64-68 CAP 011 A Questão do Gênero no Ensinar em Enfermagem

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Artigo de Pesquisa
Original Research
Artículo de Investigación
A questão de gênero no ensinar em enfermagem
A QUESTÃO DO GÊNERO NO ENSINAR EM ENFERMAGEM
GENDER ISSUE IN NURSING TEACHING
LA CUESTIÓN DEL GÉNERO EN EL ENSEÑAR EN ENFERMERÍA
Rita da Cruz AmorimI
RESUMO
RESUMO: Trata-se de um artigo de pesquisa, que teve como objeto a maneira como enfermeiras ensinam e prestam o
cuidar/cuidado a homens e mulheres. Definiu-se como objetivo analisar a questão de gênero no processo de ensino do
cuidado na formação da enfermeira. A abordagem metodológica foi a qualitativa. O local foi a Universidade Estadual de
Feira de Santana, situada no semiárido baiano. A coleta de material foi realizada com 21 enfermeiras nos meses de
janeiro, fevereiro e julho de 2002, tendo como técnica a entrevista. Para análise dos dados, recorreu-se à estratégia do
discurso do sujeito coletivo. Analisados os depoimentos, concluiu-se pela necessidade de implementação de maneiras
diferentes de ensinar homens e mulheres a cuidar. A sugestão é que seja feita a integração dos saberes de enfermagem e
que se discutam as questões de gênero.
Palavras-Chave: Ensino; cuidado; divisão social do trabalho; divisão sexual do trabalho
ABSTRACT
ABSTRACT: This article goes over an aspect of the research in nursing teaching whose object is the way female nurses
teach and take care of men and women. The objective defined was the analysis of the gender issue in the process of
teaching care in the female nurse’s education. The methodological approach was qualitative. The place was the State
University of Feira de Santana, in the semi-arid region of Bahia, Brazil. Collection of material was done with 21 female
nurses in January, February, and July, 2002, resorting to the technique of interviews. Data analysis was made with the use
of the collective subject speech strategy. After analyzing the speeches, conclusions pointed to the need for implementing
different ways of teaching men and women to take care. Integration of the different parts of nursing knowledge and
discussion of gender issues come out as suggestions.
Keywords: Teaching; caretaking; social division of labor; sexual division of labor.
RESUMEN
RESUMEN: Se trata de un artículo de pesquisa que tuvo como objeto la manera como enfermeras enseñan y prestan el
cuidar/cuidado a hombres y mujeres. Se definió como objetivo analizar la cuestión de género en el proceso de enseñanza
del cuidado en la formación de la enfermera. El abordaje metodológico fue el cualitativo. El sitio fue la Universidad Estatal
de Feira de Santana, ubicada en el semiárido baiano-Brasil. La recolección de material fue realizada con 21 enfermeras
en los mese de enero, febrero y julio de 2002, teniendo como técnica la entrevista. Para análisis de los datos, se recurrió
a la estratégia del discurso del sujeto colectivo. Analisadas las hablas, se concluyó por la necesidad de implementación
de maneras diferentes de enseñar a hombres y mujeres a cuidar. La sugestión es que sea hecha la integración de los
saberes de enfermería y que se discutan las cuestiones de gênero.
Palabras clave: Enseñanza; cuidado; división social del trabajo; divisón sexual del trabajo.
INTRODUÇÃO
A enfermagem é uma profissão do cuidado; torna-se fundamental, pois, que os que a exercitam prestem uma assistência sistematizada e planejada. A expectativa é que, da relação estabelecida entre enfermeira e cliente, entre docente, aluna e cliente surjam
resultados que contribuam para a emancipação dos
envolvidos nesse processo.
O presente estudo questionou como ocorre o ensino do cuidado/gênero no Curso de Graduação em
Enfermagem. Para responder a essa indagação, definiuse como objetivo analisar a questão de gênero, no ensino do cuidado na formação da enfermeira. Buscou-se
compreender como se processa tal ensino, sob a ótica de
docentes da área curricular da saúde do adulto e de egressas,
por entender que estas vivenciam o ensinar, aprender e
sua práxis podendo, portanto, apontar mudanças
necessárias de conteúdos pragmáticos.
Habermas, Walter, Max, Theodor1, ao discutirem sobre o conhecimento e o interesse, levantaram
cinco teses que podem contribuir para desvelar o
cuidado na formação das enfermeiras. Na quinta tese,
é anunciado que a unidade do conhecimento com o
interesse se verifica numa dialética que reconstrua o
elemento reprimido, partindo das trocas históricas
do diálogo proibido.
A enfermagem, profissão desempenhada, principalmente, por mulheres — e tendo como objeto de
trabalho o cuidado do ser humano, da família e da
I
Enfermeira. Mestre em Ciências. Especialista em Metodologia da Assistência em Enfermagem. Exercendo suas atividades como enfermeira do
Hospital Geral Clériston Andrade. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Bahia, Brasil.
E-mail: [email protected].
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sociedade que vivenciam o processo de saúde e de
doença —, precisa desvelar o cuidado em suas diversas dimensões e integrá-las.
Em decorrência de uma cultura patriarcal, na
qual o elemento masculino tem exercido uma relação
de poder sobre o feminino, a profissão de enfermeira
sempre esteve ligada à ideia de devoção, caridade,
submissão. Pouco valorizadas na sociedade, as atividades que lhe dizem respeito no contexto social vigente são mais visualizadas no âmbito privado. Devido ao próprio processo histórico da profissão, a objetividade não dá conta de seu pleno reconhecimento no
seio da sociedade.
A reconstrução do espaço social da profissional
de enfermagem transpassa pela (des) construção desse conceito e construção de uma atuação no mundo
do trabalho, a fim de que sua prática contribua para a
autonomia dos que atuam no processo do cuidado. São
necessárias rupturas no processo de construção do saber e do fazer para que isso ocorra.
Quando se fala do ensino do cuidado no Curso
de Graduação, importa referir às origens da evolução
da enfermagem brasileira, seguindo Germano2:21, para
quem, “a compreensão de qualquer área de conhecimento tem relações com suas raízes [...].”
No Brasil, a enfermagem tem vínculo com a religião e, pela história da profissão, sabe-se que ela surgiu no período da colonização quando os jesuítas, com
o objetivo de catequizar os índios, introduziram costumes estranhos à realidade indígena. Esse fato trouxe
consequências importantes para a saúde desse povo o aumento da mortalidade infantil e as epidemias, por
exemplo2.
Também no Brasil, a enfermagem começou a ser
praticada por homens e mulheres e veio a se feminilizar
com o advento da modernidade. Tal mudança, certamente, dá-se de acordo com outras transformações
verificadas nas maneiras de ser, nas expectativas e nas
atribuições relativas ao pessoal de enfermagem3.
O Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) nasceu sob a égide do Parecer n° 163/72 e da Resolução
n° 4/72 do Conselho Federal de Educação, que surgiu
por força da Lei n° 5.540, de 28 de novembro de 1968
(Reforma Universitária). O seu currículo foi inicialmente estruturado em dois ciclos: o básico e o
profissionalizante, que respondiam aos anseios do mercado e às políticas de saúde então vigentes no país.
No primeiro Relatório-Síntese da Avaliação
Institucional da UEFS, os discentes assinalaram que o
Curso de Graduação em Enfermagem tinha um perfil
tecnicista; a necessidade de um currículo integrado;
ser fundamental repensar as avaliações de estágio que,
na maioria das vezes, eram baseadas no erro das estudantes, as quais não tinham a criatividade estimulada4.
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Diante das constatações emitidas até aqui, evidencia-se o desafio de se repensar os modelos tradicionais de ensino que vêm sendo desenvolvidos e de
superá-los. Deverá ter-se como meta um processo de
ensinar e aprender centrado na relação dos sujeitos
envolvidos no cuidado — favorecendo um relacionamento de cuidado.
REFERENCIAL TEÓRICO
Adotou-se, neste estudo, a ótica das relações de
gênero, como relações hierárquicas de poder entre os
sexos no contexto da construção do saber e do fazer o
cuidado no caso do Curso de Enfermagem. O termo
gênero começou a ser usado nos anos 1970, com os estudos das feministas americanas. O objetivo, naquele
momento, era promover uma ruptura com a concepção organicista, que explicava as diferenças entre os
homens e as mulheres, pois o vocabulário disponível
para referenciar as diferenças sexuais, até então, era a
palavra sexo — feminino ou masculino —, fortemente
vinculado ao determinismo biológico5.
Diante das mudanças pertinentes à vida, Padilha,
Vaghetti, Brodersen6 alertam para o risco da ruptura
com a biologia e registram a necessidade de se evitar
a popularização natural/social, compreendendo, possivelmente, que o gênero também possui uma dimensão e uma expressão biológicas.
Gênero introduz uma noção relacional no vocabulário analítico, porque homens e mulheres não são
compreendidos de maneira isolada7. Recorrer a essa
ótica para analisar o processo de ensino do cuidado
possibilita a discussão das relações opressoras que atuam e se reproduzem no seio da profissão, interferindo
no desvelamento do cuidado no mundo público, como
um saber alternativo que pode ser valorizado e complementar o saber dominante.
Apoia-se, também, na assertiva de que gênero é um
conceito útil para entender a sociedade em que vivemos, porque ele nos ajuda a compreender melhor
o que representam homens e mulheres nas diferentes sociedades8: 423.
Gênero, como conceito que opera no campo
relacional, não designa mulheres e sim, a relação de poder entre homens e mulheres; indica também uma rejeição ao biologicismo implícito no uso do termo sexo9,10.
Divisão Sexual e Social no Processo de Ensinar, Aprender e Cuidar em Enfermagem
O cuidar diz respeito a homens e mulheres, porém
a divisão do trabalho levou a uma construção social das
mulheres na qual tarefas que envolvem sensibilidade,
carinho, afetuosidade são consideradas femininas.
A predominância feminina no cuidado teve até
agora, como efeito, a construção de um discurso homo-
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gêneo em relação ao sexo. Não se pode falar em rivalidade de sexo no interior do cuidado; porém, no imaginário social, o lugar dos homens não é, certamente,
cuidando dentro de um hospital. Trata-se de um universo, por excelência, feminino, na medida em que ele
veicula conotações de debilidade, de doença, de dependência, entre outras. Um espaço, portanto, em que
não se valoriza a identidade social do homem e que
significa uma afronta a sua identidade sexual, já que o
cuidado era destinado às mulheres que ficavam em casa
cuidando de crianças, idosos, parturientes e doentes11.
De fato, as relações construídas entre homens e
mulheres na enfermagem são competitivas11. Na verdade, o que se observa é que o trabalho dos homens
na enfermagem, em hospitais, está vinculado, sobretudo, ao desempenho de tarefas que exigem força física, ao gerenciamento das atividades para promoção
da assistência direta ao paciente e, também, àquelas
que supõem o envolvimento com a tecnologia hospitalar tão valorizada na atualidade.
A cultura brasileira, entre outras no mundo, valida a esfera pública, social e econômica como sendo
masculina em detrimento da esfera privada, por dizer
respeito ao universo feminino. Essa desvalorização
tem contribuído para que não haja clarificação do
cuidar como objeto de trabalho da enfermagem tanto
na profissão como na sociedade12.
O mundo do trabalho não pode ser concebido
de forma transcendental, dissociado do mundo social,
desde que existem vigorosas alianças entre os dois, as
quais, por meio de práticas particulares, criam e recriam os sistemas simbólicos estruturados de forma
objetiva na realidade social13.
O entendimento das relações estabelecidas entre
homens e mulheres que prestam cuidado contribuirá
para possíveis rupturas no seio da enfermagem, que sofre
um processo de naturalização do seu fazer, encarado como
uma extensão das atividades domésticas exercidas por
mulheres, o que tem dificultado a construção de um
campo teórico de conhecimento próprio.
METODOLOGIA
A pesquisa qualitativa possibilitou o desvelamento
de significados e valores que permeiam o processo de
ensino do cuidado no Curso de Graduação em Enfermagem.
A escolha do estudo de caso deu-se por facilitar
um aprofundamento no ensino do cuidado na Área de
Saúde do Adulto do curso. Triviños14:133 refere-se ao
estudo de caso “[... ] como sendo uma categoria de
pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa
aprofundadamente”.
Em atenção à qualidade do relacionamento com
os participantes do estudo e o respeito a seus direitos
de cidadãos, foram observados os princípios éticos da
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pesquisa. A Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de
Medicina (UNIFESP/EPM), que atende à Resolução
n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)15,
aprovou a operacionalização do projeto, mediante o
Parecer nº 1241/01. Foi solicitado consentimento, por
escrito, aos sujeitos, para participarem da pesquisa,
fazendo-os cientes dos objetivos, riscos e benefícios,
da garantia do anonimato e do sigilo, do respeito à
privacidade, à intimidade e à liberdade de sua participação no estudo.
Na coleta de material, foi aplicada a técnica de
entrevista, seguindo a orientação de especialistas que
[...] mencionam a importância das pessoas compreenderem o que ocorre umas com as outras, [...] a
melhor situação para participar na mente de outro
ser humano, é a interação face a face, pois o caráter,
inquestionável de proximidade entre as pessoas, que
proporciona as melhores possibilidades de penetrar
na mente, vida e definição dos indivíduos [...]16:207.
O local do estudo foi a UEFS e a coleta de material ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2002.
Participaram do estudo 13 enfermeiras egressas do referido Curso e oito enfermeiras docentes da área de
Saúde do Adulto. Após a leitura flutuante das entrevistas, foi resolvido voltar a campo em julho de 2002
para entrevistar outras docentes e enfermeiras, a fim
de complementar a sondagem.
Para analisar o material das entrevistas, optouse pela estratégia metodológica do discurso do sujeito
coletivo (DSC)17. Houve a escolha das expressõeschave (ECH) e, posteriormente, das ideias centrais
(IC), que foram utilizadas para a elaboração dos DSCs.
Os que se referem aos depoimentos das enfermeiras
estão apresentados com a sigla DSC–E, enquanto os
DSCs dos docentes, pela sigla DSC–D.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise foi realizada com base na articulação
dos discursos construídos pelas ideias centrais. Pela
leitura dos discursos, foi possível perceber que não há
unanimidade, no que tange a ensinar, aprender e cuidar em enfermagem para homens e mulheres.
Evidenciou-se um movimento nas relações de
poder expresso nas palavras que a enfermagem é feminina; portanto, os homens não conseguem prestar um
cuidado com a mesma qualidade que as mulheres, sob
alegação de que eles são sinônimos de objetividade e
autoridade e que, ao fazerem o curso de enfermagem,
buscam construir um saber que está mais diretamente
direcionado à cura.
Os discursos também mostraram a necessidade
de haver diferença no ensinar e no aprender a cuidar
de homens e mulheres; porém, não há evidência de
um fazer cotidiano que contemple essa perspectiva.
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Outros depoimentos observaram que a qualidade técnica e o conhecimento científico eliminam a possibilidade de diferença; todavia, tais discursos expressam
diferenças de modo camuflado:
Não há diferença nenhuma porque o que supera ali é a
qualidade técnica do profissional, não é relevante no contexto da saúde essa preocupação de que se você é homem
ou mulher e está tratando de homem ou mulher, [...]. Não
faço diferença nenhuma, às vezes a gente fica [...] com o pé
atrás, é que com mulher se fica mais à vontade. Já quando
a gente vai cuidar de homem [...] (DSC–E)
Para falar a verdade, não tenho esse constrangimento;
tento não demonstrar qualquer reação que deixe o cliente
ou o aluno constrangido, faço naturalmente, só não gosto
de examinar genitália de pacientes do sexo masculino conhecidos. (DSC–D)
A enfermagem tem assegurado um discurso teórico na perspectiva da integralidade do ser humano,
mas não tem conseguido superar os limites apresentados pelas maneiras de ensinar, aprender e cuidar de
homens e mulheres.
Os modos de ser de homens e mulheres são
construídos com base no social e no cultural e não se
dissolvem com facilidade. O diálogo constitui um dos
recursos para dissolver e promover a construção de modos de ser emancipatórios de homens e mulheres no
mundo18.
Com fundamento na quinta tese, é preciso reforçar a necessidade de discussão acerca do saber e do
fazer da enfermagem, em que seu reconhecimento
como prática social se evidencie por um conhecimento construído por e para mulheres e homens, produzindo um diálogo de saberes técnico-científicos, explorando as diversas dimensões de uma profissão tradicionalmente identificada com o perfil feminino.
No que tange à sexualidade do cliente, fica evidenciada uma fragmentação na prestação de cuidado, pois essa é tratada, no discurso teórico da enfermagem, como uma necessidade humana básica, requerendo atenção para a manutenção e recuperação
da saúde. Na prática, porém, a atenção dispensada à
sexualidade encontra-se ancorada em sua função
reprodutiva e nos problemas de ordem clínica e patológica. Não há uma discussão crítica e contextualizada
que contemple questões ligadas à esfera sociocultural
da sexualidade humana19:19.
Estudos apontam que, no Brasil, a educação sexual é um movimento que ainda está incorporado ao
sistema educacional, porém os currículos dos cursos
tanto no ensino médio quanto no superior da área de
saúde, como é o caso da enfermagem, apresentam
uma insuficiência de temas relacionados à sexualidade humana para debate. Ressalvadas exceções, existe
um tratamento velado, da ordem do privado20.
A sexualidade é inerente à pessoa, está presente
em qualquer momento da vida humana, seja no âmbi-
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to profissional, pessoal, em situação de doença ou não.
As enfermeiras, contudo, demonstram pouca habilidade para lidar com as questões referentes à sexualidade, e o trabalho que realizam consiste num tratamento fragmentado, que só tem contribuído para um
cuidar mecanizado19.
No que diz respeito a questões que envolvem a
sexualidade, as enfermeiras impõem limites. Quanto
a discutir situações relativas a sexo, procuram camuflálas e, na qualidade de prestadoras de cuidado, exercem o poder sobre quem o utiliza, reduzindo as possibilidades de sua discussão e enfrentamento.
[...] acredito que a gente deve ter algum tipo de resguardo
quando é um homem porque [...], se a gente tocar esse
homem, será que ele vai se sentir emocionalmente tocado?
Será que ele vai se excitar com esse toque? A gente já vai
com mais cautela; a mulher não. Existe diferença no cuidar do homem e da mulher [...] as pessoas são reprimidas
em sua sexualidade e isso vai refletir no assistir o homem
como a mulher, que é de forma diferente. [...] as alunas,
percebo que a dificuldade está em cuidar do sexo oposto,
pois a maioria das nossas alunas são adolescentes e muitas não tiveram ainda uma experiência com relação ao
corpo do outro, o maior pudor com certeza aparece ao
examinar a genitália (DSC–D).
Quando enfermeiras dispensam cuidado às mulheres, também é preocupante porque não há evidência da importância dada à sua sexualidade. Tanto homens quanto mulheres, quando são cuidados por enfermeiras, sofrem fragmentação, porém, de maneira
diferente.
No caso da enfermeira cuidando de homens, a
defesa consiste em não tocá-lo para que não haja qualquer sinal referente a prazer nesse ato. No cuidado de
mulheres, a sexualidade não é questionada, é como se
não existisse. Os enfermeiros, no desempenho dessa
mesma função, traduzem suas dificuldades à vista do
que consideram respeito.
Há um mutismo derivado do discurso teórico e
pela ausência de discussões, no decorrer do Curso de
Graduação. Isso, porém, não ajuda as enfermeiras a
resolverem situações de gênero advindas do ato de
lidar com um corpo que sente, pulsa e reage a diversos
estímulos19.
Os DSCs evidenciaram, de maneira implícita, a
fragmentação do cuidar/cuidado, pois as enfermeiras,
quando cuidam de homens, fazem restrições ao tocar,
e isso compromete sua presença na prestação do cuidado. Pode-se perceber, pelos discursos, que, ao invés
de haver o estabelecimento de uma relação, se evidencia um constrangimento da parte de ambos.
A ótica de gênero possibilita pensar na questão
da igualdade e da diferença entre os sexos, tendo em
vista que mulheres e homens não são trabalhadores
iguais, e as mulheres não desejam essa igualdade, portanto, no que se refere ao cuidar de homens e mulheRev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):64-8.
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res, também requerem cuidados diferentes. Com isso,
há necessidade de preservar a diferença entre os sexos, baseada em uma outra cultura de trabalho, a partir das mulheres21.
CONCLUSÃO
A partir dos DSCs analisados, referentes ao processo de ensinar, aprender e cuidar em enfermagem, ficou
evidenciado que se faz necessária a implementação de
maneiras diferentes de ensinar homens e mulheres a
cuidar. O curso precisa investir em modelos de ensinar,
aprender e de avaliar, trabalhando sempre com a valorização das qualificações construídas ao longo dos processos de vida de cada um, para que assim se torne possível
estimular reflexões discentes, com vistas ao fortalecimento
de alguns conceitos e transformação de outros.
É importante trabalhar as disposições internas do
corpo docente no sentido de revalorizar o cuidado como
atividade primária da enfermagem, planejando e desenvolvendo oficinas e trabalhos que possam mobilizar
ações que integrem docentes, enfermeiras de serviços
com as quais a Universidade tem convênio — desenvolvendo intervenções concomitantes nas relações com
o corpo discente.
Uma contribuição valiosa será a implantação de
grupos de reflexão sobre o cuidado que atendam às
alunas que ingressam na prática do curso, e que esses
grupos contemplem a equipe interdisciplinar de saúde para o enriquecimento das discussões.
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