Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas: uma modelagem por agentes aplicada ao caso da TV digital brasileira Ismael M. A. Ávila*, José Carlos L. Pinto, Luciano M. Lemos, Giovanni M. de Holanda Este artigo descreve um processo de modelagem da dinâmica que as redes sociais exercem sobre a disseminação de uma nova tecnologia na sociedade, sendo incorporado ao estudo ex anti da difusão da televisão digital terrestre no Brasil. Emprega-se, para tanto, a modelagem e a simulação baseadas em agentes (ABMS), cujo potencial analítico tem se mostrado útil ao entendimento dos processos que ocorrem no âmbito individual, tais como decisões de adoção baseadas no perfil de propensão à inovação, próprio de cada agente, e os efeitos decorrentes da vizinhança e da comunicação boca a boca. Outros aspectos também foram considerados, como as diferenças socioeconômicas e de distribuição espacial dos agentes. As simulações mostraram que a ABMS é apropriada à identificação de fenômenos de âmbito individual (microscópico) e à avaliação de suas repercussões coletivas (macroscópicas). A implementação permitiu testar os efeitos no processo de difusão de fatores, como renda disponível, e a presença de propagandas e políticas de incentivo. Palavras-chave: Modelagem baseada em agentes. Redes sociais. Televisão digital. Inovação tecnológica. 1 Introdução O Brasil discute, atualmente, o modelo de TV digital terrestre a ser adotado no País, incluindo os serviços, as formas de utilização e as particularidades técnicas. Uma questão importante nessa discussão diz respeito à velocidade da difusão da nova tecnologia na sociedade e à conseqüente definição do tempo necessário para a completa substituição do sistema analógico pelo digital. Como em qualquer processo inovador, em particular aqueles que envolvem a adesão voluntária dos usuários, o processo de difusão da inovação dependerá de fatores como o preço dos equipamentos, os efeitos de divulgação boca a boca, a propaganda e a atratividade dos serviços oferecidos. Em geral, alguns fatores que agem sobre esse cenário complexo não são considerados nos métodos tradicionais de predição da difusão. A falta de previsibilidade é conseqüência das complexas relações de causa e efeito, predominantemente não-lineares, que caracterizam as redes sociais e, em primeira instância, da dificuldade de se predizer as atitudes dos indivíduos quanto a suas decisões. Para contornar essa limitação, dois estudos prospectivos foram empreendidos acerca do comportamento dos usuários brasileiros ante a nova tecnologia: a análise por dinâmica de sistemas e a modelagem baseada em agentes (ABMS). Essa modelagem, de que trata o presente artigo, é motivada pelas abordagens que partem do comportamento dos adquirentes de um produto ou serviço e que tendem a revelar aspectos encobertos por outras abordagens, como aquelas com potencial para tratar o comportamento agregado. Um exemplo disso é a dinâmica de sistemas. A abordagem baseada em agentes representa uma estratégia relativamente nova para o estudo de difusão de produtos e inovações na população, podendo ser empregada de forma complementar à dinâmica de sistemas. Ela tem o atrativo de levar em conta características de cada indivíduo (agente), cujo comportamento coletivo é o resultado que emerge das interações entre os diversos agentes. Assim, o objetivo deste artigo é apresentar uma das etapas do processo de modelagem e simulação baseadas em agentes, que possibilita estimar a difusão da TV digital terrestre no Brasil, e complementar a descrição geral já feita em Holanda, Ávila & Martins (2006), com detalhes atinentes à dinâmica das redes sociais. O ambiente em que ocorrerá tal difusão é modelado a partir do tratamento individualizado dos potenciais usuários da TV digital, levando em conta suas especificidades, tais como redes de relacionamento social, perfis psicológicos de propensão perante a inovações e, também, renda disponível em função de sua posição nos diversos estratos da sociedade brasileira. Para tanto, o artigo foi dividido em seções: na Seção 2, são apresentados aspectos conceituais atinentes às relações sociais e seus efeitos no processo de difusão de inovações. Na seção seguinte, o uso da modelagem de relações sociais por meio de agentes é abordado e a *Autor a quem a correspondência deve ser dirigida: [email protected]. Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas implementação é descrita com ênfase nas configurações de vizinhança e na caracterização dos diversos perfis de agentes. A Seção 4 reúne alguns resultados de simulações, gerados com o propósito de avaliar a aplicabilidade do modelo, e seus resultados são discutidos na Seção 5. Por fim, as conclusões são tecidas na Seção 6. Esse processo de modelagem integra uma das atividades conduzidas pelo CPqD no âmbito dos estudos analíticos para apoiar a decisão do modelo de exploração e implantação da TV digital terrestre no Brasil (MARTINS & HOLANDA, 2005). Além disso, essa abordagem se insere em um contexto metodológico de análise estratégica e de viabilidade de projetos que vem sendo construído e consolidado nessa organização há cerca de uma década, com aplicações em consultorias para apoio à decisão e em vários projetos de pesquisa e desenvolvimento nas áreas de telecomunicações e tecnologia da informação. 2 As relações sociais e a difusão de inovações A difusão e a apropriação de uma inovação pela sociedade decorrem de um processo de comunicação entre os indivíduos de um sistema social. Comunicação admitida como cimento social (MAFFESOLI, 2003) e inovação entendida tanto como um apparatus tecnológico, conforme as práticas típicas da sociedade industrial, quanto como um processo organizacional, um serviço ou uma nova mídia, de acordo com as práticas culturais a que se convencionou chamar de sociedade pós-industrial (BELL, 1999) ou sociedade pós-moderna (LYOTARD, 2002). O entendimento desse processo de comunicação é facilitado pelos modelos de difusão, os quais permitem avaliar, inclusive ex ante, o comportamento dos indivíduos diante do advento de uma inovação tecnológica. De uma maneira geral, o processo de difusão é considerado possuidor de uma evolução que se assemelha ao formato de uma curva-S, ou seja, apresenta inicialmente um crescimento exponencial (devido a um efeito de retroalimentação positiva, associado ao frisson ou a rumores causados por um novo produto ou serviço), posteriormente limitado pela própria saturação do mercado, que produz um efeito de retroalimentação negativa (STERMAN, 2000). Para predizer tal comportamento, têm-se adotado tradicionalmente modelos como o da curva logística (aprendizagem) e o de Bass (1969), abordagens de natureza top-down. Como a curva logística não contempla o fator “novidade” que uma inovação traz em seu bojo, o modelo de Bass foi proposto para abordar o papel dos inovadores, aqueles que primeiro aderem à novidade. Na difusão descrita pelo modelo de Bass, assume-se que os indivíduos com potencial para aderir a um produto, serviço ou política tomam inicialmente conhecimento da inovação a partir de eventos externos – como as campanhas de divulgação – e a difusão é motivada por dois fatores: (i) a “inovação” inerente ao que se está introduzindo na sociedade, e (ii) a “imitação” entre os indivíduos. Todavia, essa abordagem considera um sistema social constituído por uma estrutura uniforme, o que, de certa forma, oblitera características decorrentes da heterogeneidade de grupos e indivíduos. Nesse aspecto, uma abordagem bottom-up, como a modelagem por agentes, oferece uma perspectiva complementar de análise dos fenômenos pertencentes a um processo de difusão ou contaminação1, para usar uma terminologia que remonta às origens dos estudos sobre a emergência dos eventos e sobre os autômatos em geral, mas que se aplica adequadamente ao universo cambiante das tecnologias de comunicação. De fato, segundo Douglas e Isherwood (1996), a difusão da televisão analógica oferece um bom exemplo de modelo epidemiológico de difusão de uma inovação: cada domicílio que adquire um aparelho torna-se imune, mas a presença da TV provavelmente contaminará outros domicílios, pois as pessoas tendem a comprar aquilo que vêem seus amigos usando e desfrutando. Não está claro se, no caso da TV digital, o padrão de infecção/difusão repetirá em linhas gerais o comportamento observado para a TV analógica. Se, por um lado, a atratividade dos serviços interativos é inegável para consumidores familiarizados com as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), esses recursos podem não ser suficientes para produzir a percepção de que a TV digital é um novo bem, essencial ao dinâmico ambiente cultural em que os consumidores estão inseridos. Além disso, o fato de que a fruição da TV analógica continuará garantida no período de transição (simulcasting) pode, em um primeiro momento, enfraquecer a percepção da TV digital como algo indispensável para a plena interação social. Em contrapartida, a difusão das TICs no Brasil tem se mostrado fortemente influenciada pelos aspectos socioeconômicos do país, que ostenta uma das maiores concentrações de renda em todo o mundo. Adicionalmente, a sociedade brasileira apresenta formas de interação social muito características, nas quais indivíduos pertencentes a classes sociais distantes, a despeito das grandes diferenças de renda, podem estar ligados por vínculos sociais que surgem em contextos profissionais ou de 1 Alguns ganhos advindos da complementaridade de abordagens (top-down e bottom-up) na avaliação ex ante da difusão de inovações em telecomunicações são apresentados em Holanda et al. (2003). 28 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas prestação de serviços e, dentro da dinâmica das redes de relacionamentos, adicionam a possibilidade de que inovações adotadas nas classes mais altas influenciem as decisões de compra nas classes mais baixas. Assim, na tentativa de observar tais particularidades, mesmo antes de a inovação ser disponibilizada para a sociedade, um modelo de simulação baseada em agentes (HOLANDA, ÁVILA & MARTINS, 2006) foi adotado com o propósito de lançar luzes sobre o processo de análise e suporte à decisão quanto ao modelo de TV digital a ser adotado no Brasil (MARTINS & HOLANDA, 2005). Tal simulação se insere nas atividades de mapeamento do uso e de análise de viabilidade do referido processo analítico, a qual também faz uso de uma modelagem topdown, calcada na dinâmica de sistemas e cujas principais características são descritas em Menezes et al. (2005). 3 Uma modelagem de relações sociais baseada em agentes No modelo descrito neste artigo, cada usuário potencial é representado por um agente com características próprias, como renda disponível em função da classe social a que pertence e um dado perfil psicológico de propensão à adoção de inovações. Os agentes, em um total de dez mil2, formam um mundo e nele interagem, segundo regras de vizinhança, de influência mútua e de estratificação por classes socioeconômicas, constituindo as redes sociais da complexa sociedade brasileira. Nas redes sociais, conforme discutido em Gerolamo, Franco & Holanda (2004a), as relações entre os agentes podem variar no tempo, como uma conseqüência do comportamento de outros agentes. Tais redes sociais oferecem uma base média para estudar os vínculos entre atores que são responsáveis primários por suas escolhas. Isso implica que o estudo de uma mudança tecnológica, sob a perspectiva das redes sociais, deve focalizar mais as relações do que atributos ou características de unidades individuais autônomas. De acordo com Agapitova (2003), as redes sociais podem tanto proporcionar efeitos benéficos para a sociedade, gerando confiança e encorajando a cooperação, como causar perdas ao encerrar a sociedade em redes rígidas de convivência. No Modelo de Influência Social (SIM), as atitudes frente à tecnologia são mais condicionadas por interações sociais e por aspectos psicológicos do que por fatores objetivos3. 3.1 Efeitos de redes sociais As redes sociais se enquadram no âmbito das redes complexas, cuja teoria foi iniciada por Euler e Bernoulli e desenvolvida por Erdös e Rényi (1960), com posterior contribuição de Milgram (1967), que conduziu um dos primeiros estudos empíricos sobre a estrutura de rede social, lançando a hipótese do “mundo pequeno” (small world). Ela sugere que as pessoas são ligadas por pequenas cadeias de elos sociais, em média com seis graus de separação. Tal teoria foi validada por Watts (1999) em experimentos baseados na Internet. O fenômeno do “mundo pequeno” provê uma referência razoável para simular o fluxo de informação entre indivíduos em um sistema social, podendo ser usado para estabelecer ligações quando a estrutura exata de uma rede social é desconhecida. Recentemente, observou-se que a conectividade em algumas redes complexas obedece a uma “lei de potência”, em que a distribuição dos graus dos nós pode ser escrita como uma potência dos valores dos graus (COSTA, 2005). Nessas redes, também denominadas “livres de escala”, não existe um grau médio típico para os nós, como ocorre nas redes aleatórias. Em diversos tipos de redes naturais, a probabilidade de existência de nós com muitas conexões, os chamados hubs, é maior, o que sugere que essas redes são livres de escala. O primeiro modelo matemático bemsucedido desse tipo de rede foi proposto por Barabási & Bonabeau (2003). Sua idéia básica é de que o processo de formação da rede privilegia a criação de novas conexões com nós que já tenham muitas conexões (idem). Enquanto nas redes aleatórias, no que se refere à difusão de inovações e propagação de epidemias, admitese a existência de um limiar abaixo do qual o processo infeccioso ou de influência não se propaga por toda a rede, para as redes livres de escala, esse limiar é zero porque, com a existência dos hubs conectados a muitíssimos nós, ao menos um hub tenderá a infectar-se por qualquer nó afetado (COSTA, 2005). Em relação à formação das redes livres de escala, Barabási & Bonabeau sustentam que essa se dá por dois mecanismos: o crescimento e a vinculação preferencial. No primeiro caso, os nós mais velhos têm mais oportunidades de adquirir novas ligações e, no segundo caso, os nós com mais ligações tendem a atrair mais conexões, dando origem a hubs. No presente modelo, a implementação da rede social ocorreu sem que esses dois mecanismos influenciassem a definição das relações de vizinhança: os agentes são criados ao mesmo tempo e os relacionamentos internodais são estabelecidos 2 Número máximo de agentes que o ambiente de simulação utilizado neste trabalho é capaz de tratar; o uso do número máximo visa a maximizar a acuidade do modelo. 3 Cf Lee et al. (2003). Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 29 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas por sorteio, sem favorecer nós mais conectados. Trata-se, portanto, de uma rede complexa, porém não livre de escala. 3.2 Modelo multiagentes O processo de modelagem aqui tratado obedece aos fundamentos apresentados em Holanda et al. (2006), os quais, em resumo, compreendem: (i) relacionamentos sociais são baseados nas redes complexas, no “mundo pequeno” e na vizinhança de Moore; (ii) divisão da população em perfis de propensão ante a inovação, de acordo com os níveis propostos por Rogers. Além disso, adota-se o conceito de autômato celular e, como dados de entrada referentes ao potencial de interesse dos usuários, foram utilizadas as curvas de sensibilidade a preço obtidas em pesquisas de mercado, nas quais os respondentes foram estimulados a se posicionarem ante a possibilidade de compra do equipamento decodificador e receptor, dados os preços estimados e as funcionalidades previstas para a TV digital. Esses dados são inteiramente reportados em Gerolamo et al. (2004b) e, resumidamente, em Holanda et al. (2006). A implementação do modelo foi feita no ambiente Shell for Simulated Agent Systems (SeSAm)4, uma ferramenta para simulações multiagentes desenvolvida na Universidade de Würzburg, Alemanha. Na construção do modelo descrito neste artigo, os agentes foram posicionados sobre uma grade bidimensional de tamanho configurável, cujas dimensões foram fixadas em seu valor máximo, 100 x 100, totalizando dez mil agentes. As caracterizações dos agentes e do ambiente foram feitas de forma independente. Foram definidas variáveis globais com validade no “mundo” e, portanto, acessíveis a todos os agentes indistintamente, assim como variáveis individuais para cada instância de agente. O comportamento de cada agente foi modelado por um algoritmo interno. Dentro da máquina de estados, ao percorrer uma trajetória determinada pelas variáveis globais ou locais, o agente lê e escreve nelas. É por meio dessas escritas e leituras que se estabelecem os relacionamentos entre os diversos agentes que habitam o mundo, à semelhança dos processos sociais de difusão de informação. Em razão dos efeitos de rede, as alterações individuais de cada agente afetam os demais com os quais ele mantém relacionamento. Uma outra característica da distribuição dos agentes na grade de simulação refere-se ao fato de que as cinco classes sociais que compõem o mundo virtual foram dispostas de forma que se reproduzisse a distribuição espacial e relacional que essas classes apresentam na sociedade brasileira, conforme descrito em Holanda et al. (2006). Dessa forma, aglomerações cujas interfaces são estabelecidas pelas classes socioeconômicas, em uma seqüência que vai da classe A à E. Em razão disso, um agente situado na fronteira da classe A terá três agentes da classe B entre seus vizinhos imediatos. Assim, nesse modelo, o posicionamento de cada agente na grade é função de sua classe social e isso surte efeito sobre sua vizinhança, que, por sua vez, influi em sua rede de relacionamentos. A composição da grade assume então uma forma toroidal, conforme Figura 1, e a distribuição dos agentes na grade segue a proporção de cada classe na população brasileira5. Os agentes foram distribuídos conforme a proporção de cada classe na população brasileira6: Figura 1 Distribuição espacial das classes sociais: efeito toróide 3.3 A vizinhança no micromundo A definição das redes de relacionamento dos diversos agentes para o processo de difusão baseou-se na definição de Moore para vizinhança em uma rede de autômatos. Ela é usada para definir um conjunto de células que cercam uma dada célula (x0, y0), que pode afetar a evolução de um autômato bidimensional em uma grade quadrada. Segundo Weisstein (2005), para uma abrangência r, essa vizinhança de Moore (NM) é definida por: NM(x0,y0) = {(x,y) : |x – x0| < r, |y – y0| < r} em que NM = número de vizinhos. No presente artigo, foi adotada uma vizinhança de Moore com abrangência r = 1, totalizando oito células vizinhas em torno de cada célula 4 O SeSAm é um ambiente genérico para a modelagem ABMS. Ele permite a criação de um mundo virtual habitado por uma população de agentes. 5 Esses percentuais são os mais usuais no Brasil, pois se baseiam nos estudos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a respeito dos domicílios brasileiros. 6 Esses percentuais são 4,6; 17,7; 30,6; 34,4 e 12,7, respectivamente, para as classes de A a E. São baseados em estudos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a respeito dos domicílios brasileiros. 30 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas Relações de vizinhança “remota” Com o intuito de representar outra particularidade da população brasileira (a existência de relacionamentos entre pessoas pertencentes a classes sociais distantes), o modelo passou a contar também com uma variação das relações de “vizinhança remota”, de forma que se acomodasse relacionamentos sociais menos intensos que os da vizinhança imediata, por exemplo, entre indivíduos pertencentes a classes distantes. Nesse aspecto de modelagem, os agentes apresentam comportamento heterogêneo e o conhecimento é local. Por outro lado, assume-se no modelo que as influências entre agentes pertencentes a classes distantes são sempre unidirecionais e que o agente mais rico influencia o mais pobre, sem ser por este influenciado. Essa diferenciação tem uma justificativa empírica: a vivência da sociedade sugere que as influências recíprocas (bidirecionais) ocorram, sobretudo, entre agentes de uma mesma classe social, ou de classes sociais adjacentes, enquanto que em interações entre agentes de classes sociais distantes a influência predominante é unidirecional, do mais rico para o mais pobre. Em outras palavras, assume-se como plausível que um agente das classes A ou B influencie as decisões de consumo de agentes das classes D ou E, mas não seja influenciado por eles. Para simular essas assimetrias de relacionamentos sociais entre indivíduos de classes socioeconômicas diferentes, restrições adicionais foram impostas à rede: cada agente estabelece dois tipos de relacionamento: bidirecional, com seus oito agentes adjacentes, que possuem perfil socioeconômico semelhante; e unidirecional, com um ou dois outros agentes remotos (não-adjacentes), aleatoriamente escolhidos entre aqueles que atendam a um critério socioeconômico específico para cada classe, conforme descrito a seguir. Assim, o número de influenciadores de cada agente varia entre nove e dez, ao passo que o número de agentes que ele pode influenciar é estatisticamente maior se ele pertencer às classes mais ricas e menor para as mais pobres. Isso porque um agente da classe A pode ser sorteado como influenciador de agentes de qualquer classe – ao passo que um agente da classe E só pode ser sorteado influenciador de outro agente da classe E. Para refletir essa assimetria nas relações, o modelo incorporou quatro diferentes configurações de vizinhança remota, definidas em função da classe do agente, conforme Figura 2, com as seguintes distinções: • um agente da classe A sorteia seu(s) Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Classe A VI VI VI VI AG VI 10 VI VI VI Classes B e C Classe D Classe E 30 45 ··· 3.4 vizinho(s) remoto(s) entre aqueles contidos em um vetor horizontal de comprimento 10, representado pelas células vazias à direita do agente em questão, e desconsiderados os vizinhos imediatos (indicados pelas letras VI). Isso assegura que praticamente todos os vizinhos remotos de membros da classe A também pertencerão àquela classe; • para cada agente pertencente às classes B e C, os vizinhos remotos são escolhidos aleatoriamente entre os 48 agentes mais próximos em seu entorno, desconsiderandose aqueles oito que já fazem parte da vizinhança imediata. Essa configuração vicinal garante que todas as relações de vizinhança de agentes nas classes B e C estejam circunscritas a essas classes (ou a parte da classe A, caso o agente da classe B esteja localizado junto à fronteira entre essas classes, ou D, caso o agente da classe C esteja na fronteira entre essas duas classes). Assim, não haverá grandes diferenças de renda nessas relações de vizinhança; • para os agentes das classes D e E, os vizinhos remotos são escolhidos aleatoriamente dentro de um vetor vertical acima (cf. Figura 2) ou abaixo do agente em questão (quando esses estão localizados na parte inferior da grade) e com comprimentos 30 e 45, respectivamente. Isso significa que os vizinhos remotos de E podem estar situados em qualquer das demais classes, e os de D em qualquer classe, exceto na E. Já a influência do número de vizinhos no processo da difusão é analisado em Holanda et al. (2003). A adição de agentes na forma de vizinhos remotos cria o efeito “mundo pequeno”, aumenta a informação no sistema, mas não de forma que se suscite uma condição de conhecimento global, como acontece nas abordagens top-down. No modelo descrito, o número de relacionamentos remotos que um ··· (agente), a partir das quais são representados os relacionamentos entre indivíduos. VI VI VI VI VI VI VI AG VI VI AG VI VI VI VI VI VI VI VI VI VI VI AG VI VI VI VI Figura 2 Vizinhanças remotas: acima, classe A; abaixo, à esquerda, classes B/C e, à direita, classe D e classe E 31 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas dado agente estabelece varia aleatoriamente entre um e dois. Entretanto, como cada agente também possui oito vizinhos imediatos, o número total de vizinhos de um dado agente pode variar entre nove e dez. Com isso. espera-se manter os efeitos de vizinhança de Moore e acrescentar a eles o efeito “mundo pequeno”. 3.5 Caracterização dos perfis de consumidor Para a caracterização dos perfis de consumidores ante as inovações, utilizou-se nesta implementação o modelo de Rogers (1983), conforme Figura 3. Além disso, esse modelo foi replicado em cada uma das cinco classes socioeconômicas, isto é, 2,5% dos membros de cada classe possuem perfil inovador, 13,5% são potencialmente adotantes precoces, etc. As implicações e a fundamentação dessa premissa, sob a perspectiva social, são discutidas em Holanda et al. (2006). Do ponto de vista matemático, essa hipótese também é aceitável, pois a distribuição no modelo segue uma curva normal (gaussiana) e a soma das curvas das cinco classes resulta também numa normal7, respeitando, portanto, o modelo. Figura 3 Categorias de adotantes segundo Rogers 3.6 Dinâmica de iteração dos agentes Uma vez estabelecida a rede de relacionamentos de cada agente, o que inclui seu perfil de adotante e sua classe socioeconômica, tem início a seqüência de iterações da máquina de estado correspondente a cada agente. Essas máquinas são compostas por três estados distintos que influenciam o processo decisório do agente. Apenas o primeiro deles é tratado neste documento: os estados restantes – a sensibilidade a preço e a renda disponível – são descritos em Holanda et al. (2006). A rede de relacionamentos do agente é estabelecida em função de sua configuração de vizinhança (número de influenciadores que já adotaram a inovação) e de seu perfil de propensão à adoção (categorias de Rogers). Para os cinco perfis, foram estabelecidos cinco patamares mínimos de quantidade de influenciadores, conforme Tabela. No modelo descrito, esses patamares correspondem às porcentagens iniciais de cada categoria de adotantes ilustrada na Figura 3 (0%, 2,5%, 16%, etc.). Isso equivale a dizer que os primeiros “adotantes precoces” só adotarão quando todos os inovadores (2,5% da população total) já tiverem adotado, e assim por diante. Como o número de vizinhos varia entre nove e dez, basta um vizinho adotante para influenciar os adotantes precoces. Já os de perfil inovador não dependem de outros modelos para optarem pela adoção, sendo desnecessária para eles a rede de relacionamentos. Tabela 1 Percentuais de infecção para contaminação Categoria do agente Limiar para contaminação Inovadores 0% Adotantes precoces 2,5 % Maioria inicial 16 % Maioria tardia 50 % Resistentes 84 % No exemplo da Figura 4, em um determinado estado da máquina, três vizinhos (indicados por bordas mais grossas) – sendo dois imediatos (VI) e um remoto (VR) –, de um agente (AG) com dez vizinhos ao todo (oito imediatos e dois remotos), estão infectados (isto é, adotaram a inovação). Com isso, caso AG pertença à categoria dos “adotantes precoces” ou à “maioria inicial”, seu limiar de influência já terá sido alcançado, e ele estará propenso a também adotar a inovação, assim que as demais condições no processo de decisão de compra forem satisfeitas. Se o perfil de AG for de “maioria tardia”, ainda serão necessários outros dois agentes infectados em sua vizinhança para se tornar propenso à adoção. Ele necessitará que nove de seus dez vizinhos estejam infectados para se tornar propenso, caso seja “resistente”. VI VI VI VI AG VI VR VR VI VI VI Figura 4 Exemplo de infecção – o agente (AG) tem dois vizinhos imediatos e um remoto infectados Além da máquina de estados correspondente aos agentes, foi também implementada uma máquina para disparar os eventos que têm lugar no mundo em que os agentes interagem. Ela é responsável pela criação do mundo, isto é, pela criação de cada um dos dez mil agentes, com seu perfil próprio de consumidor e sua inserção 7 Combinações lineares de distribuições também são distribuições. Ver, por exemplo, Butkov (1978). 32 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas na grade, na posição que corresponde à sua classe social, com uma renda disponível aleatória dentro da faixa de renda de sua classe. É também responsabilidade da máquina de estados do mundo estabelecer as redes de relacionamentos remotos de cada agente (uma vez que os relacionamentos próximos são determinados por sua localização na grade). De resto, as iterações da máquina de estados do mundo varrem toda a grade, testando cada uma das dez mil instâncias de agentes. Cabe ainda à máquina de estados do mundo iniciar e alterar as variáveis globais, como aquela que define o preço de venda dos equipamentos. Nessa implementação, optou-se por utilizar a curva de aprendizagem da tecnologia para estabelecer uma referência temporal para a difusão da TV digital, partindo-se do princípio de que a difusão é fortemente determinada pelo preço dos equipamentos. Assim, o preço cai anualmente e a curva de interesse de cada agente é testada também uma vez a cada ano. Como a decisão de compra depende das curvas de interesse e estas representam uma probabilidade de adoção em função do preço, a depreciação com freqüência anual8 atribuiu uma referência temporal ao modelo. Para tentar representar esse cenário, o preço do equipamento, que é uma das variáveis do mundo, varia decrescentemente, em razão da curva de aprendizagem da tecnologia9, por um período de dez anos, entre 2006 e 2015, após o que se estabiliza em um patamar que representa aqueles que seriam os custos mínimos de produção dos equipamentos. 3.7 Análise de sensibilidade de alguns fatores avaliados no estudo Com o intuito de testar a modelagem das redes sociais e contextualizá-la nos estudos do processo de difusão da TV digital no mercado brasileiro, foram considerados alguns fatores exógenos, descritos detalhadamente em Holanda et al. (2006), entre outros. São eles: modalidades de pagamento (à vista ou a prazo) e presença ou ausência de propaganda ou de incentivos. Esses fatores são agrupados em quatro cenários de simulação, cujas características são apresentadas na Seção 4. O efeito da propaganda foi simulado pela redução do número de influenciadores que cada agente precisa ter entre seus vizinhos para se tornar propenso à adoção. Os limiares foram reduzidos em 10%, conforme Tabela 2, o que equivale à redução de um vizinho. O efeito da propaganda é o de aumentar, na rede social, a comunicação a respeito da inovação. Tabela 2 Percentuais de infecção para contaminação, com propaganda Categoria do agente Limiar para contaminação Inovadores 4 0% Adotantes precoces 0% Maioria inicial 6% Maioria tardia 40 % Resistentes 74 % Resultados das simulações As Figuras de 5 a 9 ilustram os quatro diferentes cenários simulados, cada um representado por duas grades: uma referente ao primeiro e outra ao décimo ano do processo de difusão. Trata-se de um exercício analítico cujos resultados servem como indicadores da sensibilidade das variáveis em questão, ou seja, do impacto que determinadas políticas podem causar na difusão da TV digital. Portanto, o interesse está nas tendências observadas e não nos valores absolutos obtidos com a simulação. As faixas horizontais em cada grade indicam as cinco classes socioeconômicas, começando pela classe A no centro e seguindo até a E, no topo e na base da grade, passando pelas classes B, C e D. Os pontos cinza-claros que permeiam as cinco classes indicam agentes já propensos à adoção. Os pontos pretos mostram agentes que já adotaram. No cenário ilustrado na Figura 5, observa-se que o processo de difusão evolui razoavelmente nos dez primeiros anos, mas fica restrito às classes A, B e C. Isso ocorre porque as classes D e E têm renda disponível negativa. A adoção só não foi possível por falta de renda, pois a grande presença de agentes propensos à adoção naquelas classes (pontos cinza-claros) indica que o processo infeccioso ocorreu e a informação sobre a inovação chegou a muitos dos agentes daquelas classes. Como não houve propaganda, essa informação foi transmitida pela rede social, num processo do tipo boca a boca. No cenário ilustrado na Figura 6, observa-se que o processo de difusão evolui mais rapidamente nos dez primeiros anos do que no cenário anterior (Figura 5), mas ainda ficou restrito às classes A, B e C. Isso ocorre porque, ainda que a propaganda tenha elevado a taxa de contaminação em razão do aumento da comunicação, as classes D e E continuaram sem renda disponível para a adoção. Uma vez mais, a 8 A variação adotada é anual, pois essa foi a freqüência de depreciação dos equipamentos no mercado mundial utilizada como referência neste trabalho. 9 A taxa de depreciação (CAGR = -10,8%) estimada para o período entre 2001 e 2007 foi extrapolada para abranger um período de dez anos, compreendido entre 2006 e 2015, considerado o mais decisivo para o processo de difusão da TV digital no mercado brasileiro. Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 33 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas grande presença de agentes propensos à adoção naquelas classes (pontos cinza-claros) indica que o processo infeccioso ocorreu, mas a adoção não foi consumada. No cenário ilustrado na Figura 7, observa-se que, nas classes A, B e C, o processo de difusão nos dez primeiros anos evolui com a mesma velocidade do primeiro cenário (Figura 5), mas, diferentemente daquele, agora a difusão se deu também nas classes D e E. Isso ocorre porque uma política de incentivos (na forma de complementação de renda) fez com que as classes D e E passassem a ter renda disponível para a adoção. O aumento da difusão nas classes mais pobres não influencia a difusão nas mais ricas, uma vez que no modelo as influências nesses casos são unidirecionais, dos mais ricos para os mais pobres, como discutido anteriormente. No cenário ilustrado na Figura 8, observa-se uma rápida difusão nos dez primeiros anos em todas as classes, como resultado da combinação do efeito propaganda e das políticas de incentivo. Ao final do período, todos os agentes nas classes A e B e quase todos na C já haviam adotado a TV digital. Nas classes D e E, o processo estava bastante adiantado, com poucos não-adotantes remanescentes. Esses casos têm duas explicações principais: agentes cuja renda disponível ainda é negativa, apesar do mecanismo de incentivo, e agentes com baixa propensão às inovações (isto é, resistentes). Para esses, a configuração de vizinhanças pode criar algumas situações de lock-in, nas quais um conjunto de agentes com perfis mais conservadores (resistentes ou da maioria tardia) estejam posicionados de forma que se produzam influências negativas recíprocas. Os resultados dos quatro cenários são sintetizados na Figura 9. Figura 5 Dez anos de difusão com parcelamento, sem propaganda e sem incentivos Figura 6 Dez anos de difusão com parcelamento, com propaganda e sem incentivos 34 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas Figura 7 Dez anos de difusão com parcelamento, sem propaganda e com incentivos Figura 8 Dez anos de difusão com parcelamento, com propaganda e com incentivos Figura 9 Gráfico comparativo da difusão nos quatro cenários (F = parcelamento; P = propaganda; I = incentivos) Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 35 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas 5 Análise dos resultados Foi constatado que os autômatos celulares permitiram simular com razoável flexibilidade fenômenos próprios das redes sociais (inclusive fatores microscópicos), tais como influências de vizinhanças no processo de difusão de informação (infecção) em função do tempo, diferenças no perfil de cada indivíduo (agente) e os efeitos de “mundo pequeno”, decorrentes da presença de relações de vizinhança distantes. Estas, de resto, procuraram reproduzir características observáveis na sociedade brasileira, a qual foi o objeto da simulação. Embora o modelo ABMS seja particularmente propício para simulações de fenômenos que ocorram no âmbito individual dos agentes (bottom-up), fenômenos de abrangência coletiva também podem ser emulados. No caso do fator propaganda no modelo descrito, tem-se um exemplo de influência macroscópica que permeia todas as classes sociais, porém com gradações para os diferentes agentes, em função de seu perfil como consumidores. Nesse sentido, as simulações permitiram observar que esse fator possui um peso muito determinante na velocidade da difusão, uma vez que seu efeito se manifesta essencialmente no aumento do fluxo de informação (comunicação) por intermédio da rede social. Entretanto, sua influência no número final de adotantes é bastante tênue, por não interferir nos inibidores da adoção, em particular na ausência de renda disponível, não sendo, portanto, suficiente para garantir o êxito da difusão. Uma outra dimensão avaliada no modelo foi a de efeitos macroscópicos de incidência mais localizada, os quais, embora atingindo inúmeros agentes simultaneamente, restringiram-se a um subconjunto da população. Esse subconjunto foi representado pelas classes de menor poder aquisitivo (D e E), no caso específico do fator “presença de incentivos”. Também nesse caso, a natureza macroscópica do efeito de elevação da renda média não eliminou as diferenças de âmbito individual, em razão de que, mesmo que a renda média de toda uma classe tenha sido fixada em um valor único pela complementação de renda, o desvio-padrão das rendas em cada classe, definido na criação da população, garante a cada agente ter uma renda disponível específica, preservando, em certa medida, sua individualidade. Nesse caso, por não haver uma influência direta nos mecanismos de comunicação social, os incentivos surtiram um efeito discreto na aceleração da difusão, mas mostraram-se decisivos no aumento do número final de adotantes, uma vez que permitiram a inclusão das classes D e E no mercado. Por fim, as evidentes diferenças dos cenários sintetizados na Figura 9 sugerem que, por meio da simulação ABMS, foi possível distinguir os 36 efeitos dos três fatores testados sobre a dinâmica da difusão. O uso combinado de mecanismos de propaganda e incentivos produziu os melhores resultados porque, ao passo que o primeiro fator acelerou a comunicação (taxa de infecção) no âmbito da rede social, o segundo possibilitou que a difusão alcançasse um maior número de agentes (classes D e E). 6 Conclusão O emprego da abordagem ABMS mostrou-se útil à observação de dinâmicas sociais em que prevalecem condições relacionais e de vizinhança que ensejem o fenômeno do “mundo pequeno” (small world) e efeitos comunicativos baseados em divulgação boca a boca. No caso específico aqui descrito, as simulações foram usadas para avaliar processos infecciosos na difusão da informação inovadora representada pela TV digital terrestre. A atribuição de características a cada agente, tais como um dado perfil psicológico, uma determinada vizinhança e uma certa renda disponível, possibilitou a percepção, em última análise, de fenômenos de natureza social e a antecipação de quatro possíveis cenários futuros. Foi possível destacar em cada um deles o peso dos efeitos de rede, tais como a formação de aglomerações (clusters) e lock-in, e constatar os diferentes efeitos das variáveis testadas, com o fim de evidenciar sua sinergia latente quando usadas de forma combinada. As simulações feitas permitiram avaliar efeitos decorrentes do processo de difusão boca a boca e das configurações de vizinhança. A premissa adotada, segundo a qual o processo decisório para a adoção (compra) é composto por três etapas não-excludentes, bem como a conseqüente demarcação dos casos em que a consumação da adoção foi impedida por falta de uma precondição (renda disponível), salientou que a difusão às vezes falha em atingir toda a sociedade, não por conta de uma comunicação deficiente, mas por força das disparidades da renda disponível. O modelo discutido pode ser adaptado para estudar a difusão da TV digital – ou de outras TICs – em regiões mais circunscritas, bastando adaptar os percentuais das respectivas classes sociais presentes na região ou localidade em questão e, se necessário, fazer novas sondagens de sensibilidade, de acordo com os preços daquele mercado em particular. Agradecimentos Os autores agradecem as valiosas contribuições de Gustavo Gerolamo e João Henrique Franco. Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas Referências AGAPITOVA, N. The impact of social networks on innovation and industrial development: social dimensions of industrial dynamics in Russia. Druid Summer Conference, 2003, Copenhague. Disponível em: www.druid.dk/conferences/summer2003/Papers/ AGAPITOVA.pdf>. Acesso em: 25 jul. 2005. BARABÁSI, A. L.; BONABEAU, E. Scale-free networks. Scientific American, New York, mai. 2003. p. 50-59. BASS, F. M. A. New product growth model for consumer durables. Management Science, Evanston, 15:215-227, 1969. BELL, D. The coming of post-industrial society. New York: Basic Books, 1999. BUTKOV, E. Física matemática. Rio de Janeiro: Guanabara Dois, 1978. COSTA, L. F. Redes complexas. Ciência Hoje, revista da SBPC, Rio de Janeiro, v. 36, 2005. p. 34-39. DOUGLAS, M.; ISHERWOOD, B. The world of goods: towards an anthropology of consumption. London e New York: Routledge, 1996. 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CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006 37 Redes sociais e disseminação de inovações tecnológicas Abstract This paper describes a modeling process related to the social network effects on the dissemination of a technological innovation, with the purpose of being incorporated in the ex ante study about the diffusion of the digital terrestrial television in the Brazilian market. The agent-based modeling and simulation (ABMS) approach is used, whose advantage lies in its suitability to understand the processes that occur in the individual level, such as the adoption decisions based on the innovativeness of every agent, as well as the effects of neighborhood and word-of-mouth factors. Issues such as the socioeconomic differences and the spatial distribution of the agents have also been considered. The simulations have shown that the ABMS is appropriate for the identification of phenomena in the individual (microscopic) level and for the evaluation of their collective (macroscopic) effects. The implementation allowed to test the effects on the diffusion process of factors such as the disposable income and the presence of advertising and incentive policies. Key words: Agent-based modeling. Social networks. Digital television. Technological innovation. 38 Cad. CPqD Tecnologia, Campinas, v. 2, n. 2, p. 27-38, jul./dez. 2006