Melhores que os pais Pesquisadores constatam que as crianças do fim do milênio têm o cérebro mais aparelhado do que gerações anteriores e, por isso, fascinam pais e mestres Fotos: Luis Gomes/Jorge Butsuem/Marcelo Kura/Roberto Ventura/João Raposo/Bruno Veiga/Fernando Lemos Os professores foram os primeiros a acusar a nova onda. Estão lidando com crianças que vão para a sala de aula aos 7, 8 ou 9 anos de idade com conhecimentos, interesses e curiosidades que muitas vezes eles não estão preparados para satisfazer. A menininha aparece falando inglês e torna obsoleto o currículo normal da escola, planejado para lhe ensinar apenas palavras básicas do idioma estrangeiro. O garoto surge com conceitos detalhados sobre a Idade Média, meio ambiente e dúvidas intrigantes sobre equações matemáticas de que ele precisava para a programação de seu computador. Dá um nó na cabeça do professor. Os educadores sentem que sua clientela está achando a escola tradicional, com suas etapas rígidas e seus ensinamentos compartimentados, uma estrutura um tanto superada. "Já deu para sentir que para acompanhar essa garotada a educação no Brasil e no mundo terá de mudar radicalmente nos próximos anos", diz Elvira Souza Lima, uma brasileira que há oito anos pesquisa o cérebro infantil e novos métodos de educação na Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Muitos pais também percebem que há algo de fascinante na qualidade das perguntas com que são bombardeados pelos filhos pequenos. Acham que é corujice. Não é. São indagações surpreendentes, parecem bem estruturadas demais para a idade deles e quase sempre desconcertantes. Um pai sai maravilhado contando para todo mundo que a filha de 6 anos o alertou para o fato de que "não se deve confiar em tudo que se lê na internet". Outro não sabe explicar de onde o filho de 11 anos tirou a idéia de que "as universidades estão superadas, pois nenhuma hoje mandaria o naturalista Charles Darwin para uma viagem de cinco anos ao redor do mundo". Uma mãe fica surpresa ao descobrir que a filha de 7 anos sabe diagnosticar o problema e consertar a impressora do computador. Pais e professores, preparem-se. De acordo com os estudiosos do assunto, está em curso neste final de milênio a primeira revolução da história da humanidade comandada pelas crianças. Os sinais que os pesquisadores da área recolhem indicam que ela pode ser mais silenciosa, mas será bem mais duradoura e significativa do que o agito comportamental dos jovens nos anos 60. "Em certa medida seus filhos não são seus filhos", diz o neurocientista americano Gerald Edelman, ganhador do Prêmio Nobel. "Eles são filhos da tecnologia da informação. Quem faz a cabeça deles, mais do que os pais, são os estímulos do mundo moderno." Fotos: Frederic Jean 1. O paulista Guilherme Furquim Horch tem 12 anos de idade. Gosta de velejar e ir ao cinema. Estuda num colégio alemão onde não ultrapassa a média dos colegas. Em casa, Guilherme é um cientista. Adora pedras, vulcões, minas. Nas últimas férias ganhou uma viagem para Minas Gerais. Passou dias inteiros conversando com pesquisadores e diretores de museus e centros de estudos de gemologia 2. Cynthia Laus tem 8 anos e vive em São Paulo. Joga futebol e handebol, estuda inglês e canta no coral da escola. Nas horas vagas pinta quadros. Em setembro fez sua primeira exposição individual. Antes do sucesso, sua mãe mostrava os trabalhos sem revelar a idade de Cynthia. "Ninguém aceitaria expor um quadro de uma garotinha numa galeria séria", diz Regina Laus O que significa tudo isso? Simplificando, significa que as crianças de hoje, na média, têm cabeças melhores do que tiveram seus pais e avós na mesma idade. As implicações dessa constatação são muitas — e profundas. De um lado os cientistas estão descobrindo com espanto que o cérebro de uma criança de hoje é mais desenvolvido fisicamente do que o de seus antepassados. Esse 1,5 quilo de massa encefálica com 100 bilhões de células nervosas ligadas umas às outras por uma rede inimaginável de 100 trilhões de conexões a que chamamos cérebro encontrou na mente infantil moderna um laboratório espetacular. Da mesma forma que as células dos ossos se alimentam de cálcio, as do cérebro, os neurônios, crescem e se diversificam com doses certas de proteínas e oxigênio. Para se tornar melhores, no entanto, elas precisam de outro alimento. Precisam de estímulos sonoros, visuais, olfativos e de desafios intelectuais. Tudo que a criança enxerga, ouve ou aprende esculpe uma área vital no cérebro que será útil na vida profissional e pessoal futura. Quando ela se emociona, sorri, explode na comemoração de um gol ou de um ponto no videogame o cérebro registra e ganha mais recursos. Nunca antes uma geração infantil viveu num mundo mais diversificado, cheio de luzes, imagens, sons e estímulos culturais tão diversos. "As novas tecnologias provocaram uma metamorfose na capacidade neuronal das crianças. O cérebro delas é mais atento, tem mais recursos do que o de gerações passadas", afirma Mauro Muszkat, neuropediatra da Universidade Federal de São Paulo. Os especialistas americanos já vinham encontrando virtudes até onde antes os pais só viam problemas: os jogos eletrônicos e a televisão. "Bem dosados, os videogames, computadores, a internet, os programas de televisão e os passatempos, mesmo os eletrônicos, são como ginásticas para o cérebro da criança", diz o americano Harry Chugani, pesquisador da universidade estadual Wayne, de Detroit. Chugani costuma comparar as diversas áreas do cérebro das crianças a um sistema viário. "Eles são como rodovias", assegura. "As pistas de tráfego mais intenso são ampliadas. As que raramente são usadas acabam cheias de buracos ou cobertas de mato." Por esse critério, as rodovias cognitivas da atual geração de crianças são uma Via Dutra se comparadas às estradas vicinais das crianças de tempos passados — mais amenos, sem dúvida, mas incomparavelmente menos estimulantes para o cérebro do que os dias que correm. O resultado são as crianças mais espertas, mais ousadas, mais imaginativas de que se tem notícia. A diferença entre a atual geração e as crianças do passado está, principalmente, no fato de que hoje a qualidade e a diversidade dos estímulos externos são maiores. Viaja-se em maior número e com maior freqüência ao exterior. Até cinco anos atrás, apenas 1,4 milhão de brasileiros saíam do país a passeio a cada ano. Hoje são 4,4 milhões. Praticamente não havia canais de televisão a cabo. Os programas eram monoglotas. Atualmente um tamborilar de dedos no controle remoto leva a criança aos canais italianos, espanhóis, americanos, ingleses e alemães. Com a internet crescendo rapidamente, em breve se criará uma massa crítica de jovens brasileiros tão preparados para os desafios tecnológicos do futuro quanto os de qualquer nação industrializada. "Não sei se as crianças de hoje são mais imaginativas ou mais felizes que as do passado, mas certamente são as mais sintonizadas com a cultura de seu tempo", diz Edelman. "Para falar a verdade, acho que essa é a primeira geração infantil que está na vanguarda das transformações da sociedade." Fotos: Sergio Cardoso/Egberto Nogueira 3. O capixaba Gabriel Gonring, de 15 anos, escreve e publica contos nos jornais do Estado do Espírito Santo desde os 5 anos. Neste ano, depois de oito meses de pesquisa, publicou o primeiro livro, A Unidade do Todo, que trata de mitologias e crenças. Nas duas semanas após o lançamento, o livro figurou na lista dos mais vendidos no Estado 4. O paulista Rafael Picardt adora rock, é fissurado em história em quadrinhos — especialmente nos mangás japoneses — e em videogame. Desenha desde os 5 anos. Não casinhas e carrinhos. Desenha monstros, super-heróis, naves espaciais. Hoje, aos 17 anos, ele ilustra gibis para uma editora. Não sabe se vai fazer faculdade. "Não encontro um curso que possa ensinar-me mais", diz. "Quero sair do Brasil porque aqui o mercado é pequeno" Sensações novas — Crianças precoces sempre existiram. Wolfgang Amadeus Mozart, por exemplo, compunha minuetos aos 5 anos de idade. Todas as gerações tiveram, mesmo que em menor grau de genialidade, seus raríssimos Mozarts de quase todas as especialidades. O fenômeno que se registra agora não é o da explosão demográfica de gênios. Nada disso. Os superdotados, as crianças de talentos únicos e quase sobrenaturais, continuam sendo tão raros de encontrar quanto os diamantes azuis. O que os especialistas estão detectando é um movimento para cima na média do desempenho da criançada. Em boa parte isso se deve à própria evolução dos métodos de detecção da inteligência — e da própria definição do que se considera um comportamento inteligente numa criança. O mito de que a inteligência era uma coisa única, compacta, passível de ser medida por um teste lógico ruiu há muito tempo. Hoje tem grande aceitação uma teoria desenvolvida pelo psicólogo americano Howard Gardner, da Universidade Harvard, segundo a qual há oito tipos diferentes de inteligência e não apenas aquele bloco compacto de saber lógico que se julgava no passado ser a mais sublime expressão do intelecto. Gardner sustenta que co-existem na mente humana as habilidades lingüística, corporal, lógico-matemática, musical, interpessoal (a facilidade de relacionamento), intrapessoal (o autoconhecimento), espacial e uma, meio estranha, chamada por ele de inteligência naturalística, que seria definida pela capacidade de a pessoa se relacionar com a natureza. "As escolas que têm métodos para desenvolver todas essas áreas estão se saindo melhor com as crianças de hoje ", conta Gardner. Fotos Egberto Nogueira/Frederic Jean 5. Elisa Maria Curci Grec vive num bairro da Zona Leste de São Paulo e estuda em escola pública. É falante, superativa e bem informada. A atividade que mais apaixona a menina, de 15 anos, é o RPG, um jogo de interpretação que estimula a criatividade 6. Pedro Bacellar Suppo tem 15 anos e é apresentador do programa Turma da Cultura. Pratica capoeira, joga futebol e estuda piano e inglês. Poderia se acomodar na carreira artística, mas ainda pretende estudar economia ou administração de empresas: "Tenho de pensar no meu futuro" 7. Evandro Freire da Silva vive numa casa na periferia de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Sua mãe é dona de um bar. Aos 15 anos foi o terceiro colocado no vestibular da Fuvest, que seleciona estudantes para a Universidade de São Paulo, entre outras. Hoje, aos 17, já ganhou dois carros, uma calculadora e um televisor por ter se saído bem em exames simulados Nas investigações sobre as estruturas físicas do cérebro não se encontraram ainda provas cabais de que tais inteligências operam mesmo de forma independente. Mas as idéias de Gardner já provocaram a reforma do ensino em muitas escolas pelo mundo inteiro. Também transformaram a maneira como muitos pais orientam seus filhos. "Escolas e pais já perceberam que crianças criativas, ousadas, líderes, devem ser estimuladas. Apenas o conhecimento acumulado não garante que a criança seja capaz de resolver problemas práticos", afirma Daniel Antipoff, psicólogo que há doze anos trabalha com crianças e adolescentes com habilidades especiais em Minas Gerais. No mundo todo estão surgindo escolas experimentais para atender às exigências culturais e emocionais dessa turma nova. Uma cartilha distribuída nos Estados Unidos pela SkyLight, editora especializada em obras sobre as inteligências múltiplas, sugere que as escolas tentem estimular todas as áreas do cérebro da criança quando estiverem ensinando um tópico qualquer. No capítulo sobre os oceanos, por exemplo, a SkyLight aconselha que os alunos escrevam sobre como se limpa um peixe (treinando a inteligência lingüística), desenhem uma criatura marítima (espacial), encarnem num jogral ou em peça de teatro uma baleia ou tubarão (corporal), façam um gráfico comparativo do tamanho de diversas embarcações (lógica), encham copos com diferentes quantidades de água (musical), façam em grupo o desenho de veículo anfíbio (interpessoal) e escolham, cada um, seu peixe favorito (intrapessoal). Os críticos de Gardner dizem que essas atividades tomariam muito tempo de alunos e professores, sem que se ensinassem grandes coisas sobre os oceanos. Gardner, no entanto, sustenta que o objetivo dessa lição — e das escolas de modo geral — não seria mais obrigar as crianças a acumular linearmente grande quantidade de conhecimento livresco, mas passar-lhes ao mesmo tempo sensações novas. "No final das contas, elas acabam aprendendo mais", diz Gardner. "Escolas que adotam o método das múltiplas inteligências pontuam acima da média nos provões americanos." Artistas precoces — A revolução das crianças está mudando escolas também no Brasil. Empresas multinacionais patrocinam um projeto chamado Junior Achievement. Uma vez por semana, os funcionários das empresas vão a escolas falar sobre o mundo dos negócios. As crianças são desafiadas a criar um produto, desde a concepção da embalagem até a propaganda. Depois tentam vendê-lo a outras crianças que participam de atividades semelhantes em escolas de outros países. O exercício é apenas uma simulação de como funciona o comércio no mundo real, mas, em alguns casos, os garotos conseguem efetivamente exportar seus produtos. Outros alunos simulam a criação de microempresas. No Colégio Elvira Brandão, de São Paulo, alunos de 15 anos montaram uma fábrica de camisetas estampadas. Venderam ações, levantaram capital, conseguiram uma máquina emprestada e foram à luta. O exercício rendeu até 70 reais de lucro para cada acionista. "Estamos transformando a escola num ambiente mais prático, mais útil, para atender ao anseio das crianças, e mais sintonizada com as exigências do mundo real", diz Maria Lúcia Leite, orientadora educional da escola. "Temos alunos entre 9 e 10 anos com absoluta intimidade com computadores. Eles modificam programas e pesquisam em manuais escritos em inglês." Aos poucos, as escolas tradicionais estão se preparando para desenvolver todas as potencialidades das crianças. Cynthia Laus, uma loirinha graciosa, que gosta de assistir a programas infantis na televisão, ouve música e joga handebol. "Acho as aulas normais um pouco chatas. Às vezes ficam ensinando coisas que eu já sei", diz. Aos 2 anos, ela desenhava compulsivamente. A mãe tratou de incentivar comprando os materiais para que ela pudesse exercitar-se. Hoje, aos 8 anos de idade, Cynthia freqüenta um curso especial, do Colégio Objetivo de São Paulo, montado para desenvolver habilidades inatas das crianças sem inibir seus demais talentos. Cynthia já participou de nove exposições coletivas de arte e fez uma exposição individual — coisa que artistas de barbas brancas lutam muito para conseguir. Vendeu oito quadros, tem encomendas para mais e cobra até 1.000 reais por tela. Em outra época, a escola talvez tivesse sufocado o talento artístico de Cynthia para que ele não prejudicasse seu desempenho nas disciplinas do currículo normal. O ambiente escolar mais descontraído das escolas atuais ajudou Pedro Lambert, de 10 anos, a se tornar também um artista precoce — além de bom aluno. Pedro faz charges e caricaturas desde os 6 anos de idade. Estuda no Colégio Friburgo, de São Paulo. "Queria aprender coisas mais complicadas na escola", diz ele. O pai de Pedro é engenheiro e muitas vezes é derrotado pelo filho numa competição para saber quem resolve mais rápido um problema de matemática. Em outros tempos, talvez, um chargista bom de cálculo acabaria tendo de optar muito cedo por uma das habilidades. Pedro pode desenvolver ambas em casa e na escola. Foto: Antonio Milena 8. Maya Puig Boetler já viveu no México, na Alemanha, visitou a Índia e os Estados Unidos. Fala quatro línguas. Aos 17 anos, morando em São Paulo, ela se diverte visitando exposições de arte, indo ao cinema e a livrarias. Quer fazer cinema nos Estados Unidos ou na Alemanha Muitos pesquisadores se perguntam se há mesmo motivo para as escolas que ainda não acordaram para essa nova realidade reagirem. Há sim. As crianças estão crescendo num mundo tão radicalmente novo, tão repleto de inovações tecnológicas que atingem diretamente o modo de treinar o pensamento, que formaram um novo paradigma. O primeiro ponto de mudança detectado pelos cientistas é o crescimento do que chamam de plasticidade cerebral, a capacidade dos neurônios de se moldarem de acordo com a estimulação externa. Disso resulta uma maneira multidisciplinar de enxergar a realidade. Para um garoto de 8 anos que freqüentou a escola na década de 70, a vaca era um bicho que pastava e dava leite. Para a criança do final do milênio, a vaca não tem apenas essas características, mas é uma fonte de proteínas, um problema ambiental — já que os pastos devoram as florestas. É também um animal que pode ser geneticamente modificado para ficar com o couro verde ou amarelo. A criança de hoje não tem o pensamento linear. Por força dos métodos míopes de ensino, muitas crianças de gerações passadas transformavam as imagens em conceitos que eram obrigatoriamente resumidos em palavras para formar o pensamento. Atualmente, com a ajuda dos computadores, as crianças transformam a palavra em imagem. O cérebro delas trabalha muito com a associação de imagens. É a diferença que separa a cartilha do videoclipe. Há duas máquinas, invenções recentes, que permitem observar o cérebro em funcionamento e determinar quais neurônios são ativados quando se pede à pessoa que ela pense em alguma coisa ou resolva algum problema. Utilizando esses equipamentos, os cientistas do Baylor College of Medicine, de Houston, nos Estados Unidos, descobriram que as crianças que não brincam tanto e não têm muito contato físico desenvolvem cérebro 20% a 30% menor do que o normal para a idade. Privado de um ambiente estimulante, o cérebro da criança sofre. Na outra ponta, descobriram que experiências mais ricas produzem cérebros mais ricos. "A experiência é o arquitetochefe do cérebro", diz Bruce Perry, um dos pesquisadores do Baylor. No último relatório da Dana Alliance for Brain Initiatives, que reúne 173 neurocientistas focados nas questões que envolvem o funcionamento do cérebro, inclusive seis prêmios Nobel, são enumeradas mais de 100 descobertas nessa área feitas nos últimos anos. Uma delas, considerada fundamental, é justamente a que vem desvendando o efeito da estimulação nas transformações físicas do cérebro. Os pesquisadores esclarecem que não conseguiram medir os benefícios em si do uso puro e simples do computador no desenvolvimento da capacidade de aprendizado das crianças. Num experimento famoso conduzido pela psicóloga americana Jane Healy, não foi possível encontrar mudanças muito significativas em classes de crianças de 1º grau divididas em turmas com aulas de música e turmas com aulas de computador. Healy submeteu as crianças a testes clássicos que medem a capacidade espacial-temporal e chegou à conclusão de que a turma de música se saiu um pouco melhor. Paradoxal? Nem tanto. Por décadas também os pesquisadores de administração não conseguiram detectar crescimento de produtividade nas empresas pioneiras que passaram a usar intensivamente os computadores. Bem, não se concebe hoje instalar um salão de beleza ou uma lavanderia sem computadores. Em ambos os casos, o problema parece ter sido em parte dos pesquisadores. No caso da educação, o computador isolado tem pouca relevância. O que está fazendo a diferença é o computador ligado em redes, como a internet, em que a moçada troca mensagens freneticamente e se relaciona numa intensidade que os adultos nem sonham. São também outras brincadeiras. Eles se divertem, por exemplo, com jogos teatrais em que a imaginação fica totalmente livre de amarras. O RPG, sigla para roleplaying game, uma espécie de jogral virtual que fascina os jovens internautas, é um exemplo. Há jogos de RPG pela internet, mas também no clube, em mesas ou grandes espaços com os participantes fantasiados. Além de desenvolver a imaginação, esses jogos acrescentam uma montanha de novos conhecimentos às crianças e jovens. Eles aprendem como eram as armas da Idade Média, princípios de projetos científicos como a nanotecnologia, a nascente indústria de microrrobôs, teorias de física que permitem planejar viagens no tempo e no espaço — e, óbvio, aprendem inglês. Elisa Maria Curci Grec, de 15 anos, lê tudo que lhe cai na mão, fala sem parar, congrega uma multidão de gente para os jogos de RPG que organiza e tem uma agenda de telefones de tirar o fôlego. É daquelas pessoinhas que parecem conhecer todo o mundo. Ela estuda numa escola estadual de São Paulo, onde RPG é apenas uma sigla para a maioria dos professores. A esperteza de Elisa, sua modernidade, sua capacidade de comunicação não foram adquiridas na escola, mas na intensa vida social que ela tem no mundo dos jogos. Elite de estudantes — "Os professores precisam estar preparados para receber na sala de aula alguém que sabe mais do que eles. Se não forem treinados para lidar com essas crianças, vão perder a vez", diz Zilda Zerbini Toscano, diretora do Colégio Palmares, de São Paulo. O resultado dessa transformação toda não é visível apenas nas crianças. Os primeiros sinais aparecem de forma intensa nos adolescentes, que pegaram a onda da mudança nos últimos cinco ou seis anos. No Brasil está-se criando uma elite de estudantes que impressiona e vai dar ainda muito o que falar no futuro. Os pais de hoje fizeram pelo menos onze anos de escola antes de chegar ao cursinho e prestar o vestibular. Esse era um cronograma aceito e incontestável. A marca do vestibular está sendo batida cada vez mais por aqueles que nem sequer terminaram o 2º grau. Na esgrima com as provas eles mostram que não precisariam, teoricamente, arrastar-se nos cursos tradicionais. Já estão preparados para a universidade. Huat-Chye Lim vivia em Brasília até o ano passado, para onde se mudou com os pais, empresários, vindo da Malásia. Hoje, aos 14 anos de idade, ele vive no alojamento da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, onde estuda ciências da computação. Para conseguir a vaga, Lim fez o teste exigido a todos os americanos e estrangeiros que querem entrar na universidade. Passou. Ninguém pediu comprovante de tempo de escolaridade no ato da matrícula. O paulista Mário Pugliesi, de 17 anos, teve problemas com a escola porque resolveu trabalhar demais em seus projetos particulares. Já foi dono de uma loja de jogos e revistas em quadrinhos e agora está montando uma editora, a Ciclone. Arregimentou os colegas para redigir roteiros e ilustrar as revistas. "O mundo para essas crianças não tem fronteiras", afirma Eleomar Ricino, coordenador do Colégio Humboldt, de São Paulo. Por eles se percebe a dimensão e a intensidade do fenômeno que está ocorrendo. Lidar com jovens cérebros é um desafio dramático para pais e professores que foram criados num mundo em que se seguia a cartilha para atingir a sabedoria e o conhecimento e em que a experiência do mestre era a única e incontrastável fonte de informação. Como as pesquisas nessa área estão apenas começando, ninguém sabe ao certo qual a receita para garantir o máximo aproveitamento do cérebro humano. Ninguém, também, pode prever que mundo essa gente vai construir daqui a alguns anos. Mas muitas mudanças fundamentais já ocorreram. Elas estão aí, refletidas nos olhos de meninas e meninos. Quando a hora chegar, eles vão travar a eterna luta entre esperança e realidade que define o futuro. Nunca uma geração chegou tão bem preparada para esse combate. http://veja.abril.com.br/161298/p_160.html