Considerações sobre a perspectiva territorial na política

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Revista Urutágua – revista acadêmica multidisciplinar –
Nº 18 – mai./jun./jul./ago. 2009 – Quadrimestral – Maringá – Paraná – Brasil – ISSN 1519-6178
Considerações sobre a perspectiva territorial na política pública
de Assistência Social no Brasil
Fabricio Fontes Andrade
Resumo – Este ensaio buscar trazer algumas considerações sobre o processo de
territorialidade das políticas públicas brasileiras, especialmente a política de assistência social
no âmbito do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, bem como um debate sobre a
vitalidade do território na implementação de políticas públicas.
Palavras-chave: Território; Políticas Públicas; Assistência Social.
Abstract- This assay to search to bring some indications on the process of territoriality of the
Brazilian public politics, especially the politics of social assistance in the scope of the Sistema
Único da Assistência Social - SUAS, as well as a debate on the vitality of the territory in the
implementation of public politics.
Key words: Territory; Publics Politics; Social Assistence
Introdução
Este ensaio que aqui se apresenta parte da
seguinte questão; quais as contribuições o
debate sobre o processo de territorialização
das políticas sociais pode trazer para a
estruturação do SUAS?.
Tendo em vista tal inquietação, a
argumentação e exposição de idéias do
ensaio objetiva, estabelecer o fundamento
da territorialização no âmbito do SUAS
(Sistema Único da Assistência Social),
bem como, busca explicitar as possíveis
contribuições do debate sobre a
territorialização no âmbito das Políticas
Publicas no Brasil.
Ou seja, busca-se possibilitar a reflexão
sobre as potencialidades presentes na
abordagem territorial da política de
assistência social, tendo em vista a nova
institucionalidade desta política pública
desde a implementação do SUAS.
Para tal intento realizou-se debate
bibliográfico
utilizando-se
fundamentalmente Santos (2001), Sposati
(2001), Koga (2002;2005), Ribeiro (2003),
Barbosa (2006) entre outros autores. Não
obstante este ensaio está dividido em três
seções que sucedem a presente introdução:
Territorialização e Políticas Publicas;
Territorialização no âmbito do SUAS e
Considerações Finais.
No que toca ao debate da territorialização e
políticas públicas busca-se empreender a
análise das contribuições do processo de
territorialização no âmbito das políticas
socais brasileiras, cuja realidade é
historicamente marcada pela (re) produção
das desigualdades sociais, que via de regra
se expressam de forma diferenciada
territorialmente, neste sentido entender a
complexidade de tais processos é
fundamental na intervenção junto a as
necessidades sociais da população usuária.
Por sua vez quando se pensa a
Territorialização no âmbito do SUAS, não
podemos deixar de enfrentar o processo
histórico que marca a Assistência Social no
Brasil, bem como os desafios impostos à
estruturação do Sistema Único de
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Assistência Social, pensado sob
Matricialidade
sócio-familiar
Territorialização.
a
e
condições de degradação dos padrões de
civilidade.
Nas
considerações
finais
busca-se
estabelecer as principais contribuições que
uma abordagem territorial pode trazer a
Assistência Social no Brasil, bem como os
limites impostos a tal intervenção
territorial.
Assim sendo, pensar as políticas públicas
na ótica do território e dos vínculos sociais
não significa buscar a homogeneização das
condições sociais e das realidades
cotidianas, mas buscar uma visão
estratégica para a otimização dos recursos
e esforços públicos.
Territorialização e Políticas Públicas
No Brasil, a intervenção na questão social
via políticas públicas se depara com a
necessidade/desafio de democratizar as
relações com o poder público e otimizar o
acesso aos direitos sociais, bem como
dirimir as desigualdades socioterritoriais
sem excluir as singularidades
e
diversidades locais.
Desta forma se torna imperativo pensar as
políticas públicas de forma articulada e de
forma territorializada, ou seja, implica em
manejar potencialidades ativas nas relações
sociais e processos de poder na ótica do
território. Nesta compreensão sobre o
debate,
(...) é o território que constitui o traço
de união entre passado e futuro
imediatos. Ele te que ser visto (...)
como um campo de forças, como lugar
do exercício, de dialéticas e
contradições
entre
vertical
e
horizontal, entre Estado e mercado,
entre o uso social e econômico dos
recursos (SANTOS Apud RIBEIRO
2003, p.37).
A noção de território acima enveredada
busca dar conta da complexidade do
sistema técnico e do sistema de ações,
objetivando a compreensão da dinâmica da
totalidade social com a valorização da ação
política.
Deste modo, o território é um elemento
que juntamente com outros atores, atua em
realidades coletivas, que pode potencializar
processos de fortalecimento da cidadania,
mas que pode também manifestar
Neste
esforço
de
concepção,
implementação e monitoramento de
políticas públicas é necessário refletir
sobre o papel do território pensando-o “(...)
como ator e não apenas como palco, isto é,
o território no seu papel ativo” (SANTOS
& SILVEIRA, 2001, p.11)
A consideração sobre o caráter dialético do
território – território-ator, vivido, usado –
expressa uma mediação imaterial e
material que via de regra efetiva o agir
político. Logo, a categoria territorial que
direciona a valorização do território reforça
a importância da ação política. (RIBEIRO,
2003)
Portanto, as ações públicas inserem-se nas
teias de relações sociais cotidianas préexistentes, que não se limitam a relações
de proximidade, mas se inscrevem em
dinâmicas de diferenças e similitudes de
situações vividas. A apreensão desta
dinâmica significa incluir formas de
conhecimento e desvelamento da realidade
que agregue uma diversidade de olhares
sobre o território.
Temos no Brasil uma conformação
territorial que por si só comporta diversas
classificações,
constituídas
de
diversificados
contextos
políticos,
econômicos e culturais que variam de uma
cidade para outra, especialmente no que
diz respeito ao porte. Nas cidades de
pequeno porte sua vinculação rural implica
um destaque no que diz respeito à
implementação dos programas e projetos,
“atender ás demandas dessas populações
exigem
respostas
adequadas
às
peculiaridades
desse
mundo
rural
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diversificado e suas expectativas, que
podem ter contornos diferentes daqueles
pensados para o mundo urbano.” (KOGA
& NAKANO, 2005, p.07)
Nas grandes cidades e metrópoles por sua
vez, exigem uma mediação com as
demandas e condições sociais intraurbanas, já que índices médios podem não
dar conta da complexidade social, que
muitas vezes ultrapassa os limites
municipais devido a atração exercida por
estas cidades.
No âmbito da dinâmica socioterritorial, as
situações perpassam a afirmação de
horizontalidades e verticalidades. A
horizontalidade se afirma por possibilitar a
estruturação da vida em sociedade, ou seja,
a união em busca de um lugar comum. A
verticalidade por sua vez se afirma pela
modernização alienada, que deteriora a
vida comum dos homens e funda uma
lógica própria que lhe serve, afirmando a
primazia do econômico sobre a civilidade.
Tal dinâmica urbana gera o que
Boaventura de Souza Santos denomina
Apartheid Urbano, caracterizando a
privação dos direitos sociais ou seja, “
trata-se da segregação espacial dos
excluídos através de uma cartografia
urbana dividida em zonas selvagens e
zonas civilizadas(...)” (SANTOS 1999,
Apud BARBOSA 2006, p.132)
Dessa forma não basta ter mapeamentos ou
ranking de pobreza ou exclusão social das
cidades brasileiras para se afirmar que as
políticas
públicas
são
pensadas
territorialmente, ou que o território é
certamente uma questão central de ação.
Tais diagnósticos são apenas o ponto de
partida para a apropriação das situações
por eles evidenciados. Nesta perspectiva
torna-se importante trazer a tona o
exercício de se inverter a lógica do
atendimento das demandas sociais,
atentando-se para uma lógica baseada na
dinâmica sócio-territorial que constitui as
cidades brasileiras.
Legado da Assistência Social e a
Territorialização no âmbito do SUAS.
Historicamente, a política de Assistência
Social se configurou no Brasil de maneira
marginal aos direitos sociais, esteve ligada
a atividade voluntarista carregada por uma
forte carga moralista de patrimonialismo,
clientelismo e das diversas expressões da
cultura do favor.
Soma-se
a
estes
aspectos
o
assistencialismo, que muitas vezes no
discurso dos mais variados atores sociais é
abordado de forma simplista. O conceito
de assistencialismo não se situa em um
campo a-histórico, mas inserido nas
situações demarcadas por características
que se diferem no que diz a sua condição
espaço-tempo.
Deste modo, Alayon (1995) disserta que “o
assistencialismo é uma das atividades
sociais que historicamente as classes
dominantes implementaram para reduzir
minimamente a miséria que geram e para
perpetuar o sistema de exploração.”
(ALAYON, 1995, p.48)
A exposição de tal quadro levou ao que
Teixeira (1989) conceitua como Cidadania
Invertida, ou seja, para ter acesso aos
direitos e aos serviços sociais o possível
beneficiário deve mostrar-se um nãocidadão, que não tem acesso aos demais
direitos.
No entanto, no bojo das transformações
ocorridas na sociedade brasileira na década
de 1980 - no período de democratização do
Brasil – possibilitou-se que a Política de
Assistência Social alcançasse viabilidade
de estruturar-se enquanto Política Social no
campo da Seguridade Social brasileira,
consagrada no texto constitucional de
1988. Destaca-se neste contexto acima
explicitado, a luta pela regulamentação do
artigo 203 da Constituição Federal de
1988, realizado na LOAS (Lei Orgânica da
Assistência Social, lei 8742 de 1993).
Assim sendo, a LOAS traz consigo uma
gama de acúmulos advindos da luta
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histórica pela afirmação de um novo
padrão de Assistência Social no Brasil,
sendo que nestes termos, “A LOAS é um
documento juspolitico [...] que expressa no
seu conteúdo aparentemente neutro toda a
gama de discussões que caracterizaram a
história da Assistência Social” (PEREIRA,
1998, p. 69-70).
Compartilhando com Sposati (2001),
referencia-se a idéia de que a Assistência
Social enquanto partícipe do sistema de
proteção social brasileiro deve ser uma
“política com conteúdo próprio voltado
para a provisão [...] da universalização dos
mínimos sociais como padrões básicos de
inclusão”. (SPOSATI, 2001, p.62) Portanto
o SUAS é condensação e a maturidade
conferida, que toma corpo objetivando a
construção de um Estado de bem-estar
social voltado a garantia efetiva das
conquistas constitucionais em busca da
universalidade
no
atendimento
e
administração das vicissitudes da vida em
sociedade. Em sua concepção o SUAS
acumulou
diversas
experiências
empreendidas no campo da assistência
social, seja de gestões municipais, estudos,
pesquisas, bem como se apoiou em lutas
sociais por um novo trato às questões
sociais.
No que toca a territorialização no âmbito
da Política de Assistência Social , o SUAS
em sua norma operacional básica (NOBSUAS), estabelece-a enquanto um dos seus
eixos
estruturantes.
Dessa
forma
destacando-se a imensa desigualdade
presente nos mais de 5500 municípios
brasileiros faz-se extremamente necessária
uma
concepção
aprofundada
e
sistematizada de territorialização.
Assim sendo, o trato as demandas sociais
focalizadas em segmentos – idosos ;
crianças etc. – se torna insuficiente frente
às desigualdades sociais e territoriais, é
necessário agregar o entendimento
socioterritorial. Logo, interpretando a
cidade e o território a partir dos seus
atores, ou seja, do vivido, exige um retorno
à história, ao cotidiano e ao universo
cultural da população que vive no
território. Não obstante no âmbito da NOB
2005,
(...) trata-se de identificar os problemas
concretos, as potencialidades e as
soluções, a partir de recortes
territoriais que identifiquem conjuntos
populacionais em situações similares, e
intervir através das políticas públicas,
com o objetivo de alcançar resultados
integrados e promover impacto
positivo nas condições de vida.
(BRASIL, 2005, p.44)
Atuar neste parâmetro territorial pressupõe
romper com velhas práticas, considerando
as características sociais brasileiras em sua
singularidade, entender os desafios
cotidianos e a dinâmica territorial
brasileira. Tais características cotidianas
dos usuários da Assistência Social
expressam um mosaico de situações que
revelam negação dos direitos e da
cidadania, que divide a sociedade em dois
contextos: o mundo dos direitos e o Mundo
dos favores.
Tendo em vista as diferenças espaciais das
cidades brasileiras, o SUAS divide sua
operacionalização de acordo com o porte
populacional dos municípios1. Por sua vez
estabelece o CRAS (Centro de Referência
da Assistência Social) enquanto unidade
pública estatal de base territorial,
localizado em áreas de vulnerabilidade
social, que abrange um total de até
1.000famílias/ano. Unidade que executa
serviços de proteção social básica,
organiza e coordena a rede de serviços
sócio assistenciais locais da política de
assistência social. Isto impõe a produção e
sistematização
de
informações
territorialmente organizadas sobre as
1
A NOB-SUAS estabelece quatro portes
populacionais aos municípios brasileiros: Pequeno
Porte I: Até 20.000 habitantes; Pequeno Porte II:
de 20001 até 50.000 habitantes; Médio Porte:
50.001 até 100.000 habitantes; Grande Porte:
100.001 até 900.000 habitantes; e Metrópoles:
Acima de 900000 habitantes.
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condições de risco social e pessoal, bem
como condições de acesso aos serviços
públicos etc.
Esta fundamentação de proteção social
territorializada supõe conhecer os riscos, as
vulnerabilidades sociais a que estão
sujeitos os usuários, bem como as
potencialidades com que conta para fazer
frente a tais situações com menor dano
pessoal e social possível. Isto significa
refletir sobre a dinâmica socioterritorial de
modo a entender que para além das
necessidades
as
pessoas
possuem
capacidades que devem ser trabalhadas
com vistas a ampliação da liberdade e das
escolhas que as pessoas podem realizar.
Assim as analises das situações sociais não
podem se restringir a privação social, mas
também as potencialidades em se superar a
condição atual.
Por isso, na implementação do SUAS a
necessidade de se articular ações no nível
macro e micro social é fundamental, uma
vez que as médias expressas nos índices e
indicadores de pobreza e vulnerabilidade
não conseguem captar a dinâmica intraurbana, uma vez que, cada cidade expressa
em seu cotidiano as mais diversas formas
de desigualdade e segregação social e
espacial. (Koga, 2002)
Considerações finais
Durante a organização deste ensaio
procurou-se explicitar algumas questões,
ainda
que
superficiais,
sobre
a
territorialização das políticas públicas, em
especial a política de assistência social no
âmbito da implementação do SUAS.
Dentro deste espectro, depreendemos que
muitos desafios se impõem as políticas
públicas no Brasil, sobretudo, no âmbito da
supressão das desigualdades sociais e
territoriais e na democratização do acesso
aos direitos sociais.
Logo, percebe-se que pensar as políticas
públicas na ótica do território significa
encara-lo enquanto ator das práticas
sociais, não somente enquanto palco inerte
dos fatos. Não obstante busca-se superar a
dualidade de mundos de perpassam as
cidades brasileiras, em um mundo dos
direitos e o mundo dos favores.
Neste contexto, a criação e expansão de
espaços democráticos no enfrentamento de
situações de exclusão social reaviva
potencialidades dos sujeitos individuais e
coletivos. Logo, considerar a capacidade
de ação política das pessoas que habitam
os territórios, supõe refundar suas relações
com este indo além do imperativo técnico
para a afirmação das capacidades sociais e
territoriais.
Por sua vez, no que toca a implementação
do SUAS, territorialmente pensado a partir
da atuação do CRAS, a abordagem
territorial deve levar em conta a superação
de velhos paradigmas fundados no enfoque
do necessitado. Ou seja, uma visão social
capaz de perceber as diferenças,
entendendo que as circunstâncias e os
requisitos sociais que circundam a vida do
cidadão e dele em sua família são
determinantes para sua proteção e
autonomia.
Sob este prisma, a territorialização da rede
socioassistencial no âmbito do SUAS se
rege pela capilaridade da oferta de
benefícios e serviços tendo em vista a
dinâmica
das
forças
sociais
e
vulnerabilidades e riscos sociais presentes
no território.
Portanto, o que se quer afirmar é que a
territorialização no âmbito da Assistência
Social pode ser um instrumento
fortalecedor da democratização do acesso
aos direitos sociais, por possibilitar a
mediação entre as condições concretas
vividas pela população e a diferença de
acesso dos mesmos aos serviços sociais.
Logo, o debate sobre o território na política
de assistência social, não objetiva a mera
delimitação territorial de um espaço
geográfico, pois, envolve a consideração
de que
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Território é dinâmica, pois para além
da topografia natural, constitui uma
“topografia social” decorrente das
relações entre os que nele vivem e suas
relações com os que vivem em outros
territórios. Território não é gueto,
apartação, ele é mobilidade. Por isso,
discutir medidas de um território é
assunto bem mais complexo do que
definir sua área com densidade.
Implica considerar o conjunto de
forças e dinâmicas que nele operam.
(SPOSATI, 2008, P.09)
Deste modo a territorializaçao no âmbito
do SUAS deve fortalecer a lógica da
proteção social enquanto direito de
cidadania, voltada para a prevenção de
riscos sociais, buscando a inclusão dos
segregados social e espacialmente,
fortalecendo seus vínculos sociais e
capacidade de participação política.
Diante do exposto no ensaio, a
configuração de uma política pública
territorialmente articulada não se restringe
ou se esgota na imposição ou transposição
de uma lógica político-administrativa para
os territórios, mas deve ser baseada no
reconhecimento das capacidades coletivas
dos territórios enquanto espaços de vida e
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