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Quarta aula do curso de semântica
Alessandro Boechat de Medeiros – [email protected]
Lógica proposicional
A lógica proposicional é o sistema lógico mais básico e simples. Uma língua L para a lógica
proposicional terá um vocabulário que inclui as chamadas letras proposicionais ou variáveis
proposicionais, os conectivos, onde incluímos a negação, e os parêntesis. Os conectivos típicos
operam com duas sentenças; a negação, com uma. Normalmente usamos letras minúsculas, como p
ou q, para nos referirmos às letras ou variáveis proposicionais. Na lógica de predicados, proposições
tomam dois valores: verdadeiro ou falso.
Os conectivos da lógica proposicional são (incluindo já a sua semântica na apresentação):
1) Negação: ¬ (ou ~), onde ¬p é a negação de p (se p for uma proposição verdadeira, ¬p será falsa, e
se p for uma proposição falsa, ¬p será verdadeira).
2) Conjunção: ∧ (ou &), onde p∧q é a conjunção de p e q (e para que a conjunção seja verdadeira, é
preciso que as duas proposições da conjunção sejam verdadeiras).
3) Disjunção: ∨, onde p∨q é a disjunção de p e q (e para que a disjunção seja verdadeira, basta que
uma das proposições seja verdadeira).
4) Implicação material: →, onde p → q quer dizer se p então q (e a implicação material só será falsa
se o antecedente for verdadeiro mas seu consequente for falso).
5) Equivalência: ↔, onde p↔q é a equivalência material de p e q, ou, por outra, p se e só se q (e a
equivalência só será verdadeira se os valores de verdade de p e q forem iguais).
A sintaxe da língua L para a lógica proposicional vai definir expressões bem formadas (também
chamadas de fórmulas ou sentenças) do seguinte modo (GAMUT, 1992):
(i)
(ii)
(iii)
(iv)
As letras proposicionais do vocabulário de L são fórmulas em L.
Se ψ é uma fórmula em L, então ¬ψ também o será.
Se φ e ψ são fórmulas em L, então (φ∧ψ), (φ∨ψ), (φ→ψ) e (φ↔ψ) também o serão.
Somente o que pode ser gerado pelas cláusulas (i)-(iii) em um número finito de passos é
uma fórmula em L.
A semântica da língua L para a lógica proposicional pode ser escrita através de uma função que atribui
um valor de verdade para uma fórmula. Chamemos essa função de V. Assim, V(φ) vai atribuir um
valor, verdadeiro ou falso, para uma sentença. A função V também pode ser aplicada a fórmulas
complexas, envolvendo conectivos. Por exemplo, V(φ∧ψ) será verdadeira se e só se V(φ) for
verdadeiro e V(ψ) também for verdadeiro. As funções de interpretação não podem ser aplicadas sobre
coisas que não sejam expressões sintaticamente bem formadas (ou fórmulas). Assim, não haverá
interpretação para objetos como ∧ψ ou φ∧¬.
Tabelas de valores de verdade
Uma maneira de determinar as condições em que certas expressões complexas são verdadeiras é
através de tabelas de valores de verdade. Abaixo temos exemplos de tabelas para expressões com os
conectivos da língua L (língua da lógica de predicados, definida anteriormente):
a) Negação:
p
V
F
¬p
F
V
b) Conjunção:
p
V
V
F
F
q
F
V
V
F
p∧q
F
V
F
F
c) Disjunção:
p
V
V
F
F
q
F
V
V
F
p∨q
V
V
V
F
d) Implicação material:
p
V
V
F
F
q
F
V
V
F
p→q
F
V
V
V
e) Equivalência material:
p
V
V
F
F
q
F
V
V
F
p↔q
F
V
F
V
O número de linhas de uma tabela é calculado através de uma fórmula simples: 2n, onde n é o número
de expressões simples (letras proposicionais) que compõem a fórmula. Assim, se a expressão tiver
duas letras proposicionais, a tabela terá quatro linhas; se tiver três letras proposicionais, a tabela terá
oito linhas e assim por diante. Tabelas com expressões muito complexas, compostas por muitas
expressões simples (letras proposicionais), portanto, podem ser muito grandes e de difícil “manuseio”.
Fórmulas complexas que são sempre verdadeiras, independentemente das expressões que a compõem,
são chamadas de tautologias. As que são sempre falsas são chamadas de contradições. A literatura
registra diversas expressões que são formalmente tautologias e contradições. Abaixo apresento
algumas, com as tabelas correspondentes. As tabelas são maneiras simples de verificar se certas
expressões complexas são tautologias ou contradições.
f) p∨¬p (tautologia)
p
V
F
¬p
F
V
p∨¬p
V
V
g) p∧¬p (contradição)
p
V
F
¬p
F
V
p∧¬p
F
F
Exercícios:
1) Se P, Q e R são proposições distintas, quais das fórmulas a seguir são tautologias? Existe alguma
contradição? Qual?
a) P ↔ Q
b) P ↔ P ∨ P
c) P ∧ Q → P ∨ R
d) ¬Q ∧ (P → Q) → ¬P
e) P ↔ ¬(P ∧ R)
2) Se P e Q são proposições distintas, então a fórmula P ∧ Q implica tautologicamente quais das
seguintes fórmulas? (Obs. Implicar tautologicamente uma das fórmulas abaixo significa dizer que P
∧ Q → X, onde X é uma das fórmulas abaixo e é sempre verdadeiro, independentemente dos valores
de verdade dos componentes da expressão).
a) P
b) Q
c) P ∨ Q
d) P ∧ ¬Q
e) ¬P ∨ Q
f) ¬Q → P
g) P ↔ Q
Lógica de predicados e quantificação
A lógica de predicados se propõe a ir além da lógica proposicional, envolvendo um tipo de análise
que leva em conta os predicados e seus argumentos, além de certos tipos de quantificação sobre esses
argumentos, partes que compõem a semântica das proposições.
Uma linguagem para a lógica de predicados deve constituir-se de constantes lógicas (como os
conectivos da lógica proposicional, mas com o acréscimo de outros ainda não mencionados),
símbolos auxiliares (como os parênteses ou colchetes da lógica proposicional, mas com o acréscimo
de outros ainda não mencionados) e variáveis lógicas. Vejamos as sentenças a seguir:
Polifemo é um ciclope.
Odisseu é mortal.
O cachorro está dormindo.
Essa cabra fala.
Todas as sentenças têm uma parte que se refere a uma propriedade (ser um ciclope, ser mortal, dormir
e falar) e uma parte que se refere a uma entidade (Polifemo, Odisseu, o cachorro, essa cabra). Na
lógica de predicados temos constantes de indivíduo, interpretadas como entidades, e constantes de
predicado, que se referem a propriedades que as entidades podem ter ou não.
Expressamos as constantes de indivíduo com letras minúsculas (as iniciais dos nomes das entidades
em questão) e as constantes de predicado com letras maiúsculas (as iniciais dos nomes de tais
predicados). Assim, as sentenças acima podem ser reescritas como a seguir, prefixando a letra do
predicado à letra da constante de indivíduo: Cp, Mo, Dc, Fc.
Observe-se, contudo, que em todos os exemplos acima não temos predicados que relacionam dois
indivíduos (como os verbos transitivos, por exemplo); temos somente predicados que associam uma
propriedade a um indivíduo. Poderíamos tratar os casos transitivos como se fossem uma simples
relação entre um predicado (uma propriedade) e uma entidade, tratando o argumento interno como
parte do predicado, mas perdemos a capacidade de tirar certas conclusões válidas desse modo, como
no exemplo a seguir:
Gabriel é mais alto que João. (A1g)
João é mais alto que Pedro. (A2j)
Gabriel é mais alto que Pedro. (A2g)
Veja-se que a relação é mais alto que é transitiva, o que conduz à conclusão abaixo da linha. Se
consideramos somente o predicado, incluído o elemento interno a é mais alto que, não é possível
chegarmos à conclusão acima. Mas se chamamos a relação é mais alto que de, por exemplo, A, e
assumimos que essa relação é uma relação entre dois indivíduos, podemos tirar as conclusões válidas
que queremos:
Gabriel é mais alto que João. (Agj)
João é mais alto que Pedro. (Ajp)
Gabriel é mais alto que Pedro. (Agp)
No exemplo acima, A também é uma constante de predicado, ainda que, dessa vez, tendo dois
argumentos. De fato, cada constante de predicado terá um número fixo de argumentos (um número
maior que zero, evidentemente).
Uma sentença atômica é obtida escrevendo-se n constantes (não necessariamente diferentes) após
uma constante de predicado (também chamada de letra de predicado) com n lugares. Como se pode
imaginar, a ordem das constantes pode fazer diferença em algumas relações. Por exemplo, na relação
acima (é mais alto que), Agj é diferente de Ajg (teriam condições de verdade distintas).
As posições abertas por esses predicados podem ser vistas como variáveis, que terão valores
específicos dependendo dos indivíduos que lhes serão associados. Assim, a relação A acima terá duas
variáveis, que, no mesmo exemplo, têm os valores j, g e p. A ordem com que escrevemos as variáveis
após a letra de predicado indicará como se relacionarão as entidades que eventualmente sejam os
valores de tais variáveis. Assim, se escrevemos Axy, estamos dizendo que, quaisquer que sejam os
valores de x e y, a expressão diz que x é mais alto que y.
Os conectivos da lógica proposicional podem ser usados na lógica de predicados:
João é mais alto que Pedro ou Pedro é mais alto que João.
Ajp  Apj
Se João é mais alto que Pedro, então Pedro não é mais alto que João.
Ajp  Apj
João se mordeu e Maria gritou.
Mjj  Gm
Quantificação
Como traduzimos as sentenças a seguir para a linguagem da lógica de predicados?
Todo homem é mortal.
Ninguém mente.
Todos admiram alguém.
Um carro está quebrado.
Novos símbolos entram em cena: o quantificador universal  e o quantificador existencial . Todos
os quantificadores ligam uma variável, sendo prefixados a tais variáveis na expressão lógica. Assim,
uma expressão como x diz “para toda entidade x do domínio considerado...”; uma expressão como
x diz “existe pelo menos uma entidade x do domínio considerado...”.
Observe-se que a primeira sentença, todo homem é mortal, traz uma implicação: se x é homem, então
x também é mortal (o conjunto dos homens está contido no conjunto dos mortais). Assim,
considerando que homem define um predicado (a propriedade de ser homem) e mortal define outro
predicado (a propriedade de ser mortal), podemos escrever a sentença “todo homem é mortal” da
seguinte maneira, usando quantificadores e conectivos lógicos: (x)(Hx  Mx).
Já na segunda sentença, temos um predicado de um só lugar, ao qual podemos associar a variável x;
assim, o predicado pode ser expresso (com a variável) como M1x (o índice é para distingui-lo do
predicado mortal, que tem a mesma inicial). A sentença diz que não existe nenhum indivíduo que
tenha a propriedade de mentir. Usando a linguagem da lógica de predicados, temos: (x)(M1x).
A terceira é ambígua: ou existe pelo menos uma pessoa a quem todos admiram ou para cada
admirador existe um admirado. Na primeira interpretação, o quantificador existencial tem escopo
sobre o universal. Assumindo que a relação de escopo pode ser expressa pela ordem em que os
quantificadores aparecem na expressão lógica, sendo o primeiro quantificador na sequência aquele
que tem escopo sobre o segundo, então escrevemos a referida interpretação da sentença acima como:
(x)(y)(Ayx). Já na segunda interpretação, onde o quantificador universal tem escopo sobre o
existencial, a ordem dos quantificadores é trocada: (y)(x)(Ayx).
A quarta sentença diz que existe uma entidade x que é um carro e está quebrada. A expressão lógica
será, portanto, a seguinte: (x)(Cx  Qx).
Importante notar que nenhuma sentença pode ter uma variável sem ter um valor ou sem estar ligada
a uma quantificação qualquer (livre). Coisas como Mx ou (x)(Mxy) não são, portanto, sentenças.
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