PASSAGEM DA 4.ª PARA A 5.ª SÉRIE DO ENSINO

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PASSAGEM DA 4.ª PARA A 5.ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL
Paula Geron Saiz
Ir. Simone Cristina Machado
Vera Lucia Araujo∗
Orientadora: Profª. Ms. Alboni M. D. P. Vieira∗∗
A conclusão da quarta série do ensino fundamental representa um marco na
história educativa de muitos alunos, gerando uma série de expectativas em relação à
nova fase a ser iniciada: a quinta série. A metodologia de ensino, os conteúdos, o
relacionamento entre professores e alunos, destes entre si e com os demais
componentes da dinâmica escolar – orientadores e funcionários – sofrem alterações
significativas.
Por meio de observações do cotidiano escolar foi possível perceber a
mudança de atitudes sócio-comportamentais e educacionais dos alunos da quinta
série do ensino fundamental. Nasceu, então, o interesse em buscar dados referentes
a esta realidade, representada pelo Professor Joseph Razouk Júnior como a
“síndrome da quinta série” (2001).
Este texto é uma síntese de um projeto de pesquisa, realizado por alunas de
Pedagogia da PUCPR, sobre a passagem da 4.ª para a 5.ª série do ensino
fundamental do ponto de vista psicossocial e suas implicações no cotidiano escolar.
Procurou-se verificar de que forma as expectativas e as influências psicossociais
trazidas pelo aluno na passagem da quarta para a quinta série do ensino
fundamental podem refletir em seu comportamento e quais são os possíveis meios
para trabalhar esta realidade. O objetivo da pesquisa foi verificar os aspectos
∗
Alunas do 2.º período do Curso de Pedagogia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. 2.º
semestre de 2004.
∗∗
Professora do Curso de Pedagogia e do Curso de Formação de Professores, Pontifícia Universidade Católica
do Paraná – PUCPR – Orientadora do trabalho.
1433
psicossociais presentes na “passagem” e suas possíveis interferências no cotidiano
escolar.
Acredita-se que a reflexão sobre estas questões pode oferecer subsídios
para que professores, orientadores pedagógicos, pais e os próprios alunos
entendam melhor este período de transição, suas características e suas possíveis
implicações em eventuais mudanças comportamentais. Pensa-se também que a
partir desta pesquisa poderão ser formuladas futuramente, estratégias de ação para
trabalhar com a chamada “síndrome da quinta série”.
No desenvolvimento deste texto não serão abordadas profundamente
questões teóricas, dando-se ênfase sobre os resultados obtidos com a pesquisa
realizada no ano de 2004.
A PESQUISA DE CAMPO
Por meio da pesquisa realizada buscou-se identificar as características do
processo de ensino aprendizagem em ambas as séries, verificar os aspectos
psicológicos e sociais dos alunos durante elas, bem como elencar as expectativas
que os alunos tinham na quarta série e relacioná-las com a realidade vivenciada na
quinta série.
O universo desse trabalho foi uma escola particular de cunho religioso
católico localizada na cidade de Curitiba, que atende aproximadamente 600 alunos
de Educação Infantil (Maternal 1 a Jardim III) ao Ensino Fundamental (1.ª- 8.ª
séries), sendo que no período da manhã atende-se de 1ª a 8ª série e no período da
tarde de maternal a 5ª série.
1434
Realizaram-se observações do cotidiano escolar de três turmas: a 4.ª e a
5.ª séries do período da manhã e a 4.ª série da tarde. Outra turma de 5.ª série, do
período da tarde ,serviu como fonte para observações e entrevistas. Foram ouvidos
20 alunos, sendo que 14 destes responderam questionários sobre as expectativas
que mantinham quanto à 5.ª série quando cursavam a 4.ª série em 2003,
proporcionando assim a coleta de dados e permitindo a relação entre o esperado e o
vivenciado nesta série. Os outros 6 alunos foram escolhidos pela equipe
pesquisadora por constituírem um grupo heterogêneo e relevante por seus
comportamentos em sala. Realizou-se também entrevista com o orientador
educacional de uma instituição de Curitiba que escreveu sobre o assunto.
A opinião e concepção dos professores da turma pesquisada e das
professoras da 4.ª série foi obtida mediante aplicação de questionários. Ao todo
aplicaram-se 13 questionários, sendo todos devolvidos, subdivididos da seguinte
forma: 3 questionários das professoras de 4.ª série e 10 dos professores que
lecionam de 5.ª a 8.ª série, sendo que os que responderem o questionário são os
professores da 5.ª série, que forneceu conteúdo prático para fundamentar esta
pesquisa.
APRECIAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Os dados coletados foram organizados segundo os objetivos da pesquisa e
fundamentados nos princípios sociais e cognitivos que interferem no cotidiano
escolar, na visão dos seguintes autores: Piaget (1972; 1983), Erikson (1971) Novaes
(1970) e Campos (1975) Razouk (2000). Assim, os resultados serão divididos nos
seguintes tópicos:
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- Processo de ensino aprendizagem na 4.ª e 5.ª séries;
- Aspectos psicológicos e sociais dos alunos durante estas séries;
- Expectativas que os alunos tinham na 4.ª série em confronto com a realidade
vivenciada na 5.ª série.
-
PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM:
Os dados obtidos nas entrevistas com os alunos e nos questionários com
professoras levaram aos seus entendimentos sobre ensino, metodologia e recursos,
que são pontos essenciais no processo de aprendizagem.
Para alguns alunos a 5.ª série é o momento do recomeço, onde se ignora o
processo percorrido e inicia uma nova etapa diferente e separada da que acontecia
até o momento presente. Vale destacar o posicionamento do aluno Q, quando fala
do que gosta na 5.ª série: “... a 5.ª série é como a primeira série do começo, bem
diferente.”
Tal pensamento também foi enunciado pela professora B da 4. ª série, ao
falar: “É uma passagem de transformação, pois é o mesmo “choque” que a criança
leva quando sai da pré-escola e passa para o Ensino Fundamental”.
Essa característica de recomeço apresenta a tendência de um ensino
fragmentado, onde cada etapa é tratada de maneira particular, apresentando uma
certa dualidade, comentada com ênfase pelo Professor Razouk, em entrevista para
a equipe pesquisadora, quando afirma:
A escola trabalhar com projeto participativo, acho que isso é uma questão
importantíssima no contexto da escola, ela não estabelecer uma diferença
hierárquica de importância de 1.ª a 4.ª ou de 5.ª a 8.ª série e sim respeitar
as diferenças necessárias para cada fase desse nível de ensino, mas
lembrar assim: o nível de ensino é o mesmo de 1.ª a 8.ª série, esse é o
nível de ensino. É um nível de ensino que está dimensionado em 8 anos
por uma questão didática, até respeitando as fases de desenvolvimento da
criança, mas também uma questão didática porque tem que separar tudo
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que precisa ser trabalhado num tempo e esse tempo foi passado em 8
anos, então a escola não pode estabelecer essa dicotomia entre a 1.ª a 4.ª
e 5.ª a 8.ª série. (RAZOUK, 2004)
Tendo presente a realidade da 5.ª série constata-se a necessidade de
auxiliar os educandos a passar por esta fase com tranqüilidade, pois o simples fato
de deixar a 4.ª série e ingressar em uma nova fase de estudos já é causa de
desequilíbrio, e uma das grandes dificuldades apresentadas pelas crianças nesta
mudança é a adaptação com o novo, como pode-se perceber nos depoimentos dos
educandos ao responder às perguntas: O que acontecia na 4.ª série que você
gostaria que acontecesse na 5.ª série? E o que você não gosta na 5.ª série ?
“Que os conteúdos fossem mais fáceis”.(“T”)
Ciências, História e Geografia. Não tem mais aquela liberdade. Na 4.ª série
tinha recuperação e agora não tem. Não tem aquele apoio pedagógico que
a gente tinha na 4.ª série, daí fica mais complicado, fica difícil. O professor
de H (matéria) não explica; a maioria das aulas são com transparências e
sempre na primeira aula é uma algazarra, porque todos estão indo ao
armário. Fica aquela baderna e ele explicando. Quando a sala fica calma
ele já falou e passa um monte de questões pra fazer sem a gente saber do
que ele está falando. É ruim. Na 4.ª série a professora passava bem pouca
coisa pra gente; a maioria era no livro. Dava jogos, brincadeiras, explicava
melhor. Na 5.ª série a professora de Y ( matéria) passa quatro vezes no
quadro e a gente tem de fazer para ela dar visto. É muita tarefa, muito
complicado. É difícil porque a gente está acostumada com um professor e
vai para dez, isso porque a professora de P (Matéria) e Desenho
Geométrico é a mesma, se não seriam onze professores (“L”).
Os professores demonstram conhecer esta mudança quando interrogados
sobre a passagem da 4.ª para 5.ª série:
“É um período difícil, de total mudança de hábitos e costumes”. (A)
Sempre é uma mudança. Acho que é positiva. Não penso que a gente
precise amenizar demais esta mudança, é preciso que eles sintam e
pensem sobre. (B)
É uma etapa de transformação acima de tudo de responsabilidade, onde a
maturidade será cobrada durante toda a 5.ª série até o resto de suas vidas.
É uma passagem difícil, pois é uma mudança drástica para quem estava
acostumado com uma única professora. (E)
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É uma questão de adaptação a nova situação: vários professores e
disciplinas. Há uma ansiedade grande por parte dos educandos. Falta, às
vezes, um apoio familiar que acham que o filho passando para a 5ª série
não precisa mais de acompanhamento.(G)
Com isso constata-se que apesar de conflitiva é uma fase necessária para o
amadurecimento dos educandos e a relação que estabelecem com os professores é
definitiva para encaminhar e auxiliar o desenvolvimento dos mesmos. Tal relação se
manifesta da seguinte forma:
...o que mais marca mesmo as crianças, primeiro de tudo e a relação dela
com o professor é outra totalmente diferente. Eu não sei dizer ainda, pelo
menos, se o professor de 4.ª série que vai mantendo um maternalismo
excessivo, ou paternalismo excessivo, ou se são os professore de 5.ª série
que vão mantendo uma distância excessiva. (Razouk, 2004)
Outra questão fundamental neste processo é a forma de trabalho utilizada
por cada professor, pois até a 4.ª série, a presença de uma única professora em sala
é fonte de segurança, pois a metodologia que utiliza é a mesma, o que não acontece
na 5.ª série, uma vez que cada professor possui uma forma de trabalho até mesmo
concepções diversas sobre a metodologia, como se percebe nas respostas sobre
qual a metodologia utilizam:
“Procuro abranger todas as formas de aula possíveis, estimulando os dons
e aptidões dos alunos e a interação”. (B)
“Sou um professor que não gosto de bagunça, gosto da participação de
todos nas aulas, sou participativo e exigente”.(C)
“Aulas práticas e teóricas, que através de exercícios desenvolvam o
raciocínio dos conceitos da disciplina X.” (D)
“Varia de acordo com o público, o tema e o objetivo a ser trabalhado.”(E)
“Leituras, dramatizações, explicações orais, laboratório de informática...” (F)
Sempre que possível o uso de materiais alternativos para que o educando
construa o conceito. Também através de questionamentos, diálogo,
interação entre os educandos (atividades em dupla) e informática. (H)
Interativa. Procuro estabelecer paralelos entre a História da Arte em seus
períodos com atividades práticas, além de situações de vivências cotidianas
dos alunos. (I)
1438
Essa diferença provoca nos alunos dificuldade para compreender o
conteúdo e o processo utilizado por cada professor ao transmiti-lo, pois os alunos
não vêem que na maioria das vezes cada conteúdo pressupõe uma forma própria de
trabalho:
No colégio da minha amiga, desde a 3.ª série tem doze professores, mas eu
acho que deveria ter um só professor. Seria melhor porque seria sempre o
mesmo jeito de explicar as matérias e assim, mais fácil de entender. O
colégio poderia ter uma apostila, que seria legal. (P)
Tais diferenças acontecem porque cada professor está preocupado com sua
matéria, possui exigências e critérios próprios de avaliação, desconectado do todo
que abrange a vida escolar do aluno, o que proporciona o descontentamento, com o
excesso de atividades, caracterizado nas falas sobre o que não gostam:
Duas provas no mesmo dia, porque se for matéria parecida você se
confunde, mas até agora só teve de matérias bem diferentes. (F)
“De muitos trabalhos”. (J)
“Não gosto quando tem muita tarefa, muita lição para casa”. (S)
“Quando os professores dão muitas atividades no quadro é ruim ficar
copiando muita coisa”. (O)
Outro fato importante que dificulta o entendimento dos alunos, quanto a
determinadas metodologias podem ser evidenciadas na Teoria de Piaget (1972, p.
23), quando fala da sucessão dos estágios. Percebe-se que muitos educandos estão
ainda no estágio operatório concreto, proporcionando assim uma preferência por
disciplinas que utilizam materiais concretos e uma aversão às disciplinas que
envolvem subjetividade, como se pode perceber na fala:
“Gosto de educação física, desenho geométrico e geografia. Não gosto de
História”. (T)
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Isso é evidenciado também na fala do professor J: “Eles gostam muito do
concreto. Trabalhar com situações palpáveis. Sempre demonstram interesse.”
Para amenizar e até mesmo evitar esses conflitos existentes na metodologia
no que se refere ao processo de ensino aprendizagem, pode-se seguir a sugestão
do professor Razouk (2004) de aproximar o corpo docente de 4.ª e 5.ª série:
...a escola pode se organizar dessa maneira, dentro de 1.ª 2ª fase do
ensino fundamental deve haver essa integração mais plena, não é assim
eu sentar com o professor de 4.ª série e fazer um repasse, quer dizer, a
professora da 4.ª série me passa exatamente como é que era: o Joãozinho
era bonzinho, Mariazinha tinha dificuldade em matemática, a Heleninha
tinha isso... Não, isso não adianta anda, isso vai detectar e isso era lá
naquela fase da 4.ª série não quer dizer que agora é assim na 5.ª série,
mas é passar realmente as características de comportamento, o que eles
gostam, como é que essa turma rendia melhor, qual o horário, por
exemplo, que essa turma tenha o melhor rendimento, após que atividades
que eles ficavam mais indisciplinados ou mais agitados. Tudo isso o
professor tem que ir montando um mapeamento, o professor da 5.ª série,
para não cometer as mesmas questões e pegar realmente aquilo que dava
certo e ir trabalhando, incentivando para que as crianças vão crescendo.
Verifica-se desta forma a importância do papel da escola como intermediária
nas relações do corpo docente e na construção do conhecimento.
ASPECTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS DOS ALUNOS:
No que se refere à idade escolar da Teoria Psicossocial de Erikson (1971, p.
238-240), marcada pelo início do contato com o trabalho e com as exigências
produtivas do mundo adulto, nota-se a preocupação dos estudantes com a execução
dos trabalhos e com o sucesso nas provas, fazendo até mesmo com que eles não
gostem da 5.ª série por esses motivos: “Não gosto de muitos trabalhos” , diz o aluno
J. “Duas provas no mesmo dia”, segundo o estudante K. ”É muito corrido. Você tem
que estudar bastante para uma prova, depois outra no outro dia. Com isso quase
não sobra tempo para o lazer.’ , na fala do estudante Q.
1440
Com isso busca-se desenvolver a autonomia e a responsabilidade dos
alunos frentes às novas exigências da 5. ª série. Entretanto, como coloca o professor
Razouk a escola deve buscar a formação, além da informação, desde a Educação
Infantil, contrariando a idéia
de que é a partir da 5.ª série que deve haver
responsabilidade:
(...)a família acha que agora é a hora de levar a coisa a sério. Então, até a
4.ª série não era, agora é! Até a 4.ª série qualquer escola serve, qualquer
ensino serve porque é só para brincar, para aprender as coisas básicas!
Esse é um erro dos maiores que poderia existir. A escola mais importante
teria que ser a de Educação Infantil, a 2.ª mais importante a de 1.ª a 4.ª e
assim perdendo o seu grau de importância porque automaticamente são
períodos assim, bastante formativos, onde a informação aparece mas
aparece também, muito mais forte, a questão da formação, quer dizer,
formação e informação acabam caminhando juntas. E à medida que a
criança vai crescendo, vai se tornando mais autônoma, adolescente e até
chegar na vida adulta, a questão da informação ela já consegue buscar
sozinha, mas precisa ter respaldo da formação que ficou lá atrás, que teria
que ter acontecido na educação infantil e de 1.ª a 4.ª. (RAZOUK, 2004).
Este ato de criar responsabilidade está presente nas respostas dos
professores sobre quais requisitos consideram necessários para ingressar na 5.ª
série:
Conhecer os professores de cada disciplina, os critérios e sistemas de
avaliação. Ser participativo, ter consciência de seus atos e ser responsável
em suas atitudes e tarefas.(D)
“Responsabilidade (cumprimento das tarefas) é o principal requisito” (H)
Saber que vão ter outro tipo de atenção; a quantidade de professores, que
com uma é diferente; não se comportar mais como criança de 4.ª série. (G)
Entretanto, os alunos apresentam uma certa imaturidade no que se refere à
responsabilidade, ao comprometimento que é exigido deles, o que é evidenciado
quando questionados sobre o que acontecia na 4.ª série e gostariam que
acontecesse na 5.ª série, e sobre o que não gostam na 5.ª série:
“Que tivesse mais passeios, mais jogos, os professores não fossem tão
exigentes e o recreio maior”. (R)
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Eu gosto dos professores, principalmente da Professora H, porque cada
professor tem seu jeito de ensinar, mas é legal que a professora H ensina
brincando, ela não fica toda hora fazendo a mesma coisa, fica chato ficar
toda hora fazendo a mesma coisa. (A)
A partir destas falas nota-se que eles não querem ser chamados para a
responsabilidade e ainda manifestam uma tendência grande ao lúdico, à brincadeira,
o que leva uma situação evidenciada na fala:
(...) o tratamento que é dado é de um adulto em miniatura e é um
descompasso porque não é um adulto em miniatura, mas também não
pode ser aquele infantilóide de 1.ª série porque senão que contribuição a
escola está dando para essa criança avançar: nenhuma! (RAZOUK, 2004)
Da fase chamada por Erikson de Adolescência (1971, p. 241-242) e
caracterizada por Novaes (1970, p. 171) pela intencionalidade de socialização
identificam-se pelo menos três aspectos na fala dos alunos: o questionamento às
regras, a questão dos valores e a formação dos grupos e a rivalidade entre eles.
Ao chegar à 5.ª série as crianças apresentam uma tendência de contestar as
regras e os limites impostos pelo mundo adulto em uma tentativa de se firmarem
naquilo que acreditam como verdade. Um exemplo disso é a fala do aluno P: “Não
gosto do colégio porque tem muitas regras; não pode fazer nada. Por exemplo: não
pode correr no pátio. Diminuir as regras seria legal”.
Quanto aos valores o que aparece é a preocupação com a ordem em sala e a
obediência aos professores, o que se verifica nas falas:
“Desobediência com os professores, porque é falta de educação
desobedecer às pessoas mais velhas”.(M)
“Mudaria a atitude dos meus amigos, para não fazerem mais bagunça”.(E)
No que se refere aos grupos percebe-se que ao mesmo tempo que eles têm
a necessidade de estar juntos para criar identidade e fortalecer os vínculos afetivos a
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proximidade causa atrito entre eles, como podem ser nas falas sobre o que
mudariam na 5.ª série:
“Colocaria algumas pessoas, que estão estudando de manhã, na nossa
sala”. (G)
“Comentários dos meninos da sala. É muito chato, falam coisas ruins, muito
pesadas, brincadeiras. As meninas da sala, sendo patricinhas, são
chatas”.(G)
Tem alguns meninos que maliciam algumas coisas que a gente fala, tem um
menino que senta do meu lado e que não para um minuto quieto, fica
falando o tempo inteiro, acontece qualquer coisa e ele fica tirando sarro.
Não é legal isso na 5.ª série. Também a bagunça que predomina naquela
sala. (A)
“As meninas, porque qualquer coisa que você fala elas retrucam; elas ‘se
acham’, porque gostam sempre de rosa, tudo tem que ter rosa”.(P)
“Colocar mais aulas de Educação Física e trabalhos em dupla na
Informática”.(B)
A idéia de querer estar com mais pessoas e de interagir socialmente, tendo
assim novas experiências, é reforçada na constatação de que 55% dos alunos
entrevistados declararam gostar de ter vários professores. Verifica-se dessa forma
que, possivelmente, o que é cansativo para os alunos é o fato de que muitos
professores significa um maior número de trabalhos, de avaliação, de tarefas, etc. A
afeição aos professores está presente conforme as transcrições a seguir:
“Gosto dos professores que tenho...”.(E)
“Gosto dos novos professores e dos colegas. Porque é uma nova
experiência”.(G)
“Gosto de ter um professor de cada matéria. Porque a gente conhece
outros professores. É diferente como cada professor dá a sua aula”.(O)
“Gosto dos professores. Porque agora são mais e é mais legal”. (S)
Nota-se assim, que a convivência com vários professores é satisfatória, o
que não agrada são as exigências práticas decorrentes do convívio diário com
muitas disciplinas e suas peculiaridades.
1443
Nesse processo de adaptação ao convívio social e ao crescimento
emocional, pessoal e intelectual é de extrema importância a presença da família que
é considerada como o primeiro espaço de convívio social, no qual a criança irá
experimentar o sentido do “nós”, (REIS, 1987, p. 99). Isso irá despertá-la para a
necessidade de firmar-se como indivíduo, construir sua própria identidade e
vivenciar sua subjetividade.
Faz-se necessário compreender que a presença da família não significa
excessivas cobranças nem falta das mesmas, mas equilíbrio que possa contribuir
para a construção do senso de responsabilidade e o desenvolvimento de uma visão
positiva da criança em relação à escola. Portanto, as experiências que a criança tem
no âmbito familiar, principalmente o que é falado em determinadas situações, exerce
grande influência no desenvolvimento de atitudes e crenças. Foi possível constatar
isso por meio das respostas obtidas das crianças quando perguntadas sobre o que
seus pais dizem agora que estão na 5. ª série. Verificou-se que 70% dos alunos
entrevistados recebem esta influência como se vê nas falas:
Como eu tenho duas irmãs, eles falam que agora que estou na 5. ª série eu
tenho que dar o exemplo, que tenho que mostrar... Tenho que fazer um
monte de coisa, para as minhas irmãs aprenderem, eles falam também que
eu preciso tirar notas boas, ajudar as minhas irmãs, daí eu fico
sobrecarregada. (A)
“Meus pais dizem que eu tenho que me esforçar mais, porque a 5.ª série é
mais complicada que a 4.ª. Sempre tenho que passar de ano. Agora, tenho
que ir para a 6.ª, depois para a 7.ª”...(D)
Meus pais falam muito. Se eu não arrumar a cama, eles falam: ‘Você já está
na 5.ª série, já é mocinha!’ Qualquer coisa que eu faça, eles dizem: ‘Você já
é mocinha, tem que fazer isso, aquilo...’ No ano passado, quando eu estava
na 4.ª série minha mãe dizia assim: ‘Agora que você vai para a 5.ª série,
precisa ser organizada, fazer as lições corretas, sempre assim’ Agora, na
5.ª série, a gente forma um grupo de amigas, entra uma, sai outra, nada de
panelinha, pode entrar quem quiser. A gente pode passear na casa de
quem mora mais perto e ir passear no shopping sozinhas, é bem legal. Na
4.ª série minha mãe não deixava eu sair sozinha, dizia que eu era muito
pequena, que eu era muito criança. (R)
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“Quando eu estava na 4. ª série meus pais falavam que os estudos na 5. ª
série são todos novos e bem mais difícil. E é mesmo mais difícil, tem vários
professores”.(P)
No geral o conteúdo das respostas demonstra que a família considera a 5.ª
série difícil e para o Professor Razouk (2004) isso é expressado da seguinte forma:
no que está à dificuldade dos pais? Eles ficam vendo a 5. ª série de hoje
(não posso generalizar), mas a grande maioria, exatamente como
aprenderam quando era na 5. ª série e como eles também foram orientados
pelos seus pais quando estavam na 5. ª série (...). Eles trazem essa
angústia porque a criança hoje aprende de “n” outras maneiras que não só
daquela que os pais aprenderam. Eles acabam se perdendo (...) acabam se
entregando e dizendo que não sabem ensinar as crianças. Mas não é que
eles não sabem. Eles não sabem mais porque estão com o pé naquele jeito
lá da década de 80 dele, de 60 de seus pais .
Com o intuito de ajudar os pais nesse processo de transição, a instituição
pesquisada promoveu uma reunião entre os pais de alunos da 4. ª e os professores
que atuam na 5. ª dando oportunidade aos pais de conhecerem melhor a forma de
trabalho desenvolvido na 5. ª . Segundo a coordenadora da escola:
os pais precisam ter uma preocupação com o que falam em casa para não
passar um excesso de responsabilidade para a criança, do tipo:” agora não
olho mais sua agenda porque você está na 5.ª série“. É preciso valorizar a
independência, mas, sem deixar de lado o acompanhamento necessário.
Essa visão da escola de focalizar, junto com a família, a construção da
autonomia da criança, pode ser respaldada pela colocação do Professor Razouk
(2004) quando, comentando possíveis aspectos a serem contemplados nesse
momento de transição, argumentou: “(...) acho que trabalhar com a questão da
autonomia ajudaria, não sei se resolve, mas acho que ajudaria bastante”.
EXPECTATIVAS DOS ALUNOS NA 4.ª SÉRIE x REALIDADE VIVENCIADA NA 5.ª
SÉRIE
No presente momento apresentam-se os resultados do confronto entre
as expectativas que os alunos tinham sobre a 5.ª e a realidade vivenciada pelos
mesmos , quando na 5.ª série. Desse confronto percebe-se que:
1445
- Na 4.ª série o fator que mais dava alegria aos alunos eram os amigos que
faziam companhia nas atividades lúdicas e brincadeiras. Já na 5.ª série estes são
substituídos pela presença significativa dos professores, sendo que pelo menos um
deles é visto como o companheiro, devido ao maior número de professores,
permitindo ao aluno uma identificação.
- Quanto às expectativas que tinham para a 5.ª série são relevantes as
constatações de que este é um período de exigências e de desenvolvimento da
autonomia. Muitos alunos vêm para 5.ª série com o desejo de possuir um status
social, “o estar na 5.ª série”, e na prática descobrem que isso implica algumas
condições como: presença de muitos professores e conseqüentemente de
metodologias diferentes, trabalhos e provas e principalmente e a atenção dos
professores. A busca da autonomia cria uma certa ansiedade ao perceberem que há
atividades de que necessitam de atenção e também por enfrentarem as próprias
mudanças fisiológicas pela qual estão passando, e que muitas vezes não entendem,
o que acaba levando, em alguns casos, à indisciplina. Adquirir responsabilidade e
amadurecimento é um processo que leva tempo, exercício e muita força de vontade,
o que às vezes não é compreendido pelos alunos, que começam a sentir falta das
atividades lúdicas que tinham anteriormente.
- A análise das questões relativas às dificuldades encontradas pelos
educandos pesquisados na 4.ª série podem ser causa das resistências
apresentadas na 5.ª série, segundo os motivos apresentados quando questionados
sobre o que não gostam nesta série. Na 4.ª série a maior e a maior dificuldade
encontrada está em relação aos conteúdos, talvez isso possa ser evidenciado pela
falta de responsabilidade e disciplina, resultando em notas baixas. Já na 5.ª série
estes fatores aumentam, pois não aceitam muitos limites. Os conteúdos continuam
1446
sendo uma dificuldade, no entanto, a preocupação maior está no resultado
alcançado nas notas de provas e trabalhos.
Os medos apresentados ao final da 4.ª série estão relacionados à realização
pessoal, aspiram ter responsabilidade, ser bom aluno e apresentar autonomia para
questionar e participar das aulas, mas ao mesmo tempo preocupam-se com os
resultados das notas, da aquisição de conteúdos e provas. Estando na 5.ª série
estes medos diminuem à medida que passam a se preocupar com a busca de
valores e interesses próprios, o desejo de mudar a atitudes de alguns colegas, de
aumentar o número de aulas que fazem parte de seu gosto pessoal e também de
mudar a atitude e metodologia de alguns professores, assim como a duração do
recreio.
Fato importante se dá ao constatar a influência da família neste período de
transição, considerando as respostas recebidas sobre o que a família diz em relação
a 5.ª série, quando ainda estavam na 4.ª série é possível constatar que a grande
maioria transmite às crianças a concepção de que a 5.ª série é difícil, diferente das
outras séries e que é necessário desenvolver uma autonomia responsável. O que
não muda muito na 5.ª série, onde vêm as cobranças de boas notas, de
responsabilidade e até mesmo dos resultados de aprovação, apenas 8%
apresentam esta série como uma igual as demais.
A partir da análise do que a família dizia sobre a 5.ª série quando estavam
na 4.ª fica evidenciada a importância de um envolvimento mais efetivo da família
nesse processo de transição, pois 50% se mostraram neutros o que significa dizer
que eles não dão uma contribuição efetiva para a passagem.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa foi realizada com o objetivo de responder a questões centrais
que envolvem a passagem da 4.ª para a 5.ª série do ensino fundamental. Baseou-se
no levantamento das expectativas e influências psicossociais apresentadas pelos
alunos de uma turma de 5.ª série, do período da tarde, de uma instituição particular
de cunho confessional católico da cidade de Curitiba.
Buscou-se através de questionários com professores de 4.ª e 5.ª séries,
entrevistas com alunos da 5.ª série e com um professor, de outra instituição,
interessado pelo assunto, levantar dados que apresentassem o processo de ensinoaprendizagem nestas séries e as expectativas dos alunos quando estavam na 4.ª
em confronto com a realidade agora que se encontram na 5.ª série.
Os dados obtidos, analisados à luz do referencial teórico apontam para
considerações referentes a: dualidade, comportamentos em sala e influências do
meio social e possíveis meios para trabalhar esta realidade.
Quanto à dualidade percebeu-se que a escola apresenta a 5.ª série como
uma continuidade do processo educativo, entretanto, na prática pedagógica ela se
constitui como o começo de uma nova fase, o que é confirmado pela fala dos
alunos. Tal realidade influi diretamente na adaptação dos mesmos.
Quanto aos comportamentos verificou-se que os alunos não estão
suficientemente maduros para responder às exigências próprias desta fase uma vez
que muitos ainda encontram-se no estágio operatório-concreto. Existe, porém a
consciência da necessidade de se manter a ordem em sala o que significa que
certos comportamentos são apresentados mais em função da personalidade e dos
valores pessoais do que do fato de estarem na 5.ª série. Também percebeu-se que
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é grande a influência do que dizem os pais nas representações trazidas por alguns
alunos.
A necessidade de se buscar meios para trabalhar as questões inerentes a
esta transição foi evidenciada em todos os âmbitos pesquisados - professores,
alunos, gestão escolar - sendo que a aproximação do corpo docente, de 4.ª e 5.ª
série, e a participação da família dentro do processo, foram propostos como
possíveis soluções. É valido ressaltar que a instituição pesquisada já está realizando
ações neste sentido.
A partir destas considerações foi possível constatar que há o reflexo das
influências psicossociais no cotidiano escolar, entretanto, este não se configura no
fator decisivo que norteia os comportamentos apresentados pelos educandos.
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