Dengue: inquérito populacional para pesquisa

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ARTIGO ARTICLE
Dengue: inquérito populacional para pesquisa
de anticorpos e vigilância virológica no
Município de Campinas, São Paulo, Brasil
Dengue: sero-epidemiological survey
and virological surveillance in Campinas,
São Paulo, Brazil
Virgília Luna Castor de Lima 1
Osias Rangel 1
Valmir Roberto Andrade 1
Naoko Yanagizawa Jardim da Silveira
Susely Salviano de Oliveira 1
Luiz Tadeu M. Figueiredo 3
1 Superintendência de
Controle de Endemias,
Campinas, Brasil.
2 Secretaria Municipal
de Saúde, Prefeitura
Municipal de Campinas,
Campinas, Brasil.
3 Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto,
Universidade de São Paulo,
Ribeirão Preto, Brasil.
Correspondência
V. L. C. Lima
Superintendência de Controle
de Endemias.
Rua São Carlos 546,
Campinas, SP
13035-420, Brasil.
[email protected]
2
Abstract
Introdução
The epidemiology of dengue in the municipality
of Campinas, São Paulo, Brazil, was studied in
1998 using a randomized sero-epidemiological
survey. Epidemiological surveillance data from
1996-2003 were also analyzed, with an emphasis on virological surveillance. 1,260 individuals
participated in the survey and had blood samples drawn by finger stick on filter paper. Blood
samples were tested by EIA-ICC, an enzyme immunoassay using infected cells as antigen. Dengue antibody prevalence (14.79%) was lower
than in other surveys in other States of Brazil,
but higher than in two other serological surveys
in São Paulo State. Dengue antibody prevalence
was far higher than the reported case incidence
during the 1996, 1997, and 1998 epidemics. Antibody prevalence and reported case incidence
in different health districts were disproportional. The article concludes by recommending
further research on the significance of transmission rates during epidemics and more intensive
virological surveillance, especially in years with
few reported cases.
O dengue tem se apresentado como importante
problema de saúde pública no Brasil. A tendência de ocorrência dessa virose e das suas formas
graves é crescente, apesar da oscilação dos níveis de transmissão anuais ao longo das últimas
décadas.
Vários estudos têm sido feitos, no país, para
esclarecer aspectos da epidemiologia da doença,
incluindo, entre esses, inquéritos populacionais
visando à detecção dos níveis de anticorpos e,
assim, permitindo avaliar a intensidade da transmissão do dengue em determinados municípios
e, também, compará-la a dados obtidos pela vigilância epidemiológica durante a epidemia. No
Estado de São Paulo, Brasil, foram realizados dois
desses inquéritos, após as primeiras epidemias
de dengue ocorridas. Nesses estudos, comparouse a prevalência de indivíduos com anticorpos
para dengue com os coeficientes de casos medidos durante a epidemia. Também, foram feitas
comparações de dados entre diferentes áreas dos
municípios e com relação à infestação por mosquitos vetores, além de abordarem aspectos da
vigilância epidemiológica relacionados ao diagnóstico clínico e sorológico do dengue 1,2.
No presente trabalho, estudou-se a epidemiologia do dengue no Município de Campinas, São
Paulo, Brasil, realizando, em 1998, um inquérito
populacional pós-epidêmico visando à detecção
dos níveis de anticorpos para dengue e compa-
Dengue; Epidemiologic Surveillance; Serology
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rando esses com dados obtidos pela vigilância
epidemiológica durante as epidemias locais de
1996 a 2003. O inquérito foi realizado após registro de três anos de epidemias, e a análise comparativa desses dados permitiu avaliar a intensidade
da transmissão e sua distribuição no município,
bem como levantar questões sobre os indicadores
obtidos por meio da vigilância epidemiológica.
Metodologia
O inquérito na população do Município de Campinas foi realizado no mês de outubro, quatro meses após a detecção dos últimos casos da epidemia de 1998. O trabalho de campo prolongou-se
por quatro semanas. Amostras de sangue foram
coletadas por punção digital, armazenadas em
papel de filtro e analisadas quanto à presença de
anticorpos IgG contra vírus do dengue, dos tipos
1 e 2, e vacinal da febre amarela, por EIA-ICC (Enzyme Immuno-Assay on Infected Cultured Cells),
um teste imunoenzimático que utiliza células
infectadas como antígeno 3. Os resultados foram
analisados por meio de tabelas de freqüência e
de cálculos de prevalência para amostra complexa, testes de diferença de proporções, além
de medidas de risco. Os resultados do inquérito
foram comparados aos da análise dos dados da
vigilância epidemiológica.
Área de estudo
Campinas é município sede de região e dista, a
nordeste, 100km da capital São Paulo. Trata-se
de município industrializado e importante pólo
econômico do país, sofrendo, por essas características, significativas pressões de introdução
tanto do vetor como do vírus do dengue.
De acordo com dados da Prefeitura Municipal, a transmissão de dengue, em Campinas,
foi identificada, pela primeira vez, em 1996, em
níveis muito baixos. Desde então, casos de dengue vêm sendo detectados anualmente, tendo
ocorrido duas epidemias com maior intensidade
de transmissão nos anos de 1998 e 2002. No momento, circulam, em Campinas, vírus da dengue
dos tipos 1, 2 e 3. Foram registrados dez casos do
dengue hemorrágica, sendo um fatal em 2000 e
nove, em 2002, com boa evolução.
É importante salientar que o dengue tem
apresentado comportamento marcadamente sazonal na região de Campinas.
Planejamento do estudo
Estudou-se amostra populacional de residentes
no município, estratificada proporcionalmente
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ao tamanho da população de cada distrito de
saúde. Os participantes foram selecionados por
conglomerado nas casas sorteadas. O tamanho
da amostra a ser coletada, de 1.270 indivíduos, foi
calculado a partir da população estimada do município para o ano de 1998, 931.922 habitantes,
supondo uma prevalência 15 vezes maior do que
a incidência de 0,11%, registrada nos dados da
Secretaria de Saúde do Município para a epidemia do ano de 1998 e, também, tendo como base
o resultado de inquérito realizado em município
da região anteriormente 2. Foram aceitos um valor máximo para prevalência de 2,35% e um grau
de confiança de 95%.
Em cada distrito, foi sorteado um número
de quarteirões correspondente ao tamanho da
amostra calculada. Dividia-se esse número por
três, supondo-se uma média de três pessoas por
casa e acrescentava-se mais 10% para compensar
perdas. Fez-se reposição de quarteirões sorteados. Chegando ao quarteirão sorteado, a equipe
de campo da Superintendência de Controle de
Endemias (SUCEN) contava o número de casas e
procedia ao sorteio daquela que seria pesquisada, utilizando fichas numeradas.
Foi realizada ampla divulgação do trabalho
no município enfatizando o caráter voluntário da
participação das pessoas. Além disso, os selecionados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual era, também, ressaltada
a utilização exclusiva de materiais descartáveis
na coleta de sangue. Não houve submissão do estudo a um Comitê de Ética, porque, por ocasião
do levantamento, não havia comitês atuantes
nas instituições envolvidas.
Nas casas sorteadas, de cada participante,
foram coletadas as seguintes informações: sexo,
idade, escolaridade, vínculo trabalhista, antecedente de ter tido dengue e em que ano teria
ocorrido esse evento, ocorrência de doença febril
durante o período da última epidemia, conhecimentos sobre os sintomas da dengue, conhecimento sobre medidas de prevenção do dengue,
freqüência da coleta de lixo na residência, necessidade de armazenar água para uso doméstico e
higiene pessoal.
Um banco de dados foi criado e analisado no
módulo Csample do Epi Info 6.04b (Centers for
Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados
Unidos).
Amostras de sangue dos participantes foram colhidas por punção da polpa digital, sendo
armazenadas em papel de filtro, devidamente
identificado, a -18ºC, até serem eluídas para os
testes sorológicos.
DENGUE: PESQUISA DE ANTICORPOS E VIGILÂNCIA VIROLÓGICA
Teste sorológico para dengue
Para diagnóstico sorológico de dengue, utilizouse o EIA-ICC, um teste imunoenzimático que
utiliza células infectadas como antígeno 3,4,5,6.
Para tanto, cultivou-se, em frascos plásticos estéreis, células do mosquito Aedes albopictus da
linhagem C6/36 em meio Leibowitz L15, contendo 6% de soro fetal bovino, 10% de solução
de fosfato triptose, 100U/ml de penicilina e 1%
de estreptomicina. As células foram mantidas,
por 24h, em estufa a 28ºC, em atmosfera úmida, até formarem monocamadas confluentes.
Em seguida, os frascos foram infectados com os
vírus da dengue dos tipos 1, 2 e febre amarela
vacinal 17D, visando ao teste sorológico para esses vírus. Outros frascos foram mantidos sem infecção. Os frascos infectados foram incubados,
por seis dias, a 28ºC. Observou-se, nos frascos, o
aparecimento de efeito citopático produzido pelos vírus infectantes nas células C6/36. Também,
previamente à coleta das células, confirmou-se
a infecção viral por teste de imunofluorescência
indireta 7,8.
Células infectadas e não infectadas (controles negativos) foram colocadas em quantidade
de 106 por 100µl em cada orifício de microplacas
plásticas estéreis de 96 orifícios (Falcon, Estados
Unidos), respeitando-se a seguinte ordem: células infectadas e não infectadas em colunas de
orifícios alternadas. Após incubação overnight
a 28ºC, as células foram fixadas às placas com
formalina tamponada pH 7 (37-40% de formaldeído – 100ml, fosfato de sódio dibásico anidro
– 6,5g, fosfato de sódio monobásico – 4g a água
destilada – 900ml), acrescentando-se 50µl por
orifício. As placas foram incubadas overnight a
4ºC. Posteriormente, os orifícios foram lavados,
por quatro vezes, com PBS e foram secados. As
placas, prontas para o teste, foram armazenadas
a -70ºC.
Os sangues a serem testados foram eluídos
diretamente dos papéis-filtro. Esses papéis foram
picados e colocados em tubos, sendo misturados
a 1,70ml de diluente (albumina bovina a 0,5% em
PBS). Os tubos foram centrifugados por 2min a
10.000g e deixados em geladeira overnight.
O EIA-ICC propriamente dito foi realizado
acrescentando 200µl por orifício de uma solução
bloqueadora contendo soro de cabra a 3% em
PBS e incubando-se as placas a 37ºC por 2h. Lavaram-se as placas, por três vezes, com Tween-20
a 0,05% em PBS. Foram acrescentados a orifícios
contendo as células previamente infectadas e aos
contendo células não infectadas 100µl de cada
sangue humano analisado, primeiramente na
diluição de 1/100, diluído em albumina bovina
a 0,5% em PBS. Incubou-se 1h a 37ºC, lavaram-
se os orifícios, por três vezes, com PBS Tween e
foram acrescentados 100µl a orifícios teste e controle, de imunoglobulina caprina anti-IgG humano conjugada à peroxidase. As placas foram
incubadas por 1h a 37ºC, lavaram-se os orifícios,
por três vezes, com PBS-Tween e acrescentou-se
o substrato O-fenileno-diamina (OPD). Fez-se a
leitura visual das placas após 20min de incubação a 37ºC, comparando-se a cor alaranjada ou
amarelo-escura nos orifícios teste com a ausência de cor nos controles.
Selecionaram-se os sangues positivos para o
vírus do dengue tipo 1 na diluição 1/100 (192 soros), e esses foram testados para os vírus dengue
tipo 2 e febre amarela vacinal. Os sangues positivos para dengue tipo 1, dengue tipo 2 e/ou febre
amarela foram, também, testados para esses vírus nas diluições 1/500, 1/2mil e 1/8mil.
Os testes sorológicos para dengue tipo 2 e
febre amarela visaram a discriminar o vírus do
dengue infectante com base naqueles circulantes no país até aquela ocasião (tipos 1 e 2) e, também, a discriminar a infecção vacinal por um vírus da mesma família e que pode reagir de forma
cruzada com o dengue em testes sorológicos, o
vírus da febre amarela. Dessa forma, participantes do estudo foram considerados com grande
probabilidade de infecção por um dos vírus testados quando seus sangues reagiam apenas para
aquele vírus ou, quando reagentes para mais de
um dos vírus, tinham essa reação positiva em diluição do sangue quatro vezes superior às observadas para com os outros vírus 9.
Resultados
Participaram deste estudo 1.260 indivíduos, dos
quais foram coletadas e testadas amostras de
sangue. Foram coletadas 1.321 amostras, em 61
(4,61%) delas, por motivos técnicos, não foi possível realizar os testes laboratoriais. A distribuição
por sexo, faixa etária e escolaridade desses 61 indivíduos não apresentou diferença quando comparada com a dos 1.260 participantes do estudo.
A mesma comparação por Distrito de Saúde de
residência não mostrou diferença, a não ser no
Distrito Norte, onde a porcentagem de indivíduos foi menor entre as amostras não testadas. Das
1.260 amostras testadas, 192 (15,274%) apresentaram IgG reagentes. Excluindo seis amostras que
apresentaram reação para o antígeno da febre
amarela, obteve-se uma prevalência de reagentes
para dengue de 14,797% (IC95%: 12,413-17,181).
Esses valores foram calculados considerando
amostra complexa, estratificada por distrito e
em conglomerado nas casas, tendo resultado um
efeito de desenho de 1,475.
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De acordo com os dados da Secretaria de
Saúde do Município, durante a epidemia de 1998,
em Campinas, foram notificados 5.350 casos de
dengue, o que resulta em incidência de 0,573%
de casos notificados na população do município.
Desses casos notificados, 83,1% tiveram teste
sorológico realizado com 24% de positividade.
Portanto, ocorreram 1.072 casos de dengue com
confirmação laboratorial, sendo o coeficiente de
incidência de casos autóctones com confirmação
laboratorial de 0,113% ou 114,36 casos por 100
mil habitantes. O número de casos importados
mais o de autóctones de outros municípios do
Estado, notificados no Município de Campinas
e confirmados laboratorialmente, representou
2,9% do total de casos confirmados neste ano.
No ano de 1996, foram notificados 255 casos e,
no ano seguinte, 599 casos. O número de casos
confirmados laboratorialmente nesses anos foi
de 24 e 41 respectivamente.
Os dados relativos ao dengue, registrados na
Secretaria Municipal de Saúde, estão resumidos
na Tabela 1. Os baixos coeficientes de incidência,
registrados nos anos de 1996 e 1997, podem ser
observados. Em quatro dos anos mencionados,
não se cita isolamento de vírus.
Na Tabela 2, colocaram-se os dados de Campinas junto aos dos outros dois municípios do
Estado onde foram realizados inquéritos. Observa-se que a positividade dos exames, realizados
durante as epidemias, tem relação com a incidência da doença. Essa relação não se repete na prevalência de reagentes encontrada nos inquéritos
nem nas razões entre reagentes (número estimado para a população do município) por número
de casos notificados nem entre reagentes (número estimado para a população do município) por
número de casos confirmados laboratorialmente. A razão entre reagentes por notificados tem
valores semelhantes para Santa Bárbara d’Oeste
e Ribeirão Preto (São Paulo), sendo bem maior
em Campinas. A razão entre reagentes por confirmados laboratorialmente não repete a relação
anterior, sendo maior para Santa Bárbara d’Oeste
que para Ribeirão Preto. Campinas apresenta essa razão com valores muito mais elevados.
Calculou-se a prevalência de participantes
do inquérito que apresentaram anticorpos para
dengue (excluindo-se aqueles reagentes para febre amarela) em cada Distrito de Saúde do Município de Campinas (efeito do desenho de 1,475),
como mostra a Tabela 3.
Na Tabela 3, observa-se que as prevalências de amostras reagentes para dengue foram
semelhantes nos diversos Distritos de Saúde. A
prevalência de amostras reagentes para dengue
no Distrito Leste não se mostrou diferente de
maneira significante quando comparada a dos
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outros Distritos: Noroeste (OR = 1,061; IC95%:
0,58-1,95); Norte (OR = 0,881; IC95%: 0,49-1,59);
Sudoeste (OR = 1,276; IC95%: 0,73-2,23) e Sul (OR
= 0,996; IC95%: 0,55-1,79).
Na mesma tabela, pode ser observado que os
coeficientes de incidência, com base em dados
da epidemia e calculados para cada distrito com
base na população total de cada um deles, foram
diferentes entre si quando analisados pelo teste
de diferença de proporções (p < 0,001). Dentre
esses coeficientes de incidência, foi significantemente mais elevado o do Distrito Leste quando
comparado com cada um dos demais.
O coeficiente de casos notificados na epidemia (número de casos notificados/população
do distrito no ano de 1998 x 100) foi significantemente mais elevado no Distrito Leste (Leste
– coeficiente 0,85%; Noroeste – coeficiente 0,5%,
p < 0,001; Norte – coeficiente 0,48%, p < 0,001;
Sudoeste – coeficiente 0,45%, p < 0,001; Sul – coeficiente 0,46%, p < 0,001). Quanto ao coeficiente
de notificação do Distrito Noroeste, que é o que
tem maior valor depois do Distrito Leste, observou-se que ele é apenas significantemente mais
elevado que o do Distrito Sudoeste.
Os títulos (recíprocas da diluição) de anticorpos para dengue e febre amarela, observados nos
sangues dos participantes, permitiram considerar:
• Provável infecção por dengue tipo 1 – 123
amostras: 103 reagentes, apenas, para dengue
tipo 1 com título de 100; 9 reagentes, apenas, para dengue tipo 1 com título de 500; 3 reagentes,
apenas, para dengue tipo 1 com título de 2.000; 2
reagentes para dengue tipo 1 com título de 500 e
reagentes para dengue tipo 2 com título de 100; 2
reagentes para dengue tipo 1 com título de 2.000
e reagentes para dengue tipo 2 com título de 100;
2 reagentes para dengue tipo 1 com título de
8.000 e reagentes para dengue tipo 2 com título
de 500; 1 reagente para dengue tipo 1 com título
de 8.000 e reagente para dengue tipo 2 com título
de 500 e para febre amarela com título de 100; 1
reagente para dengue tipo 1 com título de 8.000 e
reagente para dengue tipo 2 e para febre amarela
com título de 100;
• Provável infecção por dengue tipo 2 – 18 amostras: reagentes para dengue tipo 1 com título de
100 e para dengue tipo 2 com título de 500;
• Provável infecção por vírus vacinal da febre
amarela – 2 amostras: 1 reagente para vírus do
dengue tipo 1 com título de 100 e para vírus vacinal com título de 500; 1 reagente para vírus tipo 1
e para vírus tipo 2 com título de 100 e para vírus
vacinal com título de 500;
• Infecção indeterminada, por dengue tipo 1 e/
ou tipo 2 – 45 amostras: 41 reagentes para dengue
tipo 1 e para dengue tipo 2 com título de 100; 4
DENGUE: PESQUISA DE ANTICORPOS E VIGILÂNCIA VIROLÓGICA
Tabela 1
Número de casos de dengue no Município de Campinas, São Paulo, Brasil, confirmados laboratorialmente, coeficiente de
incidência por 100 mil habitantes e tipos de dengue isolados segundo o ano (1996-2003).
Ano
Número de casos
Coeficiente de incidência
Sorotipos isolados
por 100 mil habitantes
1996
2
0,22
1997
21
2,28
–
–
1998
1.072
114,36
DEN1
1999
42
4,41
–
2000
38
3,93
DEN2
2001
536
63,90
–
2002
1.246
150,62
DEN1 e DEN3
2003
382
44,3
DEN3
Fonte: Coordenadoria de Vigilância em Saúde, Secretaria de Saúde, Prefeitura Municipal de Campinas.
Tabela 2
Dados de epidemias (incidência, positividade dos exames) e inquéritos populacionais, relacionando número estimado de infectados na população com
número de casos notificados e confirmados, em Ribeirão Preto (epidemia – 1991, inquérito – 1992), Campinas (epidemia e inquérito – 1998),
Santa Bárbara d’Oeste (epidemia e inquérito – 1995), São Paulo, Brasil.
Município
Coeficiente de
Exames positivos/
Prevalência do
Número de casos
incidência por
Realizados (%)
inquérito (%)
reagentes/
reagentes/
Notificados
Confirmados
100 mil habitantes
Número de casos
Ribeirão Preto
0,55
40,0
5,4
2,5
6,6
Campinas
0,11
20,0
14,8
22,1
124,1
Santa Bárbara d’Oeste
0,04
12,6
0,5
2,0
15
Fonte: Dados dos inquéritos, Lima et al. 2 e Figueiredo & Shope 3.
Tabela 3
Prevalência de participantes do inquérito apresentando anticorpos para dengue por Distrito de Saúde do Município de Campinas, São Paulo, Brasil,
incluindo, para comparação, a prevalência de anticorpos detectada entre casos suspeitos de dengue durante a epidemia, 1998.
Distrito
Inquérito
Epidemia
Amostras
Número de
Prevalência/100
Número de casos
coletadas
amostras
participantes
confirmados (%)
reagentes
(IC95%)
Coeficiente de
incidência/100
habitantes (IC95%)
Leste
270
41
15,18 (9,97-20,39)
711 (66,32)
0,321 (0,28-0,34)
Noroeste
194
28
14,42 (8,84-20,03)
102 (9,51)
0,074 (0,05-0,07)
Norte
231
39
16,87 (10,90-22,85)
63 (5,88)
0,038 (0,03-0,05)
Sudoeste
260
32
12,31 (8,13-16,46)
18 (1,68)
0,010 (0,00-0,02)
Sul
Total
302
46
15,22 (9,71-20,73)
178 (16,60)
0,078 (0,05-0,09)
1.257
186
14,80 (12,40-17,17)
1.072 (100,00)
0,113 (0,11-0,012)
Fonte: Coordenadoria de Vigilância em Saúde (COVISA), Secretaria de Saúde, Prefeitura Municipal de Campinas.
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Lima VLC et al.
reagentes para dengue tipo 1 e para dengue tipo
2 com título de 500;
• Infecção indeterminada, por dengue tipo 1 e/
ou por vírus vacinal de febre amarela – 2 amostras: reagentes para vírus tipo 1 e para vírus vacinal com titulagem de 100;
• Infecção indeterminada, por dengue tipo 2 e/
ou por vírus vacinal de febre amarela – 1 amostra:
reagente para vírus dengue tipo 1 com título de
100, para vírus dengue tipo 2 e para vírus vacinal
com título de 500;
• Infecção indeterminada, por dengue tipo 1 e/
ou tipo 2 e/ou vírus vacinal de febre amarela – 1
amostra: reagente para os três vírus com título de
100.
De acordo com a classificação acima, observa-se uma predominâcia significativa do dengue
tipo 1 em relação ao tipo 2 (p < 0,001)
A partir de levantamento realizado no Instituto Adolfo Lutz, regional de Campinas, por ocasião deste estudo, sobre amostras colhidas para
tentativa de isolamento viral durante a epidemia
de 1998 e o resultado deste exame, obtiveramse os seguintes dados: de um total de 264 amostras, em 50 delas (18,94%; IC95%: 14,20-23,67),
foi isolado o vírus do dengue tipo 1, em 2 delas
(0,76%; IC95%: -0,28 – -1,81), foi isolado o sorotipo 2, em 177 (67,04%; IC95%: 61,36-72,73), não
foram isolados vírus e, para 35 amostras, não se
conseguiu recuperar o resultado por motivos variados. Ressalta-se que essas amostras foram colhidas de acordo com orientação do Sistema de
Vigilância Epidemiológica para colher amostras
para isolamento viral numa parcela dos casos
(cerca de 10%) que procurou algum serviço de
saúde nos primeiros cinco dias após o início da
febre. Observou-se, nesses dados, predominâcia
significativa do dengue tipo 1 em relação ao tipo
2 (p < 0,001). Comparando esses dados com os
do inquérito, observa-se que a prevalência do vírus tipo 1 mostra-se mais importante nos dados
da epidemia do que nos dados do inquérito (p
< 0,001). Por outro lado, o dengue tipo 2 apresenta-se de maneira mais marcante nos dados
do inquérito do que nos dados da epidemia (p
< 0,001). Ressalta-se que as duas amostras das
quais se isolou o vírus do dengue tipo 2, durante
a epidemia, provinham de casos que não foram
classificados como autóctones.
Ao serem comparadas as porcentagens de
amostras positivas para dengue tipo 1 e tipo 2
dos participantes do inquérito, em cada Distrito
de Saúde, foi observado que houve diferença estatística apenas no Distrito Sudoeste, com valor
mais elevado para dengue tipo 2 (p = 0,01). Fazendo-se a mesma comparação com os dados
referentes às amostras clínicas de casos suspeitos, submetidas ao isolamento viral, durante a
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epidemia, observou-se predominância de dengue tipo 1 no Distrito Leste em relação ao tipo 2
(p = 0,01). No outro distrito onde foi conseguido
o isolamento de uma amostra de dengue tipo 2,
o Noroeste, a diferença entre as porcentagens de
amostras positivas para cada um dos sorotipos
não foi significativa estatisticamente (p = 0,19).
Ressalta-se que, no Distrito Sudoeste, não se obteve isolamento de vírus.
Para os participantes do inquérito, comparou-se, em tabela 2x2, a informação fornecida
quanto ao antecedente de vacinação antiamarílica e os resultados do EIA-ICC, sendo os valores
encontrados os seguintes: dos 416 participantes
que referiram que haviam sido vacinados ou tinham dúvida, 71 foram reagentes (17,07%), e 345
(82,92%) não o foram; dos 785 que referiram não
serem vacinados, 108 (13,76%) foram reagentes,
e 677 (86,23) não o foram (OR = 1,29; IC95%: 0,911,83); para 59, essa informação não estava disponível. Não se observou, então, diferença entre os
grupos de reagentes e não reagentes, de acordo
com a informação sobre vacinação antiamarílica prévia. Da mesma forma, não se observou
diferença da presença de anticorpos para febre
amarela quanto à informação sobre vacinação
antiamarílica prévia. O percentual de indivíduos
que referiram terem sido vacinados contra febre
amarela entre os participantes do inquérito foi
de 19,3%, aqueles que tinham dúvida quanto à
vacinação representaram 14,3%.
Na análise comparativa, não se observou associação de sexo e faixa etária com presença de
anticorpos para dengue entre os participantes do
inquérito (Tabelas 4 e 5). A mesma falta de relação se observou quanto à escolaridade ou vínculo trabalhista.
Comparou-se, também, em tabela 2x2, a informação fornecida quanto ao antecedente de
dengue e os resultados do EIA-ICC. Não houve
diferença entre os grupos (OR = 2,265; IC95%:
0,44-11,76). Análises similares feitas com as informações sobre ocorrência de doença febril durante o período da epidemia contra resultados do
EIA-ICC não mostraram diferença significante
entre os reagentes e não reagentes. Também, não
foram encontradas diferenças significantes entre
participantes que tinham coleta de lixo com freqüência diferente ou entre os que necessitavam
armazenar água e aqueles que não necessitavam
ou, ainda, entre participantes com melhor ou
pior conhecimento sobre os sintomas do dengue. Entretanto, quando se analisou conhecimento sobre medidas de prevenção do dengue,
encontrou-se diferença significante entre os participantes que referiram não saber sobre elas e
aqueles que foram classificados como possuindo
conhecimento médio sobre as referidas medidas
DENGUE: PESQUISA DE ANTICORPOS E VIGILÂNCIA VIROLÓGICA
Tabela 4
Distribuição dos participantes no inquérito por faixa etária.
Faixa etária (em anos)
Resultado do EIA-ICC
Reagente
Número
OR * (IC95%)
Não reagente
%
Número
%
Total
Número
%
Ignorada
1
16,67
5
83,33
6
100,00
0-4
11
19,63
45
80,37
56
100,00
5-9
11
15,48
60
84,51
71
100,00
1,32 (0,51-3,51)
10-14
13
11,61
99
88,38
112
100,00
1,85 (0,75-4,62)
15-19
18
15,93
95
84,06
113
100,00
1,28 (0,58-2,88)
20-24
16
17,01
78
82,98
94
100,00
1,18 (0,48-2,93)
25-29
15
15,30
83
84,68
98
100,00
1,34 (0,59-3,11)
30-39
30
14,62
175
85,36
205
100,00
1,42 (0,67-3,05)
40-49
20
11,23
158
88,75
178
100,00
1,92 (0,84-4,42)
50 e mais
51
15,59
276
84,30
327
100,00
1,31 (0,63-2,79)
Total
186
14,80
1.074
85,20
1.260
100,00
EIA-ICC = Enzyme Immuno-Assay on Infected Cultured Cells.
* Calculado tendo como referência o primeiro intervalo (0-4 anos).
Tabela 5
Distribuição dos participantes no inquérito por sexo.
Sexo
Resultado do EIA-ICC
Reagente
Não reagente
Número
%
Número
%
Total
Número
%
Feminino
109
14,68
633
85,30
742
100,00
Masculino
76
14,78
438
85,20
514
100,00
Total
185
14,73
1.071
85,26
1.256 *
100,00
EIA-ICC = Enzyme Immuno-Assay on Infected Cultured Cells.
Valores com OR = 0,98; IC95%: 0,72-1,36.
* Quatro (4) indivíduos sem registro de sexo.
(OR = 1,53; IC95%: 1,03-2,26), os quais tiveram
uma menor freqüência de anticorpos para dengue. Curiosamente, quando se fez essa análise
comparativa entre o grupo que “não sabia” sobre
medidas de prevenção do dengue e aquele que
foi classificado como tendo um conhecimento
bom, não se encontrou diferença significante.
Entretanto, ressalta-se que esse grupo com resposta classificada como boa incluía um número
pequeno de indivíduos.
Discussão
Como a prevalência de indivíduos apresentando
anticorpos para dengue no inquérito foi muito
superior à estimada por ocasião do cálculo de
tamanho amostral, foram calculados, para o novo valor e efeito de desenho encontrado, o seu
grau de confiança, que foi de 95%, e o seu nível de significância, que foi de 5%, evidenciando
uma adequada confiabilidade para os dados aqui
mostrados.
A prevalência de anticorpos para dengue na
população de Campinas, em 1998, mostrou-se
mais baixa que a encontrada em outros inquéritos realizados no país, em cidades médias e grandes. Vale registrar que, nesses inquéritos, foi utili-
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Lima VLC et al.
zado o teste de inibição da hemaglutinação, cuja
sensibilidade e especificidade na pesquisa de IgG
para flavivírus são equivalentes às do EIA-ICC 9.
Vasconcelos et al. 10 referem prevalência de infecções por vírus do dengue de 25 a 56%, com base
em inquéritos realizados em cidades desse tipo.
A maioria desses inquéritos ocorreram após as
primeiras epidemias detectadas 11,12,13,14. Outro
inquérito realizado em cidade de grande porte,
Salvador, Bahia, Brasil, mostrou prevalência de
reagentes sorológicos para dengue ainda mais
elevada, com valor de 68,75%, só que, nesse caso,
no momento do inquérito, já se havia passado
quatro anos de registro de transmissão 15.
A prevalência encontrada em Campinas
(14,797%) foi semelhante à encontrada em cidades de pequeno porte. Em inquéritos realizados
em duas pequenas cidades do Estado da Bahia,
após as primeiras epidemias detectadas, foram
encontradas prevalências de 11,9 e 17,5% 9.
Por outro lado, a prevalência de anticorpos
para dengue encontrada em Campinas, quando
comparada às de dois inquéritos realizados no
Estado de São Paulo, apresenta valor mais elevado. Inquérito realizado no ano seguinte, tendo-se
passado mais um verão após a primeira epidemia de dengue, no ano de 1991, na cidade de Ribeirão Preto, que possuia população de 430.312
habitantes naquele ano, mostrou prevalência de
5,4% 1. Em outro inquérito no mesmo ano após
a primeira epidemia detectada, realizado em
cidade de porte médio, Santa Bárbara d’Oeste
(145.266 habitantes no ano de 1995), situada na
região de Campinas, observou-se prevalência de
0,63% 2.
Esses dados permitem concluir que as prevalências encontradas nos inquéritos no Estado de
São Paulo são inferiores àquelas observadas em
municípios de outros Estados do país. Mesmo
que a prevalência de Campinas tenha sido próxima àquela dos dois inquéritos acima citados, se
levarmos em conta que ao se realizar um inquérito vai obter-se um retrato cumulativo de infecções ao longo do tempo e que provavelmente o
tamanho do município tenha, também, influência nessa prevalência, com valores mais elevados
nos de maior porte, seria de esperar valores mais
elevados para Campinas já que se trata de cidade
de grande porte e que apresentou três episódios
epidêmicos antes da realização do inquérito.
Os motivos dessas prevalências baixas no Estado de São Paulo necessitam, ainda, ser objeto
de investigação. Pode-se questionar se seriam
decorrência de condições climáticas. Os níveis
mais elevados de transmissão, observados mais
recentemente em municípios litorâneos do Estado, poderiam sugerir relação com a pluviosidade e com temperaturas mais elevadas. Po-
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(3):669-680, mar, 2007
de-se conjecturar, também, se as prevalências
encontradas nos inquéritos teriam relação com
o tipo de urbanização ou, ainda, com medidas
adotadas de vigilância e controle da transmissão
do dengue.
A prevalência de anticorpos encontrada no
presente inquérito permite inferir que 137.906
pessoas, no Município de Campinas, foram infectadas por vírus do dengue. Considerando
que, na epidemia de 1998, foram notificados
5.350 casos (3,9% do número acima referido), o
número de indivíduos apresentando anticorpos
é, portanto, 25,8 vezes maior. Considerando os
casos notificados nos dois anos anteriores, nos
quais se foi detectada transmissão, o número
total de casos notificados no município vai para
6.204, continuando o número de reagentes bem
superior ao de notificados, 22,1 vezes. Analisando estudos soro-epidemiológicos realizados no
país, nos quais se fez essa comparação, observase grande variação nos valores encontrados. No
Município de Prado, Bahia, Brasil, essa relação
foi oito vezes maior para soro reagentes que para
casos de dengue notificados e, no mesmo estudo,
no Município de Ipupiara, Bahia, Brasil, esse valor
foi 1,3 vez menor do que o de casos notificados 9.
Como visto acima, esses inquéritos foram feitos
após as primeiras epidemias detectadas. Em Fortaleza, Ceará, Brasil 13, foram observados 21 vezes
mais indivíduos infectados por dengue no estudo
soro-epidemiológico que nos dados com base em
casos notificados. Neste município, já se havia
detectado transmissão durante quatro anos na
ocasião do inquérito, e a razão foi calculada com
o número de casos notificados na epidemia de
maior porte que antecedeu o inquérito. Nos dois
municípios paulistas, essa relação foi de 2,5 vezes
para Ribeirão Preto e duas vezes para Santa Bárbara d’Oeste, como visto nos resultados.
No Estado de São Paulo, onde se realizam
exames sorológicos (MacElisa) na maioria dos
pacientes cujos casos são notificados, é possível comparar o número estimado de indivíduos apresentando anticorpos contra dengue no
inquérito com o número de casos confirmados
laboratorialmente durante a epidemia. No presente estudo, o número de soro reagentes para
dengue é 128,6 vezes maior do que o número de
casos confirmados na epidemia, valor que é bem
superior aos encontrados em Ribeirão Preto,
6,6 vezes, e aos encontrados em Santa Bárbara
d’Oeste, 15 vezes. Somando-se ao número de casos confirmados no ano de 1998 aqueles dos dois
anos anteriores, a razão reagentes/confirmados
continua elevada, da ordem de 124,1 vezes.
À primeira vista, poderia se concluir pela melhor qualidade da vigilância epidemiológica nos
municípios onde a razão entre número estimado
DENGUE: PESQUISA DE ANTICORPOS E VIGILÂNCIA VIROLÓGICA
de casos reagentes por casos notificados é menor.
No entanto, essa relação, também, depende de
outros fatores, tais como: a ocorrência de epidemias anteriores à última, que serve de comparação; a ocorrência concomitante de epidemias de
outras doenças febris com quadro inespecífico e
levando a uma notificação aumentada de casos
suspeitos de dengue; o percentual de casos com
infecção assintomática ou oligossintomática. A
avaliação da qualidade da vigilância epidemiológica dos serviços de saúde desses municípios
paulistas foge ao escopo deste estudo. No entanto, entre os profissionais da área, Campinas é tido
como um município onde existe, relativamente
a outros do Estado, uma organização boa dos
serviços de saúde coletiva com descentralização,
hierarquização, acesso razoável, seguimento de
rotinas e profissionais especializados e de carreira. Pensando que Campinas já havia apresentado
transmissão em anos anteriores, seria de se esperar um maior número de casos com anticorpos
do que Ribeirão Preto e Santa Bárbara d’Oeste,
mas, observando-se os coeficientes baixos de incidência dos anos anteriores a 1998, a diferença
é intrigante, principalmente quando se leva em
consideração que o coeficiente de incidência de
casos de Ribeirão Preto, em 1991, foi de 0,55%,
portanto, cinco vezes maior do que o de Campinas no ano de 1998.
A diferença ainda mais importante entre os
valores das razões “casos reagentes/casos confirmados na epidemia” apresentada pelos três
municípios paulistas mostra mais um desafio à
compreensão. Essa razão, além de todas influências sofridas pela razão “casos reagentes/casos notificados”, teria relação mais intensa com a
especificidade da suspeita clínica. Isso faz supor
uma especificidade maior para Ribeirão Preto,
intermediária para Santa Bárbara e bem menor
para Campinas. Observa-se que essa razão não
guarda proporção nem com a incidência nem
com o percentual de positividade dos exames
realizados.
Deduz-se desses achados que um número
expressivo de infecções por dengue no Município de Campinas não foi detectado pela vigilância, associado a isso, uma elevada parcela
dos casos notificados não se confirmou laboratorialmente.
No presente inquérito, utilizou-se EIA-ICC,
teste de elevada sensibilidade e de fácil execução,
mas específico para o grupo dos flavivírus. Dessa
maneira, uma parte dos indivíduos considerados
reagentes poderia ter anticorpos contra o vírus
vacinal ou contra outro flavivírus do grupo. Como foi visto, cerca de 30% dos participantes no
inquérito referiram que haviam sido vacinados
ou tinham dúvida quanto a isso. No entanto, co-
mo visto, não houve diferença em relação à informação de vacinação contra febre amarela entre
os grupos de reagentes e não reagentes.
Uma outra hipótese a ser avaliada é a da
ocorrência de circulação importante de outro
flavivírus no município. No presente estudo, não
foi testada a presença de anticorpos para outros
vírus desse gênero. Essa possibilidade pode vir a
ser objeto de investigação, e presentemente não
se configura como hipótese mais provável, pois,
em estudos anteriores nos quais se pesquisou
anticorpos contra flavivírus na população de outras regiões do Estado de São Paulo, a prevalência
foi de 2,5% em áreas urbanas antes de registro de
transmissão de dengue no Estado e, em outro,
realizado após a ocorrência de epidemia de dengue, não foram encontrados anticorpos contra
outros flavivírus, à exceção da dengue 1,16.
Outro achado, também instigante, no presente estudo, é que, diferentemente dos outros dois
inquéritos realizados no Estado 1,2, neste, não se
encontrou uma proporcionalidade entre a prevalência de anticorpos para dengue e a incidência e
notificação de casos durante a epidemia nos diferentes Distritos de Saúde da cidade. O Distrito
Leste, cuja incidência na epidemia predominou
de maneira evidente em relação aos demais, no
inquérito, apresentou-se sem essa diferença. Poderia aventar-se que a diferença encontrada na
epidemia se devesse a uma maior notificação no
Distrito Leste onde se iniciou a epidemia, o que
de fato se constata.
Mesmo sabendo-se da baixa especificidade
do EIA-ICC para determinação do sorotipo do
vírus do dengue, chamou a atenção, nos resultados dos testes, a presença de titulagens elevadas
para o sorotipo dengue 2, tendo, em 18 amostras,
superado, em mais de quatro vezes, a titulagem
para o vírus tipo 1. O ideal teria sido submeter
todas as amostras aos dois sorotipos, pois, dessa maneira, poderia ter se identificado amostras
reagentes apenas ao sorotipo 2, o que indicaria,
com maior probabilidade possível, circulação
desse sorotipo. No entanto, por motivos alheios
a nossa vontade, foi necessário fazer uma triagem com o vírus tipo 1 e titular, em seguida, os
reagentes para os dois sorotipos. Supondo que
essas 18 amostras sejam de indivíduos infectados
pelo sorotipo 2 do vírus do dengue, observa-se
que, utilizando esse mesmo critério para supor
possível infecção por vírus tipo 1, o distrito que
menos notificou, o Sudoeste, é, justamente, o
único onde houve predominância do vírus tipo
2; nos demais, não houve diferença na comparação da prevalência dos dois sorotipos. Por outro
lado, os achados de isolamento de vírus, durante a epidemia, mostram predominância clara do
sorotipo 1.
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(3):669-680, mar, 2007
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Lima VLC et al.
Uma hipótese que poderia explicar tais achados é a de que as epidemias que ocorreram nos
anos de 1996 e 1997 tenham sido devidas ao sorotipo 2 e em níveis mais elevados do que o detectado. Isso explicaria a prevalência de reagentes,
no Distrito Sudoeste, semelhante a dos demais,
tendo possível predominância do vírus tipo 2 por
ter sido anterior a 1998. Por meio dessa hipótese,
também, poderia explicar-se a ausência de relação entre a referência a antecedentes de dengue
ou quadro febril no período da epidemia de 1998
e o resultado positivo no inquérito. Na epidemia
de 1998, de acordo com essa hipótese, teria predominado o sorotipo 1, confirmado pelos isolamentos.
No presente inquérito, que utilizou EIA-ICC
no teste dos sangues, não foi possível determinar
se as amostras reagentes estavam associadas a
infecções secundárias ou primárias por dengue,
pois esse teste não dispõe de padronização para
tanto. Portanto, é possível que alguns participantes, com altos títulos de anticorpos para dengue
(acima de 2.000), tivessem sofrido infecção secundária. Entretanto, o maior número de altos
títulos foi para dengue tipo 1, e esses indivíduos,
na avaliação acima, foram considerados como
tendo provável infecção por esse vírus.
Corroboram a hipótese proposta acima os
isolamentos de dengue tipo 2 ocorridos em outros municípios do Estado e da região em 1996 e
1997, mesmo sem ter sido isolado o vírus do dengue no Município de Campinas nesses anos.
Em 1998, como visto, os isolamentos de vírus
tipo 2 não foram classificados como provenientes de casos autóctones. No entanto, o histórico
da doença, em Campinas, nos anos seguintes à
epidemia de 1998, também, apóia a hipótese aqui
levantada para os achados do inquérito populacional. Em 1999, foram detectados poucos casos
de dengue e não foram isolados vírus. No entanto, em 2000, apesar de terem sido detectados
também poucos casos, notificou-se um óbito. Foi
o primeiro caso de febre hemorrágica do dengue
no município, e o isolamento de vírus realizado
identificou o sorotipo 2. Esse caso suscitou que
fosse identificada a transmissão do dengue tipo
2 com vários casos, com sintomas frustros, diagnosticados no bairro de residência da paciente.
Esse episódio sugere que a circulação simultânea
dos tipos virais 2 e 1, em Campinas, já vinha ocorrendo e, de maneira importante, levando ao aparecimento de febre hemorrágica em ano que se
notificou e confirmou poucos casos de dengue.
Sendo pertinente a hipótese, a prevalência
mais elevada de infecções por vírus do dengue
tipo 2 entre os participantes do inquérito que nos
dados da epidemia e os baixos coeficientes de
incidência observados nas epidemias em 1996 e
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(3):669-680, mar, 2007
1997 sugerem que a maioria das infecções ocorridas, nesses anos, não tenha sido detectada pelo
sistema de vigilância. É possível que grande parcela dos casos dessas epidemias tenha tido sintomatologia frustra ou mesmo ser assintomática.
A transmissão silenciosa do vírus do dengue
também foi sugerida por Teixeira et al. 15 ao realizarem inquérito na cidade de Salvador. Os autores descreveram transmissão não detectada de
dengue tipo 1, em um momento em que não havia “confirmação de que este sorotipo estava circulando na cidade, pois ele só havia sido isolado em
amostra de um único indivíduo, e a investigação
do caso foi inconclusiva quanto a sua autoctonia”
15 (p. 93). Concluíram, então, que o DEN1 já circulava na cidade há algum tempo, intensamente
e simultâneo ao DEN2, que era o que se supunha
em circulação na cidade de Salvador, com relativamente poucos casos notificados.
Sabe-se que a determinação do tipo de vírus
por meio de testes sorológicos, como os aqui utilizados, padece de baixa especificidade, principalmente quando se trata de infecções secundárias 2, considerando-se aqui a circulação de dois
sorotipos e a referência de vacinação antiamarílica em cerca de 20% dos participantes. No entanto, mesmo que seja deixada de lado a questão
da prevalência por sorotipo, a discussão da prevalência de reagentes para dengue, no município
e nos diversos Distritos de Saúde, representa um
desafio para a compreensão epidemiológica da
situação. Comprova-se, pelos dados do inquérito,
confrontados com os da vigilância epidemiológica, a complexidade da transmissão do dengue,
tornando o trabalho de vigilância epidemiológica uma tarefa árdua. O presente estudo nos mostra o desafio que representa analisar indicadores
de transmissão de dengue.
Observou-se, ainda, neste estudo, que o conhecimento de medidas preventivas para o dengue associou-se a menor prevalência de infecção,
o que é coerente e poderia ser objeto de investigação específica, levando em consideração,
também, dados de infestação domiciliar pelo
Aedes aegypti. Entretanto, as outras informações
fornecidas não se mostraram diferentes entre os
participantes do inquérito. Provavelmente, isso ocorreu pelo pequeno número de indivíduos com infecção por dengue em cada subgrupo
analisado.
Os dados aqui mostrados evidenciam a importância da realização de inquéritos populacionais visando à detecção dos níveis de anticorpos
para dengue. Esses inquéritos fornecem informações adicionais àquelas obtidas com os casos de dengue detectados durante as epidemias,
mostram o real impacto das epidemias com relação ao número de infectados e sugerem tipos de
DENGUE: PESQUISA DE ANTICORPOS E VIGILÂNCIA VIROLÓGICA
dengue circulantes. O presente inquérito populacional alerta para a necessidade de mais estudos sobre indicadores que respaldem a vigilância
epidemiológica e, também, sugere ser necessária
uma intensificação da vigilância virológica, mesmo nos anos com menor transmissão, para que
se possa conhecer melhor os riscos de epidemias
e de casos de dengue hemorrágica.
Resumo
Colaboradores
Estudou-se a epidemiologia do dengue no Município de Campinas, São Paulo, Brasil, por meio de um
inquérito populacional aleatório realizado em 1998,
visando à detecção dos níveis de anticorpos para
dengue, e de dados de vigilância epidemiológica do
período de 1996 a 2003, com ênfase na vigilância virológica. Foram coletadas 1.260 amostras, por meio de
punção digital, utilizando-se papel de filtro, sendo as
amostras testadas pelo teste imunoenzimático em culturas celulares infectadas (EIA-ICC). Observou-se que
a prevalência de soro reagentes (14,79%) é mais baixa
que as encontradas em outros inquéritos realizados
no país e superior às encontradas em dois inquéritos
realizados em cidades do Estado de São Paulo. Detectou-se uma prevalência de soro reagentes muito superior à incidência de casos notificados e confirmados
laboratorialmente durante as epidemias de 1996, 1997
e 1998. Não se encontrou proporcionalidade entre a
prevalência de anticorpos para dengue e a incidência
de casos durante a epidemia nos diferentes Distritos de
Saúde da cidade. Sugerem-se um estudo aprofundado
do significado dos indicadores de transmissão utilizados em epidemias e uma vigilância virológica mais
intensa, principalmente em anos com níveis de transmissão baixos.
V. L. C. Lima participou da elaboração do projeto, coordenação de sua execução no campo, análise dos dados e
redação do artigo. O. Rangel trabalhou na organização e
controle de qualidade da coleta de sangue no campo, discussão dos dados e principalmente na parte de estatística. V. R. Andrade colaborou na organização do trabalho
de campo desde o sorteio da amostra até a distribuição
dos funcionários e discussão dos dados. N. Y. J. Silveira
foi responsável pela coordenação dos participantes da
Secretaria Municipal de Saúde de Campinas no trabalho de campo, e participou na elaboração da discussão
dos dados. S. S. Oliveira contribuiu com o treinamento e
supervisão do pessoal de campo na questão da abordagem e da ética da pesquisa e participou da organização
dos dados obtidos através das informações coletadas.
L. T. M. Figueiredo participou da realização e controle
de qualidade dos testes laboratoriais, discussão e revisão do manuscrito.
Dengue; Vigilância Epidemiológica; Serologia
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23(3):669-680, mar, 2007
679
680
Lima VLC et al.
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Saúde Pública 1986; 20:204-11.
Recebido em 29/Dez/2005
Versão final reapresentada em 24/Mai/2006
Aprovado em 03/Jul/2006
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