Comportamento Social – Aula 1

Propaganda
Comportamento Social
Aula 1: Santidade e Beleza – reverência e decência na vida cristã
Introdução
"Acreditamos que 52% da população será evangélica até 2020, ou cerca de 109,3 milhões de
evangélicos em uma população total de 209,3 milhões", disse o pesquisador Luis André Brunet, da Sepal,
em entrevista ao The Christian Post em 2011.
Paschoal Piragine cita o exemplo das Filipinas com os seguintes dados: em 1998, 51000 novas
igrejas foram plantadas. Era a 20ª nação mais corrupta do mundo. Evangélicos continuaram a crescer. Em
2002: 3º país mais corrupto do mundo. Que tipo de igrejas estavam plantando? Que tipo de discipulado
estavam realizando? Será que o Evangelho é discurso ou transformação?
A maior crise que enfrenta o Brasil é antes de tudo uma crise moral. Grave é constatar na igreja
evangélica brasileira que o dado cultural-social não se restringe à sociedade e seus padrões culturais, é
também um fator de crise no interior da igreja.
“A maior causa singular do ateísmo no mundo hoje são os cristãos que reconhecem Jesus com
seus lábios e saem porta afora e O negam com seu estilo de vida. Isto é o que um mundo incrédulo
simplesmente acha inacreditável.” Brennan Manning
O consequente lógico de uma espiritualidade verdadeiramente cristã é a santidade integral do
cristão. O que no mundo chama-se “Ética”, no Reino de Deus é mais que uma pauta de valores e princípios
aos quais subscrevemos e pelos quais cumprimos nossos deveres para com Deus e o nosso próximo. No
Reino de Deus, a santificação aparece como a mais profunda transformação – do interior para o exterior,
continuamente, integralmente, progressivamente – no caráter humano, de modo a determinar todos os
aspectos da existência humana.
Nosso foco será a santificação na dimensão mais visível do caráter: o comportamento. De nada nos
adiantará um líder rico em carisma, talentos, habilidades e dons se o seu caráter não for aprovado.1 Cedo
ou tarde, seu comportamento o denunciará, pois a integridade da santidade abarca o ser humano
completamente:
- espírito, alma e corpo (1 Ts 5:23);
- pensamento (Fp 4:8), sentimento (Fp 2:5) e comportamento (Fp 4:9).
1. Ascético e Estético: dupla dimensão da vida espiritual
No horizonte da teologia espiritual apresentada pelo Pr. Eugene Peterson em Marcos, vislumbramos
as dimensões ascética e estética da espiritualidade.
Nesses dois eventos de Mc 8:27– 9:9 (o convite à renúncia e a transfiguração), que tem entre si
uma relação orgânica, o “Não” de Deus em Jesus e o “Sim” de Deus em Jesus trabalham conjuntamente.
Assim também, Calvino, em suas Institutas, declara: “A aceitação de Cristo e a apropriação de
cada elemento na redenção dependem da percepção da santidade de Deus e da convicção da
profundidade do nosso pecado”. São esses dois movimentos, da autonegação e afirmação dEle, que estão
na base de uma vida espiritual real. Nosso primeiro vir a Cristo e a força com que expressamos a nova
vida nEle dependem dessa dupla apreensão.
Peterson coloca esse forte elemento ascético (que “lida com a vida na estrada”) nestes termos:
“Seguir a Jesus significa não seguir nossos impulsos, apetites, caprichos e sonhos, todos os quais tão
prejudicados pelo pecado que passam a ser guias pouco confiáveis para definir qualquer lugar para onde
valha a pena seguir.” E ainda: “a prática ascética dissipa a barafunda do eu que se arroga status de deidade,
e abre espaço amplo para o Pai, o Filho e o Espirito Santo; ela nos envolve e nos prepara para um tipo de
morte do qual a cultura não tem nenhum conhecimento, abrindo espaço para a dança da ressurreição”.
Já o elemento estético (que “lida com a vida no monte”), é posto nestes termos:
“subir o monte com Jesus significa encontrar uma beleza de tirar o fôlego. Permanecer na companhia de
Jesus significa contemplar sua glória [...] Quando o Espírito faz sua aparição, para nós é uma aparição repleta
de beleza.” E ainda: “o impulso estético está relacionado com uma instrução que nos ensina a perceber e a
desenvolver um gosto por aquilo que está sendo revelado em Jesus. [...] Nossos sentidos precisam de cura e
reabilitação para que tenham condições de receber as visitações do Espírito [...] e a elas corresponder [...].”
Do grego aisthésis (percepção, sensação); refere-se ao julgamento e à percepção do que é
considerado belo, a produção das emoções pelos fenômenos estéticos; do sublime.
1
“Não devemos jamais distinguir nossa função de liderança (mesmo porque é passageira) de nossa identidade pessoal. Um
grande engano em época de empreendedorismo é um auto-investimento no perfil de liderança. Não que isso não seja efetivo,
porém é passageiro. Investir tempo, forças e energia para se qualificar como um bom líder pode lhe privar de investir tempo,
forças e energia para crescer como pessoa e como cristão.” – Ronaldo Lidório in Liderança e Integridade
Em nossa espiritualidade natural, como vimos, nossos sentidos foram embotados pelo pecado; o
mundo é implacavelmente antiestético, exaurindo a beleza das pessoas e das coisas.
Na companhia de Jesus, afirma Peterson, esse nosso corpo, equipado para ver, ouvir, tocar, cheirar
e provar, sobe o monte (em si um ato físico extenuante), onde, em arrebatada adoração, aprendemos a
enxergar a luz e a ouvir as palavras que nos revelam Deus (2 Co 12:4).2
Um cuidado que não podemos deixar de cultivar é a percepção da experiência humana a partir da
experiência divina que vemos em Cristo. A transfiguração exige de nós uma reação de temor e tremor
antes este “mistério que faz tremer”. Só uma postura de total rendição ante a beleza do Cristo sublime
nos pode reeducar a viver a vida.3
Como veremos, antes de líderes relevantes, Deus busca líderes reverentes.
2. Reverência: educando os sentidos para a beleza
O que se espera de um obreiro que contemplou a glória do Cristo transfigurado e aprende a adorálO na beleza da Sua santidade todos os dias? O que se espera de alguém que tem seus sentidos regenerados
para ressignificar a vida momento a momento?
2.1) Ele nada tem por banal. Pedro (Mc 9:5,6) tentou banalizar o extraordinário, esvaziar o
momento de sua significação máxima, que é a revelação de Deus aos homens. O líder reverente não
banaliza a santidade de Deus.
2.2) Ele dá valor ao que Deus dá valor, porque passa a se relacionar com o mundo em sua volta a
partir da Graça e da beleza de Cristo. Que ele ressingnifique todos os seus relacionamentos; que veja o
outro com a máxima reverência. O líder reverente não banaliza a dignidade do outro.
2.3) Ele não dá ênfase ao discurso, e sim à vivência e à sua tradução em atitudes. Paulo mostra que
Cristo é mais que uma história sendo contada: é Deus querendo habitar em nós. O líder reverente não
banaliza a encarnação.
No detalhe, vejamos:
2.1) Reverência ante a santidade de Deus
A santidade de Deus o torna incomparável e singularmente extraordinário: Ex 15:11.
A santidade vista da perspectiva do Evangelho não nos deveria amedrontar e desesperar, e sim ser
uma fonte de alegria retumbante. Pois há beleza incomparável na santidade de Deus. Como diz Paul
Washer, é a alegria de perceber que este Deus, total e cabalmente santo, “nunca pecará contra mim, nunca
será ordinário ou comum, nunca será profano. Ele nunca errará ou pecará. Este Deus, que é a meu favor,
é Santo. Cem por centro da sua santidade e retidão e fidelidade são a meu favor, não contra mim. Isto é a
nossa alegria.” 4
É dessa alegria que nasce a obediência. Não é a obediência que produz alegria, mas a alegria de
conhecer e andar com Deus que produz obediência. De fato, se dependêssemos do nosso desempenho e
dos resultados que trazemos a Deus para sermos alegres, viveríamos em franca bipolaridade: ora
maníacos, ora depressivos. Somos naturalmente inconstantes, irregulares em nossa atuação.
A alegria que está bem fundamentada na Graça e na beleza de quem Deus é pode sofrer abalos,
todavia, longe de formar circuitos pendulares, ela perdura mesmo quando estamos distantes do ideal. Ela
nos atrai de volta para o lugar em que as condições para a aproximação são possíveis.
O filho pródigo é atraído de volta ao Pai pela memória da fartura do pão, da abundância da mesa,
porque a alegria da comunhão com Deus cria em nós uma memória contra a qual é difícil ao pecado
competir. E é por isso que voltamos para Ele: porque ao experimentar da Sua alegria, nenhuma outra será
suficiente. A alegria de ter um Deus santo nos leva a buscar santificação.
À igreja no Brasil não faltam luzes, sons, entretenimento e boas palestras. Falta a alegria de
contemplar a santidade de Deus e considerá-la tão singularmente bela, que nada é mais desejável. Quanto
mais santos, mais satisfeitos, mais saciados, mais plenos. Quanto mais assombrados e reverentes ante o
mistério da santidade, mais nosso comportamento e estilo de vida traduzirá o caráter do Senhor.
É este caráter que somos chamados, mais do que a imitar, a ver gerado em nós, genuína e
visceralmente.
2
“Foi arrebatado ao paraíso; e ouviu palavras inefáveis, que ao homem não é lícito falar.” 2 Co 12:4 Inefável (adjetivo): que
não se pode nomear ou descrever em razão de sua natureza, força, beleza; indizível, indescritível; que causa imenso prazer;
inebriante, delicioso. Algo de origem divina, dotado de tantos atributos de perfeição e beleza, que transcende os limites da
linguagem humana.
3
Ver o Subsídio Reflexivo ao final da aula 2 de Espiritualidade Cristã intitulado “A vida é bela (a dimensão estética da
espiritualidade)”.
4
Para Ronaldo Lidório, sobre o caráter imutável de Deus: “E esta é a nossa segurança: o Deus ao qual amamos e servimos
não é regido pela mesma dialética inconstante do Universo ou dos altos e baixos emocionais e espirituais em nossa vida. Ele,
ao contrário, se apresenta na Palavra como o Monte Sião, que não se abala; as Muralhas de Jerusalém; a Rocha de Israel. É
nele e por causa dele que podemos descansar, mesmo em situações de tempestades e incertezas.”
2.2) Reverência ante a dignidade do próximo
Ministros de Deus que não tiveram seus sentidos reeducados não são sensíveis ao que Deus quer
realizar e está realizando; estão “fora da visão”, porque seus olhos ainda não se ajustaram à luz intensa
que irradia dos propósitos de Deus. São alunos da escola de Jonas (Jonas 3:3) que não compreendia que
Nínive, mesmo sendo gente que “não sabe discernir a entre a mão direita e a esquerda”, é uma cidade
“mui importante diante de Deus”.
Quem vive por meio de Cristo, vê tudo por meio de Cristo: se relaciona com tudo por meio de
Cristo. Mesmo as pessoas que não tem nada de atrativo se tornam valiosas se as enxergamos pelas lentes
dEle.5 Isto tem implicações profundas e inescapáveis.
Tomemos Colossenses 3:17 e 23. Enquanto o v. 17 fala de “fazer tudo que fizermos em nome do
Senhor Jesus” (como representante ou procurador Seu), o v. 23 fala de “fazer tudo que fizermos para o
Senhor” (sob suas ordens, como servos). Aponta John Stott: “de acordo com o primeiro versículo, devo
tratar o meu próximo como se eu fosse Jesus Cristo. De acordo, porém, com o segundo versículo, devo
tratar o meu próximo como se ele fosse Jesus Cristo. Quando me relaciono com uma pessoa ‘em nome
do Senhor’, devo dar-lhe o respeito e a atenção que Jesus lhe daria. Por sua vez, de acordo com o v. 23,
devo dar-lhe o respeito e a cortesia que daria ao próprio Jesus. Em todo relacionamento, Jesus tem os
dois papeis: devo tratar o meu próximo como se eu fosse Cristo, e devo tratar a pessoa como ela fosse o
próprio Cristo.” O resumo desse ensino é: o respeito e a honra que devemos dar às pessoas é, a um tempo,
o que Cristo lhes daria (1 Pe 2:21) e o que Cristo receberia (Mt 25:40).
Como pode Cristo ocupar os dois pólos da relação? Porque Ele está no meio. Se vivemos imersos
nEle, fica impossível diferenciar o que Ele afeta mais, o lado daqui ou de acolá.
É impossível separar Cristo do sapato que engraxamos para nosso pai; do bolo que batemos para
nosso filho; do carinho que dispensamos ao nosso cônjuge; do serviço que prestamos ao nosso empregador
e da cordialidade que oferecemos ao nosso empregado. Cristo é tudo em todos (Cl 3:11).
Isso nos impõe uma premissa essencial sobre o comportamento do obreiro: é reverente ante a
dignidade do outro. A vida do outro (a sua dor, seus dilemas, suas expectativas legítimas, sua perda e seu
ganho) não é banal. Quem foi educado a ser sensível a Deus, é sensível ao próximo: 1 Jo 1:7, 2:9-11;
3:14-18; 4:7,11-12, 20-21; 5:16.
2.3) Reverência ante a encarnação
A palavra “decência” e “decoração” compartilham o prefixo latino “dec” cujo significado é
embelezar, enfeitar, ornar. O decente é o que enfeita; o indecente enfeia. Daí a expressão “decoro
parlamentar” (a conduta individual exemplar que se espera dos políticos), cuja “quebra” implica enfeiar
a dignidade de seu cargo, conspurcar, deslustrar a beleza de seu posto.
Não há nada mais belo e sublime do que aquilo que é decente aos olhos de Deus; e nada mais
horroroso e nauseante do que a quebra da decência perante Deus.
Sl 96: 9; 1 Cr 16: 29  Valorar a santidade como bela é reconhecer que os princípios e a vontade
de Deus são deleitáveis (Sl 37:4) e dignos de ser ardentemente desejados e vividos. Isso só é possível
porque a encarnação uniu céu e terra numa mesma dimensão de existência humana. O divino e o humano
formam uma unidade em Cristo e consequentemente no cristão que é renascido para Ele.
A verdade é que santidade como conceito não faz sentido para um mundo pós-moderno. O que as
pessoas querem ver é que diferença a experiência da santidade faz na nossa vida.
Como pode a absoluta inversão dos valores pós-modernos (hedonismo, individualismo,
relativismo, materialismo, consumismo), que João bem resumiu em 1 Jo 2:15-17, levar o homem à
plenitude de vida? As experiências de Moisés (Hb 13:24-27) e Daniel (Dn 1:8) jamais funcionariam na
teoria: só funcionam na prática.
O que aconteceu com a nossa percepção do Evangelho é que nós o reduzimos a uma proclamação
verbal. O que causa escândalo no Areópago em Atenas é que fica claro que Paulo não traz mais um
discurso, mais uma filosofia. Ele diz “o homem ressuscitou: está vivo!” Se ele está vivo, não é mais um
discurso, é a afirmação de um fato. E Ele deve estar vivo em mim!
“O evangelho é a superação da religião. Não é adesão a dogmas, mas relação mística com o Deus
revelado em Jesus; não é celebrado em ritos, mas na dinâmica do Espírito que faz da vida toda uma festa
para a glória de Deus; não se restringe a observação de regras comportamentais, mas se estabelece a partir
de uma profunda transformação do ser humano, que é arrancado de si mesmo na direção de Deus e
consequentemente de seu próximo em amor.”
5
Diz Stott em Os Desafios da Liderança Cristã: “A base de uma boa relação é o respeito, e o respeito baseia-se no valor. (...) O
valor das pessoas não se mede por sua profissão ou por sua agradável personalidade, por sua posição social, pelo tamanho de
sua casa ou carro. O valor humano é intrínseco. Esta é uma diferença básica entre a mentalidade crista e a mentalidade secular,
que afeta muito profundamente os relacionamentos entre as pessoas.”
Download