DIREITO E LITERATURA: O LAW AND LITERATURE MOVEMENT E AS POSSIBILIDADES DA INTERDISCIPLINARIEDADE 1 Flávia Nascimento Giongo 2 Camila Queiroz Pedro Área de conhecimento: Direito. Eixo Temático: Ciência do Direito, Teorias jurídicas e a relação do Direito com ciências afins (produções interdisciplinares). RESUMO Devido à histórica concepção positivista, o direito ainda é visto como uma área do saber restrita aos debates estritamente legalistas. No entanto, o meio acadêmico vem fortalecendo o questionamento: é possível relacionar o direito e a literatura? Esta indagação começou a ser respondida já no final do século XX, quando alguns juristas iniciaram análises voltadas para as possibilidades de aproximação entre os textos literários e os textos jurídicos. Tais estudos serviram para que surgisse nos Estados Unidos, um grande movimento denominado Law and Literature Movement. Desta maneira, seguindo o crescente número de pesquisas na área, a intenção do presente trabalho é analisar as possibilidades e as formas com que o direito e a literatura se inter-relacionam, considerando que este modo de interação possibilita a reflexão sobre temas de interesse jurídico, sob diferentes perspectivas, desencadeando a transdisciplinaridade nas formas de abordagens das práticas sociais e jurídicas. Para a produção do texto foi utilizado um diversificado aporte teórico, retirado de livros e produções academico-cientificas, a fim de organizar as ideiais e diferenciar, com base em conceituações próprias, a possibilidade de intersecção do direito na literatura, do direito como literatura e do direito da literatura. Palavras-chave: Direito. Literatura. Narrativas. Interpretação. Hermenêutica. 1 INTRODUÇÃO A área de conhecimento abrangida pelo direito interfere e participa diretamente na vida dos cidadãos, que estão sujeitos ao comando da legislação vigente no país. De maneira geral, o direito é composto por conceitos, princípios e normas, corporificados por meio da linguagem escrita, sendo que sua aplicação só é possível por meio de narrativas de situações fáticas vivenciadas diariamente. No entanto, em um primeiro momento, o direito e a literatura podem ser considerados campos tão opostos e heterogêneos quanto água e óleo. Isto porque, o universo jurídico consiste em um enorme emaranhado de normas positivadas, que possuem carater obrigatório, eminentemente assecuratório e coercitivo, ao passo 1 Graduanda do quinto ano do curso de direito, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Francisco Beltrão/PR. E-mail: [email protected]. ² Graduada no curso de direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Francisco Beltrão/PR. E-mail: [email protected]. ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1086 que a literatura faz parte de um terreno muito mais livre e irrestrito, onde a racionalidade da narrativa não está atrelada a silogismos ou raciocínios indutivos (TALAVERA, 2006, p. 13). A proposta deste trabalho é inserir no debate acadêmico a idéia de um diálogo interdisciplinar do Direito e a Literatura. Para apreciação de tal problema foram analisadas inúmeras publicações científicas, artigos constantes em anais e periodícos e livros tratando da temática, para então, por intermédio do método dedutivo, formalizar as idéias aqui expostas. Para se pensar sobre a problemática do tema escolhido, é necessário, de pronto, observar o processo histórico que desembocou na idéia do direito como um instituto precipuamente legalista e formalista, desvinculado, em partes, da dinâmica social e dos estudos de outras áreas do conhecimento. Neste sentido, observa-se que a concepção do direito como um conjunto estrito de normas é decorrente do paradigma positivista, surgido no Século XVIII, que foi consolidado pela Teoria pura do Direito de Hans Kelsen e suas pretensões epistemológicas de neutralidade e autonomia científicas (SIQUEIRA, 2011, p. 25/26). Como salientado por Mourão e Santos (2012, p. 27), esta concepção advem do positivismo clássico, cujas bases concentravam-se nos ideiais cartesianos, em que os conhecimentos só adquiriam credibilidade se fossem extraídos de um fato comprovado e fundado no saber científico. No contexto histórico da época em que foi concebido, o positivismo consolidou-se como um “sistema de condutas e de valores que encontrou no apelo ao tecnicismo e à racionalidade um meio de ocultar sua subjetividade e acalmar possíveis anseios sociais” (SIQUEIRA, 2011, p. 31). No âmbito jurídico, isto refletiu na adoção de um formalismo capaz de limitar influências de outras áreas do conhecimento e manifestações sociais, politicas e econômicas, para dentro da estrutura legal. Estas limitações foram posteriormente teorizadas por Hans Kelsen, através de sua Teoria Pura do Direito, em que ditava que os juízos valorativos não são próprios da ciência e, assim, no contexto da dogmatíca jurídica, “o caráter eminentemente formal capaz de agregar tudo o que o direito possui de universal e tornando-o legítimo em qualquer contexto ou ordenamento” (SIQUEIRA, 2011, p.32). ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1087 Ademais, nas palavras SIQUEIRA (2011), de acordo com o pensamento de Bobbio: “Esse primordial pressuposto positivista de separação entre valoração e desvaloração das assertivas jurídicas consiste no ponto de partida para o estudo proposto. A suposição de que os “juízos de fato”, que visam informar de uma realidade, podem ser dissociados dos ditos “juízos de valor”, como tomadas de posição frente à realidade descrita pelos “juízos de fato”, vai de encontro à própria natureza cultural da linguagem que faz de cada assertiva jurídica uma espécie narrativa, por sua natureza é indissociável de valor e de julgamento. A aproximação do direito à literatura explicita essa natureza comum das assertivas jurídicas ao colocá-las em paralelo com as demais produções escritas de uma sociedade através do estudo de sua estrutura e da interpretação comum.” (SIQUEIRA, 2011, p. 32) Deste modo, pode-se dizer que o sistema jurídico visava à procura de uma verdade, a partir de métodos imutáveis, que se distanciavam da dinâmica social e, por conseguinte, isolada de outros campos do saber. No entanto, devido as mudanças histórica e hermêneutica, esta concepção da realidade jurídica foi superada, sendo que o direito vem tomando a cada dia mais a valoração de preceitos interpretativos destinados a fins sociais e humanos. Neste campo de superação do modelo positivista surgem os movimentos voltados ao estudo das relações entre direito e literatura. 2 A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E LITERATURA Por mais que pareçam distantes os campos do direito e da literatura, levandose em conta que o segundo está muito mais atrelado a arte e o primeiro a um conjunto de normas a serem estritamente respeitadas, não é difícil relacionar suas características. Isto porque as idéias de arte e técnica estão intrinsecamente ligadas: (...) o Direito é uma hipótese artística, pois ambos, Direito e Arte, são abstrações construídas sobre outras abstrações (normas e obras). Assim, no plano das estratégias cognitivas, inexiste diferença entre abstrações de abstrações. O processo de conhecimento, portanto, da Arte e do Direito são correlatos (SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p 1015 apud BAGNALL, 1996, p. 269). Ademais, é possível identificar uma inspiração comum aos juristas e poetas, como se os escritores, na construção de suas narrativas literárias e poéticas, se apossassem da ficção para gerar argumentos, e depois a sociedade selecionasse ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1088 determinadas tramas para converter em relato jurídico (norma), imperativo, permissivo ou proibitivo, atrelado a uma sanção. Decorrente disto, quando a norma for aplicada em um caso concreto, retornará a fazer parte uma narrativa literária, com a descrição nas peças processuais da lide, sendo difícil se distinguir qual relato é real e qual é fictício (TALAVERA, 2006, p. 09). Fronçois Ost, jurista francês que dedicou inúmeras obras para a reflexão acerca da conexão entre direito e literatura, pontua que o direito é uma ficção que assim não se assume. Em suas palavras, define que: “entre direito e literatura, solidários por seu enraizamento no imaginário coletivo, os jogos de espelho se multiplicam, sem que se saiba em última instância qual dos dois discursos é ficção do outro. Assinala ainda que, ao invés de se afirmar que o direito se origina dos fatos (ex facto ius oritur), seria mais exato dizer ex fabula ius oritur: é da narrativa que sai o direito. (OST, François. 2005, p. 24)”. De maneira geral, é necessária a influência de elementos externos para o desenvolvimento do Direito. A relação com a Literatura é uma das possibilidades, sendo que existem inúmeros aspectos comuns entre ambas às matérias e fatores que se inter-relacionam para o desenvolvimento mútuo das áreas. 2.1 LAW AND LITERATURE MOVEMENT Não se pretende aqui encerrar todo o histórico da existência do diálogo entre direito e literatura, que pelo que se observa, teve início juntamente com os primeiros textos jurídicos, mas tão somente realizar um breve apanhado histórico, para contextualizar o movimento que cresce a cada dia mais nas universidades: o law and literature movement. Os primeiros documentos legais se apresentam primordialmente como uma grande narrativa literária, que relatam os motivos pelos quais determinada norma foi produzida naquele dado momento. Há exemplos disso no Código de Hamurabi, no Torá, ou ainda no Deuterônimo, texto bíblico (MARTINS COSTA, 2008, p. 16). Platão, em suas reflexões sobre o Estado ideal, deu atenção à relação da poesia e das leis, sendo que em sua obra A República, o filósofo descreveu que a poesia deveria ser banida da Polis, pois a arte presente nas narrativas poéticas corrompe a alma. Do mesmo modo, no livro As Leis, descreve que os legisladores, ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1089 cientes do poder da ficção literária teriam que evitar a presença dos poetas nas cidades-estados, a fim de preservar a integridade do direito e da justiça. (TALAVERA, 2006, p. 08) Outrossim, foram produzidos na história incontáveis textos que tratam de fatos sociais ou relações próprias ao universo jurídico. No entanto, o estudo epistemológico do vínculo entre estas duas áreas das ciências humanas é relativamente novo, uma vez que seu grande exponencial se deu no Século XX, época em que surgiu um importante grupo de estudiosos que fundaram o movimento conhecido como “Literature and Law Movement” (TALAVERA, 2006, p. 181). O movimento começou a ter funcionamento com os pensamentos de dois juristas norte-americanos, Benjamin Narthan Cardozo e John Henry Wigmore. Importante pontuar que o local em que mais se desenvolveram as pesquisas envolvendo direito e literatura foi o Estados Unidos, por causa do sistema jurídico adotado no país, o common law, que é baseado em precedentes e que muito depende da narração dos casos e participação narrativas das partes durante o processo (MARTINS COSTA, 2008, p. 17). De maneira geral os dois juristas contribuíram para o início das pesquisas e, conforme será exposto no próximo tópico, classificaram a relação das áreas, diferenciando direito como literatura e direito da literatura. Benjamin Narthan Cardozo, então juiz Suprema Corte dos Estados Unidos, desafiou seus colegas juristas quando começou a analisar o direito de maneira mais ampla, propondo que a construção discursiva da narrativa jurídica se assimilava aos procedimentos literários. Ou seja, ele acreditava que a fala jurídica possuía um sentido narrativo mais importante que o simples pronunciar dos ditames legais, uma vez que a fala é permeada de elementos retóricos e isso influencia diretamente na forma com que será aplicado o direito. Ele analisava o direito como literatura – law and literature (GODOY, 2007, p. 08). Por sua vez, Wigmore é representante da vertente que analisa o direito na literatura (law in the literature), pois classificou inúmeros romances conforme a relação, o procedimento ou o caso jurídico descrito na obra. Como pontuado por GODOY (2007, p. 09), o jurista “percebeu função pedagógica e instrumental na literatura, centrando-a como auxiliar do direito, vital para uma formação adequada”. ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1090 Em que pese a grande contribuição dos referidos juristas, que foram os percursores das análises hermenêuticas, o Law and Literature Movement teve seu advendto na década de 70. Os idealizadores do movimento foram James BoydWhite e Richard Weisberg. James Boyd-White interpretou inúmeras obras clássicas que tratavam de temas envolvendo o universo jurídico, e público a obra percursosa do movimento, denominada The Legal Imagination. De maneira geral, ele aproximava as matérias no tocante à tradução, ao ensino e as técnicas argumentativas. Isto porque, acreditava que o ato do jurista traduzir o que o cliente diz, em uma narrativa dos fatos mais beneficia para sua parte, é um procedimento semelhante ao da formação do texto literário. Além do fato de que as obras literárias que tematizam um conflito judicial, servem como técnica pedagógica para o estudante do direito, que consegue visualizar recortes de normas jurídicas contextualizadas em demandas judiciais e refletir sobre as técnicas argumentativas utilizadas. (SANTOS, 2012, p.29). Conforme os ensinamentos de GODOY apud Silvana (2012, p.29), Weiseberg relata que as técnicas discursivas do direito são aprimoradas pelas obras literárias, uma vez que o jurista realça suas percepções, conhecendo melhor os problemas da alma humana, por meio da análise dos personagens em situações conflitantes e, com isso, expande sua visão para além dos espaços de atuação do Direito. Nos anos 80 os estudos de Direito e Literatura se consolidam nos Estados Unidos, tanto que muitas universidades adotaram esta ramificação do saber jurídico como materia permanente da grade curricular. O estudo por questão relacionando as matérias conquistou a alguns pesquisadores europeus e, mais recentemente, no Brasil, as universidades e os meios acadêmicos estão adotando, a cada dia, as pesquisas na área. (SANTOS, 2012, p. 30). Assim sendo, observa-se que o movimento do Law and Literature introduziu um método de análise sistemática da inter-relação das duas disciplinas. Considerando a abrangência dos argumentos e intersecções entre o campo jurídico e o literário, esta análise subdivide-se, conforme classificação do filósofo François Ost, em Direito na Literatura, o Direito como Literatura e o Direito da Literatura. ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1091 2.1.1 O DIREITO NA LITERATURA De maneira simplificada, o ramo que estuda o direito na literatura tem por finalidade analisar situações e condições descritas em narrativas literárias que tratam de temas jurídicos, como por exemplo, ficções que envolvem personagens do direito ou processos. Ou seja, as formas com que o direito é representado na literatura, para, a partir disso, o jurista poder enxergar de maneira crítica determinados assuntos e problemáticas sociais. Ronald Dworkin, em suas contribuições para a crítica positivista, entendia o direito primordialmente como interpretação. Neste diapasão, analisou também a interação entre o direito e a literatura, uma vez que acreditava que a interpretação literária é uma possibilidade de solução para os problemas da interpretação jurídica. (TALAVERA, 2006, p. 18). Assim, além do fortalecimento da interpretação, é possível se atrelar um sentido jurídico para determinada obra literária, bem como para construir registros culturais e históricos para auxiliar o direito a compreender os temas sociais. Como diccionado por Pedro Talavera (2006, p.40), o conhecimento da literatura por parte do jurista, serve para que ele compreenda melhor o direito e adquirira uma capacidade de reflexão crítica acerca de questões da esfera judicial, que são as ideias de direito e de justiça, de lei e consciência, poder e da política. Conforme já citado, existem inúmeras diferenciações entre as narrativas jurídicas e as literarias. No entanto, é certo que, o direito está diretamente ligado ao poder da palavra, bem como se baseia em relatos ficcionais, como por exemplo, a retórica judicial e parlamentar, bem como a criação dos principios contitucionais fundamentais. Do mesmo modo, por mais que o poeta seja livre para criar, se debate com algumas limitações literárias (TALAVERA, 2006, p. 06). De maneira geral, a literatura é um meio para reflexão crítica e filosófica sobre os aspectos fundamentais do direito, e, assim, adquire uma função de subversão crítica. De acordo com a classificação sistematizada por Morawetz (1996, apud SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p. 1021), a representação do direito se dá das seguintes maneiras nos textos literários: a) quando envolve grandes processos judiciais, envolvendo a efetividade da lei e questões sobre o justo e o injusto; b) o ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1092 caráter e a moral dos juristas, com questões ligadas a deontologia e a ética profissional; c) a representação do valor, respeito e importância, bem como as consequências do direito e das leis para uma determinada sociedade, cita-se, a titulo de exemplo, as obras 1984 de George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley; c) as relações do estado com a população, quando envolvem direitos sociais, enfocando a realidade dos pobres e oprimidos, bem como ao tratamento dispensado as minorias e dos oprimidos. Como ressaltado por Germano Schwartz e Elaine Macedo, em suas lições sobre o direito na literatura: “o (re)processamento e a influência entre os dois sistemas é algo constante e dinâmico. Daí que um dos tópicos mais importantes dessa interpendência reside na possibilidade da construção de ensino e de aplicabilidade de um novo Direito a partir de paradigmas mais conectados com a sociedade na qual se insere. (...) Oferece-se, desse modo, ao sistema jurídico, uma observação de segundo grau, capaz de diferenciá-lo a partir de sua própria lógica, porém a partir de fenômenos externos. (SCHWARTZ, MACEDO, 2008, P. 1024)” Assim, percebemos a grande importância da análise literária se aproximar do direito, visto que é um meio para ampliar as interpretações e questionamentos acerca dos próprios embates jurídicos. 2.1.2 O DIREITO COMO LITERATURA O direito concebido como literatura, direciona o estudo hermêneutico para a valorização dos significados das palavras descritas nas peças jurídicas e nas leis, ou seja, se volta para a linguagem – meio de comunicação que possibilita o contato entre os sistemas sociais – enquanto ponto de aproximação das áreas. Nesta concepção, o jurista é visto como um tradutor, pois interpreta os fatos e a realidade, descrevendo-as em peças jurídicas (BARBOSA, 2012, p. 70). Esta é uma abordagem mais ampla, exigindo pesquisas em áreas tocantes a elementos primordiais tanto do direito quanto da literatura, como, por exemplo, a retórica, a linguagem, a interpretação e a variação estilos dentro de uma mesma estrutura narrativa. Isto só é possível porque as palavras utilizadas como discurso, tanto nos meios literários quanto jurídicos, são os meios retóricos pelos quais os interlocutores ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1093 tentam convencer alguém, muitas vezes, se valendo, na escrita, de distorção textual para fins de persuasão (TALAVERA, 2006, p. 56). Portanto, o direito pode ser entendido como exercício retórico, no sentido de convencer o receptor de que o fato é verdadeiro. Cita-se, neste ponto, que alguns pesquisadores defendem que uso de expressões estrangeiras, principalmente, no campo de direito, de palavras e neologismos em latim, é desnecessário para o exercício da retórica (BARBOSA, 2012, p. 75). Assim, Considerando o que foi exposto até aqui, a respeito da carga persuasiva do discurso jurídico, citam-se outro grande fator de estudo, que permite a consideração do direito como literatura, que é ideia que as peças processuais podem ser comparadas a narrativas literárias. Devido à tradição positivista, os atos de um processo são reduzidos a termo, ou seja, representados em textos. Portanto, segundo Schwartz e Macedo (2008, p. 1025), estes textos jurídicos são narrações acerca de um fato, que concebem a legitimidade do ato. Para tanto, o direito apropria-se de formas preponderantemente literárias para poder ser aplicado, uma vez que uma peça jurídica narra fatos de maneira lógica (início, enredo e fim), apresentando a atuação das partes na história (personagens), tanto quanto em um texto literário, sendo que esta narrativa irá influenciar na decisão judicial ao fim do processo. Deste modo, é fácil perceber que Direito e Literatura são disciplinas narrativas. (PARODI; MESSAGI, 2010, p. 1903) Como bem pontuado por Schwartz e Macedo (2008, p. 1026), a concepção do direito como persuação, reflete também que os direitos serão produtos de determinados discursos dominantes na sociedade em que são aplicados. Na mesma linha, segue a idéia, ressaltando que o Direito é um “contar” de histórias. Que a lógica sequenciada da narrativa jurídica permite ao magistrado compreender os fatos. Desta maneira, a correta narrativa, é uma forma de assegurar uma boa decisão judicial. (SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p. 1027). 2.4 DIREITO DA LITERATURA O chamado Direito da Literatura é o ramo que se encontra positivado no sistema jurídico, representado pelas leis e normas que tutelam os direitos autorais, que protegem a atividade literária. Neste sentido, Schwartz e Macedo: ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1094 O Direito da Literatura compreende: a) as relações jurídicas do exercício literário; b) as normas que regulam a criação e a difusão da obra literária e os direitos por ela gerados, tais como: a censura (proibição de); a liberdade artística e de expressão; os delitos relativos à liberdade de expressão e, por fim, os direitos da propriedade intelectual. Como se vê, o Direito da Literatura já possui uma vasta teia de interesses estabelecida sob outros nomes e códigos, restando desnecessária uma maior abordagem desse tópico, de vez que a observação de segundo grau, nesse caso, já se encontra determinada, cumprindo apenas noticiá-la. (SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p. 1027). Trata-se, portanto, de um campo mais restrito, referindo-se aos direitos que recaem sobre o autor e sua obra. Desse modo, “disciplina os direitos autorais e as questões referentes aos delitos em que podem incidir autor e editora quando da publicação de uma obra” (PARODI, MESSAGI, 2010, p. 1900). O direito da literatura está instrinsecamente relacionado à liberdade de expressão, garantia assegurada pelo artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal, além de tratar de hipóteses atinentes à censura. Este método de abordagem é o ramo mais próximo à norma do Direito, pois “regulamenta o exercício da livre iniciativa (prescrita, balizada e funcionalizada no artigo 170, da Constituição Federal), na atividade literária, prescrevendo regras de conduta para os atores do mercado literário” (PARODI, MESSAGI, 2010, p. 1903). 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo do direito está historicamente atrelado ao formalismo, o que faz com que se distancie de outros campos do saber. Muito dessa impressão e comportamento se deve a concepção positivista que o acompanha desde o início de seu desenvolvimento. No entanto, apesar de uma parcela considerável da doutrina seguir desviando do conceito interdisciplinar, o preceito interpretativo destinado a fins sociais e humanos tem ganhado cada vez mais espaço no meio jurídico. Ou seja, elementos externos passaram a ter influência no desenvolvimento da área. É nesse contexto que surge a importância da relação entre Direito e Literatura. ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/ | 1095 A doutrina internacional classifica os diálogos entre o Direito e a Literatura em três maneiras: o Direito na Literatura; o Direito como Literatura e, por fim, o Direito da Literatura. Acompanhando o pensamento de diversos autores, é possível notar que vários são os aspectos comuns e fatores que se inter-relacionam entre os dois meios. Isso por que, basicamente, o direito é (também) narrativa, característica advinda e compartilhada com a área literária. Apesar de tantos pontos coincidentes, o estudo desse vínculo é recente, tendo apenas no século XX um crescimento significativo, muito por conta do movimento Literature and Law Movement, que buscava estudar a relação de todas as maneiras possíveis. REFERÊNCIAS BARBOSA, Alice Gruba. O Despertar Do Direito Sobre A Literatura: análise pelo prisma do law and literature movement. In: Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, 2012. GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Literatura. Os pais fundadores: John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller. Florianopolis, 2007. Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2538825390-1-PB.pdf>. Acesso em 16 de ago. de 2016. MARTINS COSTA, César Vergara de Almeida. Direito e Literatura: A compreensão do direito com escritura a partir da tragédia grega. Dissertação (Mestrado). Universidade Vale do Rio dos Sinos, 2008. MESSAGGI, Ricardo Reis. PARODI, Ana Cecilia. 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