PASSAGEM DA 4.ª PARA A 5.ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL Paula Geron Saiz Ir. Simone Cristina Machado Vera Lucia Araujo∗ Orientadora: Profª. Ms. Alboni M. D. P. Vieira∗∗ A conclusão da quarta série do ensino fundamental representa um marco na história educativa de muitos alunos, gerando uma série de expectativas em relação à nova fase a ser iniciada: a quinta série. A metodologia de ensino, os conteúdos, o relacionamento entre professores e alunos, destes entre si e com os demais componentes da dinâmica escolar – orientadores e funcionários – sofrem alterações significativas. Por meio de observações do cotidiano escolar foi possível perceber a mudança de atitudes sócio-comportamentais e educacionais dos alunos da quinta série do ensino fundamental. Nasceu, então, o interesse em buscar dados referentes a esta realidade, representada pelo Professor Joseph Razouk Júnior como a “síndrome da quinta série” (2001). Este texto é uma síntese de um projeto de pesquisa, realizado por alunas de Pedagogia da PUCPR, sobre a passagem da 4.ª para a 5.ª série do ensino fundamental do ponto de vista psicossocial e suas implicações no cotidiano escolar. Procurou-se verificar de que forma as expectativas e as influências psicossociais trazidas pelo aluno na passagem da quarta para a quinta série do ensino fundamental podem refletir em seu comportamento e quais são os possíveis meios para trabalhar esta realidade. O objetivo da pesquisa foi verificar os aspectos ∗ Alunas do 2.º período do Curso de Pedagogia, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR. 2.º semestre de 2004. ∗∗ Professora do Curso de Pedagogia e do Curso de Formação de Professores, Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Orientadora do trabalho. 1433 psicossociais presentes na “passagem” e suas possíveis interferências no cotidiano escolar. Acredita-se que a reflexão sobre estas questões pode oferecer subsídios para que professores, orientadores pedagógicos, pais e os próprios alunos entendam melhor este período de transição, suas características e suas possíveis implicações em eventuais mudanças comportamentais. Pensa-se também que a partir desta pesquisa poderão ser formuladas futuramente, estratégias de ação para trabalhar com a chamada “síndrome da quinta série”. No desenvolvimento deste texto não serão abordadas profundamente questões teóricas, dando-se ênfase sobre os resultados obtidos com a pesquisa realizada no ano de 2004. A PESQUISA DE CAMPO Por meio da pesquisa realizada buscou-se identificar as características do processo de ensino aprendizagem em ambas as séries, verificar os aspectos psicológicos e sociais dos alunos durante elas, bem como elencar as expectativas que os alunos tinham na quarta série e relacioná-las com a realidade vivenciada na quinta série. O universo desse trabalho foi uma escola particular de cunho religioso católico localizada na cidade de Curitiba, que atende aproximadamente 600 alunos de Educação Infantil (Maternal 1 a Jardim III) ao Ensino Fundamental (1.ª- 8.ª séries), sendo que no período da manhã atende-se de 1ª a 8ª série e no período da tarde de maternal a 5ª série. 1434 Realizaram-se observações do cotidiano escolar de três turmas: a 4.ª e a 5.ª séries do período da manhã e a 4.ª série da tarde. Outra turma de 5.ª série, do período da tarde ,serviu como fonte para observações e entrevistas. Foram ouvidos 20 alunos, sendo que 14 destes responderam questionários sobre as expectativas que mantinham quanto à 5.ª série quando cursavam a 4.ª série em 2003, proporcionando assim a coleta de dados e permitindo a relação entre o esperado e o vivenciado nesta série. Os outros 6 alunos foram escolhidos pela equipe pesquisadora por constituírem um grupo heterogêneo e relevante por seus comportamentos em sala. Realizou-se também entrevista com o orientador educacional de uma instituição de Curitiba que escreveu sobre o assunto. A opinião e concepção dos professores da turma pesquisada e das professoras da 4.ª série foi obtida mediante aplicação de questionários. Ao todo aplicaram-se 13 questionários, sendo todos devolvidos, subdivididos da seguinte forma: 3 questionários das professoras de 4.ª série e 10 dos professores que lecionam de 5.ª a 8.ª série, sendo que os que responderem o questionário são os professores da 5.ª série, que forneceu conteúdo prático para fundamentar esta pesquisa. APRECIAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Os dados coletados foram organizados segundo os objetivos da pesquisa e fundamentados nos princípios sociais e cognitivos que interferem no cotidiano escolar, na visão dos seguintes autores: Piaget (1972; 1983), Erikson (1971) Novaes (1970) e Campos (1975) Razouk (2000). Assim, os resultados serão divididos nos seguintes tópicos: 1435 - Processo de ensino aprendizagem na 4.ª e 5.ª séries; - Aspectos psicológicos e sociais dos alunos durante estas séries; - Expectativas que os alunos tinham na 4.ª série em confronto com a realidade vivenciada na 5.ª série. - PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM: Os dados obtidos nas entrevistas com os alunos e nos questionários com professoras levaram aos seus entendimentos sobre ensino, metodologia e recursos, que são pontos essenciais no processo de aprendizagem. Para alguns alunos a 5.ª série é o momento do recomeço, onde se ignora o processo percorrido e inicia uma nova etapa diferente e separada da que acontecia até o momento presente. Vale destacar o posicionamento do aluno Q, quando fala do que gosta na 5.ª série: “... a 5.ª série é como a primeira série do começo, bem diferente.” Tal pensamento também foi enunciado pela professora B da 4. ª série, ao falar: “É uma passagem de transformação, pois é o mesmo “choque” que a criança leva quando sai da pré-escola e passa para o Ensino Fundamental”. Essa característica de recomeço apresenta a tendência de um ensino fragmentado, onde cada etapa é tratada de maneira particular, apresentando uma certa dualidade, comentada com ênfase pelo Professor Razouk, em entrevista para a equipe pesquisadora, quando afirma: A escola trabalhar com projeto participativo, acho que isso é uma questão importantíssima no contexto da escola, ela não estabelecer uma diferença hierárquica de importância de 1.ª a 4.ª ou de 5.ª a 8.ª série e sim respeitar as diferenças necessárias para cada fase desse nível de ensino, mas lembrar assim: o nível de ensino é o mesmo de 1.ª a 8.ª série, esse é o nível de ensino. É um nível de ensino que está dimensionado em 8 anos por uma questão didática, até respeitando as fases de desenvolvimento da criança, mas também uma questão didática porque tem que separar tudo 1436 que precisa ser trabalhado num tempo e esse tempo foi passado em 8 anos, então a escola não pode estabelecer essa dicotomia entre a 1.ª a 4.ª e 5.ª a 8.ª série. (RAZOUK, 2004) Tendo presente a realidade da 5.ª série constata-se a necessidade de auxiliar os educandos a passar por esta fase com tranqüilidade, pois o simples fato de deixar a 4.ª série e ingressar em uma nova fase de estudos já é causa de desequilíbrio, e uma das grandes dificuldades apresentadas pelas crianças nesta mudança é a adaptação com o novo, como pode-se perceber nos depoimentos dos educandos ao responder às perguntas: O que acontecia na 4.ª série que você gostaria que acontecesse na 5.ª série? E o que você não gosta na 5.ª série ? “Que os conteúdos fossem mais fáceis”.(“T”) Ciências, História e Geografia. Não tem mais aquela liberdade. Na 4.ª série tinha recuperação e agora não tem. Não tem aquele apoio pedagógico que a gente tinha na 4.ª série, daí fica mais complicado, fica difícil. O professor de H (matéria) não explica; a maioria das aulas são com transparências e sempre na primeira aula é uma algazarra, porque todos estão indo ao armário. Fica aquela baderna e ele explicando. Quando a sala fica calma ele já falou e passa um monte de questões pra fazer sem a gente saber do que ele está falando. É ruim. Na 4.ª série a professora passava bem pouca coisa pra gente; a maioria era no livro. Dava jogos, brincadeiras, explicava melhor. Na 5.ª série a professora de Y ( matéria) passa quatro vezes no quadro e a gente tem de fazer para ela dar visto. É muita tarefa, muito complicado. É difícil porque a gente está acostumada com um professor e vai para dez, isso porque a professora de P (Matéria) e Desenho Geométrico é a mesma, se não seriam onze professores (“L”). Os professores demonstram conhecer esta mudança quando interrogados sobre a passagem da 4.ª para 5.ª série: “É um período difícil, de total mudança de hábitos e costumes”. (A) Sempre é uma mudança. Acho que é positiva. Não penso que a gente precise amenizar demais esta mudança, é preciso que eles sintam e pensem sobre. (B) É uma etapa de transformação acima de tudo de responsabilidade, onde a maturidade será cobrada durante toda a 5.ª série até o resto de suas vidas. É uma passagem difícil, pois é uma mudança drástica para quem estava acostumado com uma única professora. (E) 1437 É uma questão de adaptação a nova situação: vários professores e disciplinas. Há uma ansiedade grande por parte dos educandos. Falta, às vezes, um apoio familiar que acham que o filho passando para a 5ª série não precisa mais de acompanhamento.(G) Com isso constata-se que apesar de conflitiva é uma fase necessária para o amadurecimento dos educandos e a relação que estabelecem com os professores é definitiva para encaminhar e auxiliar o desenvolvimento dos mesmos. Tal relação se manifesta da seguinte forma: ...o que mais marca mesmo as crianças, primeiro de tudo e a relação dela com o professor é outra totalmente diferente. Eu não sei dizer ainda, pelo menos, se o professor de 4.ª série que vai mantendo um maternalismo excessivo, ou paternalismo excessivo, ou se são os professore de 5.ª série que vão mantendo uma distância excessiva. (Razouk, 2004) Outra questão fundamental neste processo é a forma de trabalho utilizada por cada professor, pois até a 4.ª série, a presença de uma única professora em sala é fonte de segurança, pois a metodologia que utiliza é a mesma, o que não acontece na 5.ª série, uma vez que cada professor possui uma forma de trabalho até mesmo concepções diversas sobre a metodologia, como se percebe nas respostas sobre qual a metodologia utilizam: “Procuro abranger todas as formas de aula possíveis, estimulando os dons e aptidões dos alunos e a interação”. (B) “Sou um professor que não gosto de bagunça, gosto da participação de todos nas aulas, sou participativo e exigente”.(C) “Aulas práticas e teóricas, que através de exercícios desenvolvam o raciocínio dos conceitos da disciplina X.” (D) “Varia de acordo com o público, o tema e o objetivo a ser trabalhado.”(E) “Leituras, dramatizações, explicações orais, laboratório de informática...” (F) Sempre que possível o uso de materiais alternativos para que o educando construa o conceito. Também através de questionamentos, diálogo, interação entre os educandos (atividades em dupla) e informática. (H) Interativa. Procuro estabelecer paralelos entre a História da Arte em seus períodos com atividades práticas, além de situações de vivências cotidianas dos alunos. (I) 1438 Essa diferença provoca nos alunos dificuldade para compreender o conteúdo e o processo utilizado por cada professor ao transmiti-lo, pois os alunos não vêem que na maioria das vezes cada conteúdo pressupõe uma forma própria de trabalho: No colégio da minha amiga, desde a 3.ª série tem doze professores, mas eu acho que deveria ter um só professor. Seria melhor porque seria sempre o mesmo jeito de explicar as matérias e assim, mais fácil de entender. O colégio poderia ter uma apostila, que seria legal. (P) Tais diferenças acontecem porque cada professor está preocupado com sua matéria, possui exigências e critérios próprios de avaliação, desconectado do todo que abrange a vida escolar do aluno, o que proporciona o descontentamento, com o excesso de atividades, caracterizado nas falas sobre o que não gostam: Duas provas no mesmo dia, porque se for matéria parecida você se confunde, mas até agora só teve de matérias bem diferentes. (F) “De muitos trabalhos”. (J) “Não gosto quando tem muita tarefa, muita lição para casa”. (S) “Quando os professores dão muitas atividades no quadro é ruim ficar copiando muita coisa”. (O) Outro fato importante que dificulta o entendimento dos alunos, quanto a determinadas metodologias podem ser evidenciadas na Teoria de Piaget (1972, p. 23), quando fala da sucessão dos estágios. Percebe-se que muitos educandos estão ainda no estágio operatório concreto, proporcionando assim uma preferência por disciplinas que utilizam materiais concretos e uma aversão às disciplinas que envolvem subjetividade, como se pode perceber na fala: “Gosto de educação física, desenho geométrico e geografia. Não gosto de História”. (T) 1439 Isso é evidenciado também na fala do professor J: “Eles gostam muito do concreto. Trabalhar com situações palpáveis. Sempre demonstram interesse.” Para amenizar e até mesmo evitar esses conflitos existentes na metodologia no que se refere ao processo de ensino aprendizagem, pode-se seguir a sugestão do professor Razouk (2004) de aproximar o corpo docente de 4.ª e 5.ª série: ...a escola pode se organizar dessa maneira, dentro de 1.ª 2ª fase do ensino fundamental deve haver essa integração mais plena, não é assim eu sentar com o professor de 4.ª série e fazer um repasse, quer dizer, a professora da 4.ª série me passa exatamente como é que era: o Joãozinho era bonzinho, Mariazinha tinha dificuldade em matemática, a Heleninha tinha isso... Não, isso não adianta anda, isso vai detectar e isso era lá naquela fase da 4.ª série não quer dizer que agora é assim na 5.ª série, mas é passar realmente as características de comportamento, o que eles gostam, como é que essa turma rendia melhor, qual o horário, por exemplo, que essa turma tenha o melhor rendimento, após que atividades que eles ficavam mais indisciplinados ou mais agitados. Tudo isso o professor tem que ir montando um mapeamento, o professor da 5.ª série, para não cometer as mesmas questões e pegar realmente aquilo que dava certo e ir trabalhando, incentivando para que as crianças vão crescendo. Verifica-se desta forma a importância do papel da escola como intermediária nas relações do corpo docente e na construção do conhecimento. ASPECTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS DOS ALUNOS: No que se refere à idade escolar da Teoria Psicossocial de Erikson (1971, p. 238-240), marcada pelo início do contato com o trabalho e com as exigências produtivas do mundo adulto, nota-se a preocupação dos estudantes com a execução dos trabalhos e com o sucesso nas provas, fazendo até mesmo com que eles não gostem da 5.ª série por esses motivos: “Não gosto de muitos trabalhos” , diz o aluno J. “Duas provas no mesmo dia”, segundo o estudante K. ”É muito corrido. Você tem que estudar bastante para uma prova, depois outra no outro dia. Com isso quase não sobra tempo para o lazer.’ , na fala do estudante Q. 1440 Com isso busca-se desenvolver a autonomia e a responsabilidade dos alunos frentes às novas exigências da 5. ª série. Entretanto, como coloca o professor Razouk a escola deve buscar a formação, além da informação, desde a Educação Infantil, contrariando a idéia de que é a partir da 5.ª série que deve haver responsabilidade: (...)a família acha que agora é a hora de levar a coisa a sério. Então, até a 4.ª série não era, agora é! Até a 4.ª série qualquer escola serve, qualquer ensino serve porque é só para brincar, para aprender as coisas básicas! Esse é um erro dos maiores que poderia existir. A escola mais importante teria que ser a de Educação Infantil, a 2.ª mais importante a de 1.ª a 4.ª e assim perdendo o seu grau de importância porque automaticamente são períodos assim, bastante formativos, onde a informação aparece mas aparece também, muito mais forte, a questão da formação, quer dizer, formação e informação acabam caminhando juntas. E à medida que a criança vai crescendo, vai se tornando mais autônoma, adolescente e até chegar na vida adulta, a questão da informação ela já consegue buscar sozinha, mas precisa ter respaldo da formação que ficou lá atrás, que teria que ter acontecido na educação infantil e de 1.ª a 4.ª. (RAZOUK, 2004). Este ato de criar responsabilidade está presente nas respostas dos professores sobre quais requisitos consideram necessários para ingressar na 5.ª série: Conhecer os professores de cada disciplina, os critérios e sistemas de avaliação. Ser participativo, ter consciência de seus atos e ser responsável em suas atitudes e tarefas.(D) “Responsabilidade (cumprimento das tarefas) é o principal requisito” (H) Saber que vão ter outro tipo de atenção; a quantidade de professores, que com uma é diferente; não se comportar mais como criança de 4.ª série. (G) Entretanto, os alunos apresentam uma certa imaturidade no que se refere à responsabilidade, ao comprometimento que é exigido deles, o que é evidenciado quando questionados sobre o que acontecia na 4.ª série e gostariam que acontecesse na 5.ª série, e sobre o que não gostam na 5.ª série: “Que tivesse mais passeios, mais jogos, os professores não fossem tão exigentes e o recreio maior”. (R) 1441 Eu gosto dos professores, principalmente da Professora H, porque cada professor tem seu jeito de ensinar, mas é legal que a professora H ensina brincando, ela não fica toda hora fazendo a mesma coisa, fica chato ficar toda hora fazendo a mesma coisa. (A) A partir destas falas nota-se que eles não querem ser chamados para a responsabilidade e ainda manifestam uma tendência grande ao lúdico, à brincadeira, o que leva uma situação evidenciada na fala: (...) o tratamento que é dado é de um adulto em miniatura e é um descompasso porque não é um adulto em miniatura, mas também não pode ser aquele infantilóide de 1.ª série porque senão que contribuição a escola está dando para essa criança avançar: nenhuma! (RAZOUK, 2004) Da fase chamada por Erikson de Adolescência (1971, p. 241-242) e caracterizada por Novaes (1970, p. 171) pela intencionalidade de socialização identificam-se pelo menos três aspectos na fala dos alunos: o questionamento às regras, a questão dos valores e a formação dos grupos e a rivalidade entre eles. Ao chegar à 5.ª série as crianças apresentam uma tendência de contestar as regras e os limites impostos pelo mundo adulto em uma tentativa de se firmarem naquilo que acreditam como verdade. Um exemplo disso é a fala do aluno P: “Não gosto do colégio porque tem muitas regras; não pode fazer nada. Por exemplo: não pode correr no pátio. Diminuir as regras seria legal”. Quanto aos valores o que aparece é a preocupação com a ordem em sala e a obediência aos professores, o que se verifica nas falas: “Desobediência com os professores, porque é falta de educação desobedecer às pessoas mais velhas”.(M) “Mudaria a atitude dos meus amigos, para não fazerem mais bagunça”.(E) No que se refere aos grupos percebe-se que ao mesmo tempo que eles têm a necessidade de estar juntos para criar identidade e fortalecer os vínculos afetivos a 1442 proximidade causa atrito entre eles, como podem ser nas falas sobre o que mudariam na 5.ª série: “Colocaria algumas pessoas, que estão estudando de manhã, na nossa sala”. (G) “Comentários dos meninos da sala. É muito chato, falam coisas ruins, muito pesadas, brincadeiras. As meninas da sala, sendo patricinhas, são chatas”.(G) Tem alguns meninos que maliciam algumas coisas que a gente fala, tem um menino que senta do meu lado e que não para um minuto quieto, fica falando o tempo inteiro, acontece qualquer coisa e ele fica tirando sarro. Não é legal isso na 5.ª série. Também a bagunça que predomina naquela sala. (A) “As meninas, porque qualquer coisa que você fala elas retrucam; elas ‘se acham’, porque gostam sempre de rosa, tudo tem que ter rosa”.(P) “Colocar mais aulas de Educação Física e trabalhos em dupla na Informática”.(B) A idéia de querer estar com mais pessoas e de interagir socialmente, tendo assim novas experiências, é reforçada na constatação de que 55% dos alunos entrevistados declararam gostar de ter vários professores. Verifica-se dessa forma que, possivelmente, o que é cansativo para os alunos é o fato de que muitos professores significa um maior número de trabalhos, de avaliação, de tarefas, etc. A afeição aos professores está presente conforme as transcrições a seguir: “Gosto dos professores que tenho...”.(E) “Gosto dos novos professores e dos colegas. Porque é uma nova experiência”.(G) “Gosto de ter um professor de cada matéria. Porque a gente conhece outros professores. É diferente como cada professor dá a sua aula”.(O) “Gosto dos professores. Porque agora são mais e é mais legal”. (S) Nota-se assim, que a convivência com vários professores é satisfatória, o que não agrada são as exigências práticas decorrentes do convívio diário com muitas disciplinas e suas peculiaridades. 1443 Nesse processo de adaptação ao convívio social e ao crescimento emocional, pessoal e intelectual é de extrema importância a presença da família que é considerada como o primeiro espaço de convívio social, no qual a criança irá experimentar o sentido do “nós”, (REIS, 1987, p. 99). Isso irá despertá-la para a necessidade de firmar-se como indivíduo, construir sua própria identidade e vivenciar sua subjetividade. Faz-se necessário compreender que a presença da família não significa excessivas cobranças nem falta das mesmas, mas equilíbrio que possa contribuir para a construção do senso de responsabilidade e o desenvolvimento de uma visão positiva da criança em relação à escola. Portanto, as experiências que a criança tem no âmbito familiar, principalmente o que é falado em determinadas situações, exerce grande influência no desenvolvimento de atitudes e crenças. Foi possível constatar isso por meio das respostas obtidas das crianças quando perguntadas sobre o que seus pais dizem agora que estão na 5. ª série. Verificou-se que 70% dos alunos entrevistados recebem esta influência como se vê nas falas: Como eu tenho duas irmãs, eles falam que agora que estou na 5. ª série eu tenho que dar o exemplo, que tenho que mostrar... Tenho que fazer um monte de coisa, para as minhas irmãs aprenderem, eles falam também que eu preciso tirar notas boas, ajudar as minhas irmãs, daí eu fico sobrecarregada. (A) “Meus pais dizem que eu tenho que me esforçar mais, porque a 5.ª série é mais complicada que a 4.ª. Sempre tenho que passar de ano. Agora, tenho que ir para a 6.ª, depois para a 7.ª”...(D) Meus pais falam muito. Se eu não arrumar a cama, eles falam: ‘Você já está na 5.ª série, já é mocinha!’ Qualquer coisa que eu faça, eles dizem: ‘Você já é mocinha, tem que fazer isso, aquilo...’ No ano passado, quando eu estava na 4.ª série minha mãe dizia assim: ‘Agora que você vai para a 5.ª série, precisa ser organizada, fazer as lições corretas, sempre assim’ Agora, na 5.ª série, a gente forma um grupo de amigas, entra uma, sai outra, nada de panelinha, pode entrar quem quiser. A gente pode passear na casa de quem mora mais perto e ir passear no shopping sozinhas, é bem legal. Na 4.ª série minha mãe não deixava eu sair sozinha, dizia que eu era muito pequena, que eu era muito criança. (R) 1444 “Quando eu estava na 4. ª série meus pais falavam que os estudos na 5. ª série são todos novos e bem mais difícil. E é mesmo mais difícil, tem vários professores”.(P) No geral o conteúdo das respostas demonstra que a família considera a 5.ª série difícil e para o Professor Razouk (2004) isso é expressado da seguinte forma: no que está à dificuldade dos pais? Eles ficam vendo a 5. ª série de hoje (não posso generalizar), mas a grande maioria, exatamente como aprenderam quando era na 5. ª série e como eles também foram orientados pelos seus pais quando estavam na 5. ª série (...). Eles trazem essa angústia porque a criança hoje aprende de “n” outras maneiras que não só daquela que os pais aprenderam. Eles acabam se perdendo (...) acabam se entregando e dizendo que não sabem ensinar as crianças. Mas não é que eles não sabem. Eles não sabem mais porque estão com o pé naquele jeito lá da década de 80 dele, de 60 de seus pais . Com o intuito de ajudar os pais nesse processo de transição, a instituição pesquisada promoveu uma reunião entre os pais de alunos da 4. ª e os professores que atuam na 5. ª dando oportunidade aos pais de conhecerem melhor a forma de trabalho desenvolvido na 5. ª . Segundo a coordenadora da escola: os pais precisam ter uma preocupação com o que falam em casa para não passar um excesso de responsabilidade para a criança, do tipo:” agora não olho mais sua agenda porque você está na 5.ª série“. É preciso valorizar a independência, mas, sem deixar de lado o acompanhamento necessário. Essa visão da escola de focalizar, junto com a família, a construção da autonomia da criança, pode ser respaldada pela colocação do Professor Razouk (2004) quando, comentando possíveis aspectos a serem contemplados nesse momento de transição, argumentou: “(...) acho que trabalhar com a questão da autonomia ajudaria, não sei se resolve, mas acho que ajudaria bastante”. EXPECTATIVAS DOS ALUNOS NA 4.ª SÉRIE x REALIDADE VIVENCIADA NA 5.ª SÉRIE No presente momento apresentam-se os resultados do confronto entre as expectativas que os alunos tinham sobre a 5.ª e a realidade vivenciada pelos mesmos , quando na 5.ª série. Desse confronto percebe-se que: 1445 - Na 4.ª série o fator que mais dava alegria aos alunos eram os amigos que faziam companhia nas atividades lúdicas e brincadeiras. Já na 5.ª série estes são substituídos pela presença significativa dos professores, sendo que pelo menos um deles é visto como o companheiro, devido ao maior número de professores, permitindo ao aluno uma identificação. - Quanto às expectativas que tinham para a 5.ª série são relevantes as constatações de que este é um período de exigências e de desenvolvimento da autonomia. Muitos alunos vêm para 5.ª série com o desejo de possuir um status social, “o estar na 5.ª série”, e na prática descobrem que isso implica algumas condições como: presença de muitos professores e conseqüentemente de metodologias diferentes, trabalhos e provas e principalmente e a atenção dos professores. A busca da autonomia cria uma certa ansiedade ao perceberem que há atividades de que necessitam de atenção e também por enfrentarem as próprias mudanças fisiológicas pela qual estão passando, e que muitas vezes não entendem, o que acaba levando, em alguns casos, à indisciplina. Adquirir responsabilidade e amadurecimento é um processo que leva tempo, exercício e muita força de vontade, o que às vezes não é compreendido pelos alunos, que começam a sentir falta das atividades lúdicas que tinham anteriormente. - A análise das questões relativas às dificuldades encontradas pelos educandos pesquisados na 4.ª série podem ser causa das resistências apresentadas na 5.ª série, segundo os motivos apresentados quando questionados sobre o que não gostam nesta série. Na 4.ª série a maior e a maior dificuldade encontrada está em relação aos conteúdos, talvez isso possa ser evidenciado pela falta de responsabilidade e disciplina, resultando em notas baixas. Já na 5.ª série estes fatores aumentam, pois não aceitam muitos limites. Os conteúdos continuam 1446 sendo uma dificuldade, no entanto, a preocupação maior está no resultado alcançado nas notas de provas e trabalhos. Os medos apresentados ao final da 4.ª série estão relacionados à realização pessoal, aspiram ter responsabilidade, ser bom aluno e apresentar autonomia para questionar e participar das aulas, mas ao mesmo tempo preocupam-se com os resultados das notas, da aquisição de conteúdos e provas. Estando na 5.ª série estes medos diminuem à medida que passam a se preocupar com a busca de valores e interesses próprios, o desejo de mudar a atitudes de alguns colegas, de aumentar o número de aulas que fazem parte de seu gosto pessoal e também de mudar a atitude e metodologia de alguns professores, assim como a duração do recreio. Fato importante se dá ao constatar a influência da família neste período de transição, considerando as respostas recebidas sobre o que a família diz em relação a 5.ª série, quando ainda estavam na 4.ª série é possível constatar que a grande maioria transmite às crianças a concepção de que a 5.ª série é difícil, diferente das outras séries e que é necessário desenvolver uma autonomia responsável. O que não muda muito na 5.ª série, onde vêm as cobranças de boas notas, de responsabilidade e até mesmo dos resultados de aprovação, apenas 8% apresentam esta série como uma igual as demais. A partir da análise do que a família dizia sobre a 5.ª série quando estavam na 4.ª fica evidenciada a importância de um envolvimento mais efetivo da família nesse processo de transição, pois 50% se mostraram neutros o que significa dizer que eles não dão uma contribuição efetiva para a passagem. 1447 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa foi realizada com o objetivo de responder a questões centrais que envolvem a passagem da 4.ª para a 5.ª série do ensino fundamental. Baseou-se no levantamento das expectativas e influências psicossociais apresentadas pelos alunos de uma turma de 5.ª série, do período da tarde, de uma instituição particular de cunho confessional católico da cidade de Curitiba. Buscou-se através de questionários com professores de 4.ª e 5.ª séries, entrevistas com alunos da 5.ª série e com um professor, de outra instituição, interessado pelo assunto, levantar dados que apresentassem o processo de ensinoaprendizagem nestas séries e as expectativas dos alunos quando estavam na 4.ª em confronto com a realidade agora que se encontram na 5.ª série. Os dados obtidos, analisados à luz do referencial teórico apontam para considerações referentes a: dualidade, comportamentos em sala e influências do meio social e possíveis meios para trabalhar esta realidade. Quanto à dualidade percebeu-se que a escola apresenta a 5.ª série como uma continuidade do processo educativo, entretanto, na prática pedagógica ela se constitui como o começo de uma nova fase, o que é confirmado pela fala dos alunos. Tal realidade influi diretamente na adaptação dos mesmos. Quanto aos comportamentos verificou-se que os alunos não estão suficientemente maduros para responder às exigências próprias desta fase uma vez que muitos ainda encontram-se no estágio operatório-concreto. Existe, porém a consciência da necessidade de se manter a ordem em sala o que significa que certos comportamentos são apresentados mais em função da personalidade e dos valores pessoais do que do fato de estarem na 5.ª série. Também percebeu-se que 1448 é grande a influência do que dizem os pais nas representações trazidas por alguns alunos. A necessidade de se buscar meios para trabalhar as questões inerentes a esta transição foi evidenciada em todos os âmbitos pesquisados - professores, alunos, gestão escolar - sendo que a aproximação do corpo docente, de 4.ª e 5.ª série, e a participação da família dentro do processo, foram propostos como possíveis soluções. É valido ressaltar que a instituição pesquisada já está realizando ações neste sentido. A partir destas considerações foi possível constatar que há o reflexo das influências psicossociais no cotidiano escolar, entretanto, este não se configura no fator decisivo que norteia os comportamentos apresentados pelos educandos. REFERÊNCIAS CAMPOS, Dinah Martins de Souza. Psicologia da adolescência: normalidade e psicopatologia. Petrópolis: Vozes, 1975. _____. Psicologia e desenvolvimento humano. Petrópolis: Vozes, 1997. ERIKSON, Erik. Oito idades do Homem. In: _______Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p.227-248. FERREIRA, Berta Weil. A teoria de Jean Piaget. In: ______O cotidiano do adolescente. Petrópolis: Vozes, 1995. p.116-123 LEWIS, Melvin; VOLKMAR, Fred. Desenvolvimento psicossocial. In:________ Aspectos clínicos do desenvolvimento na infância e adolescência. Porto Alegre: Artes médicas, 1993. p. 91-99. LUDKE, M.; ANDRÉ M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. NOVAES, Maria Helena. Psicologia escolar. Rio de Janeiro: Vozes, 1970. p. 163 – 178. PIAGET, Jean. A epistemologia genética. Rio de Janeiro: Vozes, 1972. ____________Problemas de psicologia genética. São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 211-215. RAZOUK JÚNIOR, Joseph. A síndrome da 5ª série. Disponível em <www.educacional.com.br/articulistas>.Acesso em 27 jul.2004. RAZOUK JÚNIOR, Joseph. Entrevista concedida a Paula Geron Saiz, Simone Cristina Machado e Vera Lucia Araújo em 07 de out. de 2004. REIS, José Roberto Tozoni et al . Família, emoção e ideologia. In: Codo, Wanderley; Lane, Silvia T.M. (org). Psicologia social : o homem em movimento. São Paulo. Brasiliense, 1987. p. 99 – 124. 1449 RAMALHO, Cristina. Vaidade Infantil: bonequinhas de luxo. Marie Claire, São Paulo, n. 157, p. 115-120, abr. 2004. PROCAP. Guia Curricular de Matemática. vol I Secretaria do Estado de Educação de Minas Gerais, 1977. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ANTUNES, Celso. Trabalhando habilidades: construindo idéias. São Paulo: Scipione, 2001. BEE, Helen L. A criança em desenvolvimento. São Paulo: Haper & Row do Brasil, 1977. CODO, Wanderley; LANE, Silvia T.M. (org). Psicologia social : o homem em movimento. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. ENS, Romilda Teodora. Pesquisa, projeto e relatório. Curitiba, 2004. Disponível em: www.pucpr.br/eureka. Acesso em: 23 jul 2004. ENS, Romilda Teodora. Referências, citações e notas de rodapé em trabalhos acadêmicos. Curitiba, 2003. (mimeo). FARIA, Anália Rodrigues. O desenvolvimento da criança e do adolescente segundo Piaget. 4. ed. São José do Rio Preto: Ática, 1998. NOVELLO, Fernanda Parolari. Psicologia da adolescência: o despertar para a vida. São Paulo: Ed. Paulinas, 1990. ROSA, Merval. Psicologia evolutiva: problemática do desenvolvimento. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1983. SABINI, Maria Aparecida Cória. Fundamentos da psicologia educacional. 4. ed. São José do Rio Preto: Ática, 2000.