Arranjos Produtivos Locais industriais sob ambientes periféricos: os condicionantes territoriais das externalidades restringidas e negativas 1. Introdução O objetivo deste artigo é analisar os condicionantes territoriais das externalidades restringidas e negativas dos arranjos produtivos locais (APLs) industriais, localizados em países periféricos. É uma análise, portanto, dos atores econômicos imersos no território urbano-periférico, em suas dimensões nacional, regional e local. A redescoberta do território como objeto de investigação econômica, seja em elevado nível de abstração (Krugman,1991), seja através da noção de “lugares reais” (Martin, 1999), ganhou força na literatura econômica a partir de alguns trabalhos do início dos anos noventa. Uma das vertentes teóricas está associada a trabalhos de autores do mainstream econômico, especialmente Krugman (1991), que buscam tratar a questão dos retornos crescentes de escala como um fenômeno de natureza espacial, retomando, assim, a tradição de autores heterodoxos dos anos cinqüenta e sessenta, relacionada à problemática dos retornos crescentes de escala no espaço e do desenvolvimento econômico desigual, dentre elas destacando-se as contribuições dos autores estruturalistas, em especial Myrdal (1957), Hirschman (1958) e Kaldor (1966). Mais recentemente, trabalhos mais formalizados da chamada Nova Geografia Econômica, inspirada na contribuição de Krugman, como Fujita, Krugman e Venables (1999) e Fujita e Tisse (2002), têm reconhecido também as contribuições seminais de autores da tradição da economia regional e urbana clássica, mesmo que ainda timidamente, como von Thünen [1826], Lösch (1954) e Chistaller (1933), além dos conhecidos capítulos do Livro IV dos Princípios ... de Marshall [1920]. Ao seu modo, o mainstream busca, assim, retomar a questão da economia espacial a partir das fontes originais, mais férteis e teoricamente mais promissoras, já que nos modelos teóricos destes autores os fatores aglomerativos e desaglomerativos são forças endógenas de atração e repulsão das atividades econômicas, quer sob uma ótica estritamente urbana (monocêntrica) quer sob uma ótica regional (área de mercado). É uma retomada que não chega a renegar, explicitamente, a contribuição dos anos cinqüenta e sessenta da Regional Sciences, especialmente de Isard (1956), mas resgata, em seu arcabouço, exatamente os aspectos teóricos mais relegados ou frágeis desta contribuição, em particular o tratamento dos retornos crescentes advindos de economias de aglomeração no espaço sob a perspectiva do equilíbrio geral dos mercados de bens e fatores. Já a recuperação contemporânea do território localizado, não abstrato, como unidade relevante de análise teve como uma de suas vertentes, no início dos anos noventa, a literatura fronteiriça entre economia industrial, estratégias empresariais e desenvolvimento econômico, especialmente os estudos de clusters inspirados pelo trabalho de Porter (1990), que retoma especialmente a contribuição de Marshall para analisar, em uma perspectiva, macro as vantagens competitivas dos países baseadas em economias externas de aglomeração. A questão micro da revalorização do papel das pequenas e médias empresas – PMEs, em ambientes aglomerativos locais, recebe também atenção especial neste corpo de literatura (p.ex., Lawson, 1999). Como, porém, ressaltam Martin (1999) e Scott (2000), estas redescobertas do espaço como unidade analítica têm uma faceta de “reinventar o roda” no sentido de que o território localizado, de “lugares reais”, nunca chegou a ser abandonado pela geografia econômica. Em articulação com a heterodoxia econômica estruturalista, pós-keynesiana, neo-schumpeteriana e neo-institucionalista, um vasto espectro de literatura desenvolveu-se ao longo do período de “esquecimento” do espaço pelo mainstream. Ganhou vigor, especialmente nos anos oitenta e noventa, com a contribuição das vertentes saxônica, italiana e francesa, respectivamente, através da teoria do ciclo do produto e especializaçãolocalização flexível (Markusen, 1985; Storper 1995, Scott, 1986); distritos industriais e a dinâmica global-local (Beccattini, 1995); e millieu innovateur e economia da proximidade (Rallet e Torre, 1995). Parte destes trabalhos tiveram influência também da sociologia neo-marxista e institucionalista, como Castells (1996), e Grannoveter (1985) e da teoria da regulação francesa, no que toca à concepção de “fordismo” e “pós-fordismo” (Boyer, 1986). Soma-se a esta literatura a vertente evolucionária da economia da inovação, através da análise dos sistemas locais de inovação, em especial, da economia do aprendizado (Lundvall e Johnson, 1994). Sem a pretensão de revisitar toda esta literatura1, nosso objetivo é partir de alguns de seus desdobramentos relativos ao tratamento das aglomerações industriais, surgidas em ambientes locais fora do eixo das economias industrializadas - doravante denominados ambientes periféricos - em geral, relegados ao segundo plano nestas análises. Vale notar, entretanto, que existem exceções relevantes, que têm incorporado, de alguma forma, em seus estudos a especificidade das aglomerações periféricas. A literatura sobre globalização, relacionada a cadeias globais de commodities, toca na análise destes ambientes, já que elos destas cadeias se localizam nos países periféricos, especialmente os de industrialização recente (ex.: Schmitz, 2000). Da mesma forma, a literatura relacionada à economia política do espaço centrada no papel dos atores, especialmente das grandes empresas, aborda os distritos industriais de forma ampla e, desta forma, incorpora distritos de ambientes tipicamente periféricos, como o distrito “plataforma satélite” (Markusen, 1995). Por fim, mas não menos importante, a literatura evolucionária e institucionalista de sistemas produtivos locais tem avançado no refinamento analítico e empírico na identificação e tipologia destas aglomerações (p.ex., Mytelka, 1999), introduzindo, desta forma, a questão de suas formas de reprodução em ambientes periféricos. No entanto, estes trabalhos não são focalizados na problemática periférica em si, no sentido de utilização de uma metodologia específica. O trabalho coordenado por Cassiolato e Lastres (Cassiolato et al., 2000; Lastres et al., 1998) tem se constituído em um importante esforço metodológico nesta direção, através da acumulação de conhecimento empírico de aglomerações industriais locais em ambientes periféricos, visando um processo gradual de refinamento teórico-analítico. Tendo como marco teórico uma perspectiva evolucionária, esta abordagem recupera, para o contexto territorial, os três fatores-chave da economia da inovação e do aprendizado, quais sejam, especificidade, cumulatividade e apropriabilidade. A especificidade territorial é entendida na forma em que o passado produtivo da localidade - isto é, sua história pregressa - conta para seu presente – i.e, o que faz e como faz - e seu futuro – i.e., como inovar e o que inovar. O específico da localidade é seu conhecimento tácito, não codificável, que é um ativo localizado não reproduzível em outras localidades e não transportável. A cumulatividade no território é o aprendizado coletivo local de conhecimento tácito que, através de redes internas formais e informais, possibilita arranjos institucionais como formas particulares de cooperação sob as regras da competição e rivalidade. Cria as possibilidades de dinamismo pela crescente capacitação para inovar. A apropriabilidade territorial é a possibilidade criada pela aglomeração local de ganhos privados das empresas estabelecidas através de barreiras territoriais à entrada e saída. É isto que possibilita a perenidade e estabilidade da aglomeração na medida em que cria uma ancoragem territorial para as firmas estabelecidas, que se manifesta tanto através de custos imateriais irrecuperáveis de saída pelas as firmas estabelecidas e a não apropriação dos ganhos imateriais locais pelas entrantes potenciais. Dado o caráter “incompleto” destas aglomerações locais na periferia, existem sérias limitações para a exploração destes três fatores-chave associados às vantagens da proximidade geográfica, como mostram os estudos da REDSIST (Lastres et al., 1998). Neste sentido, adotou-se um termo geral para caracterizá-las de tal forma a incluir um conjunto heterogêneo de aglomerações, já que a maioria não se enquadra nas formas teóricas abstratas de sistemas locais de inovação, distritos industriais, clusters ou milieu innovateurs. O termo arranjos produtivos locais – APLs atende estas preocupações conceituais, pois estes não são vistos como aglomerações em um estágio anterior de desenvolvimento, mas como um produto histórico do espaço social local. Assim, parte deles pode não progredir necessariamente em direção a formas mais sistêmicas de organização produtiva local. Outros podem ter, ao contrário, formas organizacionais mais desenvolvidas como verdadeiros sistemas produtivos localizados. Nossa contribuição, para esta abordagem evolucionista da localidade, é articular dimensões puramente espaciais, como as escalas territoriais intermediárias entre o local e o global, de tal 1 Veja, por exemplo, a releitura realizada por Rallet e Torre (1995). forma a introduzir na análise as dimensões nacional, regional e urbana dos APLs periféricos e, assim, contemplar seus condicionantes territoriais. 2. Os condicionantes territoriais Entendemos por território o espaço socialmente construído, dotado não apenas dos recursos naturais de sua geografia física, mas também da história construída pelos homens que nele habitam, através de convenções de valores e regras, de arranjos institucionais, que lhes dão expressão, e de formas sociais de organização da produção. Como espaço social, o território é um campo de forças políticas conflituosas, com estruturas de poder e dominação. Assim, o território é tanto locus de produção de bens e acumulação de capital como locus de construção de arranjos institucionais do poder instituído, mas mutante, que abriga conflitos de interesses e formas de ação coletiva e coordenação. Como afirma Storper (1995: 111), a natureza da atividade produtiva “é, por necessidade, uma forma de ação coletiva fundada sobre o paradoxo das ações individuais”, que são interdependentes e, portanto, caracterizadas pela incerteza. A questão relevante, para a redução da incerteza, “é saber como os atores conseguem estabelecer formas de ação coletiva eficazes, isto é, coordenadas com sucesso” (Ibid.). As formas de ação coletiva são territorializadas, pois não ocorrem no espaço abstrato, mas no espaço socialmente construído. O ponto específico que nos interessa é entender os limites da ação coletiva sob ambientes periféricos e, especificamente, dos APLs também considerados uma forma de organização produtiva da ação coletiva da atividade econômica no espaço social. Queremos, portanto, entender os condicionantes territoriais dos APLs periféricos. Estes condicionantes podem ser divididos segundo a escala territorial e a forma das externalidades que afetam os APLs. As escalas territoriais, que consideramos relevantes para o desenvolvimento dos APLs, são a escala nacional, regional e local. Esta última compreende o lugar produtivo e o espaço urbano em que os APLs estão inseridos. A escala internacional condiciona a forma de inserção do país na economia mundial. Esta determinação, que denominamos condicionante periférico, manifesta-se nas escalas nacional e sub-nacionais, através das formas de externalidades positivas restringidas e negativas. Estas formas de externalidades compreendem o que denominamos de externalidades institucionais e estruturais, em escala nacional; as externalidades perrouxianas, em escala regional, e as externalidades marshallianas, schumpeterianas, transacionais e jacobianas, em escala local. O termo periferia descreve uma situação geral mas tem um sentido estrito, decorrente do desenvolvimento desigual da economia capitalista. O argumento chave do desenvolvimento desigual (Myrdal, 1957, Hirschman, 1958) deve-se ao fato de que as forças econômicas de atração e repulsão atuam no espaço, de forma desequilibrada, através de um processo circular cumulativo. Uma vez que as forças de atração favoreçam uma região, em detrimento de outra, estabelece-se um processo de concentração de fatores e de produção de bens no espaço - o centro -, cujas relações de troca com a região desfavorecida - a periferia - reproduzem a dinâmica centro-periferia. O fator escala da produção aglomerada, ao nível do território, é o fator chave desta dinâmica, pois cria retornos crescentes localizados. Isto, por sua vez, estabelece uma retroalimentação interna entre oferta-demanda ampliada e cumulativa, via expansão da demanda por fatores, da produção e da demanda intermediária e final de bens. Mesmo que a teoria vislumbre uma eventual reversão deste movimento de polarização espacial, favorecendo a atração de fatores e de produção de bens nas regiões periféricas, nada indica uma convergência inter-regional do nível de desenvolvimento. Ao contrário, a dinâmica de reversão da polarização é geograficamente restrita a localidades próximas ao centro, caracterizando o que Richardson (1973) denominou de “dispersão concentrada”. O refinamento do argumento de escala da produção aglomerada é feito por Kaldor (1966) em sua teoria do crescimento, que entroniza a indústria de transformação como motor do crescimento. Os retornos crescentes de escala da produção industrial agregada, via coeficiente de Verdoon, vão alimentar o aumento da produtividade na forma do processo de crescimento circular cumulativo. Mesmo sem precisar a decomposição das fontes de crescimento do coeficiente de Verdoon, na forma de economias internas e externas à firma, pecuniárias e tecnológicas, o argumento kaldoriano traz um significativo ganho analítico, especialmente para analisar diferenças de crescimento econômico entre escalas territoriais nacionais. A incorporação do substrato, estritamente territorial, das vantagens de escala da produção aglomerada é realizada por Jacobs (1969), na forma do território urbano. Ao invés do argumento centrado na indústria em si, como na tradição marshalliana, o urbano assume, para a autora, lugar central na geração de externalidades aglomerativas dinâmicas. A escala da aglomeração urbana diferencia-se, neste caso, da escala da aglomeração industrial, no sentido de que esta última é, em geral, entendida como geradora de externalidades de especialização produtiva, centrada num ramo industrial, com base tecnológica específica. A primeira, em contraste, explora as externalidades de diversificação produtiva, que não são, simplesmente, um somatório de especializações, mas um produto, genuinamente urbano, gerado por inovações produtivas induzidas pelo próprio crescimento urbano. A diversificação, portanto, varia de forma diretamente proporcional à escala econômica urbana, que é capaz de superar os limites da divisão de tarefas de uma base técnica específica, ou seja, os limites da especialização, para avançar no desenvolvimento da divisão social do trabalho. A última peça analítica que falta na busca de nosso “lugar real” é a análise da dinâmica centro-periferia, no contexto do território macro-regional latino-americano, e de suas formas concretas, ao nível dos países, tal como realizada pelo pensamento econômico cepalino. A problemática periférica, segundo os cepalinos, é a problemática da industrialização, quer seja sua ausência (Prebisch, 1949), quer seja seus problemas estruturais (Tavares, 1972). Tendo em vista nossos objetivos da análise de APLs periféricos, nos interessa o segundo aspecto desta problemática, qual seja, a análise dos problemas estruturais da industrialização possível na periferia via substituição de importações. A questão kaldoriana dos problemas de crescimento, relacionados à restrição da escala da produção-demanda industrial agregada, manifesta-se aí de forma aguda e articulada à restrição externa. As restrições interna de escala e externa de divisas compõem os limites do crescimento e da própria industrialização. A contradição recorrente entre progressão na substituição de importações de novos elos industriais e o aumento da demanda de importações (bens de capital e produtos intermediários) manifesta-se através da restrição de divisas cambiais, dada a relativa rigidez da pauta de exportações, essencialmente primárioexportadora. O protecionismo à indústria nascente tem suas vantagens potenciais restringidas pelo pequeno tamanho relativo do mercado interno, o que dificulta ganhos de escala, em especial no caso de indústrias capital-intensivas, e pela dificuldade de endogeneização da geração do progresso técnico. Estes dois fatores, combinados, determinam uma pequena competitividade das exportações. No caso de países de grande porte, como Brasil e México, as restrições de escala interna são atenuadas e permitem uma maior progressão da industrialização substitutiva. Mas o problema cíclico de crise do balanço de pagamentos, como fator de restrição ao crescimento do produto interno, e a baixa capacitação tecnológica mantêm-se crônicos. O lado fiscal destas dificuldades é o déficit público, associado ao elevado custo da industrialização, de natureza essencialmente irrecuperável. Este custo está relacionado aos significativos requerimentos de investimentos em capital social básico, especialmente infra-estrutura física, não empreendidos pelo setor privado. Seu lado monetário é o processo inflacionário. Em síntese, as restrições interna de escala e externa de divisas, bem como a baixa capacitação tecnológica, impõem limites estreitos ao crescimento, que se manifestam em crises cíclicas do balanço de pagamentos e inflação crônica. Este é o ambiente periférico de natureza estrutural, da escala territorial nacional, no qual os APLs dos países de industrialização recente, em particular os latino-americanos, estão imersos. Como se verá, diversos problemas de externalidades positivas restringidas ou negativas dos APLs serão replicados aos níveis das três escalas territoriais anteriormente mencionadas, como mostra o Quadro 1. Quadro 1 APLs: Condicionantes Territoriais das Externalidades Restringidas/Negativas Escala Territorial Tipo de Externalidades Nacional Institucionais Nacional Difusão Regional Perrouxianas Local Marshallianas Local Schumpeterianas Local Transacionais Local Jacobianas Restrição Incerteza Macroeconômica SNI incompleto Absorção limitada Desigualdade interregional Entorno subsistência Impacto Negativo Preço relativo/crédito Políticas longo prazo Hiato tecnológico Produto padronizado Complementaridade intraregional ausente Desenvolvimento desigual APLs Ausência ou limitação ligações inter-setoriais locais Cadeias locais incompletas ou inexistentes Ausência de cooperação Desenvolvimento restringido voltada para a inovação do conhecimento tácito coletivo Governança frágil ou Aumento dos custos de ausente transação Interações tênues Escala econômica das conhecimento tácito e cidades codificado Meio urbano não Contato face a face limitado inovativo Natureza das externalidade s Pecuniárias Tecnológicas Pecuniárias Pecuniárias/ Tecnológicas Tecnológicas Pecuniárias Tecnológicas 3. Externalidades Territoriais em Escala Nacional As externalidades aqui consideradas são (des)economias externas aos APLs e às regiões onde se localizam. Possuem uma dimensão institucional, relacionada à incerteza macroeconômica, e uma dimensão tecnológica, relacionada ao processo de difusão internacional de tecnologia. 3.1 Externalidades Institucionais Negativas A dimensão territorial nacional do Estado-Nação joga um papel decisivo no desenvolvimento de longo prazo dos APLs periféricos, em função da incerteza macroeconômica crônica, que afeta o arranjo institucional do sistema de preços e crédito; o processo de tomada de decisão; a definição de políticas2 e os relacionamentos inter-firmas. O sistema de preços funciona como caixa de ressonância da luta distributiva entre os agentes econômicos para a apropriação do excedente, que é exarcebado em períodos inflacionários. O processo de antecipação de expectativas intensifica esta luta distributiva com impactos diferenciados entre os APLs. Os APLs, ancorados por grandes empresas, são menos vulneráveis aos riscos de redução de seus preços relativos, posto que os preços finais, na ponta da cadeia produtiva, são administrados por estruturas oligopolísticas. Suas empresas líderes conseguem minimizar as oscilações de seus mark-up programados, através de colusão de preços formal ou informal. Mesmo que as empresas da cadeia de fornecedores sofram com eventuais acomodações de preços intra-cadeia na preservação dos mark-up programados das empresas âncoras, elas sofrem impactos relativamente menores vis-à-vis empresas de APLs baseados em 2 Utilizamos o conceito de instituições enquanto o aparato de regras e convenções de coordenação da atividade econômica (North, 1977). pequena e média empresas – PMEs. As antecipações de expectativas, frente à incerteza macroeconômica, são limitadas para as PMEs, pois são tomadoras de preços no mercado e mais expostas às variações cambiais, principalmente se pertencerem a cadeias internacionais de commodities. O segundo tipo de externalidades institucionais negativas sobre os APLs são as situações de regime monetário, âncora do controle de preços e de atração de divisas cambiais, baseado em uma política ativa de juros reais elevados e indexados ao risco cambial precificado no mercado financeiro internacional. Neste caso, as formas de coordenação intra-arranjo produtivo, voltadas para a redução da incerteza dos atores locais, são inoperantes, pois o impacto sobre o crédito e a demanda final é inexorável. Frente a estes componentes da incerteza macroeconômica, as políticas de longo prazo, voltadas para o desenvolvimento dos APLs, são seriamente comprometidas. Quer seja na forma de política industrial, focalizada na cadeia ou aglomeração produtiva local, quer seja na forma de política regional, focalizada na infra-estrutura e complementaridades urbano-regionais, o planejamento do desenvolvimento local estará subordinado às políticas monetária e cambial de curto prazo. Como os impactos macroeconômicos não são neutros no espaço (Bosier, 1989), os APLs das regiões mais vulneráveis às oscilações conjunturais serão mais afetados em seu desenvolvimento. Deve-se considerar, ainda, a interferência que o ambiente econômico e institucional em condições periféricas exerce sobre as relações cooperativas no nível local . Neste caso, a instabilidade macroeconômica vem sempre acompanhada de mudanças freqüentes e, na maioria das vezes, arbitrárias, nas regras que governam o ambiente de negócios e o mercado de fatores (no que se refere à taxação, regulação dos mercados de câmbio e financeiro, aos ajustes de preços, ao nível das taxas de juros reais/nominais e dos salários nominais/reais, etc.)3. Neste tipo de ambiente, os fundamentos necessários à criação de confiança em contratos futuros e em relacionamentos inter-firmas de longo-prazo é abalado, nutrindo uma atitude de negócios essencialmente não-cooperativa, não somente entre os diversos atores, mas entre estes e as instituições governamentais e não-governamentais. Como resultado, torna-se difícil o desenvolvimento de relações cooperativas sistêmicas e elevam-se significativamente os custos de transação locais4. Por isso, este tipo de ambiente não-cooperativo estimula a integração vertical, que surge como forma de isolar as atividades da firma da influência das constantes mudanças no ambiente externo e de reduzir os custos de transação. Como resultado, observa-se uma pequena especialização produtiva das empresas e uma perda dos ganhos de produtividade associados a uma menor divisão do trabalho. Sem dúvida, a inserção de arranjos produtivos em ambientes desta natureza dificulta o desenvolvimento dos elementos necessários à realização da eficiência e do aprendizado coletivos, notadamente daqueles que dependem da ação conjunta dos diversos atores e da interação face-a-face (como, por exemplo, a geração e transferência de conhecimento tácito). Vale notar, ainda, que a incerteza macroeconômica estimula um comportamento míope, curtoprazista dos agentes em relação aos seus planos de investimento. Neste caso, a dimensão financeira das capacitações das empresas é privilegiada em detrimento de sua dimensão tecnológica, que requer tempo e investimentos de longo prazo para serem construídas. Um dos principais resultados deste tipo de comportamento míope é a redução sistemática das taxas de investimento da economia, que, sem dúvida, compromete a capacidade do país em acompanhar o progresso técnico mundial e construir vantagens comparativas dinâmicas. 3.2 Externalidades restringidas de difusão tecnológica De acordo com os modelos de catching up, baseados na difusão tecnológica, os países seguidores retardatários beneficiam-se de externalidades positivas de acesso às tecnologias provenientes dos países líderes, posicionados na fronteira tecnológica. A hipótese básica é que o crescimento da produtividade de um país, originado do processo de difusão, varia de forma inversamente proporcional ao 3 Ver Altenburg & Meyer-Stamer (1998). Em tais ambientes, os agentes desejariam especificar todas as possíveis contingências em contratos, o que elevaria sobremaneira os custos de negociação, manutenção e renegociação dos contratos. 4 nível inicial de sua produtividade em relação ao país líder, refletindo, portanto, seu hiato de capacitação tecnológica (Abramovitz, 1987). Segundo esta hipótese, dentre o conjunto de países tecnologicamente retardatários, os países periféricos de industrialização recente poderiam ser os maiores beneficiários do processo de difusão internacional de tecnologia, desde que possuíssem. a chamada capacitação social mínima de absorção (Ibid.). Esta pré-condição acaba por excluir vários países periféricos das possibilidades de alcance tecnológico, não obstante apresentarem significativos hiatos de produtividade. No entanto, os modelos mais recentes de catching up (Fagerberg, 1988 e 1994) explicam as diferenças de difusão entre os países não apenas pelas diferenças dos hiatos, mas pelas diferenças de capacitação social acima do piso de exclusão, na forma de capacidade interna de absorção e inovação. Esta característica resultaria em ganhos restringidos das externalidades de difusão para alguns países, dentre os quais se incluiriam os países latino-americanos, com uma experiência particular de industrialização substitutiva (Tavares, 1962 e Fanzylber, 1983). Albuquerque (2000) argumenta que estas limitações de capacitação social derivam das limitações dos sistemas nacionais de inovação – SNI destes países, caracterizados como “incompletos”. No caso dos países latino-americanos, e do Brasil em particular, isto significa: a) uma escala relativamente pequena de infra-estrutura de ciência e tecnologia; b) uma atrofia do “T” no binômio C&T; c) uma distribuição enviesada dos gastos de P&D em direção ao setor público, levando a uma atrofia do “D” no binômio P&D pela pequena presença do setor privado; e d) considerável heterogeneidade intersetorial de capacitação tecnológica, enviesada para setores baseados em recursos naturais, onde se concentram as ex-empresas estatais. Resta saber, portanto, em que medida estas peculiaridades, associadas à construção de um SNI em condições periféricas, implicariam numa capacidade de absorção tecnológica restringida e, portanto, enfrentariam externalidades de difusão restringidas. Acreditamos que a explicação mais convincente está relacionada às condições de entrada no mercado de tecnologia. Vários estudos mostram que as condições de entrada variam de acordo com o ciclo de vida da tecnologia, principalmente quando se trata de uma inovação radical. Esta cria um conjunto de tecnologias integradas ou um sistema tecnológico, que possui um processo de difusão e amadurecimento, relativamente longo, no aparato produtivo (Perez e Soete, 1987). Na fase de introdução da tecnologia, os custos de entrada são elevados, em função do custo de conhecimento relevante acumulado requerido, haja visto que a tecnologia está ainda pouco codificada em seus procedimentos e rotinas. É improvável que países com SNI incompletos consigam superar esta barreira do conhecimento prévio, pois isto supõe uma significativa capacidade tecno-científica para apreender o conhecimento não codificado e imitar o inovador. As duas fases subseqüentes, a fase inicial de difusão e a fase de difusão em massa, também possuem altas barreiras à entrada, pois os requerimentos do conhecimento relevante são ainda significativos, apesar de decrescentes. Além disso, deve-se considerar os custos crescentes de experiência acumulada de aprendizado na produção (as rotinas de conhecimento incremental das tentativas e erros na superação dos gargalos, que funcionam como “instrumentos de indução”5) e de localização (o capital social básico, relevante para a difusão em massa da tecnologia, é, na maioria das vezes, um bem público localizado e de alto custo). Este é o momento em que a concorrência está mais intensa para a apropriação do sobrelucro do inovador, criando barreiras à competição, como o segredo comercial e as patentes. Consequentemente, é na fase de maturidade da tecnologia que a entrada de países mais retardatários periféricos, mas que possuem capacitações sociais mínimas, torna-se possível. Nesta fase, eles beneficiam-se de externalidades de difusão. Restam como custos de entrada relevantes o custo de localização - ainda elevado, mas decrescente em razão da padronização da infra-estrutura propiciada pelo efeito lock-in das trajetórias da tecnologia – e o custo do capital fixo – elevado, mas também padronizado. No entanto, os países retardatários auferem um benefício restrito destas externalidades, já que as possibilidades de apropriação do sobre-lucro já se esvaíram nas fases precedentes, restando a competição concorrencial no mercado internacional de commodities industriais, distante dos nichos em segmentos da cadeia produtiva mais intensivos em conhecimento, como design e desenho básico de projetos, já dominados por produtores estabelecidos nas fases anteriores do ciclo tecnológico. 5 Rosenberg, 1976. Evidentemente que APLs em setores de alta tecnologia ou indústrias dinâmicas podem beneficiarse de nichos tecnológicos para entrarem nas fases anteriores, aproveitando-se, por exemplo, das janelas de oportunidade da fase de introdução do produto, como sugerem Perez e Soete (1987), ou mesmo nas fases de intensa difusão e competição oligopolística, na condição de hospedeiros de empresas estrangeiras líderes da tecnologia. No entanto, os APLs de indústrias tradicionais, baseados em PMEs, teriam ganhos menores de externalidades de difusão, pois as condições de entrada de suas empresas aproximam-se da condição de livre entrada, em que o próprio capital fixo pode ser vendido na forma modular, como acontece em alguns segmentos da indústria de calçados, enquanto os nichos intensivos em conhecimento ainda mantêm significativas barreiras à entrada.. 4. Externalidades perrouxianas restringidas na escala regional Denominamos de externalidades perrouxianas as economias externas ao local mas internas à região em que se localiza o APL. Elas são os ganhos decorrentes do ambiente regional, propiciados pela organização sócio-econômica da região, definida como uma escala territorial intermediária entre as escalas nacional e local. O arcabouço conceitual de região compreende os conceitos de “área de mercado”, “centralidade urbana”, “base exportadora” e “polarização econômica”. Segundo Lösch (1954), a área de mercado de um bem representa sua curva de demanda no espaço, ao preço CIF (preço de produção mais custo de transporte por unidade de produto), em que a quantidade consumida varia de maneira inversamente proporcional à distância, supondo o mesmo custo unitário de transporte por unidade de área. A curva de demanda no espaço, assim, depende do preço de produção localizado acrescido do custo de transporte decorrente da distância. Por sua vez, a elasticidade-preço é suposta igual para todas a localidades para efeito de simplificação, já que o que se pretende captar são os efeitos puramente espaciais da curva de demanda. Mesmo supondo concorrência perfeita nos mercados de fatores, os mercados de bens são imperfeitos, pois tanto o preço de produção como o preço de mercado localizado podem variar entre diferentes localidades. Na esfera da produção, o preço de mercado varia em função da existência de retornos crescentes de escala internos à firma localizada, ou seja, o preço de produção localizado é função da escala de produção. Na esfera da circulação, a distância funciona como uma diferenciação de produto no espaço, pois os consumidores localizados preferem consumir bens dos produtores alocalizados com menor preço CIF. Apesar do custo de transporte por unidade de área e unidade de produto ser constante, o preço de mercado localizado varia, portanto, como função da escala de produção e da distância. É possível a concentração da produção em uma localidade, em detrimento de outras, pela existência de economias de escala, que possibilitam, ao produtor localizado, atingir a demanda de outras localidades se seu preço CIF for menor do que o preço de produção de um eventual concorrente destas localidades. Existe, ao mesmo tempo, um processo de retroalimentação temporal, pois os ganhos iniciais de escala do produtor localizado possibilitam a expansão de sua área de mercado, cuja demanda incremental opera via encadeamentos para trás, induzindo a ampliação da escala de produção e, assim, sucessivamente, sob a restrição do limite da escala de produção geradora de retornos crescentes. Além disso, a natureza dinâmica do conceito de área de mercado também se manifesta pelo processo concorrencial em si, sendo que, eventualmente, inclusive em função acidentes históricos, os produtores de outras localidades iniciam sua produção com ganhos de escala suficientes para aplacar o preço CIF do produtor estabelecido localizado. Entretanto, existem algumas dificuldades em delimitar uma região pela área de mercado, que não decorrem da natureza intrinsecamente dinâmica deste conceito. Pelo contrário, pelo prisma puramente econômico, incluir a área de mercado como um dos fatores para a delimitação de uma região lhe confere dinamismo, sendo redimensionada a cada mudança dos parâmetros (escopo da escala dos retornos crescentes, concorrência inter-temporal no espaço, variação no custo de transporte, etc.). No entanto, existem duas dificuldades que podem ser superadas pelas três outras contribuições acima destacadas. A primeira é o fato de cada bem possuir uma área de mercado, cuja dimensão varia em função das curvas de custo e demanda de longo prazo. Assim, uma localidade que produz n bens possui n áreas de mercado, distintas entre si. A solução para esta dificuldade é buscada, pelo próprio Lösch, em Christaler (19...), que introduz a idéia de centralidade urbana. A natureza da centralidade do urbano surge, em oposição à dispersão espacial dos indivíduos, não apenas como lugar central da produção mas também como lugar central do consumo. Dados os diferentes requerimentos de escala mínima eficiente na produção de bens, haverá uma hierarquia urbana, de tal sorte que os lugares centrais de ordem superior serão centros de produção e consumo de bens não produzidos por lugares centrais de ordem inferior, que se constituem nas áreas de mercado das centralidades urbanas hierarquicamente superiores. Mesmo podendo haver interseções de áreas de mercado concorrentes entre centros urbanos, é possível vislumbrar uma região como uma rede urbana hierarquicamente centralizada na produção e consumo de bens. O conceito de base de exportação regional de North (19...) resolve a segunda dificuldade relacionada ao problema de autarquia ou auto-suficiência das regiões, ao introduzir a distinção entre bens de exportação e bens de consumo residencial. A renda regional e seu crescimento no tempo são funções, respectivamente, da base exportadora e seu crescimento. As atividades residenciais crescem, por sua vez, como função do crescimento da renda regional. Assim, a base exportadora extravasa os limites do que poderia ser concebido por região, constituindo-se na especialização produtiva regional, com vantagens comparativas, o que a torna exportável para outras regiões na divisão inter-regional do trabalho. Ou seja, a produção da base atinge uma área de mercado que ultrapassa a centralidade urbana regional, ao mesmo tempo em que lhe confere vitalidade como força motora do crescimento do todo regional. Por fim, o conceito de “polarização econômica” de Perroux (1961) complementa o de base exportadora para uma delimitação mais precisa do conceito de região. A polarização econômica é o poder de dominação no espaço, inicialmente concebida por Perroux na forma de indústria motriz e empresa motriz, capazes de estabelecer encadeamentos de compras e vendas em um espaço geograficamente delimitado. A constituição de uma região supõe um nível de polarização do pólo irradiador de demanda induzida no espaço suficiente para estabelecer uma forte complementaridade produtiva via trocas intraregionais de insumo-produto. Desta forma, as interdependências setoriais são territorializadas, através da complementaridade produtiva intra-regional, a qual possibilita endogeneizar os efeitos de encadeamentos no espaço localizado regional. Podemos articular esta idéia à da teoria da base se supusermos que esta complementaridade integra as atividades da base em si e as atividades residenciais com os requerimentos de “insumos urbano” da base, especialmente os serviços e a força de trabalho do mercado regional constituído. Os “vazamentos” - isto é, os efeitos não endogeneizados regionalmente - representam as trocas inter-regionais que, de um lado, viabilizam as exportações da região e, de outro, possibilitam suas importações de insumos complementares. Em certa medida, estas trocas permitem a apropriação dos benefícios associados à difusão inter-regional de conhecimento tecnológico. O resgate do urbano, como organizador do espaço regional, pode ser feito pela extensão da idéia de polarização da indústria motriz para a de centro urbano polarizador de produção e consumo, ou seja, aquele que exerce a função de lugar central de ordem superior na rede urbana regional. Uma segunda extensão seria da empresa motriz industrial para a aglomeração industrial de um conjunto de empresas, que podem ou não estar coordenadas por uma empresa âncora ou motriz. Ou seja, o ambiente regional perrouxiano seria aquele constituído por APLs geradores de externalidades via interdependências setoriais e complementaridades produtivas da rede urbana regional, criando um mecanismo de retroalimentação entre sua base exportadora, o crescimento da renda regional e as atividades residenciais. A maior restrição para os APLs periféricos capturarem as externalidades perrouxianas, em nível nacional, é a forte segmentação regional dos APLs, expressa pela predominância de regiões de baixa renda e a distribuição significativamente desigual da renda regional. Neste sentido, pode-se dizer que o grau de integração regional dos APLs e, em decorrência, a sua capacidade de se apropriarem dos efeitos pecuniários de encadeamentos inter-regionais, variam entre dois extremos. No extremo virtuoso, encontram-se os APLs integrados regionalmente, localizados próximos aos centros urbanos industrializados de grande e médio porte, como as aglomerações do interior paulista, providas de capital social básico desenvolvido como rede integrada de transportes, infra-estrutura urbana consolidada e sistema educacional sofisticado. Neste caso é possível implementar a estratégia perrouxiana de desenvolvimento local à la APLs, baseada em complementaridades produtivas entre as empresas do pólo urbano regional e seu entorno, de tal forma a se apropriarem dos efeitos pecuniários de encadeamentos inter-regionais. No extremo vicioso, estão os APLs desintegrados regionalmente, como é típico no Nordeste brasileiro. De um lado, eles podem se localizar no entorno de centros metropolitanos regionais, sem conurbação urbana. Vale dizer, estes centros concentram parte significativa da população e renda regional, mas possuem um entorno de subsistência, vazio economicamente, com uma rede urbana fragilmente integrada. De outro lado, podem se constituir em enclaves produtivos, localizados em lugares sem centralidade, caracterizados pela ausência de uma rede urbana estruturada. Assim, ambos são bases exportadoras localizadas, desintegradas regionalmente, mas parcialmente integradas ao mercado nacional e, em alguns casos, ao internacional. Estes APLs sofrem não apenas das dificuldades de integração regional, decorrentes do baixo nível de renda, mas também da dificuldade de implementação de uma estratégia de desenvolvimento local baseada na complementaridade setorial da base exportadora. De fato, em muitos casos, a indústria local não está ancorada localmente (foot loose), estando sempre em aberto a possibilidade de sua relocalização. Os casos intermediários de localização dos APLs são possivelmente os mais freqüentes em países como o Brasil, já que se enquadram em situações de economias externas perrouxianas restringidas. Os APLs não conseguem nem a plena exploração destas externalidades, como os APLs em regiões virtuosas, nem enfrentam as desvantagens de sua completa ausência, como ocorre no caso extremo dos enclaves produtivos localizados. As possibilidades de sua exploração vão depender da inserção do APL na rede urbana regional, caracterizada por significativa heterogeneidade intra-regional. Vale dizer, quanto melhor localizado em relação à centralidade urbana regional, maior serão as suas possibilidades de desenvolvimento, pois o lugar central de ordem superior - o centro urbano regional - possui concentração industrial e de serviços com capacidade suficiente para induzir seu entorno metropolitano, ao passo que que é limitada a capacidade de indução para o entorno regional mais distante, especialmente pela pequena integração da rede de transportes. 5. Externalidades Territoriais em Escala Local Restringidas As externalidades territoriais em escala local são economias externas às firmas ou ao APL em seu conjunto e internas ao lugar em que se localiza. Mesmo que os APLs estejam localizados em um mesmo espaço regional, as condições do ambiente urbano local podem resultar em externalidades locais diferenciadas. Estas possuem uma dimensão produtiva, relacionada às formas de organização da produção; uma dimensão inovativa, atinente à organização do arranjo cooperativo; uma dimensão transacional, ligada às formas de governança e coordenação; e, finalmente, uma dimensão urbana, atinente ao território urbano que vai muito além de um aglomerado produtivo especializado. 5.1 Externalidades marshallianas O universo marshalliano dos distritos têxteis do Lancashire, no norte da Inglaterra, é baseado nas vantagens aglomerativas da escala territorial local, mas restrito aos ganhos de especializaçãolocalização. Vale dizer, elas são decorrentes de economias externas às firmas mas internas à aglomeração produtiva estrito senso, sem maiores considerações do meio urbano em que aglomeração se insere. As economias externas da famosa tríade de Marshall são provenientes dos ganhos da proximidade geográfica entre as firmas da aglomeração por meio de ganhos pecuniários via (1) encadeamentos produtivos na forma de trocas inter-setoriais; (2) constituição de um mercado de trabalho local com qualificação específica acumulada pela experiência; e (3) ganhos tecnológicos via transbordamentos (spillovers) de conhecimento relevante, quer seja pela mobilidade intra-distrito da força de trabalho, quer seja pela interação entre fornecedores e usuários. As externalidades, via encadeamentos inter-setoriais e formação do mercado de trabalho especializado, são as mais tangíveis, pois são pecuniárias, expressas nos preços dos insumos e no custo unitário da força de trabalho. Por isto mesmo, elas são mais afeitas à formalização, como evidenciam os trabalhos recentes da economia geográfica (Fujita et a., 1999). Tal fato, entretanto, não reduz a complexidade de seu desenvolvimento nos APLs, especialmente em ambientes periféricos. Neste caso, o principal condicionante territorial para seu surgimento é a capacidade de atração de atividades correlatas e complementares, capazes de estabelecerem uma cadeia produtiva localizada, de tal forma que o poder de indução inter-setorial seja internalizado na aglomeração. Existem duas situações de cadeia local “incompleta” são mais comuns em ambientes periféricos. A primeira é quando a aglomeração local está ancorada por uma ou poucas grandes empresas, identificada por Markusen (1999) como “centro-radial”, no sentido de que os fornecedores e as atividades relacionadas se dispersam em torno da(s) firma(s) âncora(s) como os aros de uma roda. Estes arranjos originam-se da desintegração vertical da empresa âncora e subseqüente integração vertical no nível do território, observando-se uma acentuada hierarquização nas relações inter-firmas internas ao arranjo. As funções estratégicas (design, marketing, comercialização, desenvolvimento tecnológico, etc.) são, basicamente, centralizadas na empresa âncora (e, em menor extensão, nos fornecedores de primeiro nível), enquanto as atividades produtivas são descentralizadas para pequenas empresas altamente especializadas. A versão periférica deste tipo de arranjo, como pondera Cassiolato et al. (2000), confunde-se com as aglomerações plataforma- satélite de Markusen (1995), pois a empresa âncora local é, em geral, uma subsidiária de uma empresa multinacional, que centraliza, em sua sede mundial, as tarefas de desenvolvimento tecnológico e concentra, no arranjo local, apenas as tarefas da esfera estrita de produção. Neste caso, as relações inter-setoriais da cadeia local são limitadas, pois não envolvem os fornecedores de bens de capital à montante, nem os serviços superiores de concepção de projetos básicos de engenharia e design à jusante. Na segunda situação, encontram-se as chamadas aglomerações produtivas informais, que não podem ser classificadas, no sentido estrito, como distritos marshallianos. São compostas, geralmente, por PMEs, cujo nível tecnológico é baixo em relação à fronteira da indústria e cuja capacidade de gestão é precária. Além disso, a força de trabalho possui baixo nível de qualificação, sem sistema contínuo de aprendizado. Embora as baixas barreiras à entrada possam resultar em crescimento no número de firmas e no desenvolvimento de instituições de apoio dentro do aglomerado, isto não reflete, em geral, uma dinâmica positiva, como nos casos de uma progressão da capacidade de gestão; de investimentos em novas tecnologias de processo; de melhoramento da qualidade do produto; de diversificação de produtos; ou de direcionamento de parte da produção para exportações. As dificuldades de verticalização intersetorial local podem resultar em APLs que são um aglomerado de empresas mono-produto, com baixo nível de trocas intra-arranjo. Ou seja, a fonte mais tangível de externalidades localizadas é comprometida pelo baixo desenvolvimento da cadeia local. No entanto, é possível reproduzir cadeias relativamente completas em localidades periféricas, que se beneficiam de externalidades perrouxianas, desde que puxadas por um centro industrial nacional ou regional de grande porte, capaz de adensar o espaço regional. O desenvolvimento da divisão intra-regional do trabalho possibilita, neste caso, uma especialização local em atividades industriais tradicionais e a internalização substantiva da cadeia produtiva, inclusive os segmentos de máquinas e equipamentos. Assim, o poder de indução inter-setorial é potencializado e o mercado de trabalho é capaz de acumular, ao longo do tempo, capacitações específicas, não reproduzíveis em outras localidades. 5.2 Externalidades schumpeterianas locais O surgimento de externalidades, via transbordamentos tecnológicos, é menos perceptível através dos estudos de caso, pois tratam-se de transmissão inter-firmas de conhecimento intangível de característica tácita, de forma não intencional ou intencional. No universo de análise marshalliano original, estes transbordamentos não são intencionais: "os segredos da indústria não se tornam nenhum mistério...eles estão...no ar". Entretanto, as interações intencionais, desenvolvidas pela cooperação entre os atores, têm sido ressaltadas à luz da vertente italiana dos distritos marshallianos (Becattini, 1995). Em geral, a transmissão de conhecimento tácito não intencional é rara em cadeias localizadas “mais completas” mas pouco inovativas. Faltam nestas cadeias a busca sistemática da inovação, a qual possibilitaria seu surgimento espontâneo através de intensas relações de interdependência não comercializáveis e não intencionais. Este tipo de arranjo assemelha-se ao que Mytelka e Farinelli (2000) chamam de sistemas locais de produção organizados. Estes são aglomerações locais compostas, geralmente, por PMEs, nas quais a capacidade tecnológica, se não está absolutamente up to date com a fronteira, encontra-se em expansão e, em alguns casos, muito próxima ao estado da arte em equipamentos e processos. A força de trabalho recebe treinamento constante e a capacidade gerencial tende a se elevar com o passar do tempo. Contudo, a principal característica deste arranjo é sua capacidade de coordenação entre as empresas. A formação de redes de cooperação inter-firmas – direcionadas à provisão de infraestrutura e serviços e ao desenvolvimento de estruturas organizacionais vinculadas à solução de problemas comuns - faz elevar tanto a capacidade de adaptação tecnológica quanto o tempo de resposta às mudanças do mercado. Seu principal problema parece ser a dificuldade de diversificação de sua composição setorial em direção a atividades geradoras de inovação, com uma base tecnológica mais ampla e, principalmente, com encadeamentos mais potentes à jusante, no tocante aos serviços superiores de engenharia e design. Mesmo assim, possuem competitividade para ter acesso ao mercado nacional e, muitas vezes, internacional, na forma de excedentes exportáveis ou através de sua integração às cadeias internacionais de commodities de bens de consumo final. Em suma, existe cooperação nas atividades estritas de produção e comercialização, mas não para inovação, pela ausência de ações coletivas capazes de induzir dentro do arranjo a transmissão inter-firmas de conhecimento tácito e intencional. No caso dos APLs, a busca inovativa possui especificidade pelo fato de não resultar apenas da ação individual do empresário – que visa a apropriação do sobrelucro - mas da ação coletiva – que visa a apropriação recíproca de conhecimento disponível no aglomerado -, capturando, desta forma, um sobrelucro extra via empreendedorismo coletivo. O aglomerado permite o desenvolvimento de interdependências não comercializáveis, na forma de transmissão de conhecimento tácito, não codificado e intencional. Estas interdependências adquirem sistematicidade e recorrência através da cooperação, entendida como ação coletiva consciente dos atores, firmas e instituições de pesquisa, internas ao arranjo, que tendem a constituírem redes locais de informação e conhecimento. Sabe-se também que estas redes locais não são autocontidas e seu sucesso depende da capacidade dos agentes locais se articularem a redes externas ao arranjo, de tal forma a buscarem capacitações tecnológicas complementares, que ampliem as oportunidades tecnológicas das firmas locais. Estas aglomerações produtivas se assemelham às aglomerações inovativas, descritas por Mytelka e Farinelli (2000), nas quais a capacidade inovativa é a grande chave de seu desempenho, coincidindo com a conceituação evolucionista de sistema local de inovação. Aglomerações inovativas possuem elevada capacidade gerencial e adaptativa, nível e treinamento da força de trabalho bem acima da média, estrutura de ligações inter-setoriais difundida e caracterizada por pequenas porosidades, vinculação estreita com o mercado externo, além de um elevado grau de confiança e cooperação entre os agentes. Estes atributos fazem com que este tipo de arranjo produtivo detenha uma dinâmica diferenciada em relação ao arranjo que se sustenta basicamente em externalidades marshallianas. A capacidade de geração de novos produtos e a flexibilidade e rapidez nas respostas às demandas do mercado são as peculiaridades que fazem com que mesmo indústrias tradicionais (têxteis, calçados, móveis, etc.), organizadas em aglomerações inovativas, tenham um dinamismo diferenciado. A diferença entre as aglomerações produtivas - baseadas em externalidades marshallianas - e inovativas - baseadas em externalidades schumpeterianas - é, principalmente, a capacidade de criação de um ambiente inovativo, caracterizado por: (a) elevado número de pessoas engajadas em atividades de design e inovação e elevado nível de qualificação da mão de obra; (b) recorrentes trocas de pessoal entre fornecedores e usuários; (c) encadeamentos à jusante, à montante e horizontais extensivos; (d) presença de associações de classe e comerciais dedicadas à qualificação da força de trabalho e capacitação tecnológica às firmas, além da assistência de rotina às atividades produtivas técnicas e produtivas, comerciais e financeira; e (e) intensa cooperação entre firmas competidoras (para compartilhar riscos e inovações e para estabilizar o mercado) e entre usuários e produtores (no desenvolvimento de produtos e processos, na troca de informação, etc.) - a qual se sustenta no médio e longo prazos, pois estão baseadas em relações de confiança altamente desenvolvidas e sedimentadas. Dadas as condições do ambiente local periférico, podemos dizer que estas formas cooperativas, voltadas para inovação, são ausentes na maioria dos APLs, dependentes que são do meio urbano, capaz de oferecer diversidade e criatividade produtiva para o desenvolvimento do conhecimento tácito coletivo. Como ficará claro na sub-seção 5.4, existe uma forte correlação entre esta forma de ação coletiva e a ambientação urbana requerida para desenvolvê-la. 5.3 Externalidades transacionais Denominamos de externalidades transacionais as economias de custos de transação externas às firmas localizadas e internas ao aglomerado. Os casos clássicos de redução de custos de transação, analisados por Williamson (1975), enquadram-se nas possibilidades de transações via mercado ou via hierarquia (integração vertical). Uma das alternativas à dicotomia mercado-hieraquia são as estruturas de governança bilaterais e os “contratos relacionais”(Williamson, 1985), adequadas a aquelas situações que envolvem especificidade de ativos e trocas recorrentes entre os agentes. O sucesso deste tipo de estrutura de governança depende da continuidade do relacionamento entre as partes e, portanto, do desenvolvimento de redes cooperativas. Estas podem compreender as formas de proximidade geográfica e organizacional. No caso das redes organizacionais sem proximidade geográfica, existem dificuldades para que a coordenação dos atores assuma formas mais sistêmicas de governança, tendo em vista a ausência do contato face a face que possibilita relações não comercializáveis intensas capazes de fortalecer a cooperação e a confiança recíproca. Para efeito de nossa análise, aqui vamos considerar apenas o caso de redes organizacionais com proximidade geográfica, que se enquadram no escopo das aglomerações produtivas localizadas. Neste caso, as relações não comercializáveis, possibilitadas pelo contato face a face, podem estabelecer confiança recíproca suficiente para que a coordenação entre os atores resulte em efetiva governança das transações recorrentes entre os atores locais, com redução dos custos de transação interfirmas dentro do arranjo. Sabe-se que as formas de governança vão depender da especificidade do ativo transacionado. No caso dos APLs, o principal ativo são as trocas freqüentes e recorrentes de informações de conhecimento relevante entre os atores locais, principalmente em suas formas não-codificadas ou tácitas. Portanto, APLs cujos atores realizam trocas de informações com menor freqüência e recorrência tendem a possuir formas de governança menos evoluídas, ao passo que APLs com intensas trocas informacionais tendem a desenvolver formas de governança mais evoluídas e complexas. O nível de desenvolvimento da governança local afeta as relações de mercado fora do aglomerado, especialmente de compra de insumos, venda de produtos finais e financeiras. O custo de transação externo ao aglomerado tende a se reduzir pari passu com a capacidade interna de governança, particularmente no caso de arranjos baseados em PMEs, posto que estas, individualmente, enfrentam elevados custos de transação externos, mas podem ser beneficiadas pela ação coletiva através da governança local.. Interessa-nos aqui discutir, particularmente, os tipos mais comuns de APLs em ambientes periféricos, que são caracterizados por cadeias locais “incompletas” e ausência de governança local ou governança externa ao local. O caso de governança externa ao local é típico das aglomerações centro-radiais periféricas ou plataforma satélite. O Quadro 2 sintetiza suas principais características. Quadro 2 – Principais Características de Aglomerações Centro-Radias com Governança Local de Grandes Empresas APLs Periféricos Controle Características APLs Centrais Controle Grandes Empresas sem Sede Grandes Empresas com Local Sede Local Economias externas marshallianas Economias de escala à firma ou ao aglomerado Trocas intra-aglomerado Poder de indução ligações intersetoriais no aglomerado Cooperação produtor-usuário na produção Cooperação com firmas Externas ao aglomerado Economias externas Vertente italiana Cooperação inovativa Produtor-usuário Cooperação inovativa externa ao aglomerado Economias externas transacionais Investimentos-chave Regulação das relações internas Fontes de financiamento Ganhos de compras e vendas Possibilidades de crescimento de longo prazo Papel do Governo Local Mercado Alta Altas Moderada Altas Empresa âncora e fornecedores Alto (para trás e para frente – inclui serviços tecnológicos e financeiros) Moderada, podendo crescer significativamente Alta Empresa âncora e fornecedores Moderado (para trás - esfera produtiva) Moderada Nula Moderada Nula Moderada Nula Alta Decisão local Longo prazo Interna Alto Depende da empresa âncora Moderada Decisão Externa (matriz) Curto prazo Externas (matriz) Alto Ameaçada pela relocalização das atividades Importante Nacional/Externo Importante Nacional/Externo Baixa, restrita à eficiência produtiva Alta com empresa matriz Fonte: adaptado de Cassiolato, Lastres e Szapiro, 2000 Em aglomerações centro-radiais e plataforma satélite (Markusen 1995), a grande empresa âncora da aglomeração é, em geral, subsidiária de uma empresa multinacional, exercendo uma governança sob o controle de sua matriz localizada fora do país hospedeiro, como é típico da indústria automotiva. O ativo específico, que governa as transações entre a empresa âncora e seus fornecedores, é o domínio da tecnologia do produto final pela empresa âncora, que confere à subsidiária o papel de uma plataforma de produção. Como o desenvolvimento tecnológico se concentra na matriz e nas suas relações com fornecedores parceiros internacionais, as transações locais envolvem atividades estritamente produtivas e a adaptação das tecnologias às condições locais, através de ajustamentos marginais. O que possibilita alguma densidade nas transações locais são ligações interindustriais tradicionais, que criam poder de indução inter-firmas dos investimentos puxado pela expansão da demanda da empresa âncora. A regulação das transações são através de contratos de curto prazo, mesmo que recorrentes. Assim, as externalidades transacionais são restringidas pelo baixo conteúdo tecnológico das transações, que requerem formas de governança para coordenar preço, qualidade e regularidade do fornecimento de insumos e componentes. Por outro lado, as empresas destas aglomerações são beneficiadas pelo governança da empresa âncora nas transações externas ao arranjo, quer sejam na compra de insumos e venda de produtos, quer sejam na obtenção de financiamentos, ao nível da matriz e das fontes públicas e privadas. Nos casos de APLs periféricos sem a presença de grandes empresas, o papel da governança interna ao aglomerado é decisivo, já que as empresas locais não têm poder individual de mercado, nem no mercado de bens e muito menos nos mercados financeiros. A cooperação é o principal ativo específico do aglomerado capaz de induzir as empresas locais a constituírem formas mas estáveis e duradouras de governança local . Existem interações evidentes entre as economias de custos de transação e as economias marshallianas e schumpeterianas descritas anteriormente. Mas sem dúvida a busca de formas mais desenvolvidas de governança pode cumprir uma função virtuosa neste processo de interação, na forma de ganhos institucionais locais favorecendo ganhos de eficiência produtiva.Como ilustra o Quadro 3, os benefícios de APLs com governança local são significativos, como evidenciados nos diversos estudos de caso brasileiros conduzidos pela REDESIST (Cassiolato et al., 2003). Os APLs surgidos a partir de infra-estrutura de C&T possuem, em geral, formas de coordenação embrionárias, ainda longe de operarem como verdadeiros sistemas de governança, sendo que seus ganhos transacionais surgem do apoio explícito que recebem do setor público, pois são APLs de setores de alta tecnologia. A situação mais dramática são os APLs sem formas de governança, identificados com o que denominamos de APLs de subsistência, que podem entrar em um círculo vicioso de estagnação ou regressão caso não recebam apoio explícito do setor público, especialmente do poder local. Quadro 3 -- Características de Aglomerações Periféricas de PMEs segundo Formas de Governança APLs de PMEs APLs de PMEs Características APLs de PMEs surgidas a partir da com governança sem governança infra-estrutura de C&T local local Economias externas marshallianas Economias de escala ao aglomerado Trocas intra-aglomerado Poder de indução ligações intersetoriais no aglomerado Cooperação produtor-usuário na produção Cooperação produtiva produtorusuário Economias externas vertente italiana Cooperação inovativa produtorusuário Cooperação inovativa externa ao aglomerado Economias externas Transacionais Investimentos-chave Regulação das relações Fontes de financiamento Ganhos de compras e vendas Possibilidades de crescimento de longo prazo Papel do Governo Local Mercado Altas Baixas Moderadas Altas Baixas Moderadas Altamente desenvolvidas Alto Baixas Baixo Altas entre instituições e fornecedores Baixo ou nulo Alta Baixa Baixa Alta Baixa Baixa Baixas Nula Baixas Baixa Nula Baixa Nula Nula Altas Baixas Moderada (com instituições) Moderadas Decisão local Decisão local Longo prazo Internas ao aglomerado Altos Boas Curto prazo Internas ao aglomerado Baixos Limitadas Importante Importante Nacional/ Externo Local Fonte: adaptado de Cassiolato, Lastres e Szapiro (2000) Governo local ou externo ao aglomerado Curto prazo Externas Baixos Depende das instituições governamentais Fraco na promoção Importante em infraestrutura Regional/Nacional 5.4 Externalidades jacobianas As externalidades “jacobianas” são externalidades urbanas propriamente ditas, isto é, os ganhos aglomerativos locais externos ao aglomerado industrial em si mas internos ao centro urbano que o abriga. Em nosso esquema analítico é possível a existência de um ou mais APLs localizados num mesmo centro urbano, ou um APL localizado simultaneamente em centros urbanos contíguos, estruturados dentro de uma mesma região. As externalidades jacobianas são de um centro urbano específico, mesmo que levando em conta sua expansão urbana, como o caso das áreas metropolitanas. Beneficiam-se, diretamente, mesmo que de formas distintas, os APLs da localidade e, indiretamente, os APLs regionais, localizados em outros centros urbanos da região. Para efeito destes benefícios indiretos, consideramos que estão incluídos nos ganhos perrouxianos de complementaridade regional. Os ganhos jacobianos são restringidos, portanto, àqueles provenientes apenas diretamente da localização urbana específica, entendida como o centro urbano estendido a partir de seu próprio crescimento geográfico-territorial. Nosso argumento é que um aspecto crucial para o florescimento da ação coletiva inovativa referese à sua localização urbana, pois depende, em grande medida, do que Storper e Venables6 denominam de “burburinho da cidade” (buzz of the city), ou seja, o “ruído” das relações sociais formais e informais do meio urbano em que estas interdependências se desenvolvem. Na medida em que o contato face a face é um elemento chave destas relações, sua natureza e sua especificidade são determinados pela aglomeração urbana, que cria externalidades diferentes daquelas produzidas pela aglomeração produtiva em si. Por um lado, os ganhos aglomerativos marshallianos são originados de economias de especialização. Sua dinâmica de reprodução está centrada, portanto, na qualidade e escala da aglomeração industrial local. Por outro lado, os ganhos aglomerativos “jacobianos” derivam de economias de urbanização, cuja dinâmica de reprodução depende da qualidade e escala da economia da aglomeração urbana em seu conjunto, que envolve ativos específicos que ultrapassam os contornos da aglomeração do arranjo produtivo em si. Sabemos que a combinação entre escala e qualidade do urbano é uma área cinzenta na economia, mesmo sendo claro na literatura de tamanho ótimo das cidades (Henderson, 1994) que algumas atividades conferidoras de alta qualidade produtiva ao urbano, como os serviços financeiros superiores, dependem sobremaneira da escala urbana. Mas existem outras situações mais complexas, como o caso do Vale do Silício, na Califórnia, cuja qualidade produtiva decorre mais de serviços urbanos que são ativo específico, em particular a Universidade de Stanford, do que de um centro urbano singular, em que pese o fato de que sua localização se beneficiou também de uma rede urbana sofisticada em escala considerável, cuja centralidade é San Francisco. Ousaríamos a dizer que a escala urbana é condição necessária para a emergência e florescimento de aglomerações inovativas, que vão também depender de ativos específicos urbanos resultado de construções sociais da história local. No limite, seria ilógico, analiticamente, pensar uma aglomeração inovativa “ilhada”, sem meio urbano capaz de criá-la e reproduzi-la. A importância da escala da aglomeração urbana como fator de retroalimentação do crescimento urbano, na forma de processo de causação circular cumulativa de ganhos aglomerativos auto-sustentados, é formulada por Jacobs (1969), em que pese o não reconhecimento devido, pela literatura, da estatura de sua contribuição singular. As chamadas economias de urbanização são derivadas da diversificação produtiva urbana que, por sua vez, depende da escala econômica do centro urbano em questão. Ao contrário da divisão de trabalho baseada na especialização, que encontra na base técnica de uma indústria específica um limite na divisão de tarefas, a diversificação produtiva ultrapassa estes limites à medida que se beneficia dos ganhos ilimitados da divisão social do trabalho. A forma privilegiada de desenvolvimento da diversificação é a concentração urbana, que em si atua como uma força centrípeta de atração e criação de novas atividades produtivas. Os gargalos enfrentados na fase de “explosão” do 6 Storper, M. and Venables, A. J. (2002): Buzz: The Economic Force of the City. Paper presented at the DRUID Summer Conference on ‘Industrial Dynamics of the New and Old Economy -- Who is Embracing Whom?’ in Copenhagen & Elsinore. crescimento de uma cidade funcionam como mecanismos de indução de inovações7 no sistema produtivo, inovações estas que renovam incessantemente a própria base produtiva local e sua capacidade de exportação de bens e serviços. A renovação da economia local representa um processo de substituição de importações que possibilita, posteriormente, a substituição de exportações. Cria-se o que Jacobs (op.cit.) denomina de um menismo de reciprocidade entre os dois processos de substituição, haja visto que o ponto de ignição da substituição de importações são as demandas da base exportadora original. A ótica “jacobiana” nada mais é do que vislumbrar o APL imerso no seu meio urbano, mas dinamicamente, em que cada processo de inovações possibilita sua renovação, em função da maior oferta de bens e serviços a disposição de seu desenvolvimento8, ou sua substituição enquanto um produto exportável e, desta forma, seu eventual declínio na economia local9. Por certo que cidades mono-APL são, em geral, menores do que as “cidades médias”, e. por isto, possuem menor escopo de diversificação e, consequentemente, de entrarem na dinâmica substitucionista, “contentando-se” com os limites dos ganhos de especialização marshallianos. As cidades de grande porte, as metrópoles, têm, por sua natureza e tamanho, maior escopo subsititucionista, mesmo que poucas consigam acompanhar o ritmo desenfreado de inovações de cidades como Nova York, Londres, Paris e Los Angeles. No caso das cidades médias mono-APL, seu crescimento é muito dependente da própria evolução do APL e de seus limites, restritos à divisão de trabalho intra-urbana, baseada em uma atividade específica e especializada. Neste sentido, são economias urbanas eficientes (elevado nível de produtividade do APL), mas pouco dinâmicas no longo prazo, com o dinamismo limitado pelas externalidades de especialização e que bloqueiam crescimento nos moldes do seu período de “explosão”. As cidades que conseguem romper estes limites e desenvolvem outros APLs tornam-se cidades multi-APLs e, eventualmente, viram metrópoles. O drama dos APLs localizados em territórios nacionais periféricos é a possibilidade de romperem com a barreira dos ganhos marshallianos de especialização e, deste forma, entrarem no círculo virtuoso das economias externas “jacobianas”. Afora localidades no entorno de centros urbanos de grande escala, como a cidade de São Paulo, seus limites para explorarem estas externalidades de urbanização são significativos. Problemas estruturais do sistema nacional inovação, como a ausência de segmentos do núcleo duro da indústria de bens de capital, a base estreita de capacitação tecnológica dos agentes nacionais, típicas das restrições das externalidades de difusão, replicam com intensidade nos grandes centros urbanos, contaminado negativamente o desenvolvimento dos serviços produtivos superiores e o ambiente local do aglomerado produtivo. Mesmo no caso de indústrias tradicionais, é improvável que APLs periféricos tornem-se inovativos e mutantes10 no sentido estrito aqui definido, na medida em que as deficiências do meio urbano tornam tênues as interações entre conhecimento codificado e tácito, restringindo os ganhos potenciais do contato face a face. 7 O conceito de “inovação” utilizado pela autora é semelhante ao do jovem Schumpeter da “Teoria do desevolvimento econômico”, com a diferença daquele ser um conceito de “inovação localizada”. Assim, todo produto novo é um bem ou serviço antes não produzido pela cidade e que começa a ser produzido com os recursos tangíveis e intangíveis próprios da cidade em questão, por princípio diferentes dos recursos de outras cidades, à la J. Penrose em relação aos recursos internos das firmas para sua diversificação. Um exemplo fascinante, dado pela autora, é o início da produção de bicicletas em Tóquio, que substituiu as importações da Inglaterra. Considerado uma inovação para a cidade, a produção local baseou-se nas capacitações tecnológicas das oficinas de reparo de Tóquio, artesanais mas com grande capacitação acumulada, e não na importações de bens de capital ingleses, o que reduziu substancialmente o custo da substituição e possibilitou em pouco tempo o início da exportações japonesas deste “novo produto”. 8 A criação do sistema de financiamento a empresas de base tecnológica em Boston nos anos 50 é exemplar do que a autora entende diversificação dos serviços fianaceiros na cidade, que na verdade foi um novo serviço para todo o país, inexistindo mesmo em Nova York. Este novo serviço foi decisivo para mudar na época a base produtiva da cidade. 9 A subsituição das exportações da indústria naval de Detroit pelas exportações de automóvel no início do século, com o advento do “fordismo”, ilustra bem a dinâmica de auge e declínio de APLs nas grandes cidades americanas (Ibid.). 10 A história das grandes cidades do mundo é rica em mostrar a mutação de atividades que experimentam ao passar do tempo, na forma de uma progressão gradativa mas incessante, que envolve substituição e relocalização da atividades, não competitivas para permanecerem usufruindo daquela diversidade urbana, e substituição e progressão de exportações. A progressão de Londres desde o século XVIII como exportadora de serviços financeiros, i.e., exportadora de capital, é conspícua deste efeito mutante de uma cidade originalmente mercantil. 6. Considerações finais A novidade de nossa contribuição pode ser sintetizada em dois aspectos fundamentais. O primeiro refere-se às particularidades dos APLs em ambientes periféricos, que condicionam as possibilidades de exploração das externalidades aglomerativas advindas da proximidade geográfica. A abordagem utilizada pela literatura sobre clusters ou distritos, que toma o aglomerado em si como unidade de análise, é insuficiente para dar conta destas particularidades, como procuramos mostrar em nosso desenvolvimento analítico. A inserção territorial periférica dos APLs vai muito além do lugar da aglomeração, já que as questões da industrialização retardatária nacional traz em seu bojo externalidades institucionais negativas, desenvolvimento regional profundamente desigual e urbanização socialmente segmentada, que interferem direta ou indiretamente nas possibilidades de reprodução ampliada destes arranjos produtivos. No âmbito local, as maiores restrições referem-se às externalidades tecnológicas schumpeterianas, decorrentes da ação coletiva intencionalmente voltada para o compartilhamento de conhecimento tácito e a busca de inovações do conjunto do arranjo. O segundo aspecto é de natureza metodológica mais geral, que evidentemente replica a questão da problemática periférica. Diríamos que a forma que esta literatura aborda a relação capital e espaço é insuficiente. A “ida” analítica para o “local” deixou ao longo do caminho velhas questões fundamentais para o entendimento do movimento do capital no espaço. A abordagem centrada no aglomerado privilegia as economias externas, chamadas de especialização ou localização, tão bem caracterizadas na conhecida tríade marshalliana. Em particular, este viés das externalidades marshallianas desconsidera, de um lado, os ganhos de complementaridade produtiva regional e, de outro lado, os ganhos de diversificação produtiva propiciada pela escala econômica das cidades. O território “local” é diferente do território “regional”, o qual abriga os transbordamentos das atividades inicialmente localizadas na aglomeração urbana original, que através de vazamentos produtivos para seu entorno possibilita o desenvolvimento da divisão do trabalho no espaço geográfico contíguo, criando assim externalidades positivas, perrouxianas, para a reprodução das aglomerações produtivas, inicialmente locais, para o espaço econômico regional. O território “local” também é diferente do território “urbano”, que abriga não apenas um APL especializado, mas um conjunto diversificado de atividades, das quais podem se constituir outros APLs. As externalidades positivas da diversificação produtiva, jacobianas, são ganhos crescimento urbano, propiciados pela divisão social do trabalho intra-urbano, que ultrapassa os limites tecno-econômicos de um arranjo produtivo em si. Em função da capacidade substitucionista de uma cidade, é até possível que, ao longo de sua evolução econômica, ocorram “ciclos de vida” dos APLs, os quais podem experimentar fases de desenvolvimento, auge e, eventualmente, declínio. Ou seja, as cidades são mais perenes do que os APLs que abrigam. As implicações de políticas públicas, a partir de nossa análise, são quase que imediatas. Em primeiro lugar, não é possível formular políticas para arranjos produtivos como uma “política industrial local”. Mais do que isto, as políticas de desenvolvimento de APLs devem ser diretamente políticas de desenvolvimento regional. No caso das regiões periféricas, a não contemplação da questão regional significaria o apoio ao desenvolvimento de enclaves produtivos, que podem ser eficientes em si, mas incapazes de integrar o todo regional, ficando como ilhas de excelência imersas em áreas de subsistência e pobreza. Em segundo lugar, deve-se tomar como ponto de partida, para as políticas de desenvolvimento de APLs, a questão do desenvolvimento urbano, especialmente em ambientes periféricos, marcados por profunda segmentação social intra-urbana, em que existe uma desproporção entre o tamanho populacional das cidades e seus tamanhos econômicos. Sem as vantagens mínimas de diversificação, propiciada pelo desenvolvimento urbano, ficam limitados os ganhos externos localizados para o crescimento dos APLs, o que pode resultar em arranjos sem dinamismo ou arranjos de subsistência. Sem dúvida, a agenda de pesquisa proposta contempla o desafio da definição de diretrizes de políticas de desenvolvimento de APLs enquanto políticas integradas de desenvolvimento urbano e regional. Outro aspecto desta agenda é testar, teórica e empiricamente, a relevância de nossos argumentos, os quais, ao invés de serem submetidos a uma formalização a priori, foram desenvolvidos para repensar o já muito construído pela literatura internacional e brasileira. BIBLIOGRAFIA Abramovitz, M. Thinking about growth..., Cambridge: Cambridge University Press, 1987. Albuquerque, E. M. Domestic patents and developing countries: arguments for their study and data from Brazil (1980-1995). Research Policy, v.29, n.9, p. 1047-1060, 2000. Becattini, G. Systéme local et marché global. Le district industriel. In: Rallet, A. e Torre, A. (orgs.) Économie industrielle et économie spatiale. Paris: Economica, 1995. Boyer, R. La théorie de la régulation, Paris: La Décourverte, 1986. Castells, M. 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