Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas

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Redes sociais e disseminação de inovações
tecnológicas: uma modelagem por agentes
aplicada ao caso da TV digital brasileira
Ismael M. A. Ávila*, José Carlos L. Pinto, Luciano M. Lemos, Giovanni M. de Holanda
Este artigo descreve um processo de modelagem da dinâmica que as redes sociais exercem sobre a
disseminação de uma nova tecnologia na sociedade, sendo incorporado ao estudo ex anti da difusão da
televisão digital terrestre no Brasil. Emprega-se, para tanto, a modelagem e a simulação baseadas em
agentes (ABMS), cujo potencial analítico tem se mostrado útil ao entendimento dos processos que
ocorrem no âmbito individual, tais como decisões de adoção baseadas no perfil de propensão à
inovação, próprio de cada agente, e os efeitos decorrentes da vizinhança e da comunicação boca a boca.
Outros aspectos também foram considerados, como as diferenças socioeconômicas e de distribuição
espacial dos agentes. As simulações mostraram que a ABMS é apropriada à identificação de fenômenos
de âmbito individual (microscópico) e à avaliação de suas repercussões coletivas (macroscópicas). A
implementação permitiu testar os efeitos no processo de difusão de fatores, como renda disponível, e a
presença de propagandas e políticas de incentivo.
Palavras-chave: Modelagem baseada em agentes. Redes sociais. Televisão digital. Inovação
tecnológica.
1
Introdução
O Brasil discute, atualmente, o modelo de TV
digital terrestre a ser adotado no País, incluindo
os serviços, as formas de utilização e as
particularidades
técnicas.
Uma
questão
importante nessa discussão diz respeito à
velocidade da difusão da nova tecnologia na
sociedade e à conseqüente definição do tempo
necessário para a completa substituição do
sistema analógico pelo digital. Como em
qualquer processo inovador, em particular
aqueles que envolvem a adesão voluntária dos
usuários, o processo de difusão da inovação
dependerá de fatores como o preço dos
equipamentos, os efeitos de divulgação boca a
boca, a propaganda e a atratividade dos serviços
oferecidos. Em geral, alguns fatores que agem
sobre esse cenário complexo não são
considerados nos métodos tradicionais de
predição da difusão.
A falta de previsibilidade é conseqüência das
complexas relações de causa e efeito,
predominantemente
não-lineares,
que
caracterizam as redes sociais e, em primeira
instância, da dificuldade de se predizer as
atitudes dos indivíduos quanto a suas decisões.
Para contornar essa limitação, dois estudos
prospectivos foram empreendidos acerca do
comportamento dos usuários brasileiros ante a
nova tecnologia: a análise por dinâmica de
sistemas e a modelagem baseada em agentes
(ABMS). Essa modelagem, de que trata o
presente artigo, é motivada pelas abordagens
que partem do comportamento dos adquirentes
de um produto ou serviço e que tendem a revelar
aspectos encobertos por outras abordagens,
como aquelas com potencial para tratar o
comportamento agregado. Um exemplo disso é a
dinâmica de sistemas. A abordagem baseada em
agentes representa uma estratégia relativamente
nova para o estudo de difusão de produtos e
inovações
na
população,
podendo
ser
empregada de forma complementar à dinâmica
de sistemas. Ela tem o atrativo de levar em conta
características de cada indivíduo (agente), cujo
comportamento coletivo é o resultado que
emerge das interações entre os diversos
agentes.
Assim, o objetivo deste artigo é apresentar uma
das etapas do processo de modelagem e
simulação baseadas em agentes, que possibilita
estimar a difusão da TV digital terrestre no Brasil,
e complementar a descrição geral já feita em
Holanda, Ávila & Martins (2006), com detalhes
atinentes à dinâmica das redes sociais. O
ambiente em que ocorrerá tal difusão é
modelado a partir do tratamento individualizado
dos potenciais usuários da TV digital, levando em
conta suas especificidades, tais como redes de
relacionamento social, perfis psicológicos de
propensão perante a inovações e, também,
renda disponível em função de sua posição nos
diversos estratos da sociedade brasileira.
Para tanto, o artigo foi dividido em seções: na
Seção 2, são apresentados aspectos conceituais
atinentes às relações sociais e seus efeitos no
processo de difusão de inovações. Na seção
seguinte, o uso da modelagem de relações
sociais por meio de agentes é abordado e a
*Autor a quem a correspondência deve ser dirigida: [email protected].
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
implementação é descrita com ênfase nas
configurações de vizinhança e na caracterização
dos diversos perfis de agentes. A Seção 4 reúne
alguns resultados de simulações, gerados com o
propósito de avaliar a aplicabilidade do modelo, e
seus resultados são discutidos na Seção 5. Por
fim, as conclusões são tecidas na Seção 6.
Esse processo de modelagem integra uma das
atividades conduzidas pelo CPqD no âmbito dos
estudos analíticos para apoiar a decisão do
modelo de exploração e implantação da TV
digital terrestre no Brasil (MARTINS &
HOLANDA, 2005). Além disso, essa abordagem
se insere em um contexto metodológico de
análise estratégica e de viabilidade de projetos
que vem sendo construído e consolidado nessa
organização há cerca de uma década, com
aplicações em consultorias para apoio à decisão
e em vários projetos de pesquisa e
desenvolvimento nas áreas de telecomunicações
e tecnologia da informação.
2
As relações sociais e a difusão de
inovações
A difusão e a apropriação de uma inovação pela
sociedade decorrem de um processo de
comunicação entre os indivíduos de um sistema
social. Comunicação admitida como cimento
social (MAFFESOLI, 2003) e inovação entendida
tanto como um apparatus tecnológico, conforme
as práticas típicas da sociedade industrial,
quanto como um processo organizacional, um
serviço ou uma nova mídia, de acordo com as
práticas culturais a que se convencionou chamar
de sociedade pós-industrial (BELL, 1999) ou
sociedade pós-moderna (LYOTARD, 2002).
O entendimento desse processo de comunicação
é facilitado pelos modelos de difusão, os quais
permitem avaliar, inclusive ex ante, o
comportamento dos indivíduos diante do advento
de uma inovação tecnológica. De uma maneira
geral, o processo de difusão é considerado
possuidor de uma evolução que se assemelha ao
formato de uma curva-S, ou seja, apresenta
inicialmente um crescimento exponencial (devido
a um efeito de retroalimentação positiva,
associado ao frisson ou a rumores causados por
um novo produto ou serviço), posteriormente
limitado pela própria saturação do mercado, que
produz um efeito de retroalimentação negativa
(STERMAN,
2000).
Para
predizer
tal
comportamento,
têm-se
adotado
tradicionalmente modelos como o da curva
logística (aprendizagem) e o de Bass (1969),
abordagens de natureza top-down.
Como a curva logística não contempla o fator
“novidade” que uma inovação traz em seu bojo, o
modelo de Bass foi proposto para abordar o
papel dos inovadores, aqueles que primeiro
aderem à novidade. Na difusão descrita pelo
modelo de Bass, assume-se que os indivíduos
com potencial para aderir a um produto, serviço
ou política tomam inicialmente conhecimento da
inovação a partir de eventos externos – como as
campanhas de divulgação – e a difusão é
motivada por dois fatores: (i) a “inovação”
inerente ao que se está introduzindo na
sociedade, e (ii) a “imitação” entre os indivíduos.
Todavia, essa abordagem considera um sistema
social constituído por uma estrutura uniforme, o
que, de certa forma, oblitera características
decorrentes da heterogeneidade de grupos e
indivíduos.
Nesse aspecto, uma abordagem bottom-up,
como a modelagem por agentes, oferece uma
perspectiva complementar de análise dos
fenômenos pertencentes a um processo de
difusão ou contaminação1, para usar uma
terminologia que remonta às origens dos estudos
sobre a emergência dos eventos e sobre os
autômatos em geral, mas que se aplica
adequadamente ao universo cambiante das
tecnologias de comunicação. De fato, segundo
Douglas e Isherwood (1996), a difusão da
televisão analógica oferece um bom exemplo de
modelo epidemiológico de difusão de uma
inovação: cada domicílio que adquire um
aparelho torna-se imune, mas a presença da TV
provavelmente contaminará outros domicílios,
pois as pessoas tendem a comprar aquilo que
vêem seus amigos usando e desfrutando. Não
está claro se, no caso da TV digital, o padrão de
infecção/difusão repetirá em linhas gerais o
comportamento observado para a TV analógica.
Se, por um lado, a atratividade dos serviços
interativos é inegável para consumidores
familiarizados com as novas tecnologias de
informação e comunicação (TICs), esses
recursos podem não ser suficientes para produzir
a percepção de que a TV digital é um novo bem,
essencial ao dinâmico ambiente cultural em que
os consumidores estão inseridos. Além disso, o
fato de que a fruição da TV analógica continuará
garantida no período de transição (simulcasting)
pode, em um primeiro momento, enfraquecer a
percepção da TV digital como algo indispensável
para a plena interação social.
Em contrapartida, a difusão das TICs no Brasil
tem se mostrado fortemente influenciada pelos
aspectos socioeconômicos do país, que ostenta
uma das maiores concentrações de renda em
todo o mundo. Adicionalmente, a sociedade
brasileira apresenta formas de interação social
muito características, nas quais indivíduos
pertencentes a classes sociais distantes, a
despeito das grandes diferenças de renda,
podem estar ligados por vínculos sociais que
surgem em contextos profissionais ou de
1 Alguns ganhos advindos da complementaridade de abordagens (top-down e bottom-up) na avaliação ex ante da difusão de
inovações em telecomunicações são apresentados em Holanda et al. (2003).
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Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
prestação de serviços e, dentro da dinâmica das
redes de relacionamentos, adicionam a
possibilidade de que inovações adotadas nas
classes mais altas influenciem as decisões de
compra nas classes mais baixas.
Assim,
na
tentativa
de
observar
tais
particularidades, mesmo antes de a inovação ser
disponibilizada para a sociedade, um modelo de
simulação baseada em agentes (HOLANDA,
ÁVILA & MARTINS, 2006) foi adotado com o
propósito de lançar luzes sobre o processo de
análise e suporte à decisão quanto ao modelo de
TV digital a ser adotado no Brasil (MARTINS &
HOLANDA, 2005). Tal simulação se insere nas
atividades de mapeamento do uso e de análise
de viabilidade do referido processo analítico, a
qual também faz uso de uma modelagem topdown, calcada na dinâmica de sistemas e cujas
principais características são descritas em
Menezes et al. (2005).
3
Uma modelagem de relações sociais
baseada em agentes
No modelo descrito neste artigo, cada usuário
potencial é representado por um agente com
características próprias, como renda disponível
em função da classe social a que pertence e um
dado perfil psicológico de propensão à adoção de
inovações. Os agentes, em um total de dez mil2,
formam um mundo e nele interagem, segundo
regras de vizinhança, de influência mútua e de
estratificação por classes socioeconômicas,
constituindo as redes sociais da complexa
sociedade brasileira.
Nas redes sociais, conforme discutido em
Gerolamo, Franco & Holanda (2004a), as
relações entre os agentes podem variar no
tempo,
como
uma
conseqüência
do
comportamento de outros agentes. Tais redes
sociais oferecem uma base média para estudar
os vínculos entre atores que são responsáveis
primários por suas escolhas. Isso implica que o
estudo de uma mudança tecnológica, sob a
perspectiva das redes sociais, deve focalizar
mais as relações do que atributos ou
características
de
unidades
individuais
autônomas. De acordo com Agapitova (2003), as
redes sociais podem tanto proporcionar efeitos
benéficos para a sociedade, gerando confiança e
encorajando a cooperação, como causar perdas
ao encerrar a sociedade em redes rígidas de
convivência. No Modelo de Influência Social
(SIM), as atitudes frente à tecnologia são mais
condicionadas por interações sociais e por
aspectos psicológicos do que por fatores
objetivos3.
3.1
Efeitos de redes sociais
As redes sociais se enquadram no âmbito das
redes complexas, cuja teoria foi iniciada por
Euler e Bernoulli e desenvolvida por Erdös e
Rényi (1960), com posterior contribuição de
Milgram (1967), que conduziu um dos primeiros
estudos empíricos sobre a estrutura de rede
social, lançando a hipótese do “mundo pequeno”
(small world). Ela sugere que as pessoas são
ligadas por pequenas cadeias de elos sociais, em
média com seis graus de separação. Tal teoria
foi validada por Watts (1999) em experimentos
baseados na Internet. O fenômeno do “mundo
pequeno” provê uma referência razoável para
simular o fluxo de informação entre indivíduos
em um sistema social, podendo ser usado para
estabelecer ligações quando a estrutura exata de
uma rede social é desconhecida.
Recentemente, observou-se que a conectividade
em algumas redes complexas obedece a uma
“lei de potência”, em que a distribuição dos graus
dos nós pode ser escrita como uma potência dos
valores dos graus (COSTA, 2005). Nessas redes,
também denominadas “livres de escala”, não
existe um grau médio típico para os nós, como
ocorre nas redes aleatórias. Em diversos tipos de
redes naturais, a probabilidade de existência de
nós com muitas conexões, os chamados hubs, é
maior, o que sugere que essas redes são livres
de escala. O primeiro modelo matemático bemsucedido desse tipo de rede foi proposto por
Barabási & Bonabeau (2003). Sua idéia básica é
de que o processo de formação da rede privilegia
a criação de novas conexões com nós que já
tenham muitas conexões (idem). Enquanto nas
redes aleatórias, no que se refere à difusão de
inovações e propagação de epidemias, admitese a existência de um limiar abaixo do qual o
processo infeccioso ou de influência não se
propaga por toda a rede, para as redes livres de
escala, esse limiar é zero porque, com a
existência dos hubs conectados a muitíssimos
nós, ao menos um hub tenderá a infectar-se por
qualquer nó afetado (COSTA, 2005).
Em relação à formação das redes livres de
escala, Barabási & Bonabeau sustentam que
essa se dá por dois mecanismos: o crescimento
e a vinculação preferencial. No primeiro caso, os
nós mais velhos têm mais oportunidades de
adquirir novas ligações e, no segundo caso, os
nós com mais ligações tendem a atrair mais
conexões, dando origem a hubs. No presente
modelo, a implementação da rede social ocorreu
sem que esses dois mecanismos influenciassem
a definição das relações de vizinhança: os
agentes são criados ao mesmo tempo e os
relacionamentos internodais são estabelecidos
2 Número máximo de agentes que o ambiente de simulação utilizado neste trabalho é capaz de tratar; o uso do número máximo
visa a maximizar a acuidade do modelo.
3 Cf Lee et al. (2003).
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Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
por sorteio, sem favorecer nós mais conectados.
Trata-se, portanto, de uma rede complexa,
porém não livre de escala.
3.2
Modelo multiagentes
O processo de modelagem aqui tratado obedece
aos fundamentos apresentados em Holanda et
al. (2006), os quais, em resumo, compreendem:
(i) relacionamentos sociais são baseados nas
redes complexas, no “mundo pequeno” e na
vizinhança de Moore; (ii) divisão da população
em perfis de propensão ante a inovação, de
acordo com os níveis propostos por Rogers.
Além disso, adota-se o conceito de autômato
celular e, como dados de entrada referentes ao
potencial de interesse dos usuários, foram
utilizadas as curvas de sensibilidade a preço
obtidas em pesquisas de mercado, nas quais os
respondentes
foram
estimulados
a
se
posicionarem ante a possibilidade de compra do
equipamento decodificador e receptor, dados os
preços estimados e as funcionalidades previstas
para a TV digital. Esses dados são inteiramente
reportados em Gerolamo et al. (2004b) e,
resumidamente, em Holanda et al. (2006).
A implementação do modelo foi feita no ambiente
Shell for Simulated Agent Systems (SeSAm)4,
uma ferramenta para simulações multiagentes
desenvolvida na Universidade de Würzburg,
Alemanha. Na construção do modelo descrito
neste artigo, os agentes foram posicionados
sobre uma grade bidimensional de tamanho
configurável, cujas dimensões foram fixadas em
seu valor máximo, 100 x 100, totalizando dez mil
agentes. As caracterizações dos agentes e do
ambiente foram feitas de forma independente.
Foram definidas variáveis globais com validade
no “mundo” e, portanto, acessíveis a todos os
agentes indistintamente, assim como variáveis
individuais para cada instância de agente. O
comportamento de cada agente foi modelado por
um algoritmo interno. Dentro da máquina de
estados, ao percorrer uma trajetória determinada
pelas variáveis globais ou locais, o agente lê e
escreve nelas. É por meio dessas escritas e
leituras que se estabelecem os relacionamentos
entre os diversos agentes que habitam o mundo,
à semelhança dos processos sociais de difusão
de informação. Em razão dos efeitos de rede, as
alterações individuais de cada agente afetam os
demais
com
os
quais
ele
mantém
relacionamento.
Uma outra característica da distribuição dos
agentes na grade de simulação refere-se ao fato
de que as cinco classes sociais que compõem o
mundo virtual foram dispostas de forma que se
reproduzisse a distribuição espacial e relacional
que essas classes apresentam na sociedade
brasileira, conforme descrito em Holanda et al.
(2006). Dessa forma, aglomerações cujas
interfaces são estabelecidas pelas classes
socioeconômicas, em uma seqüência que vai da
classe A à E. Em razão disso, um agente situado
na fronteira da classe A terá três agentes da
classe B entre seus vizinhos imediatos.
Assim, nesse modelo, o posicionamento de cada
agente na grade é função de sua classe social e
isso surte efeito sobre sua vizinhança, que, por
sua vez, influi em sua rede de relacionamentos.
A composição da grade assume então uma
forma toroidal, conforme Figura 1, e a
distribuição dos agentes na grade segue a
proporção de cada classe na população
brasileira5. Os agentes foram distribuídos
conforme a proporção de cada classe na
população brasileira6:
Figura 1 Distribuição espacial das classes
sociais: efeito toróide
3.3
A vizinhança no micromundo
A definição das redes de relacionamento dos
diversos agentes para o processo de difusão
baseou-se na definição de Moore para
vizinhança em uma rede de autômatos. Ela é
usada para definir um conjunto de células que
cercam uma dada célula (x0, y0), que pode afetar
a evolução de um autômato bidimensional em
uma grade quadrada. Segundo Weisstein (2005),
para uma abrangência r, essa vizinhança de
Moore (NM) é definida por:
NM(x0,y0) = {(x,y) : |x – x0| < r, |y – y0| < r} em que
NM = número de vizinhos.
No presente artigo, foi adotada uma vizinhança
de Moore com abrangência r = 1, totalizando oito
células vizinhas em torno de cada célula
4 O SeSAm é um ambiente genérico para a modelagem ABMS. Ele permite a criação de um mundo virtual habitado por uma
população de agentes.
5 Esses percentuais são os mais usuais no Brasil, pois se baseiam nos estudos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) a respeito dos domicílios brasileiros.
6 Esses percentuais são 4,6; 17,7; 30,6; 34,4 e 12,7, respectivamente, para as classes de A a E. São baseados em estudos feitos
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a respeito dos domicílios brasileiros.
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Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
Relações de vizinhança “remota”
Com o intuito de representar outra particularidade
da população brasileira (a existência de
relacionamentos entre pessoas pertencentes a
classes sociais distantes), o modelo passou a
contar também com uma variação das relações
de “vizinhança remota”, de forma que se
acomodasse relacionamentos sociais menos
intensos que os da vizinhança imediata, por
exemplo, entre indivíduos pertencentes a classes
distantes. Nesse aspecto de modelagem, os
agentes
apresentam
comportamento
heterogêneo e o conhecimento é local.
Por outro lado, assume-se no modelo que as
influências entre agentes pertencentes a classes
distantes são sempre unidirecionais e que o
agente mais rico influencia o mais pobre, sem
ser por este influenciado. Essa diferenciação tem
uma justificativa empírica: a vivência da
sociedade sugere que as influências recíprocas
(bidirecionais) ocorram, sobretudo, entre agentes
de uma mesma classe social, ou de classes
sociais adjacentes, enquanto que em interações
entre agentes de classes sociais distantes a
influência predominante é unidirecional, do mais
rico para o mais pobre. Em outras palavras,
assume-se como plausível que um agente das
classes A ou B influencie as decisões de
consumo de agentes das classes D ou E, mas
não seja influenciado por eles.
Para
simular
essas
assimetrias
de
relacionamentos sociais entre indivíduos de
classes socioeconômicas diferentes, restrições
adicionais foram impostas à rede: cada agente
estabelece dois tipos de relacionamento:
bidirecional, com seus oito agentes adjacentes,
que possuem perfil socioeconômico semelhante;
e unidirecional, com um ou dois outros agentes
remotos
(não-adjacentes),
aleatoriamente
escolhidos entre aqueles que atendam a um
critério socioeconômico específico para cada
classe, conforme descrito a seguir. Assim, o
número de influenciadores de cada agente varia
entre nove e dez, ao passo que o número de
agentes
que
ele
pode
influenciar
é
estatisticamente maior se ele pertencer às
classes mais ricas e menor para as mais pobres.
Isso porque um agente da classe A pode ser
sorteado como influenciador de agentes de
qualquer classe – ao passo que um agente da
classe E só pode ser sorteado influenciador de
outro agente da classe E.
Para refletir essa assimetria nas relações, o
modelo
incorporou
quatro
diferentes
configurações de vizinhança remota, definidas
em função da classe do agente, conforme
Figura 2, com as seguintes distinções:
• um agente da classe A sorteia seu(s)
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
Classe A
VI VI VI
VI AG VI
10
VI VI VI
Classes B e C
Classe D
Classe E
30
45
···
3.4
vizinho(s) remoto(s) entre aqueles contidos
em um vetor horizontal de comprimento 10,
representado pelas células vazias à direita do
agente em questão, e desconsiderados os
vizinhos imediatos (indicados pelas letras VI).
Isso assegura que praticamente todos os
vizinhos remotos de membros da classe A
também pertencerão àquela classe;
• para cada agente pertencente às classes B e
C, os vizinhos remotos são escolhidos
aleatoriamente entre os 48 agentes mais
próximos em seu entorno, desconsiderandose aqueles oito que já fazem parte da
vizinhança imediata. Essa configuração vicinal
garante que todas as relações de vizinhança
de agentes nas classes B e C estejam
circunscritas a essas classes (ou a parte da
classe A, caso o agente da classe B esteja
localizado junto à fronteira entre essas
classes, ou D, caso o agente da classe C
esteja na fronteira entre essas duas classes).
Assim, não haverá grandes diferenças de
renda nessas relações de vizinhança;
• para os agentes das classes D e E, os
vizinhos
remotos
são
escolhidos
aleatoriamente dentro de um vetor vertical
acima (cf. Figura 2) ou abaixo do agente em
questão (quando esses estão localizados na
parte inferior da grade) e com comprimentos
30 e 45, respectivamente. Isso significa que
os vizinhos remotos de E podem estar
situados em qualquer das demais classes, e
os de D em qualquer classe, exceto na E.
Já a influência do número de vizinhos no
processo da difusão é analisado em Holanda et
al. (2003). A adição de agentes na forma de
vizinhos remotos cria o efeito “mundo pequeno”,
aumenta a informação no sistema, mas não de
forma que se suscite uma condição de
conhecimento global, como acontece nas
abordagens top-down. No modelo descrito, o
número de relacionamentos remotos que um
···
(agente), a partir das quais são representados os
relacionamentos entre indivíduos.
VI VI VI
VI VI VI
VI AG VI
VI AG VI
VI VI VI
VI VI VI
VI VI VI
VI AG VI
VI VI VI
Figura 2 Vizinhanças remotas: acima, classe A;
abaixo, à esquerda, classes B/C e, à direita,
classe D e classe E
31
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
dado agente estabelece varia aleatoriamente
entre um e dois. Entretanto, como cada agente
também possui oito vizinhos imediatos, o número
total de vizinhos de um dado agente pode variar
entre nove e dez. Com isso. espera-se manter os
efeitos de vizinhança de Moore e acrescentar a
eles o efeito “mundo pequeno”.
3.5
Caracterização dos perfis de
consumidor
Para
a
caracterização
dos
perfis
de
consumidores ante as inovações, utilizou-se
nesta implementação o modelo de Rogers
(1983), conforme Figura 3. Além disso, esse
modelo foi replicado em cada uma das cinco
classes socioeconômicas, isto é, 2,5% dos
membros de cada classe possuem perfil
inovador, 13,5% são potencialmente adotantes
precoces,
etc.
As
implicações
e
a
fundamentação dessa premissa, sob a
perspectiva social, são discutidas em Holanda et
al. (2006). Do ponto de vista matemático, essa
hipótese também é aceitável, pois a distribuição
no modelo segue uma curva normal (gaussiana)
e a soma das curvas das cinco classes resulta
também numa normal7, respeitando, portanto, o
modelo.
Figura 3 Categorias de adotantes segundo Rogers
3.6
Dinâmica de iteração dos agentes
Uma vez estabelecida a rede de relacionamentos
de cada agente, o que inclui seu perfil de
adotante e sua classe socioeconômica, tem início
a seqüência de iterações da máquina de estado
correspondente a cada agente. Essas máquinas
são compostas por três estados distintos que
influenciam o processo decisório do agente.
Apenas o primeiro deles é
tratado neste
documento: os estados restantes – a
sensibilidade a preço e a renda disponível – são
descritos em Holanda et al. (2006).
A rede de relacionamentos do agente é
estabelecida em função de sua configuração de
vizinhança (número de influenciadores que já
adotaram a inovação) e de seu perfil de
propensão à adoção (categorias de Rogers).
Para os cinco perfis, foram estabelecidos cinco
patamares
mínimos
de
quantidade
de
influenciadores, conforme Tabela. No modelo
descrito, esses patamares correspondem às
porcentagens iniciais de cada categoria de
adotantes ilustrada na Figura 3 (0%, 2,5%, 16%,
etc.). Isso equivale a dizer que os primeiros
“adotantes precoces” só adotarão quando todos
os inovadores (2,5% da população total) já
tiverem adotado, e assim por diante. Como o
número de vizinhos varia entre nove e dez, basta
um vizinho adotante para influenciar os adotantes
precoces. Já os de perfil inovador não dependem
de outros modelos para optarem pela adoção,
sendo desnecessária para eles a rede de
relacionamentos.
Tabela 1 Percentuais de infecção para
contaminação
Categoria do agente
Limiar para contaminação
Inovadores
0%
Adotantes precoces
2,5 %
Maioria inicial
16 %
Maioria tardia
50 %
Resistentes
84 %
No exemplo da Figura 4, em um determinado
estado da máquina, três vizinhos (indicados por
bordas mais grossas) – sendo dois imediatos (VI)
e um remoto (VR) –, de um agente (AG) com dez
vizinhos ao todo (oito imediatos e dois remotos),
estão infectados (isto é, adotaram a inovação).
Com isso, caso AG pertença à categoria dos
“adotantes precoces” ou à “maioria inicial”, seu
limiar de influência já terá sido alcançado, e ele
estará propenso a também adotar a inovação,
assim que as demais condições no processo de
decisão de compra forem satisfeitas. Se o perfil
de AG for de “maioria tardia”, ainda serão
necessários outros dois agentes infectados em
sua vizinhança para se tornar propenso à
adoção. Ele necessitará que nove de seus dez
vizinhos estejam infectados para se tornar
propenso, caso seja “resistente”.
VI VI VI
VI AG VI
VR
VR
VI VI VI
Figura 4 Exemplo de infecção – o agente (AG)
tem dois vizinhos imediatos e um remoto
infectados
Além da máquina de estados correspondente
aos agentes, foi também implementada uma
máquina para disparar os eventos que têm lugar
no mundo em que os agentes interagem. Ela é
responsável pela criação do mundo, isto é, pela
criação de cada um dos dez mil agentes, com
seu perfil próprio de consumidor e sua inserção
7 Combinações lineares de distribuições também são distribuições. Ver, por exemplo, Butkov (1978).
32
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
na grade, na posição que corresponde à sua
classe social, com uma renda disponível
aleatória dentro da faixa de renda de sua classe.
É também responsabilidade da máquina de
estados do mundo estabelecer as redes de
relacionamentos remotos de cada agente (uma
vez que os relacionamentos próximos são
determinados por sua localização na grade). De
resto, as iterações da máquina de estados do
mundo varrem toda a grade, testando cada uma
das dez mil instâncias de agentes. Cabe ainda à
máquina de estados do mundo iniciar e alterar as
variáveis globais, como aquela que define o
preço de venda dos equipamentos.
Nessa implementação, optou-se por utilizar a
curva de aprendizagem da tecnologia para
estabelecer uma referência temporal para a
difusão da TV digital, partindo-se do princípio de
que a difusão é fortemente determinada pelo
preço dos equipamentos. Assim, o preço cai
anualmente e a curva de interesse de cada
agente é testada também uma vez a cada ano.
Como a decisão de compra depende das curvas
de interesse e estas representam uma
probabilidade de adoção em função do preço, a
depreciação com freqüência anual8 atribuiu uma
referência temporal ao modelo. Para tentar
representar esse cenário, o preço do
equipamento, que é uma das variáveis do
mundo, varia decrescentemente, em razão da
curva de aprendizagem da tecnologia9, por um
período de dez anos, entre 2006 e 2015, após o
que se estabiliza em um patamar que representa
aqueles que seriam os custos mínimos de
produção dos equipamentos.
3.7
Análise de sensibilidade de alguns
fatores avaliados no estudo
Com o intuito de testar a modelagem das redes
sociais e contextualizá-la nos estudos do
processo de difusão da TV digital no mercado
brasileiro, foram considerados alguns fatores
exógenos, descritos detalhadamente em Holanda
et al. (2006), entre outros. São eles: modalidades
de pagamento (à vista ou a prazo) e presença ou
ausência de propaganda ou de incentivos. Esses
fatores são agrupados em quatro cenários de
simulação,
cujas
características
são
apresentadas na Seção 4.
O efeito da propaganda foi simulado pela
redução do número de influenciadores que cada
agente precisa ter entre seus vizinhos para se
tornar propenso à adoção. Os limiares foram
reduzidos em 10%, conforme Tabela 2, o que
equivale à redução de um vizinho. O efeito da
propaganda é o de aumentar, na rede social, a
comunicação a respeito da inovação.
Tabela 2 Percentuais de infecção para
contaminação, com propaganda
Categoria do agente
Limiar para contaminação
Inovadores
4
0%
Adotantes precoces
0%
Maioria inicial
6%
Maioria tardia
40 %
Resistentes
74 %
Resultados das simulações
As Figuras de 5 a 9 ilustram os quatro diferentes
cenários simulados, cada um representado por
duas grades: uma referente ao primeiro e outra
ao décimo ano do processo de difusão. Trata-se
de um exercício analítico cujos resultados
servem como indicadores da sensibilidade das
variáveis em questão, ou seja, do impacto que
determinadas políticas podem causar na difusão
da TV digital. Portanto, o interesse está nas
tendências observadas e não nos valores
absolutos obtidos com a simulação. As faixas
horizontais em cada grade indicam as cinco
classes socioeconômicas, começando pela
classe A no centro e seguindo até a E, no topo e
na base da grade, passando pelas classes B, C e
D. Os pontos cinza-claros que permeiam as
cinco classes indicam agentes já propensos à
adoção. Os pontos pretos mostram agentes que
já adotaram.
No cenário ilustrado na Figura 5, observa-se que
o processo de difusão evolui razoavelmente nos
dez primeiros anos, mas fica restrito às classes
A, B e C. Isso ocorre porque as classes D e E
têm renda disponível negativa. A adoção só não
foi possível por falta de renda, pois a grande
presença de agentes propensos à adoção
naquelas classes (pontos cinza-claros) indica que
o processo infeccioso ocorreu e a informação
sobre a inovação chegou a muitos dos agentes
daquelas classes. Como não houve propaganda,
essa informação foi transmitida pela rede social,
num processo do tipo boca a boca.
No cenário ilustrado na Figura 6, observa-se que
o processo de difusão evolui mais rapidamente
nos dez primeiros anos do que no cenário
anterior (Figura 5), mas ainda ficou restrito às
classes A, B e C. Isso ocorre porque, ainda que a
propaganda tenha elevado a taxa de
contaminação em razão do aumento da
comunicação, as classes D e E continuaram sem
renda disponível para a adoção. Uma vez mais, a
8 A variação adotada é anual, pois essa foi a freqüência de depreciação dos equipamentos no mercado mundial utilizada
como referência neste trabalho.
9 A taxa de depreciação (CAGR = -10,8%) estimada para o período entre 2001 e 2007 foi extrapolada para abranger um
período de dez anos, compreendido entre 2006 e 2015, considerado o mais decisivo para o processo de difusão da TV
digital no mercado brasileiro.
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
33
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
grande presença de agentes propensos à
adoção naquelas classes (pontos cinza-claros)
indica que o processo infeccioso ocorreu, mas a
adoção não foi consumada.
No cenário ilustrado na Figura 7, observa-se que,
nas classes A, B e C, o processo de difusão nos
dez primeiros anos evolui com a mesma
velocidade do primeiro cenário (Figura 5), mas,
diferentemente daquele, agora a difusão se deu
também nas classes D e E. Isso ocorre porque
uma política de incentivos (na forma de
complementação de renda) fez com que as
classes D e E passassem a ter renda disponível
para a adoção. O aumento da difusão nas
classes mais pobres não influencia a difusão nas
mais ricas, uma vez que no modelo as
influências nesses casos são unidirecionais, dos
mais ricos para os mais pobres, como discutido
anteriormente.
No cenário ilustrado na Figura 8, observa-se uma
rápida difusão nos dez primeiros anos em todas
as classes, como resultado da combinação do
efeito propaganda e das políticas de incentivo.
Ao final do período, todos os agentes nas classes
A e B e quase todos na C já haviam adotado a
TV digital. Nas classes D e E, o processo estava
bastante adiantado, com poucos não-adotantes
remanescentes. Esses casos têm duas
explicações principais: agentes cuja renda
disponível ainda é negativa, apesar do
mecanismo de incentivo, e agentes com baixa
propensão às inovações (isto é, resistentes).
Para esses, a configuração de vizinhanças pode
criar algumas situações de lock-in, nas quais um
conjunto de agentes com perfis mais
conservadores (resistentes ou da maioria tardia)
estejam posicionados de forma que se produzam
influências negativas recíprocas.
Os resultados dos quatro cenários são
sintetizados na Figura 9.
Figura 5 Dez anos de difusão com parcelamento, sem propaganda e sem incentivos
Figura 6 Dez anos de difusão com parcelamento, com propaganda e sem incentivos
34
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
Figura 7 Dez anos de difusão com parcelamento, sem propaganda e com incentivos
Figura 8 Dez anos de difusão com parcelamento, com propaganda e com incentivos
Figura 9 Gráfico comparativo da difusão nos quatro cenários
(F = parcelamento; P = propaganda; I = incentivos)
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
35
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
5
Análise dos resultados
Foi constatado que os autômatos celulares
permitiram simular com razoável flexibilidade
fenômenos próprios das redes sociais (inclusive
fatores microscópicos), tais como influências de
vizinhanças no processo de difusão de
informação (infecção) em função do tempo,
diferenças no perfil de cada indivíduo (agente) e
os efeitos de “mundo pequeno”, decorrentes da
presença de relações de vizinhança distantes.
Estas,
de resto, procuraram
reproduzir
características
observáveis
na
sociedade
brasileira, a qual foi o objeto da simulação.
Embora o modelo ABMS seja particularmente
propício para simulações de fenômenos que
ocorram no âmbito individual dos agentes
(bottom-up), fenômenos de abrangência coletiva
também podem ser emulados. No caso do fator
propaganda no modelo descrito, tem-se um
exemplo de influência macroscópica que permeia
todas as classes sociais, porém com gradações
para os diferentes agentes, em função de seu
perfil como consumidores. Nesse sentido, as
simulações permitiram observar que esse fator
possui um peso muito determinante na
velocidade da difusão, uma vez que seu efeito se
manifesta essencialmente no aumento do fluxo
de informação (comunicação) por intermédio da
rede social. Entretanto, sua influência no número
final de adotantes é bastante tênue, por não
interferir nos inibidores da adoção, em particular
na ausência de renda disponível, não sendo,
portanto, suficiente para garantir o êxito da
difusão.
Uma outra dimensão avaliada no modelo foi a de
efeitos macroscópicos de incidência mais
localizada, os quais, embora atingindo inúmeros
agentes simultaneamente, restringiram-se a um
subconjunto da população. Esse subconjunto foi
representado pelas classes de menor poder
aquisitivo (D e E), no caso específico do fator
“presença de incentivos”. Também nesse caso, a
natureza macroscópica do efeito de elevação da
renda média não eliminou as diferenças de
âmbito individual, em razão de que, mesmo que
a renda média de toda uma classe tenha sido
fixada em um valor único pela complementação
de renda, o desvio-padrão das rendas em cada
classe, definido na criação da população, garante
a cada agente ter uma renda disponível
específica, preservando, em certa medida, sua
individualidade. Nesse caso, por não haver uma
influência
direta
nos
mecanismos
de
comunicação social, os incentivos surtiram um
efeito discreto na aceleração da difusão, mas
mostraram-se decisivos no aumento do número
final de adotantes, uma vez que permitiram a
inclusão das classes D e E no mercado.
Por fim, as evidentes diferenças dos cenários
sintetizados na Figura 9 sugerem que, por meio
da simulação ABMS, foi possível distinguir os
36
efeitos dos três fatores testados sobre a
dinâmica da difusão. O uso combinado de
mecanismos de propaganda e incentivos
produziu os melhores resultados porque, ao
passo que o primeiro fator acelerou a
comunicação (taxa de infecção) no âmbito da
rede social, o segundo possibilitou que a difusão
alcançasse um maior número de agentes
(classes D e E).
6
Conclusão
O emprego da abordagem ABMS mostrou-se útil
à observação de dinâmicas sociais em que
prevalecem condições relacionais e de
vizinhança que ensejem o fenômeno do “mundo
pequeno” (small world) e efeitos comunicativos
baseados em divulgação boca a boca. No caso
específico aqui descrito, as simulações foram
usadas para avaliar processos infecciosos na
difusão da informação inovadora representada
pela TV digital terrestre. A atribuição de
características a cada agente, tais como um
dado perfil psicológico, uma determinada
vizinhança e uma certa renda disponível,
possibilitou a percepção, em última análise, de
fenômenos de natureza social e a antecipação de
quatro possíveis cenários futuros. Foi possível
destacar em cada um deles o peso dos efeitos
de rede, tais como a formação de aglomerações
(clusters) e lock-in, e constatar os diferentes
efeitos das variáveis testadas, com o fim de
evidenciar sua sinergia latente quando usadas de
forma combinada. As simulações feitas
permitiram avaliar efeitos decorrentes do
processo de difusão boca a boca e das
configurações de vizinhança. A premissa
adotada, segundo a qual o processo decisório
para a adoção (compra) é composto por três
etapas
não-excludentes,
bem
como
a
conseqüente demarcação dos casos em que a
consumação da adoção foi impedida por falta de
uma precondição (renda disponível), salientou
que a difusão às vezes falha em atingir toda a
sociedade, não por conta de uma comunicação
deficiente, mas por força das disparidades da
renda disponível. O modelo discutido pode ser
adaptado para estudar a difusão da TV digital
– ou de outras TICs – em regiões mais
circunscritas, bastando adaptar os percentuais
das respectivas classes sociais presentes na
região ou localidade em questão e, se
necessário,
fazer novas
sondagens
de
sensibilidade, de acordo com os preços daquele
mercado em particular.
Agradecimentos
Os autores agradecem as valiosas contribuições
de Gustavo Gerolamo e João Henrique Franco.
Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
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37
Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas
Abstract
This paper describes a modeling process related to the social network effects on the dissemination of a
technological innovation, with the purpose of being incorporated in the ex ante study about the diffusion of
the digital terrestrial television in the Brazilian market. The agent-based modeling and simulation (ABMS)
approach is used, whose advantage lies in its suitability to understand the processes that occur in the
individual level, such as the adoption decisions based on the innovativeness of every agent, as well as the
effects of neighborhood and word-of-mouth factors. Issues such as the socioeconomic differences and
the spatial distribution of the agents have also been considered. The simulations have shown that the
ABMS is appropriate for the identification of phenomena in the individual (microscopic) level and for the
evaluation of their collective (macroscopic) effects. The implementation allowed to test the effects on the
diffusion process of factors such as the disposable income and the presence of advertising and incentive
policies.
Key words: Agent-based modeling. Social networks. Digital television. Technological innovation.
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Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006
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