Baixar Artigo

Propaganda
DIREITO E LITERATURA: O LAW AND LITERATURE MOVEMENT E
AS POSSIBILIDADES DA INTERDISCIPLINARIEDADE
1
Flávia Nascimento Giongo
2
Camila Queiroz Pedro
Área de conhecimento: Direito.
Eixo Temático: Ciência do Direito, Teorias jurídicas e a relação do Direito com ciências afins
(produções interdisciplinares).
RESUMO
Devido à histórica concepção positivista, o direito ainda é visto como uma área do saber restrita aos
debates estritamente legalistas. No entanto, o meio acadêmico vem fortalecendo o questionamento: é
possível relacionar o direito e a literatura? Esta indagação começou a ser respondida já no final do
século XX, quando alguns juristas iniciaram análises voltadas para as possibilidades de aproximação
entre os textos literários e os textos jurídicos. Tais estudos serviram para que surgisse nos Estados
Unidos, um grande movimento denominado Law and Literature Movement. Desta maneira, seguindo
o crescente número de pesquisas na área, a intenção do presente trabalho é analisar as
possibilidades e as formas com que o direito e a literatura se inter-relacionam, considerando que este
modo de interação possibilita a reflexão sobre temas de interesse jurídico, sob diferentes
perspectivas, desencadeando a transdisciplinaridade nas formas de abordagens das práticas sociais
e jurídicas. Para a produção do texto foi utilizado um diversificado aporte teórico, retirado de livros e
produções academico-cientificas, a fim de organizar as ideiais e diferenciar, com base em
conceituações próprias, a possibilidade de intersecção do direito na literatura, do direito como
literatura e do direito da literatura.
Palavras-chave: Direito. Literatura. Narrativas. Interpretação. Hermenêutica.
1 INTRODUÇÃO
A área de conhecimento abrangida pelo direito interfere e participa
diretamente na vida dos cidadãos, que estão sujeitos ao comando da legislação
vigente no país. De maneira geral, o direito é composto por conceitos, princípios e
normas, corporificados por meio da linguagem escrita, sendo que sua aplicação só é
possível por meio de narrativas de situações fáticas vivenciadas diariamente.
No entanto, em um primeiro momento, o direito e a literatura podem ser
considerados campos tão opostos e heterogêneos quanto água e óleo. Isto porque,
o universo jurídico consiste em um enorme emaranhado de normas positivadas, que
possuem carater obrigatório, eminentemente assecuratório e coercitivo, ao passo
1
Graduanda do quinto ano do curso de direito, na Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
campus de Francisco Beltrão/PR. E-mail: [email protected].
² Graduada no curso de direito pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, campus de Francisco
Beltrão/PR. E-mail: [email protected].
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1086
que a literatura faz parte de um terreno muito mais livre e irrestrito, onde a
racionalidade da narrativa não está atrelada a silogismos ou raciocínios indutivos
(TALAVERA, 2006, p. 13).
A proposta deste trabalho é inserir no debate acadêmico a idéia de um
diálogo interdisciplinar do Direito e a Literatura. Para apreciação de tal problema
foram analisadas inúmeras publicações científicas, artigos constantes em anais e
periodícos e livros tratando da temática, para então, por intermédio do método
dedutivo, formalizar as idéias aqui expostas.
Para se pensar sobre a problemática do tema escolhido, é necessário, de
pronto, observar o processo histórico que desembocou na idéia do direito como um
instituto precipuamente legalista e formalista, desvinculado, em partes, da dinâmica
social e dos estudos de outras áreas do conhecimento.
Neste sentido, observa-se que a concepção do direito como um conjunto
estrito de normas é decorrente do paradigma positivista, surgido no Século XVIII,
que foi consolidado pela Teoria pura do Direito de Hans Kelsen e suas pretensões
epistemológicas de neutralidade e autonomia científicas (SIQUEIRA, 2011, p.
25/26). Como salientado por Mourão e Santos (2012, p. 27), esta concepção advem
do positivismo clássico, cujas bases concentravam-se nos ideiais cartesianos, em
que os conhecimentos só adquiriam credibilidade se fossem extraídos de um fato
comprovado e fundado no saber científico.
No contexto histórico da época em que foi concebido, o positivismo
consolidou-se como um “sistema de condutas e de valores que encontrou no apelo
ao tecnicismo e à racionalidade um meio de ocultar sua subjetividade e acalmar
possíveis anseios sociais” (SIQUEIRA, 2011, p. 31). No âmbito jurídico, isto refletiu
na adoção de um formalismo capaz de limitar influências de outras áreas do
conhecimento e manifestações sociais, politicas e econômicas, para dentro da
estrutura legal.
Estas limitações foram posteriormente teorizadas por Hans Kelsen, através de
sua Teoria Pura do Direito, em que ditava que os juízos valorativos não são próprios
da ciência e, assim, no contexto da dogmatíca jurídica, “o caráter eminentemente
formal capaz de agregar tudo o que o direito possui de universal e tornando-o
legítimo em qualquer contexto ou ordenamento” (SIQUEIRA, 2011, p.32).
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1087
Ademais, nas palavras SIQUEIRA (2011), de acordo com o pensamento de
Bobbio:
“Esse primordial pressuposto positivista de separação entre valoração e
desvaloração das assertivas jurídicas consiste no ponto de partida para o
estudo proposto. A suposição de que os “juízos de fato”, que visam informar
de uma realidade, podem ser dissociados dos ditos “juízos de valor”, como
tomadas de posição frente à realidade descrita pelos “juízos de fato”, vai de
encontro à própria natureza cultural da linguagem que faz de cada assertiva
jurídica uma espécie narrativa, por sua natureza é indissociável de valor e
de julgamento. A aproximação do direito à literatura explicita essa natureza
comum das assertivas jurídicas ao colocá-las em paralelo com as demais
produções escritas de uma sociedade através do estudo de sua estrutura e
da interpretação comum.” (SIQUEIRA, 2011, p. 32)
Deste modo, pode-se dizer que o sistema jurídico visava à procura de uma
verdade, a partir de métodos imutáveis, que se distanciavam da dinâmica social e,
por conseguinte, isolada de outros campos do saber.
No entanto, devido as mudanças histórica e hermêneutica, esta concepção da
realidade jurídica foi superada, sendo que o direito vem tomando a cada dia mais a
valoração de preceitos interpretativos destinados a fins sociais e humanos. Neste
campo de superação do modelo positivista surgem os movimentos voltados ao
estudo das relações entre direito e literatura.
2 A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E LITERATURA
Por mais que pareçam distantes os campos do direito e da literatura, levandose em conta que o segundo está muito mais atrelado a arte e o primeiro a um
conjunto de normas a serem estritamente respeitadas, não é difícil relacionar suas
características. Isto porque as idéias de arte e técnica estão intrinsecamente ligadas:
(...) o Direito é uma hipótese artística, pois ambos, Direito e Arte, são
abstrações construídas sobre outras abstrações (normas e obras). Assim,
no plano das estratégias cognitivas, inexiste diferença entre abstrações de
abstrações. O processo de conhecimento, portanto, da Arte e do Direito são
correlatos (SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p 1015 apud BAGNALL, 1996, p.
269).
Ademais, é possível identificar uma inspiração comum aos juristas e poetas,
como se os escritores, na construção de suas narrativas literárias e poéticas, se
apossassem da ficção para gerar argumentos, e depois a sociedade selecionasse
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1088
determinadas tramas para converter em relato jurídico (norma), imperativo,
permissivo ou proibitivo, atrelado a uma sanção. Decorrente disto, quando a norma
for aplicada em um caso concreto, retornará a fazer parte uma narrativa literária,
com a descrição nas peças processuais da lide, sendo difícil se distinguir qual relato
é real e qual é fictício (TALAVERA, 2006, p. 09).
Fronçois Ost, jurista francês que dedicou inúmeras obras para a reflexão
acerca da conexão entre direito e literatura, pontua que o direito é uma ficção que
assim não se assume. Em suas palavras, define que:
“entre direito e literatura, solidários por seu enraizamento no imaginário
coletivo, os jogos de espelho se multiplicam, sem que se saiba em última
instância qual dos dois discursos é ficção do outro. Assinala ainda que, ao
invés de se afirmar que o direito se origina dos fatos (ex facto ius oritur),
seria mais exato dizer ex fabula ius oritur: é da narrativa que sai o direito.
(OST, François. 2005, p. 24)”.
De maneira geral, é necessária a influência de elementos externos para o
desenvolvimento do Direito. A relação com a Literatura é uma das possibilidades,
sendo que existem inúmeros aspectos comuns entre ambas às matérias e fatores
que se inter-relacionam para o desenvolvimento mútuo das áreas.
2.1 LAW AND LITERATURE MOVEMENT
Não se pretende aqui encerrar todo o histórico da existência do diálogo entre
direito e literatura, que pelo que se observa, teve início juntamente com os primeiros
textos jurídicos, mas tão somente realizar um breve apanhado histórico, para
contextualizar o movimento que cresce a cada dia mais nas universidades: o law
and literature movement.
Os primeiros documentos legais se apresentam primordialmente como uma
grande narrativa literária, que relatam os motivos pelos quais determinada norma foi
produzida naquele dado momento. Há exemplos disso no Código de Hamurabi, no
Torá, ou ainda no Deuterônimo, texto bíblico (MARTINS COSTA, 2008, p. 16).
Platão, em suas reflexões sobre o Estado ideal, deu atenção à relação da
poesia e das leis, sendo que em sua obra A República, o filósofo descreveu que a
poesia deveria ser banida da Polis, pois a arte presente nas narrativas poéticas
corrompe a alma. Do mesmo modo, no livro As Leis, descreve que os legisladores,
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1089
cientes do poder da ficção literária teriam que evitar a presença dos poetas nas
cidades-estados, a fim de preservar a integridade do direito e da justiça.
(TALAVERA, 2006, p. 08)
Outrossim, foram produzidos na história incontáveis textos que tratam de
fatos sociais ou relações próprias ao universo jurídico. No entanto, o estudo
epistemológico do vínculo entre estas duas áreas das ciências humanas é
relativamente novo, uma vez que seu grande exponencial se deu no Século XX,
época em que surgiu um importante grupo de estudiosos que fundaram o movimento
conhecido como “Literature and Law Movement” (TALAVERA, 2006, p. 181).
O movimento começou a ter funcionamento com os pensamentos de dois
juristas norte-americanos, Benjamin Narthan Cardozo e John Henry Wigmore.
Importante pontuar que o local em que mais se desenvolveram as pesquisas
envolvendo direito e literatura foi o Estados Unidos, por causa do sistema jurídico
adotado no país, o common law, que é baseado em precedentes e que muito
depende da narração dos casos e participação narrativas das partes durante o
processo (MARTINS COSTA, 2008, p. 17).
De maneira geral os dois juristas contribuíram para o início das pesquisas e,
conforme será exposto no próximo tópico, classificaram a relação das áreas,
diferenciando direito como literatura e direito da literatura.
Benjamin Narthan Cardozo, então juiz Suprema Corte dos Estados Unidos,
desafiou seus colegas juristas quando começou a analisar o direito de maneira mais
ampla, propondo que a construção discursiva da narrativa jurídica se assimilava aos
procedimentos literários. Ou seja, ele acreditava que a fala jurídica possuía um
sentido narrativo mais importante que o simples pronunciar dos ditames legais, uma
vez que a fala é permeada de elementos retóricos e isso influencia diretamente na
forma com que será aplicado o direito. Ele analisava o direito como literatura – law
and literature (GODOY, 2007, p. 08).
Por sua vez, Wigmore é representante da vertente que analisa o direito na
literatura (law in the literature), pois classificou inúmeros romances conforme a
relação, o procedimento ou o caso jurídico descrito na obra. Como pontuado por
GODOY (2007, p. 09), o jurista “percebeu função pedagógica e instrumental na
literatura, centrando-a como auxiliar do direito, vital para uma formação adequada”.
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1090
Em que pese a grande contribuição dos referidos juristas, que foram os
percursores das análises hermenêuticas, o Law and Literature Movement teve seu
advendto na década de 70. Os idealizadores do movimento foram James BoydWhite e Richard Weisberg.
James Boyd-White interpretou inúmeras obras clássicas que tratavam de
temas envolvendo o universo jurídico, e público a obra percursosa do movimento,
denominada The Legal Imagination. De maneira geral, ele aproximava as matérias
no tocante à tradução, ao ensino e as técnicas argumentativas. Isto porque,
acreditava que o ato do jurista traduzir o que o cliente diz, em uma narrativa dos
fatos mais beneficia para sua parte, é um procedimento semelhante ao da formação
do texto literário. Além do fato de que as obras literárias que tematizam um conflito
judicial, servem como técnica pedagógica para o estudante do direito, que consegue
visualizar recortes de normas jurídicas contextualizadas em demandas judiciais e
refletir sobre as técnicas argumentativas utilizadas. (SANTOS, 2012, p.29).
Conforme os ensinamentos de GODOY apud Silvana (2012, p.29), Weiseberg
relata que as técnicas discursivas do direito são aprimoradas pelas obras literárias,
uma vez que o jurista realça suas percepções, conhecendo melhor os problemas da
alma humana, por meio da análise dos personagens em situações conflitantes e,
com isso, expande sua visão para além dos espaços de atuação do Direito.
Nos anos 80 os estudos de Direito e Literatura se consolidam nos Estados
Unidos, tanto que muitas universidades adotaram esta ramificação do saber jurídico
como materia permanente da grade curricular. O estudo por questão relacionando
as matérias conquistou a alguns pesquisadores europeus e, mais recentemente, no
Brasil, as universidades e os meios acadêmicos estão adotando, a cada dia, as
pesquisas na área. (SANTOS, 2012, p. 30).
Assim sendo, observa-se que o movimento do Law and Literature introduziu
um método de análise sistemática da inter-relação das duas disciplinas.
Considerando a abrangência dos argumentos e intersecções entre o campo jurídico
e o literário, esta análise subdivide-se, conforme classificação do filósofo François
Ost, em Direito na Literatura, o Direito como Literatura e o Direito da Literatura.
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1091
2.1.1 O DIREITO NA LITERATURA
De maneira simplificada, o ramo que estuda o direito na literatura tem por
finalidade analisar situações e condições descritas em narrativas literárias que
tratam de temas jurídicos, como por exemplo, ficções que envolvem personagens do
direito ou processos. Ou seja, as formas com que o direito é representado na
literatura, para, a partir disso, o jurista poder enxergar de maneira crítica
determinados assuntos e problemáticas sociais.
Ronald Dworkin, em suas contribuições para a crítica positivista, entendia o
direito primordialmente como interpretação. Neste diapasão, analisou também a
interação entre o direito e a literatura, uma vez que acreditava que a interpretação
literária é uma possibilidade de solução para os problemas da interpretação jurídica.
(TALAVERA, 2006, p. 18).
Assim, além do fortalecimento da interpretação, é possível se atrelar um
sentido jurídico para determinada obra literária, bem como para construir registros
culturais e históricos para auxiliar o direito a compreender os temas sociais.
Como diccionado por Pedro Talavera (2006, p.40), o conhecimento da
literatura por parte do jurista, serve para que ele compreenda melhor o direito e
adquirira uma capacidade de reflexão crítica acerca de questões da esfera judicial,
que são as ideias de direito e de justiça, de lei e consciência, poder e da política.
Conforme já citado, existem inúmeras diferenciações entre as narrativas
jurídicas e as literarias. No entanto, é certo que, o direito está diretamente ligado ao
poder da palavra, bem como se baseia em relatos ficcionais, como por exemplo, a
retórica judicial e parlamentar, bem como a criação dos principios contitucionais
fundamentais. Do mesmo modo, por mais que o poeta seja livre para criar, se
debate com algumas limitações literárias (TALAVERA, 2006, p. 06).
De maneira geral, a literatura é um meio para reflexão crítica e filosófica sobre
os aspectos fundamentais do direito, e, assim, adquire uma função de subversão
crítica.
De acordo com a classificação sistematizada por Morawetz (1996, apud
SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p. 1021), a representação do direito se dá das
seguintes maneiras nos textos literários: a) quando envolve grandes processos
judiciais, envolvendo a efetividade da lei e questões sobre o justo e o injusto; b) o
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1092
caráter e a moral dos juristas, com questões ligadas a deontologia e a ética
profissional; c) a representação do valor, respeito e importância, bem como as
consequências do direito e das leis para uma determinada sociedade, cita-se, a titulo
de exemplo, as obras 1984 de George Orwell e Admirável Mundo Novo, de Aldous
Huxley; c) as relações do estado com a população, quando envolvem direitos
sociais, enfocando a realidade dos pobres e oprimidos, bem como ao tratamento
dispensado as minorias e dos oprimidos.
Como ressaltado por Germano Schwartz e Elaine Macedo, em suas lições
sobre o direito na literatura:
“o (re)processamento e a influência entre os dois sistemas é algo constante
e dinâmico. Daí que um dos tópicos mais importantes dessa interpendência
reside na possibilidade da construção de ensino e de aplicabilidade de um
novo Direito a partir de paradigmas mais conectados com a sociedade na
qual se insere. (...) Oferece-se, desse modo, ao sistema jurídico, uma
observação de segundo grau, capaz de diferenciá-lo a partir de sua própria
lógica, porém a partir de fenômenos externos. (SCHWARTZ, MACEDO,
2008, P. 1024)”
Assim, percebemos a grande importância da análise literária se aproximar do
direito, visto que é um meio para ampliar as interpretações e questionamentos
acerca dos próprios embates jurídicos.
2.1.2 O DIREITO COMO LITERATURA
O direito concebido como literatura, direciona o estudo hermêneutico para a
valorização dos significados das palavras descritas nas peças jurídicas e nas leis, ou
seja, se volta para a linguagem – meio de comunicação que possibilita o contato
entre os sistemas sociais – enquanto ponto de aproximação das áreas. Nesta
concepção, o jurista é visto como um tradutor, pois interpreta os fatos e a realidade,
descrevendo-as em peças jurídicas (BARBOSA, 2012, p. 70).
Esta é uma abordagem mais ampla, exigindo pesquisas em áreas tocantes a
elementos primordiais tanto do direito quanto da literatura, como, por exemplo, a
retórica, a linguagem, a interpretação e a variação estilos dentro de uma mesma
estrutura narrativa.
Isto só é possível porque as palavras utilizadas como discurso, tanto nos
meios literários quanto jurídicos, são os meios retóricos pelos quais os interlocutores
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1093
tentam convencer alguém, muitas vezes, se valendo, na escrita, de distorção textual
para fins de persuasão (TALAVERA, 2006, p. 56).
Portanto, o direito pode ser entendido como exercício retórico, no sentido de
convencer o receptor de que o fato é verdadeiro. Cita-se, neste ponto, que alguns
pesquisadores defendem que uso de expressões estrangeiras, principalmente, no
campo de direito, de palavras e neologismos em latim, é desnecessário para o
exercício da retórica (BARBOSA, 2012, p. 75).
Assim, Considerando o que foi exposto até aqui, a respeito da carga
persuasiva do discurso jurídico, citam-se outro grande fator de estudo, que permite a
consideração do direito como literatura, que é ideia que as peças processuais
podem ser comparadas a narrativas literárias. Devido à tradição positivista, os atos
de um processo são reduzidos a termo, ou seja, representados em textos. Portanto,
segundo Schwartz e Macedo (2008, p. 1025), estes textos jurídicos são narrações
acerca de um fato, que concebem a legitimidade do ato.
Para tanto, o direito apropria-se de formas preponderantemente literárias para
poder ser aplicado, uma vez que uma peça jurídica narra fatos de maneira lógica
(início, enredo e fim), apresentando a atuação das partes na história (personagens),
tanto quanto em um texto literário, sendo que esta narrativa irá influenciar na
decisão judicial ao fim do processo. Deste modo, é fácil perceber que Direito e
Literatura são disciplinas narrativas. (PARODI; MESSAGI, 2010, p. 1903)
Como bem pontuado por Schwartz e Macedo (2008, p. 1026), a concepção
do direito como persuação, reflete também que os direitos serão produtos de
determinados discursos dominantes na sociedade em que são aplicados.
Na mesma linha, segue a idéia, ressaltando que o Direito é um “contar” de
histórias. Que a lógica sequenciada da narrativa jurídica permite ao magistrado
compreender os fatos. Desta maneira, a correta narrativa, é uma forma de assegurar
uma boa decisão judicial. (SCHWARTZ, MACEDO, 2008, p. 1027).
2.4 DIREITO DA LITERATURA
O chamado Direito da Literatura é o ramo que se encontra positivado no
sistema jurídico, representado pelas leis e normas que tutelam os direitos autorais,
que protegem a atividade literária. Neste sentido, Schwartz e Macedo:
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1094
O Direito da Literatura compreende: a) as relações jurídicas do exercício
literário; b) as normas que regulam a criação e a difusão da obra literária e
os direitos por ela gerados, tais como: a censura (proibição de); a liberdade
artística e de expressão; os delitos relativos à liberdade de expressão e, por
fim, os direitos da propriedade intelectual. Como se vê, o Direito da
Literatura já possui uma vasta teia de interesses estabelecida sob outros
nomes e códigos, restando desnecessária uma maior abordagem desse
tópico, de vez que a observação de segundo grau, nesse caso, já se
encontra determinada, cumprindo apenas noticiá-la. (SCHWARTZ,
MACEDO, 2008, p. 1027).
Trata-se, portanto, de um campo mais restrito, referindo-se aos direitos que
recaem sobre o autor e sua obra. Desse modo, “disciplina os direitos autorais e as
questões referentes aos delitos em que podem incidir autor e editora quando da
publicação de uma obra” (PARODI, MESSAGI, 2010, p. 1900).
O direito da literatura está instrinsecamente relacionado à liberdade de
expressão, garantia assegurada pelo artigo 5º, inciso IV da Constituição Federal,
além de tratar de hipóteses atinentes à censura. Este método de abordagem é o
ramo mais próximo à norma do Direito, pois “regulamenta o exercício da livre
iniciativa (prescrita, balizada e funcionalizada no artigo 170, da Constituição
Federal), na atividade literária, prescrevendo regras de conduta para os atores do
mercado literário” (PARODI, MESSAGI, 2010, p. 1903).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo do direito está historicamente atrelado ao formalismo, o que faz com
que se distancie de outros campos do saber. Muito dessa impressão e
comportamento se deve a concepção positivista que o acompanha desde o início de
seu desenvolvimento.
No entanto, apesar de uma parcela considerável da doutrina seguir desviando
do conceito interdisciplinar, o preceito interpretativo destinado a fins sociais e
humanos tem ganhado cada vez mais espaço no meio jurídico. Ou seja, elementos
externos passaram a ter influência no desenvolvimento da área. É nesse contexto
que surge a importância da relação entre Direito e Literatura.
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1095
A doutrina internacional classifica os diálogos entre o Direito e a Literatura em
três maneiras: o Direito na Literatura; o Direito como Literatura e, por fim, o Direito
da Literatura.
Acompanhando o pensamento de diversos autores, é possível notar que
vários são os aspectos comuns e fatores que se inter-relacionam entre os dois
meios. Isso por que, basicamente, o direito é (também) narrativa, característica
advinda e compartilhada com a área literária.
Apesar de tantos pontos coincidentes, o estudo desse vínculo é recente,
tendo apenas no século XX um crescimento significativo, muito por conta do
movimento Literature and Law Movement, que buscava estudar a relação de todas
as maneiras possíveis.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Alice Gruba. O Despertar Do Direito Sobre A Literatura: análise pelo
prisma do law and literature movement. In: Cadernos da Escola de Direito e
Relações Internacionais, Curitiba, 2012.
GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Literatura. Os pais fundadores:
John Henry Wigmore, Benjamin Nathan Cardozo e Lon Fuller. Florianopolis, 2007.
Disponível em: < http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/2538825390-1-PB.pdf>. Acesso em 16 de ago. de 2016.
MARTINS COSTA, César Vergara de Almeida. Direito e Literatura: A compreensão
do direito com escritura a partir da tragédia grega. Dissertação (Mestrado).
Universidade Vale do Rio dos Sinos, 2008.
MESSAGGI, Ricardo Reis. PARODI, Ana Cecilia. Direito E Literatura: o retrato do
direito de família, nos contos de Dalton Trevisan. In: XIX CONPEDI, 2010,
Fortaleza/CE. Anais do Conpedi. Disponível em: <
http://www.unicuritiba.edu.br/sites/default/files/u17/20110502120524o_direito_de_fa
milia_e_sua_interacao_-_ana___ricardo.>. Acesso em 16 de ago. de 2016.
OST, François. Contar a lei: as fontes do imaginário jurídico. Rio Grande do Sul:
Editora Unisinos, 2005.
SCHWARTZ, Germano; MACEDO, Elaine. Pode o Direito ser Arte? Respostas a
partir do direito & literatura. In: XVII Encontro Preparatório para o Congresso
Nacional do CONPEDI, 2008, Salvador. Anais do Conpedi. Florianóplis: Fundação
Boiteux, 2008.
SANTOS, Silvana Maria Pantoja dos Santos. DIREITO E LITERATURA: Perspectiva
Transdisciplinar Na Abordagem De Temas Sociais E Jurídicos. Interfaces Científicas
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1096
– Direito, Aracaju, 2012. Disponível em:
https://periodicos.set.edu.br/index.php/direito/article/view/156/73. Acesso em 16 de
ago. de 2016.
SIQUEIRA, Ada Bogliolo Piancastelli de. Notas sobre direito e literatura: o absurdo
do direito em Albert Camus. Florianópolis: Ed. da UFSC: Fundação Boiteux, 2011.
159p. Disponível em:
https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/99608/Notas_sobre_direito_V
_IV_texto1.pdf?sequence=1. Acesso em 16 de ago. de 2016.
TALAVERA, Pedro. Derecho y literatura. Granada: Ed. Comares, 2006.
ISSN 2316-3682 | Endereço eletrônico: http://www.unioeste.br/eventos/conape/
| 1097
Download