Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación A questão de gênero no ensinar em enfermagem A QUESTÃO DO GÊNERO NO ENSINAR EM ENFERMAGEM GENDER ISSUE IN NURSING TEACHING LA CUESTIÓN DEL GÉNERO EN EL ENSEÑAR EN ENFERMERÍA Rita da Cruz AmorimI RESUMO RESUMO: Trata-se de um artigo de pesquisa, que teve como objeto a maneira como enfermeiras ensinam e prestam o cuidar/cuidado a homens e mulheres. Definiu-se como objetivo analisar a questão de gênero no processo de ensino do cuidado na formação da enfermeira. A abordagem metodológica foi a qualitativa. O local foi a Universidade Estadual de Feira de Santana, situada no semiárido baiano. A coleta de material foi realizada com 21 enfermeiras nos meses de janeiro, fevereiro e julho de 2002, tendo como técnica a entrevista. Para análise dos dados, recorreu-se à estratégia do discurso do sujeito coletivo. Analisados os depoimentos, concluiu-se pela necessidade de implementação de maneiras diferentes de ensinar homens e mulheres a cuidar. A sugestão é que seja feita a integração dos saberes de enfermagem e que se discutam as questões de gênero. Palavras-Chave: Ensino; cuidado; divisão social do trabalho; divisão sexual do trabalho ABSTRACT ABSTRACT: This article goes over an aspect of the research in nursing teaching whose object is the way female nurses teach and take care of men and women. The objective defined was the analysis of the gender issue in the process of teaching care in the female nurse’s education. The methodological approach was qualitative. The place was the State University of Feira de Santana, in the semi-arid region of Bahia, Brazil. Collection of material was done with 21 female nurses in January, February, and July, 2002, resorting to the technique of interviews. Data analysis was made with the use of the collective subject speech strategy. After analyzing the speeches, conclusions pointed to the need for implementing different ways of teaching men and women to take care. Integration of the different parts of nursing knowledge and discussion of gender issues come out as suggestions. Keywords: Teaching; caretaking; social division of labor; sexual division of labor. RESUMEN RESUMEN: Se trata de un artículo de pesquisa que tuvo como objeto la manera como enfermeras enseñan y prestan el cuidar/cuidado a hombres y mujeres. Se definió como objetivo analizar la cuestión de género en el proceso de enseñanza del cuidado en la formación de la enfermera. El abordaje metodológico fue el cualitativo. El sitio fue la Universidad Estatal de Feira de Santana, ubicada en el semiárido baiano-Brasil. La recolección de material fue realizada con 21 enfermeras en los mese de enero, febrero y julio de 2002, teniendo como técnica la entrevista. Para análisis de los datos, se recurrió a la estratégia del discurso del sujeto colectivo. Analisadas las hablas, se concluyó por la necesidad de implementación de maneras diferentes de enseñar a hombres y mujeres a cuidar. La sugestión es que sea hecha la integración de los saberes de enfermería y que se discutan las cuestiones de gênero. Palabras clave: Enseñanza; cuidado; división social del trabajo; divisón sexual del trabajo. INTRODUÇÃO A enfermagem é uma profissão do cuidado; torna-se fundamental, pois, que os que a exercitam prestem uma assistência sistematizada e planejada. A expectativa é que, da relação estabelecida entre enfermeira e cliente, entre docente, aluna e cliente surjam resultados que contribuam para a emancipação dos envolvidos nesse processo. O presente estudo questionou como ocorre o ensino do cuidado/gênero no Curso de Graduação em Enfermagem. Para responder a essa indagação, definiuse como objetivo analisar a questão de gênero, no ensino do cuidado na formação da enfermeira. Buscou-se compreender como se processa tal ensino, sob a ótica de docentes da área curricular da saúde do adulto e de egressas, por entender que estas vivenciam o ensinar, aprender e sua práxis podendo, portanto, apontar mudanças necessárias de conteúdos pragmáticos. Habermas, Walter, Max, Theodor1, ao discutirem sobre o conhecimento e o interesse, levantaram cinco teses que podem contribuir para desvelar o cuidado na formação das enfermeiras. Na quinta tese, é anunciado que a unidade do conhecimento com o interesse se verifica numa dialética que reconstrua o elemento reprimido, partindo das trocas históricas do diálogo proibido. A enfermagem, profissão desempenhada, principalmente, por mulheres — e tendo como objeto de trabalho o cuidado do ser humano, da família e da I Enfermeira. Mestre em Ciências. Especialista em Metodologia da Assistência em Enfermagem. Exercendo suas atividades como enfermeira do Hospital Geral Clériston Andrade. Professora Assistente do Departamento de Saúde da Universidade Estadual de Feira de Santana. Bahia, Brasil. E-mail: [email protected]. p.64 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):64-8. Recebido em: 22.08.2008 - Aprovado em: 30.11.2008 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación sociedade que vivenciam o processo de saúde e de doença —, precisa desvelar o cuidado em suas diversas dimensões e integrá-las. Em decorrência de uma cultura patriarcal, na qual o elemento masculino tem exercido uma relação de poder sobre o feminino, a profissão de enfermeira sempre esteve ligada à ideia de devoção, caridade, submissão. Pouco valorizadas na sociedade, as atividades que lhe dizem respeito no contexto social vigente são mais visualizadas no âmbito privado. Devido ao próprio processo histórico da profissão, a objetividade não dá conta de seu pleno reconhecimento no seio da sociedade. A reconstrução do espaço social da profissional de enfermagem transpassa pela (des) construção desse conceito e construção de uma atuação no mundo do trabalho, a fim de que sua prática contribua para a autonomia dos que atuam no processo do cuidado. São necessárias rupturas no processo de construção do saber e do fazer para que isso ocorra. Quando se fala do ensino do cuidado no Curso de Graduação, importa referir às origens da evolução da enfermagem brasileira, seguindo Germano2:21, para quem, “a compreensão de qualquer área de conhecimento tem relações com suas raízes [...].” No Brasil, a enfermagem tem vínculo com a religião e, pela história da profissão, sabe-se que ela surgiu no período da colonização quando os jesuítas, com o objetivo de catequizar os índios, introduziram costumes estranhos à realidade indígena. Esse fato trouxe consequências importantes para a saúde desse povo o aumento da mortalidade infantil e as epidemias, por exemplo2. Também no Brasil, a enfermagem começou a ser praticada por homens e mulheres e veio a se feminilizar com o advento da modernidade. Tal mudança, certamente, dá-se de acordo com outras transformações verificadas nas maneiras de ser, nas expectativas e nas atribuições relativas ao pessoal de enfermagem3. O Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) nasceu sob a égide do Parecer n° 163/72 e da Resolução n° 4/72 do Conselho Federal de Educação, que surgiu por força da Lei n° 5.540, de 28 de novembro de 1968 (Reforma Universitária). O seu currículo foi inicialmente estruturado em dois ciclos: o básico e o profissionalizante, que respondiam aos anseios do mercado e às políticas de saúde então vigentes no país. No primeiro Relatório-Síntese da Avaliação Institucional da UEFS, os discentes assinalaram que o Curso de Graduação em Enfermagem tinha um perfil tecnicista; a necessidade de um currículo integrado; ser fundamental repensar as avaliações de estágio que, na maioria das vezes, eram baseadas no erro das estudantes, as quais não tinham a criatividade estimulada4. Amorim RC Diante das constatações emitidas até aqui, evidencia-se o desafio de se repensar os modelos tradicionais de ensino que vêm sendo desenvolvidos e de superá-los. Deverá ter-se como meta um processo de ensinar e aprender centrado na relação dos sujeitos envolvidos no cuidado — favorecendo um relacionamento de cuidado. REFERENCIAL TEÓRICO Adotou-se, neste estudo, a ótica das relações de gênero, como relações hierárquicas de poder entre os sexos no contexto da construção do saber e do fazer o cuidado no caso do Curso de Enfermagem. O termo gênero começou a ser usado nos anos 1970, com os estudos das feministas americanas. O objetivo, naquele momento, era promover uma ruptura com a concepção organicista, que explicava as diferenças entre os homens e as mulheres, pois o vocabulário disponível para referenciar as diferenças sexuais, até então, era a palavra sexo — feminino ou masculino —, fortemente vinculado ao determinismo biológico5. Diante das mudanças pertinentes à vida, Padilha, Vaghetti, Brodersen6 alertam para o risco da ruptura com a biologia e registram a necessidade de se evitar a popularização natural/social, compreendendo, possivelmente, que o gênero também possui uma dimensão e uma expressão biológicas. Gênero introduz uma noção relacional no vocabulário analítico, porque homens e mulheres não são compreendidos de maneira isolada7. Recorrer a essa ótica para analisar o processo de ensino do cuidado possibilita a discussão das relações opressoras que atuam e se reproduzem no seio da profissão, interferindo no desvelamento do cuidado no mundo público, como um saber alternativo que pode ser valorizado e complementar o saber dominante. Apoia-se, também, na assertiva de que gênero é um conceito útil para entender a sociedade em que vivemos, porque ele nos ajuda a compreender melhor o que representam homens e mulheres nas diferentes sociedades8: 423. Gênero, como conceito que opera no campo relacional, não designa mulheres e sim, a relação de poder entre homens e mulheres; indica também uma rejeição ao biologicismo implícito no uso do termo sexo9,10. Divisão Sexual e Social no Processo de Ensinar, Aprender e Cuidar em Enfermagem O cuidar diz respeito a homens e mulheres, porém a divisão do trabalho levou a uma construção social das mulheres na qual tarefas que envolvem sensibilidade, carinho, afetuosidade são consideradas femininas. A predominância feminina no cuidado teve até agora, como efeito, a construção de um discurso homo- Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):64-8. • p.65 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación A questão de gênero no ensinar em enfermagem gêneo em relação ao sexo. Não se pode falar em rivalidade de sexo no interior do cuidado; porém, no imaginário social, o lugar dos homens não é, certamente, cuidando dentro de um hospital. Trata-se de um universo, por excelência, feminino, na medida em que ele veicula conotações de debilidade, de doença, de dependência, entre outras. Um espaço, portanto, em que não se valoriza a identidade social do homem e que significa uma afronta a sua identidade sexual, já que o cuidado era destinado às mulheres que ficavam em casa cuidando de crianças, idosos, parturientes e doentes11. De fato, as relações construídas entre homens e mulheres na enfermagem são competitivas11. Na verdade, o que se observa é que o trabalho dos homens na enfermagem, em hospitais, está vinculado, sobretudo, ao desempenho de tarefas que exigem força física, ao gerenciamento das atividades para promoção da assistência direta ao paciente e, também, àquelas que supõem o envolvimento com a tecnologia hospitalar tão valorizada na atualidade. A cultura brasileira, entre outras no mundo, valida a esfera pública, social e econômica como sendo masculina em detrimento da esfera privada, por dizer respeito ao universo feminino. Essa desvalorização tem contribuído para que não haja clarificação do cuidar como objeto de trabalho da enfermagem tanto na profissão como na sociedade12. O mundo do trabalho não pode ser concebido de forma transcendental, dissociado do mundo social, desde que existem vigorosas alianças entre os dois, as quais, por meio de práticas particulares, criam e recriam os sistemas simbólicos estruturados de forma objetiva na realidade social13. O entendimento das relações estabelecidas entre homens e mulheres que prestam cuidado contribuirá para possíveis rupturas no seio da enfermagem, que sofre um processo de naturalização do seu fazer, encarado como uma extensão das atividades domésticas exercidas por mulheres, o que tem dificultado a construção de um campo teórico de conhecimento próprio. METODOLOGIA A pesquisa qualitativa possibilitou o desvelamento de significados e valores que permeiam o processo de ensino do cuidado no Curso de Graduação em Enfermagem. A escolha do estudo de caso deu-se por facilitar um aprofundamento no ensino do cuidado na Área de Saúde do Adulto do curso. Triviños14:133 refere-se ao estudo de caso “[... ] como sendo uma categoria de pesquisa cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente”. Em atenção à qualidade do relacionamento com os participantes do estudo e o respeito a seus direitos de cidadãos, foram observados os princípios éticos da p.66 • Rev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):64-8. pesquisa. A Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), que atende à Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)15, aprovou a operacionalização do projeto, mediante o Parecer nº 1241/01. Foi solicitado consentimento, por escrito, aos sujeitos, para participarem da pesquisa, fazendo-os cientes dos objetivos, riscos e benefícios, da garantia do anonimato e do sigilo, do respeito à privacidade, à intimidade e à liberdade de sua participação no estudo. Na coleta de material, foi aplicada a técnica de entrevista, seguindo a orientação de especialistas que [...] mencionam a importância das pessoas compreenderem o que ocorre umas com as outras, [...] a melhor situação para participar na mente de outro ser humano, é a interação face a face, pois o caráter, inquestionável de proximidade entre as pessoas, que proporciona as melhores possibilidades de penetrar na mente, vida e definição dos indivíduos [...]16:207. O local do estudo foi a UEFS e a coleta de material ocorreu nos meses de janeiro e fevereiro de 2002. Participaram do estudo 13 enfermeiras egressas do referido Curso e oito enfermeiras docentes da área de Saúde do Adulto. Após a leitura flutuante das entrevistas, foi resolvido voltar a campo em julho de 2002 para entrevistar outras docentes e enfermeiras, a fim de complementar a sondagem. Para analisar o material das entrevistas, optouse pela estratégia metodológica do discurso do sujeito coletivo (DSC)17. Houve a escolha das expressõeschave (ECH) e, posteriormente, das ideias centrais (IC), que foram utilizadas para a elaboração dos DSCs. Os que se referem aos depoimentos das enfermeiras estão apresentados com a sigla DSC–E, enquanto os DSCs dos docentes, pela sigla DSC–D. RESULTADOS E DISCUSSÃO A análise foi realizada com base na articulação dos discursos construídos pelas ideias centrais. Pela leitura dos discursos, foi possível perceber que não há unanimidade, no que tange a ensinar, aprender e cuidar em enfermagem para homens e mulheres. Evidenciou-se um movimento nas relações de poder expresso nas palavras que a enfermagem é feminina; portanto, os homens não conseguem prestar um cuidado com a mesma qualidade que as mulheres, sob alegação de que eles são sinônimos de objetividade e autoridade e que, ao fazerem o curso de enfermagem, buscam construir um saber que está mais diretamente direcionado à cura. Os discursos também mostraram a necessidade de haver diferença no ensinar e no aprender a cuidar de homens e mulheres; porém, não há evidência de um fazer cotidiano que contemple essa perspectiva. Recebido em: 22.08.2008 - Aprovado em: 30.11.2008 Artigo de Pesquisa Original Research Artículo de Investigación Outros depoimentos observaram que a qualidade técnica e o conhecimento científico eliminam a possibilidade de diferença; todavia, tais discursos expressam diferenças de modo camuflado: Não há diferença nenhuma porque o que supera ali é a qualidade técnica do profissional, não é relevante no contexto da saúde essa preocupação de que se você é homem ou mulher e está tratando de homem ou mulher, [...]. Não faço diferença nenhuma, às vezes a gente fica [...] com o pé atrás, é que com mulher se fica mais à vontade. Já quando a gente vai cuidar de homem [...] (DSC–E) Para falar a verdade, não tenho esse constrangimento; tento não demonstrar qualquer reação que deixe o cliente ou o aluno constrangido, faço naturalmente, só não gosto de examinar genitália de pacientes do sexo masculino conhecidos. (DSC–D) A enfermagem tem assegurado um discurso teórico na perspectiva da integralidade do ser humano, mas não tem conseguido superar os limites apresentados pelas maneiras de ensinar, aprender e cuidar de homens e mulheres. Os modos de ser de homens e mulheres são construídos com base no social e no cultural e não se dissolvem com facilidade. O diálogo constitui um dos recursos para dissolver e promover a construção de modos de ser emancipatórios de homens e mulheres no mundo18. Com fundamento na quinta tese, é preciso reforçar a necessidade de discussão acerca do saber e do fazer da enfermagem, em que seu reconhecimento como prática social se evidencie por um conhecimento construído por e para mulheres e homens, produzindo um diálogo de saberes técnico-científicos, explorando as diversas dimensões de uma profissão tradicionalmente identificada com o perfil feminino. No que tange à sexualidade do cliente, fica evidenciada uma fragmentação na prestação de cuidado, pois essa é tratada, no discurso teórico da enfermagem, como uma necessidade humana básica, requerendo atenção para a manutenção e recuperação da saúde. Na prática, porém, a atenção dispensada à sexualidade encontra-se ancorada em sua função reprodutiva e nos problemas de ordem clínica e patológica. Não há uma discussão crítica e contextualizada que contemple questões ligadas à esfera sociocultural da sexualidade humana19:19. Estudos apontam que, no Brasil, a educação sexual é um movimento que ainda está incorporado ao sistema educacional, porém os currículos dos cursos tanto no ensino médio quanto no superior da área de saúde, como é o caso da enfermagem, apresentam uma insuficiência de temas relacionados à sexualidade humana para debate. Ressalvadas exceções, existe um tratamento velado, da ordem do privado20. A sexualidade é inerente à pessoa, está presente em qualquer momento da vida humana, seja no âmbi- Amorim RC to profissional, pessoal, em situação de doença ou não. As enfermeiras, contudo, demonstram pouca habilidade para lidar com as questões referentes à sexualidade, e o trabalho que realizam consiste num tratamento fragmentado, que só tem contribuído para um cuidar mecanizado19. No que diz respeito a questões que envolvem a sexualidade, as enfermeiras impõem limites. Quanto a discutir situações relativas a sexo, procuram camuflálas e, na qualidade de prestadoras de cuidado, exercem o poder sobre quem o utiliza, reduzindo as possibilidades de sua discussão e enfrentamento. [...] acredito que a gente deve ter algum tipo de resguardo quando é um homem porque [...], se a gente tocar esse homem, será que ele vai se sentir emocionalmente tocado? Será que ele vai se excitar com esse toque? A gente já vai com mais cautela; a mulher não. Existe diferença no cuidar do homem e da mulher [...] as pessoas são reprimidas em sua sexualidade e isso vai refletir no assistir o homem como a mulher, que é de forma diferente. [...] as alunas, percebo que a dificuldade está em cuidar do sexo oposto, pois a maioria das nossas alunas são adolescentes e muitas não tiveram ainda uma experiência com relação ao corpo do outro, o maior pudor com certeza aparece ao examinar a genitália (DSC–D). Quando enfermeiras dispensam cuidado às mulheres, também é preocupante porque não há evidência da importância dada à sua sexualidade. Tanto homens quanto mulheres, quando são cuidados por enfermeiras, sofrem fragmentação, porém, de maneira diferente. No caso da enfermeira cuidando de homens, a defesa consiste em não tocá-lo para que não haja qualquer sinal referente a prazer nesse ato. No cuidado de mulheres, a sexualidade não é questionada, é como se não existisse. Os enfermeiros, no desempenho dessa mesma função, traduzem suas dificuldades à vista do que consideram respeito. Há um mutismo derivado do discurso teórico e pela ausência de discussões, no decorrer do Curso de Graduação. Isso, porém, não ajuda as enfermeiras a resolverem situações de gênero advindas do ato de lidar com um corpo que sente, pulsa e reage a diversos estímulos19. Os DSCs evidenciaram, de maneira implícita, a fragmentação do cuidar/cuidado, pois as enfermeiras, quando cuidam de homens, fazem restrições ao tocar, e isso compromete sua presença na prestação do cuidado. Pode-se perceber, pelos discursos, que, ao invés de haver o estabelecimento de uma relação, se evidencia um constrangimento da parte de ambos. A ótica de gênero possibilita pensar na questão da igualdade e da diferença entre os sexos, tendo em vista que mulheres e homens não são trabalhadores iguais, e as mulheres não desejam essa igualdade, portanto, no que se refere ao cuidar de homens e mulheRev. enferm. UERJ, Rio de Janeiro, 2009 jan/mar; 17(1):64-8. • p.67 A questão de gênero no ensinar em enfermagem res, também requerem cuidados diferentes. Com isso, há necessidade de preservar a diferença entre os sexos, baseada em uma outra cultura de trabalho, a partir das mulheres21. CONCLUSÃO A partir dos DSCs analisados, referentes ao processo de ensinar, aprender e cuidar em enfermagem, ficou evidenciado que se faz necessária a implementação de maneiras diferentes de ensinar homens e mulheres a cuidar. O curso precisa investir em modelos de ensinar, aprender e de avaliar, trabalhando sempre com a valorização das qualificações construídas ao longo dos processos de vida de cada um, para que assim se torne possível estimular reflexões discentes, com vistas ao fortalecimento de alguns conceitos e transformação de outros. É importante trabalhar as disposições internas do corpo docente no sentido de revalorizar o cuidado como atividade primária da enfermagem, planejando e desenvolvendo oficinas e trabalhos que possam mobilizar ações que integrem docentes, enfermeiras de serviços com as quais a Universidade tem convênio — desenvolvendo intervenções concomitantes nas relações com o corpo discente. Uma contribuição valiosa será a implantação de grupos de reflexão sobre o cuidado que atendam às alunas que ingressam na prática do curso, e que esses grupos contemplem a equipe interdisciplinar de saúde para o enriquecimento das discussões. REFERÊNCIAS 1. Habermas J, Walter B, Max H, Theodor WA. Conhecimento e interesse: textos escolhidos. Tradução de José Lino Grunnewald, Edson Araújo Cabral, José Benedito de Oliveira Damião, Modesto Carone, Erwin Theodor Rosental, Zelijko Loparié et al. São Paulo: Abril Cultural; 1983. 2. Germano RM. Educação e ideologia da enfermagem no Brasil. São Paulo: Cortez; 1993. 3. 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