causar danos significativos para as ninfas, e quando aplicada sobre o vaso dorsal de R. prolixus é capaz de paralisar os batimentos. A molécula responsável pela atividade paralisante presente na saliva de T. infestans é termorresistente, possui baixo peso molecular (<5 kDa), e sua natureza provavelmente não é protéica ou lipídica. 51 8 Material e Métodos – Parte 2 – Atividade hemaglutinante 8.1 Obtenção do intestino médio anterior e preparação dos extratos O intestino médio anterior das ninfas de T. infestans foi dissecado com o auxílio de pinças e tesoura sob microscópio estereoscópico e transferido para tubos de microcentrífuga de 1,5 ml contendo solução salina (NaCl 154 mM), na proporção de 1 intestino para 10 µl de solução salina. Cada tubo contendo o intestino médio anterior foi macerado utilizando-se um pistilo de vidro, sonicado por 1 minuto, centrifugado por 5 minutos a 12.000 g e o sobrenadante foi transferido para um novo tubo e estocado a -20oC até o uso. 8.2 Preparação da suspensão de hemácias Para a preparação da suspensão de hemácias, o sangue de diferentes hospedeiros vertebrados foi retirado utilizando-se o sal sódico do ácido etilenodiamino tetra-acético – EDTA (20 µl de EDTA 300 mM / ml de sangue) como anticoagulante. O sangue foi centrifugado por 15 min a 5.000 g, o plasma foi descartado e as hemácias foram resuspendidas em solução salina ajustando o hematócrito para a concentração de uso de cada ensaio. Os hospedeiros vertebrados utilizados para coleta de sangue (Tabela 4) foram: camundongos Mus musculus (Linnaeus, 1758) das linhagens: Swiss, Balb/C e Hairless; hamster – Mesocricetus auratus Waterhouse, 1839; rato – Rattus norvegicus Berkenhout, 1769; Coelho – Oryctolagus cuniculus (Linnaeus, 1758), gerbil – Meriones unguiculatus Milne-Edwards, 1867; galinha – Gallus gallus domesticus (Linnaeus, 1758); boi – Bos taurus Linnaeus, 1758; cachorro – Canis lupus familiaris Linnaeus, 1758; carneiro – Ovis aries Linnaeus, 1758; homem – Homo sapiens Linnaeus, 1758. 52 8.3 Ensaio de hemaglutinação em lâmina Em uma lâmina de microscopia de vidro foram adicionados 9 µl de suspensão de hemácias no hematócrito 15% e 1 µl do extrato de intestino médio anterior. Após homogeneização, a mistura foi examinada entre lâmina e lamínula ao microscópio óptico para verificar a ocorrência do fenômeno de aglutinação sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados. Como controle o extrato de intestino médio anterior foi substituído por 1 µl de solução salina. 8.4 Ensaio de hemaglutinação em espectrofotômetro Para avaliar a cinética do fenômeno e quantificar o nível de aglutinação, 5 l de extrato de intestino médio anterior de ninfas de terceiro estádio de T. infestans, com diferentes dias pós muda (0, 1, 2, 3, 4, 5, 7, 15 e 25 dias) foram adicionados a orifícios de uma placa de 96 poços contendo 5 l de solução salina. O fenômeno foi disparado pela adição de 100 l de suspensão de hemácias com hematócrito ajustado para 5% com solução salina. No grupo controle, o extrato de intestino foi substituído por solução salina. A variação na turbidez (porcentagem de redução da absorvância) em cada amostra foi avaliada por 10 minutos a 650 nm em um leitor de ELISA (VersaMax Tunable Microplate Reader, Molecular Devices) por leituras realizadas a cada 13 segundos, com agitação de 8 segundos nos intervalos de cada leitura. Para calcular a redução da absorvância da amostra, o valor inicial da absorvância a 650nm foi subtraído da média dos três menores valores da absorvância. E, esses valores foram convertidos em porcentagem, sendo o valor inicial da absorvância a 650 nm considerado 100%. A figura 17 ilustra os valores da absorvância, quando não há hemaglutinação (1) e quando ocorre hemaglutinação (2), demonstrando a diferença dos perfis e dos valores das absorvâncias, durante os 10 minutos de ensaio. A média dos 53 valores da redução da absorvância obtidas de 8 amostras de intestino médio anterior, por cada grupo, foram utilizadas para caracterizar a atividade hemaglutinante. 100 % relativa de absorvância (650 nm) (1) 95 90 85 (2) 80 75 0 100 200 300 400 500 600 Tempo (segundos) Figura 17 – Representação dos perfis e dos valores relativos de absorvância obtidos nos ensaios de hemaglutinação em espectrofotômetro. Legenda: (1) – ausência de hemaglutinação; (2) -- -- presença de hemaglutinação. 8.5 Caracterização da molécula hemaglutinante Para os ensaios de caracterização da molécula hemaglutinante foram utilizados extratos de intestino médio anterior retirados de ninfas de quinto estádio de T. infestans a partir do 15º dia após a muda, na proporção de 1 intestino para 10 µl de solução salina. 8.5.1 Quantificação do título de hemaglutinação Alíquotas de 30 µl, de três "pools" diferentes de extrato intestinal de ninfas de quinto estádio foram diluídas em série no fator 2 para avaliar os títulos de hemaglutinação em lâmina. 54 8.5.2 Tratamento térmico do extrato intestinal Trinta microlitros de extrato intestinal de ninfas de quinto estádio foram aquecidos a 98°C por 5 minutos, em seguida a amostra foi centrifugada por 5 minutos a 12.000 g e o sobrenadante resultante foi chamado de extrato de intestino tratado termicamente e seus títulos de hemaglutinação foram reavaliados. Foram realizadas 3 repetições com 3 amostras de "pools" diferentes. 8.5.3 Quantificação de proteínas antes e após o tratamento térmico A concentração de proteínas do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio foi estimada antes e após o tratamento térmico, pelo método de Bradford (1976), para estimar a perda de proteína após o tratamento térmico. Foram quantificadas individualmente 10 amostras de extrato intestinal de 10 ninfas. 8.5.4 Tratamento do extrato intestinal com proteases Duas alíquotas do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio, tratado e não tratado termicamente, contendo 100 g de proteína em um volume de 25 µl cada, foram tratadas com 0,5 µg/µl de proteinase K (Sigma-Aldrich) ou tripsina (Sigma-Aldrich) em tampão HEPES (HEPES-NaOH 20 Mm, NaCl a 154 mM, pH 7,4) em volume final de 50 µl, e o tratamento foi feito por 4 horas a 37ºC. Como controle, 100 g de proteínas do extrato de intestino tratado e não tratado termicamente foram mantidos nas mesmas condições, porém sem a adição de proteinase K ou tripsina. Após a incubação as amostras tratada e não-tratada com proteinase K ou tripsina foram fervidas por 3 minutos, centrifugadas por 3 minutos a 12.000 g e o sobrenadante foi utilizado nos ensaios de hemaglutinação. 55 Também foi realizado um controle, contendo apenas protease (proteinase K ou tripsina) diluídas em solução tampão e submetidas aos mesmos procedimentos descritos anteriormente. 8.5.5 Estabilidade térmica Para determinar a estabilidade térmica da atividade hemaglutinante, amostras de intestino médio anterior tratado e não tratado termicamente foram incubadas por 30 minutos, em diferentes temperaturas (10oC, 23oC, 37oC, 45oC, 60oC e 72oC). 8.5.6 Efeito da variação do pH sobre a atividade hemaglutinante Em 9 l de suspensão de hemácias, no hematócrito 15%, diluídas em diferentes pHs de soluções: citrato – (20 mM de ácido cítrico-NaOH, NaCl a 154 mM ) em pHs 3 e 5; MES (20 Mm de MES, NaCl a 154 mM) em pH 6; HEPES (20 Mm de HEPES/NaOH, NaCl a 154 mM) em pH 7; TRIS (20 mM de Tris/HCl, NaCl a 154 mM) nos pHs 8, 9 e 10 foram adicionados 1 l de amostras de extrato intestinal de ninfas de quinto estádio e o efeito da variação do pH sobre a atividade hemaglutinante do conteúdo intestinal foi avaliada. 8.5.7 Tratamento do extrato intestinal com colágeno e gelatina Cem microlitros de extrato de intestino de ninfas de quinto estádio tratado e não tratado termicamente foram incubados com 4 mg de colágeno tipo I nativo (SigmaAldrich) e mantidos por 30 minutos à temperatura ambiente. Dez microlitros dessa solução foram retirados, diluídos em série e utilizados nos ensaios de hemaglutinação em lâmina. Dez microlitros de extrato de intestino de ninfas de quinto estádio tratado e não tratado termicamente foram adicionados de gelatina para a concentração final de 2% e 56 mantidos por 5 minutos a temperatura ambiente. Alíquotas de 1 l dessa solução foram retiradas e utilizadas nos ensaios de hemaglutinação em lâmina. 8.6 Semipurificação do extrato de intestino Amostras de extrato de intestino de ninfas de quinto estádio tratado e não tratado termicamente foram transferidos para colunas com limite de exclusão de 30 e 100 kDa (Ultrafree®-MC Microcentrifuge/Milipore) e ultrafiltrados a 4.900 g a 4 oC até que quase todo o conteúdo passasse pela membrana. A parte superior do filtro foi lavada por três vezes com solução salina e coletada em um novo tubo de 1,5 ml. As alíquotas que continham as moléculas acima de 100 kDa, abaixo de 100 kDa e abaixo de 30 kDa foram testadas nos ensaios de hemaglutinação em lâmina. 8.7 Eletroforese em gel de poliacrilamida (SDS-PAGE) A eletroforese em gel de poliacrilamida foi realizada de acordo com o método de Laemmli (1970) modificado. As amostras foram adicionadas ao tampão da amostra contendo ou não β-mercaptoetanol, e em seguida foram aplicadas no gel. Para visualisar as proteínas presentes, os géis foram corados por azul de comassie. 8.8 Eletroeluição Foi realizada uma eletroforese em gel de poliacrilamida a 7,5%, de canaleta única, onde foram aplicados 200 l da amostra (160 l de extrato de intestino de ninfas de quinto estádio + 40 l de tampão da amostra sem β-mercaptoetanol). Após 45 minutos de corrida, a 120 V, o gel foi corado durante 15 minutos com solução de azul de comassie (1,25 g de azul de comassiee, 35 ml de ácido acético, 25 ml de metanol, água deslitilada qsp 500 ml) e descorado com solução descorante (10% de ácido acético, 57 (7%) metanol, água qsp 100ml) até que fosse visualizada uma banda de alto peso molecular (banda de interesse). A banda foi excisada do gel com o auxílio de um estilete, cortada em pequenos pedaços (1 a 2 mm) e transferida para uma membrana de diálise com limite de exclusão de 12 kDa. A membrana de diálise foi colocada horizontalmente em uma cuba de eletroforese contendo tampão de corrida (25 mM Tris base, 192 mM glicina, 0,1 % SDS). As proteínas foram eletroeluídas a 100 V, por 1 hora, em gelo. A fase líquida foi transferida para uma nova membrana, e submetida a uma diálise em 2 litros de solução salina, a 4 oC, por 24 horas. Após a diálise foi realizada uma eletroforese em gel de poliacrilamida para verificar a presença da proteína. 8.9 Imunização Quatro camundongos Balb/c, de seis semanas de idade, foram utilizados para imunização. Cada camundongo recebeu, por via intraperitonial, uma injeção contendo 24 µg da amostra resultante da eletroeluição (10 µl da amostra diluída em 90 µl de salina) emulsificado em 100 µl do adjuvante de Freund. Cada camundongo recebeu 4 injeções, com intervalos de 7 dias entre as aplicações, e após 1 mês de imunização, os animais foram anestesiados com Tiopental (100 mg/kg), o sangue foi retirado diretamente do ventrículo esquerdo com uma seringa, transferido para um tubo e mantido a temperatura ambiente por 1 hora. Após a centrifugação a 1000 g por 30 minutos, o soro foi retirado e armazenado a -20oC até o uso. 8.10 Western Blot Foi realizada uma eletroforese em gel de poliacrilamida 15%, onde foram aplicados em cada canaleta, 10 µg da proteína de 16,5 kDa, 5 µl do extrato de intestino 58 de ninfas de quinto estádio tratado termicamente e 5 µl do extrato de intestino de ninfas de quinto estádio não tratado termicamente. Obteve-se a réplica do gel em membrana de nitrocelulose (HybondTM-P, Amersham Biosciences) após transferência, a 80-90 V (~200 mA) por 2 horas, em banho de gelo. Os sítios de ligação livres da nitrocelulose foram saturados com PBS-Tween (PBS/T, pH 7,4) a 0,1% contendo 10% de leite em pó desnatado (Molico, Nestlé) por 2 horas, sob agitação. Em seguida, a membrana foi lavada 3 vezes, durante 10 minutos com PBS/T, sob agitação e armazenada a -20 oC. No dia seguinte, a membrana foi incubada por 1 hora com os soros dos camundongos diluídos em PBS/T na concentração de 1/200, à temperatura ambiente, sob agitação. Após 3 lavagens de 7 minutos, com PBS/T, sob agitação, foi feita a incubação da membrana por 1 hora com anti-IgG de camundongo conjugado com peroxidase diluído em PBS (pH 7,4) na concentração de 1/1000. Após esse período, a membrana foi novamente lavada, 2 vezes, por 7 minutos, com PBS/T e 1 vez com PBS e, então, revelada com os reagentes do kit DAB Substrate Kit for Peroxidase (Vector Laboratories Inc.). 8.11 Espectrometria de massa: Obtenção e análise dos peptídeos O espectrômetro de massa sistema MALDITOF-TOF MS (Autoflex III Smarbeam, Bruker Daltonics) utilizado pertence ao Núcleo de Estrutura e Função de Biomoléculas do Departamento de Bioquímica e Imunologia, ICB/UFMG e as análises foram feitas pelo Dr. Agenor Vasconcelos. Após a realização da eletroforese, as bandas de interesse, foram coradas por azul de comassie, excisadas do gel com o auxílio de lâmina de bisturi, descoradas em solução de acetonitrila 50% contendo bicarbonato de amônio 25 mM, pH 8, desidratadas com acetonitrila 100% e em seguida secas em uma centrífuga evaporadora. Posteriormente, as amostras foram tratadas com tripsina e mantidas a 37oC por 16 horas. 59 As soluções contendo os peptídeos resultantes da tripsinólise das amostras foram dessalinizadas utilizando-se micro colunas de purificação C18 Zip Tip (MilliporeBreadford, EUA) de acordo com as recomendações do fabricante. As amostras foram aplicadas em uma placa MTP (Anchorchip 800/384), juntamente com a matriz CHCA (ácido -ciano-4-hidroxicinâmico), e analisadas em modo refletido. Os peptídeos observados foram fragmentados e analisados nos programas FlexAnalysis 3.0 (Bruker Daltonics) e Bio tools 3.0 (Bruker Daltonics). As sequências de peptídeos derivadas das amostras estudadas sob análise de espectrometria de massa e espectrometria de massa em tandem foram confrontadas com os bancos de dados disponíveis na internet. 8.12 Silenciamento Gênico por RNAi Nos ensaios de RNAi foram utilizadas ninfas de terceiro estádio de T. infestans. 8.12.1 Extração de RNA, síntese de cDNA e PCR A extração de RNA do intestino médio anterior foi feita a partir de um “pool” de 4 intestinos (médio anterior) dissecados de ninfas de terceiro estádio de T. infestans utilizando o kit RNeasy Mini kit (Qiagen,USA) de acordo com as recomendações do fabricante. O RNA das amostras de intestino foi eluído em 24 µl de água milliQ estéril e quantificado em espectrofotômetro na absorbância de 260 nm. Para essa quantificação, foram utilizados 4 µl do eluído, diluídos 1:25 em um volume final de 100 µl de água milliQ. A concentração de RNA nas amostras foi avaliada considerando que cada unidade de absorbância a 260 nm equivale à concentração de 40 µg/µl de RNA. Após a quantificação, 1 µg do RNA foi utilizado para a síntese de cDNA usando 1 µl de hexâmeros randômicos (Promega) na concentração de 1 µg/µl e o sistema da transcriptase reversa M-MLV (Promega) em um volume final de 25 µl. A reação foi 60 realizada em um termociclador, a 25oC por 10 minutos, 37oC por 60 minutos e 70oC por 15 minutos e posteriormente foi armazenada a -20oC. O cDNA sintetizado foi utilizado como molde para as reações de PCR, que foram realizadas em 35 ciclos (94ºC por 30 segundos, 60ºC por 30 segundos, 72ºC por 45 segundos) com 1 µl do cDNA do intestino, 200 nM de cada iniciador (Tab. 3), 200 µM de dNTPs e 1 U de Taq polimerase (Phoneutria) em um volume final de 20 µl. O RNA de epitélio de camundongo foi extraído com Trizol (Invitrogen). Um pequeno fragmento da cauda e da pele de um camundongo foi macerado com o auxílio de um triturador de tecidos. O RNA foi redissolvido em 100 µl de água milliQ. Após a quantificação do RNA em espectrofotômetro na absorbância de 260 nm, 1 µg do RNA foi utilizado para a síntese do cDNA (conforme descrito anteriormente), que serviu como molde para a PCR da queratina (Krt28- Número de acesso NM_027574 ), gene que foi utilizado como controle inespecífico do silenciamento. A PCR da queratina de camundongo também foi realizada em 35 ciclos (94ºC por 30 segundos, 60ºC por 30 segundos, 72ºC por 45 segundos) com 1 µl do cDNA do epitélio de camundongo, 200 nM de cada iniciador (Tab. 3), 200 µM de dNTPs e 1 U de Taq polimerase (Phoneutria) em um volume final de 20 µl . Os produtos das PCRs foram analisados em gel de agarose 1,5%, que foi corado em solução de brometo de etídeo a 0,5 µg/ml, visualizado sob luz ultravioleta e fotografado. Nos géis foram aplicados, além dos 5 µl do padrão de peso molecular de 100 pb, uma mistura de 2 µl do produto da PCR com 3 µl de água milliQ e 1 µl do tampão da amostra. Para cada par de iniciadores utilizados, foi feito um controle negativo (branco), onde o cDNA foi substituído por água milliQ, a fim de descartar a presença de contaminação por DNA nos iniciadores ou em qualquer outro reagente da PCR. 61 Os iniciadores utilizados nas reações de PCR foram desenhados com o software Primer3 (http://primer3.sourceforge.net/), com o promotor T7 (5´taatacgactcactatagggaga 3´) adicionado à extremidade 5’ de cada iniciador. Os iniciadores utilizados nas reações de PCR, cujo produto foi utilizado como molde para a produção dos dsRNAs estão listados na tabela 3. Tabela 3 – Oligos utilizados nas reações de PCR Gene Ferritina da glândula Ferritina intestinal (RT-PCR) Queratina Ferritina intestinal (q-PCR) 18s (RR18s) 18s (RR18s) Senso 5’ 3’ T7 + tggcagtgagtcaagttcgt Antisenso 5’ 3’ T7 + atacggcctcctcgcttatt Amplicom (pb) 272 T7 + agattcagaagaaaggcaacacg T7 + agatttgtggagcatcacattcttt 265 T7 + ggggtctcctctctggaaac cgtatgtaaggttgccatcag T7 + attagcagccgtggaagaga atggcagcggtgatttctac 275 110 tccttcgtgctaggaattgg gtacaaagggcagggacgta 105 cctgcggcttaatttgactc gtacaaagggcagggacgta 468 8.12.2 Produção de dsRNA e silenciamento de genes alvo por RNAi Os dsRNAs foram sintetizados utilizando o kit MegaScript High Yeild Transcription Kit (Ambion) de acordo com as recomendações do fabricante. Os produtos da PCR contendo o promotor T7 em ambas as extremidades foram utilizados como molde para a síntese de dsRNA. Após a incubação do dsRNA por 14 horas a 37oC, foi adicionado 1 µl de DNAse RQ1 (livre de RNAse, Amion) por reação (a cada 20 µl de dsRNA). O volume do RNA dupla fita recém sintetizado e tratado foi então triplicado com água milliQ livre de RNAse, precipitado com isopropanol 100% e depois lavado com etanol 70%. O dsRNA foi redissolvido em água MilliQ e quantificado por espectrofotometria no comprimento de onda de 260 nm. Para a quantificação, foi utilizado 0,5 µl do dsRNA, diluído 1:200 em água no mesmo volume final de 100 µl. A qualidade das fitas foi avaliada por eletroforese em gel de agarose a 1,5%, onde também 62 foi utilizado 0,5 µl do dsRNA, agora diluído 1:40 em água e adicionado tampão de amostra. Após a quantificação, o dsRNA foi secado em centrífuga evaporadora e redissolvido em solução salina 0,9% (NaCl 154 mM) na concentração final de 7,5 µg/µl. O gene alvo (ferritina) foi silenciado através da introdução do dsRNA na hemolinfa de ninfas de terceiro estádio de T. infestans, via injeção lateral no tórax dos insetos, entre a primeira e segunda perna, com o auxílio de um microinjetor (Nanoinjector, Drummond) (Araujo et al., 2006; 2007; 2009a). Ninfas com idade e peso semelhantes foram divididas em grupos controles e teste. Os grupos controles foram formados por insetos injetados apenas com solução salina ou injetados com o dsRNA inespecífico (queratina), enquanto o grupo teste foi injetado com o dsRNA do gene alvo (ferritina). Em todos os grupos de insetos injetados, o volume final do líquido introduzido foi o mesmo. Foram aplicadas duas injeções de 5 µg de dsRNA, em cada inseto, com intervalos de 48 horas entre as injeções. 8.12.3 Avaliação dos níveis de RNAm pós-silenciamento Quarenta e oito horas após a última injeção, os níveis de mRNA correspondente ao gene alvo (ferritina) foram avaliados por PCR em tempo real (qPCR), utilizando o Power SYBR Green PCR Master Mix (Applied Biosystems) de acordo com as recomendações do fabricante, comparando os grupos controles ao teste. A detecção dos resultados foi realizada pelo ABIPRISM 7500 Sequence Detection System (Applied Biosystems). Cada reação foi feita em duplicata, contendo 1 µl dos produtos da reação de síntese de cDNA de um "pool" de 4 intestinos (médio anterior) de ninfas de cada um dos grupos testados, 300 nM de cada iniciador (Tab. 3), 12,5 µl do Power SYBR 63 Green PCR Master Mix em um volume final de 25 µl. As condições de amplificação foram: 95oC por 10 minutos, 40 ciclos de 95oC por 15 segundos e 60oC por 1 minuto. Como controle negativo (branco), o cDNA foi substituído por água milliQ estéril. Após as reações, foi feita a análise da curva de dissociação dos amplificados de cada amostra para verificar se as qPCRs estavam produzindo mais de um produto ou se havia formação de dímeros. Os produtos de qPCR tiveram sua especificidade confirmada pela análise da eletroforese em gel de agarose a 1,5%, corado com brometo de etídeo e visualizado através de luz ultravioleta. A quantidade relativa de transcritos-alvo em cada amostra foi determinada usando o método 2-Ct (Livak and Schmittgen, 2001) e o RNA ribosomal 18s (RR18s) foi utilizado para a normalização dos resultados. Os iniciadores para a qPCR do RNA ribossomal 18s e para a ferritina estão listados na tabela 3. O fenótipo dos insetos injetados com dsRNA do gene alvo (ferritina) e dos insetos controle foi avaliado 2, 7 e 10 dias após a última injeção, através do ensaio biológico "in vitro"de hemaglutinação. 8.13 Cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) 8.13.1 Coluna de Troca iônica Amostras de 50µl de extrato de intestino de ninfas de quinto estádio tratados termicamente (5 intestinos) foram cromatografados em uma coluna de troca iônica de 5 cm x 4,6 mm (Discovery®BIO PolyMA-WAX, Supelco). A coluna foi equilibrada em tampão TRIS (20 mM de Tris/HCl, pH 7,2). Como fase móvel foi utilizado um gradiente linear de tampão TRIS (20 mM de Tris/HCl, NaCl a 1M em pH 7,2), (de 0 a 100% em 32 minutos), com o fluxo de 0,25 ml/minuto. As amostras foram monitoradas nos comprimentos de onda de 280 nm e 404 nm. As frações resultantes foram coletadas a cada minuto e utilizadas nos ensaios de hemaglutinação. 64 8.13.2 Coluna de filtração molecular Amostras de 50µl de extrato de intestino de ninfas de quinto estádio tratados termicamente (5 intestinos) foram cromatografados em uma coluna de filtração molecular de 30 cm x 4,6 mm, range: 0,5 a 150 kDa, Discovery®BIO GFC 150 (SigmaAldrich). A coluna foi equilibrada em solução salina 0,45% e o fluxo utilizado foi de 0,4 ml/minuto. As amostras foram monitoradas nos comprimentos de onda de 280 nm e 404 nm. As frações resultantes foram coletadas a cada minuto e utilizadas nos ensaios de hemaglutinação. 65 9 Resultados – Parte 2 – Atividade hemaglutinante 9.1 Ação hemaglutinante do extrato intestinal sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados Nos ensaios de hemaglutinação em lâmina, utilizando-se suspensão de hemácias de diferentes vertebrados (camundongo, hairless, hamster, rato, coelho, galinha, gerbil, boi, cachorro, carneiro, homem) não foi observada a ocorrência de hemaglutinação nas suspensões de hemácias dos vertebrados gerbil, boi, cachorro, carneiro e homem, quando em contato com o extrato de intestino de ninfas de T. infestans (Tab 4). Tabela 4: Atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de T. infestans sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados. Hospedeiro utilizado Camundongo (Swiss. Balb/C, Hairless) Hamster Rato Coelho Galinha Gerbil Boi Cachorro Carneiro Homem (A, B, O) Hematócrito 15% 30% Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina Não aglutina A partir desses resultados, para a realização dos demais experimentos, optou-se pela utilização de suspensões de hemácias de camundongos. A figura 18 ilustra o típico fenômeno de hemaglutinação visualizado em lâmina, após a adição de 1 µl de extrato de intestino médio anterior de T. infestans, em 9 µl de suspensão de hemácias de camundongo. 66 A B Figura 18 – Efeito da adição do extrato de intestino médio anterior de T. infestans em suspensão de hemácias de camnundongo. (A) Hemaglutinação com a formação de grumos entre as hemácias; (B) detalhe da rede de fibras que ligam os eritrócitos que se apresentam com formato alongado e fusiforme. 67 9.2 Atividade hemaglutinante do extrato intestinal em diferentes dias após a muda A cinética do fenômeno de aglutinação, presente no extrato de intestino de ninfas de terceiro estádio de T. infestans, em diferentes dias após a muda demonstraram que a atividade aglutinante é relativamente baixa ou ausente até o quinto dia após a muda e aumenta gradualmente a partir do sétimo dia, atingindo um pico e estabilizando Atividade hemaglutinante* (Abs 650 nm) em torno do dia 15 após a muda (Fig. 19). 10 8 6 4 2 0 0 1 2 3 4 5 7 15 25 dias após a muda Figura 19 – Atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de terceiro estádio de T. infestans em diferentes dias após a muda. *porcentagem de redução na absorbância da amostra a 650 nm menos a redução do controle (sem extrato de intestino). 9.3 Avaliação da estabilidade da atividade hemaglutinante após diferentes tratamentos Quando o extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans foi aquecido por 5 minutos a 98oC, a atividade hemaglutinante manteve-se presente, demonstrando com isso, que a molécula responsável pela atividade 68 hemaglutinante é termo-resistente. A partir desses resultados, os demais tratamentos foram realizados nas amostras de intestino médio anterior tratado e não tratado termicamente. Os resultados encontrados estão descritos a seguir e representados na tabela 5. A incubação do extrato intestinal de T. infestans (tratado e não tratado termicamente) com as proteases proteinase K e tripsina causaram a inibição da atividade hemaglutinante, sugerindo que a molécula responsável pela atividade hemaglutinante seja protéica ou possua parte protéica em sua estrutura. Não houve inibição da atividade hemaglutinante do extrato intestinal de T. infestans após incubação com colágeno ou gelatina a 2%, o que sugere que a atividade hemaglutinante não é devido a presença de fibronectina. Tabela 5 – Efeito de diferentes tratamentos sobre a atividade hemaglutinante presente no extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans. Tratamentos Proteinase K 0,5 µg/µl Tripsina 0,5 µg/µl Colágeno Gelatina 2% Efeito após o tratamento Não aglutina Não aglutina Aglutina Aglutina Quando as amostras de extrato de intestino tratado e não tratado termicamente foram diluídas em série, observou-se que elas foram capazes de aglutinar até os títulos de 1:8192 e 1:4096, respectivamente. Quando as amostras de extrato de intestino tratado e não tratado termicamente diluídas em série foram mantidas em diferentes temperaturas, por 30 minutos, observase que as amostras de intestino tratado termicamente sofrem maior inibição da atividade hemaglutinante, pois há uma redução nos títulos de hemaglutinação, enquanto as amostras não tratadas termicamente foram mais estáveis (Tab. 6). 69 Tabela 6 – Efeito da temperatura sobre atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans Título de hemaglutinação Temperatura ( C) Extrato de intestino não Extrato de intestino tratado termicamente* tratado termicamente* 10 4096 1024 23 8192 4096 37 4096 1024 45 4096 1024 60 4096 1024 72 4096 1024 *n=2 para cada tratamento. o A atividade hemaglutinante manteve-se presente, nas amostras de intestino tratado e não tratado termicamente, em diferentes variações de pHs (3 a 10). As amostras de intestino não tratado termicamente sofreram redução dos títulos da atividade hemaglutinante em pHs muito ácidos (3 e 5), enquanto para as amostras tratadas termicamente não houve variação (Tab. 7). Apesar das hemácias sofrerem uma ligeira deformação em sua forma quando estavam em contato com alguns dos tampões utilizados, a atividade hemaglutinante do extrato intestinal continuou presente e o fenômeno de hemaglutinação foi facilmente visualizado em lâmina. Tabela 7 – Efeito do pH sobre a atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans Título de hemaglutinação pH Extrato de intestino não Extrato de intestino tratado termicamente* tratado termicamente* 3 2048 4096 5 4096 4096 6 8192 4096 7 8192 4096 8 8192 4096 9 8192 4096 10 8192 4096 *n=2 para cada tratamento. 70 Quando o extrato de intestino de T. infestans foi ultrafiltrado em colunas com limite de exclusão de 100 kDa, a atividade hemaglutinante esteve presente apenas na porção não filtrada (> 100 kDa), enquanto que no extrato de intestino tratado termicamente, a atividade hemaglutinante foi observada tanto na porção acima de 100 kDa, quanto na porção abaixo de 100 kDa (Tab 8). Isso sugere que após submeter o extrato de intestino ao tratamento térmico, a molécula responsável pela atividade hemaglutinante desmembra-se em moléculas menores. Apesar desse possível desmembramento, quando o extrato de intestino tratado e não tratado termicamente é ultrafiltrado em colunas com limite de exclusão de 30 kDa a atividade hemaglutinante está presente somente na fração acima de 30 kDa, o que sugere que no caso de desmembramento da molécula, subunidades menores que 30 kDa não possuem atividade hemaglutinante. Tabela 8 – Efeito da ultrafiltração do extrato de intestino médio anterior de ninfas de quinto estádio de T. infestans sobre a atividade hemaglutinante. Extrato de intestino Não tratado termicamente Tratado termicamente Ultrafiltração > 100 kDa < 100 kDa < 30 kDa > 100 kDa < 100 kDa < 30 kDa Efeito Aglutina Não aglutina Não aglutina Aglutina Aglutina Não aglutina 9.4 Perfil eletroforético do extrato de intestino médio anterior de T. infestans O extrato de intestino não tratado termicamente apresenta uma grande quantidade de proteínas, o que dificulta a visualização das bandas. Quando o extrato de intestino é tratado termicamente o perfil eletroforético da amostra é facilmente visualizado, pois há uma quantidade consideravelmente menor de proteínas (o tratamento térmico causa uma redução de aproximadamente 95 ± 4,2% (n=10) das 71 proteínas totais do extrato) o que facilita a visualização das bandas (Fig. 20), por isso o extrato de intestino tratado termicamente foi utilizado nos procedimentos para tentar identificar a molécula responsável pela atividade hemaglutinante. A B Figura 20 – Perfil eletroforético (PAGE 12,5% (A) e PAGE 6% (B)) do extrato intestinal de ninfas de quinto estádio de T. infestans. Colunas: 1 – Padrão de peso molecular; 2, 4 e 6 – 2 µl de extrato de intestino não tratado termicamente; 3, 5 e 7 – 5 µl de extrato de intestino tratado termicamente. Géis corados com azul de coomassie. A hipótese de desmembramento da molécula responsável pela atividade hemaglutinante é reforçada pelo perfil eletroforético da fração retida após ultrafiltração do extrato de intestino em colunas com limite de exclusão de 100 kDa. Nele são observadas além de uma banda de peso molecular maior que 100 kDa, outras duas bandas de aproximadamente 40 e 45 kDa que, devido o processo de ultrafiltração da amostra, elas não deveriam ser observadas nessa fração (Fig. 21). 72 Figura 21 – Eletroforese (SDS-PAGE 7,5%) correspondente à porção não filtrada (>100 kDa) do extrato de intestino tratado termicamente de ninfas de quinto estádio de T. infestans. Colunas: 1 – Padrão de peso molecular; 2– 5 µl da amostra filtrada (fração > 100 kDa) do extrato de intestino tratado termicamente. Gel corado com azul de Coomassie. 9.5 Identificação da molécula responsável pela atividade hemaglutinante Os resultados obtidos até o momento indicam que a atividade hemaglutinante pode ser proveniente de uma banda de ~240 kDa identificada na fração acima de 100 kDa no extrato de intestino após ultrafiltração, uma vez que ela foi a mais intensa no PAGE e apresentou peso molecular maior que 100 kDa. Esta banda foi então, eletroeluída do gel, dialisada e avaliada novamente por eletroforese. Interessantemente, após eletroeluição, essa amostra apresentou apenas uma banda de 16,5 kDa, o que reforça a hipótese de que a molécula hemaglutinante desmembra-se em moléculas menores, que também possuem atividade hemaglutinante, enquanto não atingem o desmembramento máximo (Fig. 22). Esta proteína de 16,5 kDa foi utilizada nos ensaios de hemaglutinação, porém ela não apresentou atividade hemaglutinante, o que corrobora os nossos dados anteriores de que moléculas menores que 30 kDa não possuem atividade hemaglutinante. 73 A B Figura 22 – Eletroforese correspondente à porção não filtrada (>100 kDa) do extrato de intestino tratado termicamente de ninfas de quinto estádio de T. infestans antes da eletroeluição (A) (SDS-PAGE 7,5%), e após eletroeluição (B) SDS-PAGE 15%. Colunas: 1 – Padrão de peso molecular; 2 – 5 µl do material eletroeluído. 9.6 Western Blot O soro dos camundongos Balb/C que foram imunizados contra a proteína de 16,5 kDa não reconheceu a banda de 16,5 kDa, porém esses soros reconheceram bandas de alto peso molecular presentes nas amostras de extrato de intestino não tratado e tratado termicamente (Fig. 23). 1 2 3 kDa 117 85 49 35 25 19 Figura 23 – Western blot utilizando soro de camundongos Balb/C imunizados contra proteína de 16,5 kDa. Colunas: 1 – 10 µg da proteína de 16,5 kDa, 2 – 5 µl do extrato de intestino de ninfas de quinto estádio tratado termicamente, 3 – 5 µl do extrato de intestino de ninfas de quinto estádio não tratado termicamente. 74 9.7 Identificação da molécula por espectrometria de massa Em outra tentativa de identificar a molécula responsável pela atividade hemaglutinante, algumas bandas identificadas no PAGE foram excisadas e submetidas à espectometria de massas (Fig. 24). I II III kDa 225 150 75 50 35 Figura 24 – Eletroforese mostrando as bandas de interesse para identificação por espectrometria de massa do perfil protéico das amostras do extrato de intestino de ninfas de quinto estádio de T. infestans tratados termicamente, I – SDS-PAGE 7,5%, II – SDS-PAGE 15%, III – SDS-PAGE 6%. Colunas: a – Padrão de peso molecular, b - 5 µl da amostra ultrafiltrada (fração > 100 kDa) do extrato de intestino tratado termicamente, c – 10 µg da proteína de 16,5 kDa eletroeluída, d - 5 µl de extrato de intestino tratado termicamente. Números 1 a 8 – bandas excisadas dos géis para análise em espectrômetro de massa. A tabela 9 apresenta o resultados obtidos na espectrometria de massas das proteínas de interesse. Das 8 amostras selecionadas 6 tiveram identificação significativa. 75 Tabela 9 – Resultados obtidos na espectrômetria de massas das proteínas de interesse das amostras de extrato de intestino tratado termicamente de ninfas de T. infestans. Amostra 1 2 3 4 5 6 7 8 Tamanho estimado 240 kDa 50 kDa 45 kDa 16,5 kDa >241 kDa 241 kDa 199 kDa 182 kDa Resultado Não identificado Alpha-antitripsina Prealbumina Ferritina Capsídeo de Triatoma vírus Não identificado Alpha-globina Ferritina # acesso #68052028 # 136466 #149689086 #20451030 #30027750 #149689086 9.8 Pesquisa no banco de dados do NCBI e silenciamento gênico (RNAi) A partir dos resultados obtidos na espectrometria de massa suspeitou-se que a ferritina seria a molécula responsável pela atividade hemaglutinante. No banco da dados (NCBI) foi encontrada uma sequência completa de uma ferritina proveniente de uma biblioteca de glândula salivar de T. infestans (Assumpção et al., 2007) que não apresentava peptídeo sinal. A RT-PCR utilizando os iniciadores desenhados para esta sequência demonstraram que ela é expressa tanto na glândula salivar quanto no intestino médio anterior de T. infestans (Fig. 25). Entretanto o silenciamento gênico (RNAi) não apresentou resultados satisfatórios. O RNAi utilizando diferentes quantidade de dsRNA não foi capaz de reduzir os níveis de RNAm da ferritina no intestino e na glândula salivar a redução foi aproximadamente 75% (dados não mostrados). Figura 25 – Gel de agarose 1,5% mostrando a expressão da ferritina na glândula salivar e no intestino médio anterior de ninfas de T. infestans. Colunas: 1 – 8 µl do padrão de peso molecular, 2 – 2 µl dos produtos da PCR da glândula salivar, 3 – 2 µl dos produtos da PCR do intestino médio anterior, 4 – controle negativo. 76 A partir de resultados de uma biblioteca de cDNA de intestino médio anterior de T. infestans (realizada pela Dra Aparecida S. Tanaka – UNIFESP), foi identificada uma outra ferritina cuja sequência apresenta peptídeo sinal. Foram montados novos iniciadores para esta sequência e a RT-PCR demonstrou que esta molécula não é expressa na glândula salivar, mas está presente no intestino médio anterior (ferritina intestinal) (Fig. 26). 1 5 6 500 pb 300 pb Figura 26 – Gel de agarose 1,5% mostrando a expressão da ferritina apenas no intestino médio anterior de ninfas de T. infestans. Colunas: 1 – 8 µl do padrão de peso molecular, 2 –2 µl dos produtos da PCR da glândula salivar, 3 – 2 µl dos produtos da PCR do intestino médio anterior, 4 – controle negativo, 5 – rRNA 18 s glândula salivar, 6 rRNA 18 s intestino médio anterior. Estas sequências foram alinhadas com outras sequências de ferritinas de diferentes insetos hematófagos: 4 contigs que possuem domínio de ferritina identificados no genoma de R. prolixus (http://genome.wustl.edu/genomes/view/rhodnius_prolixus/), uma ferritina identificada no intestino do flebotomíneo Phlebotomus papatasi (Scopoli, 1786); uma ferritina identificada no intestino do flebotomíneo Lutzomyia longipalpis (Lutz e Neiva, 1912); uma ferritina identificada no genoma do mosquito Culex quinquefasciatus Linnaeus, 1758; uma ferritina identificada no sialoma do percevejo Cimex lectularis (Linnaeus 1758) (Fig. 27). 77 Figura 27 – Alinhamento das sequências de ferritina de T. infestans com outras sequências de ferritinas de diferentes insetos hematófagos. Legenda: Ti-intestino: sequência de uma ferritina obtida a partir da biblioteca de cDNA de intestino médio anterior de T. infestans realizada pela Dra Aparecida S. Tanaka – UNIFESP; as sequências Rp-493, Rp-1172, Rp-1173 e Rp-8696: representam as sequências de ferritinas de 4 contigs identificados no genoma de R. prolixus; Lutzomyia-int: sequência de uma ferritina presente no intestino de L. longipalpis (ABV60307.1); Phlebotomus-int: sequência de uma ferritina presente no intestino de P. papatasi (ABV44737.1); Ti-glândula: sequência da ferritina presente na glândula salivar de T. infestans (EF638992.1); Cimex-gl: sequência da ferritina presenta na glândula salivar de C. lectularis (ACY69889.1); Culex-ferritin: sequência de uma ferritina encontrada no genoma de C. quinquefasciatus (XP_001845494). A árvore filogenética construída após o alinhamento das sequências de ferritinas de T. infestans com outros insetos hematófagos, sugere que os triatomíneos apresentam 2 tipos de ferritina, uma provavelmente secretada (contendo peptídeo sinal) expressa no 78 intestino médio anterior (Ti-intestino, Fig. 28) e outra, possivelmente intracelular expressa no intestino médio anterior e na glândula salivar (Ti-glândula, Fig. 28). Estas moléculas deverão ser sequenciadas para que sua composição seja confirmada. Figura 28 – Árvore filogenética de algumas sequências de aminoácidos de ferritinas dos insetos hematófagos selecionados. Os ramos da árvore foram construidos utilizando o programa ClustalW pelo método Neighbor Joing. Legenda: Ti – glandula: sequência da ferritina presente na glândula salivar de T. infestans; Cimex-gl: sequência da ferritina presenta na glândula salivar de C. lectularis, Culex-ferritin: sequência de uma ferritina encontrada no genoma de C. quinquefasciatus, Rp-8696 ferritin: sequência de ferritina identificada no genoma de R. prolixus; Lutzomyia-int: sequência de uma ferritina presente no intestino de L. longipalpis; Phlebotomus-int: sequência de uma ferritina presente no intestino de P. papatasi, Ti-intestino: sequência de uma ferritina obtida a partir da biblioteca de cDNA de intestino médio anterior de T. infestans realizada pela Dra Aparecida S. Tanaka – UNIFESP; Rp-493 ferritin, Rp1172 ferritin, Rp-1173 ferritin sequências de ferritinas identificadas no genoma de R. prolixus. As setas indicam as ferritinas encontradas em T. infestans. Os valores nos ramos indicam as porcentagens de bootstrap (com 500 replicatas) adquiridas após a construção da árvore. Apenas valores acima de 90% são mostrados. A introdução do dsRNA da ferritina secretada (sequência expressa apenas no intestino) em ninfas de terceiro estádio de T. infestans injetados 2 e 10 dias após a muda 79 foi avaliada por q-PCR. A análise por qPCR demonstrou que há uma redução dos níveis de mRNA semelhante entre os dois grupos (94% e 93%, respectivamente) 48 horas após a segunda injeção de dsRNA. O efeito do silenciamento gênico da ferritina secretada sobre a atividade hemaglutinante do extrato intestinal, de ninfas de terceiro estádio de T. infestans, foi avaliado em diferentes dias (2, 7 e 10) após a administração do dsRNA. Não houve diferença nos níveis de atividade hemaglutinante entre os grupos controle e teste (Tab. 10 e Fig. 29) após o silenciamento. Estes testes foram realizados em diferentes dias após a última injeção, pois caso a molécula tivesse meia vida longa, os testes seriam capazes de identificar a perda da função. O possível silenciamento e perda da atividade hemaglutinante também foram avaliados em espectrofotômetro, para que os resultados pudessem ser quantitativos e possibilitassem avaliar pequenas diferenças entre os grupos controles e teste. Entretanto, não houve diferença estatística entre nenhum dos grupos avaliados (insetos silenciados e controles) (Fig. 29). Tabela 10 – Grupos de insetos injetados e avaliação da atividade hemaglutinante em diferentes dias após a administração do dsRNA. Injeção após a muda 24 horas Número de insetos injetados* 12C 11 K 17 T Dissecação após a segunda injeção 2 dias Atividade 2C 12 K 17 T 7 dias Aglutina Aglutina Aglutina 9C 5T 10 dias Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina Aglutina * C – insetos injetados com solução salina, T – insetos injetados com dsRNA da ferritina, K – insetos injetados com dsRNA inespecífico (queratina). 80 Atividade hemaglutinante* (UA 650 nm) 14 12 ds Queratina Ctrl Salina ds Ferritina 10 8 6 4 2 0 Brc 2 7 10 dias após a segunda injeção Figura 29 – Atividade hemaglutinante do extrato de intestino médio anterior de ninfas de terceiro estádio de T. infestans em diferentes dias após a administração de 10 µg de dsRNA. *porcentagem de redução na absorbância da amostra a 650 nm; Controle – sangue adicionado de salina sem extrato de intestino, Grupo controle 1 – insetos injetados com solução salina, Grupo teste – insetos injetados com dsRNA da ferritina, Grupo controle 2 – insetos injetados com dsRNA inespecífico (queratina). Foi realizada uma cinética de expressão dos níveis de RNAm da ferritina, em ninfas de terceiro estádio de T. infestans, em diferentes dias após a muda (0, 1, 2, 7, 15, 25) para tentar determinar o melhor momento de se introduzir o dsRNA. Observa-se que há um pico de produção de RNAm da ferritina nas primeiras 24 horas após a muda, e 48 horas após muda, os níveis de RNAm relativos a ferritina começam a diminuir gradativamente, apresentando um pequeno aumento 15 dias após a muda, e reduzindo novamente 25 dias após a muda (Fig. 30). 81 média de expressão relativa de RNAm da ferritina* 6 5 4 3 2 1 0 0 1 2 7 15 25 dias após a muda Figura 30 – Cinética de expressão relativa de RNAm da ferritina em ninfas de terceiro estádio de T. infestans, em diferentes dias após a muda. *Os valores representam a média de expressão de RNAm de 2 "pools" de 4 intestinos médio anterior por grupo, em diferentes dias após a muda. 9.9 Fracionamento do conteudo intestinal por HPLC Quando o extrato de intestino tratado termicamente foi cromatografado em coluna de troca iônica, foram observadas duas regiões com picos de absorvância a 280 nm acima de 250 mUA, a primeira entre 1 e 8 minutos e a segunda entre 23 e 36 minutos (Fig. 31). Apenas as frações que correspondem aos tempos 27, 28, 29 e 30, apresentaram atividade hemaglutinante, sendo que os maiores títulos de atividade hemaglutinante, após diluição seriada foram vistos nas frações 28 (1:128), 29 (1:256) e 30 (1:128) (Fig. 32 e Tab. 11). Os valores da absorvância a 280 nm, em cada amostra, foram determinados em espectrofotômetro e esses dados foram associados aos títulos de atividade hemaglutinante (Fig. 32). Das frações avaliadas (25-34) apenas as frações 26 e 27 não apresentam valores de absorvância no comprimento de onda de 260 nm maiores que a absorvânica no comprimento de onda de 280 nm (Tab.11), por isso, não foi 82 utilizada a quantificação de proteínas totais das amostras, pela fórmula: (Abs280x1,55) – (Abs260x0,76), pois a maioria das amostras ficaram com os valores de concentração de total de proteínas (µg/µl) negativos (Tab. 11) Resultados semelhantes foram obtidos quando as amostras foram cromatografadas em coluna de filtração molecular. Figura 31 – Cromatograma do extrato intestinal de ninfas de quinto estádio de T. infestans tratado termicamente utilizando coluna de troca iônica. Os picos delimitados pelo retângulo representam as frações com atividade hemaglutinante. 83 Figura 32– Relação entre a absorvância das amostras no comprimento de onda 280 nm e o título de hemaglutinação das frações obtidas após cromatografia em coluna de troca iônica. Tabela 11 – Quantificação de proteínas totais e títulos de hemaglutinação das frações resultantes da cromatografia em coluna de troca iônica Frações 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 280 Abs280x1,55 260 Abs260x0,76 0,101 0,1566 0,193 0,1467 1,727 2,6769 1,143 0,8687 2,712 4,2036 1,227 0,9325 0,479 0,7425 1,509 1,1468 0,371 0,5751 2,878 2,1873 0,184 0,2852 0,878 0,6673 0,118 0,1829 0,363 0,2759 0,079 0,1225 0,2 0,152 0,306 0,4743 0,56 0,4256 0,219 0,3395 0,382 0,2903 Título de ug/ul hemaglutinação 0,010 0 1,808 0 3,271 8 -0,404 128 -1,612 256 -0,382 128 -0,093 0 -0,030 0 0,049 0 0,049 0 O perfil eletroforético das frações que possuem atividade hemaglutinante foi obtido após cada fração (27, 28, 29 e 30) ter sido individualmente concentrada, utilizando um filtro de membrana com limite de exclusão de 5kDa. Essas amostras concentradas foram submetidas à eletroforese em gel de poliacrilamida nas 84 concentrações de 6 e 17,5%, e foram visualizadas bandas principalmente entre os pesos moleculares de 75 a 35 kDa (Fig.33). Figura 33 – Perfil eletroforético das frações resultantes da HPLC troca iônica (A) (SDS-PAGE 15%), (B) SDS-PAGE 6%. Colunas: 1 – Padrão de peso molecular; 2 – 5 frações 27, 28, 29 e 30, respectivamente. Quando o extrato de intestino tratado termicamente foi cromatografado em coluna de filtração molecular, observamos uma região com picos de absorvância a 280 nm acima de 250 mUA, entre 9 e 16 minutos (Fig. 34). Entretanto, apenas as frações do tempo 5 ao 13, apresentam atividade hemaglutinante. As frações que correspondem aos tempos 6 e 7 apresentaram os maiores títulos de atividade hemaglutinante, após diluição seriada (1:32). Nos dados obtidos pela associação dos valores de absorvância a 280 nm e os títulos de atividade hemaglutinante, em cada amostra, observa-se que as frações que apresentam os maiores títulos de atividade hemaglutinante, possuem valores de absorvância no comprimento de onda de 260 nm maiores ou iguais aos valores no comprimento de onda 280 nm (Fig. 35 e Tab. 12). 85 Figura 34 – Cromatograma do extrato intestinal de ninfas de quinto estádio de T. infestans tratado termicamente utilizando coluna de filtração molecular. Os picos delimitados pelo retângulo representam as frações com atividade hemaglutinante. Figura 35– Relação entre a absorvância das amostras no comprimento de onda 280 nm e o título de hemaglutinação das frações obtidas após cromatografia em coluna de troca iônica. 86 Tabela 12 – Quantificação de proteínas totais e títulos de hemaglutinação das frações resultantes da cromatografia em coluna de filtração molecular Frações 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 Abs280 Abs280x1,55 Abs260 Abs260x0,76 0,142 0,2201 0,125 0,095 0,1721 0,0821 0,111 0,108 0,1752 0,0737 0,113 0,097 0,126 0,1953 0,111 0,0844 0,47 0,7285 0,645 0,4902 0,77 1,1935 1,593 1,2107 2,573 3,9882 2,834 2,1538 0,733 1,1362 0,609 0,4628 0,52 0,806 0,438 0,3329 0,306 0,4743 0,264 0,2006 0,533 0,8262 0,433 0,3291 0,091 0,1411 0,107 0,0813 0,075 0,1163 0,084 0,0638 0,061 0,0946 0,075 0,057 0,1147 0,074 0,072 0,0547 0,107 0,069 0,068 0,0517 ug/ul 0,125 0,090 0,101 0,111 0,238 -0,017 1,834 0,673 0,473 0,274 0,497 0,060 0,052 0,038 0,060 0,055 diluições 4 32 32 16 16 16 16 4 4 4 4 4 0 0 0 0 87 10 Discussão – Parte 2 – Atividade hemaglutinante O intestino dos triatomíneos é um importante órgão envolvido no processo alimentar, onde ocorre a digestão e absorção dos nutrientes presentes no sangue que serão utilizados nos processos fisiológicos do inseto. O sangue ingerido pelo triatomíneo é armazenado no intestino médio anterior, onde ocorre à absorção de água e de alguns íons; as hemácias sofrem lise e alguns carboidratos são digeridos. O conteúdo do sangue, agora concentrado, é então direcionado lentamente para o intestino médio posterior, onde os carboidratos, lipídeos e proteínas são digeridos (Terra e Ferreira, 1994). Durante o processo de ingestão do sangue pelo triatomíneo é importante a manutenção de uma viscosidade baixa na dieta ingerida, pois como o tubo digestivo desses insetos é contínuo, um aumento na viscosidade do sangue ingerido pode comprometer a quantidade de sangue ingerida. Até o momento, foram descritas duas atividades presentes no intestino médio anterior dos triatomíneos, que podem interferir na quantidade de sangue ingerido: a atividade anticoagulante e a atividade hemaglutinante (Araujo et al. 2007 e 2009a). Araujo et al. (2007) demonstraram in vivo a influência do processo de coagulação sanguínea no interior do tubo digestivo do triatomíneo T. brasiliensis sobre a quantidade de sangue ingerida por esse inseto. A inibição da proteína anticoagulante intestinal (brasiliensina), por RNAi ou pela ingestão de trombina, causou um aumento na viscosidade dos sangue no interior do intestino do inseto, e esse aumento na viscosidade comprometeu significativamente a quantidade de sangue ingerida. Em 2009, Araujo et al., demonstraram pela primeira vez que atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior do triatomíneo T. brasiliensis tem um importante papel na sua alimentação sanguínea. Neste estudo a quantidade de 88 sangue ingerido por esse triatomíneo foi significativamente maior quando ele ingeriu o sangue de um hospedeiro vertebrado (R. norvegicus) e no interior do tubo digestivo do inseto ocorreu a hemaglutinação (separação das hemácias dos líquidos sanguíneos). Quando não ocorre a hemaglutinação (no interior do intestino do inseto) a quantidade de sangue do hospedeiro vertebrado (T. apereoides) que foi ingerida pelo triatomíneo T. brasiliensis foi significativamente menor. Além disso, houve um maior número de interrupções durante a alimentação desse triatomíneo, nesse hospedeiro vertebrado. No presente trabalho foi realizada uma caracterização parcial de uma molécula presente no intestino médio anterior de T. infestans que possui uma potente atividade hemaglutinante, sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados. Altos títulos de atividade hemaglutinante sobre hemácias de camundongo foram obtidos com o extrato de intestino de ninfas de quinto estádio. No entanto, não houve atividade hemaglutinante quando as hemácias dos vertebrados gerbil, boi, cachorro, carneiro, homem foram testadas. Essa ausência de atividade hemaglutinante pode ser atribuída a diferenças existentes nas proteínas de superfície das hemácias testadas. Em nosso estudo, foi verificado que variações de pHs (3-10) não influenciaram os títulos de atividade hemaglutinante do extrato de intestino tratado termicamente, enquanto que os títulos de hemaglutinação do extrato de intestino não tratado termicamente sofreram redução apenas em pHs mais ácidos (3 e 5). O fato dos menores títulos de atividade hemaglutinante terem sido observados em pHs ácidos, reforça a idéia dessa atividade estar relacionada ao processo de alimentação, pois no intestino médio anterior o pH é básico (pH 7) e os títulos de atividade hemaglutinante são altos (Barros et al., 2009). Uma redução dos títulos de hemaglutinação na faixa de pH 3-5 também foi observada por Ratcliffe et al., (1996) para a atividade hemaglutinante do intestino de R. prolixus. 89 A caracterização da cinética da atividade hemaglutinante presente no intestino de ninfas de terceiro estádio demonstrou que poucos dias após a muda (de 1 a cinco dias) , a atividade hemaglutinante é baixa ou ausente. Esse padrão de atividade pode ser atribuído ao fato de que os triatomíneos, apesar de exercerem a hematofagia durante todos os seus estágios de desenvolvimento, dificilmente se alimentam de sangue poucos dias após a muda. Em condições de laboratório, foi verificado que, em geral, os triatomíneos se alimentam de sangue a partir de 2 a 3 após a muda para a espécie Triatoma pseudomaculata Correa e Espínola, 1964 e de 4 dias após a muda para T. brasiliensis (Soares et al., 2000). A presença de atividade hemaglutinante no intestino (médio anterior) de ninfas de terceiro estádio de T. infestans, em jejum após a muda, reforça a idéia de que essa atividade participe do processo de alimentação sanguínea dos triatomíneos, uma vez que moléculas intestinais importantes para a obtenção de sangue precisam estar presentes e ativas antes da chegada do sangue ao intestino, ou os processos de hemostasia (coagulação) não seriam inibidos, e nem a hemaglutinação desencadeada, fazendo com que uma quantidade de sangue insuficiente para o ingurgitamento fosse obtida. Essa hipótese é reforçada pelos resultados obtidos por Grubhoffer et al., ( 1997) e Pereira et al., (1981) estudando aglutininas em triatomíneos, onde foi observada que a atividade hemaglutinante não é induzida pelo repasto sanguíneo e que não há diferença da atividade hemaglutinante entre insetos em jejum e insetos alimentados. Diferentemente do observado nos atrópodes hematófagos L. longipalpis, Phlebotomus duboscqi NeveuLemaire, 1906, Ixodes ricinus (Linnaeus, 1758), Glossina morsitans Westwood, 1851, em que a atividade hemaglutinante intestinal foi induzida pela alimentação de sangue, sendo secretada em resposta a ingestão de proteínas (Palánová e Volf, 1997; Uhlir et al., 1996; Igram e Molyneux, 1988). 90 A maioria dos trabalhos realizados sobre hemaglutinantes intestinais de artrópodes hematófagos L. longipalpis e P. dubosqi (Palánová e Volf, 1997), I. ricinus (Uhlir et al., 1996), G. morsitans (Igram e Molyneux, 1988), Anopheles gambie Giles, 1902 (Mohamed et al., 1992), A. aegypti (Grubhoffer e Wells, 1993 e Grubhoffer e Noriega, 1995), R. prolixus (Pereira et al, 1891; Gregorio e Ratcliffe, 1991; Ratcliffe et al., 1996) tem demonstrado que as moléculas hemaglutinantes intestinais, são em sua maioria lectinas e sua atividade é inibida por açúcares, ou pelo tratamento térmico em temperaturas acima de 50oC, demonstrando que em geral essas moléculas são termolábeis. Em nosso trabalho, foi observado que a molécula responsável pela atividade hemaglutinante no intestino médio anterior de T. infestans, é termo-resistente, pois os títulos de hemaglutinação sobre hemácias de camundongo continuaram altos, mesmo após o extrato de intestino ter sido tratado termicamente (aquecimento a 98oC por 5 minutos). Apesar dos títulos de atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior demonstrarem ter sido estáveis mesmo após variações de temperatura (como, congelamento a -20oC, aquecimento a 98oC), quando as amostras foram diluídas em série e mantidas por 30 minutos, em diferentes temperaturas (10oC, 23oC, 37oC, 45oC, 60oC e 72oC), os títulos de hemaglutinação sofreram redução da atividade em todas as temperaturas, exceto a temperatura ambiente (23oC). Intrigantemente, as maiores reduções nos títulos de atividade hemaglutinante foram observadas para as amostras de intestino tratadas termicamente. Essa diminuição nos títulos da atividade hemaglutinante poderia ser atribuída à alteração no equilíbrio químico da molécula, que após ser diluída em série, e mantida em diferentes temperaturas, passou para um estado de equilíbrio que não é ativo. 91 Assim como nos resultados obtidos por Araujo et al.,(2009a) a visualização do fenômeno de hemaglutinação (em lâmina), desencadeado pela molécula hemaglutinante do intestino de T. infestans não resultou na formação de rosetas típicas formadas pela aglutinação promovida por lectinas. Foram observadas a formação de fibras que se ligaram aos eritrócitos, e alguns deles tiveram sua forma arredondada modificada para um formato fusiforme. Araujo et al., (2009a) sugeriram que essas fibras poderiam ser formadas por fibras elásticas, uma vez que elas foram coradas por orceína (um corante que cora especificamente fibras elásticas) (Behmoaras et al., 2005). Os resultados obtidos após eletroforese indicaram que a molécula hemaglutinante apresenta alto peso molecular, por isso, suspeitou-se que a hemaglutinação poderia ser promovida por fibronectinas, entretanto quando o extrato de intestino de T. infestans foi mantido em contanto com colágeno não desnaturado e colágeno desnaturado (gelatina) e posteriormente utilizado nos ensaios de hemaglutinação, não foi observada inibição da atividade hemaglutinante, sugerindo então que a atividade hemaglutinante não é devida à presença de fibronectinas. Esses resultados corroboram os resultados obtidos por Hypsa e Grubhofer (1995) estudando a hemaglutinina presente no intestino de T. infestans, em que foi observado que a molécula hemaglutinante possui um sítio de ligação complexo, que reconhece fragmentos específicos da cadeia glicídica em vez de resíduos individuais de monossacarídeos, e o fato da atividade não ser inibida por nenhum dos mono e oligossacarídeos testados, sugere que a atividade hemaglutinante não seja promovida por lectinas. A atividade hemaglutinante presente no extrato de intestino foi totalmente inibida pela ação de enzimas proteolíticas (proteinase K e tripsina), sugerindo que a molécula responsável pela atividade hemaglutinante tenha natureza protéica. A semipurificação do extrato de intestino de T. infestans demonstrou que a 92 molécula hemaglutinante possui peso molecular maior que 100 kDa, pois quando o extrato de intestino foi ultrafiltrado em coluna com limite de exclusão de 100 kDa, a atividade hemaglutinante esteve presente apenas na porção não filtrada (> 100 kDa). Entretanto, no extrato de intestino tratado termicamente, a atividade hemaglutinante foi observada tanto na porção acima de 100 kDa, quanto na porção abaixo de 100 kDa, sugerindo que após o tratamento térmico, a molécula responsável pela atividade hemaglutinante desmembra-se em moléculas menores. Apesar desse possível desmembramento, quando o extrato de intestino tratado e não tratado termicamente foi ultrafiltrado em coluna com limite de exclusão de 30 kDa a atividade hemaglutinante esteve presente somente na fração acima de 30 kDa, o que sugere que no caso de desmembramento da molécula, subunidades menores que 30 kDa não possuem atividade hemaglutinante. Estes resultados poderiam explicar porque o peptídeo (de 16,5 kDa) resultante da eletroeluição da fração acima de 100 kDa do extrato de intestino tratado termicamente não apresenta atividade hemaglutinante. Nos resultados obtidos pelo Western blot, o peptídeo de 16,5 kDa não foi reconhecido pelo anticorpo produzido contra ele, entretanto o anticorpo reconheceu várias bandas de altos pesos moleculares presentes no intestino não tratado e tratado termicamente, o que reforça a idéia de desmembramento da molécula. No entanto, o fato do anticorpo não ter reconhecido o peptídeo de 16,5 kDa permanece uma dúvida. Esta observação poderia ser atribuída à possilidade da não ligação do peptídeo de 16,5 kDa à membrana, uma vez que através de um dot blot , o peptídeo não foi observado após corar pelo ponceau (dados não mostrados). Dentre as moléculas identificadas após análise por espectrofotometria de massa, duas delas foram identificadas como sendo ferritina: a banda referente ao peptídeo de 16,5 kDa, resultante da eletroeluição da fração acima de 100 kDa do extrato de intestino 93 tratado termicamente; e uma banda acima de 150 kDa, resultante da eletroforese do intestino não tratado termicamente. As ferritinas são proteínas que se ligam a íons de ferro, atuando na detoxificação do ferro nas células, bem como no armazenamento de ferro na forma não tóxica, que é utilizado em importantes processos metabólicos (Yevenes et al., 2010). Elas são encontradas em diferentes tipos de células de vertebrados, invertebrados, plantas, fungos e bactérias. As ferritinas de insetos, assim como as ferritinas de mamíferos, são proteínas poliméricas, de alto peso molecular, formadas pela associação de duas subunidades que apresentam uma cadeia pesada (H) – responsável pela oxidação do íon ferro (Fe+2) para uma forma não tóxica (Fe+3) e outra leve (L) – responsável pela mineralização de ferro (núcleos) na cavidade interna da molécula. As ferritinas podem ser intracelulares (responsáveis por retirar o excesso de ferro intracelular nas células) ou secretadas (responsáveis por remover o excesso de ferro e distribuí-lo para outros tecidos periféricos, onde seja requerido). Além disso, tem sido sugerido que as ferritinas dos insetos teriam função também na resposta imune (Charlesworth et al., 1997; Nichol and Locke, 1999). Em insetos, ao contrário dos vertebrados, as ferritinas mais predominantes são as secretadas (Nichol and Locke, 1999). A ocorrência do fenômeno de hemaglutinação no interior do intestino médio anterior de triatomíneos além de favorecer a ingestão de uma maior quantidade de sangue, pode também representar um importante mecanismo fisiológico contra o efeito tóxico de altas concentrações de ferro proveniente da ruptura das hemácias. A hemaglutinação atuaria retardando o processo de lise (hemólise) das hemácias (uma vez que as hemácias presentes no centro dos grumos formados, levariam mais tempo para serem rompidas), e com isso a quantidade de ferro liberada durante a hemólise, 94 ocorreria aos poucos, evitando com isso a liberação de altas concentrações de ferro, que poderiam ser prejudiciais as células. O alinhamento das sequências de ferritinas de T. infestans provenientes de uma biblioteca de glândula salivar (Assumpção et al., 2007) e de uma bibliotea de cDNA de intestino médio anterior (realizado pela Dra. Aparecida S. Tanaka – UNIFESP) com outras ferritinas de alguns insetos hematófagos, sugere que os triatomíneos apresentam 2 tipos de ferritina, uma provavelmente secretada (contendo peptídeo sinal) expressa no intestino médio anterior e outra intracelular expressa no intestino médio anterior, na glândula salivar e provavelmente em outros órgãos (os testes serão feitos). Os resultados obtidos pela RT-PCR mostram que os triatomíneos possuem dois tipos de ferritina, uma expressa na glândula salivar e outra no intestino. A análise do perfil de expressão dos níveis de RNAm relativos a ferritina intestinal em ninfas de terceiro estádio de T. infestans demonstrou que nas primeiras 24 horas após a muda ocorre um aumento expressivo do RNAm, demonstrando com isso, que o momento utilizado para introduzir o dsRNA para silenciar a ferritina intestinal (1 dia após a muda) foi o mais indicado. Entretanto, os resultados obtidos após a administração do dsRNA indicam que apesar de haver uma redução efetiva nos níveis de RNAm relativo a ferritina, a atividade hemaglutinante do intestino continuou presente nos insetos silenciados (que foram avaliados em diferentes dias após a administração do dsRNA). O perfil eletroforético das proteínas presentes no extrato de intestino das ninfas silenciadas também foi avaliado (dados não mostrados), e aparentemente a banda referente à ferritina não desaparece, pois não foram observadas diferenças na densitometria da banda entre os insetos dos grupos controles e grupos silenciados. 95 Caso a meia vida da ferritina seja alta, e a atividade hemaglutinante observada em ninfas silenciadas, pode ser proveniente de proteínas que foram produzidas no estágio anterior (antes da muda do inseto), uma estratégia para "gastar" a proteína acumulada seria alimentar os insetos após a introdução do dsRNA, e avaliar após diferentes dias, a atividade hemaglutinante, bem como a duração do silenciamento. Dessa forma poderíamos confirmar se a ferritina é mesmo a molécula responsável pela atividade hemaglutinante. Araujo et al. (2006) observaram que a partir de 48 horas após introdução do dsRNA para silenciar a nitroforina salivar de R. prolixus havia uma redução significativa nos níveis de RNAm, entretanto a perda da atividade anticoagulante só foi observada depois que as ninfas injetadas "gastaram" a proteína que estava armazenada na glândula salivar. Além disso, eles verificaram que o efeito do silenciamento (redução nos níveis de RNAm da nitroforina) foi perdido alguns dias após a muda do inseto para o próximo estádio. Os perfis obtidos após cromatografia do intestino tratado termicamente, utilizando uma coluna de troca iônica e de filtração molecular demonstram que as amostras que possuem maiores títulos de atividade hemaglutinante, são aquelas em que há uma sopreposição entre os comprimentos de onde de 280 nm e 404 nm, que correspondem as absorvâncias de proteínas e do agrupamento prostético heme, respectivamente, o que reforça a hipótese de que a ferritina é molécula responsável pela atividade hemaglutinante. Intrigantemente, essas amostras apresentaram altos níveis de absorvância no comprimento de onda de 260 nm, o que poderia ser atribuído a uma maior proporção do aminoácido fenilalanina na estrutura da molécula com atividade hemaglutinante. 96 11 Conclusões – Parte 2 – Atividade hemaglutinante A molécula responsável pela atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior de T. infestans é termo-resistente, e sua natureza povavelmente é proteica. A atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior de T. infestans atua sobre hemácias de diferentes hospedeiros vertebrados, entre eles, camundongo, rato, coelho, hamster e galinha. A atividade hemaglutinante provavelmente não é devida a ação de lectinas, pois durante o fenômeno observa-se a formação de fibras elásticas ligando a parede das hemácias e não se observa a formação de rosetas. A atividade hemaglutinante presente no intestino médio anterior de ninfas de terceiro estádio de T. infestans é baixa ou ausente poucos dias após a muda, e apresenta um aumento significativo 5 dias após a muda. A molécula responsável pela atividade hemaglutinante provavelmente é constituída por subunidades menores e apresenta variações no seu perfil eletroforético, dependendo do tratamento a qual foi submetida (tratada ou não termicamente). Nossas análises sugerem que a molécula hemaglutinante seja uma ferritina. A busca no banco de dados de sequências de ferritinas em triatomíneos 97 demonstrou a existência de pelo menos uma ferritina-like secretada (com peptídeo sinal) no intestino médio anterior. 98 Referências Bibliográficas Abalos, J.W., Wygodzinsky, P., 1951, Las Triatominae Argentinas (Reduviidae, Hemiptera). 1951, San Miguel de Tucumán, 178 p. Abramoff, M.D., Magelhaes, P.J., Ram, S.J., 2004, Image processing with ImageJ. Biophotonics International 11, 36-42. Alves, C.L., 2007. Estudo comparativo da ação da saliva de triatomíneos (Heteroptera; Reduviidae) e do predador Belostoma anurum (Heteroptera; Belostomatidae) sobre as preparações de nervo isolado de rato e de vaso dorsal de inseto. Mestrado. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Amino, R., Martins, R.M., Procopio, J., Hirata, I.Y., Juliano, M.A., Schenkman, S., 2002, Trialysin, a novel pore-forming protein from saliva of hematophagous insects activated by limited proteolysis. J Biol Chem 277, 6207-6213. 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