Propriedade 1.Considerações sobre o tema. – A propriedade é o direito real de maior conteúdo e o mais amplo. Todos os outros têm abrangência mais restrita. Consiste em um direito acerca do qual seu titular tem a faculdade de usar, gozar, dispor, bem assim também de reivindicar a coisa de quem injustamente a possua ou detenha. (art. 1228, CC). – O proprietário pode exercer com plenitude esses direitos, utilizando ou fruindo da coisa em toda a sua substância e de forma mais completa possível. Contudo, quando o proprietário transfere a outrem um ou mais direitos inerentes ao domínio, a fruição ou o uso da coisa não têm a mesma extensão conferida ao proprietário, pois o usufrutuário ou usuário, por exemplo, não só atuam dentro dos limites legais, como também se sujeitam às restrições impostas pelo proprietário para exercício do direito. – Constam do referido artigo os elementos constitutivos do direito de propriedade sobre bens moveis ou imóveis. O direito de usar, -jus utendi- funda-se na prerrogativa que o titular tem de servir-se da coisa, como dirigir um carro ou ocupar um imóvel. O direito de fruir, faculta ao proprietário desfrutar da coisa, no sentido de tirar proveito econômico dela, como se dá na locação do carro ou do imóvel. O direito de dispor é um atributo que permite ao proprietário alienar o carro ou imóvel ou mesmo dá-los em garantia. Já o direito de reaver (reivindicatório) a coisa móvel ou imóvel proporciona o manejo da ação reivindicatória, cujo pressuposto para seu ajuizamento é assegurado pela titularidade do domínio. – Não há prazo fixado em lei para a propositura da ação reivindicatória, mas sua improcedência será de rigor, quando o réu da ação provar tempo de posse suficiente para a usucapião. 2. Teorias a respeito do Direito De Propriedade -Do Fundamento Jurídico do Direito de Propriedade – As explicações sobre a origem do instituto remontam ao processo de sedentarização do ser humano, embora argumente-se que os nômades conheciam a propriedade na forma de posse de objetos de uso pessoal ou de animais de transporte. Há controvérsias sobre essa real origem. A propriedade sempre esteve associada à posse, e com isso, mesmo se confundindo com este instituto gerou inúmeras controvérsias. – A primeira ideia que se tem de Propriedade como uso organizado se deu no Direito Romano. A propriedade pertencia ao Estado e o Estado permitia a exploração das terras como forma de ocupação válida das terras. – No direito romano a propriedade permitia ao seu titular a possibilidade de usar, gozar, dispor e reaver o bem. Esses direitos que hoje vigoram, inclusive no nosso ordenamento como em outros, porém, eram bastante extensivos à época, sem tantas limitações como hoje. A disposição da coisa ou jus abutendi relegava à coisa, exploração total, até esgotamento de recursos. Outro fato sobre essas características reside no direito de reaver, que permitia somente aos cidadãos romanos a titularidade da propriedade (homens, maiores de 21 anos e em gozo de direitos políticos), às mulheres não competia a propriedade, apenas à título de herança, que após o casamento era repassada ao marido. Escravos não eram considerados pessoas, por isso não possuíam direitos, portanto, não podiam usar, gozar, dispor nem reaver livremente. – As principais teorias sobre a origem da propriedade privada são: – Teoria da Ocupação – A propriedade nasceria da ocupação quando estas ainda eram consideradas coisas sem dono (res nullius). Remonta ao direito europeu, após expansão romana. Foi utilizada por inúmeros países para justificar a expansão comercial e marítima de exploração de terras estrangeiras. Quem primeiro ocupava o solo, exercia o domínio sobre o mesmo, declarando-se dono. Foi forma aquisitiva de propriedade de bens imóveis, obviamente hoje não é mais. Resta em nosso ordenamento pátrio a figura da ocupação como forma aquisitiva de propriedade, contudo, apenas para coisas móveis. – Teoria da Lei – Defendida por Montesquieu, em seu livro Espírito das Leis. A propriedade é fruto do direito positivo, que a criou e a garante. Ou seja, o direito de propriedade nada mais é do que fruto da lei, dos seus legisladores, portanto, é abstração jurídica. É o direito que CRIA, constitui um direito que anteriormente não existia. Essa teoria sofreu severas críticas doutrinárias, pois o sujeito de direitos, o ser humano que cria o fato social não pode ficar à mercê dos desmandos do legislador, se este a cria, este mesmo a pode retirar, portanto, gera insegurança jurídica. – Teoria da Especificação ou do Trabalho – Apoia-se no trabalho humano, que transforma a natureza e a matéria bruta. Defendida com exatidão por Marx e Engels, retrata que a propriedade é forma aquisitiva pela força de trabalho do ser humano. Quem explora a terra, quem trabalha na mesma é que tem direito sobre ela. A propriedade é a consequência do trabalho humano. Sofreu críticas severas também, justamente por explorar o lado social da terra, se todos trabalham, todos são donos. Como diferenciar individualmente quem trabalhou na linha de exploração ou produção da terra ou coisa a ser adquirida. Se todos são donos, é regime de condomínio, portanto, todos possuem os mesmos direitos sobre a terra, e as vezes, nem todos tinham interesse sobre a coisa, propriedade. Ex: numa fábrica de linha de automóveis se todos trabalham, todos são donos, mas quem usaria os carros? Todos tinham interesse em usar? Sem individualização não seria possível, a força de trabalho deveria gerar salário e posteriormente compra e venda. Sendo dono apenas aquele que tem interesse em adquirir coisa a ser proprietário. Pagamento não deve ser a coisa produzida, e sim salário. – Teoria da Natureza Humana – A propriedade é inerente à natureza humana, sendo uma dádiva de Deus. É condição de existência da liberdade do homem. – Ainda prevalece na maioria dos sistemas romano-germânicos (França e Alemanha). Declara que a propriedade é ligada à natureza humana, à sobrevivência humana, é essencial à manutenção e estrutura da família humana. Há 2 encíclicas papais (textos publicados pelo Papa) que remontam a essa teoria. A Igreja Católica se posiciona no sentido da propriedade ser objeto privado, individual, e não público e também como contrária à socialização da propriedade. – Ou seja, de que a propriedade comum determinada à várias pessoas não deve vigorar no sistema. E mesmo os bens públicos de uso comum de todos, são de propriedade exclusiva do Estado, portanto, individuais. Em contrassenso à essa teoria, há o sistema cubano, onde não há propriedade particular, e todas propriedades são públicas. A lei protege o direito de todos, que podem ocupar, adquirir, usar, fruir e etc. – O nosso ordenamento pátrio atual reconhece o direito de propriedade em público e privado e em âmbito constitucional. (art. 5º, XXII, CF). A garantia fundamental significa que não pode ser direito ser abolido, suprimido nem limitado por Emenda Constitucional. 3. Características da Propriedade. – O direito de propriedade é absoluto. Com isso, não se quer dizer que o proprietário tenha poderes ilimitados ou irrestritos, podendo fazer da coisa o que quiser. Hoje, o vocábulo “absoluto” tem uma compreensão relativizada, significando que o proprietário pode utilizar a coisa em toda a sua substância e conforme o bem-estar social e não de forma arbitrária e incondicional. Não pode, destarte, o proprietário que tem um terreno na vizinhança de um aeroporto erigir um prédio, de modo a prejudicar o tráfego aéreo. Nem pode o vizinho obrigar o outro a escutar determinada música, que parece reproduzida por um alto-falante, só porque o aparelho de som está em sua casa. Inúmeras são as limitações impostas pelo direito público, de ordem administrativa e pelo direito privado, decorrente da vizinhança. – Outra característica do direito de propriedade é o de ser exclusivo. (art. 1231, CC). Diz-se que a propriedade presumese plena e exclusiva. A plenitude da propriedade está contemplada no direito que tem seu titular de usar, fruir, e dispor. A exclusividade manifesta-se na oponibilidade erga omnes, por meio da qual o proprietário exclui ou impede a ingerência de terceiros. Tem o proprietário direito sobre o solo, espaço aéreo e subsolo, limitado verticalmente pela utilidade. Fica impedido, assim, de obstar atividades de terceiros a uma altura e profundidade em que não tenha interesse legítimo e impedi-las (art. 1229, CC). Estão nessa ordem de ideias: o livre trânsito de aviões e a passagem de trens do metrô. No que tange ao subsolo, não pertencerão ao proprietário as riquezas naturais nele encontradas tais como: jazidas, minas, recursos minerais, monumentos arqueológicos, etc (art. 1230, CC e 176 CF). Na hipótese de alguém vir a descobrir que no subsolo de sua propriedade existe água mineral, essa água não pertencerá ao proprietário do solo, mas à União, que concederá ao proprietário ou a terceiro a exploração da lavra. – Também é o direito de propriedade, em regra, perpétuo, porque surge para permanecer no patrimônio de seu titular, sem estipulação de prazo definido no tempo para sua duração. Acerca da perpetuidade, preleciona Arruda Alvim (1987, p.50): “o que quer dizer que, mesmo que haja circulação jurídica, com troca de proprietário, o direito de propriedade subsiste como tal”. Excepcionalmente, a propriedade perde essa característica, tornandose resolúvel, como por exemplo, nas hipóteses de alienação fiduciária, pacto de retrovenda e revogação da doação por ingratidão do donatário, quando o bem doado ainda estiver em suas mãos. – O direito de propriedade pode ser considerado um direito “elástico”, porque admite desmembramento. Exemplo clássico: usufruto. 4. Função Social da Propriedade. – Determina a Constituição Federal, no art. 5º, XXIII que a propriedade atenderá à sua função social. Associado ao preceito constitucional, o Código Civil, no art. 1228, § 1º, estatui que: “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecimento em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. – Complementa o § 2º, dispondo que “são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. – A preocupação do legislador com a função social da propriedade não se restringe ao cuidado de preservar o direito individual, ou da coletividade, mas transborda esse tema para a proteção do meio ambiente nos seus vários matizes, evitando efeitos danosos ou lesivos à flora, fauna, ao patrimônio histórico, ao ar, à água, por quem for proprietário. A defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado é dever de qualquer cidadão. – Modernamente, pois, o direito de propriedade sobre bens móveis ou imóveis, rurais ou urbanos, desloca seu foco do absolutismo e do individualismo para consolidálo sobre o interesse social. Deixa-se, com isso, à margem o interesse isolado e individualista para contrapô-lo ao coletivo, exigindo que a propriedade exerça a sua função social refletida no bem estar comum. 5. Formas Aquisitivas de Propriedade – Em propriedade, pelo ordenamento pátrio, existem 2 formas aquisitivas de propriedade: MÓVEIS e IMÓVEIS. – As formas de aquisição da propriedade móvel são: usucapião, ocupação, achado de tesouro, tradição, especificação, confusão, comistão e adjunção. – São modalidades de aquisição da propriedade imóvel: a usucapião, o registro do título, a acessão e o direito hereditário. Reserva-se o estudo desta última ao direito das sucessões. – Todas as modalidades serão estudadas à frente (aulas posteriores). 6. Descoberta. – A descoberta, antes denominada “invenção”, vinha disciplinada no CC de 1916, como um dos modos de aquisição e perda da propriedade móvel. O CC de 2002 insere a matéria, diferentemente, no capítulo dedicado à propriedade em geral. – A descoberta consiste em achar coisa alheia perdida pelo dono. Quem a encontrar (descobridor) deve devolvê-la ao respectivo dono ou legítimo possuidor. Caso não o encontre, incumbe-lhe entregá-la a uma autoridade competente, que dará conhecimento da descoberta pela imprensa e outros meios de comunicação. A expedição de editais fica condicionada ao valor do objeto. Após 60 dias da divulgação, se o dono não se apresentar, a coisa será vendida em hasta pública, deduzindo-se do preço alcançado no leilão as despesas e a recompensa do descobridor; o valor remanescente pertencerá ao Município, onde foi encontrado o objeto. Prevê ainda, o legislador que o Município poderá abandonar a coisa em favor de quem a achou se o seu valor for ínfimo. – O descobridor que restituir o objeto terá direito a uma recompensa que recebe a denominação “achádego” não inferior a 5% do seu valor, mais a indenização pelas despesas que tenha feito com a conservação e o transporte da coisa, se o dono não preferir abandoná-la. Os dispositivos legais que se aplicam à descoberta são: 1233 a 1237, CC.