UNIVERSIDADE DOS AÇORES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS O Barbado da Terceira: estudo comportamental Elisabete Nunes Azevedo Tese de Mestrado em Engenharia Zootécnica ANGRA DO HEROÍSMO 2013 UNIVERSIDADE DOS AÇORES DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS O Barbado da Terceira: estudo comportamental Elisabete Nunes Azevedo Tese de Mestrado em Engenharia Zootécnica Orientadores: Professor Doutor Carlos Fernando Mimoso Vouzela Professor Doutor Henrique José Duarte Rosa ANGRA DO HEROÍSMO 2013 “The greatness of a nation can be judged by the way its animals are treated” Mahatma Gandhi Agradecimentos A realização desta dissertação não foi possível sem a colaboração e apoio de algumas pessoas imprescindíveis que não poderia deixar de mencionar e demonstrar os meus mais sinceros agradecimentos. Aos meus orientadores de Mestrado, Professor Doutor Carlos Vouzela e Professor Doutor Henrique Rosa, por todo o apoio, compreensão, paciência e colaboração na realização desta tese. Ao Professor Doutor Moreira da Silva, na qualidade de coordenador do Mestrado em Engenharia Zootécnica, por toda a compreensão e apoio. Ao Doctor James Serpell do departamento de Estudos Clínicos da Escola de Medicina Veterinária da Universidade da Pensilvânia, pelos esclarecimentos, interesse e disponibilização do inquérito C-BARQ. À Engenheira Paula Lima, presidente da Associação Açoriana dos Criadores dos Cães Barbados da Ilha Terceira (AACCBIT), pela disponibilidade demonstrada, apoio e cedência de dados. À Associação Cristã da Mocidade (ACM) da Ilha Terceira, mais propriamente à Srª Berta Silva, na qualidade de Presidente desta instituição aquando a realização do ensaio comportamental, pela disponibilidade do espaço. Ao Dr. Luciano Costa por ter suscitado o interesse em trabalhar com esta raça. A todos os donos de cães Barbados da Ilha Terceira que se prontificaram a colaborar neste estudo, quer através do preenchimento dos questionários, quer através da participação no ensaio comportamental, que tornou possível a obtenção de dados. À Associação dos Amigos dos Animais da Ilha Terceira (AAAIT) pela disponibilização de algum material e da Olívia para realização do ensaio comportamental. À minha colega Ana Serpa, por todo o carinho, apoio, amizade e imprescindível ajuda no ensaio comportamental. iv À Srª. Gina e ao Sr. Leodolfo Correia por todo o apoio na realização deste estudo, pela disponibilização do Danny e do Bebé e por toda a amizade e carinho. Aos meus colegas e amigos que fizeram parte do meu percurso académico e de vida, por todo o apoio. Ao meu namorado, Pedro Correia, pela sua compreensão, lealdade, paciência, apoio moral, carinho e auxílio no trabalho experimental. Por último, mas não menos importante, à minha família, especialmente à minha mãe pelo carinho, apoio incondicional, por estar sempre presente e ao meu Pai, pelos ensinamentos que permanecerão para sempre comigo. v Resumo O cão Barbado da Terceira constitui uma população canina autóctone dos Açores, mais particularmente, da ilha Terceira, especialmente utilizado na condução de gado bovino existente na ilha, com especial destaque para o gado bravo, guarda de bens e propriedades e, mais recentemente, como cão de companhia. Este trabalho teve como objectivo determinar alguns traços da personalidade do cão Barbado da Terceira, nomeadamente a sociabilidade, coragem, vinculação, comportamento de procura de atenção, focalização no treino, sensibilidade ao toque, comportamento predatório, interesse na brincadeira, actividade e excitabilidade. Foi também intenção deste estudo verificar a propensão destes cães para o desenvolvimento de alguns problemas comportamentais sociais, sensoriais e neurais, comunicativos, alimentares, eliminativos e outros. Para avaliar os traços de personalidade e propensão para o desenvolvimento das patologias comportamentais foram realizados dois inquéritos comportamentais a proprietários de 67 cães Barbados (38 machos e 29 fêmeas), com mais de um ano de idade e inscritos na Associação Açoriana dos Criadores dos Cães Barbados da Ilha Terceira (AACCBIT). Primeiro efectuou-se o inquérito informativo sobre o canídeo, que fornecia informações relativas à identificação dos animais, vivência, higiene e estado sanitário e depois o Canine Behavioral Assessment and Research Questionnaire (C-BARQ) composto por 101 questões, subdivididas em várias secções que abordavam situações variadas. Para além dos inquéritos, realizou-se um ensaio comportamental composto por 16 subtestes e 47 variáveis comportamentais, em 24 cães (11 machos e 13 fêmeas), durante 10 dias nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2011. Todos os animais foram sujeitos ao mesmo teste comportamental, duas vezes no mesmo local, desfasados de um mês, com a mesma ordem e com a mesma equipa de trabalho, colaboradores e avaliador, de forma a uniformizar as condições de trabalho. Enquanto os inquéritos forneceram informações disponibilizadas pelos donos acerca do dia-a-dia do Barbado e como este reage em determinadas situações, o ensaio permitiu observar o seu comportamento perante estímulos específicos. Os resultados apontaram para uma maior propensão na aquisição do cão Barbado como animal de companhia em detrimento da função de pastoreio, para o qual fora vi originalmente seleccionado. Os cães Barbados da amostra eram, no geral, animais estáveis, sociáveis, capazes de estabelecer boas relações com pessoas estranhas e outros animais. As excepções surgiram essencialmente quando o cão sentia o seu território ou a sua posição hierárquica ameaçada, reagindo, por isso, de forma agressiva. Quanto à coragem em contextos não sociais, verificou-se serem animais pouco medrosos, no entanto, com alguma dificuldade em abordar rapidamente a fonte do barulho sem apoio do dono. São cães que estabelecem um vínculo forte com um determinado membro da família e não exigem constante atenção. Não evidenciaram um comportamento predatório muito elevado nem um grande interesse em brincar com objectos, possivelmente por os estímulos não terem sido os mais adequados e o número de questões ser insuficiente para determinar esses traços. Demonstraram ser cães obedientes, activos, que se deixavam manipular apesar de sentirem algum stress e não propensos a manifestar a maior parte das patologias comportamentais, com excepção de alguma agressividade motivada por contextos de dominância quando se sentiam ameaçados. Não foram encontradas grandes diferenças estatisticamente significativas, entre géneros, na maioria das variáveis comportamentais estudadas. Não foi identificada uma grande confiabilidade teste-repetição para a maioria das variáveis comportamentais, nem foi possível validar estatisticamente o inquérito com o ensaio comportamental, conforme pretendido inicialmente. No entanto, foram detectadas algumas correlações significativas entre determinadas questões do inquérito C-BARQ e algumas variáveis comportamentais do ensaio comportamental, como por exemplo, entre o medo perante objectos desconhecidos perto dele e a reacção de sobressalto aquando o surgimento das latas, quer no teste (r= 0,496, p <0,05), quer na sua repetição (r= 0,429, p <0,05). Palavras-chave: cão, Barbado da Terceira, comportamento, personalidade, problemas comportamentais, estudo comportamental. vii Abstract The Barbado of Terceira is an autochthonous dog of the Azores, more particularly, of Terceira’s island, specially used for its skills in driving the cattle existent on the island, with special emphasis on the Lidia cattle, guard of properties and more recently as a companion dog. This study aimed at determining some personality traits of Terceira’s Barbado dog, like sociability, courage, attachment to the owner, attention seeking behavior, trainability, touch sensitivity, predatory behaviour, interest in playing, activity and excitability. Was also intent of this study to observe the tendency of these dogs to develop some social, sensorial and neural, communicative, nourishing, eliminative and other behavioral problems. In order to assess the personality traits and the propensity to develop behavioral pathologies, two behavioral surveys were performed to owners of 67 Barbado dogs (38 males and 29 females), aged more than one year and registered in the Associação Açoriana dos Criadores dos Cães Barbados da Ilha Terceira (AACCBIT –Azorean Association of Terceira’s Barbados Breeders). First, an informative inquiry was conducted, about the dog, which provided information about the animals’ identification, living, hygienic and sanitary status and then the Canine Behavioral Assessment and Research Questionnaire (C-BARQ) composed of 101 questions, divided into several sections that addressed various situations. Besides the surveys, a behavioural test was performed, consisting of 16 subtests which comprised 47 behavioral variables, in 24 dogs (11 males and 13 females), during 10 days during October, November and December of 2011. All animals were subjected two times to the same behavioral test, at the same location, with one month’s interval, following the same order and under the same working team, handlers and evaluator, in order to standardize the working conditions. While the surveys provided information from the owner about how the Barbado behaves on his day-by-day and how he reacts under certain situations, the test allowed the experimenter to observe his behavior against specific stimulus, in that specific time and place. The results showed a higher tendency in the acquisition of the Barbado as a pet over the herding function, for which he was originally selected. The dogs in the present study were, in general, stable and sociable animals, able to establish good viii relationships with strangers and other animals. The exceptions emerged mainly when the dog felt his territory or hierarchical position threatened and so, he tended to react aggressively. For courage in non social contexts, the animals proved to be little fearful, with some difficulty, however, in quickly addressing the source of the noise without support of the owner. They were dogs that established a strong bond with a certain family member and do not seemed to demand constant attention. They did not show a very high predatory behavior or a strong interest in playing with objects, possibly because the stimuli were not the most appropriate and the questions were insufficient to address these traits. The Barbado proved to be obedient, active, and easy handled despite showing some stress and not having a tendency to manifest the most behavioral pathologies, exception made on some aggressiveness motivated by contexts of dominance when felt threatened. It was not find statistically significant differences between genders, on most of the behavioral variables studied. Weak test-retest reliability was found in the majority of the behavioral variables evaluated and it was not possible to statistically validate the survey with the behavioral test, as originally intended. However, some significant correlations were found between specific questions of the C-BARQ and some behavioral variables from the test, such as between fear towards unknown objects near him and the startle response during the appearance of the cans, either in the test (r = 0,496; p <0.05) and in the retest (r = 0,429; p <0.05). Keywords: dog, Barbado of Terceira, behavior, personality, behavioral problems, behavioral study ix Índice geral Agradecimentos .......................................................................................................... iv Resumo ....................................................................................................................... vi Abstract ..................................................................................................................... viii I- Introdução .............................................................................................................. 1 II- Revisão bibliográfica ............................................................................................. 3 2.1- Origem do cão doméstico ................................................................................. 3 2.2- Domesticação do cão ........................................................................................ 4 2.3- Selecção do cão: o surgimento de raças ........................................................... 6 2.4- Cães de pastoreio e cães de gado ...................................................................... 8 2.4.1-Origem e selecção do cão de pastoreio ....................................................... 9 2.5- Cão de companhia .......................................................................................... 10 2.5.1- Selecção do cão de companhia ................................................................ 10 2.6- Morfologia do cão .......................................................................................... 11 2.6.1- Morfologia do cão de pastoreio ............................................................... 11 2.6.2- Morfologia do cão de companhia ............................................................ 11 2.7- O comportamento em cães ............................................................................. 12 2.7.1- Comportamento do cão de pastoreio ....................................................... 13 2.7.2- Comportamento do cão de companhia .................................................... 15 2.8- Comportamento social canino ........................................................................ 16 2.8.1- Período pré-natal ..................................................................................... 16 2.8.2- Período neonatal ...................................................................................... 16 2.8.3- Período de transição ................................................................................ 17 2.8.4- Período de socialização ........................................................................... 17 2.8.5- Período juvenil......................................................................................... 19 2.9- Problemas comportamentais ........................................................................... 19 2.9.1- Problemas comportamentais sociais ........................................................ 20 2.9.1.1- Agressividade ................................................................................... 20 2.9.1.1.1- Agressividade por dominância .................................................. 21 2.9.1.1.2- Agressividade por medo ............................................................ 22 2.9.1.1.3- Agressividade territorial ............................................................ 23 x 2.9.1.1.4- Agressividade predatória ........................................................... 23 2.9.1.1.5- Agressividade intraespecífica .................................................... 23 2.9.1.2- Ansiedade por separação .................................................................. 24 2.9.1.3- Comportamento de procura de atenção ............................................ 24 2.9.2- Problemas comportamentais sensoriais e neurais .................................... 25 2.9.2.1- Medo e fobias ................................................................................... 25 2.9.2.2- Condutas estereotipadas ................................................................... 25 2.9.2.3- Hiperactividade................................................................................. 26 2.9.3- Problemas comportamentais comunicativos ........................................... 26 2.9.3.1- Vocalização excessiva ...................................................................... 26 2.9.3.2- Submissão excessiva ........................................................................ 27 2.9.3.3- Marcação urinária ............................................................................. 27 2.9.4- Problemas comportamentais alimentares ................................................ 27 2.9.4.1- Coprofagia ........................................................................................ 27 2.9.4.2- Destruição de objectos ...................................................................... 28 2.9.5- Problemas comportamentais eliminativos ............................................... 28 2.9.5.1- Eliminação inadequada ..................................................................... 28 2.9.6- Outros problemas comportamentais ........................................................ 29 2.9.6.1- Montar sexual inapropriado .............................................................. 29 2.9.6.2- Rolar sobre substâncias de odor desagradável ................................. 29 2.9.6.3- Fugir de casa ..................................................................................... 29 2.9.6.4- Puxar a trela excessivamente ............................................................ 29 2.10- Linguagem corporal...................................................................................... 29 2.10.1- Sinais de apaziguamento ....................................................................... 30 2.10.2- Sinais de alerta ....................................................................................... 31 2.10.3- Sinais de stress ...................................................................................... 32 2.10.4- Sinais de aumento da distância .............................................................. 33 2.10.5- Sinais de redução da distância ............................................................... 34 2.10.5.1- Submissão activa ............................................................................ 34 2.10.5.2- Submissão passiva .......................................................................... 35 2.10.5.3- Convite para brincar ....................................................................... 36 2.10.6- Sinais ambivalentes ............................................................................... 36 2.11- Personalidade ................................................................................................ 37 2.11.1- Traços de personalidade ........................................................................ 39 xi 2.11.1.1- Sociabilidade .................................................................................. 40 2.11.1.2- Agressão ......................................................................................... 40 2.11.1.3- Medo ............................................................................................... 41 2.11.1.4- Vinculação ...................................................................................... 41 2.11.1.5- Coragem ......................................................................................... 42 2.11.1.6- Nível de actividade ......................................................................... 43 2.11.1.7- Excitabilidade ................................................................................. 43 2.11.1.8- Interesse na brincadeira .................................................................. 44 2.11.1.9- Focalização no treino ...................................................................... 44 2.11.1.10- Outros traços de personalidade ..................................................... 45 2.12- Estudo da personalidade ............................................................................... 45 2.12.1- Aplicações ............................................................................................. 46 2.12.2- Abordagens ao estudo do comportamento canino/personalidade ......... 47 2.12.2.1- Avaliação de protótipos de raças por especialistas ......................... 47 2.12.2.2- Estudos observacionais ................................................................... 47 2.12.2.3-Inquéritos ......................................................................................... 48 2.12.2.4- Testes padronizados de comportamento/personalidade ................. 49 2.12.3- Medidas de testes ................................................................................... 51 2.12.3.1- Confiabilidade ................................................................................ 51 2.12.3.2.- Validade ......................................................................................... 52 2.12.3.3- Viabilidade ..................................................................................... 52 2.12.3.4- Uniformização ................................................................................ 52 2.12.3.4.1- Objectivo da experiência ......................................................... 53 2.12.3.4.2- Identificação das variáveis em estudo ..................................... 53 2.12.3.4.3-Condições da amostra ............................................................... 54 2.12.3.4.4-Escolha dos colaboradores ....................................................... 54 2.12.3.4.5- Identificação dos estímulos ..................................................... 54 2.12.3.4.6- Escolha do local de teste.......................................................... 55 2.12.3.4.7-Tempo de teste .......................................................................... 56 2.12.3.4.8- Tipos de medidas ..................................................................... 56 2.12.3.4.9- Recolha e análise de dados ...................................................... 57 2.13- O cão Barbado da Terceira ........................................................................... 57 2.13.1- Origem do Barbado da Terceira ............................................................ 58 2.13.2- Selecção do Barbado da Terceira .......................................................... 59 xii 2.13.3- Morfologia do Barbado da Terceira ...................................................... 59 2.13.4- Andamentos do Barbado da Terceira .................................................... 63 2.13.5- Comportamento do Barbado da Terceira .............................................. 63 III- Materiais e Métodos............................................................................................. 64 3.1- Caracterização da amostra .............................................................................. 64 3.2- Inquérito informativo e C-BARQ ................................................................... 66 3.2.1- Desenvolvimento e constituição dos inquéritos ...................................... 66 3.2.2- Recolha dos dados ................................................................................... 67 3.3- Ensaio comportamental .................................................................................. 68 3.3.1- Delineamento ........................................................................................... 68 3.3.2- Localização .............................................................................................. 68 3.3.3- Selecção dos colaboradores e estímulos .................................................. 69 3.3.4- Condições do ensaio ................................................................................ 70 3.3.5- Descrição do teste comportamental ......................................................... 71 3.4- Registo de dados ............................................................................................. 81 3.5- Variáveis em estudo - traços de personalidade e problemas comportamentais do cão Barbado da ilha Terceira ............................................................................ 88 3.6-Análise estatística ............................................................................................ 90 IV- Resultados e Discussão ........................................................................................ 92 4.1 – Inquérito informativo sobre o canídeo .......................................................... 92 4.1.1- Aptidão do cão Barbado da Terceira ....................................................... 92 4.1.2-Vivência do animal ................................................................................... 93 4.1.2.1- Experiência do dono e aquisição do animal ..................................... 93 4.1.2.2- Ambiente e socialização do animal .................................................. 94 4.1.3- Higiene .................................................................................................. 100 4.1.4- Estado Sanitário ..................................................................................... 101 4.2- Canine Behavioral Assessment & Research Questionnaire (C-BARQ) ...... 101 4.2.1- Avaliação da personalidade do Barbado ............................................... 101 4.2.1.1- Sociabilidade .................................................................................. 101 4.2.1.1.1- Sociabilidade com pessoas estranhas ...................................... 101 4.2.1.1.2- Sociabilidade com animais ...................................................... 105 4.2.1.2- Coragem ......................................................................................... 109 4.2.1.3- Vinculação e comportamento de procura de atenção ..................... 112 xiii 4.2.1.4- Comportamento predatório ............................................................. 113 4.2.1.5- Focalização no treino ...................................................................... 114 4.2.1.6- Sensibilidade ao toque .................................................................... 116 4.2.1.7- Interesse na brincadeira .................................................................. 117 4.2.1.8- Actividade e excitabilidade ............................................................ 117 4.2.2- Problemas comportamentais .................................................................. 119 4.2.2.1- Problemas comportamentais sociais ............................................... 119 4.2.2.2- Problemas comportamentais sensoriais e neurais ........................... 123 4.2.2.3- Problemas comportamentais comunicativos, alimentares e eliminativos .................................................................................................. 124 4.2.2.4- Outros problemas comportamentais ............................................... 126 4.3- Ensaio comportamental ................................................................................ 128 4.3.1- Avaliação da personalidade ................................................................... 128 4.3.1.1- Sociabilidade .................................................................................. 128 4.3.1.1.1- Sociabilidade com pessoas estranhas ...................................... 128 4.3.1.1.2- Sociabilidade com animais ...................................................... 131 4.3.1.2- Coragem ......................................................................................... 132 4.3.1.3- Vinculação e comportamento de procura de atenção ..................... 135 4.3.1.4- Comportamento predatório ............................................................. 137 4.3.1.5- Focalização no treino ...................................................................... 139 4.3.1.6- Sensibilidade ao toque .................................................................... 140 4.3.1.7- Interesse na brincadeira .................................................................. 141 4.3.2- Problemas comportamentais .................................................................. 143 4.3.2.1- Problemas comportamentais sociais ............................................... 143 4.4- Validação do inquérito C-BARQ e do ensaio comportamental ................... 145 4.4.1- Confiabilidade entre o teste e a sua repetição, no ensaio comportamental ......................................................................................................................... 145 4.4.2- Consistência entre o inquérito C-BARQ e o ensaio comportamental ... 147 V- Conclusões e Perspectivas Futuras .................................................................... 150 5.1- Sociabilidade ................................................................................................ 150 5.1.1- Sociabilidade com pessoas estranhas .................................................... 150 5.1.2- Sociabilidade com animais .................................................................... 151 5.2-Coragem ........................................................................................................ 151 xiv 5.3- Vinculação e comportamento de procura de atenção ................................... 152 5.4- Comportamento predatório ........................................................................... 152 5.5- Focalização no treino .................................................................................... 153 5.6- Sensibilidade ao toque .................................................................................. 153 5.7- Interesse na brincadeira ................................................................................ 153 5.8- Actividade e excitabilidade .......................................................................... 153 5.9- Problemas comportamentais ......................................................................... 154 5.10- Correlações ................................................................................................. 154 VI- Referências bibliográficas ................................................................................. 156 VII- Anexos xv I- Introdução O cão foi o primeiro animal a ser domesticado sendo actualmente a espécie mais espalhada pelo Mundo de todas aquelas ao cuidado do ser humano (Jensen, 2007). As raças de cães reconhecidas por Clubes de raça por todo o Mundo variam imenso no seu tamanho, forma, cor e predisposições comportamentais, tendo sido considerado que esta enorme variação morfológica tenha sido uma consequência indirecta da selecção para diversas e especializadas funções (Serpell, 1995), o que fez com que as mesmas tenham sido agrupadas em várias classes em função da sua aptidão. As raças de cães domésticos são ideais para o estudo da base genética da morfologia, susceptibilidade a doenças e comportamento (Spady & Ostrander, 2008). Pelo mundo fora verificam-se grandes variações nas atitudes das pessoas em relação aos cães. Sociedades menos industrializadas ou agrárias dão ênfase ao valor utilitário do cão como guarda, pastoreio ou caça, contrariamente ao que acontece em países mais industrializados, como a Europa Ocidental e o Norte da América, em que o cão tem uma função predominante de companhia (Mugford, 2007). Na Europa, desde o séc. XVII, tem-se verificado uma redução da utilização de cães de pastoreio e condução de gado, evidenciando assim um desinteresse pela pastorícia. Este torna-se ainda mais acentuado pela maior procura de raças caninas nacionais para a funcionalidade de companhia, como tem sido evidente em diferentes países (Coppinger & Schneider, 1995). Segundo Cruz (2007), esta situação é particularmente preocupante, dado que a selecção exercida sobre animais destinados ao pastoreio é diferente da pressão imposta em animais destinados à companhia de pessoas. O facto de os critérios de selecção serem, por vezes, antagónicos poderá levar ao desaparecimento de alguns comportamentos necessários ao desempenho da função original e que uma vez desaparecidos do reportório comportamental de uma raça, não poderão ser recuperados. Para isso, torna-se fundamental conhecer bem que tipo de personalidade é desejada numa determinada raça e se esta é coerente com as funções que se espera que o cão venha a desempenhar. A personalidade em cães é de grande importância para todos aqueles que os têm na sua vida. É importante determinar as características do cão para o criador que se importa com uma selecção adequada de animais, para o treinador de cães, que se interessa em seleccionar 1 indivíduos com potencial e correspondê-los a um treino adequado e para os donos de cães que querem evitar problemas comportamentais (Svartberg, 2007). O cão Barbado da Terceira, nome que surgiu devido à sua pelagem e pêlos na mandíbula e queixo, que se assemelham a “barbas”, constitui uma população canina autóctone dos Açores, mais particularmente, da ilha Terceira. Foi seleccionado inicialmente para condução de gado bovino existente na ilha, com especial destaque para o gado bravo, mas actualmente já desempenha outras funções, como guarda de bens e propriedades e companhia (AACCBIT, 2007). Este trabalho teve como objectivos identificar alguns traços da personalidade do cão Barbado da Terceira, tais como a sociabilidade, coragem, vinculação, comportamento de procura de atenção, focalização no treino, sensibilidade ao toque, comportamento predatório, interesse na brincadeira, actividade e excitabilidade, bem como a sua propensão para determinados problemas comportamentais sociais, sensoriais e neurais, comunicativos, alimentares, eliminativos e outros. Isto foi feito tendo em conta o comportamento do dia-a-dia do Barbado descrito pelos donos através de inquéritos e aquele manifestado no ensaio comportamental realizado. Este conhecimento é útil para melhor caracterizar esta raça que embora recente aparenta evidenciar muitas outras potencialidades. 2 II-Revisão bibliográfica 2.1- Origem do cão doméstico A origem do cão doméstico é um tema muito controverso, essencialmente devido à grande diversidade morfológica e comportamental que a espécie apresenta, superior à de qualquer outro canídeo, tendo por isso, sido abordada por diversos autores (Wayne, 1986; Hart, 1995) ao longo dos tempos. Têm sido utilizados dois métodos para a sua determinação: procura de evidência arqueológica de domesticação (e.g. fósseis), com posterior correlação com as espécies selvagens existentes actualmente, à procura de semelhanças fenotípicas, ou comparação das espécies domésticas com as espécies selvagens atuais (Bökönyi, 1969; Price, 1984). No entanto, lacunas no registo fóssil e falhas de formas transicionais assumidas dificultaram o processo de estabelecimento de relações filogenéticas precisas (Coppinger & Schneider, 1995). Diversos estudos realizados levaram ao aparecimento de várias hipóteses para a origem do cão doméstico. Coppinger & Schneider (1995) consideraram o lobo como ancestral parcial, mas com algum grau de hibridização com outros membros do género Canis, particularmente, chacais e coiotes. No entanto, Koler-Matznick (2002) pensa que não há evidência directa que suporte esta hipótese. Por sua vez, Coppinger & Schneider (1995) acreditaram que o cão doméstico adviria de um tipo selvagem Canis familiaris semelhante às formas modernas, consideradas primitivas como o dingo australiano. Contudo, a visão mais dispersa e aceite considera o lobo, Canis lupus, como o ancestral selvagem do cão doméstico. Esta hipótese tem sido evidenciada por vários estudos, na segunda metade do séc. XX, abordando o comportamento, vocalizações, morfologia e biologia molecular (Cruz, 2007), bem como, através de dados arqueológicos (King et al., 2012). Segundo Vilá et al. (1997) as populações de lobos antigas teriam sido domesticadas entre 50 000 e 100 000 anos atrás, período que corresponderia ao início da colonização no sul da Ásia pelo Homo sapiens, e a lacuna de fósseis explicar-se-ia assumindo que os cães não seriam morfologicamente distintos dos lobos. Tal facto dever-se-ia, em parte, à hibridização entre lobos e cães durante muito tempo, antes da separação das formas selvagens e domésticas (Miklósi, 2007), acelerada pela 3 transição do homem de caçadores nómadas para agricultores mais sedentários, através da imposição de novos regimes selectivos nos cães (Cruz, 2007). A evidência arqueológica mais antiga de um cão doméstico data de há 14 000 anos e consiste numa mandíbula encontrada numa sepultura, na Alemanha (Nobis, 1979 citado por Clutton-Brock, 1999). No entanto, a maioria dos restos de cães foi encontrada na Ásia Ocidental e Médio Oriente, tendo sido datada de há 12000 anos (Clutton-Brock, 1995). Segundo Barceló et al. (1998), a presença do cão na Península Ibérica, está documentada, com certeza, desde há 7000 anos embora seja provável a sua existência em períodos anteriores. 2.2- Domesticação do cão Rindos (1980) definiu a domesticação como uma relação mutualista em desenvolvimento entre os humanos e as espécies domésticas objectivando o mútuo benefício. Price (1984) descreveu a domesticação como um processo evolutivo pelo qual uma população de animais se torna adaptada ao homem e ao ambiente em cativeiro através de mudanças genéticas, segundo Price (1999), com controlo e domínio humano. Zeuner (1963) definiu cinco fases no processo da domesticação, afirmando que o cão as cumpriu: 1ª fase- vasto contacto da espécie doméstica com os coespecíficos que se reproduzem em liberdade, mantendo-se a similaridade entre a forma doméstica e a silvestre; 2ª fase- reprodução controlada pelos humanos, impedindo o contacto da forma doméstica com a silvestre; 3ª fase- controlo da reprodução pelos humanos, podendo ocorrer cruzamentos pontuais com a forma silvestre, por decisão dos mesmos e posterior selecção; 4ª fase- surgimento de raças devido à reprodução selectiva, orientada por considerações de ordem económica e 5ª fase- perseguição e exterminação das formas silvestres, opondo-se à hibridização. Clutton-Brock (1999) considera existirem duas componentes no processo de domesticação: a componente biológica e a componente cultural. A primeira ocorre quando um grupo de animais, ao serem separados da espécie silvestre, se habitua à 4 presença humana, e ao fim de várias gerações de selecção, quer natural, quer artificial, modifica-se. A componente cultural diz respeito à incorporação dos animais na estrutura social humana, tornando-se objectos de posse, com a finalidade da domesticação. A exactidão da origem do processo de domesticação do cão, bem como o seu desenvolvimento é disputado (King et al., 2012). No entanto, parece ser consensual que o cão foi a primeira espécie a ser domesticada pelo Homem e que a história entre estes está estreitamente interligada (Miklósi, 2007). A domesticação do cão, segundo Coppinger et al. (1987), teve início com a aproximação do lobo aos acampamentos humanos em busca de alimento, que se auto domesticou como forma de lidar com o stress inerente. Assim, foi constituída de forma relativamente rápida uma população de lobos mais pequenos e menos receosos, os cães primitivos, sobre os quais a interacção humana deliberada poderia actuar. Coppinger & Smith (1983) e Price (1984) sugeriram a hipótese da neotenia nos primeiros animais a serem domesticados, em que estes, em adultos, detinham características juvenis, assemelhando-se assim ao estádio juvenil do ancestral, correspondendo isto a uma redução no desenvolvimento. Esta hipótese facilitaria a manutenção e maneio, pelo homem, dos animais em cativeiro através da redução da distância de fuga ao homem que permitia o manter de comportamentos sociais. O processo de domesticação, que poderá ter ocorrido em um único ou múltiplos centros primários (Gonçalves, 2002), ao longo da História, levou a uma diversificação da funcionalidade dos cães, nomeadamente, no auxílio nas caçadas, no Mesolítico, e na condução e guarda de rebanhos, aquando o estabelecimento e difusão da agricultura e pecuária (Cruz, 2007). Durante o processo de domesticação os ancestrais do cão passaram por uma série de modificações morfológicas, fisiológicas, comportamentais e genéticas, sugerindo, assim, uma relação entre estas características. Na segunda metade do séc. XX, Dmitri Belyaev realizou experiências de domesticação de raposas, seleccionando com base nos traços comportamentais, reproduzindo as raposas mais calmas e domesticadas. Após algumas gerações, mais rapidamente do que seria esperado, conseguiram obter raposas domesticadas, e verificaram uma alteração morfológica, a mudança na coloração da pelagem, podendo esta explicar a diversidade fenotípica existente nas diversas raças de cães existentes actualmente (King et al., 2012). 5 De acordo com Svartberg (2006), a domesticação do cão ainda ocorre actualmente e as dimensões básicas do comportamento do cão podem ser alteradas quando as pressões de selecção mudam, ou vice-versa. Para Jensen (2007) os cães estão estritamente relacionados com a história e evolução humana, pelo que conhecer quando, onde e como se desenvolveram e dispersaram ajuda a entender o passado humano. 2.3- Selecção do cão: o surgimento de raças O cão apresenta populações distintas fenotipicamente, designadas por raças (Ribeiro, 2001). Raça é uma escolha artificial de caracteres, morfológicos e comportamentais, não necessariamente restritos a uma área geográfica e a uma estratégia de sobrevivência, nos quais há um grande envolvimento humano (CluttonBrock, 1999), ocorrendo transmissão de caracteres à descendência devido à dinâmica genética (Sierra Alfranca, 2001). Raça não é uma categoria taxonómica e como tal não significa o mesmo que subespécie (Gonçalves, 2002) e variedade de uma raça, foi descrita pela Federação Cinológica Internacional (FCI), como um grupo específico com uma ou mais características determinadas, em comum, não sendo estas obrigatórias para todos os indivíduos pertencentes à raça (Monteiro, 2010). Actualmente, de acordo com a FCI, existem entre 400-500 raças de cães registadas, nas quais algumas são geneticamente idênticas, enquanto outras diferem mais (Miklósi, 2007). Segundo Ribeiro (2001), a origem das raças é discutida por vários autores, no entanto, é comum a afirmação de que esteve intimamente ligada à sua função, sendo possível agrupar as raças em diferentes grupos, consoante a sua aptidão (e.g. guarda, caça, pastoreio, companhia, reprodução). Miklósi (2007) sugere que a origem das raças de cães ocorreu há cerca de 5000-7000 anos, quando os humanos alteraram os seus estilos de vida de caçadores nómadas para agricultores sedentários, iniciando-se, assim, uma selecção dos cães para trabalho. Por sua vez, Clutton-Brock (1999) defende que esta surgiu há 3000-4000 anos e que foram os Romanos que definiram de forma precisa a maioria das raças conhecidas hoje, na Europa. Na Idade Média, surgiram raças de cães especializadas na caça, como simbolismo de poder e estatuto social devido ao estabelecimento da aristocracia e apenas no início do séc. XIX o cão passou a ser apreciado pelo seu valor como 6 animal de estimação. Acerca de 200-400 anos atrás começou um novo processo de selecção, submetendo as raças a um isolamento reprodutivo (Miklósi, 2007). Segundo Helmer (1992), os caracteres de uma raça estão fixados ao fim de 30 gerações, o que indica um rápido surgimento de diferenças fenotípicas num curto período de tempo. A selecção de raças é explicada por três hipóteses diferentes: selecção directa de caracter por caracter; neotenia e hibridização. A primeira hipótese justifica a diferença entre raças, como resultado de uma selecção específica de caracter por caracter de forma semelhante à selecção natural (Løvtrup, 1987), e em que a alteração de um pode modificar muitos outros no processo (Geist, 1971). A neotenia põe em causa a procura actual do ancestral do cão em populações adultas, uma vez que os cães adultos exibem morfologia e comportamentos semelhantes aos encontrados nos estádios juvenis dos seus coespecíficos silvestres (Zeuner, 1963; Gould, 1977). A hibridização imita, muitas vezes, os efeitos da neotenia no comportamento e explicará melhor a rapidez de alterações sofridas na selecção do cão. Isto porque, teoricamente, os híbridos seriam diferentes dos pais devido às novas combinações filogenéticas de sequências de padrões motores (Fox, 1978; Coppinger et al., 1985). A FCI, em 1983, adoptou em Assembleia Geral uma proposta de regulamentação que considera que uma população, grupo de cães, é uma raça quando: todos os animais pertencentes a essa população apresentam um número de características comuns, e essas são constantes nas gerações sucessivas, podendo apenas estes, que reúnem essas duas condições serem cruzados originando assim uma população, grupo fechado de animais. Além destas, os caracteres comuns e geneticamente determinados deverão ser descritos num Estalão FCI (Monteiro, 2010). Os Estalões de raças consistem numa série de orientações, por escrito, que descrevem, especificamente, como cada raça de cão se deveria parecer e comportar. Os criadores da raça são incentivados a seguir estes estalões de forma a criarem cães em conformidade, com eles, com uma correcta conformação corporal, boa saúde e um comportamento adequado, embora a interpretação dos mesmos possa variar entre os criadores devido a alguma subjectividade (King et al., 2012). Beilharz (2007) afirma que uma criação de sucesso de cães requer um óptimo conhecimento dos mesmos, dos seus comportamentos, capacidades, relações 7 estabelecidas com as pessoas e do fenótipo desejado para o melhor desempenho da função, sendo isto mais importante do que quaisquer considerações genéticas. O aparecimento das exposições caninas, onde é avaliada primariamente a morfologia em detrimento do comportamento e temperamento, e os estalões de raças, contribuíram para uma selecção baseada na morfologia e não na função, tão visível actualmente (King et al., 2012). Svartberg (2006) refere que as diferenças fenotípicas e de funcionalidade entre raças deveriam reflectir critérios de selecção diferentes entre elas e que o comportamento não deveria ser negligenciado. Por sua vez, Galibert & André (2008), alertam que a selecção pode levar a um reduzido fluxo de genes, evidenciado por números reduzidos de reprodutores, propiciando, assim, emparelhamentos entre indivíduos com elevado grau de parentesco entre si. Este processo, designado por endogamia ou consanguinidade, permitiu aumentar a susceptibilidade dos cães a doenças complexas (Galibert & André, 2008). 2.4- Cães de pastoreio e cães de gado Segundo Cruz (2007), no panorama pastoril, o cão reveste-se de grande relevância não apenas como fonte de rendimentos, mas também pelo seu valor cultural, embora seja pouco evidenciada a sua importância quando se aborda o tema da Produção Animal. Economicamente surgem duas formas de obtenção de lucro: a forma directa, através da venda da descendência de cães de raça que, correspondam aos critérios definidos no estalão para a mesma, e a forma indirecta, pela redução da mortalidade no efetivo dos rebanhos (cães de gado) e pela redução de mão-de-obra necessária na manutenção do efetivo (cães de condução). Assim, é possível distinguir dois tipos de cães envolvidos na pastorícia com funções diferentes: os cães de gado (cães de protecção ou cães de guarda de gado) e os cães de condução (cães pastores ou cães de pastoreio). Os cães de gado têm como função proteger o gado de potenciais predadores (e.g. o lobo), muitas vezes, recorrendo a confrontos agressivos. Os cães de condução ajudam o pastor a deslocar o gado de um local para o outro, interferindo com o comportamento dos animais (gado), pela indução de reacções de fuga e agrupamento (Coppinger & Coppinger, 1998). É possível subdividir os cães de condução em dois grupos: os heelers que perseguem e mordem na zona da quartela, do gado de grande porte (e.g.vacas), e os 8 headers que contornam os animais do rebanho e conduzem-no (Coppinger & Schneider, 1995). Em Portugal, estes dois tipos de cães constituem parte integrante do sistema tradicional de maneio de gado, existindo sete raças reconhecidas: o Cão de Castro Laboreiro, o Cão da Serra da Estrela, nas variedades de pêlo curto e de pêlo comprido, o Rafeiro do Alentejo e o Cão de Gado Transmontano, como cães de gado; o Cão da Serra de Aires, o Cão de Fila de S. Miguel e o Barbado da Terceira, como cães pastores (Cruz, 2007). 2.4.1-Origem e selecção do cão de pastoreio A origem dos cães de pastoreio é ainda desconhecida. No entanto, pensa-se que proveio de fluxos genéticos entre diferentes populações ou raças, propiciados pelo encontro de gados, devido aos movimentos transumantes (Cruz, 2007). Duas teorias tentam explicar esta origem: a Europeia e a Asiática. A Teoria Europeia, apresentada por Laurans (1975), diz que as primeiras evidências de cães de condução de rebanhos ocorreram no séc. XII, na Islândia e ilhas Faroé. Posteriormente, estes cães passaram para o País de Gales, onde eram utilizados no séc. XV, surgiram no norte de França, no séc. XVII e chegariam aos Pirinéus no séc. XIX, alcançando a Península Ibérica em poucos anos e difundindose, posteriormente, pela Europa. A Teoria Asiática, apresentada por Coly (1994), diz que os cães de pastoreio de pêlo lanoso só poderiam ter um ascendente comum, o Pastor da Rússia Meridional, com uma distribuição histórica vasta. Segundo este autor, estes cães teriam, a partir do séc. VI, a.C., acompanhado os movimentos dos povos indo-europeus para Oeste, chegando ao Mar Negro e daí avançado pelo Norte de África, atingindo a Península Ibérica e difundindo-se pela Europa. Esta hipótese adequa-se na explicação da semelhança morfológica entre muitas raças de cães pastores da Europa e Norte de África (Cruz, 2007). No entanto, segundo Fogle (2000), os cães de pastoreio espanhóis que acompanhavam os rebanhos, nos finais do séc. XVIII para a Rússia, teriam estado na origem do Pastor da Rússia Meridional. Estas duas teorias parecem contradizer-se, no entanto, existem dois subgrupos de cães de pastoreio, morfologicamente distintos na Europa, o que poderia validar as duas teorias, considerando que teriam origens e difusão diferentes (Cruz, 2007). 9 Os cães de pastoreio surgiram quando os grandes predadores, que ameaçavam o gado, começaram a desaparecer e a necessidade de protecção deste diminuiu. Em vez disso, surgiu a necessidade de condução do mesmo, dando origem a esta nova actividade para os cães (Laurans,1975). Actualmente, as raças existentes de cães de pastoreio estão distribuídas ao longo de toda a Eurásia, sendo relativamente recentes devido aos cruzamentos efectuados para melhoria das mesmas. De acordo com Coppinger & Coppinger (1998), na Austrália e Nova Zelândia, regiões onde a pecuária está mais desenvolvida, estão a ser criadas novas raças (e.g. New Zealand Huntaway; Australian Kelpie). 2.5- Cão de companhia O cão de companhia é todo o cão, independentemente da raça ou variedade desta, cuja principal função seja a de fornecer companhia ao ser humano (King et al., 2012), proporcionando benefícios psicológicos a este (Hart, 1995). 2.5.1- Selecção do cão de companhia Os cães de trabalho, com várias funcionalidades, estabeleciam com os humanos uma relação próxima, proporcionando companhia. Os cães de companhia, sendo criados e adquiridos especificamente para esse fim, continuam a ganhar popularidade pelo Mundo (Miklósi, 2007). A preferência destes, em detrimento dos cães de trabalho e a consideração de que todos os cães seriam igualmente capazes de preencher o papel de companhia, levou a que ocorresse uma selecção mais direccionada para a morfologia do que para o comportamento. No entanto, apesar de ser largamente aceite de que algumas raças de cães desenvolvem certas funções com mais sucesso do que outras raças, desconhece-se se o mesmo acontece com a função de companhia (King et al., 2012). Segundo Svartberg (2007), a criação de cães de companhia deveria ser orientada no sentido de uma selecção com base no comportamento e personalidade mais adequados ao desempenho da função, em detrimento de uma selecção direccionada apenas à morfologia, para satisfazer exigências de mercado e participar em concursos. 10 Muitos criadores, por desconhecimento ou outros motivos, limitam-se a cruzar os melhores animais que possuem, independentemente, de quaisquer outras considerações morfológicas ou comportamentais (Coppinger & Coppinger, 1998). Poderia ser argumentado de que raças desenvolvidas, primariamente, com o objectivo de fornecer companhia seriam mais eficazes nesta função do que aquelas seleccionadas para guarda ou pastoreio. Contudo, apesar de poder ser o caso ainda não há uma forma objectiva de aceder à sua adequabilidade (King et al., 2012). Cruz (2007) afirma que os animais de companhia são seleccionados com base em padrões morfológicos e comportamentais, por vezes, diferentes daqueles desejados em animais de trabalho. Este facto pode ser acentuado pela inexistência de cruzamentos entre animais provenientes de ambas as populações. 2.6- Morfologia do cão 2.6.1- Morfologia do cão de pastoreio A morfologia do cão de pastoreio assemelha-se à de um predador (e.g. o lobo), facto este que é acentuado pela coloração da pelagem que, embora variada, é geralmente escura. A sua estatura varia, no entanto, são geralmente de pequeno ou médio porte, com altura média ao garrote inferior a 65 cm e com menos de 35 kg de peso. São animais compactos, com focinhos compridos e estreitos e, frequentemente, de orelhas erectas ou amputadas de forma a atingirem essa posição (Charoy et al., 1985). A funcionalidade destes cães exige que sejam animais com uma elevada resistência física e capacidade de suportar condições ambientais adversas. Segundo Coppinger & Coppinger (1998), o tamanho e a capacidade de armazenamento do calor são factores importantes a ter em conta na selecção porque podem determinar a performance do animal. 2.6.2- Morfologia do cão de companhia A morfologia das raças de cães utilizadas, principal ou exclusivamente, como cães de companhia é muito variada. Não existe uma evidência que sugira que esta é crítica na determinação do sucesso do cão, como cão de companhia (King et al., 11 2012). Por esta razão, maioritariamente, os criadores de raças com esta aptidão, seleccionam as morfologias que mais agradam aos humanos, em detrimento da boa capacidade ou não que estes tenham em desempenhar a função desejada (Coppinger & Coppinger, 1998). 2.7- O comportamento em cães O comportamento é composto por acções e reacções de um indivíduo como resposta a um determinado estímulo ou situação, sendo incluídas neste, actividades como, locomoção, reprodução, comunicação, entre outras (Grier, 1984; Jensen, 2007). Por sua vez, um traço comportamental alberga um conjunto de reacções comportamentais, por vezes, simultâneas (Svartberg, 2007). Um comportamento estável será aquele que nunca muda, mas um comportamento consistente poderá sêlo ao longo do tempo ou ao longo de situações, não implicando, necessariamente, estabilidade (Budaev, 2000 citado por Gosling, 2001). O comportamento é afectado por um grande número de factores, nomeadamente, a genética do indivíduo, o ambiente onde está inserido e as experiências a que foi exposto (Jensen, 2007; Miklósi, 2007; Galibert et al., 2011; Udell & Wynne, 2011). É comum pensar que o ambiente modifica o comportamento durante o desenvolvimento do animal, enquanto as bases genéticas tornam-no estável. Contudo, o contrário também é possível se for tido em conta a maturidade sexual que causa mudanças no comportamento e é influenciada geneticamente (Svartberg, 2007). Os cães apresentam uma plasticidade de comportamento muito elevada, sendo capazes de progredir e lidar em ambientes físicos e sociais diferentes (Mugford, 2007). Vários autores (Budaev, 2000 citado por Gosling, 2001; Takeuchi & Houpt, 2004; Svartberg, 2006; Spady & Ostrander, 2008) afirmam a existência de muitas diferenças comportamentais entre as diversas raças de cães e variações entre indivíduos, dentro da mesma raça. Os etologistas abandonaram o conceito de que as características comportamentais poderiam ser generalizadas a todos os membros de uma espécie, ou mesmo àqueles da mesma idade e género (Martin & Bateson, 2007). As grandes diferenças comportamentais resultam não do surgimento de novos padrões comportamentais, mas sim da supressão ou do aumento de características comportamentais já existentes nos canídeos (Scott & Fuller, 1965). 12 Os criadores têm como função seleccionar os cães que melhor apresentam os comportamentos típicos da raça. Por sua vez, os treinadores pretendem direccionar a manifestação dos comportamentos inatos, através do treino do animal sobre quando e onde exibi-los (Coppinger & Coppinger, 1996). Contudo, nem todos os criadores têm esse cuidado, assumindo que os comportamentos indesejáveis nos cães são resultado de experiências inapropriadas aprendidas e, que por isso, não passam para as gerações futuras. A informação de que o comportamento é altamente hereditário deverá ser fornecida aos criadores (King et al., 2012). A compreensão do comportamento canino, como é controlado e executado é considerada por diversos autores (Dreschel & Granger, 2005; Jensen, 2007; Udell & Wynne, 2008; King et al., 2012) como essencial para o bom entendimento da vivência dos cães e do motivo pelo qual alguns indivíduos desenvolvem problemas comportamentais indesejados, para que possam ser tratados e prevenidos, com eventual treino. Assim, a caracterização comportamental torna-se cada vez mais uma necessidade premente para assegurar a continuidade das raças a longo prazo (Cruz, 2007). 2.7.1- Comportamento do cão de pastoreio O comportamento do cão de pastoreio é essencialmente predatório, sendo considerado neoténico, devido aos padrões homólogos aos exibidos pelo seu ancestral silvestre, o lobo, na fase juvenil do seu desenvolvimento (Coppinger et al., 1987). Isto faz com que algumas das componentes predatórias (fixar, aproximar e perseguir) estejam presentes, enquanto outras (morder), características da fase adulta do ancestral, estejam ausentes ou menos desenvolvidas (Coppinger & Coppinger, 1998). Esta componente predatória é mais evidente a partir da maturidade sexual, tendo sido isto observado num estudo de Coppinger et al. (1987), onde os cães de pastoreio começaram a exibir comportamentos de fixação por um objecto, vivo ou inanimado, que anteriormente a essa fase não possuíam. Esta componente é determinante no bom desempenho da função destes cães, sendo dividida em três etapas: fixação, aproximação e perseguição. Por sua vez, o lobo, continua a sequência predatória até às fases de captura e consumo (Figura 1). O motivo da não prossecução da acção predatória, pelo cão de pastoreio, tal como acontece com o seu ancestral, deve-se à inibição desta pelo pastor (dono) através do treino imposto. Este 13 facto leva à reversão da sequência às etapas anteriores, aproximação ou fixação, e é esta repetição o motivo da condução eficiente do gado por este tipo de cães (Coppinger & Schneider, 1995), que provocam nele reacções de medo que originam a fuga, levando-o a afastar-se deles (Coppinger & Coppinger, 1998). Figura 1 - Representação esquemática da organização da sequência predatória no lobo e no cão de condução (adaptado de Glendinning, 1986 e LGDA, 1992 citados por Cruz, 2007). O comportamento predatório pode ser exibido sem qualquer objectivo prévio de alcançar uma presa ou uma recompensa alimentar, podendo ocorrer em contextos fora da sequência predatória, como parte de uma brincadeira social (Coppinger & Coppinger, 1998). As diferentes raças de cães de pastoreio exibem padrões comportamentais diferentes, com frequências e intensidades distintas, sendo umas mais fáceis de treinar do que outras para mostrar, ou não, um determinado comportamento. No que se refere aos traços comportamentais desejados pelo pastor, há evidência de uma componente genética (Vines, 1981). Por essa razão tem ocorrido uma selecção de raças específicas para trabalhar com espécies de gado distintas (Coppinger & Schneider, 1995). Existem várias formas de treinar cães para condução de rebanhos (Holland, 1994; Longton & Sykes, 1997), no entanto, as mais comuns são comandos gestuais e sonoros (McConnell & Baylis, 1985), devendo o cão estar sempre sob a supervisão do pastor (Coppinger & Schneider, 1995). Segundo Coppinger & Coppinger (1998) cada raça trabalha de forma distinta, nomeadamente, em relação às distâncias relativamente ao pastor, às vocalizações emitidas aquando o desempenhar da função, na forma de conduzir o gado e no despoletar de certos padrões comportamentais (é desejado o morder nos cães de condução de gado bovino, no entanto, este não é aceite em cães de condução de ovelhas). 14 Os cães de pastoreio são muito activos e enérgicos, muito receptivos aos comandos do pastor, possuem uma rápida capacidade de aprendizagem, tornando-se, por isso, fáceis de treinar, pois o seu modo de acção é fundamentalmente aprendido. No entanto, devido ao seu forte instinto predatório, não podem ser deixados sós com um rebanho, pois facilmente poderão atacar e matar vários animais (Coppinger & Coppinger, 1980). As raças portuguesas de cães de pastoreio evidenciam, à semelhança de outras similares, um elevado potencial para a dominância, tal não implicando necessariamente agressividade (Cruz, 2007). 2.7.2- Comportamento do cão de companhia A relação entre os cães e os humanos têm vindo a ser alterada, de forma profunda, ao longo dos tempos, verificando-se uma predominância na utilização de cães para companhia, em detrimento da funcionalidade para os quais os seus ancestrais foram seleccionados (McGreevy & Nicholas, 1999). Esta coabitação levou ao desenvolvimento, nos cães, da capacidade de responder a gestos e pistas do homem, bem como, exibir comportamentos considerados exclusivamente humanos, como o reconhecimento de um estado emocional (Udell & Wynne, 2008). Os cães tornaram-se animais cooperativos e de confiança dos humanos (Konok et al., 2011; Pettersson et al., 2011). Os padrões comportamentais especializados de perseguição e morder, tão essenciais em cães de pastoreio, não são desejados em outras situações, pelos donos, nomeadamente, na perseguição de ciclistas ou carros. Da mesma forma, que não se desejam cães de companhia agressivos e dominantes (Coppinger & Coppinger, 1998). King et al. (2009), no seu estudo de determinação das características do cão de companhia ideal, revelaram que a maioria dos indivíduos desejam um cão amigável com outras pessoas, calmo, bem-comportado e seguro com crianças. O latido contra sons desconhecidos, nomeadamente, a aproximação de estranhos, é uma característica desejada pelos donos de cães de guarda, tendo sido favorecido no percurso de selecção de raças com esta aptidão (Yeon, 2007). 15 2.8- Comportamento social canino Desde os finais do século XIX e início do século XX que a importância da experiência precoce, na modelação de comportamentos futuros tem sido um tema central no estudo do comportamento animal (Ribeiro, 2001). Estudos realizados por Scott & Fuller (1965) revelaram a existência de períodos sensíveis no desenvolvimento do cão (ontogenia) durante os quais a exposição dos animais a determinados estímulos produzia efeitos duradouros no seu comportamento. As primeiras experiências na vida dos cachorros poderiam, assim, influenciar de forma marcada o comportamento do cão adulto, nomeadamente, no desenvolvimento de problemas comportamentais, como a agressividade em cães (Appleby et al., 2002). Os comportamentos estabelecidos durante os períodos sensíveis ou críticos são, geralmente, mais resistentes às alterações do que aqueles não desenvolvidos da mesma forma (Immelmann & Suomi,1981; Beaver,1999). Assim, os criadores de cães e os donos são responsáveis por fornecer aos cachorros um óptimo ambiente de desenvolvimento, para assegurar que estes se tornem em adultos exemplares (King et al., 2012). O comportamento social em cães, tendo em conta a evolução das suas capacidades psicomotoras e do comportamento, pode ser dividido em cinco fases ou períodos: o período pré-natal; o período neonatal; o período de transição; o período de socialização e o período juvenil (Scott & Fuller, 1965; Braastad & Bakken, 2002). 2.8.1- Período pré-natal O período pré-natal, geralmente ignorado na ontogenia dos canídeos pela inexistência de estudos, foi identificado em outras espécies. O desenvolvimento comportamental poderá ser afectado por acontecimentos que ocorrem in utero. As fêmeas expostas a stress durante a gestação podem ter crias mais emocionais, reactivas e medrosas durante a vida (Braastad & Bakken, 2002). 2.8.2- Período neonatal É o período compreendido entre o nascimento e as duas semanas de idade, em que o cachorro não é autossuficiente devido ao seu cérebro muito imaturo e às suas 16 capacidades sensoriais (os olhos e os ouvidos estão fechados, e o olfacto e o paladar pouco desenvolvidos) e motoras limitadas (Scott & Fuller, 1965; Jensen, 2007). No entanto, alguns estudos demonstram que nesta fase os cachorros são capazes de aprender associações simples, embora os seus efeitos dificilmente passem para fases posteriores do desenvolvimento (Cornwell & Fuller, 1961). O cachorro neonatal é essencialmente um animal táctil que não consegue controlar a sua temperatura corporal, recorrendo à proximidade da progenitora ou dos irmãos. O seu comportamento está unicamente relacionado com a alimentação, excreção (comportamento reflexo, estimulado pela mãe), investigação e busca de atenção e cuidados, estando ausentes os padrões comportamentais característicos dos adultos (Scott & Fuller, 1965). Estudos na área da ontogenia comportamental sugerem que a estimulação física (e.g. manuseamento) pode ter efeitos marcantes e duradoiros no desenvolvimento físico (acelerando o crescimento), e comportamental dos cachorros, tornando-os mais confiantes e socialmente dominantes (Fox, 1978). 2.8.3- Período de transição Corresponde ao período entre a 3ª e a 4ª semana de vida, quando os olhos e ouvidos dos cachorros abrem e ocorre uma mudança das capacidades locomotoras do rastejar para o andar que lhes permite iniciarem a exploração para fora do ninho. São animais mais independentes, na regulação da temperatura corporal e na excreção, começam a ingerir comidas semissólidas e a responder a pessoas ou outros animais que detectam à distância (Scott & Fuller, 1965; Beaver,1999; Braastad & Bakken, 2002). Surgem os primeiros sinais sociais (rosnar, abanar a cauda), iniciam-se as lutas amigáveis com os irmãos e denota-se uma ligeira melhoria na aprendizagem dos cachorros (Scott & Fuller, 1965; Braastad & Bakken, 2002). 2.8.4- Período de socialização O período de socialização decorre da 3ª- 4ª semana à 12ª-13ª semana, havendo um período mais sensível entre as 6-8 semanas, em que a existência de privação em cachorros, do contacto social com humanos, poderá tornar mais difícil a relação entre estes mais tarde (Scott & Fuller, 1965; Jensen, 2007). Este período inicia-se com o 17 desmame gradual por parte da progenitora que passa cada vez menos tempo com os cachorros, afastando-os, não obstante ocorrer um rápido desenvolvimento dos comportamentos sociais destes. Começam a comportar-se como um grupo, onde surgem as lutas fingidas e os ataques, para estabelecimento de relações de dominância, embora não completamente definidas e também surgem os primeiros sinais de agressividade e medo, que podem, ser atenuados pela habituação (Scott & Fuller, 1965; Jensen, 2007). A socialização em cachorros permite-lhes formar vínculos entre os seus coespecíficos e outros animais encontrados socialmente durante este período. Com os humanos, Fuller (1967) diz não ser necessário contactos muito frequentes ou prolongados para que a socialização ocorra, bastando alguns minutos por semana de contacto social. O cachorro já possui a maioria dos padrões comportamentais do adulto, sendo capaz de realizar associações rápidas entre estímulos, mas não de aprender padrões motores complexos, uma vez que as suas respostas motoras não estão completamente desenvolvidas (Scott & Fuller, 1965). Este período é marcado pela grande influência do ambiente no comportamento futuro. Lindsay (2000) afirma que durante o período de socialização podem ser desenvolvidas várias características estáveis no adulto, como o medo de outros cães e humanos, reacções de separação, nível de actividade geral e focalização no treino. A socialização com outras espécies resulta em níveis mais baixos de agressividade perante elas, redução do medo em situações sociais e desenvolvimento de apego social (Braastad & Bakken, 2002; Svartberg, 2007). Slabbert & Rasa (1993) parecem contrariar a existência de um período óptimo de socialização, por não terem encontrado diferenças relevantes a este nível num estudo realizado em Pastores Alemães. No entanto, segundo Serpell & Jagoe (1995), parece ser consensual que o processo de socialização difere entre indivíduos e entre raças ao nível dos limites e qualidade deste. Nos cães de pastoreio, durante este período de socialização, é-lhes permitido socializar com pessoas e outros cães, mas não ter acesso contínuo ao gado, para que possam desenvolver os padrões comportamentais desejados, antes do treino (Coppinger & Schneider, 1995). 18 2.8.5- Período juvenil Este período começa nas 12-14 semanas de idade dos cachorros e termina com o início da maturação sexual, geralmente, a partir dos 6 meses, com o fim do crescimento rápido do animal (Braastad & Bakken, 2002). O cachorro começa a atingir uma organização estável, sendo as alterações observadas mais quantitativas do que qualitativas, uma vez que não surgem novos padrões comportamentais (Scott & Fuller, 1965). Por volta dos 4 meses de idade, talvez devido à interferência da aprendizagem prévia, denota-se uma diminuição na formação de reflexos condicionados. Apesar do aumento das capacidades de aprendizagem, os cachorros ainda não conseguem desempenhar as tarefas mais difíceis devido à reduzida habilidade motora, a um curto período de concentração e a uma elevada excitabilidade emocional. Os cachorros têm uma forte tendência em actuar cada vez mais em grupo, sendo ainda visíveis as lutas sociais que, entretanto evoluíram para um padrão de dominância-submissão por volta das 15 semanas (Scott & Fuller, 1965; Braastad & Bakken, 2002). Continua a verificar-se comportamento sexual, mas realizado de uma forma juvenil e facilmente interrompido (Houpt, 2005). O comportamento de jogo social é considerado característico de mamíferos neoténicos, que têm um período juvenil e de dependência prolongado. Este comportamento é de grande importância no desenvolvimento comportamental do indivíduo, facilitando a criação de vínculos sociais e a capacidade de distinção entre indivíduos familiares e desconhecidos (Coppinger & Schneider, 1995) 2.9- Problemas comportamentais A falta de interacção social com outros cães e pessoas, pode levar o cão a desenvolver problemas comportamentais, que comprometem o seu bem-estar, uma vez que a apresentação de um comportamento menos desejado pode levar os donos a abandonar o animal ou, eventualmente, eutanasiar (Hiby et al., 2004; King et al., 2012). Por vezes, os comportamentos apresentados pelo cão não são compreendidos pelo dono, levando-o a classificá-lo como um mau animal. Este facto pode ocorrer 19 por falta de conhecimento e experiência dos donos relativamente à natureza dos cães (Peachey, 1993; Coppinger & Coppinger, 1998). Segundo O’Farrell (1997), a personalidade, o comportamento e as atitudes dos donos podem contribuir para a causa e manutenção do problema comportamental. No entanto, Borchelt & Voith (1982) e Voith et al. (1992) não encontraram, nos seus estudos, correlações suficientes que corroborassem essa influência. De acordo com Clark & Boyer (1993), existe uma prevalência reduzida de problemas comportamentais em cães que tenham recebido treino de obediência. Contudo, Voith et al. (1992) não encontraram uma relação estatisticamente significativa entre essas duas variáveis. Os problemas comportamentais são variados e o seu diagnóstico nem sempre é fácil. Por isso, acima de tudo é necessário excluir uma possível causa orgânica e só posteriormente, já suspeitando de um problema comportamental, identificar o motivo. 2.9.1- Problemas comportamentais sociais 2.9.1.1- Agressividade A agressividade é um comportamento normal no cão que pode ser um mecanismo protector quando ameaçado ou demonstrado durante o comportamento competitivo natural para parceiros, território ou comida. Quando este comportamento normal se torna excessivo ou incontrolável o cão pode tornar-se um perigo (Butcher et al., 2002; De Meester et al., 2008). A agressividade pode ocorrer em qualquer idade ou género, podendo ser manifestada no final da maturidade sexual e tornar-se refinada durante a maturidade social, por volta dos 12 a 36 meses de idade (Overall, 2007). Estudos realizados sobre o efeito da castração na agressividade indicaram que machos inteiros são mais prováveis de mostrar comportamentos agressivos, e que as fêmeas inteiras eram as menos prováveis (Podberscek & Serpell, 1996; Roll & Unshelm, 1997). O desenvolvimento da agressividade pode estar associado a factores genéticos e ambientais, embora essas interacções estejam pouco estudadas (Mackenzie et al., 1986). Bennett & Rohlf (2007) concluíram que o género, idade e experiência do dono não tiveram uma relação relevante com a agressividade geral do cão. O estudo 20 da etologia da agressividade canina é de extrema importância para o bem-estar humano e dos cães (Hunthausen, 1997; van den Berg et al., 2003). 2.9.1.1.1- Agressividade por dominância A agressividade por dominância é ofensiva e direccionada a indivíduos que, no entender do cão, constituem uma ameaça por estabelecerem um desafio de dominância, podendo ocorrer entre cães ou entre cães e humanos (O’Farrell, 1992; Duffy et al., 2008). A constante satisfação das exigências do cão pelos donos, sem imposição de limites óbvios, leva o animal a comportar-se como dominante perante eles (O’Farrell, 1997). Este tipo de agressividade pode ocorrer na fase de cachorro. Contudo, os cães, normalmente, começam a exibi-la perto da maturidade social, sendo mais comum em machos (Beaver, 1999). Os animais manifestam uma postura corporal agressiva rosnando e eventualmente mordendo os seus donos ou outras pessoas conhecidas (Reisner, 1995a), embora possa surgir contra pessoas desconhecidas (Beaver, 1999; Kahn & Line, 2005). A idade e o género dos humanos que vivem com eles irá também influenciar a tendência do cão demonstrar agressividade por dominância, por exemplo, é mais difícil para crianças e mulheres dominarem os cães (O’Farrell, 1992). A origem da agressividade por dominância está mediada por factores genéticos, hormonais e ambientais (García-belenguer et al., 2001) e raças com funcionalidade de guarda são seleccionadas, até certo ponto, para demonstrarem este comportamento (O’Farrell, 1992). De acordo com Voith (1992), os animais que possuem agressividade por dominância apresentam-na em várias circunstâncias: - Quando fisicamente manipulados (acariciados, contidos, afastados); - Quando lhes colocam ou retiram coleiras, ou açaimes; - Durante os cuidados de higiene (banho, secagem); - Quando são perturbados enquanto repousam ou dormem; - Quando alguém se aproxima da sua comida, de uma cadela em cio, de uma pessoa favorita ou da sua área de repouso, mesmo que não se encontrem nelas; - Quando alguém mantém o contacto visual com eles; - Quando são repreendidos, disciplinados ou ameaçados e 21 - Quando lhes retiram objectos preferidos ou comida da boca. O diagnóstico desta patologia requer que aconteçam três ou mais situações das referidas acima e não apenas um único evento (Beaver, 1999). O envolvimento antropomórfico do dono (Svartberg, 2007), o grau de vinculação deste (O’Farrell, 1997) e a sua permissividade (Rooney & Bradshaw, 2002) estavam associados à agressão por dominância nos animais. 2.9.1.1.2- Agressividade por medo A agressividade induzida por medo, oposta à de dominância, é defensiva e mais frequente em animais com uma maior sensibilidade a tipos de estimulação sensorialsons, movimento e toques (Overall, 1997). Pode ser observada em cães de qualquer idade, género ou raça, sendo algumas mais predispostas geneticamente, tal como o Border Collie (Reisner, 1995b). Há duas razões principais para a agressividade por defesa ocorrer: problemas de socialização e experiências traumáticas. Um cão bem socializado pode tornar-se medroso ou agressivo se teve pouco contacto com outros cães e com humanos para além do período de socialização e uma única experiência traumática é suficiente para tornar um cão estável num cão medroso ou agressivo (Fatjó & Manteca, 2003). Os estímulos que desencadeiam medo num cão podem ser muito diversos, mas muitos estão relacionados com encontros sociais. Um cão ou uma pessoa mais dominante, e uma criança que se aproxima rapidamente, mantendo o contacto visual, podem desencadear uma resposta de medo no animal (Beaver, 1999). A agressividade por medo pode ser generalizada a todos os cães ou específica a um determinado cão com um tamanho particular, cor ou raça. É mais provável ser dirigida a estranhos do que a pessoas conhecidas, e pode ser vista numa variedade de situações como clínicas veterinárias, exposições caninas e durante passeios (Fatjó & Manteca, 2003). Geralmente, os cães só mordem quando alguém ou algo se dirigem na sua direcção (Voith, 1992). Um importante diagnóstico diferencial é a agressividade por dominância: cães medrosos não irão exibir agressão em contextos de dominância, como recursos críticos, comida e cama (Reisner, 1995b). 22 2.9.1.1.3- Agressividade territorial A agressividade territorial surge em cães que possuem um forte instinto de protecção, dirigindo-se a qualquer pessoa (e.g. visitantes, carteiro) ou animal que invada o seu território, sendo este, o carro, a casa ou jardim da família (Alvarez, 1993). Este tipo de agressividade também pode ser manifestado pelo cão na protecção do dono, crianças e outros animais, quer estejam ou não no seu território, e na guarda de objectos (O’Farrell, 1992). A agressividade territorial pode ser hereditária mas aumenta através da aprendizagem. Por esse motivo é que algumas raças de cães são melhores do que outras para a função de guarda, apresentando vocalização excessiva e podendo, eventualmente, morder. Pode iniciar-se a partir dos 7-8 meses, mas é mais pronunciada na maturidade social do cão, depois da qual tende a estabilizar. Pode ter uma componente de dominância e uma componente de medo sendo os machos mais prováveis a exibir comportamento territorial do que as fêmeas (Reisner, 1995a). 2.9.1.1.4- Agressividade predatória A agressividade predatória ocorre devido ao comportamento predatório que os cães possuem, sendo mais evidente em algumas raças, como os cães de pastoreio. Para alguns cães o movimento de um objecto ou animal, como um gato a correr, desencadeia a perseguição da presa, e na eventualidade desta ser apanhada poderá haver progressão para o ataque (Beaver, 1999). Este tipo de agressividade é mais frequente contra animais, de outras espécies (e.g. gatos, ovelhas) e pessoas (e.g. crianças e idosos) com as quais o cão não está socializado, mas também em situações como perseguição de carros, ciclistas e corredores (O’Farrell, 1992). 2.9.1.1.5- Agressividade intraespecífica A agressividade entre cães pode ocorrer entre animais dentro da mesma casa ou entre animais desconhecidos (Voith, 1992). Cães que coabitam e demonstram agressividade será provavelmente um problema de dominância, motivados por conflitos hierárquicos, tipicamente entre animais do mesmo género e acesso prioritário a recursos, como: comida, lugar de descanso e dormida, atenção por parte 23 do dono, jogos e fêmeas, principalmente se estiverem em cio, sendo mais comum em machos (Beaver, 1999). 2.9.1.2- Ansiedade por separação Actualmente o estilo de vida das pessoas leva-as a dedicar menos tempo aos seus animais e, por isso, muitas vezes há falhas de consistência na atenção dada, sendo estes muitas vezes deixados sozinhos em casa por longos períodos de tempo (Mugford, 2007). O cão, por ser um animal muito social, e por estabelecer um vínculo muito forte com os seus donos, tende a ficar ansioso com a separação, desenvolvendo uma síndrome patológica denominada ansiedade por separação (Beaver, 1999; King et al., 2000). Pode ser vista em cães de qualquer género, raça ou idade mas, em adultos coincide com a maturidade social (Reisner, 1995b), tendo sido verificada mais em machos do que fêmeas (Bradshaw et al., 2002). Os comportamentos exibidos têm por objectivo retomar ou manter o contacto social, como as vocalizações, maioritariamente excessivas, e as tentativas para seguir a figura de vinculação. Na incapacidade de o fazer desenvolvem comportamentos relacionados com a frustração, nomeadamente, comportamentos destrutivos e eliminação inadequada. Estes terminam com o regresso da figura de vinculação ou quando o cão a atinge (Borchelt & Voith, 1982). Alguns cães são mais sensíveis ao isolamento social, possivelmente, pelo desenvolvimento de um vínculo exagerado e por não terem aprendido antes a lidar com a separação, como é feito, naturalmente, pelas mães no período de socialização (Alvarez, 1993; Beaver,1999). A ansiedade por separação ocorre com mais frequência em lares com apenas um cão (Voith, 1992). 2.9.1.3- Comportamento de procura de atenção Os cães, devido à sua natureza social, procuram interacções sociais. Alguns animais aprendem que se demonstrarem comportamentos específicos terão uma maior atenção por parte dos donos (Beaver, 1999). Assim, vocalizam ou exibem comportamentos físicos para obterem a atenção das pessoas, interrompendo a sua actividade, quando estas estão a realizar algo que não os inclui directamente. Este comportamento é comum, podendo ser uma variante do normal, e apesar de 24 indesejável existem donos que o reforçam inconscientemente. Alguns animais quando são proibidos de o realizar poderão exibir sinais de ansiedade (Kahn & Line, 2005). 2.9.2- Problemas comportamentais sensoriais e neurais 2.9.2.1- Medo e fobias O medo é uma resposta adaptativa do indivíduo perante uma experiência desagradável intensa, sendo proporcional à intensidade do estímulo (O’Farrell, 1992). A novidade e falta de controlo ou previsão de uma situação, nomeadamente, sons intensos, pessoas estranhas e situações não familiares, são exemplos de estímulos que abalam a confiança do animal (Braastad & Bakken, 2002). Uma fobia é uma resposta de medo intensa que é desproporcionada - excessiva para o grau de medo numa determinada situação. As fobias podem desenvolver-se após uma única exposição, são normalmente dirigidas a um estímulo específico, e frequentemente tornam-se piores com exposições repetidas. Apesar dos medos e fobias poderem ser causados unicamente por eventos ambientais, existe evidência de um componente genético para alguns medos (Beaver,1999). Manifestam-se em cães de qualquer idade e desenvolvem-se, normalmente, durante a maturidade social (Overall, 2007). A ansiedade dos donos não parece ser um factor responsável por causar ou manter o medo nos cães (O’Farrell, 1997). A fobia a tempestades é uma resposta de medo excessiva e desproporcionada ao perigo apresentado e, geralmente, aumenta com o agravamento da intensidade da tempestade. É frequentemente associada a outras desordens de ansiedade, nomeadamente, ansiedade por separação, sendo a sintomatologia comum a esta e a outros tipos de medo (Overall et al., 2001; Dreschel & Granger, 2005). 2.9.2.2- Condutas estereotipadas As condutas estereotipadas são padrões de comportamento anormais, porque acontecem fora do contexto, e exagerados, que o animal repete constantemente. São geralmente associados a situações de conflito, frustração e stress, em que o animal 25 pretende realizar algo mas é impedido de o fazer, desenvolvendo a estereotipia como forma de lidar com a situação (Beaver, 1999; Rooney et al., 2009). São vários os comportamentos associados a estereotipias, podendo ser: perseguição da cauda, de reflexos, pontos de luz e moscas; imobilidade; ladrar de forma persistente e ritmicamente; lamber-se persistentemente ou a pessoas e objectos; encarar coisas invisíveis; raspar no chão, entre outras. O acto de caçar moscas, também, poderá estar associado a um comportamento aprendido ou de procura de atenção (Beaver, 1999; Houpt, 2005). 2.9.2.3- Hiperactividade A hiperactividade designa um excesso de actividade, uma forma incontrolável de excitação, levando por vezes a inabilidade para aprender e difícil habituação a ambientes novos (Heath, 2003). O desenvolvimento da hiperactividade ocorre por dois motivos: aprendizagem ou frustração. Os cães podem aprender, por condicionamento clássico, que um determinado estímulo está associado a algo positivo, desejável, nomeadamente, a chegada de pessoas a casa que implica receber atenção, ou o andar de carro estar associado a um possível passeio (O’Farrell, 1992). A aprendizagem, também, poderá ocorrer por condicionamento operante, em que o cão é recompensado pelo comportamento que apresenta, como por exemplo, a atenção do dono. No entanto, as mesmas situações agradáveis para um cão poderão não o ser para outro, e a hiperactividade estar associada a uma frustração/conflito inerente, nomeadamente, a chegada de pessoas, vistas como estranhos e o andar de carro estar associado a uma ida ao veterinário (O’Farrell, 1992; Voith, 1992). 2.9.3- Problemas comportamentais comunicativos 2.9.3.1- Vocalização excessiva A vocalização excessiva é um dos problemas comportamentais mais comuns, de que muitos donos se queixam (Yeon, 2007). No entanto, por vezes, ocorre numa frequência normal, mas que para alguns donos é inaceitável (Overall, 2007). O desenvolvimento desta patologia é propiciado pelo desmame precoce dos cachorros ou criação destes de forma isolada (Heath, 2003), situações que geram frustração ou excitação, muito ou pouco estímulo ambiental nos animais, e o reforço 26 do comportamento pelos donos, através de um aumento de atenção ou elogio (Beaver, 1999). Esta pode estar associada, ou na base de outros problemas comportamentais, como a procura de atenção, hiperactividade, ansiedade (incluindo ansiedade por separação) e condutas estereotipadas (Beaver,1999). Cães que vivem numa casa com outros da mesma espécie podem experimentar a facilitação social, em que os comportamentos de um indivíduo num grupo encorajam comportamentos semelhantes nos outros (Overall, 2007). 2.9.3.2- Submissão excessiva Cães tímidos, especialmente os mais jovens, na presença de um cão ou pessoa que identificam como dominante, tendem a demonstrar comportamentos submissos mais excessivos do que a situação exige, nomeadamente, micção submissa (O’Farrell, 1992). 2.9.3.3- Marcação urinária A marcação urinária é um comportamento comunicativo normal em cães, de ambos os géneros, sendo uma resposta instintiva de marcação, pouco desejada entre os donos. É utilizada na marcação de objectos no seu território e limites deste, podendo ser despoletada por uma visita de uma pessoa a casa, a alteração de um horário ou a introdução de um novo animal no ambiente familiar, pois são vistas pelo animal como invasões no seu território e interferências com as interacções do seu dono (O’Farrell, 1992). Ocorre mais frequentemente em machos dominantes, com 12 anos de idade e os animais que iniciam esta conduta anormalmente manifestam uma aparente necessidade psicológica de a fazer. Também pode ser agrupado nos problemas comportamentais eliminativos (Beaver, 1999). 2.9.4- Problemas comportamentais alimentares 2.9.4.1- Coprofagia A coprofagia é um comportamento normal em algumas espécies, não o sendo considerado em cães. No entanto, estes podem demonstrá-lo, relativamente às suas 27 próprias fezes ou de outros animais, sendo mais comuns em idades entre os 4 e 9 meses (Beaver, 1999). A ingestão de fezes é um comportamento recompensador para os cães podendo estar associado a um desequilíbrio nutricional ou a um treino de eliminação rigoroso pelos donos, em que os animais com medo de serem punidos ingerem as fezes (Rooney et al., 2009). 2.9.4.2- Destruição de objectos Este comportamento é muito comum em cachorros, como forma de gastarem energia, se forem impedidos de o fazer de outra forma, e também ocorre em cães adultos independentemente de o terem manifestado no estado juvenil. Está, geralmente, associado a situações que causam frustração ao animal, nomeadamente, barreiras físicas, pouco exercício, alteração de horários, ansiedade por separação, introdução de um indivíduo no ambiente familiar e falta de estímulo ambiental (Beaver, 1999; Houpt, 2005). 2.9.5- Problemas comportamentais eliminativos 2.9.5.1- Eliminação inadequada A eliminação inadequada ocorre quando o animal urina ou defeca em locais inapropriados, independentemente de estar ou não sozinho. Pode afectar cães de qualquer idade e género (Overall, 2007). No entanto, há uma maior tendência em machos inteiros do que em machos e fêmeas esterilizadas, podendo também existir uma predisposição racial (O’Farrell, 1992). Este problema comportamental pode dever-se a vários motivos, entre eles, o confinamento (quando os animais estão fisicamente impossibilitados de sair de casa); a falta de treino ou treino de eliminação inadequado e a excitação ou ansiedade, como quando o cão é deixado sozinho, sendo por isso este um dos sintomas da ansiedade por separação (Beaver,1999). 28 2.9.6- Outros problemas comportamentais 2.9.6.1- Montar sexual inapropriado Este comportamento consiste na monta de objectos, outros animais e pessoas de uma forma não considerada normal pelo dono, sendo classificado como um problema comportamental sexual (Hart, 1985). Pode estar associado a uma pobre socialização do cão em relação à sua própria espécie, à aproximação da puberdade, a um comportamento social dominante, brincadeira, investigação e curiosidade (Beaver,1999). 2.9.6.2- Rolar sobre substâncias de odor desagradável Este comportamento é normal em cães, desconhecendo-se os reais motivos para a sua ocorrência, supondo-se dever-se a uma forma de marcação territorial ou aquisição de cheiros. A acção do cão passa por retirar o cheiro de outros animais (se for o caso) e impor o seu, rolando-se em animais mortos, lixo e fezes (Beaver, 1999). 2.9.6.3- Fugir de casa O comportamento de fugir poderá estar associado a um comportamento normal ainda realizado pelo ancestral do cão, o lobo. As causas mais comuns são: procura de fêmeas em cio (em machos inteiros), alimento e socialização, sendo propiciados pelo confinamento excessivo e a falta de exercício (Houpt, 2005). 2.9.6.4- Puxar a trela excessivamente Este comportamento ocorre em alguns cães que passeiam de trela com os seus donos. Poderá estar associado a um comportamento excitável que é recompensado pela continuação do passeio e surgimento de novos sinais e odores (O’Farrell, 1992). 2.10- Linguagem corporal Comunicação, no sentido lato, é a troca de ideias, pensamentos, sentimentos ou intenções utilizando o discurso, sinais ou escrita. A comunicação nos cães é realizada 29 maioritariamente pela linguagem corporal, seguindo-se as vocalizações. A linguagem corporal pode ser um reflexo do estado interno do animal, como a taquipneia e/ou uma intenção deliberada de comunicar, como o desvio do olhar, em situações de stress (Aloff, 2005). Os cães utilizam uma ampla variedade de posturas corporais geneticamente programadas (Feddersen-Petersen, 1994), em que todas as partes do corpo estão envolvidas na comunicação, desde a posição das orelhas, olhos e cauda à exposição dos dentes (Mugford, 2007). Eles têm capacidades observacionais extraordinárias (Feddersen-Petersen, 1994) não acompanhadas pela capacidade dos humanos em ler e entender a linguagem corporal canina, pois muitos gestos são susceptíveis de serem mal compreendidos pelos donos (Mugford, 2007). A leitura da linguagem corporal deve ter sempre em conta o contexto em que determinados sinais ocorrem bem como a raça em questão, pois alguns cães dependerão mais de certos sinais do que de outros (Aloff, 2005). Algumas características anatómicas poderão dificultar a leitura, nomeadamente, os pêlos que tapam os olhos dificultando a observação, e os variadíssimos tamanhos de cauda (Beaver, 1999). Conhecer a linguagem corporal canina torna-se útil para determinar o estado interno do animal e assim resolver problemas comportamentais ou modificar o comportamento através de treino, tal como a interrupção precoce de uma sequência predatória indesejada (Aloff, 2005). Os sinais evidenciados na linguagem corporal canina podem ser classificados como: sinais de apaziguamento, alerta, stress, de aumento e redução da distância e sinais ambivalentes (Kalnajs, 2006). Geralmente começam como sinais subtis e tornam-se progressivamente mais óbvios (Beaver,1999). 2.10.1- Sinais de apaziguamento Os sinais de apaziguamento surgem em situações de cumprimentos, sendo utilizados para suprimir um potencial comportamento agressivo manifestado por outros indivíduos, evitando assim possíveis conflitos ou hostilidade. Não indicam um desejo de diminuição da distância social, pois muitas vezes são utilizados para facilitar a fuga (Kalnajs, 2006). A utilização destes sinais também ocorre em situações de negociação, como o espaço onde ambos os indivíduos se encontram (Aloff, 2005) e para acalmarem-se a si próprios (Rugaas, 2006). 30 Manifestam-se através dos seguintes comportamentos: desvio do olhar, piscar os olhos, cheirar o espaço envolvente, espirrar, sacudir, coçar, bocejar, levantar a pata, sentar, deitar e lamber o nariz e os lábios (Aloff, 2005; Kalnajs, 2006). Nos cães ignorar é uma forma de demonstrar neutralidade (Figura 2), amizade e aceitação das acções de outro animal (Aloff, 2005). Os cães relaxados ou em estado neutro estão confortáveis e amigáveis, podendo ser abordados. Apresentam uma expressão facial sem tensão, lábios soltos, orelhas erectas, olhar suave e cauda suspensa em posição média, de uma forma relaxada (Aloff, 2005; Dowling-Guyer et al., 2011). Figura 2 – Postura corporal neutra ou relaxada (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.10.2- Sinais de alerta O cão após explorar o ambiente envolvente e visualizar algo de interesse fica em estado de alerta (Figura 3). Este é indicador de um estado reactivo, podendo ser percursor de agressão. Os cães apresentam uma orientação do corpo para a frente, orelhas e olhos direccionados para o alvo, nariz e fronte lisos, cauda horizontal com ligeiro movimento lateral e boca fechada (Aloff, 2005). 31 Figura 3 – Postura corporal do estado de alerta (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.10.3- Sinais de stress O stress em cães não é igual para todos nem em todas as circunstâncias podendo, quando em excesso, levar ao desenvolvimento de estereotipias (O’Farrel, 1992), bem como, comportamentos de substituição, que os fazem sentir seguros (Kalnajs, 2006). A manifestação destes ocorre através da marcação de território, desvio do olhar, espreguiçar, cheirar o meio e abanar. Os sinais de stress pronunciam-se através dos seguintes comportamentos e reacções fisiológicas: lamber os lábios, bocejar (quando algo está a invadir o seu espaço), urinar, tremer, não comer, ganir, uivar, excessiva queda de pêlo, taquipneia e salivação excessiva (Kalnajs, 2006). Além destes, De Meester et al. (2008) referem outros, como fugir, piscar os olhos, agachar, recuar e procurar apoio ou um esconderijo. Um cão em stress (Figura 4) apresenta o corpo baixo, as orelhas em tensão para trás, as pupilas dilatadas, os cantos da boca para trás, a língua exteriorizada e ligeiramente espatulada e uma cauda baixa, entre as pernas. Apresentam pouco movimento ou este é lento, transpiração através das almofadas plantares e arfam (Aloff, 2005; Kalnajs, 2006). 32 Figura 4 – Postura corporal de um cão em stress (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.10.4- Sinais de aumento da distância Os sinais de aumento da distância destinam-se a transmitir uma mensagem de afastamento, aumento da distância social (Beaver,1999), havendo sempre hostilidade presente (Kalnajs, 2006). Manifestam-se em comportamentos como a marcação do território, o ladrar excessivo, o arranhar o chão e o desvio breve do olhar (Kalnajs, 2006). A postura corporal deste tipo de sinalização parece aumentar o tamanho do cão por ilusão óptica, uma vez que o peso é transferido para a frente para indicar uma posição forte, a piloereção dá a sensação de mais altura e a cauda é mantida na vertical ou arqueada sobre a parte posterior do corpo (Beaver,1999). Os cães agressivos (Figura 5) apresentam o corpo tenso, estático, a boca aberta em forma de C com os cantos desta para a frente, as orelhas para a frente e os dentes arreganhados (Aloff, 2005). Em fases iniciais da comunicação de aumento da distância, a cabeça, pescoço e orelhas estão elevadas mas poderão baixar à medida que a ameaça se torna intensa, podendo esta desencadear um verdadeiro ataque (Beaver,1999). 33 Figura 5 – Postura corporal dominante e agressiva (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.10.5- Sinais de redução da distância São sinais afiliativos utilizados em situações de contacto e abordagem nos quais não são percebidos hostilidade ou agressão, nomeadamente, comportamentos de chamada de atenção onde é evidente um desejo de interacção com humanos ou com os coespecíficos (Kalnajs, 2006). Representa um esforço por parte de um animal de status social mais baixo para atingir uma integração social harmónica, assumindo que o indivíduo de status social mais elevado irá responder apropriadamente. São constatados nas posturas corporais de submissão activa, passiva e convite para brincar (Beaver, 1999). 2.10.5.1- Submissão activa Os cães utilizam a submissão activa mais frequentemente do que a passiva. A abordagem a uma pessoa ou outro cão é acompanhada inicialmente por uma postura corporal de submissão activa (Figura 6), seguindo-se alguns sinais de submissão passiva. O cão agacha-se assumindo uma posição cada vez mais baixa, evita o contacto visual e pode até levantar uma pata anterior (Beaver,1999). Evidenciam a cabeça baixa, o corpo encurvado, orelhas e cantos da boca para trás, cauda baixa, transpiração e lambem o focinho de cães com status social superior (Aloff, 2005). 34 Figura 6 – Postura corporal de submissão activa (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.10.5.2- Submissão passiva Na submissão passiva, o cão deita-se e rola-se expondo o abdómen, evidenciando fragilidade e se for tocado permanecerá completamente quieto. Apresenta uma postura corporal (Figura 7) com a cauda enrolada entre as pernas, as orelhas achatadas e para trás, os olhos parcialmente fechados e os cantos da boca para trás. O animal evita o contacto visual e poderá urinar (Beaver,1999). Figura 7 – Postura corporal de submissão passiva (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 35 Os cães com medo poderão evidenciar também submissão, pelo que as posturas corporais, dependendo do grau de medo, serão iguais às referidas anteriormente. Além disso, o medo é manifestado nos cães através das seguintes reacções comportamentais: procurar os donos (Dreschel & Granger, 2005), fugir, evitar o contacto visual, tremer, salivar, ganir (Svartberg, 2007), agachar-se, esconder-se e lamber os lábios (Rooney et al., 2009). 2.10.5.3- Convite para brincar A brincadeira é utilizada em interacções amigáveis e não confrontacionais pelos cães. Na postura corporal de um cão que convida para brincar (Figura 8) a parte posterior do corpo está levantada, a direcção do olhar segue a orientação do nariz, geralmente para com quem está a comunicar, as orelhas estão erectas e para a frente, a cauda está levantada e abana, os lábios estão relaxados e a boca está parcialmente aberta. Um cão brincalhão apresenta ausência de contacto visual, falta de tensão e proximidade (Aloff, 2005). Figura 8 – Postura corporal do convite a brincar (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.10.6- Sinais ambivalentes Os cães podem estar em conflito e mostrar sinais ambivalentes, sendo estes o clássico indicador de cães medrosos que mordem. Um cão com agressão por medo (Figura 9) fixa o olhar como um sinal dominante mas o corpo está baixo, encurvado, 36 como um sinal submisso. Ocasionalmente irá desviar o contacto visual mas elevar a cauda, e o pêlo da zona lombar irá eriçar-se (Beaver,1999). Normalmente move-se para a frente e para trás, mostrando um estado de conflito motivacional (Fatjó & Manteca, 2003), treme, rosna, ladra enquanto recua, agachase, poderá morder e fugir (Overall 2007). Figura 9 – Postura corporal de agressividade por medo (adaptado de http://www.moderndogmagazine.com/articles/how-read-your-dogs-body-language/415). 2.11- Personalidade Actualmente é comum aceitar a existência de traços de personalidade em cães (Svartberg & Forkman, 2002; Ley et al., 2008), bem como outros animais, devido a vários estudos existentes na área (Gosling et al., 2003; Lloyd et al., 2008; David et al., 2011; King et al., 2012). No entanto, esse termo é frequentemente evitado, pelos investigadores, com receio de antropomorfismo (Jones & Gosling, 2005). Personalidade é definida como as características de um indivíduo que descrevem e motivam padrões consistentes de pensamentos, sentimentos e comportamentos que persistem ao longo do tempo e situações, sendo relativamente estáveis e duradouras (Svartberg, 2007). Estão inerentes aos indivíduos desde o início do seu desenvolvimento, moldando a expressão de actividade, reactividade, emotividade e sociabilidade (Goldsmith et al., 1987). Termos como carácter (Ruefenacht et al., 2002), predisposições emocionais (Sheppard & Mills, 2002) e temperamento têm sido utilizados no mesmo contexto (Taylor & Mills, 2006). A personalidade é uma combinação de factores genéticos, cognitivos e ambientais (Saetre et al., 2006) que controlam o comportamento dos indivíduos e as 37 diferenças entre eles (King et al., 2012). Foi constatado a existência de semelhanças impressionantes entre a estrutura da personalidade de humanos e outros animais, especialmente em traços mais abrangentes representados pela extroversão e neurose. Por mais surpreendente que isto possa parecer devido à grande divergência ecológica e comportamental entre espécies, a evolução é um processo histórico e seria de esperar que mecanismos afectivos e cognitivos fundamentais subjacentes à variação da personalidade fossem conservados durante este percurso, em parte pelas pressões selectivas semelhantes (Budaev, 2000 citado por Gosling, 2001). Da mesma forma, os cães dentro da mesma raça partilham, frequentemente, traços de personalidade comuns, podendo a expressão destes variar entre indivíduos, originando características individuais geralmente consistentes a estímulos futuros (King et al., 2012). Esta expressão depende da intensidade (baixa ou elevada) frequência (pouco ou muito) e forma de surgimento (fácil ou difícil). A variação da personalidade do cão pode ser influenciada por um grande número de factores tais como a presença de outros cães, o número de membros familiares e a sua idade, o ambiente em que o cachorro cresce (campo ou cidade) e o seu período de sociabilidade (Svartberg, 2007). Pensa-se que os efeitos ambientais e a contribuição genética na personalidade tenham maior impacto nos estádios iniciais do desenvolvimento, em particular antes da maturidade social do indivíduo (Miklósi, 2007), sendo esperado uma estabilidade destes posteriormente (King et al., 2012). Esta estabilidade torna a possibilidade de seleccionar um cão mais cedo para uma determinada função, sendo esta uma ideia atractiva para os criadores e treinadores (Diederich & Giffroy, 2006). Quando se fala em estabilidade em personalidade refere-se as duas condições, estabilidade ao longo do tempo e ao longo de situações, sendo esperado que o animal apresente o mesmo comportamento de cada vez que é submetido àquela situação, independentemente do período de vida em que ela ocorre (Svartberg, 2007). Em estudos de personalidade em humanos foi constatado de que a estabilidade na infância é baixa, aumenta na fase adulta e atinge um patamar entre os 50 e 70 anos de idade. No entanto, apesar disso, a personalidade continua a mudar com o avançar da idade (Roberts & DelVecchio, 2000). Não existem estudos semelhantes em cães que comprovem o mesmo, tendo sido apenas verificada grande estabilidade de traços em cães adultos durante curtos períodos de tempo (1 a 2 meses). Por isso, a estabilidade a curto prazo é um critério básico para traços de personalidade e não nos diz 38 necessariamente algo acerca da estabilidade ao longo do tempo de vida. Também, existem indicadores de estabilidade durante períodos mais longos de tempo para traços de personalidade, mas desconhece-se se alteram em magnitude ao longo do tempo de vida e de que forma (Svartberg, 2005). Apesar da grande capacidade de os cães adaptarem-se a novos ambientes e apresentarem diferentes reacções em certas situações, o comportamento do cão pode ter uma plasticidade limitada. Reacções que possam ser facilmente alteradas através de treino não deveriam ser vistas como uma expressão da personalidade geral do animal, mas como parte dela- focalização no treino (Svartberg, 2005). Segundo Svartberg (2007), a personalidade pode ser inferida a partir da observação do comportamento, com base na interacção entre o cão e o ambiente e acedido no contexto “se isto acontecer, ou neste tipo de situação, o cão geralmente comporta-se desta forma”, pois esperar que o cão seja estável ao ponto de responder sempre da mesma forma é enganoso. 2.11.1- Traços de personalidade Os estudos sobre a personalidade em animais são diversos, bem como os componentes dela que têm sido descobertos. Segundo Svartberg (2007) parecem haver traços de personalidade mais abrangentes que englobam outros, que descrevem o comportamento típico do cão de forma mais específica. Alguns dos componentes da personalidade de animais identificados são: sociabilidade, agressividade (Hart & Hart, 1985; Jones & Gosling, 2005; Svartberg, 2005, 2006), exploração, interesse na brincadeira, curiosidade, coragem (Svartberg, 2005, 2006), motivação (Ley et al., 2008), medo, submissão (Jones & Gosling, 2005), nível de actividade (Gosling & John, 1999; Gosling, 2001), excitabilidade e focalização no treino (Hart & Hart, 1985). Gosling & John (1999) identificaram três dos cinco grandes traços da personalidade humana (extroversão, motivação, focalização no treino, cordialidade e neurose) num grande número de espécies: neurose (medo, ansiedade); extroversão (sociabilidade, actividade) e cordialidade (cooperação, ausência de agressividade). No entanto, Sheppard & Mills (2002) revelam a existência de dois grandes traços da personalidade humana em cães, a extroversão (responsável por emoções positivas, 39 tais como interesse na brincadeira, excitabilidade e exploração) e a neurose (responsável por acções negativas, tais como medo, fobias e ansiedade). Para Spady & Ostrander (2008) é de grande interesse determinar os traços de personalidade que definem raças específicas com funcionalidades importantes, como a caça e o pastoreio. 2.11.1.1- Sociabilidade A sociabilidade é definida como a tendência de um indivíduo em ser amigável para com outros desconhecidos, tendo sido descrita em cães. A elevada sociabilidade relaciona-se com uma abordagem activa e amigável em relação a estranhos, demonstrando interesse e amizade. A baixa sociabilidade, atitude de reserva ou hostilidade a estranhos, parece correlacionar-se com medo social e agressividade (Svartberg, 2003). Svartberg (2007) encontrou uma correlação positiva entre a sociabilidade do cão perante pessoas estranhas com a mesma atitude em relação a cães desconhecidos, indicando assim um factor de sociabilidade comum. 2.11.1.2- Agressão A agressão constitui uma dimensão geral na personalidade, englobando a agressividade em relação a cães e pessoas (Svartberg, 2007). Alguns estudos evidenciaram comportamentos agressivos em direcção a membros da família, a estranhos, a cães desconhecidos (Goodloe & Borchelt, 1998) e a cães conhecidos (Hsu & Serpell, 2003). Svartberg (2007) sugere dois tipos de comportamento agressivo que parecem ser estáveis: a agressão relacionada com defesa de recursos (comida, objectos e brinquedos) e com o território. A dominância social é geralmente associada não apenas à agressividade por si só mas a uma combinação desta com a estabilidade emocional (Archer, 1988). Se um cão não demonstrar agressividade num teste não pode ser classificado como isento de agressão, porque estava numa determinada situação, e num determinado momento, pois pode comportar-se de forma diferente em outro ambiente, nomeadamente em casa (Paroz et al., 2008). 40 2.11.1.3- Medo O medo é provavelmente o traço de personalidade mais estudado em animais (Svartberg, 2007) e que mostra uma maior heritabilidade (Fatjó & Manteca, 2003), podendo, provavelmente, ser previsto numa idade precoce (Svartberg, 2007). Goddard & Beilharz (1984) encontraram uma dimensão geral de medo para além das mais específicas. O medo pode ser subdividido em medo social e medo não social. O primeiro está relacionado com estímulos sociais, podendo subdividir-se em medo de pessoas e medo de animais desconhecidos, enquanto o segundo está relacionado com os estímulos não sociais, tais como sons fortes, objectos desconhecidos e tempestades. Svartberg (2007) encontrou correlações positivas, no seu estudo, entre estes dois tipos de medo, bem como entre diferentes estímulos no medo social, tal como o medo de pessoas estranhas estar correlacionado com o medo de cães desconhecidos. Da mesma forma King et al. (2003) evidenciaram a existência de alguns traços de medo específicos a determinados estímulos, no medo não social. Hsu & Serpell (2003) revelaram correlações positivas entre quatro medidas de medo: medo direccionado a estranhos, medo não social, agressão/medo direccionado a cães e sensibilidade à dor, concordando assim com a existência de uma dimensão geral de medo que influencia o comportamento dos cães em diferentes situações. Parece haver diferentes estratégias nos animais para lidar com a situação de medo, mais especificamente a estratégia activa (luta ou fuga) e a passiva (imobilidade), estando estas relacionadas com a propensão que um animal tem a reagir perante aquele determinado estímulo (Svartberg, 2007). Experiências de selecção em canídeos demonstraram que o medo social e não social poderá ser alterado de forma rápida em algumas gerações sob uma selecção intensa (Murphree, 1973; Trut et al., 2004), podendo este facto explicar a razão de raças seleccionadas para caça de ratos e luta se mostrarem menos medrosas, do que raças seleccionadas para caça de pássaros e pastoreio (Mahut, 1958). 2.11.1.4- Vinculação Vinculação é uma relação afectiva de dependência desenvolvida entre dois indivíduos, evidente através da preferência comportamental que estes demonstram na 41 proximidade e contacto que mantêm (Cohen, 1974). É uma relação especial e específica que permanece ao longo do tempo (Wickler, 1976). Segundo Bowlby (1969), a função desta relação poderá relacionar-se com a defesa contra predadores ou a obtenção de recursos provenientes da figura de vínculo. No entanto, Gubernick (1981) refere que poderá não existir nenhuma função subjacente, tendo apenas evoluído como consequência de uma relação próxima entre dois indivíduos. Um estudo realizado por Topál et al. (1998) evidenciou que os cães adultos demonstram padrões de comportamento de vinculação em relação ao dono, sendo esta relação variável entre indivíduos. No entanto, os resultados não evidenciaram nenhum efeito de género, idade, condições de vida ou raça, na maioria das variáveis comportamentais. 2.11.1.5- Coragem Um cão pode ser considerado corajoso quando executa uma acção ou demonstra um comportamento arriscado numa determinada situação. Por sua vez, um tímido é aquele que evita o risco (Budaev, 2000 citado por Gosling, 2001). A coragem implica a existência de confiança e esta geralmente está presente quando não há medo (Goddard & Beilharz, 1985). Svartberg & Forkman (2002) detectaram num teste comportamental padronizado uma dimensão geral que incluía a timidez e a coragem. Esta relacionava-se com o dia-a-dia do animal relativamente à brincadeira, exploração e destemor, em todas as situações sociais e não sociais (Figura 10). Atitude em relação a pessoas desconhecidas Comportamento típico em situações não sociais Probabilidade de sucesso na função de trabalho Tímido Corajoso Pouco interesse ou evitação e comportamento inibido Interesse positivo elevado, brincalhão e irrequieto Ansioso e medroso, baixa exploração Confiante, destemido e explorador Baixo Elevado Figura 10- Consequências da personalidade do cão em diferentes situações (Adaptado de Svartberg, 2007). 42 2.11.1.6- Nível de actividade O nível geral de actividade é, usualmente, considerado um traço de personalidade estável em animais. Pressupõe-se que um comportamento activo numa situação está correlacionado com actividade em várias outras situações (Svartberg, 2007), e que esta muda drasticamente com a idade, e pode moderar a expressão de outros traços da personalidade (Jones & Gosling, 2005). 2.11.1.7- Excitabilidade A excitabilidade ou reactividade relaciona-se com o nível de actividade (Svartberg, 2007) e procura de afecto (Hart & Hart,1985). Svartberg (2007) afirma existir uma diferença entre ser activo, em situações não estimulantes, e ser reactivo ou excitável quando estimulado. O grau de excitabilidade varia pois existem cães que manifestam reacções relativamente pequenas em situações repentinas ou eventos potencialmente excitantes e mostram-se perturbados nesses ambientes, enquanto outros mostram-se bastante excitados com a menor novidade. A excitabilidade discreta é caracterizada pelo aumento no estado de alerta, movimentos direccionados à origem da novidade e breves episódios de latidos. Por sua vez, a excitabilidade extrema é caracterizada pela tendência em exagerar, pois os cães latem ou choram histericamente ao mínimo ruído (para eventos aparentemente nada estimulantes), correm impetuosamente na direcção ou em volta da razão da excitação e são difíceis de acalmar (Hsu & Serpell, 2003). Foi descoberto que a excitabilidade conseguia prever o desempenho em cães de guarda, parecendo relacionar-se com sucesso de uma forma não linear, pois os cães com o nível mais elevado de desempenho eram aqueles com um nível intermédio de excitabilidade, enquanto os de baixo desempenho possuíam um nível mais elevado desta. Isto foi explicado pela possibilidade de ter havido uma taxa elevada de habituação nos cães moderadamente excitados (Martínek et al., 1975). Hsu & Serpell (2003) encontraram uma relação entre a excitabilidade do cão e diversas situações, nomeadamente, quando o dono regressa a casa, quando o cão brinca com um membro da família e quando é levado num passeio de carro. 43 2.11.1.8- Interesse na brincadeira Uma categoria de comportamento bastante típica no cão é o interesse na brincadeira. Há resultados que apoiam a existência de diferenças estáveis entre cães a este respeito, sugerindo, assim, a classificação deste como um traço de personalidade (Svartberg & Forkman, 2002). Este traço é descrito como a tendência do cão em correr atrás de um brinquedo e a vontade em fazê-lo com pessoas conhecidas e desconhecidas, tendo-se revelado consistente ao longo da repetição dos testes e correlacionando-se com os testemunhos dos donos (Svartberg, 2005). Num estudo de Paroz et al. (2008) a acção de brincar com o dono correlacionouse negativamente com os traços agressão para com estranhos, dono, medo direccionado a estranhos e problemas de separação, indicando assim, que cães que brincavam mais com os donos durante o teste eram menos prováveis a demonstrar agressividade a pessoas, medo de estranhos e ter ansiedade por separação. Uma redução no comportamento de brincadeira pode ser indicativa de um bem-estar comprometido (Boissy & LeNeindre, 1997; Fraser & Duncan, 1998; Yeates & Main, 2008). No entanto, segundo Aloff (2005) é um erro assumir que todos os cães gostam de brincar e que os que gostam têm o mesmo estilo de brincadeira, pois esta varia dentro da espécie e consoante o indivíduo. À medida que os cães passam por diferentes períodos de vida a brincadeira serve diferentes funções. Quando são cachorros é utilizada no desenvolvimento social e quando passam à adolescência serve como prática para o status social. No estado adulto, uns cães brincam pela alegria da interacção social, uns agem como se tivessem de provar que o seu status não parou e outros estão meramente a utilizar os outros animais como uma presa ou objecto de pastoreio. Isto inclui comportamentos predatórios típicos, como perseguição e mordida, mas também comportamentos de condução e ajuntamento (Aloff, 2005). 2.11.1.9- Focalização no treino O sucesso geral dos cães em situações de treino é designado de focalização no treino, e até ao momento não tem havido êxito na sua medição. Factores como o medo, interesse na brincadeira e excitabilidade não são provavelmente iguais a um factor de focalização no treino geral. Poderão não ter correlação com a habilidade de 44 aprender, se esta existir, como a formação de hábito e retenção da memória, mas poderão prever sucesso em situações de treino (Svartberg, 2007). O medo pode inibir a capacidade de aprender e o interesse na brincadeira e, provavelmente, define o valor do jogo como reforço, o que indica que cães brincalhões são mais fáceis de recompensar (Svartberg, 2003). 2.11.1.10- Outros traços de personalidade Além destes traços outros foram descritos, embora menos investigados, nomeadamente, tendência a dominar ou agir submissamente, comportamento predatório, tendência a ladrar e sensibilidade ao toque (Svartberg, 2007). 2.12- Estudo da personalidade O estudo da personalidade é estritamente relacionado com o acesso a sentimentos, pensamentos e crenças, assuntos que por tradição têm sido dirigidos a humanos exclusivamente (Matthews & Deary, 1998). Além dos sentimentos e pensamentos, a personalidade, também, inclui um assunto possível de ser estudado em animais, o comportamento. Medidas repetidas do comportamento ao longo do tempo ou em diferentes situações podem fornecer introspecção da construção da personalidade subjacente, e aí determinar as possíveis reacções a outras situações a que o animal é sujeito (King et al., 2012). Os investigadores tentaram explicar o comportamento animal de forma simples evitando a utilização de emoções e intenções humanas como explicações comportamentais (Martin & Bateson, 2007). Dentro do estudo do comportamento animal, os processos internos, como sentimentos e pensamentos, foram considerados inobserváveis (Dawkins, 1986; Jensen, 2007), ou mesmo cientificamente irrelevantes (Skinner, 1938). No entanto, durante as últimas décadas tem havido um interesse aumentado na cognição animal e o estudo de processos internos em animais tem-se tornado cientificamente respeitável (Griffin, 1992; Shettleworth, 1998). O estudo da personalidade em cães domésticos, uma área nova de pesquisa, está a tornar-se muito popular (Jones & Gosling, 2005). 45 2.12.1- Aplicações Os estudos da personalidade em cães têm vindo a ser desenvolvidos tendo em conta vários objectivos e possíveis aplicações, nomeadamente, previsão do comportamento futuro do animal ainda durante o desenvolvimento do mesmo (na fase de cachorros) e descrição de traços de personalidade em animais adultos, com base no comportamento apresentado (Jensen, 2007). A determinação do futuro comportamento do animal, com base em sinais que os cachorros evidenciem, é importante essencialmente para os criadores poderem correspondê-los com os donos adequados, evitando assim possíveis problemas futuros de incompatibilidades (King et al., 2012). Da mesma forma esta informação torna-se útil na selecção de raças, pois conhecendo os traços de personalidade desde cedo, o criador poderá fornecer a estimulação ambiental apropriada na fase de desenvolvimento que lhe permita obter um exemplar que se adeque à realização das funções para o qual foi seleccionado, trabalho ou companhia, podendo, também servir como ferramenta de marketing (King et al., 2012). Sem conhecimento científico, objectividade e ferramentas apropriadas a selecção correcta torna-se difícil. O conhecimento do comportamento do cão e dos seus traços de personalidade em diferentes situações, é importante na selecção de potenciais cães de trabalho, como cães-guia, cães de guarda, cães de caça e cães de pastoreio (Miklósi, 2007), permitindo às organizações investir recursos em animais que têm o potencial de se tornarem excelentes (Jensen, 2007; King et al., 2012). Da mesma forma, é importante na previsão do sucesso de um cão antes de ser treinado, ou nas fases iniciais do período de treino, poupando-se tempo e dinheiro (Svartberg, 2007). O acesso ao comportamento típico do cão em determinadas situações, como por exemplo, cães em canis de Associações ou Câmaras Municipais, podem aumentar a probabilidade de uma boa correspondência entre o cão e a nova casa (Svartberg, 2007). Torna-se, também, útil na prevenção e no tratamento de vários problemas comportamentais que podem pôr em causa o bem-estar animal e humano, podendo ser evitada a eutanásia e o abandono (Jensen, 2007; Paroz et al., 2008). 46 2.12.2- Abordagens ao estudo do comportamento canino/personalidade Ao longo do tempo, têm sido utilizadas várias abordagens no estudo do comportamento canino, sendo estas: avaliações de protótipos de raças por peritos, estudos observacionais, inquéritos e testes padronizados de comportamento/personalidade (Jones & Gosling, 2005; Spady & Ostrander, 2008). A abordagem mais comum tem sido a realização de testes padronizados que, teoricamente fornecem mais dados objectivos do que a informação proveniente do dono, em questionários (Svartberg, 2006). Alguns autores não atribuem especial importância à raça a ser testada, porque estão a tentar obter reacções gerais na espécie canina, e os cães testados destinam-se a ser representativos dos cães domésticos. Por outro lado, outros dão especial relevância à escolha da raça, porque querem descrever ou explorar as características específicas do seu comportamento, personalidade ou tentar seleccionar indivíduos com capacidades comportamentais particulares (Diederich & Giffroy, 2006). 2.12.2.1- Avaliação de protótipos de raças por especialistas Outro método utilizado nos estudos do comportamento característico de uma raça é a avaliação por técnicos habilitados (juízes de obediência), de acordo com traços pré-determinados. Este demonstrou ser útil no estudo de diferenças entre raças (Hart & Miller, 1985; Draper, 1995; Bradshaw & Goodwin, 1998). No entanto, o conhecimento dos especialistas em como as raças são commumente categorizadas, pode levar a uma subjectividade deste método (Svartberg, 2006). 2.12.2.2- Estudos observacionais Os estudos observacionais são baseados em técnicas etológicas através da observação do cão no seu ambiente natural (Dowling-Guyer et al., 2011). É vantajoso porque o comportamento é autêntico. No entanto, demora muito tempo e é difícil de uniformizar (Svartberg, 2007). 47 2.12.2.3-Inquéritos Durante os últimos anos têm sido utilizados questionários para avaliar a personalidade do cão (Goodloe & Borchelt, 1998; Serpell & Hsu, 2001), descrever a relação entre este e o humano (Topal et al., 1997; Rooney et al., 2000), avaliar métodos de treino (Hiby et al., 2004) e investigar problemas comportamentais (Overall et al., 2001; Kobelt et al., 2003). Na identificação da personalidade em cães são entregues inquéritos a pessoas que estejam bem familiarizadas com eles, sendo geralmente os donos (Martin & Bateson, 2007). Muitos estudos demonstraram que os donos têm prazer em preencher questionários acerca do comportamento dos seus cães, o que torna mais fácil a obtenção de dados (O’Farrell, 1997; Topal et al., 1997; Sallander et al., 2001; Fuchs et al., 2005). O pressuposto é de que ao conviverem com eles conhecem bem o seu comportamento, podendo obter-se dados confiáveis e válidos do comportamento típico do cão no seu ambiente familiar (Hsu & Serpell, 2003; Diederich & Giffroy, 2006; Svartberg, 2007). No entanto, George et al. (2003) e Vas et al. (2007) contradizem a teoria acima descrita. Apesar de haver algumas dúvidas sobre os donos serem imparciais em responder a esses inquéritos (Sheppard & Mills 2002), a boa construção dos mesmos e uma grande amostragem podem, parcialmente, corrigir essa tendência (Svartberg, 2007). Os dados resultantes dos questionários podem ser cruzados com dados de testes comportamentais e atingir conclusões confiáveis, tal como Svartberg (2005) evidenciou entre os dados do Canine Behavioral Assessment and Research Questionnaire (C-BARQ) e o comportamento observado no teste Dog Mentality Assessment (DMA) realizado 1 a 2 anos antes. O C-BARQ é um questionário desenvolvido por Hsu & Serpell (2003), designado para medir o comportamento e personalidade em cães domésticos. Hsu & Serpell (2003) obtiveram resultados indicativos deste ser um método válido no acesso aos traços de personalidade, podendo, também, ser útil em identificar cães com problemas comportamentais e os vários efeitos de tratamento nestes. Na avaliação de problemas comportamentais há a preocupação de os donos poderem não reportar bem por não estarem a par do comportamento, ou não o reconhecerem como um problema. As avaliações com base em inquéritos podem ser realizadas através de relatos comportamentais, descrevendo o comportamento actual, frequência e intensidade (Hsu & Serpell, 2003) ou descrição por adjectivos do 48 comportamento apresentado pelo animal, permitindo a identificação de possíveis diferenças comportamentais dependentes da idade e género (Gosling et al., 2003; Ley et al., 2008). 2.12.2.4- Testes padronizados de comportamento/personalidade Na tentativa de identificar a personalidade do cão e obter uma boa previsão sobre a capacidade deste em realizar as suas funções, como cão de trabalho ou companhia (Mornement et al., 2009), vários investigadores desenvolveram testes comportamentais, com diversos objectivos: aceder a traços comportamentais específicos, como medo (King et al., 2003), ou agressão (Netto & Planta, 1997; Bräm et al., 2008; De Meester et al., 2011), medição do grau de vinculação às pessoas (Topal et al., 1998), acesso a traços comportamentais em cães de trabalho (Wilsson & Sundgren, 1998) e avaliação comportamental anteriormente ao realojamento dos animais, aplicados em muitos abrigos de cães de Associações (Netto & Planta, 1997; Mornement et al., 2010). No entanto, dentro destes, os mais utilizados actualmente são os que verificam a adequabilidade dos cães nas várias funções de trabalho, tais como: cães polícia (Slabbert & Odendaal, 1999), cães-guia (Goddard & Beilharz, 1986; Serpell & Hsu, 2001; Tomkins et al., 2011) e cães de detecção de drogas (Rooney et al., 2007). Cada um destes testes comportamentais possui componentes que determinaram com sucesso a adequabilidade de alguns cães de trabalho (Miklósi, 2007; King et al., 2012). Por isso, alguns clubes de raças exigem um teste comportamental bem-sucedido como pré-requisito para o registo do animal como pertencente à raça (Ruefenacht et al., 2002; Fuchs et al., 2005). O “Schweizerische Hovawartclub” (SHC) é exemplo disso, sendo, provavelmente, o único clube de raça na Suíça em que cada cão é avaliado por seis juízes, simultaneamente, que decidem quais os cães que são autorizados a procriar, influenciando, assim, o futuro da raça (Paroz et al., 2008). Em Portugal são realizadas provas para cães de pastoreio pelo Clube Português de Canicultura (CPC), cujo objectivo é "o de preservar e desenvolver as aptidões naturais de pastoreio das raças de cães pastores, e para demonstrar que estes conseguem realizar as funções para as quais originalmente foram criadas. Embora as provas sejam simulações artificiais de situações de pastorícia, são testes padronizados para avaliar e 49 desenvolver as características das raças de cães pastores” (Regulamento Nacional de provas para cães pastores, 2009). São exemplos de testes comportamentais: o DMA, o Socially Acceptable Behavior (SAB), o Ethotest, o Sue Sternberg’s Assess-a-pet e o teste da Royal Society for the Protection of Cruelty to Animals (RSPCA). O teste DMA pode ser uma ferramenta útil para criadores de cães e clubes de raça, permitindo ser utilizado na criação e selecção de cães de trabalho e previsão de problemas comportamentais (relacionados com medo social e não social). É um teste padronizado, possui elevada confiabilidade teste-repetição, inter-observador e podem ser comparadas as reacções comportamentais dos cães, e mais tarde, da sua descendência (Svartberg, 2003). É utilizado na Suécia por vários clubes de raças e organizações de cães de trabalho (Svartberg & Forkman, 2002; Svartberg, 2003). O teste SAB foi inicialmente desenvolvido para determinar a tendência individual para a agressão numa grande população de cães. No entanto, actualmente fornece informação interessante do comportamento destes quer a nível individual ou geral. Para determinar a validade e confiabilidade deste teste devem ser realizadas pesquisas adicionais (De Meester et al., 2008) O Ethotest (Lucidi et al., 2005), Sue Sternberg’s Assess-a-pet (Sternberg, 2004) e o teste da RSPCA (Poulsen et al., 2010) são alguns exemplos de avaliações comportamentais realizadas por alguns abrigos de cães. Actualmente existem muitas limitações nos testes comportamentais. Estes não podem ser prorrogados por tempo indeterminado, porque não se pode esperar que os cães reajam da mesma forma durante um período de tempo alargado. Assim, ficam circunscritas o número de situações (subtestes) que podem ser incluídas no teste comportamental, limitando o número de comportamentos exibidos. Além disso, não se pode excluir a possibilidade de o estado interno do indivíduo se alterar ao longo do teste comportamental, o que poderia influenciar o comportamento (King et al., 2012). A maioria dos testes comportamentais existentes falha na evidência de confiabilidade e validade, porque poucos utilizam uma abordagem científica e sistemática (Taylor & Mills, 2006) devendo haver um bom design e preparação do teste comportamental para que se torne uma ferramenta de medição adequada (Diederich & Giffroy, 2006). Apesar das constantes críticas aos testes comportamentais, estes foram introduzidos no século passado e são muito aceites na pesquisa da personalidade 50 animal (Slabbert & Odendaal, 1999; Taylor & Mills, 2006) sendo vantajosos no estudo de respostas dos animais perante desafios ambientais, de forma controlada (Manteca & Deag, 1993). Os testes comportamentais, também, podem ser uma experiência positiva para o cão, particularmente se contiverem elementos de brincadeira e contacto social, podendo assim contribuir para a socialização ou treino do animal (Taylor & Mills, 2006). 2.12.3- Medidas de testes Martin & Bateson (2007) identificaram três medidas específicas (confiabilidade, validade e viabilidade) que determinam a qualidade do teste comportamental, se é uma medida boa, certa e útil (Taylor & Mills, 2006). Além disso, os testes comportamentais deverão ser uniformizados, fáceis de executar e quando publicados estarem acompanhados de evidência estatística apropriada que suporte as suas afirmações específicas (Diederich & Giffroy, 2006). 2.12.3.1- Confiabilidade A confiabilidade é o parâmetro que permite determinar que uma medida que é repetida é consistente, ou seja, livre de erros aleatórios. É extremamente importante para a determinação da validade de um teste, pois sem confiabilidade não há validade. Divide-se em três parâmetros: confiabilidade intra-observador, interobservador e teste-repetição (Martin & Bateson, 2007). Os observadores podem ser considerados como instrumentos para medição do comportamento e tal como eles podem ser parciais ou imprecisos, bem como as avaliações que fazem (Martin & Bateson, 2007). A confiabilidade intra-observador (ou consistência do observador) descreve a probabilidade de um único observador obter resultados consistentes quando mede o mesmo parâmetro em diferentes ocasiões. Para aceder à confiabilidade intraobservador o observador mede exactamente a mesma amostra de comportamento em duas ou mais ocasiões separadas, geralmente através da gravação por vídeo e posterior análise (Martin & Bateson, 2007). 51 A confiabilidade inter-observador permite descrever se dois ou mais observadores obtém resultados semelhantes quando medem o mesmo parâmetro simultaneamente. Existem diversos factores que podem afectar a confiabilidade, nomeadamente, a prática e experiência do observador, a frequência de ocorrência do comportamento (se for rápido será mais difícil registar) a fadiga do observador e a adequação da definição dos parâmetros a medir (Martin & Bateson, 2007). A confiabilidade teste-repetição avalia a probabilidade de o cão se comportar da mesma forma quando o mesmo teste é conduzido em outra ocasião, para identificar comportamentos estáveis ao longo do tempo (Martin & Bateson, 2007). Isto deve ser feito através da repetição dos ensaios, mesmo sendo logisticamente mais complexo, em cães dentro de curtos períodos de tempo, durante o qual as mudanças na personalidade não são esperadas. Tem de se ter em conta os possíveis efeitos de habituação ou sensibilização no animal que podem afectar o comportamento (King et al., 2012) 2.12.3.2.- Validade A validade indica a probabilidade de uma medida realmente medir o que o investigador deseja medir e fornece informação que é relevante para as questões colocadas (Martin & Bateson, 2007). As avaliações de validade para testes de temperamento são carregadas de dificuldade porque é improvável que qualquer teste seja totalmente preditivo da reacção comportamental do cão em qualquer circunstância (Mornement et al., 2009). 2.12.3.3- Viabilidade A viabilidade determina se o procedimento de medição proposto é possível, praticável e se vale a pena (Martin & Bateson, 2007). 2.12.3.4- Uniformização A uniformização da metodologia é vantajosa no estudo do comportamento do cão, pois facilita a realização dos testes, a pontuação dos comportamentos, a interpretação e discussão dos resultados, a oportunidade de enfatizar os efeitos de 52 parâmetros, tal como o género, idade e raça no comportamento e poupa tempo (Diederich & Giffroy, 2006). Para uma melhor uniformização dos testes comportamentais, estes devem incluir de acordo com Taylor & Mills (2006): Objectivo da experiência; Identificação das variáveis em estudo; Condições da amostra (espécie, raça, género, idade); Escolha dos colaboradores; Identificação dos estímulos (tamanho e tipo de objectos, estímulos vivos); Escolha do local de teste (exterior, interior, local familiar ou não); Tempo de teste (período do dia, tempo entre testes); Tipos de medidas e Recolha e análise de dados. 2.12.3.4.1- Objectivo da experiência Aquando o desenvolvimento de um teste comportamental deve estabelecer-se qual o objectivo da experiência, qual a variável independente e medir o efeito em uma ou mais variáveis dependentes, enquanto se mantém todas as outras condições constantes. Deve ser estabelecido quais os comportamentos de interesse a medir e qual a função do teste para posteriormente através da literatura seleccionar quais os testes úteis para a determinação desses objectivos (Taylor & Mills, 2006). 2.12.3.4.2- Identificação das variáveis em estudo É recomendável incluir uma classificação descritiva, em cada protocolo de avaliação, das categorias comportamentais a serem medidas, de forma a permitir uma avaliação imparcial do comportamento e um nível constante de objectividade (Jacobs et al., 2003). Estas categorias devem ser claras, compreensíveis e não ambíguas (Martin & Bateson, 2007). 53 2.12.3.4.3-Condições da amostra Os animais a participar no teste deverão ser escolhidos ao acaso mas tendo em conta o género e idade, pois animais da mesma espécie podem comportar-se de formas diferentes (Martin & Bateson, 2007). Na literatura a maioria dos autores concorda em testar animais a partir de um ano de idade, uma vez que a maturidade social do animal é necessária para melhorar a viabilidade e confiabilidade do comportamento demonstrado no teste (Goddard & Beilharz, 1986; Wilsson & Sundgren, 1998; Love & Overall, 2001), porque animais muito jovens, que ainda não atingiram a maturidade sexual, são muito flexíveis no seu temperamento (Paroz et al., 2008), podendo corresponder pouco a reacções observadas numa situação semelhante, mais tarde (De Meester et al., 2008). A escolha da amostra pode passar pela preferência ou não de animais da mesma ninhada, dependendo do objectivo do estudo. Deverá haver conhecimento de que animais da mesma ninhada ou grupo podem ser mais (ou menos) semelhantes uns aos outros do que são a indivíduos em outras ninhadas ou grupos. Em estudos de comportamento social, interacções entre membros do mesmo grupo podem levar a problemas de independência, através de efeitos a curto prazo no seu comportamento (Martin & Bateson, 2007). O estado fisiológico do animal é outro factor a ter em conta, nomeadamente no que se refere ao cio e gestação em cadelas (Taylor & Mills, 2006). 2.12.3.4.4-Escolha dos colaboradores Alguns estudos indicaram que os animais reagem de forma diferente com base no género da pessoa que lida com eles (Wickens et al., 1995; McPherson & Bradshaw, 1998), pelo que esta deverá ser a mesma ao longo de todo o teste (Taylor & Mills, 2006). Esta situação poderá dever-se ao facto de os animais serem muito sensíveis a pistas subtis, inconscientemente dadas pelos humanos, influenciadas pelo comportamento ou linguagem corporal (Hennessy et al., 1998). 2.12.3.4.5- Identificação dos estímulos Num teste comportamental, tendo em conta os objectivos, devem ser definidos os estímulos necessários, podendo estes ser de vários tipos. Os estímulos sociais são 54 utilizados para medir a capacidade dos cães em aceitar a proximidade e relacionarem-se com conspecíficos-socialização intra-específica ou com outras espécies vivas- socialização interespecífica (Beaver, 1994). A utilização de gravações vídeo, ou animais artificializados, têm muitas das vantagens da utilização de um animal vivo, não sendo influenciados pelo animal testado. No entanto, podem reduzir as respostas deste. Animais vivos são o estímulo mais rico e natural, mas têm alguns potenciais inconvenientes. Primeiro, os animais estimuladores são susceptíveis de interagir com o indivíduo do teste, tornando-se difícil saber, precisamente quais as características do estímulo que influenciaram a escolha do indivíduo (Martin & Bateson, 2007). Esses animais deverão permanecer afastados do local da realização do teste, de forma a evitar perturbar o animal a ser testado, por este se aperceber da sua presença. Em casos particulares são utilizados animais de outras espécies como estímulo social para despoletar o comportamento predatório (Diederich & Giffroy, 2006). Algumas críticas são feitas à utilização de alguns objectos nos testes como não pertencentes à vida normal dos cães (Taylor & Mills, 2006). Contudo, alguns já foram testados e considerados ferramentas válidas, há que ter em conta também que todos os dias os cães são confrontados com estímulos estranhos de todos os tipos (De Meester, et al., 2008). 2.12.3.4.6- Escolha do local de teste O problema de estudar o comportamento num ambiente natural significa que o trabalhador de campo tem de se focar especialmente nos compromissos que são inevitáveis em toda a pesquisa entre o que é ideal e o que é praticável. Transferir um animal do seu ambiente doméstico para um ambiente estranho de forma a observá-lo poderá romper o seu comportamento consideravelmente, devendo estes estarem habituados à situação do teste antes de os dados serem recolhidos (Martin & Bateson, 2007). O estudo do comportamento animal em ambientes exteriores pode ser influenciado por diversos factores, nomeadamente as condições meteorológicas (temperatura, vento, chuva) e barulhos altos, que podem influenciar o comportamento individual do teste, podendo estes ser dificilmente evitados (Martin & Bateson, 2007). 55 O estudo num espaço fechado, num interior de um edifício, ajuda a minimizar a variação dos estímulos ambientais, embora induza outras condições como as variações da temperatura do ar ou sons provenientes do exterior, podendo, também, influenciar o comportamento (van den Berg et al., 2003; De Meester et al., 2008). No Regulamento Nacional de Provas para Cães Pastores (2009), as provas poderão efectuar-se em quaisquer condições climatéricas, desde que haja o consentimento dos Juízes, podendo pressupor-se que partem do princípio que estes animais não serão afectados pelas condições atmosféricas para o bom desempenho das suas funções. 2.12.3.4.7-Tempo de teste Os animais não são igualmente activos durante o período de 24 horas, por isso a quantidade de actividade vista irá depender do período do dia no qual os comportamentos são observados. Se houver necessidade em testar animais em diferentes alturas do dia e pretender-se eliminar a possibilidade de o tempo de testagem causar, o que pode ser revelado como diferenças entre grupos experimentais e de controlo, deverá ser assegurado que iguais números de indivíduos de ambos os grupos são testados de manhã e à tarde (Martin & Bateson, 2007). É difícil fazer recomendações acerca do período de tempo que deverá decorrer entre testes, devido à falta de literatura enunciando esta medida. Claramente que o primeiro teste não deverá decorrer logo a seguir ao outro de forma a aumentar a possibilidade de algum sentido de novidade referente ao segundo teste (De Palma et al., 2005). Deverá haver cuidado na observação das reacções aos estímulos para que o tempo durante o qual o animal é sujeito ao estímulo seja igual ao início da observação, senão poderão afectar os resultados (Diederich & Giffroy, 2006). 2.12.3.4.8- Tipos de medidas A avaliação nos testes comportamentais da reacção do cão é registada de uma forma uniforme, através de dois métodos: codificação do comportamento ou escalas de avaliação comportamental (Miklósi, 2007; Svartberg, 2007). A codificação do comportamento foca-se em factores como a presença, frequência, duração ou latência nos comportamentos individuais (Hennessy et al., 2001; Christensen et al., 2007). As escalas de avaliação comportamental agrupam os comportamentos numa dimensão 56 pré-definida, como a agressão, e depois definem cada nível dentro desta (Netto & Planta, 1997; Svartberg & Forkman, 2002). A escolha das medidas é algo a ter em consideração para descrever o comportamento do cão. São vários os métodos de medição, desde a tentativa de contar todas as respostas comportamentais, colocar a reacção do cão numa escala qualitativa ou ordinal, ou avaliar subjectivamente o cão numa série de características. As escalas qualitativas ou ordinais necessitam de avaliar de forma precisa as reacções demonstradas, pelo que um pequeno número de categorias, como por exemplo duas, poderá não representar toda a variabilidade do comportamento do cão (Martin & Bateson, 2007). Assim, a utilização de uma escala de cinco categorias, com uma ordem crescente de intensidade de reacção parece adequado para cobrir uma série de reacções comportamentais (Taylor & Mills, 2006) 2.12.3.4.9- Recolha e análise de dados A complexidade do comportamento canino significa que o desenvolvimento de dispositivos precisos de medição é desafiador. O comportamento pode ser registado utilizando uma câmara vídeo, descrições escritas, ditadas ou verbais, dispositivos de gravação automáticos, folhas de registo e gravadores de eventos do computador. A preparação dos dados em folhas de registo torna mais fácil a observação e posterior análise de dados, que deverá utilizar ferramentas apropriadas para análise das mesmas (Martin & Bateson, 2007). 2.13- O cão Barbado da Terceira O cão Barbado da Terceira constitui uma população canina autóctone dos Açores, mais particularmente, da ilha Terceira. Foi utilizado desde sempre na condução de gado bovino existente na ilha, com especial destaque para o gado bravo, guarda de bens e propriedades e mais recentemente como cão de companhia (AACCBIT, 2007). Assim sendo, poderão destacar-se três aptidões no Barbado: cão de pastoreio, nomeadamente um heeler, cão de guarda e cão de companhia. O nome Barbado provém do tipo de pelagem que apresenta, com especial saliência nos pêlos na mandíbula e queixo, que se assemelham a “barbas”. É 57 caracterizado por ser um cão rústico, capaz de viver ao ar livre, em climas de chuvas frequentes e muita humidade (AACCBIT, 2007). Pertence ao grupo 1, cães boieiros, sendo a 10ª raça nacional, com estalão provisório reconhecido a 13 de Novembro de 2004 (AACCBIT, 2007). Este reconhecimento só foi possível, porque desde a década de 1990, foi dado início ao levantamento da população de cães Barbados, por alguns criadores e entusiastas, e foram realizados alguns trabalhos científicos com a finalidade de comprovar a existência de um núcleo populacional com uma homogeneidade satisfatória (Oliveira, 1998; Rocha, 2002). A criação da Associação Açoriana dos Criadores dos cães Barbados da Ilha Terceira (AACCBIT), a 29 de Maio de 2001, foi um passo importante para a luta pela criação desta raça (AACCBIT, 2007). 2.13.1- Origem do Barbado da Terceira A origem dos primeiros animais que vieram para os Açores é disputada por historiadores e técnicos (Bettencourt, 1923). No entanto, sabe-se que aquando a descoberta dos Açores, por volta de 1427, estes possuíam uma vegetação densa, de difícil penetração, sem a existência de mamíferos. Assim, para a desbravar lançaram gado na orla marítima das ilhas que se tornara bravio, aquando o início do povoamento, em 1439. Nesta altura já abundavam manadas de gado doméstico em liberdade e, por isso, houve a necessidade de as recolher e conduzir, tendo sido utilizados cães de pastoreio (Teves, 1995). Oliveira (1998) propõe duas hipóteses para a origem do Barbado da Terceira. Numa primeira hipótese refere que poderá ser descendente de cães de caça trazidos pelos colonizadores de toda a Europa, em virtude da abundância de gado bravo nos Açores, referindo o Barbet e diversas raças Griffon como possuidoras de características morfológicas semelhantes ao animal em questão. A necessidade de cães de pastoreio, adaptados à região, teria levado os colonos a efectuarem cruzamentos sucessivos dessas raças, tendo por fim originado o actual cão boieiro. Esta teoria é corroborada por um estudo de van Asch et al. (2005) que evidenciou que o cão de gado açoriano não partilhou quaisquer haplótipos com os cães de Portugal Continental estudados, mas principalmente, com cães do Norte da Europa, sugerindo assim uma possível descendência maternal de lá. A segunda hipótese, 58 referida por Oliveira (1998), propõe que o Barbado poderá ser descendente de cães pastores, de média estatura, existentes por toda a Europa, em zonas de altitude, como o Pastor dos Pirinéus, o Pastor Catalão, o Pastor de Brie, o Pastor Bergamasco, o Collie Barbudo, o Bobtail, o Boieiro das Ardenas, o Boieiro de Flandres e o Cão da Serra de Aires. Cruz (2007) considera esta a hipótese mais realista devido à proximidade da morfologia e funcionalidade dessas raças com a do Barbado da Terceira. Rocha (2002) evidenciou no seu estudo uma base genética muito próxima entre o Barbado da Terceira e o Cão de Fila de S. Miguel o que, segundo Cruz (2007), poderá indicar uma possível origem comum destas duas raças, dada a história semelhante da colonização das ilhas açorianas. 2.13.2- Selecção do Barbado da Terceira O interesse pela selecção do cão Barbado da Terceira começou na década de 70, quando algumas pessoas começaram a criar estes cães, para familiares e amigos, e no final da década de 80 já havia criadores a vender, verificando-se um aumento da procura (AACCBIT, 2007). A divulgação e o crescente interesse que o Barbado da Terceira tem despertado levou à sua expansão e procura, na região e em todo o território nacional e estrangeiro. Isto torna-se um desafio aos criadores, exigindo que as qualidades inerentes à raça sejam mantidas, sem que haja degeneração e empobrecimento genético, devendo existir um programa de melhoramento cuidado (Monteiro, 2010). Segundo este mesmo autor, a população de cães Barbados da ilha Terceira continua a manter variabilidade genética suficiente, de forma a evitar a consanguinidade na raça. Contudo, deverá escolher-se cuidadosamente os reprodutores de forma a se conseguir uma maior heterozigocidade na raça, bem como equilibrar a quantidade de filhos por reprodutor. 2.13.3- Morfologia do Barbado da Terceira O cão Barbado da Terceira é um cão de médio a grande porte, com um corpo forte e bem musculado, coberto de pêlo comprido, abundante e ondulado. O comprimento do corpo é ligeiramente superior à altura ao garrote, o que o torna um 59 cão sub-longilíneo e o comprimento do crânio é ligeiramente superior ao comprimento do chanfro (AACCBIT, 2007) A morfologia do Barbado da Terceira, presente no estalão da raça, é apresentada abaixo, bem como os defeitos (Quadro 1) -qualquer desvio em relação ao estalão, que põem em causa (defeitos graves) ou excluem o animal da raça (defeitos eliminatórios). Quadro 1- Defeitos graves e eliminatórios (desqualificações) presentes no Estalão provisório do cão Barbado da Terceira. Defeitos graves Trufa Almarada Chanfro Pontiagudo e estreito Pelagem Pêlo mole e sem subpêlo. Com malhas para além das áreas definidas Altura Excessiva (acima de 60 cm) ou diminuta (abaixo dos 48 cm) Andamentos Movimentos sem alcance e propulsão Defeitos eliminatórios (Desqualificações) Maxilas Prognatismo. Endognatismo Olhos Total ou parcialmente azuis Pelagem De cor castanha ou mosqueada Cabeça: Forte, sólida e proporcional ao corpo. As linhas craniofaciais superiores são paralelas. O comprimento do crânio é ligeiramente superior ao comprimento do chanfro. Região craniana Crânio: Tamanho médio, ligeiramente abaulado. A depressão longitudinal mediana começa aproximadamente no terço posterior do chanfro, prolongando-se até metade do crânio. Arcadas supraciliares não salientes. A crista occipital é marcada. Chanfradura Nasal (Stop): Pouco pronunciada. 60 Região Facial Trufa: Grande, cúbica e recta. Bem pigmentada de cor negra admitindo-se o castanho nas pelagens amarelas e branco sujo. Chanfro: Forte, cilíndrico e recto na sua linha superior. É largo com faces laterais paralelas. Maxilares bem desenvolvidos. Lábios: Firmes, grossos e bem pigmentados. Comissura labial pouco evidente. Dentes: Fortes, sólidos, com caninos bem desenvolvidos. A dentição articula em tesoura ou em pinça. Faces: Secas de pele aderente Olhos: Tamanho médio, com posicionamento semi-frontal, horizontal, de formato oval, expressivo e inteligentes. Cor de mel a castanho-escuro. Pálpebras bem pigmentadas. Orelhas: Inserção média a alta, triangulares, de tamanho médio. Pendentes, quebradas e bem revestidas de pêlo. Têm mobilidade de porte e em atenção levantam na base e dobram para a frente. Pescoço: Médio, sólido e bem musculado. Bem implantado nos ombros, suportando a cabeça com dignidade. Tronco Linha superior: Recta e horizontal. Dorso: Largo, flexível e bem musculado. Lombo: Curto e bem unido à garupa. Garupa: Robusta e ligeiramente descaída. Peito: Largo e profundo, chegando aos codilhos. Costelas bem arqueadas, com boa capacidade torácica. Linha inferior e ventre: Ascendente com ventre ligeiramente recolhido. Garrote: Largo, proporcionando uma boa ligação da linha do pescoço com a linha do dorso. Altura ao garrote Machos- 52 a 58 cm Fêmeas- 48 a 54 cm 61 Membros Membros anteriores: Verticais de ossatura larga, bem musculados e bem aprumados. Espáduas: Bem desenvolvidas e oblíquas. Angulação escapulo- umeral: Aberta. Braços: Forte, com os codilhos aderentes ao corpo. Antebraços: Verticais. Carpos: Fortes. Metacarpos: Ligeiramente inclinados. Mãos: Grandes e ovais com dedos bem arqueados e almofadas plantares grossas e resistentes. Unhas fortes. Membros posteriores: Robustos e bem musculados. São bem angulados, denotando grande capacidade de impulso. Coxas: Bem desenvolvidas e bem musculadas. Pernas: Compridas. Bem desenvolvidas. Angulação fémuro-tibial: Fechada. Tarsos: Fortes. Metatarsos: Fortes, em posição praticamente vertical com jarretes curtos. Pés: Ovais, dedos bem unidos e arqueados com membrana interdigital não muito pronunciada, podendo apresentar presunhos. Cauda: Implantação média a baixa. Encurtada até à terceira vértebra ou inteira de tamanho médio, sem ultrapassar o curvilhão. Em repouso a cauda cai e encurva na parte inferior. Admitem-se anuros. Pele: Fina, pigmentada e aderente. Pelagem: Comprida, farta, ligeiramente ondulada, nem lisa nem encaracolada, com subpêlo abundante em todo o corpo. Admite-se a tosquia de trabalho encurtando o pêlo uniformemente, devendo esta apresentação ser a utilizada em exposições de beleza. Pêlo: Forte, ligeiramente grosseiro mas não áspero. Abundante em toda a cabeça, no focinho e sobre os olhos, onde cai para a frente. Farto na zona mandibular, 62 originando as barbas de onde lhe advém o nome. Nos membros o pêlo é abundante, inclusive entre os dedos. Abundante na cauda até à ponta. Coloração: Amarelo, cinzento, preto, fulvo e lobeiro nas tonalidades claro, comum e escuro, podendo ser manalvos, pedalvos, quadralvos, com frente aberta, encoleirados e com malhas brancas no peito, ventre e ponta da cauda. Peso: Machos- 25 a 30 Kg; Fêmeas- 21 a 26 Kg. Os cães machos deverão apresentar os dois testículos, de aparência normal, bem descidos no escroto. Todo o cão que apresentar um desvio em relação ao estalão deve ser considerado como falta e penalizado na exacta proporção da sua gravidade e das suas consequências na saúde e bem-estar do cão (AACCBIT, 2007). 2.13.4- Andamentos do Barbado da Terceira O Barbado da Terceira deverá ter andamentos ágeis e com boa impulsão, permitindo bruscas mudanças de direcção e transição de movimentos, por vezes, necessárias na condução do gado. O passo deverá ser ligeiramente bamboleante, o trote elástico com bom alcance e suspensão e o galope enérgico e rápido (AACCBIT, 2007). 2.13.5- Comportamento do Barbado da Terceira O Barbado da Terceira é conhecido como sendo um cão companheiro e fiel ao dono, criando com este, laços de dependência e afectividade muito fortes. É inteligente, obediente, tornando-se fácil ensiná-lo, alegre, meigo e voluntarioso (AACCBIT, 2007). A timidez e agressividade são consideradas defeitos graves, relativamente ao comportamento e carácter da raça, descritos no Estalão da mesma, sendo penalizados os animais que assim o sejam (AACCBIT, 2007). 63 III- Materiais e Métodos 3.1- Caracterização da amostra A amostra seleccionada para participar na metodologia do inquérito informativo (Anexo VII.1) e do Canine Behavioral Assessment and Research Questionnaire-CBARQ (Anexo VII.2) foi constituída por animais registados na Associação Açoriana dos Criadores dos Cães Barbados da Ilha Terceira (AACCBIT) e possuidores de mais de um ano de idade. O género, estado fisiológico e proveniência não foram considerados como factor de desclassificação dos cães. Dos 129 inquéritos disponibilizados a donos de Barbados obteve-se um feedback de 52%, assim a amostra ficou composta por 67 cães Barbados da ilha Terceira, dos quais 38 (56,7%) eram machos e 29 (43,3%) eram fêmeas, maioritariamente (85,1%) não esterilizados, ovariohisterectomizados e orquiectomizados. A idade média dos animais em estudo foi de 3,3 ± 2,41 anos (Figura 11), com uma maior percentagem de cães com 1 ano de idade, 26,9% (Anexo VII.3.1). Figura 11- Histograma da distribuição de frequências da idade dos Barbados que participaram nos questionários. A amostra seleccionada para participar no ensaio comportamental, de forma semelhante à anterior, foi constituída por animais registados na AACCBIT e com idades entre um e seis anos (Anexo VII.3.2). Os animais tinham de ser inteiros, 64 saudáveis e, no caso das fêmeas, não gestantes nem em cio. A amostra ficou composta por 24 animais, dos quais 11 (45,8%) eram machos e 13 (54,2%) eram fêmeas, com uma idade média de 3,4 ± 1,71 anos (Figura 12). Figura 12- Histograma da distribuição de frequências da idade dos Barbados que participaram no ensaio comportamental. As amostras em ambas as metodologias foram mais pequenas do que aquilo que se pretendia, tendo em conta que segundo a presidente da AACCBIT (Engª. Paula Lima; comunicação pessoal), existem cerca de 1000 Barbados inscritos na Associação. Assim, a amostra dos inquéritos, informativo e C-BARQ, bem como do ensaio comportamental só corresponde, respectivamente, a 6,7 e 2,4% desses cães. No entanto, não foi possível aumentar o número de animais em estudo devido a restrições de tempo, dificuldade em arranjar proprietários dispostos a participar, cancelamentos à última hora de donos que por diversos motivos não compareceram no ensaio e preenchimentos de apenas um dos questionários ou parte de um destes impossibilitando a sua análise posterior. 65 3.2- Inquérito informativo e C-BARQ 3.2.1- Desenvolvimento e constituição dos inquéritos O inquérito informativo sobre o canídeo foi adaptado de um questionário do Institute of Animal Genetics, Nutrition and Housing, da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Berna, sobre um teste comportamental do clube do Pastor Alemão na Suíça (Fuchs et al., 2005), e de um inquérito do Centro para cães de abrigos de um programa de resgate de animais da liga de Boston (Incoming dog profile, s/data). O inquérito informativo teve como objectivos recolher dados sobre os cães em estudo e conhecer as suas histórias pregressas, por forma a relacioná-los com outros factores do C-BARQ e assim melhor compreender os seus comportamentos. É constituído por quatro secções: identificação do canídeo; vivência do animal, englobando esta a experiência do dono e aquisição do cão e o ambiente e socialização do cão; higiene e estado sanitário. A identificação do canídeo permitiu determinar a idade média dos animais em estudo, o género, o estado fisiológico e a aptidão. A vivência do animal englobou várias informações relativas à aquisição do cão e o motivo para esta, a socialização do animal e alguma descrição do dia-a-dia do mesmo. Quanto à higiene e cuidados prestados ao animal, tão importante para determinar o empenho e preocupação dos donos, foram efectuadas algumas abordagens a estes relativamente a temáticas como o banho, tosquia, corte de unhas e escovagem. O estado sanitário permitiu conhecer o quanto o animal está habituado a ir ao veterinário. O C-BARQ utilizado foi traduzido a partir do original que o seu autor, James Serpell, cedeu via correio electrónico. Este questionário é composto por 101 questões subdivididas em várias secções, nomeadamente: treino e obediência, agressão, medo e ansiedade, comportamentos relacionados à separação, excitabilidade, vinculação e comportamentos para chamar atenção e diversos. Para posterior avaliação dos resultados reagrupou-se as questões por traços de personalidade, conforme será referido posteriormente. De forma semelhante ao estudo de Fuchs et al. (2005) e Svartberg (2005), o objectivo dos questionários foi conhecer vários factores acerca do cão e associá-los mais tarde com o resultado do ensaio, comparando as reacções comportamentais dos 66 animais neste com o seu comportamento do dia-a-dia descrito pelo dono, por forma a validar o teste. 3.2.2- Recolha dos dados Os donos de cães Barbados da ilha Terceira, inscritos na AACCBIT, foram contactados pessoalmente, aquando da monográfica e via telefone. Dez proprietários preencheram os inquéritos em papel e os restantes cederam os seus contactos de correio eletrónico para onde os questionários foram posteriormente enviados para preenchimento online. Os donos foram informados que tinham de responder aos inquéritos, com base nos comportamentos apresentados pelo cão, naquelas situações específicas, nos últimos três meses. Para categorias nas quais as respostas eram mais rapidamente avaliadas em termos de frequência de um comportamento particular (treino e obediência, comportamentos relacionados com a separação, vinculação e comportamentos para chamar atenção e diversos) foi pedido aos donos para pontuarem os seus cães em classes de frequência de nunca, raramente, às vezes, quase sempre e sempre. Para posterior análise estatística, estas fizeram-se corresponder a uma escala, em que 0=nunca, 1=raramente, 2=às vezes, 3=quase sempre e 4=sempre, na maioria das questões, exceptuando a questão 5,6 e 7 em que a ordem era invertida, sendo 0= sempre e 4=nunca. Para categorias nas quais as respostas eram mais rapidamente avaliadas em termos de intensidade de comportamentos particulares (agressão, medo e ansiedade e excitabilidade) foi requerido aos donos que avaliassem os seus cães com uma escala qualitativa de cinco pontos, em que 0=sem sinais do comportamento, 1-3=sinais de comportamento fraco a moderado e 4=sinais severos do comportamento. Cada sessão do questionário incluía um breve texto introdutório para orientação dos donos. Caso o comportamento do cão perante uma situação em particular não fosse conhecido ou se o item não fosse aplicável ao animal por algum motivo, os donos poderiam não responder, sendo estes considerados na análise como perdidos. 67 3.3- Ensaio comportamental 3.3.1- Delineamento O teste comportamental utilizado foi adaptado de outros testes já existentes, nomeadamente, o Dog Mentality Assessment- DMA (Svartberg & Forkman, 2002), o Socially Acceptable Behavior-SAB (Planta & De Meester, 2007), o Sue Sternberg’s Assess-a-pet (Mornement et al. 2009) e o teste da Royal Society for the Protection of Cruelty to Animals- RSPCA (Poulsen et al., 2010). É composto por 16 subtestes com 47 variáveis comportamentais que foram reagrupadas, para efeitos de análise dos resultados, nos traços de personalidade correspondentes. 3.3.2- Localização A escolha do local de realização do ensaio comportamental teve em conta alguns critérios de selecção, nomeadamente: ser um espaço aberto, natural e semelhante a um jardim onde os Barbados passeariam; ser um local próximo da cidade, de fácil acesso aos donos; ter algum isolamento para minimizar ao máximo ruídos externos, como sons de outros animais, pessoas ou tráfego; ter alguma forma de abrigo no caso de as condições ambientais não serem as mais favoráveis; ser um local com uma temperatura amena e que permitisse alguma protecção ao vento e possuir zonas mais afastadas onde fosse possível colocar os animais envolvidos no ensaio, que serviriam de estímulo em alguns dos subtestes, minimizando assim a possibilidade de contacto anterior com os Barbados. O ensaio comportamental foi realizado num espaço exterior pertencente à Associação Cristã da Mocidade (ACM), na Terra-Chã. Optou-se por o fazer sempre no mesmo local, pelas boas condições do mesmo mesmo. 68 3.3.3- Selecção dos colaboradores e estímulos Os donos dos cães Barbados da ilha Terceira que participaram no ensaio foram contactados via telefone, tendo-lhes sido explicado o tipo de estudo, sem ser revelado o objectivo final. O dono que acompanhava o Barbado tinha de ser sempre o mesmo ao longo do teste e da sua repetição e deveria manter-se calmo ao longo dos vários subtestes, para não influenciar o comportamento do cão. Só podia falar com o animal nos subtestes que assim o exigissem e não podia colocar tensão ou bloquear a trela extensível aquando a realização dos mesmos. O dono era responsável pelo animal vir em jejum, para que quisesse comer quando lhe fosse colocada a comida, que o dono trazia de casa e à qual o cão estava habituado. Além disso os donos deveriam trazer o seu animal com coleira e trela extensível, e minimizar o contacto do seu cão com os estímulos do ensaio antes e depois da realização do mesmo. Para minimizar as interrupções ao longo do teste e a sua repetição os proprietários levavam os seus cães a passear antes para que estes urinassem e defecassem. Os donos não foram informados do objectivo de cada um dos subtestes do ensaio para que não reagissem de forma pouco natural e de acordo com aquilo que julgavam ser o que era pretendido. Os assistentes do ensaio foram as pessoas responsáveis por permitir que cada estímulo dos subtestes funcionasse da melhor forma. Cada um participou em subtestes diferentes como estranhos ao animal e por isso não podiam ser pessoas que os animais em estudo conhecessem, nem podiam desenvolver com eles uma relação ou manifestar ansiedade ou medo. Quando não participavam como estímulo no ensaio eram responsáveis pela preparação de cada subteste ou por filmarem-no, sempre escondidos de forma a minimizar a influência da sua presença nos resultados. No ensaio comportamental participaram sempre os mesmos dois assistentes, um homem e uma mulher, que reuniam as condições exigidas, estavam à vontade na presença de cães e com os quais os outros animais que serviam de estímulo se davam bem. O observador foi a pessoa responsável pela avaliação do comportamento dos cães Barbados em estudo e registo dos dados. Não podia ser uma pessoa que o Barbado conhecesse, permaneceu sempre o máximo possível escondido mas de forma a poder observar as reacções comportamentais do animal e foi responsável por guiar os donos durante os subtestes. 69 Relativamente aos estímulos para averiguar a socialização do Barbado, optou-se por se escolher estímulos naturais, ou seja, animais reais. Quanto aos cães, estes teriam de ser desconhecidos dos Barbados, de outra raça, com aproximadamente o mesmo tamanho dos animais em estudo e com um temperamento amigável. Para este ensaio escolheu-se um cão de um dos assistentes e uma cadela da Associação dos Amigos dos Animais da Ilha Terceira (AAAIT). Relativamente ao gato, este teria de ser desconhecido dos Barbados em estudo, e não sendo fácil encontrar um que estivesse confortável ao pé de cães, optou-se por utilizar o gato de um dos assistentes do ensaio. Os animais permaneceram afastados do local do ensaio de forma a só aparecerem aquando do subteste em que serviriam de estímulo. 3.3.4- Condições do ensaio Os cães Barbados foram sujeitos ao mesmo teste comportamental, duas vezes no mesmo local, com a mesma ordem e com a mesma equipa de forma a uniformizar o teste, a minimizar a influência de pessoas estranhas e a verificar a consistência do comportamento dos animais. O ensaio decorreu durante os meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2011 e durou 10 dias, com um intervalo de um mês entre o teste e a repetição. Cada ensaio tinha a duração aproximada de uma hora para cada Barbado, e os cães foram testados em diferentes períodos do dia, uma vez que os animais não são igualmente activos durante o período de 24h. Assim, os cães que foram testados de manhã (8-12h) no teste, após um mês, na sua repetição foram testados à tarde (1317h). Os subtestes do ensaio foram realizados, na sua maioria, sem interrupções, excepto o tempo necessário para a passagem de um subteste para o outro. No entanto, devido à chuva forte que ocorreu em alguns dias de realização do teste, e sendo este realizado num espaço exterior, teve de se efectuar algumas paragens. O setup do ensaio foi feito antes de os donos e os cães iniciarem a testagem, de forma a não assistirem à sua montagem. O observador guiava os donos pelos vários subtestes através de um telemóvel e auricular por forma a minimizar a influência de uma pessoa estranha nos comportamentos que o animal manifestaria. Idealmente os animais deveriam ter sido familiarizados com o espaço antes do ensaio comportamental. Contudo, devido à falta de tempo associada e outras dificuldades não foi possível realizar isso. 70 Tentou-se minimizar todo o tipo de influências externas, desde a escolha de um local adequado, à escolha de assistentes com as características desejadas, bem como à uniformização de todas as outras condições. 3.3.5- Descrição do teste comportamental 1. Vinculação e comportamento de procura de atenção O cão foi amarrado pela coleira a um poste com uma linha de segurança de aproximadamente 1 metro, estando o dono fora do seu alcance visual bem como qualquer outra pessoa envolvida no ensaio. Ele foi deixado sozinho durante cerca de 1 minuto (Figura 13), passado o qual apenas o dono apareceu e deu-lhe alguma atenção durante mais ou menos 20 segundos. Findo esse tempo o dono permaneceu quieto sem fazer contacto visual nem comunicar de outra forma com o Barbado, mas próximo deste, durante aproximadamente 1 minuto, ao fim do qual se foi embora. Figura 13- Postura corporal do cão perante a variável da situação passiva. 2. Agressividade por dominância O cão permaneceu amarrado e foi-lhe colocada comida, a seu gosto e à sua disposição, pelo dono quando se ia embora no subteste 1. Logo de seguida o estranho 1 com uma mão artificial (cabo de madeira envolvido com tecidos para dar volume ao braço, onde na ponta estava presa por uma corda uma luva de pano) tentou 71 remover a comida ao Barbado (Figura 14). A reacção do animal foi analisada e posteriormente, depois de o estranho 1 se afastar do campo visual do cão, o dono aproximou-se e tentou remover a comida da mesma forma já descrita. Figura 14- Reacção do Barbado aquando a remoção da comida pelo estranho. 3. Sociabilidade com uma pessoa estranha O cão estava a passear à trela com o seu proprietário, tendo-se depois aproximado o estranho 2 (Figura 15) que apenas cumprimentou o dono, apertandolhe a mão de forma calma e pausada e mantendo uma conversa com ele, ignorando assim o Barbado durante cerca de 2 minutos. De seguida cumprimentou o cão, dando-lhe atenção e festas, pegou na trela e deu um passeio curto com ele (aproximadamente 10 metros), mas sem o dono. Durante o passeio, quando estavam distanciados do proprietário do animal, o estranho parou e deu festas ao cão, levando-o depois de volta. Figura 15- Comportamento do cão perante a aproximação do estranho. 72 4. Interesse na brincadeira O Barbado encontrava-se solto e o dono convidava-o a brincar com uma bola (Figura 16), movimentando-a em frente a ele e atirando-a para o cão a ir buscar. Após este a agarrar, se estivesse disposto a tal, o dono enviava-a ao estranho 2 que estava posicionado aproximadamente a 4 metros de distância. Este atirava a bola ao dono e vice-versa até que o estranho lançasse o brinquedo para longe do cão (cerca de 10 metros), que estava livre para correr atrás e apanhá-lo. Figura 16- Reacção do animal aquando o convite para brincar do dono. 5. Coragem perante um som súbito Um assistente do ensaio com uma buzina escondeu-se a mais ou menos 20 metros do ponto de partida, onde o cão com trela e o dono estavam posicionados. O dono foi orientado a passear o animal, sem bloquear a trela extensível, e reagir passivamente aquando o toque da buzina, não interrompendo o comportamento do cão. Assim, após cerca de 30 segundos de passeio foi dado o primeiro toque, após o qual se seguiram outros dois. 6. Sociabilidade com um cão estranho O cão foi amarrado pela coleira a uma árvore com uma linha de segurança de cerca de 1 metro, estando o dono fora do seu alcance visual. Um cão não agressivo, com aproximadamente o mesmo tamanho, mas de raça diferente abordou o Barbado com o estranho 1 (Figura 17). Permaneceram em frente ao cão testado durante mais 73 ou menos 30 segundos e a cerca de 4 metros do ponto onde este estava amarrado. A pessoa que acompanhava o cão certificava-se de que não havia provocação deste ao Barbado. Figura 17- Observação do Barbado perante a aproximação de outro cão. 7. Comportamento predatório- presa Um peluche comprido tipo presa de, aproximadamente 40 centímetros, foi fixado a um cordão longo e fino, com cerca de 50-60 centímetros. O estranho 2 escondeu-se com a ponta da corda, de forma a poder puxá-la rapidamente, fugindo. O dono e o Barbado aproximaram-se do ponto de partida com a trela extensível não bloqueada e o objecto foi colocado em movimento pelo assistente (Figura 18), sendo o cão livre de correr atrás dele e agarrá-lo. Esta situação foi realizada duas vezes. Figura 18- Comportamento do cão aquando o afastamento do objecto. 74 8. Coragem perante um objecto desconhecido- boneco O boneco foi feito com duas ripas de madeira perpendiculares uma à outra, envoltas com tecido para dar volume e cobertas com um casaco comprido. A cabeça de tecido foi presa à ripa vertical com arame e nela foi colocado um chapéu. Amarrou-se uma corda comprida à ripa vertical, próxima à cabeça, para que o boneco pudesse ser puxado. Na posição inicial o boneco estava deitado no chão, e, portanto, não visível para o cão. O dono passeou o Barbado com a trela em direcção ao boneco, tendo sido este subitamente puxado, por um dos assistentes que estava escondido, quando o cão se encontrava a cerca de 2 metros do mesmo (Figura 19). O dono foi informado para não reagir e permanecer passivo durante aproximadamente 30 segundos, para dar oportunidade ao cão de abordar e investigar livremente o boneco. Caso o Barbado não abordasse o boneco sozinho, o dono aproximava-se do mesmo, tocava-lhe e chamava o cão para ele ir observar. De seguida, o proprietário voltava para trás com o animal e passava novamente próximo ao boneco. Figura 19- Reacção de sobressalto do Barbado perante o surgimento súbito do boneco. 9. Sociabilidade com pessoas estranhas O cão foi amarrado a um poste com uma linha de segurança de aproximadamente 1 metro onde o dono permaneceu ao pé do animal. Dois estranhos surgiram a correr em direcção ao local onde o Barbado estava preso, permanecendo a cerca de 2 metros deste durante mais ou menos 20 segundos sem olharem fixamente para o animal (Figura 20). Após esse tempo viraram-se e foram embora. 75 Figura 20- Postura corporal do cão aquando a aproximação das pessoas estranhas. 10. Sociabilidade com uma cadela desconhecida O cão permaneceu amarrado ao poste com uma linha de segurança de cerca de 1 metro, estando o dono fora do seu campo visual. Uma cadela não agressiva, com aproximadamente o mesmo tamanho, mas de raça diferente abordou o Barbado com o estranho 1 (Figura 21). Permaneceram em frente ao cão testado durante mais ou menos 30 segundos e a cerca de 4 metros do ponto onde este estava amarrado. A pessoa que acompanhava a cadela certificava-se de que não havia provocação desta ao Barbado. Figura 21- Comportamento do Barbado perante a aproximação da cadela. 76 11. Sociabilidade com uma pessoa desconhecida, vinculação e agressividade por dominância O cão permaneceu preso ao poste, da mesma forma que no subteste anterior. O estranho 2 andou em direcção ao cão, de forma calma e descontraída, olhou-o fixamente durante alguns segundos (Figura 22) e depois falou com ele de forma amigável e deu-lhe festas com a mão artificial, durante cerca de 20 segundos, tentando tocar-lhe na cabeça e corpo. Após esse tempo o dono aproximou-se e o estranho começou a falar alto e de forma agressiva com ele, gesticulando e mesmo até empurrando-o (Figura 23). Após aproximadamente 30 segundos de confronto, ambos se acalmaram e o estranho tentou tocar novamente no cão com a mão artificial durante 20 segundos, após os quais se afastou, indo o dono cumprimentar o Barbado (Figura 24). Figura 22- Postura corporal do cão diante o olhar fixo do estranho. Figura 23- Reacção do animal aquando o confronto entre o estranho e o dono. 77 Figura 24- Comportamento do Barbado perante o cumprimento do dono . 12. Coragem perante um objecto desconhecido- latas Um assistente do ensaio escondeu-se atrás de um muro segurando uma corda comprida à qual estavam presas várias latas. O dono e o cão passeavam calmamente e ao chegarem próximo da corda esta foi puxada e largada, deixando as latas caírem em cima de uma placa de metal, que permitiu a criação de um barulho súbito (Figura 25). Quando isto aconteceu o dono foi informado de que deveria não causar tensão na trela e permanecer passivo durante aproximadamente 30 segundos, o que daria tempo ao cão de abordar e investigar livremente a fonte do barulho (Figura 26). Se o Barbado não abordasse as latas sozinho o dono apoiaria o cão, para isso aproximavase da folha de metal e tocava nela, chamando de seguida o cão para investigar. De seguida o proprietário voltava para trás com o animal e passava novamente próximo às latas. Figura 25- Reacção de sobressalto do animal diante o som súbito causado pelas latas. 78 Figura 26- Comportamento de exploração do Barbado após a reacção de sobressalto. 13. Sociabilidade com um gato O cão foi levado a passear pelo dono e aproximaram-se a cerca de 0,5 metros de distância de uma jaula que tinha o gato (Figura 27), permanecendo lá perto mais ou menos 15 segundos, findo os quais se foram embora. Figura 27- Postura corporal do cão perante a aproximação à jaula do gato. 14. Comportamento predatório- carro telecomandado O dono estava a passear o Barbado de trela, quando surgia de repente um carro telecomandado por um dos assistentes (Figura 28). O cão era livre de correr atrás do carro e agarrá-lo. Esta situação foi realizada duas vezes. 79 Figura 28- Comportamento do cão aquando o afastamento do carro telecomandado. 15. Focalização no treino O dono iniciava uma actividade com o Barbado, estando este solto, podendo ser uma brincadeira, e após cerca de 30 segundos dava-lhe uma ordem que ele conhecesse (Figura 29). Na eventualidade de não ser cumprida ele só podia repetir até 5 vezes a mesma ordem. Figura 29- Reacção do Barbado perante a ordem dada pelo dono. 16. Sensibilidade ao toque O Barbado estava solto com o dono ao lado e o observador aproximou-se do cão e começou a tocar-lhe no corpo todo (Figura 30), examinou-lhe os dentes, as orelhas, 80 a cauda e posteriormente, colocou-o numa posição submissa, de barriga para cima e manteve-o assim durante cerca de 15 segundos (Figura 31). Figura 30- Comportamento do animal aquando a manipulação física. Figura 31- Capacidade de submissão do Barbado. 3.4- Registo de dados As reacções comportamentais do cão foram pontuadas pelo observador e, dentro do possível, livres de opiniões subjectivas e de acordo com uma escala de intensidade pré-definida de 1 a 5 (pontuação baixa = intensidade baixa), conforme descrito abaixo: 1. Vinculação e comportamento de procura de atenção 1- Situação passiva: pontuado desde “apresenta um comportamento muito calmo” (1) a “apresenta-se muito inquieto à procura do dono” (5). Descrição do comportamento do animal ao ser deixado sozinho. 81 2- Reacção ao cumprimento do dono: pontuado desde “apresentação de um comportamento muito calmo” (1) a “cumprimento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Reacção do cão ao ver o dono. 3- Actividade: pontuado de “não activo” (1) a “comportamento activo com alternância de vários modos de actividade” (5). 2. Agressividade por dominância 4- Reacção aquando a remoção da comida pelo estranho: pontuado desde “mostrou-se extremamente agressivo, chegando a morder” (1) a “comportamento amigável” (5). Descrita durante a remoção da comida pelo estranho. 5- Reacção aquando a remoção da comida pelo dono: pontuado desde “mostrou-se extremamente agressivo, chegando a morder” (1) a “comportamento amigável” (5). Descrita durante a remoção da comida pelo dono. 3. Sociabilidade com uma pessoa estranha 6- Socialização passiva: pontuado de “comportamento de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento amigável e de busca de atenção” (5). Reacção do cão perante a evitação do estranho à sua presença e ao contacto com o seu dono. 7- Reacção ao primeiro cumprimento do estranho: desde “rejeição do cumprimento” (1) a “cumprimento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a primeira fase de cumprimento. 8- Cooperação: pontuado desde “recusa em andar com o estranho” (1) a “grande vontade em andar com um estranho, combinado com reacções de saudação intensas em relação ao desconhecido” (5). Descrita durante o passeio curto. 9- Reacção ao segundo cumprimento do estranho: desde “rejeição do cumprimento” (1) a “cumprimento intenso com saltos e 82 ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a segunda fase de cumprimento, longe do dono. 4. Interesse na brincadeira 10- Interesse em brincar com o dono: pontuada desde “sem interesse no atirar da bola” (1) a “brincar activo e perseguição da bola atirada” (5). Descrito durante a primeira fase em que o dono atira a bola. 11- Interesse em brincar com o estranho: pontuada desde “sem interesse no atirar da bola” (1) a “brincar activo e perseguição da bola atirada” (5). Descrito durante a primeira fase de atirar entre o dono e o estranho. 12- Agarrar: pontuado desde “não agarra” (1) a “agarrar imediato e intenso” (5). Descrito quando o estranho atirou a bola para longe do cão. 5. Coragem perante um som súbito 13- Reacção de evitação: pontuada desde “nenhuma ou pequena reacção como resposta ao barulho sem interromper a actividade” (1) a “ansiedade restante onde o cão interrompe a brincadeira ou actividade e mostra tentativas de fugir” (5). Descrita durante todo o subteste. 14- Habituação: pontuada desde “ausência de habituação ao estímulo e sinais de desconforto após as sucessivas repetições” (1) a “habituação rápida ao estímulo” (5). Descrita durante todo o subteste. 6. Sociabilidade com um cão estranho 15- Aproximação do cão: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a fase de aproximação do cão. 16- Presença do cão: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a fase de aproximação do cão. 83 7. Comportamento predatório- presa 17- Seguir 1: pontuado desde “sem tentativas em correr após a presa fugir” (1) a “reacção imediata quando avista a presa, correndo atrás dela a grande velocidade” (5). Descrito quando a presa é puxada durante o teste. 18- Agarrar 1: pontuado desde “sem tentativas em agarrar a presa” (1) a “agarrar intenso e imediato combinado com o segurar da presa durante pelo menos 3 segundos (5). Descrito quando e se o cão se aproximar da presa, durante a repetição do teste. 19- Seguir 2: pontuado como o seguir 1. Descrita aquando a segunda passagem do dono e do cão pela presa. 20- Agarrar 2: pontuado como o agarrar 1. Descrita aquando a segunda passagem do dono e do cão pela presa. 8. Coragem perante um objecto desconhecido- boneco 21- Reacção de sobressalto: pontuado desde “hesitação curta” (1) a “voo de mais de 5 metros” (5). Descrita quando o boneco aparece. 22- Agressão: pontuado desde “sem sinais de agressão, ou sinal de ameaça” (1) a “exibição de ameaça e ataques contra o boneco” (5). Descrita em e após o aparecimento súbito do boneco. 23- Exploração: pontuado desde “grande necessidade de apoio (não aborda o boneco até que o dono se baixe e se sente perto dele) ou não aborda” (1) a “abordagem imediata ao boneco sem necessidade de apoio” (5). Descrita após o aparecimento do boneco. 24- Comportamento de evitação pontuado desde “sem sinais de evitação (nenhuma manobra evasiva ou redução de velocidade)” (1) a “comportamento de evitação significante durante a passagem pelo boneco” (5). Descrito durante a repetição do passeio. 25- Comportamento de abordagem: pontuado desde “sem interesse no boneco” (1) a “aborda, juntamente com o agarrar e/ou brincar com o boneco” (5). Descrito durante a repetição do passeio. 84 9. Sociabilidade com pessoas estranhas 26- Aproximação das pessoas: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a fase de aproximação das pessoas. 27- Presença das pessoas: pontuado de “comportamento de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento amigável e de busca de atenção” (5). Reacção do cão perante a presença das pessoas. 10. Sociabilidade com uma cadela desconhecida 28- Aproximação da cadela: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a fase de aproximação da cadela. 29- Presença da cadela: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a presença da cadela. 11. Sociabilidade com uma pessoa desconhecida, vinculação e agressividade por dominância 30- Olhar fixo: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento amigável” (5). Descrito durante o olhar fixo do estranho. 31- Reacção ao cumprimento do estranho 1: desde “rejeição do cumprimento” (1) a “cumprimento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante o cumprimento por parte do estranho. 32- Confronto entre o estranho e o dono: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento amigável” (5). Descrito durante a fase do confronto entre o estranho e o dono. 85 33- Reacção ao cumprimento do estranho 2: desde “rejeição do cumprimento” (1) a “cumprimento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante o cumprimento do estranho após o confronto. 34- Reacção ao cumprimento do dono: desde “rejeição do cumprimento” (1) a “cumprimento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante o cumprimento do dono após o confronto. 12. Coragem perante um objecto desconhecido- latas 35- Reacção de sobressalto: pontuado desde “hesitação curta” (1) a “voo de mais de 5 metros” (5). Descrita quando a corda é puxada e as latas caem em cima da placa de metal. 36- Exploração: pontuado desde “não aproximação da placa de metal, mesmo que o dono se sente perto dela” (1) a “aproximação imediata sem necessidade de apoio” (5). Descrita após o barulho súbito. 37- Comportamento de evitação: pontuado desde “sem sinais de evitação (por exemplo, nenhuma manobra evasiva ou redução de velocidade)” (1) a “comportamento de evitação significante durante a passagem pela fonte do barulho” (5). Descrito durante a repetição do passeio. 38- Comportamento de abordagem: pontuado desde “sem aproximação ou olhar para a fonte do barulho” (1) a “aproximação, juntamente com o agarrar e/ou brincar com a corda, pelo menos em duas passagens” (5). Descrito durante a repetição do passeio. 13. Sociabilidade com um gato 39- Aproximação à jaula do gato: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a fase de aproximação à jaula do gato. 40- Observação do gato: pontuado desde “manifestação de desconforto e/ou agressividade intensa” (1) a “comportamento intenso com saltos e ganidos/lamentações” (5). Descrita durante a fase de observação do gato. 86 14. Comportamento predatório- carro telecomandado 41- Seguir 1: pontuado desde “sem tentativas em correr após o carro fugir” (1) a “reacção imediata quando avista o carro, correndo atrás dele a grande velocidade” (5). Descrito quando o carro se afasta durante o teste. 42- Agarrar 1: pontuado desde “sem tentativas em agarrar o carro” (1), a “agarrar intenso e imediato combinado com o segurar do carro durante pelo menos 3 segundos (5). Descrito quando e se o cão se aproximar do carro, durante a repetição do teste. 43- Seguir 2: pontuado como o seguir 1. Descrita aquando a segunda passagem do dono e do cão pelo carro. 44- Agarrar 2: pontuado como o agarrar 1. Descrita aquando a segunda passagem do dono e do cão pelo carro. 15. Focalização no treino 45- Cumprimento da ordem: pontuado desde “não cumprimento da ordem” (1) a “cumprimento imediato da ordem” (5). Descrito durante a ordem dada pelo dono. 16. Sensibilidade ao toque 46- Reacção do cão à manipulação: pontuado desde “não se mostrou stressado” (1) a “mostrou-se inquieto e mesmo até agressivo (5). Descrito durante a manipulação. 47- Capacidade de submissão: pontuado desde “ficou submisso sem stressar” (1) a “mostrou-se inquieto e mesmo até agressivo, tentando escapar” (5). Descrito durante a fase de submissão. 87 3.5- Variáveis em estudo - traços de personalidade e problemas comportamentais do cão Barbado da ilha Terceira Foram avaliados vários traços da personalidade (Quadro 2) do cão Barbado da ilha Terceira, bem como a sua propensão para o desenvolvimento de determinadas patologias comportamentais. Quadro 2- Traços da personalidade em estudo e respectivas questões do C-BARQ e variáveis comportamentais do ensaio comportamental que os medem. Traços da personalidade Agressividade Com pessoas estranhas Sociabilidade Com animais Coragem Com cães estranhos Com cães da mesma casa Com outras espécies de animais Medo social não Medo social Agressividade Medo social Agressividade 32-35 Agressividade 27 39, 40 38, 44 42, 48 41, 47 69-71 72- 74 75- 77 1-7 43, 49, 50, 52 8, 64, 92 13, 14 21, 23-25, 35-38 92 11, 12 Sons Objectos Situações Vinculação Comportamento de procura de atenção Comportamento predatório Focalização no treino Sensibilidade ao toque Interesse na brincadeira Actividade Excitabilidade Metodologias utilizadas na determinação das variáveis Ensaio C-BARQ comportamental Variáveis Questões comportamentais 10-12, 15, 16, 6-9, 26, 27, 30, 31, 18, 20-22, 28, 33 36, 37, 39, 40 23, 24, 26, 29 15, 16, 28, 29 45, 46, 53, 54 Com o dono Com o estranho 1, 2, 34 3 17-20, 41-44 45 46, 47 10 93 63, 65-68 A sociabilidade foi verificada partindo do princípio que um cão agressivo e um medroso socialmente (referente ao medo social) seriam animais menos sociáveis, tal como foi referido por Svartberg (2003). A sociabilidade foi subdividida em sociabilidade com pessoas estranhas e com animais, de acordo com Svartberg (2007). De forma semelhante, Goodloe & Borchelt (1998) e Hsu & Serpell (2003), dividiram o comportamento agressivo em agressão direccionada a estranhos, a membros da família e a cães desconhecidos. A sociabilidade com outros animais foi subdividida 88 em sociabilidade com cães estranhos, sociabilidade com cães da mesma casa e com outras espécies de animais. A sociabilidade com pessoas e cães estranhos foi avaliada tendo em conta a agressividade e medo que os cães demonstraram perante eles, já a sociabilidade com cães da mesma casa e outras espécies de animais só foi avaliada a partir da agressividade manifestada pelo animal. Segundo Svartberg & Forkman (2002), a coragem está relacionada com a vida diária dos animais, com o comportamento de brincadeira, exploração e destemor em situações sociais e não sociais. Assim, o medo será uma limitação à coragem, pelo que animais medrosos poderão ser, embora não necessariamente, animais menos corajosos. A coragem foi averiguada através do medo não social perante sons, objectos e situações desconhecidas de forma a avaliar a segurança do Barbado nestas circunstâncias e a propensão ao desenvolvimento de medos e fobias. A vinculação teve como objectivo determinar a intensidade do vínculo que o Barbado estabelece com os donos e como reage na sua ausência, podendo desta forma verificar-se a propensão para a ansiedade por separação. A procura de atenção foi constatada através do nível de inquietude do animal perante a presença do dono, mas ausência de comunicação. O instinto básico de predação é perseguir coisas que se afastam (Beaver, 1999), pelo que o comportamento predatório do Barbado foi avaliado através da sua vontade em perseguir animais e objectos. A focalização no treino pretendeu aferir o grau de obediência e atenção dos cães em relação a ordens impostas pelos donos. A sensibilidade ao toque é passível de ser constatada em situações que possam ser potencialmente dolorosas, e em que o animal seja manipulado, manifestando medo e/ou agressão (Duffy & Serpell, 2008). Assim, foi verificada a capacidade do Barbado em se submeter perante uma série de situações que envolviam manipulação física. O interesse na brincadeira permitiu averiguar a capacidade do animal em correr atrás de um brinquedo e a forma como o fazia com os donos e estranhos. A actividade e excitabilidade possibilitaram ter em conta o quão energético era o Barbado e quais as situações que lhe causavam maior excitação. Quanto aos problemas comportamentais (Quadro 3), estes foram divididos em sociais (agressividade e ansiedade por separação), sensoriais e neurais (condutas estereotipadas e hiperactividade), comunicativos (marcação urinária, submissão excessiva e vocalização excessiva), alimentares (coprofagia e destruição de 89 objectos), eliminativos (eliminação inadequada) e outros variados. Os vários tipos de agressividade incluem-se no grupo de problemas comportamentais sociais, no entanto, como alguns serão referidos na sociabilidade, por serem necessários à sua determinação, serão discutidos maioritariamente neste traço comportamental. Quadro 3- Problemas comportamentais em estudo e respectivas questões e variáveis comportamentais que os medem. Problemas comportamentais Pessoas Dominância Animais Sociais Agressividade Medo Territorial Predatória Sensoriais e neurais Comunicativos Alimentares Eliminativos Variados Pessoas Animais Pessoas Animais Pessoas Animais Animais Intraespecífica Ansiedade por separação Condutas estereotipadas Hiperactividade Marcação urinária Submissão excessiva Vocalização excessiva Coprofagia Destruição de objectos Eliminação inadequada Fugir de casa Rolar sobre substâncias de odor desagradável Montar sexual inapropriado Pedir comida insistentemente Roubar comida Nervosismo em subir ou descer escadas Puxar a trela excessivamente Metodologias utilizadas na determinação das variáveis Ensaio C-BARQ comportamental Variáveis Questões comportamentais 9, 13, 14, 17, 19, 21, 25, 30, 4, 5 31 23, 24, 29, 3235 10, 11, 21, 28 22 23, 24, 26, 29 10, 11, 12, 15, 32 16, 18, 20, 28 23, 24,26 22 27 23, 24 55-62 94-97, 99-101 91 87 88 98 80 81 89, 90 78 79 82 83 84 85 86 3.6-Análise estatística Os dados do inquérito e do estudo comportamental foram registados numa folha Excel e tratados com recurso ao software estatístico IBM SPSS Statistics 20®, sendo organizados segundo tabelas de contingência. A determinação de diferenças entre 90 machos e fêmeas foi efectuada através do teste Qui-quadrado, tendo-se utilizado o Pearson Chi-Square ou alternativamente o Fisher’s exact test sempre que mais de 20% das frequências esperadas nas tabelas de contingência apresentavam valores inferiores a 5. As diferenças foram consideradas significativas quando o nível de significância (p) era inferior a 0,05. De forma a testar a confiabilidade do teste vs repetição efectuaram-se correlações entre o teste comportamental e a sua repetição, utilizando os valores dos coeficientes de correlação de Spearman. As variáveis foram consideradas correlacionadas quando o nível de significância era menor do que 0,05. Na tentativa de validar o ensaio comportamental e assim verificar se as informações fornecidas pelos donos e as reacções dos cães em teste eram semelhantes fizeram-se correlações entre algumas questões do C-BARQ e algumas variáveis do ensaio comportamental, no teste e repetição, para os mesmos 24 animais. Considerou-se uma vez mais os coeficientes de correlação de Spearman e a significância estatística quando p foi menor que 0,05. 91 IV- Resultados e Discussão 4.1 – Inquérito informativo sobre o canídeo 4.1.1- Aptidão do cão Barbado da Terceira De acordo com a aptidão do animal e dos motivos que levaram o dono a adquirilo, foi possível constatar que 41,8% da amostra correspondia a animais de companhia, 28,4% de companhia e guarda e 10,4% apenas de guarda. A restante percentagem da amostra encontrava-se dividida pelas demais aptidões (pastoreio, concurso, reprodução), existindo cães a realizar mais do que uma função (Anexo VII.4.1). Assim, estes dados sugerem que o cão Barbado tem sido, maioritariamente, adquirido para companhia, seguindo-se as aptidões de guarda, pastoreio, concurso e reprodução. Segundo Jagoe & Serpell (1996), o motivo de aquisição do cão poderá afectar o tipo de problemas comportamentais que possui. Parece existir uma tendência para a escolha de machos para guarda em detrimento das fêmeas, embora a diferença percentual não seja muito elevada. As restantes aptidões estão distribuídas de forma muito semelhante entre géneros. Os resultados obtidos evidenciaram uma clara preferência do Barbado da Terceira para ser utilizado como animal de companhia. Estes dados podem sugerir uma diminuição do interesse do Barbado para a realização da função para o qual fora inicialmente seleccionado, o pastoreio, que pode estar associada à utilização de outras raças de pastoreio bem como cruzados destas, como por exemplo, os Pastores Australianos. Além disso, o crescente conhecimento da raça, bem como a participação de alguns exemplares nos concursos, provavelmente, despertou um maior interesse na população. Segundo King et al. (2012) o aparecimento das exposições caninas e dos estalões de raças, onde são avaliados primariamente a morfologia em detrimento do comportamento, contribuíram para uma selecção baseada na morfologia e não na função, levando a uma maior aquisição de animais para companhia. Coppinger & Schneider (1995) afirmaram ter assistido recentemente a um aumento do interesse, em vários países, pelas raças caninas nacionais como cães de companhia, contribuindo isto para diminuir ainda mais o já de si reduzido número de cães de trabalho. 92 Segundo Scott & Fuller (1965) e Wilsson & Sundgren (1997) as diferenças de comportamento entre raças devem-se às diferentes formas de selecção a que foram sujeitas, sendo assim, o comportamento actual do cão Barbado da Terceira poderá estar em evolução devido às diferenças das funções que esta raça desempenhava no passado como cão de pastoreio e as que parece desempenhar no presente como cão de companhia. Esta ideia pode ser reforçada com dados obtidos por Svartberg (2006), que num estudo contemplando várias raças de cães, não demonstrou relação entre o comportamento típico da raça e a função na origem desta, o que lhe permitiu concluir que a selecção recente afectou o comportamento típico das raças de cães e que a domesticação do cão ainda estava em progresso. 4.1.2-Vivência do animal 4.1.2.1- Experiência do dono e aquisição do animal Verificou-se que 97% dos donos já tinham tido outros cães antes de adquirir o actual cão Barbado, pelo que se supõe não serem donos inexperientes e gostarem da raça, visto que 44,8% já haviam possuído outro cão Barbado da Terceira. Este factor é extremamente importante uma vez que de acordo com Jagoe & Serpell (1996), donos pela primeira vez e, portanto, mais inexperientes no trato com cães, poderiam mais facilmente cometer erros e propiciar o desenvolvimento de algumas patologias comportamentais, nomeadamente agressividade por dominância. Além disso, seriam pessoas menos experientes na escolha do cão e, possivelmente menos cientes das diferenças de comportamento entre raças, e como tal, menos sensíveis aos possíveis problemas hereditários (Jagoe & Serpell,1996). Por outro lado, Kobelt et al. (2003) não encontraram diferenças nas percepções de donos pela primeira vez e donos experientes perante a capacidade de obediência dos seus cães a comandos. Segundo a forma de aquisição do animal, verificou-se que 52,2% foram comprados, 43,3% foram recebidos de oferta, e os restantes foram encontrados ou nasceram em casa dos donos em ninhadas de cadelas Barbado da Terceira que estes possuíam (Anexo VII.4.2). A forma de aquisição poderá ser um indicativo do interesse da pessoa em possuir aquele animal, e consequentemente, poderá revelar-se no trato que este irá conceder ao mesmo, tal como Beaver (1999) enunciou. 93 Quanto à idade de aquisição dos animais pelos donos constatou-se que 43,3% foram adquiridos com 2 meses de idade, 22,4% com 3 meses e os restantes variaram entre as 3 semanas e os 2 anos (Anexo VII.4.3). Observou-se, também, que a idade de aquisição do animal correspondeu em 88,1% dos casos à idade de separação da ninhada após o desmame, ainda durante o período de socialização. Segundo O’Farrell (1992) e Beaver (1999) o desmame de cães com um mês e meio ou idades inferiores propicia o desenvolvimento de alguns problemas comportamentais decorrentes de más socializações. Assim, observando os resultados anteriores apresentados poderá considerar-se que o desmame foi feito de uma forma correcta, no sentido de minimizar o desenvolvimento de patologias comportamentais. Contudo, de acordo com Scott & Fuller (1965), os cachorros deviam ser obtidos e socializados com a idade de 12 a 15 semanas, caso contrário não era desenvolvida vinculação. Já Gácsi et al. (2001) têm uma opinião contrária pois demonstraram que cães com contacto restrito com os seres humanos poderiam manter a sua capacidade de formar novos laços. Por sua vez, Slabbert & Rasa (1993) e Fuchs et al. (2005) não encontraram diferenças nos resultados do estudo entre os cães separados da progenitora antes das 12 semanas de idade e aqueles separados mais tarde, provavelmente devido à importância de outros factores, como um bom treino e uma boa socialização dos cachorros. 4.1.2.2- Ambiente e socialização do animal Quanto ao ambiente familiar, verificou-se que 74,6% dos Barbados não eram o único cão em casa e que 26,1% das fêmeas partilhavam a casa com um cão, enquanto 17,4% o faziam com uma cadela. Verificou-se que os machos partilhavam em igual percentagem (25,9%) o seu espaço, tanto com cães como com cadelas. A restante percentagem dos animais em estudo partilhavam a casa com mais do que um cão, sendo, por vezes, de ambos os sexos (Anexo VII.4.4). É de notar que para além de cães, 55,2% dos donos dos Barbados possuíam outros animais (gatos, galinhas, bovinos, suínos, equinos, caprinos, ovinos, coelhos e outras aves) sendo a maior percentagem (70,3%) correspondente a gatos (Anexo VII.4.5). A convivência do cão Barbado com aqueles animais é de 40% nas fêmeas e 94 de 68,2% nos machos, valores que, contudo, não se revelaram significativamente diferentes (Anexo VII.4.6). Analisando o Quadro 4 referente ao contacto que os cães Barbados tiveram com pessoas e animais durante o período de socialização (3 semanas a 3,5 meses) foi possível fazer as seguintes observações: - Relativamente ao contacto do cão Barbado com outros cães constatou-se que foi muito frequente em machos (68,4%) e fêmeas (65,5%). Apenas 7,9% dos machos não apresentaram qualquer contacto, contrastando com os 20,7% nas fêmeas (p> 0,05; Anexo VII.4.7). Esta socialização poderá estar relacionada em alguns casos, mais com os cães pertencentes ao ambiente familiar e não propriamente com cães desconhecidos, uma vez que, a maioria dos Barbados não era o único cão em casa, e os inquiridos poderem ter entendido a pergunta, num contexto mais generalizado, ou num mais restrito. Assim, seria interessante discriminar o grau de socialização dentro e fora do ambiente familiar; Quadro 4- Distribuição de frequências (Fr) referente ao contacto social do Barbado com pessoas e animais, durante o período de socialização (questão 5), nos dois géneros (G). 5- Com que frequência entre as 3 semanas e os 3,5 meses, teve contacto com: Pontuação Questão 5.1-outros cães 5.2- crianças 5.3-adultos 5.4-outros animais G Nenhum Raro Moderado Com frequência Fr % Fr % Fr % Fr % M 3 7,9 5 13,2 4 10,5 26 68,4 F 6 20,7 2 6,9 2 6,9 19 65,5 M 5 13,2 6 15,8 10 26,3 17 44,7 F 4 13,8 3 10,3 4 13,8 18 62,1 M 0 0,0 0 0,0 3 7,9 35 92,1 F 0 0,0 0 0,0 3 10,3 26 89,7 M 8 21,1 10 26,3 3 7,9 17 44,7 F 10 34,5 12 41,4 2 6,9 5 17,2 Nota: as diferenças entre género não foram estatisticamente significativas; M- machos; F- fêmeas. 95 - No que diz respeito ao contacto dos cães com crianças, verificou-se que este foi frequente em 44,7% dos machos e 62,1% das fêmeas, embora estas diferenças não atingissem o nível de significância (Anexo VII.4.8); - Quanto ao contacto com adultos este foi mais evidente relativamente às situações anteriores já que 92,1% dos machos e 89,7% das fêmeas tiveram um contacto muito frequente (p> 0,05; Anexo VII.4.9). Estes valores são perfeitamente espectáveis uma vez que os donos dos animais são normalmente pessoas adultas e como tal, é com eles que os cães irão socializar mais. Acresce ainda o facto de os inquiridos poderem ter entendido esta questão direccionada para todos os adultos, independentemente de pertencerem ou não ao ambiente familiar; - Comparando machos e fêmeas quanto à socialização com outros animais verificou-se que, no que respeita à classe “com frequência”, os primeiros apresentaram valores superiores (44,7% vs. 17,2%). No entanto, houve uma distribuição bastante uniforme dos animais pelas restantes classes (p> 0,05; Anexo VII.4.10). A partir dos resultados apresentados no Quadro 4 constatou-se que, no geral, o Barbado estava bem socializado com adultos e em menor grau com crianças. Tal facto, poderá dever-se à ausência destas em alguns agregados familiares e, eventualmente, ao pouco contacto com outras crianças. Relativamente à socialização com outros cães, verificou-se que a maioria dos Barbados mantinha frequentemente contacto com indivíduos da mesma espécie. Contudo, a socialização com outros animais foi menor, principalmente nas fêmeas, embora sem significância estatística. Assim, as diferenças observadas com esta amostra poderão dever-se à influência do dono durante o período de socialização. Quanto à acção de brincar com o cão constatou-se que 95,5% dos donos têm por hábito fazê-lo e que nos agregados familiares com crianças, esta é realizada por 78% delas. Relativamente à existência de brinquedos verificou-se que 48,3% das fêmeas possuíam-nos, bem como 34,2% dos machos. No entanto, esta diferença não se revelou significativa (Anexo VII.4.11). Estas situações poderão ser indicativas de que os donos tentam estabelecer uma relação próxima com os seus animais, evidenciando, mais uma vez, a forte aptidão do Barbado para animal de companhia. O facto de estes possuírem brinquedos, embora não sendo a maioria, significa que os donos se preocupam em lhes proporcionar entretenimento que contribua para o seu bem-estar. 96 No que diz respeito ao treino de obediência, constatou-se que 23,7% dos machos e 48,3% das fêmeas tiveram-no (Quadro 5), sendo as diferenças significativas (Anexo VII.4.12). Quadro 5- Distribuição de frequências referente ao treino de obediência do cão Barbado (questão 8), em machos (M) e fêmeas (F). 8- O seu cão teve treino de obediência (senta, deita, fica)? Pontuação Género Sim Não Frequência % Frequência % M 9 23,7 29 76,3 F 14 48,3 15 51,7 Nota: as diferenças entre género não foram estatisticamente significativas. Assim sendo, parece verificar-se que as fêmeas têm mais treino de obediência do que os machos. À priori, não existirá nenhum motivo forte para que isso aconteça. Não parece existir uma separação evidente entre machos e fêmeas na aptidão, que justificasse maior ou menor treino, entre outros factores que pudessem justificar esta aparente diferença. Poderia, eventualmente, pensar-se que as fêmeas fossem mais fáceis de educar, por serem, à partida, menos dominantes, e como tal, suscitarem mais interesse nos donos em as treinar. Quanto ao espaço onde os cães Barbados passam a maior parte do tempo, verificou-se que 38,7% destes viviam à solta no jardim, 28,4% num canil no jardim e 22,4% à solta numa quinta. Os restantes encontravam-se amarrados no jardim (3%), à solta dentro de casa (1,5%), na garagem (3%) e à solta no pátio de casa (3%). No que diz respeito a andar à trela, verificou-se que 43,3% destes cães não estavam habituados, possivelmente, por os seus donos não acharem necessidade de os passear dado passarem muito do seu tempo à solta, como referido no parágrafo anterior. Relativamente ao tempo que o animal passava sozinho, sem pessoas, durante a semana de trabalho (Quadro 6), constatou-se que 21,1% dos machos permaneciam nesta situação de 9-12h ou mais, enquanto o mesmo só se verificou em 6,9% das fêmeas. No entanto, 75,9% destas permaneciam sozinhas entre 4-8h, sendo essa 97 percentagem inferior nos machos (42,1%). Contudo, estas diferenças não se revelaram significativas (Anexo VII.4.13). Quadro 6- Distribuição de frequências (Fr) referente ao tempo diário que o Barbado permanece sozinho, durante a semana de trabalho (questão 11), em machos (M) e fêmeas (F). 11- Quanto tempo o seu cão fica sozinho (h diárias), sem pessoas, durante a semana de trabalho? Pontuação Género Nunca 1-3h 4-8h 9-12h + 12h Fr % Fr % Fr % Fr % Fr % M 3 7,9 11 28,9 16 42,1 6 15,8 2 5,3 F 1 3,4 4 13,8 22 75,9 2 6,9 0 0,0 Nota: as diferenças entre género não foram estatisticamente significativas. Durante o tempo em que o animal permanecia sozinho foi possível verificar que 44,7% dos animais ficavam à solta no jardim; 22,4% permaneciam num canil, no jardim; 20,9% encontravam-se à solta numa quinta e os restantes ficavam amarrados no jardim (4,5%), na garagem (4,5%), numa jaula dentro de casa (1,5%) e à solta no pátio (1,5%). Comparando estes dados com os anteriores relativamente ao local onde o animal passava a maior parte do tempo, foi possível verificar que houve um aumento do número de animais que ficava à solta no jardim, talvez pela função que alguns Barbados exercem de guarda da propriedade. Analisando o Quadro 7, no que diz respeito ao contacto social que os cães mantinham após atingir a maturidade social ou parte desta, foi possível tirar algumas ilações: - Constatou-se que ambos os géneros evidenciavam um contacto frequente com outros cães, de forma muito semelhante (Anexo VII.4.14). Este facto poderá, uma vez mais, dizer respeito à relação que eles mantinham com animais que coabitavam com eles e não propriamente com cães estranhos. Após o período de socialização verificou-se um ligeiro decréscimo na proporção de Barbados que contactavam frequentemente com outros cães, possivelmente por já não estarem na ninhada ou por falta de oportunidade de socialização. - No que concerne ao contacto com crianças os dados sugerem que as fêmeas estabeleceram mais contacto do que os machos (51,7% vs.34,2%, na classe “com 98 frequência”), não obstante, as diferenças não terem atingido o nível de significância estatística (Anexo VII.4.15). Tal facto, de entre várias razões, pode ser justificado por as pessoas considerarem as cadelas menos agressivas, de acordo com Podberscek & Serpell (1996) e como tal mais adequadas ao trato com crianças. Paralelamente ao que se verificou no contacto com outros cães parece existir uma diminuição do contacto com crianças após o período de socialização, o que poderá justificar-se por existir uma maior apetência das crianças pelos cães enquanto cachorros. Quadro 7- Distribuição de frequências (Fr) referente ao contacto social do Barbado após a maturidade social (questão 13), nos dois géneros (G). 13- Que tipo de contacto tem o seu cão agora, com: Pontuação Questão 13.1-outros cães 13.2- crianças 13.3-adultos 13.4-outros animais G Nenhum Raro Moderado Com frequência Fr % Fr % Fr % Fr % M 4 10,5 7 18,4 5 13,2 22 57,9 F 3 10,3 6 20,7 3 10,3 17 58,6 M 5 13,2 8 21,1 12 31,6 13 34,2 F 3 10,3 6 20,7 5 17,2 15 51,7 M 0 0,0 1 2,6 2 5,3 35 92,1 F 0 0,0 1 3,4 4 13,8 24 82,8 M 9 23,7 7 18,4 5 13,2 17 44,7 F 9 31,0 10 34,5 1 3,4 9 31,0 Nota: as diferenças entre género não foram estatisticamente significativas; M- machos; F- fêmeas. - Quanto à socialização do Barbado com adultos verificou-se que ambos os sexos contactavam frequentemente com eles, embora esta situação possa ser relativa aos donos e não propriamente a desconhecidos, à semelhança do que fora referido na questão 5.3 do Quadro 4. Tal como no parágrafo anterior, parece existir uma ligeira diminuição do contacto com adultos, comparativamente ao período de socialização, podendo dever-se ao facto de os donos considerarem que estes já não necessitam de tantos cuidados. Não foram verificadas diferenças estatísticas entre sexos (Anexo VII.4.16). - O contacto com outros animais, de forma semelhante ao período de socialização, parece ser maior em machos do que em fêmeas, já que na classe “com 99 frequência” estes estão mais representados, embora as diferenças não tivessem sido significativas (Anexo VII.4.17). As fêmeas, após o período de socialização, apresentaram um aumento do contacto com outros animais (17,2%- quadro 4 para 31% na classe “com frequência”), enquanto os valores para os machos se mantiveram praticamente constantes (44,7%, na classe “com frequência”), embora sempre superiores aos das fêmeas. 4.1.3- Higiene Quanto à escovagem foi possível aferir que 77,6% dos donos executavam esta acção, variando a frequência da mesma, de uma vez por mês (32,7%), uma vez por semana (25%), uma vez de 15 em 15 dias (23,1%), 2 a 3 vezes por semana (13,5%), diariamente (1,9%), 2 vezes por ano (1,9%) e 3 vezes por ano (1,9%). No que diz respeito à tosquia verificou-se que é uma prática comum tendo em conta que 92,5% dos donos alegaram que o seu cão era tosquiado. No entanto, a frequência variou, em que 72,6% o fazia 1 vez por ano, 25,8%, 2 vezes por ano e 1,6%, 3 vezes por ano. Relativamente ao corte de unhas a maioria não tinha esse cuidado, porque apenas 23,9% dos donos o fazia. Estes podem considerar este acto como algo prescindível na higiene do animal, talvez por a maioria dos Barbados estarem soltos no exterior de casa, o que justificaria esta falta de hábito. Quanto ao darem banho ao cão, 77,6% alegaram que o faziam, maioritariamente com a frequência de 4 em 4 meses (22,6%), e de 6 em 6 meses (22,6%). No entanto, ainda existem aqueles que o realizavam de 2 em 2 meses (15,1%), 1 vez por mês (15,1%), 1 vez por ano (13,2%), 1 vez por semana (3,8%), de 3 em 3 meses (3,8%) e de 15 em 15 dias (3,8%). Os animais deverão ser habituados desde que são adquiridos, a serem manipulados perante questões de higiene e estado sanitário, por forma a prevenir, futuramente, uma possível aversão às mesmas e o desenvolvimento de problemas comportamentais. Segundo Fox (1978) a estimulação física pode ter efeitos marcantes no desenvolvimento físico e comportamental dos cachorros, tornando-os mais confiantes e socialmente dominantes. Assim, é importante a obtenção deste tipo de informação, pelo que ao se questionar os donos dos cães Barbados, se verificou que 64,2% destes habituaram o seu animal aos cuidados de higiene, desde que o 100 adquiriram. Sendo uma percentagem aceitável, supõe-se que mesmo assim devesse ser superior, o que poderá denotar algum desconhecimento por parte dos donos da importância desta acção. 4.1.4- Estado Sanitário No que diz respeito ao estado sanitário dos Barbados foi possível verificar que 92,5% dos donos os acompanhava ao veterinário, variando a frequência desta acção pois 67,7% levava 1 vez por ano, 22,6%, 2 vezes por ano, 6,5%, 3 a 4 vezes por ano e 3,2% mais de 4 vezes por ano. Embora a maioria dos Barbados fosse ao veterinário, esta situação não ocorria muito frequentemente, pelo que segundo Fatjó & Manteca (2003) animais pouco socializados, ou com tendência a serem medrosos podem desenvolver agressividade neste tipo de situações, dificultando o seu próprio maneio. 4.2- Canine Behavioral Assessment & Research Questionnaire (CBARQ) 4.2.1- Avaliação da personalidade do Barbado 4.2.1.1- Sociabilidade 4.2.1.1.1- Sociabilidade com pessoas estranhas Na sociabilidade com pessoas estranhas (Quadro 8) não foram detectadas diferenças significativas, entre machos e fêmeas, em nenhuma das questões abaixo apresentadas. No que diz respeito à abordagem por um adulto (Q10) ou uma criança desconhecida (Q11) ao cão, enquanto este passeava ou se exercitava com trela e coleira, verificou-se que a maioria dos Barbados não fora agressiva nem evidenciara medo ou ansiedade (Q36, Q37), visto que pelo menos 50% dos donos assim o referiram. Por sua vez, se a abordagem fosse realizada por um desconhecido, mas direccionada ao dono ou outro membro da família do cão, fora de casa (Q16), notouse que apesar de grande parte dos animais não ter demonstrado agressividade (47,4% dos machos e 65,5% das fêmeas) esta foi superior àquelas anteriormente referidas. 101 Assim, constatou-se que embora com fraca intensidade, os Barbados mostraram mais agressividade perante a abordagem de uma pessoa estranha ao dono, seguindo-se a de um adulto desconhecido ao cão e posteriormente a de uma criança. Quadro 8- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q), referentes à sociabilidade com pessoas estranhas (SPE), pelas várias classes de frequências, em machos (M) e fêmeas (F). Q 10 11 12 15 16 ADPE 18 20 21 22 SPE 28 36 37 MDPE 39 40 Género 0 1 2 3 4 NR M 50,0 21,1 5,3 5,3 2,6 15,8 F 72,4 17,2 3,4 3,4 0,0 3,4 M 55,3 21,1 2,6 5,3 0,0 15,8 F 75,9 13,8 6,9 0,0 0,0 3,4 M 31,6 23,7 10,5 13,2 5,3 15,8 F 48,3 31,0 10,3 3,4 0,0 6,9 M 47,4 31,6 7,9 5,3 5,3 2,6 F 65,5 17,2 13,8 3,4 0,0 0,0 M 47,4 23,7 13,2 5,3 5,3 5,3 F 65,5 24,1 6,9 3,4 0,0 0,0 M 10,5 21,1 28,9 13,2 18,4 7,9 F 17,2 37,9 24,1 13,8 6,9 0,0 M 13,2 7,9 34,2 23,7 15,8 5,3 F 17,2 20,7 27,6 20,7 13,8 0,0 M 50,0 13,2 7,9 13,2 5,3 10,5 F 62,1 27,6 10,3 0,0 0,0 0,0 M 10,5 21,1 28,9 18,4 13,2 7,9 F 17,2 31,0 34,5 10,3 6,9 0,0 M 28,9 21,1 21,1 15,8 13,2 0,0 F 44,8 24,1 17,2 13,8 0,0 0,0 M 57,9 10,5 13,2 7,9 2,6 7,9 F 75,9 13,8 3,4 6,9 0,0 0,0 M 65,8 15,8 5,3 2,6 0,0 10,5 F 75,9 20,7 0,0 3,4 0,0 0,0 M 76,3 15,8 5,3 0,0 0,0 2,6 F 86,2 10,3 0,0 3,4 0,0 0,0 M 78,9 7,9 2,6 2,6 2,6 5,3 F 82,8 10,3 3,4 0,0 3,4 0,0 p 0,754 0,416 0,397 0,390 0,632 0,437 0,674 0,117 0,685 0,274 0,581 0,794 0,477 1,000 Nota: ADPE- agressividade direccionada a pessoas estranhas; MDPE- medo direccionado a pessoas estranhas; NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. 102 Quando um cão é abordado por uma pessoa desconhecida, podendo ser ou não uma criança, mesmo que fora do seu território, a manifestação de agressividade poderá dever-se a uma questão territorial (O’Farrell, 1992). Isto porque o animal considera que aquele indivíduo está a invadir um espaço que ele ocupa ou que lhe pertence, como a casa ou o carro (Alvarez, 1993), ou está aproximar-se demais de alguém que lhe é chegado, como o dono (O’Farrell, 1992). Além disso, poderá também ser motivada pelo medo que o animal sente dessa aproximação. Tendo em conta os resultados anteriores verifica-se que a grande maioria dos cães Barbados não evidenciou agressão em contextos de aproximação de estranhos (adultos, crianças) aquando em passeio com alguém que lhe é próximo, mesmo que esta acção fosse direccionada ao dono. Da mesma forma, maioritariamente, não demonstraram medo naquelas situações, pelo que quando acompanhados pelos donos demonstraram ser animais estáveis, talvez devido a algum controlo exercido por aqueles. Esta quase ausência de agressão poderá dever-se ao contacto maioritariamente frequente dos Barbados com adultos e crianças conforme já havia sido referido. Quando uma pessoa desconhecida visitava a casa do dono (Q28), verificou-se uma grande dispersão das respostas pelas diferentes classes de frequência. Assim, relativamente à ausência de agressão constatou-se que os machos apresentaram uma percentagem de 28,9% e as fêmeas de 44,8%, verificando-se valores percentuais superiores nos primeiros em quase todas as restantes classes. Relativamente ao medo ou ansiedade nesta situação (Q39) constatou-se que maioritariamente os cães não o sentiram (machos-76,3%; fêmeas-86,2%,na classe 0). A abordagem de um desconhecido ao dono ou outro membro da família dentro de casa (Q15), não despertou agressão em grande parte dos cães. De forma semelhante ao anterior, se uma pessoa desconhecida tentasse tocar no cão (Q21, Q40), verificouse que 50% dos machos e 62,1% das fêmeas não evidenciaram agressão, nem medo (78,9% dos machos e 82,8% das fêmeas, na classe 0). A visita de um desconhecido a casa do dono, e aproximação a este, pode suscitar agressividade no cão (O’Farrell, 1992; Alvarez, 1993). Tendo em conta esta situação e o facto de os animais não terem manifestado medo aquando da visita dos desconhecidos a casa, pode deduzir-se que a possível agressividade verificada se deva exclusivamente à defesa do território, o que parece ser mais evidente em machos do que em fêmeas, tal como Reisner (1995a) demonstrou. Na situação de 103 aproximação ao dono, a agressividade manifestada pelo animal poderá não ser superior devido a um controlo do dono sobre o animal, impedindo-o de reagir de uma forma extrema. Quanto à possível agressividade manifestada pelo cão aquando da tentativa de um desconhecido em tocar-lhe será provavelmente motivada por uma componente de dominância (Reisner, 1995a). Esta situação pareceu evidenciar-se mais em machos, tal como Beaver (1999) enunciou, não obstante as diferenças não terem sido significativas. Relativamente à aproximação de uma pessoa desconhecida quando o animal se encontrava dentro do carro (Q12), foi possível notar-se que há uma maior distribuição das respostas pelas várias classes, principalmente nos machos, sendo notória a ausência de elevados níveis de agressão em ambos os sexos. Em situações em que carteiros ou distribuidores se aproximavam de casa do dono do cão (Q18) verificou-se uma grande homogeneidade na distribuição das respostas pelas várias classes. No entanto, na classe máxima correspondente à maior agressividade constatou-se que os machos apresentaram um valor superior (18,4%) em detrimento das fêmeas (6,9%). Quando o animal estava na área externa da casa ou no jardim e passavam estranhos pelos mesmos (Q20), verificou-se que 15,8% dos machos e 13,8% das fêmeas revelaram extrema agressividade, sendo a classe 2 a mais representada. À semelhança da situação anterior, e ao invés de todas as outras, quando passavam corredores ou ciclistas pela casa do dono, enquanto o cão estava nos redutos da mesma (Q22), houve alguma tendência para ambos os sexos manifestarem agressividade séria (13,2% para os machos e 6,9% para as fêmeas, na classe 4). A passagem dos ciclistas ou corredores neste tipo de situação pode ser um estímulo que desencadeie agressividade predatória no cão, mais evidente em raças de pastoreio (Beaver, 1999). Segundo os dados obtidos pareceu verificar-se uma maior agressividade nos machos, tal como foi mencionado por O’Farrell (1992), sem, no entanto, existir diferenças com significância estatística. A agressividade territorial parecia mais evidente quando o estranho era alguém que recorrentemente invadia o espaço do cão, como carteiros e distribuidores (O’Farrell, 1992), e quando se tratava da casa como território e não tanto como com o carro. Este comportamento provavelmente decorreu fruto de os animais serem mais utilizados na função de companhia, e como tal terem pouco contacto com os 104 veículos, e por isso, não os considerarem tanto como sua propriedade. Embora as diferenças não tenham sido significativas, pareceu notar-se maior agressividade territorial nos machos do que nas fêmeas, devido às maiores concentrações de respostas nas classes mais elevadas, o que estaria de acordo com Reisner (1995a). Outro motivo para o aparecimento de agressão nos contextos acima referidos poderá dever-se ao facto de alguns Barbados terem sido adquiridos pelos donos com o objectivo de guardarem as suas propriedades. Isto iria de encontro com Jagoe & Serpell (1996) quando enunciaram que cães adquiridos para protecção, em detrimento dos outros, mostraram uma ocorrência significativamente maior de agressividade territorial, por esta ter sido activamente seleccionada. De forma semelhante, Hsu & Sun (2010) descobriram que os cães com essa aptidão evidenciaram maior hostilidade perante estranhos do que outros com funções diferentes. É provável que as pessoas que adquiriram cães de guarda fossem mais propensas a incentivar ou reforçar sinais de comportamento territorial (Jagoe & Serpell,1996; Hsu & Sun,2010). O facto de a maioria dos Barbados se encontrarem soltos nos redutos da casa, implicava que fossem mais frequentemente expostos a pessoas e animais desconhecidos que passavam pela propriedade, levando segundo Hsu & Sun (2010) a um despoletar da agressividade territorial. Um sintoma patognomónico desta é o facto de os cães quando fora do seu território e perante outras pessoas e cães, evidenciarem pouca ou nenhuma hostilidade (Overall,1997). Seguindo esta afirmação verificou-se que alguns cães Barbados aqui representados evidenciaram agressividade territorial. 4.2.1.1.2- Sociabilidade com animais Relativamente à sociabilidade com animais (Quadro 9) constatou-se que quando o Barbado era abordado directamente por um cão macho desconhecido, enquanto passeava ou exercitava com trela e coleira (Q23), os machos apresentaram-se mais agressivos do que as fêmeas. Esta diferença foi estatisticamente significativa (p <0,05), devendo, também, ter-se em conta que 13,2% dos donos dos machos não responderam ao invés dos 3,4% das fêmeas. 105 Quadro 9- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q), referentes à sociabilidade com animais, pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género 23 24 ADCE 26 29 SCE 45 46 MDCE 53 54 32 33 SCMC ADCMC 34 35 SOEA ADOEA 27 0 1 2 3 4 NR M 23,7 5,3 13,2 28,9 15,8 13,2 F 27,6 27,6 31,0 6,9 3,4 3,4 M 31,6 13,2 13,2 15,8 2,6 23,7 F 37,9 27,6 20,7 6,9 3,4 3,4 M 13,2 2,6 23,7 21,1 26,3 13,2 F 24,1 17,2 24,1 24,1 6,9 3,4 M 2,6 10,5 10,5 34,2 34,2 7,9 F 13,8 31,0 31,0 20,7 3,4 0,0 M 60,5 21,1 10,5 2,6 2,6 2,6 F 55,2 24,1 17,2 0,0 3,4 0,0 M 73,7 15,8 5,3 2,6 0,0 2,6 F 65,5 17,2 10,3 3,4 3,4 0,0 M 60,5 10,5 7,9 2,6 0,0 18,4 F 69,0 17,2 10,3 0,0 3,4 0,0 M 60,5 18,4 5,3 2,6 2,6 10,5 F 65,5 10,3 17,2 3,4 3,4 0,0 M 36,8 13,2 15,8 10,5 0,0 23,7 F 62,1 10,3 3,4 0,0 3,4 20,7 M 28,9 21,1 15,8 5,3 5,3 23,7 F 51,7 24,1 3,4 0,0 0,0 20,7 M 15,8 13,2 18,4 18,4 10,5 23,7 F 37,9 24,1 6,9 6,9 3,4 20,7 M 18,4 23,7 18,4 7,9 7,9 23,7 F 20,7 37,9 17,2 0,0 3,4 20,7 M 10,5 7,9 15,8 23,7 39,5 2,6 F 6,9 6,9 27,6 31,0 27,6 0,0 p 0,006 0,615 0,081 0,001 0,920 0,824 0,907 0,568 0,049 0,104 0,080 0,505 0,683 Nota: SCE- sociabilidade com cães estranhos; SCMC- sociabilidade com cães da mesma casa; SOEA- sociabilidade com outras espécies de animais; ADCE- agressividade direccionada a cães estranhos; MDCE- medo direccionado a cães estranhos; ADCMC- agressividade direccionada a cães da mesma casa; ADOEA- agressividade direccionada a outras espécies de animais; NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Se esta abordagem fosse feita por uma cadela desconhecida (Q24) observou-se que maioritariamente, quer machos, quer fêmeas, não demonstraram agressividade 106 (p> 0,05). Outro facto a ter em atenção é a elevada percentagem de donos de cães machos (23,7%) que não responderam à questão, em detrimento dos das fêmeas (3,4%). A abordagem de um cão desconhecido do mesmo tamanho, maior (Q45) ou menor (Q46) do que o cão Barbado, não suscitou medo na maioria dos animais, tanto machos como fêmeas, tendo em conta as elevadas percentagens da classe 0. Houve grande uniformidade de distribuição das respostas pelas várias classes (p> 0,05). Quando um cão desconhecido latia, rosnava ou mostrava os dentes ao Barbado (Q29), verificou-se que os machos (34,2%) se apresentaram mais agressivos do que as fêmeas (3,4%), sendo as diferenças estatisticamente significativas. Perante esta situação não se verificou medo (Q54) na maioria dos cães, uma vez que 60,5% dos machos e 65,5% das fêmeas não o evidenciou (p> 0,05). Quando cães desconhecidos visitavam a casa do dono (Q26) observou-se que a maioria dos animais se sentiram desconfortáveis com essa situação demonstrando agressão, que parecia ser mais evidente em machos (26,3%) do que em fêmeas (6,9%). No entanto, as diferenças não atingiram o nível de significância. A avaliação do medo perante a mesma situação (Q53) evidenciada acima permitiu notar que, no geral, tanto machos como fêmeas não demonstraram medo (p> 0,05). Assim, constatou-se que maioritariamente os Barbados não apresentaram agressão ou medo perante a abordagem de cães desconhecidos, independentemente do género ou tamanho. Isto poderá dever-se ao contacto frequente dos Barbados com outros cães quer no momento presente, quer durante o período de socialização. Contudo, considerando aqueles que o evidenciaram verificou-se que os machos se apresentaram mais agressivos do que as fêmeas aquando da presença de outro macho, não se tendo observado o mesmo com as fêmeas na presença de outras. Assim, parece notar-se que os machos são mais propensos a manifestar agressividade intraespecífica do que as fêmeas, tal como Beaver (1999) referiu. Esta agressividade não será motivada por medo, mas talvez por algum conflito que o cão Barbado sinta aquando a aproximação do outro, ou por uma questão territorial, devido à defesa do dono que o acompanha. Constatou-se que quando a abordagem de um cão desconhecido era ameaçadora, os machos apresentavam-se mais agressivos do que as fêmeas. No caso de esta agressão não ser motivada por medo poderá tratar-se de uma questão de dominância. 107 Segundo Beaver (1999), os machos têm tendência a serem mais dominantes do que as fêmeas, o que pode justificar a maior agressividade acima referida. Aquando da visita de um cão desconhecido a casa do dono, notou-se que a maioria dos animais evidenciaram agressão, e que não se devendo maioritariamente a factores de medo, poderá prender-se com um motivo territorial, pelo facto de um animal desconhecido invadir aquele que é considerado pelo Barbado como o seu espaço que deverá proteger. Relativamente ao comportamento do cão para com outro residente na mesma casa (Q32) verificou-se que a maioria dos animais não demonstrou agressão, sendo esta ausência mais evidente nas fêmeas (62,1% vs. 36,8% dos machos; p < 0,05). Quando outro cão da casa se aproximava de um lugar de descanso favorito dos cães Barbados (Q33) constatou-se que, no geral, estes não revelaram agressão (machos, 28,9%; fêmeas, 51,7%, classe 0). Apesar de haver uma maior concentração de respostas, nos machos nas classes de frequência mais elevada, as diferenças entre género não atingiram o nível de significância. Se a aproximação do outro cão acontecesse quando o Barbado se estava a alimentar (Q34), observou-se que a maioria das fêmeas não demonstrou agressão (37,9%), e que ocorreu uma grande uniformização das respostas pelas várias classes nos machos (p> 0,05). Quando a aproximação de outro cão da mesma casa ocorria no momento em que o Barbado brincava ou roía um objecto e/ou osso favorito (Q35), verificou-se que a maioria não demonstrou agressão, não se tendo verificado diferenças significativas entre géneros. A agressividade manifestada para com animais que coabitavam na mesma casa, em situações como a defesa de recursos, comida, objectos favoritos e espaços como o lugar de descanso preferido, é geralmente motivada por conflitos de dominância, podendo ser entendido, de acordo com Voith (1992) como uma agressividade por dominância. Assim, verificou-se maior agressividade por dominância nos machos, de uma forma geral, o que seria de esperar segundo Beaver (1999). No entanto, perante contextos específicos, embora parecesse existir uma tendência semelhante ao referido anteriormente, as diferenças apresentadas não foram estatisticamente significativas. Comparando os vários estímulos, passíveis de suscitar agressividade no cão, constatou-se que esta foi superior perante a comida como recurso. Pelo facto de alguns animais serem o único cão em casa, como é evidente, os seus donos não 108 responderam às questões colocadas. No entanto, tendo em conta a proximidade do número de donos de machos (23,7%) e fêmeas (20,7%) que não o fizeram, não se considerou ter havido influência destes nos restantes resultados. Quando gatos, ratos ou outros animais entravam no quintal ou área externa onde o Barbado estava (Q27), constatou-se que a maioria demonstrou agressividade séria (39,5%, machos; 27,6%, fêmeas, classe 4). Apesar de o contacto anterior dos Barbados com outros animais ter sido frequente em alguns, noutros foi ausente, pelo que poderá justificar alguma desta agressão. Este tipo de agressividade é designado de predatória, uma vez que o estímulo que desencadeia o comportamento de perseguição é, geralmente, algo que se move muito rapidamente, sendo os coelhos, aves e gatos alvos muito comuns (O’Farrell, 1992). Assim, estes animais ao aperceberem-se do perigo tentarão fugir com medo e isso será o estímulo suficiente para despoletar agressividade no cão. Estes resultados parecem estar de encontro com Beaver (1999), ao afirmar que este tipo de agressividade é mais comum em determinadas raças, nomeadamente, de pastoreio. Embora a maioria dos Barbados neste estudo tenha sido adquirida pela função de companhia, segundo King et al. (2012) o comportamento é hereditário. Apesar de 35,1% dos Barbados conviverem com gatos, esta percentagem é muito baixa e não implica que aquando a invasão do seu território por eles não reajam de forma agressiva. Não foram verificadas diferenças significativas entre géneros. 4.2.1.2- Coragem A coragem aqui determinada apenas engloba situações relacionadas com o medo não social (Quadro 10). A maioria dos cães não apresentou um medo extremo aos sons altos e súbitos, nomeadamente, foguetes, aspiradores (Q38), tempestades e fogo-de-artifício (Q44), uma vez que a maior concentração de respostas se encontrava nas classes de intensidade mais baixa. No que concerne à resposta dos animais perante objectos desconhecidos perto deles, como sacos plásticos, folhas, latas (Q42) ou objectos que “produzem vento” como ventiladores, secadores (Q48), notou-se que a maioria não evidenciou medo. Objectos como secadores são, geralmente, associados a situações relacionadas com a higiene do cão ou das pessoas. Tendo em conta que a maioria dos Barbados passava 109 o seu tempo nos redutos da casa e tomava banho com pouca frequência, seria de esperar não terem muito contacto com estes objectos e, por isso, haver medo associado. No entanto, foi interessante constatar que isso não aconteceu no geral. O facto de 64,2% dos donos terem habituado os seus animais, desde que os adquiriram, à manipulação perante cuidados de higiene poderá ter contribuído para isso. Quadro 10- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q), referentes à coragem (C) pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género 0 1 2 3 4 NR M 26,3 31,6 23,7 13,2 2,6 2,6 F 34,5 17,2 24,1 20,7 3,4 0,0 M 34,2 28,9 21,1 7,9 5,3 2,6 F 41,4 24,1 6,9 27,6 0,0 0,0 M 63,2 26,3 7,9 2,6 0,0 0,0 F 79,3 13,8 0,0 3,4 0,0 3,4 M 65,8 21,1 10,5 0,0 0,0 2,6 F 51,7 37,9 3,4 0,0 3,4 3,4 M 47,4 7,9 2,6 0,0 0,0 42,1 F 79,3 10,3 3,4 0,0 0,0 6,9 M 42,1 23,7 18,4 7,9 2,6 5,3 F 37,9 24,1 24,1 10,3 0,0 3,4 38 So 44 42 C MNS Ob 48 41 Si 47 p 0,682 0,099 0,250 0,171 1,000 0,980 Nota: MNS- medo não social; So-sons; Ob- objectos; Si- situações; NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Perante uma situação de engarrafamento de tráfego, em que os Barbados se encontravam dentro do carro (Q41), pareceu notar-se (maior concentração de respostas na classe mais baixa) que as fêmeas teriam menos medo. No entanto, deve ter-se em conta a elevada percentagem de donos de cães machos que não responderam (42,1%), comparativamente aos de fêmeas (6,9%). Esta situação poderá estar relacionada com o facto de existirem poucos engarrafamentos de trânsito intenso na ilha Terceira. Quanto a situações desconhecidas como a primeira visita ao veterinário e a primeira viagem de carro (Q47), os animais, no geral, não demonstraram possuir medo. Embora a primeira visita ao veterinário implique contacto com pessoas desconhecidas, logo alguma sociabilidade, o mesmo não se verifica com a primeira 110 viagem de carro. Assim, apesar de parte desta questão estar relacionada com um medo social, a outra poderá não estar e assim torna-se complicado distinguir e separar as duas vertentes. Por esse motivo e porque o estímulo essencial aqui referido prende-se com a resposta do animal perante novas situações, podendo estas serem sociais ou não, optou-se por colocar a questão neste grupo. O medo não social permite observar as respostas dos animais perante diversos estímulos não sociais (King et al., 2003; Svartberg, 2007), aos quais podem estar ou não habituados. No geral, os cães Barbados em estudo, perante situações não sociais, não apresentaram medo. No entanto, isto por si só não permite afirmar a coragem de um animal, uma vez que esta implica a manifestação de um comportamento arriscado numa determinada situação (Budaev,2000 citado por Gosling, 2001), mesmo que possua medo. Assim, seria necessário obter mais informações relativamente à capacidade de exploração dos animais, pois estes poderão não ter medo mas também não serem capazes de avançar e explorar os estímulos. Comparando as questões anteriores pareceu existir uma maior sensibilidade dos Barbados perante os sons estranhos, altos e súbitos do que em relação a objectos ou situações estranhas, tendo em conta a maior concentração de respostas nas classes superiores. Segundo Svartberg (2006), a razão de aquisição do cão pelo dono poderá determinar o grau de coragem e timidez. Ou seja, cães corajosos são desejados para o desempenho de trabalho, enquanto cães menos corajosos, mas não tímidos, serão mais fáceis de lidar como cães de companhia. Isto porque, de acordo com Verbeek et al. (1996), indivíduos com pouco medo, eram mais passíveis de ganhar concursos, tornarem-se dominantes e terem maiores capacidades competitivas. Svartberg (2003) enunciou que a selecção de cães para exposições caninas parecia estar relacionada com um aumento do medo social e não social. Contudo, o Barbado não parece, ainda, correr esse risco, pois a maioria não é adquirida para efeitos de concurso. Wilsson & Sundgren (1997) concluíram que os cães machos tiveram pontuações mais elevadas do que as fêmeas para a coragem, no seu estudo. No entanto, no presente estudo, não houve diferenças significativas entre sexos em nenhum dos parâmetros em questão, apesar de ter existido alguma discrepância em determinadas situações. 111 De acordo com Fuchs et al. (2005), o treino dos cães numa idade precoce estava associado com uma maior autoconfiança e coragem. Desconhece-se com que idade os cães Barbados em estudo começaram a ser treinados, pelo que não se pode determinar este tipo de influência. 4.2.1.3- Vinculação e comportamento de procura de atenção Quanto à vinculação e comportamento de procura de atenção (Quadro 11), não foram verificadas diferenças significativas entre machos e fêmeas em nenhuma das situações. Constatou-se que o cão Barbado desenvolvia um vínculo muito forte com um membro da família (Q69) em particular, e esse parecia ser mais evidente nas fêmeas (51,7% vs. 42,1%, na classe 4). Quadro 11- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes à vinculação (V) e comportamento de procura de atenção (CPA), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género 69 V 70 71 72 CPA 73 74 0 1 2 3 4 NR M 2,6 5,3 5,3 44,7 42,1 0,0 F 3,4 0,0 3,4 41,4 51,7 0,0 M 13,2 7,9 18,4 23,7 34,2 2,6 F 20,7 0,0 6,9 37,9 31,0 3,4 M 2,6 0,0 21,1 36,8 39,5 0,0 F 0,0 3,4 24,1 34,5 37,9 0,0 M 5,3 10,5 31,6 26,3 26,3 0,0 F 3,4 0,0 44,8 24,1 27,6 0,0 M 28,9 28,9 26,3 5,3 7,9 2,6 F 20,7 41,4 27,6 6,9 3,4 0,0 M 10,5 10,5 28,9 21,1 23,7 5,3 F 13,8 10,3 37,9 27,6 10,3 0,0 p 0,829 0,264 0,927 0,450 0,808 0,663 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. O vínculo foi evidenciado em várias situações, como seguir sempre a figura de vínculo ou outros membros da família (Q70) pela casa (34,2% dos machos vs.31% 112 das fêmeas) e tentar sentar-se perto ou em contacto com eles (Q71), quando estavam sentados (39,5% dos machos e 37,9% das fêmeas, na classe 4). Relativamente ao comportamento de procura de atenção (Q72) observou-se que a maioria dos cães só o evidenciava às vezes (classe 2). Se a atenção sobre a forma de afecto recaísse sobre uma pessoa (Q73), constatou-se que raramente os Barbados manifestavam agitação (28,9%, machos vs. 41,4%, fêmeas). No entanto, se essa atenção recaísse sobre outro animal, inclusive outro cão (Q74) a agitação já aumentava, parecendo ser superior em machos, possivelmente devido ao factor de dominância. Esta agitação é consequente à ansiedade do cão ao verificar que a atenção que pretende ter do dono está a ser desviada para outrem. Alguns chegam a desenvolver agressão nestes contextos (Beaver, 1999), podendo esta ser diminuída consoante o nível de treino de obediência aumenta (Jagoe & Serpell,1996). A procura de atenção e busca de interacção social pelos cães decorre da natureza social dos mesmos. Segundo Topál et al. (2005) foi a domesticação que predispôs esses animais a formarem relações de vinculação com os humanos. Quando estas são muito intensas pode ocorrer o desenvolvimento da designada ansiedade por separação (Beaver, 1999; King et al., 2000). 4.2.1.4- Comportamento predatório Constatou-se que os cães Barbados da amostra evidenciaram um comportamento predatório com diferentes níveis de intensidade, tendo havido alguns que nem o manifestaram (Quadro 12). Isto porque, verificou-se uma grande uniformização das respostas dos donos pelas várias classes, relativamente à tentativa de caça a gatos (Q75), pássaros (Q76) e ratos ou outros animais pequenos (Q77), não se tendo constatado que a maioria tentasse caçar (p> 0,05). Comparando o comportamento predatório dos cães perante os diferentes animais verificou-se uma maior tendência na perseguição de gatos, talvez por estes surgirem mais frequentemente como invasores do território dos Barbados. Este comportamento evidenciado por estes cães poderá não ser exclusivamente um acto de agressividade, pois segundo Coppinger & Coppinger (1998) pode ser exibido fora da sequência predatória em contextos de brincadeira social. A aparente não evidência de um forte comportamento predatório poderá dever-se à socialização e contacto 113 recente dos Barbados com outros animais ou a uma selecção actual vocacionada para a função de companhia, uma vez que o comportamento predatório é mais evidente em raças de pastoreio. No entanto, para avaliá-lo, bem como o desempenho do cão Barbado na condução de gado, esses animais teriam de ser colocados em situações reais de trabalho, para a obtenção de dados mais conclusivos. Deverá ter-se em conta que a maioria dos donos poderá não assistir à maior parte das eventuais perseguições, pois passam muito tempo do seu dia, fora de casa, a trabalhar, conforme já referido. Quadro 12- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes ao comportamento predatório (CP), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género 75 CP 76 77 0 1 2 3 4 NR M 23,7 18,4 28,9 10,5 18,4 0,0 F 17,2 24,1 20,7 20,7 17,2 0,0 M 26,3 23,7 23,7 18,4 7,9 0,0 F 20,7 20,7 27,6 13,8 17,2 0,0 M 23,7 21,1 23,7 18,4 13,2 0,0 F 20,7 17,2 37,9 13,8 10,3 0,0 p 0,703 0,797 0,833 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. 4.2.1.5- Focalização no treino Quanto à focalização no treino (Quadro 13) não foram verificadas diferenças significativas entre sexos. As reacções dos cães, quando chamados pelo dono (Q1), bem como a facilidade de distracção dos mesmos perante o meio envolvente (Q7), envolveram questões cujas respostas dos donos foram bastante uniformes entre géneros. As fêmeas tenderam, aparentemente, a ser mais obedientes do que os machos perante a ordem de sentar (Q2) e ficar (Q3) o que seria de esperar uma vez que tiveram mais treino de obediência. Isto iria de encontro ao estudo de Bennett & Rohlf (2007), em que os donos de cães que se envolveram em actividades de treino relataram que estes eram menos desobedientes. Por sua vez, os machos pareceram demonstrar ser mais atentos ao dono, ao que este dizia e fazia (Q4), ser menos lentos a responder a punições ou correcções (Q5) e a aprender novos truques (Q6), sem, no entanto, como já referido, terem existido 114 diferenças com significância estatística. Isto está de acordo com Vas et al. (2007) ao terem afirmado que a falta de atenção não foi afectada pelo género. Referiram ainda que os cães podiam ser treinados para estarem atentos, pois a experiência e o treino individual podiam melhorar as capacidades de atenção. Quadro 13- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes à focalização no treino (FT), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género 1 2 3 FT 4 5 6 7 0 1 2 3 4 NR M 0,0 0,0 13,2 52,6 34,2 0,0 F 0,0 3,4 6,9 58,6 31,0 0,0 M 5,3 10,5 26,3 42,1 10,5 5,3 F 0,0 10,3 10,3 51,7 27,6 0,0 M 5,3 15,8 34,2 31,6 7,9 5,3 F 6,9 20,7 27,6 31,0 13,8 0,0 M 0,0 5,3 10,5 31,6 52,6 0,0 F 0,0 3,4 20,7 34,5 41,4 0,0 M 23,7 34,2 34,2 2,6 0,0 5,3 F 10,3 44,8 34,5 10,3 0,0 0,0 M 15,8 34,2 39,5 2,6 0,0 7,9 F 13,8 37,9 34,5 13,8 0,0 0,0 M 5,3 18,4 47,4 21,1 7,9 0,0 F 3,4 20,7 41,4 27,6 6,9 0,0 p 0,621 0,165 0,908 0,635 0,315 0,473 0,968 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. No geral, constatou-se que os Barbados revelaram-se cães bastante obedientes, principalmente perante ordens que conheciam bem, pelo que o treino teve influência. Foram animais muito atentos e que não se distraíam frequentemente com o ambiente em redor. Estando de acordo com Ley et al. (2009), quando afirmaram que os cães de trabalho eram mais concentrados no treino, sendo isso consistente com a herança documentada desses animais relativamente ao historial de trabalho em estreita colaboração com os homens. Da mesma forma, já Coppinger & Coppinger (1980) tinham referido que os cães de pastoreio eram muito receptivos aos comandos do pastor e possuíam uma rápida capacidade de aprendizagem, tornando-se, por isso, fáceis de treinar. 115 4.2.1.6- Sensibilidade ao toque Relativamente à sensibilidade ao toque (Quadro 14), verificou-se uma tendência para que a maioria dos cães Barbados não evidenciasse medo nas situações enunciadas. As diferenças entre género não foram significativas. No entanto, a ausência de medo foi maioritária em determinadas circunstâncias, como o banho, escovagem (Q50) e o enxugar das patas (Q52). Quadro 14- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes à sensibilidade ao toque (ST), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género 43 49 ST 50 52 0 1 2 3 4 NR M 36,8 34,2 15,8 10,5 0,0 2,6 F 41,4 27,6 24,1 0,0 3,4 3,4 M 28,9 5,3 2,6 2,6 0,0 60,5 F 31,0 10,3 3,4 0,0 3,4 51,7 M 68,4 15,8 5,3 0,0 0,0 10,5 F 69,0 10,3 13,8 0,0 3,4 3,4 M 68,4 21,1 5,3 0,0 0,0 5,3 F 75,9 10,3 0,0 3,4 0,0 10,3 p 0,268 0,857 0,461 0,266 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Já no corte de unhas (Q49) não foram verificados valores percentuais tão elevados na classe 0, “sem medo”, como nas situações anteriores, tendo em conta que a maioria dos donos não respondeu por esta não ser uma prática corrente, como já havia sido referido. O exame pelo veterinário (Q43) foi, de todas as situações, aquela onde os cães demonstraram mais medo, embora este não fosse muito elevado. Isto seria expectável tendo em conta que o exame pelo veterinário é algo mais assustador e stressante para os animais, não só pela possível dor decorrente de alguns procedimentos, mas também por implicar contacto social com desconhecidos num ambiente não familiar (Hsu & Sun, 2010). 116 4.2.1.7- Interesse na brincadeira No que diz respeito ao interesse na brincadeira (Quadro 15), nomeadamente, na busca de brinquedos e outros objectos (Q8), verificou-se uma dispersão uniforme dos valores percentuais pelas várias classes de frequência. O facto de nem todos os Barbados possuírem brinquedos pode fazer com que apenas alguns donos joguem à busca de objectos com os seus cães, o que justificaria a dispersão referida. Ao invés disso, optam, certamente, por outro tipo de actividade lúdica pois, como já referido, 95,5% dos donos brincam com os seus Barbados. Quadro 15- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes ao interesse na brincadeira (IB), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q 8 IB 64 92 Género 0 1 2 3 4 NR M 15,8 21,1 13,2 21,1 23,7 5,3 F 6,9 17,2 27,6 27,6 20,7 0,0 M 13,2 10,5 34,2 23,7 18,4 0,0 F 13,8 10,3 34,5 31,0 10,3 0,0 M 2,6 5,3 47,4 34,2 10,5 0,0 F 6,9 6,9 41,4 31,0 13,8 0,0 p 0,514 0,919 0,901 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Os animais evidenciaram uma excitação moderada perante a acção de brincar com um membro da família (Q64) e, por vezes, faziam-no de forma semelhante a um cachorro (Q92) característica relacionada com a neotenia (Coppinger & Smith, 1983). Constatou-se uma grande uniformidade nas respostas dos donos nas várias questões, não tendo havido diferenças estatísticas entre géneros. Para a obtenção de resultados mais conclusivos relativamente ao parâmetro brincadeira, haveria provavelmente necessidade de diversificar as questões. 4.2.1.8- Actividade e excitabilidade A actividade e excitabilidade (Quadro 16) foram averiguadas tendo em conta diversas situações. Relativamente à actividade, verificou-se que 34,2% dos machos e 24,1% das fêmeas estavam sempre dispostos a brincar ou praticar alguma actividade. Contudo, sem que estas diferenças se tivessem revelado significativas. 117 Quadro 16- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes à actividade (A) e excitabilidade (E), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q Género A 93 63 65 E 66 67 68 0 1 2 3 4 NR M 0,0 0,0 21,1 44,7 34,2 0,0 F 0,0 6,9 20,7 48,3 24,1 0,0 M 7,9 15,8 34,2 23,7 18,4 0,0 F 13,8 6,9 31,0 27,6 20,7 0,0 M 10,5 13,2 26,3 26,3 21,1 2,6 F 10,3 24,1 17,2 37,9 10,3 0,0 M 15,8 5,3 31,6 18,4 15,8 13,2 F 13,8 31,0 24,1 17,2 6,9 7,0 M 7,9 10,5 36,8 18,4 13,2 13,2 F 27,6 27,6 17,2 13,8 10,3 3,0 M 18,4 13,2 42,1 10,5 13,2 2,6 F 17,2 24,1 37,9 17,2 3,4 0,0 p 0,427 0,785 0,493 0,098 0,065 0,500 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Quanto à excitabilidade observou-se que os cães Barbados manifestaram uma ansiedade moderada perante o regresso do dono ou outro membro da família a casa, após uma breve ausência (Q63). De igual forma, manifestaram ansiedade moderada quando as visitas chegavam a casa do dono (Q68) e quando a campainha tocava (Q65), parecendo existir uma tendência superior nos machos. Perante a perspectiva de um passeio, quer a pé (Q66), quer de carro (Q67), pareceu notar-se uma maior excitabilidade nos machos, embora se deva ter em atenção que 13,2% dos donos dos machos não responderam. No entanto, a ansiedade evidenciada foi discreta a moderada. Não foram identificadas diferenças estatisticamente significativas entre géneros. Os Barbados da amostra apresentaram grande actividade, o que está de acordo com Coppinger & Coppinger (1980) quando afirmaram que os cães de pastoreio são muito activos e enérgicos. Além disso, evidenciaram uma excitabilidade moderada, o que segundo Martínek et al. (1975) teriam um desempenho mais elevado na função de guarda. A excitabilidade mais elevada ocorreu perante o regresso do dono a casa, o que é explicado pela relação que o cão estabeleceu com ele, ficando satisfeito com a sua presença, e quando a campainha tocava, pois o animal associara o toque à 118 aproximação de algo. Jagoe & Serpell (1996) constataram que cães de donos pela primeira vez mostravam maior excitabilidade geral, podendo isto dever-se ao facto de eles considerarem os seus cães mais rebeldes, do que os donos experientes. 4.2.2- Problemas comportamentais 4.2.2.1- Problemas comportamentais sociais A manifestação de agressividade por dominância (Quadro 17), perante um membro da família, foi identificada em várias situações, nomeadamente: na correcção e/ou punição verbal do animal (Q9); no retirar objectos, ossos (Q13) e comida (Q19) pelo dono; na recuperação de objectos roubados pelo cão (Q31); na aproximação ao animal enquanto este se alimentava (Q17); na escovagem e banho do cão pelo dono (Q14); no encarar nos olhos do animal (Q25) e no maltrato ao mesmo, fosse este físico ou verbal (Q30). Quadro 17- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes aos problemas comportamentais sociais (PCS), mais propriamente à agressividade por dominância (AD), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q 9 13 14 17 PCS AD 19 25 30 31 Género 0 1 2 3 4 NR M 78,9 18,4 2,6 0,0 0,0 0,0 F 96,6 3,4 0,0 0,0 0,0 0,0 M 73,7 15,8 2,6 2,6 2,6 2,6 F 93,1 6,9 0,0 0,0 0,0 0,0 M 84,2 7,9 0,0 0,0 0,0 7,9 F 93,1 3,4 0,0 0,0 0,0 3,4 M 76,3 15,8 2,6 5,3 0,0 0,0 F 86,2 13,8 0,0 0,0 0,0 0,0 M 86,8 10,5 0,0 2,6 0,0 0,0 F 93,1 6,9 0,0 0,0 0,0 0,0 M 89,5 10,5 0,0 0,0 0,0 0,0 F 96,6 3,4 0,0 0,0 0,0 0,0 M 57,9 21,1 13,2 2,6 0,0 5,3 F 86,2 10,3 0,0 0,0 0,0 3,4 M 78,9 10,5 2,6 0,0 0,0 7,9 F 93,1 6,9 0,0 0,0 0,0 0,0 p 0,093 0,462 0,622 0,697 0,823 0,379 0,037 0,824 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. 119 Verificou-se que em todas as circunstâncias acima referidas a maioria dos cães, tanto machos como fêmeas, não demonstraram agressão, e apenas uma questão evidenciou diferenças significativas entre sexos (p=0,037), enquanto as demais não. Perante um maltrato, quer físico, quer verbal, houve um aparente aumento de agressividade, mesmo que reduzido, comparativamente às demais circunstâncias. Aqui, aparentemente, os machos apresentaram-se mais agressivos do que as fêmeas, o que está em concordância com Beaver (1999) e Pérez-Guisado & Muñoz-Serrano (2009). Assim sendo, os cães Barbados deste estudo não mostraram ser animais agressivos em contextos de dominância, exceptuando-se as situações em que se sentiam extremamente ameaçados, como o maltrato. Segundo Cruz (2007), as raças portuguesas de cães de pastoreio evidenciam, à semelhança de outras similares, um elevado potencial para a dominância, tal não implicando necessariamente agressão. Deste modo, tendo em conta os resultados acima apresentados, poderia pensar-se que os Barbados não seriam propensos a manifestar dominância. No entanto, essa tendência poderia existir, mas uma correcta educação dos cães permitiu o não desenvolvimento de patologias comportamentais. Isto poderá decorrer do facto de a maioria dos donos de Barbados já terem possuído outros cães, alguns da mesma raça, o que pressupõe serem mais experientes, e como tal, terem um melhor controlo sobre os animais e saberem educá-los. Além disso, poderá ter ocorrido um decréscimo da dominância, ao longo dos tempos, decorrente da diminuição da utilização do Barbado para pastoreio e do aumento do interesse na sua aptidão como cão de companhia. A ausência de agressividade por dominância é algo positivo, uma vez que não é desejável, muito menos em animais de companhia, embora algumas raças com funcionalidade de guarda sejam seleccionadas, até certo ponto, para demonstrarem este comportamento (O’Farrell, 1992). Pérez-Guisado & Muñoz-Serrano (2009) relataram que cães que viviam com outros na mesma casa tendiam a ser menos ofensivos para os donos. Os resultados acima enunciados indicam uma possível concordância com esses autores pois como já referido, 74,6% dos Barbados vivem com outros cães. O motivo de aquisição do animal influencia o grau de agressividade por dominância, tendo em conta que Jagoe & Serpell (1996) constataram que cães 120 adquiridos para reprodução e/ou concurso evidenciavam menor intensidade deste tipo de agressão por estarem habituados a serem manejados. Relativamente à aquisição e respectiva relação com a agressividade por dominância evidenciada pelos Barbados apenas se pode referir que, apesar da variedade de aptidões que os Barbados em estudo possuíam, embora a de companhia predominasse, não foi constatada agressividade. Contudo, não existem dados suficientes para afirmar que animais de uma determinada aptidão apresentem menor agressividade por dominância do que os outros. Quanto ao local onde vivem, Hsu & Sun (2010) mostraram que cães mantidos no exterior da casa evidenciavam uma tendência forte para serem mais agressivos para os seus donos, talvez por lhes faltar interacção com eles. Contrariamente a esse estudo, a maioria dos Barbados estudados viviam no exterior de casa e não manifestavam agressão por dominância, possivelmente por não terem essa tendência, ou pelo facto de os donos interagirem o suficiente com eles. Relativamente ao treino de obediência, segundo Bennett & Rohlf (2007) os cães treinados eram mais obedientes e menos agressivos em direcção a pessoas familiares e estranhos. Assim, apesar de a maioria dos Barbados não terem sido treinados, também não foi constatada agressividade por dominância. Tendo em conta os tipos de agressividade já referidos, de forma semelhante ao estudo de Hsu & Sun (2010) em cães de companhia na Tailândia, os Barbados apresentaram pontuações mais elevadas na agressividade direccionada a cães, seguindo-se a agressividade direccionada a estranhos e em menor grau a agressividade direccionada aos donos. A ansiedade por separação (Quadro 18) foi averiguada a partir das respostas dos donos perante a manifestação de comportamentos relacionados à separação, tais como: tremores intensos (Q55), salivação excessiva (Q56), inquietação (Q57), choro (Q58), latidos (Q59), uivos (Q60), destruição da casa (Q61) e perda de apetite (Q62). Observou-se que a maioria dos animais não parece possuir esta patologia, devido à ausência de qualquer sintomatologia da referida acima. Verificou-se que a inquietação e os latidos foram os comportamentos mais manifestados pelos cães na ausência dos donos, devido à maior dispersão das respostas destes pelas várias classes de frequência. 121 Quadro 18- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes aos problemas comportamentais sociais (PCS), mais propriamente à ansiedade por separação (AS), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q 55 56 57 58 PCS AS 59 60 61 62 Género 0 1 2 3 4 NR M 84,2 10,5 5,3 0,0 0,0 0,0 F 96,6 3,4 0,0 0,0 0,0 0,0 M 78,9 18,4 2,6 0,0 0,0 0,0 F 82,8 10,3 6,9 0,0 0,0 0,0 M 57,9 7,9 26,3 7,9 0,0 0,0 F 69,0 20,7 6,9 3,4 0,0 0,0 M 73,7 15,8 10,5 0,0 0,0 0,0 F 62,1 20,7 17,2 0,0 0,0 0,0 M 52,6 10,5 26,3 10,5 0,0 0,0 F 62,1 27,6 10,3 0,0 0,0 0,0 M 73,7 15,8 7,9 2,6 0,0 0,0 F 75,9 13,8 6,9 0,0 3,4 0,0 M 81,6 13,2 5,3 0,0 0,0 0,0 F 75,9 20,7 0,0 3,4 0,0 0,0 M 65,8 15,8 7,9 7,9 0,0 2,6 F 65,5 27,6 6,9 0,0 0,0 0,0 p 0,314 0,545 0,089 0,578 0,044 0,943 0,404 0,410 Nota: NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre géneros, na maior parte das questões, exceptuando-se a 59, em que os machos latiram mais. Os machos são mais propensos a manifestar ansiedade por separação (Bradshaw et al., 2002), pelo que esta vocalização poderá ser um sinal disso. Contudo, os donos poderão ter considerado um latir associado a defesa territorial ou alerta, que fosse mais evidente nos machos, tal como Reisner (1995a) referiu. Apesar de se ter verificado anteriormente que o cão Barbado estabelecia um vínculo forte com um membro da família, tal facto não levou ao desenvolvimento de ansiedade por separação, possivelmente por se tratar de um vínculo saudável e não exagerado, como Alvarez (1993) e Beaver (1999) referiram. Uma vez que a maioria dos Barbados partilhavam o seu espaço com outro cão, segundo Voith (1992), isto contribuía para minimizar a possibilidade de desenvolvimento da patologia. Algum treino de obediência, também, pode ter contribuído para a redução da ansiedade por 122 separação devido às mudanças qualitativas que surgiam na relação entre o cão e o dono, como referiu Clark & Boyer (1993). Por outro lado, o facto de os donos terem uma visão realista do comportamento de separação dos cães tal como Konok et al. (2011) observaram, pode permitir um diagnóstico precoce da patologia e assim contribuir para minimizar os efeitos negativos associados a ela na saúde e tempo de vida do cão doméstico, enunciados por Dreschel (2010). 4.2.2.2- Problemas comportamentais sensoriais e neurais No que diz respeito aos problemas comportamentais sensoriais e neurais (Quadro 19), mais precisamente às condutas estereotipadas, verificou-se que a maioria dos cães não as evidenciou, tendo havido bastante uniformidade nas respostas dos donos. Entre géneros não existiram diferenças significativas. Apesar disto, houve situações em que a ausência desses comportamentos revelava-se de forma mais intensa nos animais, como o caçar moscas imaginárias (Q95), o correr atrás da própria cauda (Q96), o seguir sombras, pontos de luz (Q97) e a manifestação de outros comportamentos estranhos e repetidos (Q101). Nos comportamentos como o encarar coisas invisíveis (Q94), o lamber-se excessivamente (Q99), ou a pessoas ou objectos (Q100) verificou-se menor concentração de respostas dos donos na classe 0,“nunca”, originando posteriormente uma dispersão destas pelas restantes classes. Assim, foi possível constatar que a maioria dos cães Barbados não evidenciou predisposição para o desenvolvimento de condutas estereotipadas, o que segundo Beaver (1999) e Rooney et al. (2009) poderá indicar a ausência de stress e conflito nesses animais. Observou-se, também, que, no geral, os Barbados não foram identificados como hiperactivos (Q91) devido à maior concentração de respostas dos donos nas classes de frequência mais baixa. Apesar destes cães serem activos, isto não acontece de uma forma excessiva ao ponto de desenvolverem hiperactividade que segundo Heath (2003) poderia levar a uma inabilidade para aprender e difícil habituação a ambientes novos. 123 Quadro 19- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes aos problemas comportamentais sensoriais e neurais (PCSN), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q 94 95 96 97 PCSN CE 99 100 101 91 H Género 0 1 2 3 4 NR M 47,4 26,3 21,1 2,6 2,6 2,6 F 34,5 34,5 24,1 6,9 0,0 0,0 M 76,3 7,9 13,2 2,6 0,0 0,0 F 69,0 6,9 20,7 3,4 0,0 0,0 M 92,1 2,6 2,6 2,6 0,0 0,0 F 93,1 3,4 0,0 3,4 0,0 0,0 M 68,4 15,8 10,5 2,6 2,6 0,0 F 65,5 20,7 13,8 0,0 0,0 0,0 M 39,5 36,8 15,8 7,9 0,0 0,0 F 31,0 48,3 17,2 3,4 0,0 0,0 M 36,8 42,1 18,4 0,0 2,6 0,0 F 31,0 44,8 20,7 3,4 0,0 0,0 M 92,1 7,9 0,0 0,0 0,0 0,0 F 79,3 13,8 3,4 3,4 0,0 0,0 M 42,1 31,6 13,2 7,9 5,3 0,0 F 41,4 34,5 17,2 6,9 0,0 0,0 p 0,714 0,913 1,000 0,936 0,719 0,860 0,264 0,883 Nota: CE- condutas estereotipadas; H- hiperactividade; NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. 4.2.2.3- Problemas comportamentais comunicativos, alimentares e eliminativos O Quadro 20 apresenta os resultados dos problemas comportamentais comunicativos, alimentares e eliminativos. As diferenças observadas entre géneros apenas foram estatisticamente significativas na variável marcação urinária (MU – Q87). Relativamente aos problemas comportamentais comunicativos, mais propriamente à marcação urinária (Q87), observou-se que 89,7% das fêmeas nunca urinavam em objectos na casa do dono, contrariamente aos 39,5% dos machos, cujos valores percentuais dispersaram mais acentuadamente pelas restantes classes (p< 0,001), o que vai de acordo com Beaver (1999). Apesar disto se ter verificado, não se poderá afirmar que haja uma predominância deste comportamento no Barbado, 124 uma vez que apenas 13,2 e 2,6% dos machos o realizaram quase sempre (classe 3) e sempre (classe 4), respectivamente, contrariamente aos 3,4 e 0,0% das fêmeas. A fraca presença deste comportamento poderá estar associada ao facto de os Barbados em estudo serem cães pouco dominantes, pois de acordo com Beaver (1999) são estes que mais frequentemente o manifestam. Quadro 20- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes aos problemas comportamentais comunicativos (PCC), alimentares (PCA) e eliminativos (PCE), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q PCC PCA MU 87 SE 88 VE 98 C 80 DO 81 89 PCE EI 90 Género 0 1 2 3 4 NR M 39,5 15,8 28,9 13,2 2,6 0,0 F 89,7 6,9 0,0 3,4 0,0 0,0 M 78,9 15,8 5,3 0,0 0,0 0,0 F 72,4 24,1 0,0 3,4 0,0 0,0 M 15,8 10,5 42,1 21,1 10,5 0,0 F 20,7 20,7 34,5 24,1 0,0 0,0 M 84,2 13,2 2,6 0,0 0,0 0,0 F 86,2 13,8 0,0 0,0 0,0 0,0 M 39,5 44,7 10,5 2,6 2,6 0,0 F 31,0 34,5 20,7 6,9 6,9 0,0 M 50,0 23,7 18,4 2,6 5,3 0,0 F 65,5 31,0 0,0 0,0 3,4 0,0 M 52,6 28,9 5,3 7,9 5,3 0,0 F 55,2 44,8 0,0 0,0 0,0 0,0 p 0,000 0,375 0,346 1,000 0,530 0,069 0,197 Nota: MU- marcação urinária; SE- submissão excessiva; VE- vocalização excessiva; Ccoprofagia; DO- destruição de objectos; EI- eliminação inadequada; NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. Quanto à submissão excessiva (Q88) observou-se que a maioria dos cães nunca urinava quando acariciados, segurados ou abraçados por alguém, o que indica não serem, aparentemente, muito tímidos e submissos. Relativamente à vocalização excessiva (Q98) constatou-se que, no geral, os Barbados latiam, às vezes (classe 2), de forma persistente quando alarmados ou excitados. Apesar de os machos parecerem latir mais do que as fêmeas (10,5% vs.0,0%, na classe 4- “sempre”), o que iria de encontro aos resultados da questão 59, não foi atingido um nível de 125 significância. Esta patologia tende a ser difícil de classificar, uma vez que o grau de vocalização poderá ser normal mas considerado excessivo pelos donos (Overall, 2007). Relativamente aos problemas comportamentais relativos à ingestão, mais propriamente à coprofagia (Q80), verificou-se que a maioria dos animais nunca demonstrou este comportamento, pelo que segundo Rooney et al. (2009) poderá indicar um bom equilíbrio nutricional e um treino de eliminação correcto. Ainda dentro do mesmo grupo, constatou-se que a destruição de objectos (Q81) não era muito frequente, ocorrendo só às vezes (classe 2). A quase inexistência deste comportamento é positiva uma vez que, provavelmente, os animais em estudo eram equilibrados, devido à aparente ausência de necessidade em direccionar a sua frustração na destruição de algo, como nos casos associados à ansiedade por separação. Não foram detectadas diferenças com significância estatística. Relativamente aos problemas comportamentais eliminativos, observou-se que a maioria dos animais, nunca urinava (Q89) ou defecava (Q90) em locais inapropriados quando eram deixados sozinhos à noite ou durante o dia. Esta situação poderá ser um indicador de que os animais tiveram um bom treino de eliminação e que estão bem ao ponto de não desenvolverem ansiedade por separação ou outras patologias (Beaver, 1999). Contudo, pareceu constatar-se que os machos eliminavam inadequadamente, com mais frequência, do que as fêmeas, devido a alguma concentração de respostas nas classes mais elevadas. Isto estaria de acordo com O’Farrell (1992) que afirmou haver uma predisposição deste comportamento em machos inteiros. 4.2.2.4- Outros problemas comportamentais Outros problemas comportamentais com diversas causas estão enunciados no Quadro 21. Estatisticamente não se verificaram diferenças entre géneros em qualquer das variáveis analisadas. Relativamente ao comportamento de fugir de casa (Q78) foi possível constatar que apesar de ser realizado “às vezes” (classe 2), tanto por machos (23,7%) como por fêmeas (24,1%), não é muito comum na maioria das situações. No entanto, os animais que fugiram poderão ter sido motivados, pela falta de exercício, como 126 passeios menos frequentes (Kobelt et al., 2003), pelo confinamento excessivo e, no caso dos machos, pela procura de fêmeas em cio (Houpt, 2005). Quadro 21- Distribuição de frequências percentuais das questões (Q) referentes a outros problemas comportamentais (OPC), pelas várias classes de frequência, em machos (M) e fêmeas (F). Q FC RSOD MSI OPC PCI RC NSDE PTE 78 79 82 83 84 85 86 Género 0 1 2 3 4 NR M 50,0 15,8 23,7 7,9 2,6 0,0 F 55,2 20,7 24,1 0,0 0,0 0,0 M 78,9 10,5 10,5 0,0 0,0 0,0 F 79,3 10,3 10,3 0,0 0,0 0,0 M 81,6 13,2 5,3 0,0 0,0 0,0 F 72,4 17,2 10,3 0,0 0,0 0,0 M 26,3 28,9 36,8 5,3 2,6 0,0 F 37,9 17,2 34,5 6,9 3,4 0,0 M 57,9 31,6 10,5 0,0 0,0 0,0 F 69,0 24,1 3,4 0,0 3,4 0,0 M 68,4 15,8 7,9 5,3 0,0 2,6 F 82,8 13,8 3,4 0,0 0,0 0,0 M 28,9 15,8 13,2 23,7 2,6 15,8 F 20,7 20,7 37,9 6,9 6,9 7,0 p 0,600 1,000 0,683 0,762 0,378 0,601 0,086 Nota: FC- fugir de casa; RSOD- rolar sobre substâncias de odor desagradável; MSI- montar sexual inapropriado; PCI- pedir comida insistentemente; RC- roubar comida; NSDE- nervosismo em subir e descer escadas; PTE- puxar a trela excessivamente; NR- percentagem de donos que não responderam. Quando significativo p < 0,05. De forma semelhante à questão anterior, verificou-se que a maioria dos animais não se rola sobre substâncias de odor desagradável (Q79). Houve grande uniformidade das respostas dos donos entre os géneros. Quanto ao montar sexual inapropriado (Q82) verificou-se que a maioria dos animais nunca o fez, mesmo que 85,1% destes sejam inteiros. Este facto poderá indicar uma boa socialização do cão em relação a outros bem como baixa dominância (Beaver, 1999), como já havia sido constatado. No que diz respeito a pedir comida insistentemente quando alguém está a comer (Q83) verificou-se uma dispersão das respostas dos donos pelas várias classes, tendose observado que, grande parte dos cães já havia realizado este comportamento, “às vezes” (classe 2). 127 Nos restantes problemas comportamentais observou-se que a maioria dos Barbados não roubaram comida (Q84), o que seria um comportamento normal e desejado, nem ficaram nervosos quando subiam ou desciam escadas (Q85), sendo animais seguros perante esta situação. A excitabilidade inerente ao puxar a trela excessivamente (Q86) revelou-se bastante discrepante em machos e fêmeas e com diferentes intensidades. A alta excitabilidade apresentada por alguns animais poderá dever-se a uma vontade em conhecer novos sinais e odores, como O’Farrell (1992) enunciou. 4.3- Ensaio comportamental 4.3.1- Avaliação da personalidade 4.3.1.1- Sociabilidade 4.3.1.1.1- Sociabilidade com pessoas estranhas Relativamente à sociabilidade com pessoas estranhas (Quadro 22), não se constatou existirem diferenças significativas entre géneros, quer no teste, quer na repetição. Aquando da aproximação do estranho e posterior contacto com o dono, mas evitação do animal (VC 6), verificou-se que poucos cães se sentiram desconfortáveis, ou mesmo até agressivos perante a sua presença. Apesar de o cão poder interpretar a aproximação do desconhecido como uma possível ameaça ao dono, observou-se que, no geral, evidenciaram um comportamento amigável. Parecia notar-se que as fêmeas eram mais amigáveis (15,4% vs. 0%, na classe 5), em ambas as repetições, o que iria de acordo com Lore & Eisenberg (1986) que no seu estudo demonstraram que os cães machos abordavam mais relutantemente e faziam menos contacto corporal com um homem desconhecido do que as fêmeas. Nesta situação verificou-se que os Barbados da amostra, perante a aproximação de estranhos na presença do dono, tenderam a reagir de forma amigável. Isto pressupõe serem animais bem socializados, contudo, apesar de se ter constatado um contacto muito frequente com adultos, quer no período de socialização, quer num período mais recente (p> 0,05; Anexo VII.5.1- Anexo VII.5.4), desconhece-se se esta socialização também incluía desconhecidos ou apenas pessoas familiares. As 128 reacções amigáveis foram acompanhadas de alguma curiosidade, perceptível através dos comportamentos de investigação visíveis na maioria dos animais. Isto só pode ser tido em conta num ambiente externo, pois a reacção deles no seu território poderá ser diferente, tal como Paroz et al. (2008) referiram. Quadro 22- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes à sociabilidade (SO), com pessoas estranhas (SPE), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género 6 7 8 9 SO SPE 26 27 30 31 33 1 2 3 4 5 M 0,0 9,1 27,3 63,6 0,0 F 7,7 0,0 53,8 23,1 15,4 M 0,0 9,1 45,5 36,4 9,1 F 7,7 0,0 53,8 30,8 7,7 M 0,0 0,0 45,5 45,5 9,1 F 0,0 23,1 38,5 38,5 0,0 M 0,0 9,1 36,4 45,5 9,1 F 0,0 7,7 46,2 46,2 0,0 M 0,0 18,2 72,7 9,1 0,0 F 0,0 7,7 92,3 0,0 0,0 M 0,0 18,2 72,7 9,1 0,0 F 0,0 15,4 84,6 0,0 0,0 M 18,2 45,5 36,4 0,0 0,0 F 0,0 30,8 61,5 7,7 0,0 M 27,3 27,3 45,5 0,0 0,0 F 7,7 23,1 69,2 0,0 0,0 M 18,2 27,3 45,5 9,1 0,0 F 0,0 15,4 76,9 7,7 0,0 p 0,093 0,948 0,316 0,907 0,374 0,778 0,224 0,333 0,350 Repetição 1 2 3 4 5 9,1 0,0 36,4 54,5 0,0 0,0 7,7 46,2 30,8 15,4 0,0 18,2 18,2 54,5 9,1 7,7 15,4 30,8 38,5 7,7 0,0 9,1 45,5 36,4 9,1 7,7 7,7 38,5 46,2 0,0 0,0 9,1 36,4 54,5 0,0 7,7 0,0 38,5 53,8 0,0 0,0 9,1 81,8 9,1 0,0 0,0 7,7 92,3 0,0 0,0 0,0 9,1 81,8 9,1 0,0 0,0 7,7 92,3 0,0 0,0 9,1 27,3 54,5 9,1 0,0 0,0 7,7 92,3 0,0 0,0 9,1 9,1 54,5 27,3 0,0 7,7 0,0 84,6 7,7 0,0 9,1 0,0 54,5 36,4 0,0 7,7 0,0 61,5 23,1 7,7 p 0,366 0,956 0,949 1,000 0,717 0,717 0,128 0,408 0,904 Nota: quando significativo p < 0,05. Perante o cumprimento do estranho ao cão (VC 7), constatou-se que, no geral, os Barbados não o rejeitaram. No entanto, este também não foi muito intenso. De forma semelhante, eles não se recusaram a andar com o estranho (VC 8), mas sentiram-se incomodados, alguns até com medo, pois puxavam a trela, tentando fugir e procuravam apoio, tal como enunciado por De Meester et al. (2008), uma vez que tentavam ter sempre o dono no seu alcance visual. Aquando do cumprimento do 129 estranho ao cão, no passeio com ele, longe do dono (VC 9), as respostas comportamentais foram muito próximas das apresentadas na variável comportamental 7. Relativamente à aproximação e presença de pessoas (VC 26, VC 27) verificou-se que a maioria dos animais permaneceu num estado neutro (classe 3), nem muito desconfortáveis, nem muito empolgados com elas. Evidenciaram posturas corporais calmas e alguns desenvolveram comportamentos de substituição, como desvio do olhar e cheirar o chão. O olhar fixo do estranho ao cão (VC 30) foi bastante desconfortável para a maioria dos animais, uma vez que apresentaram linguagem corporal que evidenciava sinais de apaziguamento e stress: orelhas para trás, salivação excessiva, desvio do olhar, deitar, lamber os lábios, rosnar, latir e recuar ligeiramente. Estas reacções são normais, tendo em conta que o olhar fixo, segundo Voith (1992), é em linguagem canina um sinal de dominância. Contudo, apesar desse desconforto, foram poucos os animais que evidenciaram agressividade intensa ao ponto de tentarem soltar-se para morder, parecendo isto ser mais evidente nos machos, mesmo não tendo existido diferenças significativas entre géneros. Isto seria justificável pelo facto de os machos verem o seu estado de dominância comprometido, e conforme Beaver (1999) referiu, serem eles os mais propensos a manifestar agressividade nestes contextos. Na repetição do teste verificou-se uma diminuição do desconforto sentido pelos animais, possivelmente motivado por algum nível de habituação do animal à pessoa ou à situação. No que diz respeito ao cumprimento do estranho ao cão (VC 31), após o olhar fixo, verificou-se que, no geral, os animais permaneceram num estado neutro (classe 3). Contudo, houve menor rejeição, através da evitação ou fuga, na repetição em relação ao teste, possivelmente devido a algum tipo de habituação do animal ao estranho, este que já tinha surgido anteriormente em outros subtestes. Isto está de acordo com Ruefenacht et al. (2002) e Miklósi (2007), ao referirem que quando se verificava diminuição de agressividade é porque havia ocorrido habituação. Esta rejeição vai de encontro ao facto de na situação anterior os cães se terem sentido mais incomodados no teste do que na sua repetição. Quanto ao cumprimento dado pelo estranho ao cão, após o confronto com o dono (VC 33), de forma semelhante à variável comportamental 31 houve uma maior aceitação por parte dos animais na repetição, pelos mesmos motivos enunciados anteriormente. 130 4.3.1.1.2- Sociabilidade com animais Quanto à sociabilidade do cão Barbado para com cães estranhos e gatos (Quadro 23), verificou-se que aquando da aproximação (VC 15, VC 28) e presença do cão e da cadela (VC 16,VC 29), os Barbados, no geral, estavam confortáveis, evidenciando uma postura corporal amigável, com alguma curiosidade e convites para brincar. Isto, possivelmente, dever-se-á ao contacto frequente que eles tiveram no período de socialização (p> 0,05; Anexo VII.5.1, Anexo VII.5.5) e num passado recente (p> 0,05; Anexo VII.5.3, Anexo VII.5.6) com outros cães. Contudo, alguns manifestaram desconforto intenso, latindo, rosnando e outros demonstraram sinais de apaziguamento, como desvio do olhar e lamber dos lábios, o que segundo Kalnajs (2006) servia para suprimir um potencial comportamento agressivo e negociação de espaço. Quadro 23- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes à sociabilidade (SO) com animais, pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género 15 16 SO SCE 28 29 SG 39 40 1 2 3 4 5 M 0,0 9,1 36,4 45,5 9,1 F 7,7 7,7 69,2 15,4 0,0 M 0,0 9,1 36,4 45,5 9,1 F 7,7 0,0 76,9 15,4 0,0 M 0,0 18,2 54,5 27,3 0,0 F 0,0 M 0,0 18,2 45,5 36,4 0,0 F 0,0 15,4 53,8 23,1 7,7 M 18,2 9,1 72,7 0,0 0,0 F 23,1 15,4 61,5 0,0 0,0 M 18,2 9,1 72,7 0,0 0,0 F 23,1 15,4 61,5 0,0 0,0 7,7 69,2 15,4 7,7 p 0,218 0,097 0,691 0,922 1,000 1,000 Repetição 1 2 3 4 5 0,0 27,3 27,3 27,3 18,2 7,7 7,7 61,5 23,1 0,0 0,0 27,3 27,3 27,3 18,2 7,7 7,7 53,8 30,8 0,0 0,0 9,1 45,5 45,5 0,0 7,7 0,0 69,2 23,1 0,0 0,0 0,0 36,4 63,6 0,0 7,7 7,7 61,5 23,1 0,0 18,2 36,4 45,5 0,0 0,0 15,4 38,5 46,2 0,0 0,0 18,2 36,4 45,5 0,0 0,0 15,4 46,2 38,5 0,0 0,0 p 0,189 0,237 0,323 0,138 1,000 1,000 Nota: SCE- sociabilidade com cães estranhos; SG- sociabilidade com gatos. Quando significativo p < 0,05. Conforme expresso no Quadro 23, não se detectaram diferenças significativas entre machos e fêmeas, quer no teste, quer na sua repetição. 131 Quanto à aproximação ao gato (VC 39) e observação do mesmo (VC 40), verificou-se que a maioria dos animais, mostraram-se desconfortáveis sendo que alguns evidenciaram agressão, outros medo e mesmo até stress. Isto não resultará, à partida, de pouco contacto com gatos, tendo em conta que 70,8% dos donos tinham outros animais, com os quais a maioria dos Barbados coabitava (Anexo VII.5.7), e que 70,6% desses eram gatos (Anexo VII.5.8). No entanto, apesar de se presumir que alguns mantiveram estes contactos, não se conhece a frequência dessa socialização. Assim, os Barbados em estudo poderão não gostar de gatos ou sentirem-se ameaçados por eles, uma vez que o gato utilizado no teste também se sentiu incomodado na presença dos cães e manifestou posturas ofensivas. Desta forma, notou-se que à medida que o gato atacava mais, pior ficavam os Barbados que manifestaram agressão. Contudo, segundo os relatos de alguns donos, as reacções dos cães em estudo não foram tão exacerbadas quanto seria de esperar, provavelmente pelo facto de se encontrarem fora do seu território, o que em alguns poderia causar insegurança. Além disso, o facto de o gato estar parado e não em movimento, poderá não despertar tanto interesse nos Barbados. Os valores percentuais em machos e fêmeas foram distribuídos de forma semelhante por apenas três classes de frequências, o que de certo modo poderá justificar os elevados valores de p. 4.3.1.2- Coragem Relativamente à coragem (Quadro 24) perante sons súbitos, determinada através da reacção de evitação (VC 13), constatou-se que a maioria dos Barbados não evidenciou qualquer reacção como resposta ao som, ou então esta foi pouco evidente, dado não terem interrompido a sua actividade, nem terem fugido, embora alguns manifestassem claro desconforto. As reacções comportamentais dos Barbados após escutarem a buzina, foram variadas pois alguns pararam e tentaram detectar a origem do som, outros olharam para os donos, outros continuaram o caminho e outros realizaram comportamentos de substituição, decorrentes do stress, como cheirar o chão e marcar o território, tais como aqueles enunciados por Kalnajs (2006). 132 Quadro 24- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes à Coragem (C), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição nos dois géneros (G). Teste VC 13 So 14 21 23 24 C MNS 25 Ob 35 36 37 38 G 1 2 3 4 5 M 72,7 18,2 0,0 9,1 0,0 p Repetição 1 2 3 p 4 5 45,5 18,2 36,4 0,0 0,0 38,5 30,8 30,8 0,0 0,0 9,1 18,2 27,3 0,0 45,5 0,0 15,4 38,5 7,7 38,5 36,4 9,1 9,1 18,2 7,7 15,4 23,1 23,1 30,8 0,808 F 61,5 15,4 15,4 7,7 0,0 M 9,1 9,1 9,1 63,6 9,1 0,769 0,742 F 0,0 30,8 15,4 7,7 46,2 M 27,3 27,3 18,2 9,1 18,2 0,887 27,3 0,675 F 7,7 23,1 23,1 30,8 15,4 M 27,3 9,1 27,3 18,2 18,2 F 46,2 30,8 15,4 0,0 7,7 M 27,3 9,1 36,4 18,2 9,1 0,267 0,549 18,2 27,3 27,3 9,1 18,2 38,5 38,5 7,7 0,0 15,4 27,3 0,0 18,2 0,0 54,5 7,7 7,7 15,4 15,4 53,8 72,7 9,1 0,0 18,2 0,0 84,6 0,0 15,4 0,0 0,0 72,7 9,1 0,0 0,0 18,2 76,9 15,4 0,0 7,7 0,0 0,600 F 7,7 0,0 15,4 46,2 30,8 M 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,598 1,000 F 84,6 7,7 7,7 0,0 0,0 M 54,5 27,3 0,0 18,2 0,0 F 76,9 7,7 M 27,3 0,0 27,3 36,4 0,0 15,4 9,1 0,0 F 46,2 23,1 15,4 7,7 7,7 M 27,3 9,1 9,1 27,3 27,3 F 7,7 7,7 23,1 23,1 38,5 M 81,8 18,2 0,0 0,0 0,0 F 46,2 38,5 15,4 0,0 0,0 0,145 0,743 0,766 0,122 36,4 18,2 27,3 0,0 18,2 23,1 46,2 15,4 7,7 7,7 9,1 18,2 18,2 45,5 0,0 0,0 38,5 38,5 23,1 9,1 0,0 0,0 53,8 30,8 15,4 0,0 0,0 0,479 0,549 9,1 45,5 45,5 0,216 0,498 0,302 0,860 Nota: MNS- medo não social; So- Sons; Ob- Objectos; M- machos; F- fêmeas. Quando significativo p < 0,05. Apesar de a habituação ao som da buzina (VC 14) ter sido rápida no teste e na repetição, foi menor na segunda comparativamente ao primeiro devido a um aumento da ansiedade. Esta situação será normal, porque o som ao qual os animais foram estimulados não será aquele com o qual conviviam diariamente, pelo que apenas duas exposições do mesmo e distanciadas de um mês provavelmente não serão suficientes para que eles se habituem. Quanto à coragem perante objectos desconhecidos, mais propriamente, nas reacções de sobressalto observou-se que a maioria dos Barbados se assustaram pouco no teste a na repetição, sendo esse susto menor perante o estímulo das latas (VC 35). Isto dever-se-á provavelmente ao facto 133 de o aparecimento do boneco (VC 21) ter mais impacto por ser algo maior e surgir de forma súbita. Além disso, o facto de ter ocorrido primeiro, devido à ordem dos subtestes, poderá ter suscitado mais medo porque o factor surpresa foi maior. Já nas latas os animais poderiam estar mais alerta para o possível surgimento de algo. Na variável comportamental 21, pareceu verificar-se um aumento do susto do teste para a sua repetição, pressupondo a não existência de habituação. Perante o estímulo das latas, no geral, a hesitação diminuiu do teste para a repetição, conjecturando a existência de sensibilização (Ruefenacht et al., 2002) talvez pelo som ser mais comum. As respostas distintas dos cães perante os diferentes objectos poderão justificar-se pelo facto de o valor de novidade deles diferir, pois, segundo Taylor & Mills (2006), este depende da experiência anterior dos animais. Na exploração (S23,S36) constatou-se que houve a necessidade de apoio em alguns Barbados, tanto em machos como em fêmeas, pois estes só se aproximavam após o dono o fazer. Contudo, também se verificou, embora com menor frequência, que alguns cães avançavam sem qualquer receio. Os que temiam explorar, latiam muito e manifestavam posturas corporais de medo e agressão. As diferenças no comportamento exploratório dos cães perante novos objectos haviam sido reportadas no estudo de Siwak et al. (2001), com Beagles, em que cães mais novos exploravam mais. Durante as sucessivas passagens pelos estímulos constatou-se que o comportamento de evitação (VC 24,VC 37), no geral, aumentou do teste para a sua repetição, quer no estímulo do boneco, quer no das latas. Os Barbados manifestavam comportamentos de substituição como desvio do olhar e cheirar o chão, devido ao desconforto perante aquela situação. Quanto ao comportamento de abordagem (VC 25,VC 38) observou-se que a maioria dos animais, quer em machos quer em fêmeas, não se interessaram pelo boneco ou latas, tanto no teste como na repetição. Eles evitavam, ignoravam e não se aproximavam do estímulo aquando da repetição dos passeios. Isto foi de encontro às variáveis comportamentais da evitação, o que é justificável tendo em conta que se tratava de algo desconhecido, fora do ambiente normal deles, que os assustou. Assim, os Barbados em estudo evidenciaram ter mais medo perante o surgimento dos objectos do que perante o som súbito, possivelmente porque o primeiro era mais invasivo e parecia mais próximo ao animal. O facto de os cães estarem 134 acompanhados pelos donos constituiu um factor de apoio, pelo que sozinhos e no seu território, poderiam ter tido reacções diferentes. Relativamente à capacidade de exploração constatou-se que, no geral, eles necessitavam de apoio do dono ou esperavam que este avançasse para o fazerem, parecendo isto ser mais evidente nas fêmeas. A maioria dos Barbados, perante as sucessivas passagens pelos objectos, evitava-os e não se interessava em abordá-los, manifestando comportamentos de substituição. Apesar de os animais em estudo, em geral, não terem evidenciado um medo extremo, manifestavam desconforto e pareciam querer mais evitar a situação do que abordá-la ou explorá-la, pelo que não pareciam ser muito seguros. No entanto, deverá ter-se em conta que os cães se encontravam num local desconhecido com o qual não se sentiriam plenamente confiantes, a serem estimulados com sons e objectos que não esperavam e com os quais, possivelmente, não estariam habituados. Colocar-seá, também, a hipótese de a selecção actual do Barbado estar a contribuir para um cão menos corajoso, pois Murphree (1973) e Trut et al. (2004) em experiências com canídeos demonstraram que o medo social e não social podia ser rapidamente alterado em algumas gerações sujeitas a intensa selecção. Não foram constatadas diferenças estatisticamente significativas entre géneros, apesar das aparentes variações, no teste e na sua repetição. Já Wilsson & Sundgren (1997) num estudo com Pastores Alemães e Labrador Retrievers encontraram diferenças significativas na coragem entre machos e fêmeas. O facto de aparentemente não terem existido animais muito medrosos, à semelhança do reportado por Svartberg et al. (2005), poderá dever-se ao processo de escolha dos cães para o estudo, que embora de forma aleatória, não incluiu aqueles extremamente medrosos já que os donos destes não se disponibilizaram a participar no estudo. 4.3.1.3- Vinculação e comportamento de procura de atenção Relativamente à vinculação (Quadro 25), mais propriamente à situação passiva, constatou-se que a maioria dos Barbados permaneceu relativamente calma perante a ausência do dono (VC 1), parecendo que o nível de inquietude diminuiu ligeiramente do teste para a repetição, tanto nos machos como nas fêmeas (p > 0,05). Tal facto poderá ter decorrido de alguma habituação ao espaço envolvente e à situação ou 135 mesmo a algum efeito da maturidade no animal, embora o tempo decorrido entre teste e repetição fosse tão curto, que esta última opção seja menos provável. O facto de o espaço envolvente ser-lhes estranho, bem como estarem longe dos donos e acorrentados a algo, constituiu um factor stressante, uma vez que, no geral, estão soltos (Anexo VII.5.9). Quadro 25- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes à vinculação (V) e procura de atenção (PA), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género 1 V 2 34 PA 3 M 1 2 3 4 5 p 27,3 18,2 9,1 36,4 9,1 Repetição 1 2 3 4 5 27,3 45,5 18,2 0,0 9,1 46,2 23,1 15,4 7,7 7,7 0,916 F 23,1 23,1 23,1 23,1 7,7 M 27,3 18,2 36,4 0,0 18,2 0,805 0,0 9,1 18,2 54,5 18,2 0,701 F 38,5 23,1 30,8 7,7 M 0,0 0,0 0,550 0,0 23,1 23,1 53,8 0,0 0,0 18,2 72,7 9,1 0,0 0,0 18,2 63,6 18,2 0,0 0,0 15,4 69,2 15,4 0,817 F 0,0 M 36,4 45,5 9,1 F 0,0 30,8 61,5 7,7 9,1 0,0 30,8 23,1 23,1 15,4 7,7 p 0,737 1,000 27,3 27,3 36,4 9,1 0,0 15,4 46,2 23,1 7,7 7,7 0,859 Nota: quando significativo p < 0,05. A inquietude foi manifestada através de uma postura corporal de stress e de diversos sinais, tais como os enunciados por De Meester et al. (2008): ganidos, bocejos e constante procura do dono. Os animais que se mantiveram calmos, geralmente, sentavam-se ou deitavam-se à espera do dono aparecer, de forma semelhante à postura calma descrita por Aloff (2005), ficando atentos à mínima coisa que acontecesse. Após a breve ausência dos donos, constatou-se um aumento da intensidade do cumprimento dos cães (VC 2) perante eles, do teste para a sua repetição, em machos e fêmeas, apesar de os animais estarem mais calmos pela situação já não lhe ser estranha. As atitudes dos donos poderão ter inconscientemente provocado maior intensidade nos animais caso eles próprios tenham reagido assim (Beaver, 1999). As diferenças entre sexos não foram estatisticamente significativas. O cumprimento do dono após o confronto com o estranho (VC 34) é indicativo do grau de vinculação do cão ao proprietário. Isto porque o animal vê-se 136 impossibilitado de proteger o dono nessa situação, pelo que no próximo contacto que o cão tiver com o seu proprietário deverá evidenciar o entusiasmo. Assim, verificouse do teste para a sua repetição um aumento da intensidade do cumprimento do cão para com o seu dono, tanto em machos como em fêmeas possivelmente devido ao aumento do confronto em estudo. As diferenças não se revelaram significativas entre géneros. A actividade dos cães Barbados aquando a presença do dono (VC 3), mas evitação por este, evidencia o grau de procura de atenção pelo animal (Quadro 25). Assim constatou-se que tanto machos como fêmeas (p> 0,05) mostraram-se pouco activos, calmos, manifestando comportamentos como abrir a boca, cheirar o chão, sentar e deitar-se próximo do dono. Isto poderá evidenciar o facto de serem animais que aceitam facilmente a ausência de atenção por parte do dono, permanecendo calmos nessas circunstâncias, ou, então, o tempo de testagem desta variável comportamental poderá ter sido demasiado curto para eles demonstrarem comportamentos mais intensos. Os animais poderão ter entendido o acto de os donos os ignorarem como sinal de neutralidade ou dominância e daí terem reagido de forma neutra ou submissa. 4.3.1.4- Comportamento predatório No que diz respeito ao comportamento predatório (Quadro 26), mais propriamente à perseguição de um objecto tipo presa (VC 17, VC 19), e de um carro telecomandado (VC 41, VC 43), verificou-se que, no geral, quer os machos quer as fêmeas, não seguiram os objectos nem evidenciaram interesse em agarrá-los (VC 18, VC 20, VC 42, VC 44), quer no teste quer na repetição. No entanto, alguns mostraram-se um pouco incomodados pois ladraram e realizaram comportamentos de substituição, como lamber os lábios, desviar o olhar, sentar e cheirar o chão. O comportamento entre machos e fêmeas foi muito semelhante, quer no teste, quer na repetição, não tendo sido constatadas diferenças estatisticamente significativas. Esta pouca vontade em perseguir ter-se-á devido, possivelmente, à natureza do estímulo e à situação. Se o Barbado estivesse solto no seu território e visse um animal a correr ou um carro a andar, a resposta poderia ter sido diferente. No entanto, o animal esteve fora do seu ambiente e, no caso do objecto tipo presa, esteve à trela com o dono, o que poderá tê-lo contido ainda mais nessa sua possível 137 perseguição. O dono poderá ter inconscientemente colocado alguma tensão na trela, o que levaria o animal a não perseguir. Além disso, os estímulos poderão não ter sido muito realistas e causarem algum medo nos Barbados, o que os levaria a evitá-los, tentando fugir, e ignorá-los, como foi constatado em alguns casos. Perante os dois estímulos verificou-se que o objecto tipo presa despoletou mais interesse do que o carro telecomandado, possivelmente por ser menos ruidoso, mais atractivo e como tal, ser-lhes menos causador de stress. Quadro 26- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes ao comportamento predatório (CP), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género 17 18 19 20 CP 41 42 43 44 M 1 2 3 4 5 p 54,5 0,0 0,0 18,2 27,3 Repetição 1 2 3 4 5 81,8 0,0 9,1 0,0 9,1 0,177 F 76,9 7,7 7,7 0,0 7,7 M 90,9 0,0 9,1 0,0 0,0 1,000 84,6 0,0 7,7 0,0 7,7 81,8 9,1 9,1 0,0 0,0 0,717 F 92,3 0,0 0,0 0,0 M 81,8 0,0 0,0 0,0 18,2 7,7 0,435 92,3 0,0 0,0 0,0 7,7 72,7 9,1 9,1 0,0 9,1 1,000 F 76,9 7,7 0,0 7,7 7,7 M 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 F 84,6 7,7 0,0 0,0 7,7 M 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,883 76,9 0,0 15,4 0,0 7,7 81,8 9,1 9,1 0,0 0,0 1,000 92,3 0,0 0,0 0,0 7,7 92,3 0,0 7,7 0,0 0,0 M 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 F 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 M 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,852 84,6 0,0 0,0 7,7 7,7 90,9 0,0 0,0 9,1 0,0 a) 1,000 84,6 0,0 7,7 0,0 7,7 90,9 0,0 0,0 0,0 9,1 1,000 F 92,3 0,0 7,7 0,0 0,0 M 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 F 100,0 0,0 0,0 0,0 0,0 0,435 81,8 0,0 9,1 0,0 9,1 1,000 F p 1,000 92,3 0,0 0,0 0,0 7,7 a) 90,9 0,0 0,0 9,1 0,0 0,717 92,3 0,0 0,0 0,0 7,7 Nota: quando significativo p < 0,05; a) não existe nível de significância porque os valores entre machos e fêmeas são exactamente iguais. 138 4.3.1.5- Focalização no treino Numa situação de treino (Quadro 27), em que uma ordem foi dada pelos donos aos Barbados (VC 45), observou-se que, no geral, estes obedeceram de uma forma imediata, mesmo não tendo tido a maioria treino de obediência (p> 0,05; Anexo VII.5.10, Anexo VII.5.11). Quadro 27- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes à focalização no treino (FT), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género FT 45 M 1 2 27,3 9,1 3 4 5 p 9,1 18,2 36,4 Repetição 1 2 3 4 5 0,0 9,1 27,3 45,5 18,2 0,355 F 0,0 23,1 23,1 23,1 30,8 p 0,682 0,0 15,4 15,4 30,8 38,5 Nota: quando significativo p < 0,05. A ordem dada foi do conhecimento dos animais, pelo que a maioria dos donos optou por chamar o cão, e o grau de rapidez na resposta deste dependeu do seu grau de concentração. Ocorreu um aumento do cumprimento da ordem do teste para a sua repetição, em alguns animais, talvez pelo facto de se sentirem mais confiantes no local do teste, por já o conhecerem melhor e como tal não dispersarem tanto quando soltos, permanecendo mais atentos às ordens dadas. Por outro lado, os donos poderão, no intervalo de tempo decorrido entre o teste e a repetição, ter incentivado os Barbados a cumprir ordens e, por isso, eles estarem mais habituados. Não foram detectadas diferenças estatisticamente significativas entre géneros. Apesar das distracções que possam ter surgido, os Barbados em estudo revelaram ser animais obedientes e atentos. Isto vai de encontro a Coppinger & Coppinger (1980) e Ley et al. (2009) ao terem afirmado que os cães pastores eram muito receptivos aos comandos do pastor, muito atentos ao treino e de rápida aprendizagem. 139 4.3.1.6- Sensibilidade ao toque Quanto à sensibilidade ao toque (Quadro 28) observada a partir da manipulação física (VC 46) e contenção do animal, capacidade deste em se submeter (VC 47), constatou-se que a maioria dos animais deixou-se facilmente manipular. No entanto, para alguns era algo stressante. Quadro 28- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes à sensibilidade ao toque (ST), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género 46 ST 47 M 1 2 3 4 5 18,2 9,1 63,6 9,1 0,0 F 46,2 30,8 23,1 0,0 0,0 M 9,1 63,6 0,0 18,2 9,1 F p 53,8 38,5 0,0 0,0 7,7 0,112 Repetição 1 2 3 4 5 36,4 9,1 36,4 9,1 9,1 46,2 23,1 23,1 0,0 7,7 p 0,805 36,4 9,1 18,2 27,3 9,1 0,039 0,277 46,2 30,8 7,7 0,0 15,4 Nota: quando significativo p < 0,05. Não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre géneros, na maioria das variáveis. No que diz respeito à capacidade de submissão do animal perante uma situação de contenção poderá deduzir-se que, apesar da maioria se submeter, houve um aumento da inquietação do teste para a repetição, tanto em machos como em fêmeas. Da mesma forma, este aumento foi evidente de uma variável comportamental para outra, notando-se mais agressividade na tentativa de submissão dos Barbados. Esta situação poderá ser explicada pelo facto dos animais se sentirem menos desconfortáveis perante a manipulação do que perante a submissão. Isto porque nesta situação o manipulador assume uma posição mais dominante o que não lhes agrada, sendo mais evidente nos machos, uma vez que tendem a ser mais dominantes do que as fêmeas, tal como referido por O’Farrell (1992). Verificou-se que no teste existiram diferenças significativas entre machos e fêmeas, parecendo constatar-se que os machos seriam mais submissos. No entanto, na repetição isto não aconteceu. A explicação para este facto poderá passar pelos machos sentirem-se menos confiantes no teste e como tal deixarem-se submeter mais do que as fêmeas, o que já 140 não aconteceu na repetição pois devido à habituação ao espaço os seus níveis de confiança aumentaram e tornaram-se menos tolerantes. Contudo, deverá ter-se em conta que o estado emocional do cão varia e basta um se encontrar mais stressado com o ambiente, o espaço, as pessoas, para logo estar menos confiante e apresentar diferenças desta ordem. 4.3.1.7- Interesse na brincadeira Quanto à brincadeira (Quadro 29) com o dono (VC 10) verificou-se que tanto nos machos como nas fêmeas houve uma grande dispersão dos valores pelas várias classes evidenciando uma baixa uniformidade nos resultados. No entanto, no geral, não se notou um interesse muito elevado em brincar com o brinquedo, tendo esse decrescido do teste para a repetição. Isto dever-se-á, provavelmente, ao facto de o primeiro contacto com o brinquedo despoletar curiosidade no animal que poderá diminuir com as constantes exposições, decorrente de alguma habituação. Assim, esta associada a um baixo interesse e possível aumento da distracção perante o meio levará o cão a brincar cada vez menos. Quadro 29- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes ao interesse na brincadeira (IB), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género BD 10 11 IB BE 12 M 1 2 3 4 5 p 27,3 9,1 27,3 0,0 36,4 F 23,1 15,4 38,5 0,0 23,1 M 36,4 18,2 18,2 0,0 27,3 Repetição 1 2 3 27,3 27,3 9,1 0,941 4 5 9,1 27,3 23,1 15,4 30,8 23,1 7,7 27,3 27,3 9,1 53,8 0,0 30,8 7,7 7,7 M 90,9 0,0 0,0 0,0 9,1 0,234 23,1 23,1 46,2 0,0 7,7 54,5 27,3 9,1 0,0 9,1 92,3 0,0 0,0 7,7 1,000 F 92,3 0,0 0,0 0,0 7,7 0,484 9,1 27,3 0,287 F p 0,0 0,051 Nota: BD- brincadeira com o dono; BE- brincadeira com o estranho. Quando significativo p < 0,05. Relativamente ao interesse em brincar com o estranho (VC 11) constatou-se que, de forma semelhante à variável comportamental anterior, esse não era muito elevado. No entanto, aumentou, quer em machos quer em fêmeas do teste para a sua repetição, 141 provavelmente devido a um aumento da confiança dos Barbados relativamente ao desconhecido, como consequência do segundo contacto com o estranho. Mesmo assim, é notória a maior vontade em jogar com o dono, do que com o desconhecido, provavelmente devido ao maior vínculo existente entre os dois. Perante o atirar da bola observou-se que a maioria dos cães não a agarrou (VC 12). Apesar de predominantemente os donos que participaram no teste comportamental brincarem com os seus cães (Anexo VII.5.12), inclusive as crianças (Anexo VII.5.13), apenas alguns animais é que possuíam brinquedos (Anexo VII.5.14). Assim, os resultados poderão não ter evidenciado uma fraca vontade em brincar, quer com o dono quer com estranhos, mas sim um baixo interesse em fazê-lo com brinquedos por uma falta de hábito. Cada dono tem a sua forma de interagir com o animal e fá-lo de forma diferente dos demais, bem como o tipo de brincadeira a que o cão está habituado depende muito do tipo de dono e dos jogos que este realiza com ele. Na variável comportamental 45, referente ao subteste focalização no treino, os donos foram informados da necessidade em distrair o animal e posteriormente dar-lhe uma ordem. Verificou-se que muitos deles optaram por brincar com os seus cães a um jogo de perseguição, tipo “toca e foge”, muito apreciado pela maioria dos Barbados, devido à excitação evidenciada. Nesta categoria da personalidade não foram constatadas diferenças significativas entre géneros na maioria das variáveis comportamentais, exceptuando-se a 12 na repetição do teste, em que os machos pareceram agarrar mais o brinquedo do que as fêmeas. Deverá ainda ser enunciado, tal como Svartberg (2007) referiu que estas variáveis comportamentais relacionadas com a brincadeira estão sujeitas a uma grande variação, uma vez que não são sistemáticas, podendo a bola ser enviada para diferentes direcções e como tal isto constituir estímulos diferentes. Assim, numa situação de teste com esta variabilidade pode ser difícil separar o efeito desta acção, da diferença da personalidade entre cães. 142 4.3.2- Problemas comportamentais 4.3.2.1- Problemas comportamentais sociais Relativamente aos problemas comportamentais sociais Quadro 30), mais propriamente à agressividade por dominância, constatou-se que a maioria dos Barbados não a evidenciou perante a remoção da comida pelo estranho (VC 4). Contudo, sentiram-se incomodados com a situação evidenciando posturas corporais e comportamentos indicativos de stress e medo, tais como aqueles enunciados por Kalnajs (2006): desvio do olhar, afastamento, cheirar a mão, ladrar, rosnar, lamber os lábios, bocejar e deitar-se. Apesar de não se sentirem confortáveis com a situação, foram poucos os que evidenciaram agressão séria, ao ponto de morder, por tentarem defender o seu recurso ou mesmo a si próprios. Verificou-se um aumento do comportamento amigável, tanto em machos como em fêmeas, do teste para a sua repetição, provavelmente pelo facto de a situação não ser novidade e sentirem-se mais confiantes. Contudo, Goddard & Beilharz (1985) e Weiss & Greenberg (1997), nos seus resultados constataram que o comportamento agressivo podia ser mais influenciado por diferenças no estímulo que desencadeava a resposta do animal do que pelo comportamento confiante e destemido dos cães. Quadro 30- Distribuição de frequências percentuais das variáveis comportamentais (VC) referentes aos problemas comportamentais sociais (PCS), pelas várias classes de frequência, no teste e na sua repetição, em machos (M) e fêmeas (F). Teste VC Género 4 AD 5 PCS AM 22 AT 32 M 1 9,1 2 3 4 5 p 9,1 54,5 18,2 9,1 F 7,7 15,4 46,2 30,8 0,0 M 9,1 Repetição 1 9,1 0,879 0,0 18,2 36,4 36,4 2 3 4 5 0,0 54,5 27,3 9,1 0,0 15,4 23,1 53,8 7,7 9,1 0,0 7,7 7,7 15,4 46,2 23,1 0,0 0,0 15,4 38,5 46,2 M 81,8 18,2 0,0 0,0 0,0 1,000 90,9 0,0 0,0 0,0 9,1 92,3 0,0 0,0 7,7 0,0 18,2 54,5 27,3 0,0 0,0 7,7 69,2 23,1 0,0 0,0 0,334 F 84,6 0,0 7,7 0,0 M 9,1 63,6 27,3 0,0 0,0 F 7,7 7,7 46,2 38,5 7,7 0,0 0,904 0,226 9,1 36,4 45,5 0,958 F p 0,717 0,845 Nota: AD- agressividade por dominância; AM- agressividade por medo; AT- agressividade territorial. Quando significativo p < 0,05. 143 Quando a comida era removida pelo dono (VC 5) constatou-se, no geral, uma predominância do comportamento amigável, tendo este aumentado do teste para a repetição. Este aumento poderá dever-se ao facto de, como referido na variável comportamental anterior, os animais estarem mais familiarizados com a situação, bem como com a mão artificial. Comparando as duas variáveis comportamentais, verifica-se que o comportamento amigável é maior quando a comida é removida pelo dono, possivelmente por este se tratar de uma pessoa de confiança e os animais estarem excitados pelo seu regresso após breve ausência. Além disso, segundo Dagley & Perkins (2005) os cães vêem os donos como líderes da sua hierarquia social, e como tal respeitam que o acesso aos recursos seja feito em primeiro lugar por eles. Desta forma, este comportamento amigável evidenciado pelos Barbados poderá demonstrar que estes respeitam o seu status social. O facto de alguns animais terem evidenciado agressão neste contexto não poderá levar-nos a caracterizá-los como sendo dominantes, uma vez que o estímulo poderá não ter sido o mais real possível. Isto porque alguns animais aperceberam-se de que a mão artificial era algo estranho e reagiram de formas distintas, conforme já referido. Assim, poderão não ter associado directamente a mão à pessoa em questão, quer fosse o dono ou o estranho, e como tal reagirem agressivamente perante o objecto e não perante a pessoa. Deverá também ter-se em conta que as respostas dos Barbados poderão não ter sido mais intensas pelo facto de não se encontrarem no seu território, e como tal, não considerarem tão fortemente a comida como um recurso que deveriam defender de alguém. Perante o surgimento súbito do boneco (VC 22) observou-se que foram poucos os que evidenciaram agressividade. Esta pode ter sido causada pelo medo sentido pelos animais ou por outro lado por um factor de dominância, tendo sido demonstrada através de latidos, rosnados e ataques. A diminuição desta agressividade, do teste para a sua repetição, deveu-se, provavelmente, a uma habituação ao estímulo, tal como Svartberg et al. (2005) enunciaram em estudos semelhantes com outras raças. Quanto à agressividade territorial evidenciada aquando o confronto entre o dono e o estranho (VC 32), verificou-se que a maioria dos animais não se sentiram confortáveis com a situação, evidenciando posturas corporais de medo, tentativa de fuga, e/ou stress (abrindo a boca). No entanto, apenas alguns mostraram-se agressivos, ladrando, rosnando e tentando atacar. Observou-se um aumento da 144 agressividade do teste para a repetição, em machos e fêmeas, que possivelmente se deve à maior realidade e intensidade do confronto na repetição, pois os donos estavam mais à vontade e a sua participação foi mais real do que na primeira. Uma outra explicação sugerida por Netto & Planta (1997) que pode justificar este aumento é a de que os cães poderão reagir de forma mais agressiva em algumas situações repetidas, porque poderão ter percebido que ganharam da última vez. No caso deste teste, isso pode ter ocorrido quando o confronto acabou e o animal foi recompensado pela sua ansiedade aquando do cumprimento posterior pelo dono e pelo estranho. Comparando os tipos de agressividade, acima discutidos, verificou-se que entre os poucos cães que a manifestaram, a mais evidente foi a territorial, seguida da agressividade por dominância e depois por medo. Tal como Paroz et al. (2008) enunciaram, o facto de os cães não terem manifestado agressividade não permite que sejam classificados como isentos dela para sempre, mas apenas naquele momento e situação, pois poderão comportar-se de forma muito diferente em casa. Não se observaram diferenças significativas entre géneros, quer no teste, quer na repetição. 4.4- Validação do inquérito C-BARQ e do ensaio comportamental 4.4.1- Confiabilidade entre o teste e a sua repetição, no ensaio comportamental Detectou-se confiabilidade entre o teste e a sua repetição, em algumas variáveis comportamentais (Quadro 31), visto que os coeficientes de correlação foram relativamente elevados e estatisticamente significativos. Esta confiabilidade foi mais acentuada em fêmeas do que em machos. O interesse na brincadeira foi um dos subtestes mais consistentes, o que já tinha sido referido por Svartberg (2005). As situações que não se revelaram confiáveis pelo critério da correlação, provavelmente, deveram-se ao facto de se ter trabalhado com poucas réplicas e grande variabilidade dentro das amostras. 145 Quadro 31- Correlações entre o teste e a sua repetição, nas várias variáveis comportamentais, em machos e fêmeas, e respectivo nível de significância (p). Traço da personalidade Com pessoas estranhas Sociabilidade Com cães Com gatos Sons Coragem Objectos Vinculação Comportamento de procura de atenção Comportamento predatório Focalização no treino Sensibilidade ao toque Interesse na brincadeira Dominância Agressividade Medo Territorial Variáveis comportamentais Coeficiente de correlação Machos Fêmeas VC 6 VC 7 VC 8 VC 9 VC 26 VC 27 VC 30 VC 31 VC 33 VC 15 VC 16 VC 28 VC 29 VC 39 VC 40 VC 13 VC 14 VC 21 VC 23 VC 24 VC 25 VC 35 VC 36 VC 37 VC 38 VC 1 VC 2 VC 34 0,568NS 0,416NS 0,151NS 0,713* 0,430NS 0,430NS 0,205NS 0,134NS 0,333NS 0,464NS 0,464NS 0,761** 0,484NS 0,761** 0,761** 0,535NS 0,475NS 0,612* 0,271NS -0,234NS a) 0,616* 0,135NS 0,010NS 0,330NS 0,508NS 0,018NS 0,578NS 0,718** 0,829** 0,887** 0,887** -0,083NS 0,677* 0,403NS 0,000NS 0,573* 0,085NS 0,247NS 0,994** 0,913** 0,430NS 0,369NS 0,162NS 0,126NS 0,394NS 0,841** 0,609* -0,181NS 0,659* 0,813** 0,055NS 0,203NS 0,613* 0,308NS 0,065NS VC 3 0,064NS 0,888** NS 0,780** 1,000** 0,272NS 0,736** 0,736** a) 1,000** a) 0,533NS 0,182NS 0,030NS 0,735** 0,674* 1,000** 0,672* 0,679* 0,736** 0,022NS VC 17 VC 18 VC 19 VC 20 VC 41 VC 42 VC 43 VC 44 VC 45 VC 46 VC 47 VC 10 VC 11 VC 12 VC 4 VC 5 VC 22 VC 32 -0,052 -0,148NS 0,332NS a) a) a) a) a) 0,103NS 0,318NS 0,654* 0,849** 0,728* 0,551NS 0,082NS 0,206NS -0,149NS 0,919** Nota: *p <0,05; **p <0,01; NS- não significativo; a) Os coeficientes de correlação não foram obtidos porque os dados das observações nestes casos concentraram-se na categoria 1. 146 4.4.2- Consistência comportamental entre o inquérito C-BARQ e o ensaio Constatou-se que as poucas correlações existentes (p< 0,05) entre o C-BARQ e o ensaio comportamental (Quadro 32) não apresentaram coeficientes de correlação muito elevados. Esta situação já havia sido detectada em estudos de Goddard & Beilharz (1986) e Lowe & Bradshaw (2001) sobre a consistência a longo prazo em animais, em que as correlações dos traços comportamentais ao longo do tempo (1-2 anos) raramente apresentaram coeficientes superiores a 0,45. Segundo Beaver (1999) e Lindsay (2001), apesar de se encontrar consistência em alguns parâmetros são esperadas mudanças ao longo do tempo, devido à acção de determinados factores, como a maturação, o treino e a esterilização. De acordo com Svartberg (2005), os erros de medição podem causar baixas correlações, como no caso do C-BARQ que envolve tantos observadores como cães o que provoca aumento de variabilidade entre as diferentes respostas, bem como no ensaio comportamental que mesmo sendo padronizado tende sempre a apresentar elevada variabilidade. Eventualmente, o número de réplicas também poderá ter contribuído para tal facto. Os coeficientes de correlação negativos resultam do facto de as escalas de medição das questões do CBARQ serem contrárias às do ensaio comportamental, em que a maior intensidade numa correspondia à menor na outra. Constatou-se que o interesse na brincadeira foi dos poucos parâmetros em que houve uma correlação significativa entre a variável comportamental do ensaio e a correspondente questão do inquérito C-BARQ, tal como Svartberg (2005) havia encontrado. Assim, a excitabilidade manifestada pelos Barbados ao brincarem com o dono está correlacionada com o interesse que possuem em brincar com ele. Já na coragem perante as latas como objectos constatou-se a existência de uma correlação significativa com a questão do C-BARQ, provavelmente pela situação ser mais semelhante do que com o boneco como objecto. No entanto, na coragem perante sons já não se detectaram essas correlações. Tal facto, poderá ser explicado, em parte, pela natureza dos estímulos, pois enquanto no C-BARQ os sons referidos são abrangentes, podendo ir desde uma simples buzina a eventos como tempestades, no ensaio comportamental é apenas utilizado o estímulo da buzina, porque por razões 147 práticas não foi possível incluir estímulos de medo comuns. Esta ausência de correlação já havia sido detectada no estudo de De Meester et al. (2008). Quadro 32- Correlações entre algumas variáveis comportamentais do ensaio comportamental (teste e sua repetição) e algumas questões do C-BARQ, em machos e fêmeas, e respectivo nível de significância. Traço da personalidade Com pessoas estranhas Variáveis comportamentais Questões VC 6 VC 7 VC 9 VC 15 Sociabilidade VC 16 Com cães VC 28 VC 29 Coeficiente de correlação (R) Teste Repetição Q16 -0,424* -0,306NS Q21 Q40 Q21 Q40 Q23 Q45 Q23 Q45 Q24 Q45 Q24 Q45 -0,238NS -0,113NS -0,355NS -0,115NS -0,006NS -0,224NS 0,022NS -0,271NS -0,199NS -0,313NS -0,232NS -0,411* -0,395NS -0,147NS - 0,378NS -0,130NS -0,052NS -0,358NS -0,007NS -0,394NS -0,228NS -0,291NS -0,325NS -0,131NS Sons VC 13 Q38 0,326NS -0,109NS Objectos VC 21 VC 35 Q42 Q42 0,401NS 0,496* 0,455* 0,429* VC 1 Q57 0,167NS -0,159NS VC 2 Q63 0,085NS 0,194NS Comportamento de procura de atenção VC 3 Q72 -0,141NS -0,177NS Focalização no treino VC 45 Q1 0,218NS 0,310NS Sensibilidade ao toque VC 46 Q43 -0,056NS 0,356NS Interesse na brincadeira Agressividade Dominância VC 10 Q64 -0,459* -0,411* VC 5 Q19 a) a) Coragem Vinculação Nota: *p <0,05; NS- não significativo; a) Os coeficientes de correlação não foram obtidos porque os dados das respostas dos donos dos cães no C-BARQ concentraram-se na categoria 0. A ausência de correlações significativas na sensibilidade ao toque prendeu-se com o facto de as situações serem diferentes, pois uma ida ao veterinário engloba não só lidar com pessoas desconhecidas, como com um espaço estranho e novos cheiros, o que varia da situação do ensaio comportamental. A não existência de correlações 148 noutros parâmetros, como a sociabilidade com pessoas e cães estranhos, a vinculação, a procura de atenção e a focalização no treino, justifica-se pelo facto de, apesar de as variáveis comportamentais e as questões abordarem o mesmo assunto, esses serem distintos entre si, podendo uns generalizar mais do que outros e ocorrer em locais e circunstâncias específicas. As situações de indução do comportamento predatório, bem como da sociabilidade com outros animais foram bem distintas no ensaio comportamental e no inquérito C-BARQ e por esse motivo não se testaram correlações entre elas. A ausência de correlações entre alguns parâmetros poderá levar à especulação de que os donos dos Barbados não terão um perfeito conhecimento do comportamento dos seus cães, em determinadas situações. O facto de o ensaio comportamental ter sido realizado fora do ambiente normal do cão, pode, também, ter influenciado nas reacções que o animal teria normalmente no seu território ou num local mais familiar. As distracções ocorridas durante o teste foram tidas em conta no comportamento manifestado pelo animal e ajustadas de acordo com isso. Não se crê ter havido grande influência dos factores externos nas respostas manifestadas pelos Barbados aquando do ensaio comportamental. Os poucos ruídos ambientais eram tão comuns que serão, à partida, algo com que os Barbados conviviam diariamente, tal como Flentje (2008) enunciou no seu estudo em cavalos. As condições ambientais adversas aquando da realização do ensaio foram mínimas, e segundo os relatos de alguns donos de Barbados, estes preferem estar à chuva do que abrigados, o que à partida poderá ir de encontro com as suas origens. 149 V- Conclusões e Perspectivas Futuras O presente estudo permitiu verificar alguns traços da personalidade dos cães Barbados da ilha Terceira em estudo, bem como a sua propensão para o desenvolvimento de patologias comportamentais, com base nos dados fornecidos pelos donos nos inquéritos e através do comportamento manifestado pelos cães no ensaio comportamental. Pareceu constatar-se existir uma diminuição da aquisição do Barbado para a função para o qual fora originalmente seleccionado, o pastoreio, por a maioria estar a ser utilizada em funções de companhia e guarda. No geral, os Barbados tiveram um bom desmame e boa socialização, tendo sido esta menor com outros animais. Notouse que a maioria dos Barbados vivia com outros animais, passava a maior parte do tempo à solta nos redutos da casa, tendo aumentado esta frequência principalmente quando os donos se ausentavam, possivelmente devido à função de guarda desempenhada por alguns cães. No geral, os donos dos Barbados brincavam com eles, mas a maioria não tinha sido treinada, especialmente os machos, facto este que poderia influenciar o desenvolvimento de algumas patologias comportamentais. A população deverá ser sensibilizada para a importância do treino canino, por forma a tornar a sua convivência com o ser humano mais correcta e adequada, reduzindo factores que poderão induzir stress. A maioria dos donos dos Barbados prestava cuidados de higiene e ia com os seus animais ao veterinário. 5.1- Sociabilidade 5.1.1- Sociabilidade com pessoas estranhas Relativamente à sociabilidade com pessoas estranhas, verificou-se que a maioria dos cães Barbados da Terceira em estudo não evidenciou agressividade ou medo nos vários contextos sociais. No entanto, constatou-se que se a abordagem de um estranho fosse invasiva do seu território ou potencialmente ameaçadora para si ou para o dono, a intensidade da agressividade aumentava, tendo esta uma componente territorial. Notou-se que eram animais que cooperavam, mesmo até com um desconhecido, apesar de se sentirem incomodados, mas tentavam manter sempre o dono no seu alcance visual, como forma de apoio. 150 Com o inquérito C-BARQ foi possível verificar que apesar da pouca agressividade manifestada, esta foi superior perante a abordagem de um adulto desconhecido ao dono, seguindo-se a abordagem de um adulto ao cão e posteriormente a de uma criança. 5.1.2- Sociabilidade com animais No que diz respeito à sociabilidade com cães, verificou-se que a maioria dos Barbados não evidenciou agressão ou medo perante as abordagens de cães desconhecidos, independentemente do género ou tamanho, em ambas as metodologias utilizadas. No inquérito C-BARQ, de forma semelhante à sociabilidade com desconhecidos, constatou-se que se a abordagem do outro cão fosse ameaçadora, ou este visitasse a casa do dono do Barbado, a intensidade da agressão já aumentava. Os machos eram mais propensos a manifestar agressividade intraespecífica do que as fêmeas, bem como agressividade por dominância contra cães na mesma casa, tendo sido esta maior perante a comida como recurso. Quanto à sociabilidade com gatos ou outros animais, verificou-se que com o inquérito C-BARQ a maioria evidenciou agressividade séria. Já no ensaio comportamental, na situação referente à aproximação e observação do gato, constatou-se que, no geral, ficaram desconfortáveis, evidenciando agressão e/ou medo e/ou stress. Assim, poderá deduzir-se que os Barbados sentiram-se incomodados, em maior ou menor grau, com a presença de animais de outras espécies e que a invasão destes ao seu território despoletou grande agressividade. 5.2- Coragem Relativamente à coragem notou-se que a maioria dos cães Barbados, nos dois tipos de metodologia usados, não evidenciou medo extremo perante sons altos e súbitos, bem como perante objectos ou situações desconhecidas. O inquérito CBARQ apenas questionou o medo do Barbado perante determinados estímulos e não se referiu à sua capacidade em explorar, abordar ou evitá-los. Já o ensaio comportamental teve em conta estas circunstâncias, pelo que, no geral, os Barbados em estudo necessitaram do apoio do dono para explorar, evitando e não abordando o objecto. Isto poderá justificar-se por um baixo nível de confiança associado ao medo, 151 ou por pouco interesse pelo objecto, por este não suscitar curiosidade ou ter sido pouco real. 5.3- Vinculação e comportamento de procura de atenção No que diz respeito à vinculação, constatou-se que os Barbados estabeleciam um vínculo forte com um membro da família em especial, procurando sempre agradá-lo. Quanto ao comportamento de procura de atenção demonstraram ser cães que reagiam bem, de forma calma, perante a ausência de atenção por parte do dono, e só às vezes a procuravam. No entanto, se esta recaísse sobre um animal a agitação já aumenta. 5.4- Comportamento predatório Os barbados em estudo não evidenciaram um comportamento predatório elevado nas circunstâncias propostas, quer na perseguição de animais no inquérito C-BARQ, quer na perseguição de um objecto tipo presa e de um carro telecomandado no ensaio comportamental. Os comportamentos no ensaio deveram-se provavelmente ao facto de os estímulos não terem sido muito realistas e de os cães não se encontrarem no seu ambiente natural. Quanto aos resultados do inquérito C-BARQ constatou-se existir maior intensidade na perseguição de gatos, embora não muito elevada, do que perante outros animais. Isto pode ser justificado de duas formas: ou os donos não vêm os seus cães a realizar este comportamento, porque não estão com eles o dia todo, ou partindo do princípio que esta avaliação é realista os Barbados não têm interesse em perseguir outros animais. Tal facto poderá decorrer de uma boa socialização ou de uma selecção actual vocacionada para a função de companhia, uma vez que o comportamento predatório é mais evidente em raças de pastoreio. No entanto, para avaliá-lo, bem como o desempenho do cão Barbado na condução de gado, esses animais teriam de ser colocados em situações reais de trabalho, para a obtenção de dados mais conclusivos. 152 5.5- Focalização no treino Os barbados, de uma forma geral, apesar de a maioria não ter tido treino de obediência, revelaram-se cães bastante obedientes e atentos às ordens dos donos, distraindo-se pouco com o ambiente em redor. 5.6- Sensibilidade ao toque Relativamente à sensibilidade ao toque constatou-se que apesar de se sentirem incomodados com situações de manipulação, nem sempre manifestaram medo. Este só foi mais evidente no inquérito C-BARQ, perante estímulos aos quais estavam pouco habituados, como o cortar as unhas e a ida ao veterinário. Perante a situação de submissão, apenas medida no ensaio comportamental, verificou-se que era algo que causava algum stress na maioria dos cães por haver um contacto físico mais invasivo. 5.7- Interesse na brincadeira Os Barbados evidenciaram algum interesse em brincar com brinquedos, embora este não parecesse muito elevado. Isto dever-se-á provavelmente ao facto de nem todos terem brinquedos nem estarem habituados a jogar dessa forma. As questões e variáveis comportamentais do ensaio podem ter sido insuficientes e inadequadas para medir este parâmetro nos Barbados, pelo que, provavelmente, teria sido conveniente aumentar o seu número. Mesmo assim, devido a um maior vínculo com o dono, e possivelmente vontade em agradá-lo, os Barbados demonstraram-se mais interessados em brincar com ele do que com uma pessoa estranha. 5.8- Actividade e excitabilidade Os Barbados pareceram ser cães bastante activos, estando sempre dispostos a praticar alguma actividade, facto averiguado pelo inquérito C-BARQ. Embora no ensaio comportamental não tenha havido um subteste específico para medir este traço comportamental verificou-se que eram animais enérgicos, com vontade em agradar os donos. Perante acontecimentos entusiasmantes, como o regresso do dono 153 após uma breve ausência, ou a antecedência de um passeio, revelaram ser animais moderadamente excitáveis. 5.9- Problemas comportamentais Os Barbados não mostraram ser animais agressivos em contextos de dominância perante um membro da família ou um desconhecido, exceptuando-se as situações em que se sentiam extremamente ameaçados, como o maltrato. No inquérito C-BARQ os animais em estudo tiveram pontuações mais elevadas na agressividade direccionada a outras espécies, seguindo-se a direccionada a cães, pessoas estranhas e donos. O vínculo entre os Barbados e os seus donos pareceu ser saudável tendo em conta que estes cães, no geral, não evidenciaram sintomatologia compatível com a ansiedade por separação. Isto porque, constatou-se que, em ambas as metodologias utilizadas, o comportamento de espera da maioria deles perante a ausência dos donos era relativamente calmo, bem como o comportamento de saudação após a breve ausência. Quanto aos demais problemas comportamentais, observou-se que, no geral, os Barbados em estudo não os manifestaram, o que pressupõe serem animais estáveis, sem stress, nem grandes frustrações decorrentes deste. 5.10- Correlações Constatou-se não existirem muitas correlações estatisticamente significativas entre o teste e a sua repetição, bem como entre algumas variáveis comportamentais destes e questões do inquérito C-BARQ. Assim, não existiu grande confiabilidade teste-repetição nem se pode validar o ensaio comportamental no geral. Isto poderá ser justificado pela pequena amostra e grande variabilidade dentro dela. No entanto, dos traços de personalidade verificou-se que o interesse na brincadeira demonstrou ser consistente entre o teste e a sua repetição e com os dados fornecidos pelos donos no inquérito C-BARQ. Seria importante realizar outros estudos, com condições mais controladas ou diferentes metodologias, isolando o máximo de variáveis possíveis e determinando a confiabilidade, validade e viabilidade com precisão. O desenvolvimento de um teste comportamental facilmente aplicável que permitisse desde cedo inferir alguns parâmetros de personalidade do animal seria 154 útil. Assim poder-se-ia verificar as tendências do cão para o desenvolvimento de determinadas patologias comportamentais e começar logo a educar e estabelecer a terapia comportamental adequada, bem como seleccionar para criação os exemplares com o perfil comportamental mais desejado. Assim esses testes poderiam ser implementados em clubes e associações da raça depois de serem validados com uma amostra grande. Seria importante determinar a possível existência de alguma incompatibilidade de personalidade entre os cães de pastoreio e companhia, tendo em conta que desempenham diferentes funções. Se tal incompatibilidade fosse constatada poderia haver necessidade de formar dois núcleos de criação, um núcleo solar, em que os animais são seleccionados com base no melhor desempenho das suas funções de trabalho, e um núcleo de Canicultura, cuja selecção se baseia na melhor morfologia adequada ao estalão. 155 VI- Referências bibliográficas AACCBIT - Associação Açoriana dos Criadores dos Cães Barbados da Ilha Terceira (2007). O Barbado da Terceira- estalão provisório. Policopiado. Angra do Heroísmo, Portugal. Aloff, B. (2005). Canine body language: a photographic guide. 1ª edição, Dogwise Publishing. Washington, EUA. Alvarez, J. A. R. (1993). Alteraciones del comportamento canino. In: Cursos de patologias en el perro: tomo II. pp. 1-4. F. J. R. Móran, ed. Ilustre Colegio Oficial de Veterinarios de la Provincia de Léon. Léon, Espanha. Appleby, D. L., Bradshaw, J.W.S. & Casey, R. A. (2002). 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Idade Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent 1,00 4 16,7 16,7 16,7 2,00 3 12,5 12,5 29,2 3,00 8 33,3 33,3 62,5 4,00 3 12,5 12,5 75,0 5,00 1 4,2 4,2 79,2 6,00 5 20,8 20,8 100,0 Total 24 100,0 100,0 Anexo VII.4- Tratamento estatístico do inquérito informativo sobre o canídeo (N=67) Anexo VII.4.1- Distribuição de frequências dos animais por classes de aptidão. Aptidão Fêmeas Machos Total % Fêmeas % Machos Soma % Companhia 13 15 28 19,4 22,4 41,8 Companhia/Concurso/Guarda/Pastoreio 1 0 1 1,5 0,0 1,5 Companhia/Concurso/Guarda/Reprodução 1 1 2 1,5 1,5 3,0 Companhia/Concurso 1 0 1 1,5 0,0 1,5 Companhia/Concurso/Guarda 1 1 2 1,5 1,5 3,0 Companhia/Guarda 10 9 19 14,9 13,4 28,4 Guarda 1 6 7 1,5 9,0 10,4 Guarda/Pastoreio 1 1 2 1,5 1,5 3,0 Companhia/Guarda/Pastoreio 0 1 1 0,0 1,5 1,5 Companhia/Guarda/Reprodução 0 2 2 0,0 3,0 3,0 Companhia/Guarda/Reprodução/Pastoreio 0 1 1 0,0 1,5 1,5 Pastoreio 0 1 1 0,0 1,5 1,5 Total 29 38 67 43,3 56,7 100,0 Anexo VII.4.2- Distribuição de frequências da questão 2, em machos e fêmeas. 2-Como adquiriu o animal? Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent Comprou 35 52,2 52,2 52,2 Encontrou 1 1,5 1,5 53,7 Foi-lhe oferecido 29 43,3 43,3 97,0 100,0 Outra: nasceu em casa 2 3,0 3,0 Total 67 100,0 100,0 Anexo VII.4.3- Distribuição de frequências da questão 2.1, em machos e fêmeas. 2.1- Com que idade? Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent Missing 2 3,0 3,0 3,0 1 ano 3 4,5 4,5 7,5 1 mês 3 4,5 4,5 11,9 1,5 meses 5 7,5 7,5 19,4 2 anos 1 1,5 1,5 20,9 2 meses 29 43,3 43,3 64,2 2,5 meses 2 3,0 3,0 67,2 3 meses 15 22,4 22,4 89,6 3 semanas 2 3,0 3,0 92,5 4 meses 2 3,0 3,0 95,5 5 meses 2 3,0 3,0 98,5 8 meses 1 1,5 1,5 100,0 Total 67 100,0 100,0 Anexo VII.4.4- Distribuição de frequências da questão 3.1, em machos (M) e fêmeas (F). 1F 1M 1M, 1F 1M, 3F 1M, 4F 2F 1M, 9F 2M 2M, 1F 2M, 2F 3M 3M, 1F 3M, 4F 4M, 3F 5M Total 3.1- Se não: quantos para além dele? Especifique os sexos Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent F M F M F M F M 4 7 17,4 25,9 17,4 25,9 17,4 25,9 6 7 26,1 25,9 26,1 25,9 43,5 51,9 1 1 4,3 3,7 4,3 3,7 47,8 55,6 1 0 4,3 0,0 4,3 0,0 52,2 55,6 2 0 8,7 0,0 8,7 0,0 60,9 55,6 2 3 8,7 11,1 8,7 11,1 69,6 66,7 1 2 4,3 7,4 4,3 7,4 73,9 74,1 1 3 4,3 11,1 4,3 11,1 78,3 85,2 2 0 8,7 0,0 8,7 0,0 87,0 85,2 0 1 0,0 3,7 0,0 3,7 87,0 88,9 1 1 4,3 3,7 4,3 3,7 91,3 92,6 0 1 0,0 3,7 0,0 3,7 91,3 96,3 1 0 4,3 0,0 4,3 0,0 95,7 96,3 0 1 0,0 3,7 0,0 3,7 95,7 100,0 1 0 4,3 0,0 4,3 0,0 100,0 100,0 23 27 100,0 100,0 100,0 100,0 Anexo VII.4.5- Distribuição de frequências da questão 4.1, em machos e fêmeas. Animais Frequência % Equinos Bovinos Caprinos Ovinos Suínos Gatos Coelhos Galinhas Outras aves 5 10 2 2 6 26 3 15 12 13,5 27,0 5,4 5,4 16,2 70,3 8,1 40,5 32,4 2 Anexo VII.4.6- Teste χ da questão 4.2, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Não Count 9 6 Pearson Chi-Square 15 Continuity Correction 6,5 8,5 15,0 7 15 22 Expected Count 9,5 12,5 22,0 Count 16 21 37 Likelihood Ratio Género Count Exact Sig. (2-sided) (1-sided) 1 ,089 ,107 ,087 1,852 1 ,174 2,903 1 ,088 ,107 ,087 ,107 ,087 a b N of Valid Cases 37 a. 0 cells (,0%) have expected count less than 5. The minimum expected Total 16,0 21,0 2,886 Fisher's Exact Test M Expected Count Exact Sig. (2-sided) df Sim F Expected Count Asymp. Sig. Value count is 6,49. 37,0 b. Computed only for a 2x2 table 2 Anexo VII.4.7- Teste χ da questão 5.1, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Pontuação Chi-Square Tests Total Value Com frequência Moderado Nenhum Raro Count 19 2 6 2 29 19,5 2,6 3,9 3,0 29,0 26 4 3 5 38 25,5 3,4 5,1 4,0 38,0 F Expected Count Género Count M Expected Count Count 45 6 9 7 67 45,0 6,0 9,0 7,0 67,0 2,884 Likelihood Ratio 2,908 Fisher's Exact Test 2,775 N of Valid Cases Asymp. Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) 3 ,410 ,433 3 ,406 ,458 ,433 67 a. 5 cells (62,5%) have expected count less than 5. The Total Expected Count Pearson Chi-Square a df minimum expected count is 2,60. 2 Anexo VII.4.8- Teste χ da questão 5.2, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Value df Com frequência Moderado Nenhum Raro Count 18 4 4 3 29 15,1 6,1 3,9 3,9 29,0 17 10 5 6 38 19,9 7,9 5,1 5,1 38,0 F Expected Count Género Count M Expected Count Count 35 14 9 9 67 35,0 14,0 9,0 9,0 67,0 Total Expected Count Asymp. Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) a 3 ,467 ,508 Likelihood Ratio 2,603 3 ,457 ,484 Fisher's Exact Test 2,516 Pearson Chi-Square 2,548 N of Valid Cases ,514 67 a. 2 cells (25,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 3,90. 2 Anexo VII.4.9- Teste χ da questão 5.3, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Value df Com frequência Moderado Count 26 3 29 26,4 2,6 29,0 35 3 38 34,6 3,4 38,0 61 6 67 61,0 6,0 67,0 Pearson Chi-Square Expected Count Género Count Likelihood Ratio Count (2-sided) (1-sided) 1,000 ,526 1,000 ,526 1,000 ,526 1 ,728 ,000 1 1,000 ,120 1 ,729 Fisher's Exact Test M Expected Count b N of Valid Cases Exact Sig. (2-sided) a ,121 Continuity Correction F Asymp. Sig. Exact Sig. 67 a. 2 cells (50,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 2,60. Total Expected Count b. Computed only for a 2x2 table 2 Anexo VII.4.10- Teste χ da questão 5.4, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Pontuação Chi-Square Tests Total Com frequência Moderado Nenhum Raro Count 5 2 10 12 29 Expected Count 9,5 2,2 7,8 9,5 29,0 Count 17 3 8 10 38 12,5 2,8 10,2 F Expected Count 6,050 6,310 Fisher's Exact Test 6,152 N of Valid Cases 67 Count 22 5 18 22,0 5,0 18,0 12,5 38,0 22 67 Total Expected Count 22,0 67,0 (2-sided) 3 ,109 ,114 3 ,097 ,130 a Likelihood Ratio M Exact Sig. (2-sided) df Pearson Chi-Square Género Asymp. Sig. Value ,093 a. 2 cells (25,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 2,16. 2 Anexo VII.4.11- Teste χ da questão 7, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Não Count 15 14 29 F Pearson Chi-Square Likelihood Ratio Count Fisher's Exact Test 13 38 M Expected Count 22,7 15,3 38,0 Count 40 Exact Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) (1-sided) 1 ,245 ,317 ,181 ,831 1 ,362 1,351 1 ,245 ,317 ,181 ,317 ,181 df a 27 67 Total Expected Count 40,0 27,0 67,0 1,352 Continuity Correction Expected Count 17,3 11,7 29,0 Género 25 Asymp. Sig. Value Sim b N of Valid Cases 67 a. 0 cells (,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 11,69. b. Computed only for a 2x2 table 2 Anexo VII.4.12- Teste χ da questão 8, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Asymp. Sig. Exact Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) (1-sided) 1 ,036 ,042 ,033 3,389 1 ,066 4,416 1 ,036 ,042 ,033 ,042 ,033 Value df a Não Sim Count 15 14 29 F Continuity Correction Expected Count 19,0 10,0 29,0 Género Pearson Chi-Square Count 29 9 38 M Likelihood Ratio 4,412 b Fisher's Exact Test Expected Count 25,0 13,0 38,0 N of Valid Cases Count a. 0 cells (,0%) have expected count less than 5. The minimum expected 44 23 67 Total 67 count is 9,96. Expected Count 44,0 23,0 67,0 b. Computed only for a 2x2 table 2 Anexo VII.4.13- Teste χ da questão 11, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total +12H 1-3H 4-8H 9-12H Nunca Count 0 Expected Count Count 4 22 2 ,9 6,5 16,4 3,5 2 11 1 29 F 1,7 29,0 Género 16 6 8,5 21,6 4,5 3 38 M Expected Count 1,1 Count 38 8 2,0 15,0 38,0 2 15 8,0 2,3 38,0 4 67 df Asymp. Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) Pearson Chi-Square 8,152 a 4 ,086 ,073 Likelihood Ratio 9,048 4 ,060 ,093 Fisher's Exact Test 7,465 N of Valid Cases ,082 67 a. 6 cells (60,0%) have expected count less than 5. The minimum Total Expected Count Value 4,0 67,0 expected count is ,87. 2 Anexo VII.4.14- Teste χ da questão 13.1, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Com frequência Moderado Nenhum Raro Count 17 3 3 6 29 16,9 3,5 3,0 5,6 29,0 22 5 4 7 38 22,1 4,5 4,0 7,4 38,0 13 67 F Expected Count Género Count M Expected Count Count 39 8 7 39,0 8,0 7,0 Total Expected Count 13,0 67,0 Value df Asymp. Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) Pearson Chi-Square ,155 a 3 ,985 1,000 Likelihood Ratio ,156 3 ,984 1,000 Fisher's Exact Test ,306 N of Valid Cases 1,000 67 a. 4 cells (50,0%) have expected count less than 5. The minimum expected count is 3,03. 2 Anexo VII.4.15- Teste χ da questão 13.2, em machos (M) e fêmeas (F). Chi-Square Tests Crosstab Pontuação Total Value df Count 15 5 3 6 29 12,1 7,4 3,5 6,1 29,0 13 12 5 8 38 15,9 9,6 4,5 7,9 38,0 14 67 F Expected Count Género Count M Expected Count Count 28 17 8 28,0 17,0 8,0 (2-sided) (2-sided) 2,650 a 3 ,449 ,461 Likelihood Ratio 2,692 3 ,442 ,461 Fisher's Exact Test 2,641 N of Valid Cases ,456 67 a. 2 cells (25,0%) have expected count less than 5. The minimum Total Expected Count Asymp. Sig. Exact Sig. Pearson Chi-Square Com frequência Moderado Nenhum Raro 14,0 67,0 expected count is 3,46. 2 Anexo VII.4.16- Teste χ da questão 13.3, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Value df Com frequência Moderado Raro Count 24 4 1 29 25,5 2,6 ,9 29,0 35 2 1 38 33,5 3,4 1,1 38,0 59 6 2 67 59,0 6,0 2,0 67,0 F Expected Count Género Count M Expected Count Count Total Expected Count Asymp. Sig. Exact Sig. (2-sided) (2-sided) Pearson Chi-Square 1,536 a 2 ,464 ,696 Likelihood Ratio 1,530 2 ,465 ,696 Fisher's Exact Test 1,771 N of Valid Cases ,503 67 a. 4 cells (66,7%) have expected count less than 5. The minimum expected count is ,87. 2 Anexo VII.4.17- Teste χ da questão 13.4, em machos (M) e fêmeas (F). Crosstab Chi-Square Tests Pontuação Total Value df Asymp. Sig. Exact Sig. Com frequência Moderado Nenhum Raro Count 9 1 9 10 29 11,3 2,6 7,8 7,4 29,0 17 5 9 7 38 14,7 3,4 10,2 9,6 38,0 26 6 18 17 67 26,0 6,0 18,0 F Expected Count Género Count M Expected Count Count (2-sided) 4,530 a 3 ,210 ,220 Likelihood Ratio 4,733 3 ,192 ,216 Fisher's Exact Test 4,327 N of Valid Cases ,233 67 a. 2 cells (25,0%) have expected count less than 5. The Total Expected Count (2-sided) Pearson Chi-Square 17,0 67,0 minimum expected count is 2,60. Anexo VII.5- Tratamento estatístico do inquérito informativo sobre o canídeo (N=24) Anexo VII.5.1- Distribuição de frequências da questão 5, em machos (M) e fêmeas (F). 5- Com que frequência entre as 3 semanas e os 3,5 meses, teve contacto com: Pontuação Questão G Nenhum Raro Frequência 5.1-outros cães 5.2- crianças 5.3-adultos 5.4-outros animais Moderado Com frequência % Frequência % Frequência % Frequência % M 1 9,1 1 9,1 2 18,2 7 63,6 F 2 15,4 1 7,7 1 7,7 9 69,2 M 0 0,0 4 36,4 4 36,4 3 27,3 F 3 23,1 2 15,4 2 15,4 6 46,2 M 0 0,0 0 0,0 1 9,1 10 90,9 F 0 0,0 0 0,0 3 23,1 10 76,9 M 1 9,1 3 27,3 1 9,1 6 54,5 F 4 30,8 7 53,8 0 0,0 2 15,4 2 Anexo VII.5.2- Teste χ da questão 5.3, em machos e fêmeas. Anexo VII.5.3- Distribuição de frequências da questão 13, em machos (M) e fêmeas (F). 13- Que tipo de contato tem o seu cão agora, com: Pontuação Questão 13.1-outros cães 13.2- crianças 13.3-adultos 13.4-outros animais G Nenhum Raro Moderado Com frequência Frequência % Frequência % Frequência % Frequência % M 1 9,1 2 18,2 2 18,2 6 54,5 F 1 7,7 3 23,1 2 15,4 7 53,8 M 0 0,0 3 27,3 5 45,5 3 27,3 F 1 7,7 2 15,4 8 61,6 2 15,4 M 0 0,0 0 0,0 1 9,1 10 90,9 F 0 0,0 1 7,7 4 30,8 8 61,5 M 0 0,0 1 9,1 3 27,3 7 63,6 F 3 23,1 5 38,5 2 15,4 3 23,1 2 Anexo VII.5.4- Teste χ da questão 13.3, em machos e fêmeas. Anexo VII.5.5- Teste machos e fêmeas. 2 Anexo VII.5.6- Teste χ da questão 13.1, em machos e fêmeas. Anexo VII.5.7- Distribuição de frequências da questão 4.2, em machos e fêmeas. 4.2- Coabitam? Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent Não 7 41,2 41,2 41,2 Sim 10 58,8 58,8 100,0 Total 17 100,0 100,0 Anexo VII.5.8- Distribuição de frequências da questão 4.1, em machos e fêmeas. Animais Frequência % Equinos 4 23,5 Bovinos 5 29,4 Caprinos 1 5,9 Ovinos 1 5,9 Suínos 3 17,6 Gatos 12 70,6 Coelhos 3 17,6 Galinhas 7 41,2 Outras aves 5 29,4 χ2 da questão 5.1, em Anexo VII.5.9- Distribuição de frequências da questão 9, em machos e fêmeas. 9- Onde vive, o seu cão, a maior parte do tempo? Frequency Percent Valid Percent Cumulative Percent À solta numa quinta 3 12,5 12,5 12,5 No jardim, amarrado 1 4,2 4,2 16,7 No jardim,à solta 11 45,8 45,8 62,5 No jardim,num canil 6 25,0 25,0 87,5 Outro (garagem) 2 8,3 8,3 95,8 100,0 Outro (no pátio à solta) 1 4,2 4,2 Total 24 100,0 100,0 Anexo VII.5.10- Distribuição de frequências da questão 8, em machos e fêmeas. Anexo VII.5.11- Teste fêmeas. χ2 da questão 8, em machos e 8- O seu cão teve treino de obediência (senta, deita, fica)? Pontuação Género M F Sim Não Frequência % Frequência % 3 27,3 8 72,7 6 46,2 7 53,8 Anexo VII.5.12- Distribuição de frequências da questão 6, em machos e fêmeas. 6- Costuma brincar com o seu cão? Pontuação Género Sim Não Frequência % Frequência % M 11 100,0 0 0,0 F 12 92,3 1 7,7 Anexo VII.5.13-Distribuição de frequências da questão 6.1, em machos e fêmeas. Anexo VII.5.14-Distribuição de frequências da questão 7, em machos e fêmeas. 6.1- E as crianças? 7- O seu cão tem brinquedos? Pontuação Pontuação Género Sim Género Não Sim Não Frequência % Frequência % Frequência % Frequência % M 4 36,4 1 9,1 M 3 27,3 8 72,7 F 6 46,2 3 23,1 F 6 46,2 7 53,8