31º Encontro Anual da ANPOCS de 22 a 26 de outubro de 2007

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31º Encontro Anual da ANPOCS
de 22 a 26 de outubro de 2007
Caxambu, MG
Seminário Temático 21: Integração
Regional Hoje: Balanço e Perspectivas.
Políticas Públicas Internacionais: o
Caso das Políticas Sociais na União
Européia
Maurício Loboda Fronzaglia
Doutorando – Universidade Estadual de Campinas
[email protected]
[email protected]
RESUMO
O texto visa definir e fazer uma tipologia da elaboração de políticas públicas internacionais
tomando como estudo específico à evolução do debate sobre as políticas sociais - com
especial ênfase na área da educação - no âmbito da União Européia. Definem-se como
políticas públicas internacionais àquelas que historicamente constituíram-se como
obrigações do Estado Nação e posteriormente do Estado de Bem Estar Social e que se
tornam objeto de discussão e atenção das diversas organizações internacionais intergovernamentais ou supranacionais - existentes. Desta forma, o paper visa cobrir a
evolução das decisões e tratados da política social (e educacional) da União Européia a
partir da instauração do Processo de Bolonha, no ano de 1999..
Palavras Chave : Políticas Públicas Internacionais, Políticas Sociais internacionais,
Estado, Ensino Superior, União Européia.
INTRODUÇÃO
O trabalho sobre Políticas Públicas Internacionais é o resultado parcial e ainda
incompleto da minha pesquisa de doutorado, em desenvolvimento junto ao departamento de
Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas – IFCH/UNICAMP, iniciado no ano de 2006. O tema apresentou-se como uma
conseqüência não esperada da minha dissertação de mestrado, que se concentrou na atuação
das unidades subnacionais nas relações internacionais, das pesquisas desenvolvidas pelo
CEDEC dentro da área de cooperação internacional descentralizada e integração regional
no âmbito do projeto temático Gestão Pública e Inserção Internacional das Cidades e
também das aulas e discussões da disciplina Tópicos Especiais em Estado I, ministrado pela
professora Maria Helena Guimarães de Castro e que se dirigia essencialmente ao estudo da
formação e do desenvolvimento do Estado de Bem Estar Social e das Políticas Sociais.
Ao longo da minha pesquisa desenvolvida no mestrado – As Unidades Subnacionais
e as Relações Internacionais: o Caso da Cidade de São Paulo de 2001 a 2004 – foi
constatada a existência de um largo espaço para a cooperação internacional descentralizada
que envolvia atores subnacionais, Estados, organizações multilaterias intergovernamentais
e supranacionais. A cooperação internacional descentralizada tinha como objetivo
primordial a construção e execução de políticas públicas locais que eram desenvolvidas seja
em consonância com outras experiências internacionais, seja contando com o auxílio
financeiro de atores das relações internacionais.
Foi constado, igualmente, o fato de que a cooperação internacional desenvolvida
pelas cidades muitas vezes direciona-se diretamente para parcerias com certas
Organizações Internacionais, como algumas agências da Organização das Nações Unidas e
até mesmo da União Européia , sem passar pela mediação do Estado nacional. No âmbito
das Nações Unidas destacam-se as ações do PNUD – Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, e do HABITAT - Centro das Nações Unidas para Assentamentos
Humanos. Com relação à União Européia destaca-se o Programa Urb-AL1, que tinha como
1
O Programa Urb-AL é um programa cooperação descentralizada da Comissão Européia para o intercâmbio
entre cidades da União Européia e da América Latina. Tem como principal objetivo o desenvolvimento de
parcerias diretas entre os diferentes agentes e poderes locais, por meio de encontros, intercâmbios e
transferência de conhecimento e experiências. Pretende, também, que se estabeleça um intercâmbio
objetivo principal estimular projetos comuns de políticas públicas locais elaborados por
cidades da União Européia, América Latina e Caribe. A pesquisa desenvolvida pelo
CEDEC também abrange essas relações, embora em um contexto mais amplo que um
estudo de caso.
O estudo e as leituras feitas na disciplina Tópicos Especiais em Estado I não só
aprofundaram-me no conhecimento do Estado de Bem Estar Social e das Políticas Públicas,
como também me despertaram para o fato de que o desenvolvimento de algumas políticas
públicas nacionais, notadamente na área da política social, acabavam por ser elaboradas
através de uma relação complexa entre os Estados nacionais e certas organizações
internacionais. A consolidação das políticas públicas de bem estar social acabam por
moldar em novo formato o Estado nacional e sua relação com seus cidadãos. Essa
configuração específica do Estado Nação – ou seja, o Estado de Bem Estar Social –
circunscreve suas políticas dentro de um determinado território, o espaço das fronteiras
nacionais. Contudo, a partir de um ponto específico do seu desenvolvimento as demandas
por políticas públicas, principalmente as políticas sociais, internacionalizam-se e passam,
outrossim, a refletir e expressar a configuração de distribuição desigual do poder existente
no sistema internacional. A atuação de organismos como o Fundo Monetário Internacional,
e recentemente a Organização Mundial do Comércio podem ser encaixados como exemplos
de como as políticas públicas nacionais passam a serem pressionadas e influenciadas pelas
decisões e recomendações dessas organizações, que por sua vez são o resultado do jogo de
poder do sistema internacional e seus atores centrais, semi-periféricos e periféricos. No
caso dos países periféricos e semi-periféricos, o exemplo, talvez, mais claro dessa nova
prática materializa-se na atuação do Banco Mundial e suas recomendações para as reformas
educacionais realizadas ao longo dos anos noventa por vários países da América Latina,
Ásia e África.
O artigo apresenta, então, a seguinte estrutura: em um primeiro momento ele
concentrar-se-á nas definições subjacentes e essenciais para a construção e definição do
permanente entre as cidades das duas regiões em torno de temas de interesse mútuo. O Programa URB-AL foi
constituído em 1995 e em sua primeira fase, foram organizadas oito redes temáticas. São praticamente 700
cidades envolvidas e o programa visa estimular a participação de organizações representativas da sociedade
civil que operem em parcerias com os municípios, tais como organizações não-governamentais, entidades
patronais, sindicato de trabalhadores, universidades, etc. Em dezembro de 2000 foi aprovada a segunda fase
do Programa URB-AL, com seis novas redes temáticas. A cidade de São Paulo foi coordenadora da rede
temática número 10 – COMBATE A POBREZA URBANA até o ano de 2005.
conceito de polícias públicas internacionais, incluindo, as políticas sociais internacionais.
Desse modo, serão abordados os conceitos de Estado de Bem Estar Social, Política Social,
Direitos sociais, entre outros. Em um segundo momento será feita uma discussão teórica
para a construção do conceito de Políticas Públicas Internacionais, assim como será exposta
a tipologia desenvolvida para lidar com suas diversas formas de concretização. Em seguida
uma breve análise buscando explicitar como se configura a política social internacional
direcionando-se, basicamente, para as políticas educacionais em suas formas e expressões
internacionais para então, finalmente, constituir um estudo sobre o caso das políticas
educacionais desenvolvidas no âmbito da União Européia.
1 – Sobre as Definições
A definição de um conceito deve, sempre, preceder sua adjetivação. Desta forma,
torna-se imperativo que certos conceitos importantes desse artigo tenham sua definição
feita de forma clara e objetiva. Em primeiro lugar deve-se salientar que a premissa básica
dessa pesquisa é de que as políticas sociais internacionais têm suas origens nas políticas
sociais implementadas pelos Estados Nacionais basicamente a partir do fim da Segunda
Guerra Mundial. São essas políticas que configuram o chamado Estado de Bem Estar
Social, que, por sua vez, é tão somente um tipo particular de estado que emergiu como
resultado de um processo de construção histórica. Primeiramente, então, partirei da própria
definição de estado para depois discutir sobre suas distintas formas políticas e históricas
para posteriormente fazer a definição de políticas sociais internacionais.
Segundo a tradicional e clássica definição de Max Weber (1982), o Estado é a
organização que mantém o monopólio legítimo do uso da violência dentro de um
determinado território. Tal definição nos remonta, necessariamente,
a questão da
autoridade soberana do Estado. Dentro de uma perspectiva da sociologia histórica
encontramos a definição dada por Charles Tilly em seu livro “Coerção, Capital e Estados
Europeus – de 990 a 1992”, segundo ele os estados são “organizações que aplicam
coerção, distintas das famílias e dos grupos de parentesco e que em alguns aspectos
exercem prioridade manifesta sobre todas as outras organizações dentro de extensos
territórios”. Ora, o termo então abrangerá “as cidades-estado, os impérios, as teocracias e
muitas outras formas de governo” (1994:46). Atualmente, os estados tal como os
conhecemos podem ser definidos como aqueles estados que além da soberania tem o
princípio básico de nacionalidade, são os chamados Estados Nação, que é um tipo
específico de estado que emergiu quase que ao mesmo tempo em que se consolidou o modo
de produção capitalista e se tornou a base para as modernas relações internacionais. Ainda
segundo Charles Tilly, o Estado Nação é uma forma específica que surgiu na Europa na
transição da idade moderna para a contemporânea e que posteriormente expandiu-se pelo
globo.
Segundo Tilly (IDEM) a construção do Estado Nação prolongou-se durante os
séculos que marcam a transição da sociedade feudal para a sociedade moderna e é o
resultado de uma interação dialética das duas categorias estudadas e analisadas em seu
livro: o Capital e a Coerção, que isoladamente deram origem a tipos diferentes de estados.
Em um cenário de alta concentração de capital, os recursos estão ligados aos grupos
envolvidos em atividades de comércio e produção. Em outro extremo, aquele de alta
concentração de coerção, os recursos encontram-se sob o controle de senhores de
terra/proprietários rurais, usando a coerção para extraí-los. Formas distintas de governo
surgem, então, nesses dois extremos, já que é necessária uma organização diferente de cada
governo para poder extrair os recursos necessários para sua manutenção e para a preparação
para a guerra. Os estados do primeiro tipo seriam as cidades-estado italianas, e pequenas
repúblicas que se sustentam pelo comércio. (Exemplos bem acabados dessa forma de
governo são as cidades comerciais de Genova e Veneza, que mantiveram grande influência
enquanto a rota do comércio oriente-ocidente por ali passava). Os estados do segundo tipo
seriam os grandes impérios, como o Otomano. Entre esses dois extremos, há os estados
que se organizaram de acordo com uma mistura entre capital e coerção, são eles, sempre
segundo Tilly, França, Inglaterra e Espanha. Foram esses estados que se desenvolveram na
forma de Estados Nação, posto que desenvolveram uma capacidade militar (que após a
Revolução Francesa não mais se baseou na contratação de mercenários) que superava as
formas mantidas pelos outros tipos de estados, cuja continuidade foi então interrompida. A
guerra é aqui um conceito chave. A necessidade de “warmaking” foi então decisiva, e os
estados que dependiam de armadas de aluguel tornaram-se obsoletos, já que não podiam
fazer oposição aos exércitos nacionais. Nas palavras de Griffit:
from 1700 to 1918, Europe’s less efficient city-states, and empires, were
largely squeezed out by the competitive process, and national states
emerged as the dominant form of political rule, combining size, national
mobilisation, and an access to commercial and coercive resource
extraction. (1999: 249).
Esses Estados foram França e Inglaterra. Outras formas de estado foram mais lentas
para a evolução a forma de Estado Nação. Ao final desse desenrolar histórico a era
contemporânea não sustenta mais espaço para as cidades-estado, os impérios ou regimes
teocráticos puros, somente para estados nacionais.
Esse debate introdutório sobre a definição do conceito de estado é importante
porque defendo que o Estado de Bem Estar Social é uma das formas assumidas pelo Estado
Nação contemporâneo. Visão semelhante também é apresentada e sustentada por Pierre
Rosanvallon (ARRETCHE, 1995;21):
O Estado de Bem Estar é um prolongamento e uma extensão (ou ainda,
uma radicalização) do Estado protetor clássico. Esse processo de
radicalização ocorre a partir do século XVIII, sob o efeito do movimento
democrático e autoritário. As noções de proteção da propriedade e da vida
(como atributos do Estado) sofrem uma ampliação: amplia-se o campo
dos direitos civis.
Segundo o intelectual francês, o Estado de Bem Estar é uma evolução do Estado
protetor clássico concebido pelos contratualistas como os ingleses Thomas Hobbes e John
Locke e também pelo francês Jean-Jacques Rousseau, ainda que existam diferenças
sensíveis nas teorias desenvolvidas por esses pensadores. De fato, esse estado continuaria a
representar um contrato estabelecido entre os indivíduos e o Estado com a ampliação das
obrigações estatais, em comparação ao frágil e fragmentado estado feudal. Todavia, pareceme claro que, embora não citado de forma explícita, o Estado Protetor é também o Estado
Nacional.
Concentrar-se-á agora a atenção a questão da definição mais rígida do conceito
Estado de Bem Estar Social. Em vários textos e trabalhos científicos que enfocam esse
tema em suas mais distintas direções há qualificações sobre o Welfare State que não eram
precedidas pela sua definição, fazendo com que, muitas vezes, ocorra uma razoável
confusão entre os conceitos de Welfare State, política social, seguridade social, que são,
não raro, usados como sinônimos. Destarte, pareceu-me imprescindível abordar tal questão.
Nesse sentido, duas definições se destacam, a primeira de autoria de Asa Briggs e a
segunda sendo aquela elaborada por Wilensky. Para Briggs (1996; 228)
A “welfare state” is a state in which organized power is deliberately used
(through politics and administration) in an effort to modify the play of
market forces in at least three directions – first, by guaranteeing
individuals and families a minimum income irrespective of the market
value of their work or their property; second, by narrowing the extent of
insecurity by enabling individuals and families to meet certain “social
contingencies” (for example, sickness, old age and unemployment) which
lead otherwise to individual and family crises, and third, by ensuring that
all citizens without distinction of status or class are offered the best
standards available in relation to a certain agreed range of social services.
Para Wilensky, a “essência do Estado de Bem Estar Social reside na proteção
oferecida pelo governo na forma de padrões mínimos de renda, alimentação, saúde,
habitação e educação, assegurados a todos os cidadãos como um direito político e não
como caridade” (WILENSKY, apud FARIA, 1998;39). Embora essas definições tenham
pontos em comum e se assemelhem muito com relação ao conteúdo, aquela apresentada por
Briggs contempla implicitamente uma explicação para as desigualdades existentes na
sociedade, ou seja, as forças de mercado e, além de tudo, pareceu-me ser a definição mais
adequada para o desenvolvimento desse trabalho2.
A definição de Estado de Bem Estar Social traz, por conseguinte e implicitamente,
as definições de cidadania e política social. Esta última pode ser definida como as políticas
públicas que garantem o cumprimento dos deveres do Estado para garantir o bem estar
social, ou que garantem aos cidadãos o acesso aos seus direitos sociais, que por sua vez
fazem parte dos elementos constituintes da cidadania, que seria então a expressão jurídica e
política da relação de direitos e deveres existentes entre o Estado e seus cidadãos
(MARSHALL, 1967).
2
As definições de Estado de Bem Estar Social não estão dissociadas das teorias explicativas que cada
corrente teórica e que cada autor estabelece sobre o tema. Ainda assim, há uma convergência mínima de que
esse tipo de estado é aquele que tem o dever de prover padrões mínimos de vida e seguridade social para os
cidadãos. Desta forma, a definição de Briggs parece ser a mais acertada sobre o tema.
2 – A Definição de Políticas Públicas Internacionais.
Historicamente as políticas sociais se caracterizaram como responsabilidade e se
desenvolveram dentro do âmbito do Estado de Bem Estar Social. Contudo, pode-se definir
com razoável precisão que a partir de um ponto específico da história do século XX as
políticas públicas e, conseqüentemente, as políticas sociais passaram por um processo de
internacionalização; ou seja, transbordaram e ultrapassaram as fronteiras dos Estados.
Torna-se, ainda, necessário afirmar que tanto o desenvolvimento quanto a consolidação dos
estados de bem estar social ocorreram de forma concomitante à internacionalização das
políticas públicas e particularmente das políticas sociais.
Muito embora seja preciso sempre considerar que o Estado de Bem Estar Social tem
seus três mundos (ESPING-ANDERSEN; 1999), que tem também origem e
desenvolvimentos distintos dentro desses parâmetros, essa forma de Estado Nação torna-se
dominante na maioria dos países centrais do sistema internacional a partir do final da
Segunda Guerra Mundial. Um dos exemplos mais famosos que corroboram a exposição
acima foi a confecção do Relatório Beveridge que pautaria toda a política social inglesa na
segunda metade do século passado (MARSHALL, 1967).
O ponto de partida para a emergência daquilo que definiremos aqui como políticas
públicas internacionais deu-se exatamente no mesmo período em que se construía o Estado
de Bem Estar Social nos países centrais do capitalismo e pode ser identificada facilmente
com a criação da Organização das Nações Unidas, na Conferência de São Francisco. Como
demonstra Marcel Merle (1995), a ordem internacional que vivemos tem sua origem direta
na criação da ONU e dos demais organismos internacionais que foram criados ao final da
segunda grande guerra com a intenção de reconfigurar o sistema internacional de acordo
com os interesses das potencias vencedoras. Nesse contexto que, pela primeira vez, ainda
segundo Merle (IDEM) e VAISSE (2001), uma organização internacional traz em sua carta
fundamental a proteção de direitos que seriam de exclusiva competência dos Estados
Nacionais, como a proteção dos direitos humanos3.
3
Não cabe aqui a discussão mais aprofundada sobre o processo de criação e do desenvolvimento histórico da
Organização das Nações Unidas. Contudo, cabe salientar que sua carta fundamental demonstra contradições
que acabem por bem refletir o espírito da época de sua composição, alternando ora entre um realismo ora
entre uma visão idealista. Nesse contexto que a carta pressupõe, por exemplo, tanto a defesa dos direitos
A Organização das Nações Unidas desenvolveu-se através da criação de inúmeras
agências e órgãos que se concentravam na ação de políticas específicas. A Unesco –
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – atua em diversos
países em cooperação com os governos nacionais e locais financiando pesquisas e projetos
de políticas públicas voltados para sua área de atuação. O PNUD – Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento – também tem atuação destacada na elaboração de
políticas públicas ligadas ao desenvolvimento nos mais diversos estados. De idêntica forma
poder-se-iam ser citados as demais agências como a FAO, o HABITAT; contudo, esses
exemplos têm a serventia de corroborar a afirmação de que a articulação e o
desenvolvimento das políticas públicas mostra-se internacionalizada a partir da criação da
ONU. Na área econômica, a CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina teve
um papel crucial na elaboração das políticas de industrialização e desenvolvimento dos
países desse continente.
A criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, também no
âmbito da reconstrução da ordem internacional pós Segunda Guerra Mundial, deram a essas
organizações internacionais influência e importância extremas na condução das políticas
fiscais, monetárias e econômicas principalmente dos países em desenvolvimento. O Banco
Mundial, por sua vez, tem uma ampliação nas suas funções e passa também a tratar das
políticas sociais, essencialmente da educação (BORGES; 2003, COSTA 1998 e
FONSECA, 1998).
Por outro lado, pode-se perceber, outrossim, uma outra esfera de atuação
internacional das políticas públicas: àquela que se desenvolve dentro do contexto dos
processos de integração regional. Nesse aspecto, o exemplo paradigmático parece ser a
União Européia (LOBO, 2004). Iniciada em 1957 através do Tratado de Roma e contando
em sua origem com apenas seis países (a então Alemanha Ocidental, Bélgica, França,
Holanda, Itália e Luxemburgo), esse processo de integração regional evoluiu de tal forma
humanos e a integridade da vida, quando também pressupõe a defesa da não intromissão nos assuntos internos
de cada estado membro. Essa contradição básica será bem explorada pelos países membros segundo suas
necessidades e interesse de momento fazendo com que alternem o seu discurso segundo essa mesma
contradição.
que hoje abriga um número de vinte e sete países membros4 e já se projeta, não sem
grandes divergências, uma Constituição comum (TOSTES; 2005). De forma sintética,
pode-se afirmar, nas palavras de Maria Tereza de Carcomo Lobo:
Através do mercado comum, da união econômica e monetária e das
políticas e ações comuns, a Comunidade inscreveu como sua missão
promover em todo o espaço comunitário: o desenvolvimento harmonioso,
equilibrado e sustentável das atividades econômicas, um elevado nível de
emprego e de justiça social, a igualdade entre homens e mulheres, um
crescimento sustentável e não inflacionista, um alto grau de
competitividade e de convergência dos comportamentos das economias,
um elevado nível de proteção e de melhoria da qualidade do ambiente, o
aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão econômica e social e a
solidariedade entre os Estados-Membros. (2004;217).
Coloca-se, logicamente, em evidencia a política monetária comum desenvolvida
pelo Banco Central Europeu e a adoção de uma moeda única, muito embora nem todos os
membros da União Européia tenham aderido ao Euro por diversas e distintas razões. Dentre
as demais políticas comuns podem ser destacadas a política comercial, a política agrícola
comum, a política comum de transportes, a política ambiental, a política de emprego e a
política de defesa do consumidor.
Tanto as políticas comuns da União Européia como as políticas públicas
desenvolvidas por outros Estados Nacionais apoiados ou mesmo influenciados por
organismos internacionais encaixar-se-iam na definição de políticas públicas internacionais
como sendo aquelas que tem suas definições e estratégias concebidas não apenas dentro das
restritas fronteiras do Estado Nação. Sendo, assim, as políticas públicas internacionais
aquelas políticas que historicamente foram incorporadas como deveres do Estado nacional5
4
Além dos seis estados fundadores, fazem parte da União Européia os seguintes estados (segundo ordem de
ingresso): Dinamarca, Irlanda, Reino Unido, Grécia, Portugal, Espanha, Áustria, Finlândia, Suécia, Republica
Tcheca, Chipre, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia, Bulgária e Romênia.
5
Considera-se, neste artigo, que as políticas públicas são todas aquelas ações e competências incorporadas
pelos Estados e implementadas diferentemente por distintos governos. Seriam todas as ações do Estado que
objetivam a construção de orientações, diretrizes e realizações que buscam o bem estar e a harmonia pública
ou coletiva. Tal contexto abrange as políticas econômicas, de infra-estrutura, fiscais, tributárias, de emprego,
e de bem-estar ou sociais, como a educação, a saúde, a habitação, a assistência e a seguridade social além das
políticas de renda mínima e de distribuição de renda.
(e mais significativamente pelo Estado de Bem Estar Social) , possibilita-se conceber que
elas se desenvolvem no âmbito das relações internacionais em três eixos distintos:
1. Políticas Públicas Internacionais desenvolvidas no âmbito das organizações
intergovernamentais.
2. Políticas Públicas Internacionais desenvolvidas no âmbito de um organismo
supranacional.
3. Política
Públicas Internacionais desenvolvidas através da cooperação
internacional descentralizada e que envolvem, necessariamente, as unidades
subnacionais.
No caso das organizações intergovernamentais há, como já citado acima, as Nações
Unidas e todas as suas agências, como a Unesco, Unicef, HABITAT, PNUD, até mesmo a
Organização Mundial da Saúde e as políticas ligadas ao trabalho, desenvolvidas pela
Organização Internacional do Trabalho. Assim como no caso de organizações
supranacionais,
a
elaboração
das
políticas
públicas
internacionais
no
estilo
intergovernamental desenvolve-se de forma a questionar o próprio princípio clássico da
soberania do Estado Nacional, mesmo que em distintos patamares. No entanto, há aqui uma
peculiaridade essencial que deve ser ressaltada: essas políticas refletem e são a expressão
da distribuição desigual de poder no sistema internacional. A articulação que se realiza
entre um ou vários Estados nacionais com essas organizações não é concretizada na forma
de uma negociação simétrica de metas e objetivos. A estrutura dos organismos
intergovernamentais multilaterais é uma tradução da clássica divisão internacional do poder
entre centro, periferia e semi-periferia. Assim sendo, há pressões em diferentes níveis para
a adoção de políticas públicas específicas por parte dos estados nacionais implicados nessas
negociações. A forma pela qual as agencias da Organização das Nações Unidas atua é o
resultado de uma composição diversa de interesses, com clara predominância para àqueles
defendidos pelas nações que formam o centro do sistema internacional.
Como um bom exemplo dessa constatação é possível analisando o Banco Mundial
em sua atuação nas políticas de educação na América Latina. Aqui presenciamos a
existência de pressões para a adoção de certas decisões políticas, apesar de todo discurso
apolítico dessa instituição (BORGES, idem). Essas pressões se concretizam através de
negociações entre a organização e o Estado Nação que não se limitam simplesmente ao
foco das recomendações sobre políticas educacionais dadas por essa organização. Nesse
caso específico parece-me que a flexibilidade da soberania nacional em estabelecer suas
próprias políticas encontra-se limitada pela sua própria posição no sistema internacional. As
recomendações dadas pelo Banco Mundial na área de educação, para seguirmos o mesmo
exemplo, têm um peso considerável para os países em desenvolvimento, especialmente na
América Latina.
O Banco Mundial passou a reconhecer de forma mais explícita que o
sucesso de seu modelo de desenvolvimento depende de profundas
mudanças na engenharia política e social das sociedades em que atua.
Enfatizando a melhora das condições sociais e o fortalecimento da
sociedade civil, as reformas dos serviços sociais pregadas pelo Banco
Mundial, particularmente na educação, têm o propósito de construir um
amplo consenso, contribuindo para adequar a democracia às demandas de
estabilidade política subjacentes ao modelo de desenvolvimento
capitalista liberal. Nesse sentido, essas reformas implicam uma
preferência normativa por atributos específicos de variantes do modelo de
democracia dos países desenvolvidos (BORGES, idem; 52).
Quanto as organizações supranacionais, a União Européia mostra-se como exemplo
de maior complexidade e com maior material disponível para a pesquisa.
O caso da União Européia demonstra uma outra peculiaridade. O desenvolvimento
desse processo de integração regional acentuou-se solidamente durante a segunda metade
do século XX. Dentre as etapas de evolução mais importantes desse processo está o Tratado
de Maastricht que consolida o caráter supranacional de algumas instancias decisórias da
União Européia. Na análise da supranacionalidade das políticas públicas européias destacase, evidentemente, a questão da moeda única e do Banco Central Europeu. Contudo, há
toda uma gama de outras políticas públicas sendo elaboradas e desenvolvidas por esse
processo de integração regional, entre elas as políticas sociais e as políticas educacionais.
Ainda que na elaboração dessas políticas a supranacionalidade não esteja claramente
implementada, sua negociação apresenta características bem diversas daquelas mostradas
na forma intergovernamental citada acima. Como destacam Paul Pierson e Stephan
Leibfried:
The European Union is not, and undoubtedly will not became, a federal
welfare state like those of traditional nation-states. This scenario was
never plausible, since the EU arose in a different historical context and
was layered on top of already deeply institutionalized and diverse social
policy structures within each member state. Hemmed in by institutional
and political constraints, the European Union is incapable of the kind of
positive, state-building initiatives of a Bismarck or a Beveridge. Yet the
EU has become the source of considerable political authority. Social
policy, broadly defined, is now profoundly influenced by activity at the
EU level. European social policy does not supplant national social policy,
but merges with it in an intricate process of competition, adjustment, and
accommodation. What is emerging in Europe is a multileveled, highly
fragmented system in which policy ‘develops’ but is beyond the firm
control of any single political authority (1995;433).
Mesmo que o texto acima tenha sido elaborado antes de importantes
acontecimentos, como o Processo de Bolonha, ele demonstra um ponto crucial na condução
das políticas públicas da União Européia, e essencialmente das políticas sociais: a
resistência por parte dos estados membros em abrir mão da soberania na condução das suas
políticas de bem estar. Essa resistência mostrar-se-á ainda mais intensa naquilo que
concerne as políticas educacionais.
Finalmente, uma segunda modalidade de Políticas Públicas internacionais são
aquelas desenvolvidas através da cooperação descentralizada envolvendo as unidades
subnacionais. São políticas de cooperação na área de educação, saúde, planejamento
urbano, transportes e meio ambiente que são discutidas por redes internacionais de cidades
e outras organizações internacionais que contam com a participação das cidades e cuja
implementação se dá em unidades subnacionais de diferentes Estados. Nessa modalidade, a
própria União Européia apresenta um contexto que favorece o desenvolvimento da
cooperação descentralizada. Ao longo da sua constituição, na medida em que os Estados
Nacionais cediam parte da sua soberania em benefício de instituições supranacionais (como
o Comitê Europeu e o Comitê de Regiões), as cidades viram-se investidas de
responsabilidades que outrora eram ligadas ao governo central. Nas palavras de Henry
Mendras esse processo é chamado de fragmentação dos serviços do Estado:
chaque service national est en collaboration avec le service municipal ou
correspondant, et une complicité s’établit entre eux, complicité qui
prolonge celle qui se développe entre services nacionaux et leurs
correspondants à Bruxelles. Le pouvoir municipal accapare le rôle de
coordination entre les politiques sectorielles que l’État ne peut plus
assumer efficacement (Mendras, 1997: 300).
Poder-se-ia dizer que houve uma transferência de responsabilidade devida ao
processo de integração e a reestruturação do Estado. Ainda segundo o mesmo autor: “...
dans tous les pays on voit les villes prendre des responsabilités nouvelles, notamment dans
les domaines économique, scientifique et culturel. Une Europe de villes est en train de se
constituer - certains diront de se reconstituer” (Mendras, 1997: 287). O modelo europeu
tem evoluído de tal forma que hoje cada governo faz parte de uma tríade com a União
Européia, por meio do Comitê de Regiões6, e as metrópoles regionais. Esse modelo compõe
um cenário favorável para o estabelecimento e desenvolvimento da cooperação
internacional descentralizada.
A cooperação internacional descentralizada é uma forma de atuação específica das
unidades subnacionais nas relações internacional. São identificadas duas formas de atuação
dessas unidades: a paradiplomacia e a protodiplomacia.
Segundo Ian Bache e James
Mitchell (1999:03):“Para-diplomacy refers to activities parallel to, often co-ordinated
with, complementary to, and sometimes in conflict with centre-to-centre macro diplomacy.
Proto-diplomacy refers to initiatives and activities of a non central government abroad
that graft a more or less separatist message on to its economic, social and cultural links
with foreign nations”.
Defino como cooperação internacional descentralizada todas as relações
desenvolvidas entre uma unidade subnacional e outros atores internacionais, sejam eles
cidades, regiões, Estados ou organismos multilaterais, na busca de troca e/ou transferência
6
A criação do Comitê de Regiões da União Européia, em 1991, deu-se muito mais pela necessidade de lidar
com a já criada organização e demanda das cidades e regiões, do que para estimular o poder regional. De
acordo com o site da instituição “The Committee of the Regions is the youngest of the European Union's
institutions. It was created by the Maastricht Treaty of 1991, as a representative assembly with the job of
giving local and regional authorities a voice at the heart of the European Union”.
de experiências, conhecimento técnico e/ou transferência de recursos financeiros para
financiamentos de projetos. Essa cooperação pode ser técnica (transferência e troca de
experiências e/ou conhecimento), financeira (envolvendo a transferências de recursos
financeiros) ou ainda pode contemplar essas duas dimensões. Com referência aos parceiros
de cooperação, ela pode configurar-se como cooperação horizontal, ou seja, àquela
implementada com outras unidades subnacionais, ou como cooperação vertical, designando
a cooperação feita entre unidades subnacionais e Estados ou Organismos Internacionais.
Enfatiza-se aqui o fato de que essa designação (vertical / horizontal) não deve ser tomada
como forma de representar uma hierarquização dos atores das relações internacionais que
participam da cooperação. A cooperação é feita entre atores distintos com competências
também distintas.
3 - Políticas Públicas Internacionais: As Políticas Educacionais
A definição de Políticas Públicas Internacionais aqui construída demonstra que elas
derivam das ações que historicamente se constituíram como deveres do Estado-Nação em
sua forma de Estado de Bem Estar Social. Considerando-se correta a afirmação de Afonso
(2003:36) de que não se pode abordar a questão das políticas educacionais “sem que isso
implique, ainda que nem sempre de forma imediata ou explícita, a remissão para uma
teoria do Estado, ou pelo menos, para alguns pressupostos teórico-conceptuais
referenciáveis a uma (ou mais de uma) teoria do Estado”, então o caminho percorrido
nesse artigo encontra-se justificado. Abordou-se uma teoria do Estado e a emergência
histórica do Estado-Nação, assim como também do Estado de Bem Estar Social. A partir
dessa abordagem foi possível legitimar a concepção de que as políticas públicas
transbordaram as fronteiras nacionais. Além disso, mostrou-se que a internacionalização
tem ocorrido de três formas distintas.
Procede-se, presentemente, a uma abordagem mais pontual. No escopo das políticas
públicas internacionais será enfatizado sua vertente de políticas sociais, mais
especificamente as políticas educacionais. E, ainda dentro desse conjunto de políticas
educacionais, focalizar-se-ão àquelas desenvolvidas pela União Européia no contexto do
ensino superior.
Contudo, destaco primeiro que a emergência das políticas públicas internacionais é
uma das características da mudança do próprio papel do Estado. Nesse caso, pode-se citar
aquilo que Boaventura de Souza Santos (apud AFONSO; idem) chamou de
internacionalização do estado nacional, que acontece quando há um aumento dos impactos
e influencias do contexto internacional na atuação do Estado, fazendo com que ele molde
suas políticas as exigências extraterritoriais ou transnacionais. Na esfera da política
educacional a Afonso (idem) vê a emergência de um Estado-articulador, expressando a
ação política de outros agentes na condução do sistema educativo:
É também necessário discutir em maior profundidade a valorização das
redes (ou parcerias) entre actores coletivos e o Estado, porque, embora
traduzam uma das alternativas mais inovadoras e interessantes das actuais
políticas educacionais, elas também escondem uma nova (e mais eficaz)
forma de legitimação da acção do Estado, num contexto de retracção das
políticas públicas e dos direitos sociais, econômicos e culturais (idem, 40).
Essa redefinição do papel do Estado ainda demonstra aspectos únicos na União
Européia quando essa referida articulação se desenvolve em um contexto de
supranacionalidade que pressupõe uma cessão voluntária de parte da soberania nacional.
Nesse caso, a cessão de soberania não implicará na homogeneização das políticas e
orientações educacionais, visto que as políticas educacionais ainda são mantidas dentro das
atribuições dos estados membros desse processo de integração.
Passemos agora ao estudo do desenvolvimento das políticas educacionais para o
ensino superior na União Européia.
4 - O Ensino Superior Europeu
Pode parecer contraditório, a primeira vista, considerar a análise da Educação
Superior européia como espécie de estudo de caso de políticas sociais internacionais visto
que ela não tem se integrado dentro de um quadro de políticas publicas comuns e
supranacionais no processo de integração regional. Caracterizando o ensino superior na
Europa no final do século passado, Virginia Alonso Hortale e José-Ginés Mora afirmam
que:
Apesar dos avanços em outros campos, os sistemas de educação superior
permaneceram à margem da integração européia. Os tratados da União
Européia (UE) especificam que a educação é uma atividade sob jurisdição
dos Estados-membros e, portanto, não é matéria de regulamentação. O
objetivo da EU é manter e respeitar a diversidade cultural, considerada um
dos valores mais importantes na Europa. Sem dúvida que essa diversidade
cultural gera alguns problemas, entre eles a falta de comparabilidade dos
sistemas universitários, dificultando a mobilidade tanto de estudantes
quanto de graduados. As universidades, tradicionalmente subordinadas ao
Estado, seguem sendo dominadas por essa tradição (2004; 942) .
Contudo, deve-se ressaltar que a especificidade com que se desenvolve esse
processo dentro de um contexto de negociação entre países dentro da integração regional
faz com que ele seja ainda tratado como uma forma do Estado manter sua soberania naquilo
que concerne a cultura e os valores nacionais. As negociações nesse campo tendem a serem
mais complexas, mesmo porque não há um descompasso de poder como aquele que ocorre
entre os países semi-periféricos e periféricos e suas negociações com o Banco Mundial.
O ponto crucial para o desenvolvimento de uma convergência nos parâmetros e
objetivos do ensino superior europeu foi a Declaração de Bolonha, feita em 1999. Um
importante aspecto é destacado por Hortale e Mora:
A preocupação com os problemas da educação superior motivou os
ministros de Educação de França, Alemanha, Itália e Reino Unido,
reunidos no ano de 1998 em Paris, a assinarem a denominada “Declaração
de Sorbonne”, na qual era destacada a necessidade de renovar a educação
superior européia para responder às exigências de uma nova sociedade
Essa declaração foi o embrião de uma nova declaração assinada em 199
por 29 ministros de Educação europeus (não somente os ministros da UE,
mas também de outros países europeus), chamada de “Declaração d
Bolonha”, que deu início ao importante processo de renovação em que
hoje estão imersas as universidades (Bologna Declaration, 1999). É
importante destacar que esse processo de renovação não surgiu nas
universidades e sim sob o comando dos dirigentes políticos. Tem-se a
impressão de que eles estavam mais conscientes dos problemas da
educação superior que a comunidade universitária (IDEM; 944).
A citação aponta para um dos problemas que esses mesmos autores e ainda outros
como ADICK (2002) e LENHARDT (2002) já haviam destacado: o relativo isolamento da
comunidade universitária da européia com relação a sociedade civil. A partir do processo
de Bolonha há mudanças significativas que dão resposta tanto a esse relativo isolamento
quanto a questão da construção de um espaço comum de ensino superior que irá
caracterizar essa política como um exemplo de política social internacional. Ainda é
necessário destacar que a Declaração de Bolonha foi assinada por vinte e nove ministros de
educação europeus, número que supera aquele de estados membros da União Européia.
A Declaração de Bolonha reconhece « L’importance primordiale de l’éducation et
de la coopération dans l’enseignement pour développer et renforcer la stabilité, la paix et la
démocratie des sociétés est universellement reconnue », reconhecendo também que é
preciso uma mudança na estrutura e funcionamento do ensino superior europeu, devido a
toda uma série de problemas enumerados por Hortale e Mora7.
Nesse sentido, são colocados os seguintes objetivos para serem alcançados já no
primeiro decênio do século XXI:
1) Adoção de um sistema de diplomas facilmente compreensíveis e comparáveis.
2) Adoção de um sistema baseado sobre dois ciclos principais, a graduação e a pós
graduação, assegurando aos estudantes um nível de qualificação apropriada para a
inserção no mercado de trabalho.
7
Entre os principais problemas os referidos autores listam os seguintes: a falta de integração das políticas
educacionais, a falta de transparência e baixa integração com as empresas e a sociedade civil, a falta de
financiamento privado para as universidades, sua estrutura rígida e sem flexibilidade e dinamismo, e a
manutenção do seu caráter elitista, além da baixa eficiência acadêmica.
3) Estabelecimento de um sistema de créditos come o meio apropriado para promover
a mobilidade dos estudantes.
4) Promoção de intercambio entre estudantes ultrapassando os obstáculos da livre
circulação, com atenção particular para as possibilidades de formação para os
estudantes e o reconhecimento dos períodos de pesquisa para os professores e
pesquisadores.
5) Promoção da cooperação entre as instituições de ensino de superior com vistas a
manter e garantir a qualidade do ensino europeu.
6) Promoção da dimensão européia do ensino superior, essencialmente na elaboração
de programas de estudo.
Na reunião realizada dois anos depois, em Praga, capital da República Tcheca,
reuniram-se trinta e dois ministros de educação. Foi acordado que o agora chamado
“Processo de Bolonha” deveria ser continuado e desenvolvido. No comunicado desse
conferencia os ministros de educação europeus reforçam os seis objetivos estabelecidos na
reunião anterior, em Bolonha, e salientam outros pontos importantes. Em primeiro lugar,
destacam que « L’éducation et la formation tout au long de la vie constitue un élément
essentiel de l'Espace Européen de l'Enseignement Supérieur ». Destacando, assim a
necessidade da continuidade do estudo e pesquisa para fortalecer a competitividade
econômica, o avanço tecnológico e a coesão social. Em segundo lugar, « Les ministres ont
souligné que l'implication des universités et des autres établissements d’enseignement
supérieur ainsi que des étudiants en tant que partenaires compétents, actifs et constructifs
pour créer et façonner l'Espace Européen de l'Enseignement Supérieur est nécessaire et
bienvenue ». Desta forma, a conferência demonstra a sua intenção de englobar outros atores
nesse complexo processo de construção de um espaço europeu de ensino superior,
relevando ainda, por sugestão dos estudantes, que é necessário considerar a dimensão
social que se constituirá com o desenvolvimento do processo de Bolonha. Finalmente,
Les ministres ont reconnu qu'il était crucial de renforcer l’attractivité de
l'enseignement supérieur européen pour les étudiants d'Europe comme
pour ceux d’autres parties du monde. La lisibilité et la comparabilité des
diplômes de l'enseignement supérieur européen dans le monde doit être
renforcée par le développement d’un cadre commun de qualifications,
ainsi que par la mise en place de mécanismes de garantie de la qualité et
d'accréditation/certification cohérents et le redoublement d’efforts pour
mieux diffuser l'information.
Nesse ponto específico, pode-se notar uma razoável preocupação com a atratividade
do sistema de educação superior europeu basicamente em comparação com o sistema norteamericano. Segundo Hortale e Mora (IDEM; 942) as universidades européias perderam
“sua atratividade para estudantes de outros países, se comparada aos EUA”. Essa
preocupação é essencial não somente pela competição entre sistemas de ensino superior
diferentes, mas também e principalmente para os resultados futuros dessa competição. Uma
maior atratividade para estudantes, tanto para os europeus continuarem em seu continente
quanto para atraírem estudantes de outras partes do mundo, resulta em um maior
desenvolvimento científico e tecnológico, requisitos primordiais na atual fase do
capitalismo mundial.
Outra Conferencia teve lugar em Berlim, no dia dezenove de setembro de 2003. Na
comunicado oficial da Conferência nota-se ainda uma preocupação em reafirmar a
necessidade de preservar a riqueza cultural e lingüística dos distintos países europeus, além
de frisar a importância da manutenção da autonomia das universidades. Nesse ponto, os
ministros « soulignent également que, conformément au principe de l’autonomie des
établissements, la responsabilité première en matière de garantie de la qualité dans
l’enseignement supérieur incombe à chaque établissement lui-même, ce qui fonde les bases
d’une réelle responsabilisation du système universitaire dans le cadre national de qualité ».
A responsabilidade das universidades nesse processo aparece bem acentuada aqui, bem
como também a necessidade de uma harmonização na elaboração e prática das decisões
feitas em cada conferencia, sem a qual, a construção do espaço europeu de ensino superior
ficará fortemente comprometida. São, ainda, colocados os avanços obtidos em cada um dos
objetivos que foram traçados na primeira declaração feita em Bolonha. Constata-se que há
avanços em todas as áreas.
Na Conferencia realizada na cidade de Bergen, no ano de 2005, o comunicado feito
pelos ministros revela-nos importantes avanços. Nota-se, inicialmente, a concretização da
participação dos estudantes nesse processo, através da elaboração do relatório “Bolonha
visto pelos Estudantes” elaborado pelo órgão europeu representativo dos estudantes. O
Relatório foi entregue para a apreciação dos ministros nessa ocasião. Seguindo com o
comunicado, constata-se que houve bons avanços segundo os ministros. O comunicado
afirma que « Lors de notre conférence à Berlin, nous avons chargé le groupe de suivi de réaliser
un bilan à mi-parcours, centré sur trois priorités – le système de diplômes, la garantie de la
qualité et la reconnaissance des diplômes et des périodes d’études. Au regard du rapport
de bilan, nous constatons que des progrès substantiels ont été accomplis dans ces trois
domaines prioritaires ».
Com relação a qualificação para o estabelecimento do Espaço Europeu de Ensino
Superior – EEES – foi adotado a sugestão de três ciclos, incluindo-se um ciclo
intermediário visando a uma melhor adequação para possibilitar o ingresso no mercado de
trabalho. Com relação a garantia de qualidade, são seguidas as recomendação do ENQA European Association for Quality Assurance in Higher Education, entre elas, um modelo de
avaliação do ensino feito por agencias encarregadas especificamente para esse fim. Naquilo
que concerne a reconhecimento dos diplomas, percebeu-se que 36 dos 45 paises
participantes ratificaram a Convenção de Lisboa sobre o Reconhecimento.
O processo de construção de um Espaço Europeu de Ensino Superior desenvolve-se
em um ritmo de razoável velocidade e contempla a participação das universidades e mesmo
dos estudantes. Esse exercício de concertação na condução das políticas educacionais é
representativo por expressar a complexa rede de atores que tem suas ações direcionadas na
construção de uma política pública internacional.
CONCLUSÕES
O objetivo desse trabalho concentrava-se na definição de uma nova maneira de
realização de políticas públicas devido as mudanças ocorridas no papel do Estado e a
chamada internacionalização das demandas por essas políticas. De fato, a discussão sobre
políticas públicas remete, necessariamente, a discussão de uma teoria do Estado e de sua
configuração atual. E, a configuração presente é moldada por um complicada rede de poder
que envolve níveis internos e externos, atores nacionais, agencias internacionais,
organismos supranacionais e intergovernamentais.
Para se chegar a configuração atual foi retomada, ainda que dentro dos limites
cabíveis, a própria definição do Estado, sua construção histórica como Estado Nação e seu
desenvolvimento do século XX como Estado de Bem Estar Social. Além da configuração
interna, foi também demonstrado como as políticas públicas realizadas pelos Estados
acabaram se constituindo em um resultado de um complexo jogo onde intervém atores
internacionais. Sem essas análises não seria possível compreender esse fato social em toda
sua complexidade.
Parece-me ser improvável, atualmente, o estudo da qualquer política pública sem
levar em consideração as influências e constrangimentos colocados em prática pelo sistema
internacional, o que explica o repetido uso de autores, nesse artigo, que se encaixam na
chamada corrente da sociologia histórica, que se caracteriza por não aceitar uma separação
estanque entre a política interna e a política internacional, entre a dimensão doméstica e a
dimensão internacional.
As políticas educacionais são hoje o resultado dessas relações expostas em todo o
texto. Desta forma foi importante a realização da tipologia para demonstrar a diferença de
políticas educacionais realizadas em um ambiente de integração regional, onde a disposição
de poder é menos assimétrica que aquela apresentada quando a negociação ocorre entre
países semi-periféricos e certas organizações intergovernamentais. Nesse sentido, o
chamado processo de Bolonha apresenta características animadoras para o futuro
desenvolvimento do ensino superior europeu. Esse processo pode ser convertido em um
paradigma para novas reformulações do ensino superior em outros Estados envolvidos em
processos de integração regional, apesar de todas as dificuldades e constrangimentos.
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