PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Curso de Graduação em Direito O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADES FAMILIARES E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Isaac Espíndola Vitorino Ferreira Belo Horizonte 2010 Isaac Espíndola Vitorino Ferreira O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADES FAMILIARES E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Monografia apresentada à Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para aprovação na disciplina Monografia II. Orientador: Fernando Horta Tavares Belo Horizonte 2010 ISAAC ESPÍNDOLA VITORINO FERREIRA O reconhecimento constitucional das uniões homossexuais como entidades familiares e suas implicações no ordenamento jurídico brasileiro. MONOGRAFIA APRESENTADA À FACULDADE MINEIRA DE DIREITO DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA, COMO REQUISITO PARA APROVAÇÃO NA DISCIPLINA MONOGRAFIA II. ________________________________________________ FERNANDO HORTA TAVARES – PUC MINAS ________________________________________________ ________________________________________________ Aos que, apesar de tudo, ainda acreditam na justiça. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, pelo amor incondicional. Ao meu orientador, pela dedicação e respeito. Ao Inominável, sempre. "A insatisfação é o primeiro passo para o progresso de um homem ou de uma nação." Oscar Wilde RESUMO Este trabalho tem o objetivo de analisar as uniões homossexuais à luz da Constituição de 1988, especificamente a partir do seu artigo 226, §4º, que insere no ordenamento jurídico brasileiro a figura das entidades familiares. Neste sentido, pretende traçar os princípios basilares da nova ordem jurídica pós-88 e sua atuação na hermenêutica atual consoante a estas uniões. Para tanto, foram pesquisadas obras jurídicas nacionais e modernas que abordam as uniões homossexuais no contexto do Estado Democrático de Direito, bem como artigos científicos, jurisprudências e projetos de lei que versam acerca do assunto. Ao final, constata-se que o artigo 226, § 4º, da Constituição Federal de 1988 reconhece outros arranjos familiares, denominando-os de entidade familiar. Trata-se o dispositivo supracitado de cláusula aberta, comportando interpretação extensiva, incluindo-se, portanto, neste rol, as uniões homossexuais. Esta diretriz constitucional deve orientar o aplicador do direito na interpretação das normas-infraconstitucionais relativas a estas uniões, gerando efeitos, por exemplo, no direito de família, no direito previdenciário e no direito tributário. Palavras chave: Homossexualidade, Uniões homossexuais, Entidade Familiar, Direito de Família, Cláusula aberta, Estado Democrático de Direito. ABSTRACT This paper aims to analyze homosexual unions in the light of the Constitution of 1988, specifically from Article 226, § 4, which inserts in the Brazilian legal entities familiar figure. We aim to draw the basic principles of the new legal post-88 and its role in current hermeneutic depending on such unions. It had been researched modern legal works that address national and homosexual unions in the context of a democratic state of law, and scientific articles, case law and legislative bills that deal on the subject. In the end, it appears that Article 226, § 4 of the Constitution of 1988 recognizes other family arrangements, calling them a family entity. This is the device above the open clause, comprising a broad interpretation, including, therefore, in this role, homosexual unions. This guideline is to guide the applicator constitutional law in interpreting the rules for these infra-unions, creating effects, for example in family law, pension law and tax law. Keywords: Homosexuality, Homosexual unions, Familiar Entity , Family Law, Clause Open, Democratic State of Law. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10 2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE .................................11 3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA ...................................12 3.1 A FAMÍLIA NA ANTIGUIDADE E NA PÓS-MODERNIDADE ..............................................12 4 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................................14 4.1 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E O NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA ...............14 4.2 OS MODELOS DE FAMÍLIA CONTEMPLADOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .......................16 5 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA................18 6 O TRATAMENTO DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO ..................................................................................................................................22 7 O RECONHECIMENTO DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADE FAMILIAR PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988................................26 8 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS E A ANALOGIA À UNIÃO ESTÁVEL.................29 9 A UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO: PROJETO DE LEI 1.151/95 ....................................................................................................................32 10 O ESTATUTO DAS FAMÍLIAS E O CAPÍTULO DEDICADO ÀS UNIÕES HOMOSSEXUAIS .....................................................................................................34 11 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS E A ADPF 132 E ADI 4.277 ..............................37 12 CONCLUSÃO ......................................................................................................41 REFERÊNCIAS.........................................................................................................43 ANEXO .....................................................................................................................49 10 O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADES FAMILIARES E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1 Introdução Este trabalho pretende abordar as uniões homossexuais no contexto do Estado Democrático de Direito. Neste sentido, adotar-se-á o artigo 126, § 4º, da Constituição de 1988, como cláusula aberta de interpretação, comportando, destarte, outros arranjos familiares além daqueles exemplificados pelo dispositivo em comento, por meio de uma leitura conjunta dos demais princípios que conformam o texto constitucional. Para tanto, nos primeiros capítulos serão abordados, respectivamente, o conceito de homossexualidade, bem como a evolução histórica do conceito de família desde a antiguidade até a sociedade pós-moderna. No capítulo 4, far-se-á uma análise da família no ordenamento jurídico, abordando este tema na Constituição da República de 1988 e no Código Civil de 2002. Em seguida, será observado o tratamento das uniões homossexuais na jurisprudência nacional e no direito estrangeiro, respectivamente, nos capítulos 5 e 6. Adiante, será exposto o entendimento defendido neste trabalho, qual seja, o que sustenta o reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares pela Constituição de 1988. Já no capítulo 8, as uniões homossexuais serão confrontadas com as normas que regulamentam a união estável no Brasil; nos seguintes, proceder-se-á a uma sucinta exposição dos projetos de lei voltados para regulamentar as uniões homossexuais no cenário nacional. Outrossim, os instrumentos legais utilizados para provocar o Poder Judiciário na apreciação de conflitos envolvendo as uniões homossexuais serão apresentados no capítulo 11. Ao concluir este trabalho, será reiterado o entendimento de que as uniões homossexuais são reconhecidas pela nova ordem constitucional em consonância com os paradigmas do Estado Democrático de Direito. 11 2 Considerações acerca da homossexualidade Historicamente, compreender a homossexualidade tem sido um desafio para estudiosos de diversas áreas, notadamente pelas implicações sociais e morais que o tema recorrentemente esteve envolvido. Etimologicamente, a origem da palavra homossexual é atribuída ao grego homo ou homeo, elemento de composição que exprime a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja: homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa figura, ou aspira ter (OLIVEIRA, 1997, p. 310). Contudo, existem autores que afirmam que o termo “homossexual” e seus derivados, “homossexualismo e homossexualidade”, surgiram no final do século XIX, sendo, portanto, estranhos ao período da Antiguidade ou a outro que não seja o Contemporâneo, não obstante contenha registros desta prática em sua história (FRANCA, 2004, p. 36). Atualmente, para a medicina e a psicologia a homossexualidade se caracteriza por uma atração erótica por indivíduos do mesmo sexo, ensejando a prática de atos libidinosos entre estes ou fantasias que encerrem este tipo de situação (TAVARES et al., 2009, p. 2). Há notícias de práticas homossexuais entre os romanos, egípcios, gregos e assírios. Diz-se que entre os cartagineses, dórios, citas e, posteriormente, os normandos, relacionou-se a homossexualidade à religião e até mesmo à carreira militar, visto que a mesma estava ligada aos deuses que os representavam, como Horus e Set (MIRANDA, 2006, p. 6). Entre os gregos, vale ressaltar que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo era visto de forma relativamente natural pela sociedade ateniense cujo acervo de obras visuais recorrentemente apresentava a relação entre um homem adulto com um jovem, particularidades estas que configuravam a pederastia (FRANCA, 2004, p. 8). Com a consolidação do Cristianismo, a homossexualidade passou a ser amplamente condenada com fulcro em interpretações de passagens bíblicas e taxada como anomalia psíquica e vício repugnante, resultando na pena de morte em diversos Estados, como na Inglaterra que até a década de 60 ainda a classificava como crime (MIRANDA, 2006, p. 7). Entretanto, o termo “homossexualismo”, cujo sufixo ainda faz alusão à doença de cunho mental, tornou-se obsoleto no meio científico, optando-se pelo significante 12 “homossexualidade”, em virtude das mudanças ocorridas, notadamente, a partir da década de 70 (TAVARES et al., 2009, p. 3) Em dezembro de 1973, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) deixou de considerar a homossexualidade um transtorno mental e, em 1991, a Anistia Internacional passou a compreender a proibição da prática homossexual como violação aos direitos humanos (REIS, 2005, p. 52). No Brasil, em 1985, o Conselho Federal de Medicina retirou a homossexualidade do rol de desvios mentais. Nos anos 90, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), que serve como orientador para a classe médica, notadamente para os psiquiatras, exclui a homossexualidade de suas páginas. Em 1993, a Organização Mundial de Saúde passou a adotar o termo “homossexualidade” em contraposição a “homossexualismo”. Finalmente, em 1995, o “homossexualismo” deixou de constar na lista de Classificação Internacional de Doenças (CID) (MIRANDA, 2006, p. 7-8). Os avanços obtidos no campo científico nos últimos anos proporcionaram o surgimento de novas teorias que se propõem a explicar a homossexualidade. Neste sentido, diversos estudos baseiam-se ora na influência exercida pelo ambiente em que o indivíduo está inserido, ora pela genética. Entretanto, atualmente, é unânime a decisão de que ninguém opta por ser homossexual, mas sim em assumir ou não esta condição (REIS, 2005, p.52). 3 A evolução histórica do conceito de família 3.1 A Família na Antiguidade e na pós-modernidade Em A Cidade Antiga, renomada obra de Fustel de Coulanges, constatamos o alicerce fundamental que orientou a formação dos principais institutos que compunham o cenário social na Antiguidade: a religião. Segundo o ilustre autor, a crença na vida além-túmulo, que resultou no estabelecimento de um peculiar culto aos mortos, norteou a existência dos antigos, influenciando as diversas facetas de sua história. Neste contexto, desenvolveu-se o conceito de família fortemente associado à religião e, também, ao poder, conforme exposto pelo autor: “O que uniu os membros da família antiga é algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física: na religião do fogo sagrado e dos antepassados se encontra esse poder. A religião fez com que a família 13 formasse um só corpo nesta vida e na do além. A família antiga é, desta forma, mais uma associação religiosa que uma associação natural [...] A família era, desta forma, um grupo de pessoas a quem a religião permitia invocar os mesmos manes e oferecer o banquete fúnebre aos mesmos antepassados.” (COULANGES, 2002, p. 34). Portanto, para que fossem considerados parentes, dois homens deveriam cultuar os mesmos deuses, presidirem o mesmo banquete fúnebre, ou seja, comungarem da mesma religião, sendo o parentesco determinado pela linha paterna, conhecido como agnação. (MIRANDA, 2006, p. 12) No Direito Romano, mormente, o termo família designava o conjunto de pessoas que viviam sob o jugo do pater familias, seja unido pelo vínculo cognativo, seja constituindo um acervo patrimonial ou herança, o que destacava seu caráter eminentemente patrimonial (SOLLA, 2009, p. 3). A autoridade incontestável exercida pelo pater familias baseava-se na pátria potestas, direito que se expressava em uma relação de domínio exercido por aquele sob os demais membros do grupo familiar. O “filius” não passava de uma propriedade do pai, podendo este decidir, até mesmo, pela morte de seus descendentes, conforme reiterado pelas XII Tábuas (MIRANDA, 2006, p. 12) No período medieval, o conceito de família se expande ao representar um grupo de pessoas unidas pelas relações de fidelidade. Contudo, a família era concebida a partir do casamento religioso, abrangendo, destarte, os cônjuges, seus descendentes, e, em determinadas ocasiões, os ascendentes, sem, contudo, despojar-se de seu aspecto patrimonialista (SOLLA, 2009, p. 3). O surgimento da sociedade burguesa valida o conceito de família com base nos princípios do individualismo, da não intervenção estatal na seara privada, da autonomia da vontade e do patrimonialismo, consolidando-se como domínio particular do homem (SOLLA, 2009, p. 3). Outrossim, a família moderna também permaneceu fortemente jungida à figura do pater. Era o homem quem detinha o poder marital sobre a esposa e o pátrio-poder sobre seus descendentes. Esta era a unidade familiar merecedora da tutela jurisdicional. Em contrapartida, as companheiras, concubinas, os filhos chamados ilegítimos, bem como os filhos de mães solteiras, as uniões homossexuais e tantas outras situações ficavam à mercê do silêncio do Legislador e ao alvedrio do Judiciário (SOLLA, 2009, p. 4). 14 A crise do Estado Liberal e ascensão do welfare State favoreceram o surgimento da chamada “era dos direitos”, desencadeando um processo de reformulação do sistema jurídico. As revoluções ocorridas a partir da década de 60 ensejam mudanças paradigmáticas que refletem na concepção de família. Surge a mulher liberta do jugo do poder marital, emancipada, sexualizada pela liberdade advinda da pílula anticoncepcional e inserida no mercado de trabalho. Momento de efervescência cultural e política em que os prazeres são redescobertos e diversos institutos que compõe a sociedade passam a ser reinterpretados. Este período é marcado pelos movimentos feministas e homossexuais que despontam tanto no cenário internacional quanto no Brasil (SOLLA, 2009, p.4). No plano nacional, em contraposição ao então vigente Código Civil de 1916, surgem diversos diplomas legais que modificam profundamente o significado de família no ordenamento jurídico brasileiro: a Lei 883 de 1949 reconhece a prole até então denominada ilegítima e os direitos a ela devidos; a Lei 4.121/62 retira a mulher da situação de relativamente incapaz; com a Lei 6.515 de 1977, que instituiu o divórcio, o casamento, depois de dissolvido, poderia ser novamente constituído (SOLLA, 2009, p. 4-5). Finalmente, a Constituição da República de 1988, a partir de seu arcabouço principiológico, inaugura uma nova concepção de família, tornando-a pluralista, democrática, livre e repersonalizada, consoante às prerrogativas do Estado Democrático de Direito, cujos desdobramentos serão melhor expostos nos tópicos seguintes. 4 A família no ordenamento jurídico brasileiro 4.1 A Constituição da República de 1988 e o novo conceito de família Pode-se afirmar que a Constituição da República de 1988 inaugurou uma nova ordem jurídica e política no cenário nacional, rompendo com um passado marcado por abusos e restrições impostos pelos longos anos de ditadura e instituindo o Estado Democrático de Direito. Seu objetivo precípuo é garantir a efetivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, afirmando direitos e garantias individuais em consonância com seus ideais democráticos (TAVARES et al., 2009, p.4). Neste sentido, dispõe o art. 1º da Carta Constitucional: 15 A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; [...] (grifo nosso) (BRASIL, 2008, p. 7) Faz-se mister ainda evocar o artigo 5º da Constituição da República, notadamente reconhecido pelas garantias que encerra, conforme se pode apreender de seu caput: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 2008, p. 7). A Constituição da República de 1988 representa um desafio aos intérpretes e aos operadores do direito na medida em que propõe uma nova hermenêutica capaz de harmonizar os demais institutos previstos na legislação infraconstitucional com os inúmeros princípios basilares do texto constitucional, efetivando o Estado Democrático de Direito. Neste aspecto, aduz o professor Cesar Fiúza (2003, p. 29): Vive-se hoje no Brasil os alvores do Estado Democrático de Direito. Este é o momento da conscientização desse novo paradigma. Só agora assumem a devia importância os princípios e os valores constitucionais por que se deve pautar todo o sistema jurídico. Constitucionalização ou publicização do Direito Civil entram na temática do dia. [...] Diz-se que os pilares de sustentação do Direito Civil, família, propriedade e autonomia da vontade, deixaram de sê-lo. O único pilar que sustenta toda a estrutura é o ser humano, a dignidade da pessoa, sua promoção espiritual, social e econômica. É possível afirmar que, atualmente, há uma crise do Direito, no tocante à interpretação de seus institutos em face da nova visão proposta pela Constituição Federal, abrangendo, indubitavelmente, o Direito de Família, conforme se pode apreender da lição abaixo colacionada: O direito de família está em crise. A mesma Revolução Industrial que gerou a crise do Direito das Obrigações, esta mesma Revolução conduz a mulher para o mercado de trabalho, retira o homem do campo, proletariza as cidades, reduz o espaço de coabitação familiar, muda o perfil da família-padrão. (FIUZA, 2003, p.28-29) Enquanto nas Constituições Brasileiras de 1937, 1946 e 1967 o legislador propugnava pelo casamento indissolúvel como única forma de se constituir família, a 16 Constituição de 1988 reconheceu novos arranjos familiares ao instituir a figura da entidade familiar como cláusula aberta de interpretação (MIRANDA, 2006, p.14). Neste sentido, o dispositivo constitucional alinha-se às mudanças do conceito de família, cujo conteúdo não mais se restringe a modelos tradicionais de formação, reconhecendo-a como espaço de realização plena do indivíduo, como instituição democrática, pluralista, incorporando valores regentes fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a igualdade e a liberdade (SOLLA, 2009, p. 6). Deve-se reiterar, portanto, que a Constituição da República de 1988 é fundada em princípios que objetivam viabilizar uma interpretação que melhor atenda à realização da pessoa humana. Destarte, defende-se, neste trabalho, que os parágrafos 3° e 4° do artigo 226 da Constituição Fe deral devem ser interpretados no sentido de tutelar outros modelos de entidades familiares, além daqueles que foram explicitamente previstos, constituindo numerus apertus: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...] § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIl, 2008, p. 68). A nova ordem constitucional tem por escopo a proteção da pluralidade dos arranjos familiares enquanto forma de atuação do princípio da dignidade da pessoa humana (MIRANDA, 2006, p.17-18). Outrossim, o Estado Democrático de Direito exige a garantia de iguais liberdades fundamentais (HABERMAS, 2003, p. 128-131), o que resulta na coexistência de diversos projetos de vida. Consoante à nova ótica constitucional é que se fala em Direto das Famílias em contraposição ao título anterior Direito de família, cuja justificativa se observará mais adiante, especificamente quando for abordada a crise de interpretação neste ramo do Direito. 4.2 Os modelos de família contemplados no Código Civil de 2002 O Código Civil de 2002 apresenta como modelos de família o casamento e a união estável. Em seu artigo 1.511 dispõe que o casamento estabelece comunhão 17 plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos respectivos conjugues. Surgem, a partir desta disposição, diversas correntes que objetivam definir a natureza jurídica do casamento. A primeira, de natureza institucionalista, compreende que o casamento é uma instituição social, visto que representa um conjunto de regras aceitas por todos que visam regular as relações entre os cônjuges. A segunda, de natureza contratual, concebe o casamento como um acordo de vontades, resultando num tipo de contrato especial, dadas as peculiaridades que possui. Outros, compreendem que o casamento, enquanto celebração é contrato, e enquanto vida comum, é uma instituição social (FIUZA, 2006, p. 944). Ainda, de acordo com o artigo 1.514 do Código Civil, “O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz declara casados.” Neste sentido, afirma César Fiúza (2006, p. 943) que: “Segundo nosso Direito em vigor, casamento é a união estável e formal entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazer-se e amparar-se mutuamente, constituindo família.” Logo, os dispositivos infraconstitucionais expostos não oferecem a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo, como também não o faz correlato constitucional que exige a diversidade de sexos (TAVARES et al., 2009, p. 6). Entretanto, o advento do Código Civil de 2002 trouxe algumas inovações relativas ao casamento, desvinculando-o da idéia de satisfação sexual, da filiação, e da própria constituição de família, vez que, nos termos de seu artigo 1.723, também reconheceu a união estável como entidade familiar (TAVARES et al., 2009, p. 7). Quanto à união estável, o caput do artigo 1.723 do Código Civil de 2002, prevê que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Para César Fiúza (2006, p. 969): União estável é a convivência pública, contínua e duradora sob o mesmo teto ou não, entre homem e mulher não ligados entre si pelo casamento, com a intenção de constituir família. O entendimento mais moderno é que seja dispensável o mos uxoruis, ou seja, a convivência idêntica ao casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e constância das relações, para além de simples namoro ou noivado [...]. Pode haver, portanto, união estável sem que haja coabitação e vida idêntica à do 18 casamento, embora deva estar presente a intenção de constituir família. Esta intenção traduz-se na prática de viver juntos, compartilhando o dia a dia, criando uma cumplicidade, uma comunhão de vida, amparando-se e respeitando-se reciprocamente [...]. A união estável é permitida aos solteiros, viúvos, divorciados, separados judicialmente, e ainda apresenta como inovação inserida no Código Civil de 2002, a possibilidade de pessoas “separadas de fato” constituírem união estável válida, o que não era previsto pela Lei n. 8.791/94 (TAVARES et al., 2009, p. 7) Aos companheiros são assegurados os direitos à prestação de alimentos recíproca, à participação na sucessão (ainda que de forma reduzida em relação ao casamento) e o regime de comunhão parcial de bens. Para que seja reconhecida a união estável, basta que sejam satisfeitos os requisitos presentes no artigo 1.723 do Código Civil, não estabelecendo o Legislador tempo necessário para sua constituição. Ainda, conforme o artigo 1.726, os companheiros poderão obter, a qualquer tempo e de comum acordo, a conversão da união estável em casamento, mediante requerimento ao juiz, com o assento no Registro Civil. Semelhantemente ao que ocorre no casamento, a união estável não está prevista para as pessoas do mesmo sexo, visto a menção expressa do artigo 1.723 do Código Civil de 2003 à diversidade de sexos como requisito necessário a sua constituição, distinguindo-a, portanto, da união homossexual, resultando em entidades familiares distintas (TAVARES et al., 2009, p. 8). Mediante o exposto, pode-se concluir, que o Código Civil de 2002, no tocante ao Direito das Famílias, não apresentou avanços compatíveis com os ideais do Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição da República de 1988, que em seu artigo 226, enquanto cláusula aberta de interpretação, prevê outras formas de entidades familiares, tais como a monoparental, a anaparental e a própria união homossexual. 5 As uniões homossexuais na jurisprudência brasileira Ainda que o Legislador brasileiro tenha se omitido, até o presente momento, em regulamentar as uniões homossexuais, o Poder Judiciário tem se manifestado, em diversas instâncias, no sentido de declarar o reconhecimento constitucional destas uniões na solução dos litígios que lhe são apresentados. 19 Neste sentido, as uniões homossexuais trilham, no cenário judicial do país, o mesmo caminho percorrido pela união estável, no tocante ao seu reconhecimento como entidade familiar, tutelando-lhe os direitos e garantias compatíveis com o Estado Democrático de Direito. Entretanto, não obstante os avanços obtidos na jurisprudência acerca do tema, não são raras as vezes em que decisões são proferidas no âmbito do judiciário em flagrante desalinho com a nova ordem instituída a partir da Constituição da República de 1988 (TAVARES et al., 2009, p. 9). Existem autores que ainda entendem que as uniões homossexuais devem ser consideradas como sociedades de fato, atribuindo-lhes natureza notadamente mercantil, negando, destarte, a competência das varas de família para conhecer de suas ações e atribuindo-as às varas cíveis. A partir desta premissa o autor Guilherme Calmon Nogueira da Gama (1998, p.491) entende que é possível: [...] o reconhecimento do direito do partícipe da relação que for prejudicado em decorrência da aquisição patrimonial em nome tão somente do outro, ao partilhamento dos bens adquiridos durante a constância da sociedade de fato, na medida da sua efetiva contribuição para a formação ou o incremento patrimonial. Entretanto, autores como Álvaro Villaça Azevedo (2004, p. 42) aconselham aos pares homossexuais que efetuem contrato que contenha cláusula expressa acerca do patrimônio existente e quanto à possibilidade de adquirirem bens em nome de ambos, o que importa condomínio em partes iguais, diante da falta de tratativa específica da matéria. Contudo, é digno de nota que as primeiras decisões favoráveis à união homossexual ocorreram no Rio Grande do Sul, onde pioneiramente julgou-se que a competência para casos semelhantes seria das Varas de Família e não mais da Vara Cível (RIO GRANDE DO SUL, 1999). Logo, surgiram novos julgados reconhecendo diversos direitos atinentes à “entidade familiar homossexual”, notoriamente os de caráter sucessório. Em 2001, é reconhecida a primeira união homossexual por um tribunal brasileiro, novamente no Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2001). Também, merece menção o reconhecimento da inelegibilidade em razão de uniões homossexuais pelo Tribunal Superior Eleitoral (BRASIL, 2004), ao entender que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma “entidade familiar” e que se 20 sujeita ao impedimento eleitoral existente em qualquer relação familiar (TAVARES et al., 2009, p. 9). Neste sentido, Maria Berenice Dias (2008, p.190) compreende que se estão sendo impostos ônus às uniões homossexuais, faz-se mister sejam assegurados também todos os direitos e garantias a essas uniões no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório. Destarte, como exemplos destes avanços jurisprudenciais, ainda vistos com reserva pela maioria dos magistrados, colacionam-se duas jurisprudências brasileiras, uma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e outra do Superior Tribunal de Justiça, as quais decidiram pelo reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares. O processo n. 1.0024.04.531585-0/001(1), julgado em 13/12/2009, pela desembargadora Maria Elza, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2009), trata do reexame e recurso de apelação interposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG, contra a sentença proferida pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Estadual. A primeira instância julgou procedente pedido em ação ordinária, concedendo ao autor o benefício previdenciário em razão do falecimento de seu companheiro. O acórdão proferido pela 5ª Câmara Cível manteve a decisão de 1ª grau, reconhecendo a união homossexual como entidade familiar por força do artigo 226, §4º, da Constituição da República, propugnando pela aplicação analógica das normas que regulamentam a união estável ao caso em tela. Tal entendimento dá-se, portanto, pela adoção do referido dispositivo constitucional como cláusula aberta de interpretação, em consonância com os demais princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, como o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, que apontam para o reconhecimento da pluralidade de arranjos familiares presentes na sociedade. O Recurso Especial n. 820.475, julgado em 02 de setembro de 2008, pelo Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2008), julgou uma demanda em que se pedia o reconhecimento da união homoafetiva. O processo originou-se na 4ª Vara de Família de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, onde os autores ajuizaram ação declaratória de união estável sob a alegação de preencherem os mesmos requisitos previstos para este modelo de entidade familiar. Ademais, justificava-se o pedido pelo fato de um dos companheiros ser canadense e que o reconhecimento 21 jurisdicional desta união permitiria a concessão de visto permanente a ele, uma vez que o outro é brasileiro. Porém, a sentença de 1ª instância extinguiu o processo alegando ausência de previsão legal, conforme o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Em sede de apelação, a decisão de 1º grau foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Desta feita, as partes aviaram o Recurso Especial junto ao Superior Tribunal de Justiça. Os recorrentes fundamentaram o recurso sustentando que o Tribunal a quo violara o princípio da identidade física do juiz, conforme artigo 132 do Código de Processo Civil, além da infringir os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil, sob o argumento que o ordenamento jurídico não veda o reconhecimento de uniões homossexuais. Destarte, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, conheceu do recurso e deu–lhe provimento. O voto do relator, Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, fundamentou-se na inocorrência de ofensa ao princípio da identidade física do juiz. Contudo, em relação à impossibilidade jurídica do pedido declarou que tanto na doutrina quanto na jurisprudência é pacífico o entendimento de que esta só se configura quando existe expressa vedação disposta pelo ordenamento jurídico. O Ministro, portanto, afirma que não há vedação legal expressa da união entre pessoas do mesmo sexo nos artigos 226, § 3º da Constituição da República de 1988; e 1.723 e 1.724 do Código Civil de 2002. Assim, mesmo diante da ausência de regulação específica, o caso não deve ficar sem solução jurídica, devendo-se, portanto, aplicar a analogia, conforme os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e 126 do Código de Processo Civil. Neste sentido, pondera o autor Luiz Edson Fachin que Essa dedução, se de um lado pode gerar alguma perplexidade para a sustentação dos valores informativos das uniões tradicionais, por outro, pode ser um caminho, enquanto a norma específica não vier, para que os resultados buscados, dentro ou fora do Judiciário, sejam mais justos (FACHIN, 1999, p.100). No mesmo raciocínio, corrobora Maria Berenice Dias que O caminho está aberto, sendo imperioso que os juízes cumpram com a sua verdadeira missão: fazer Justiça. Acima de tudo, precisam ter sensibilidade para tratar de temas tão delicados como as relações afetivas, cujas 22 demandas precisam ser julgadas com mais sensibilidade e menos preconceito. Os princípios de justiça, igualdade e humanismo devem presidir as decisões judiciais (DIAS, 2008, p.191). As jurisprudências apresentadas, embora representem um avanço significativo obtido por cidadãos brasileiros junto aos tribunais, tanto no âmbito estadual quanto nacional, ainda demonstram as dificuldades a serem enfrentadas na análise dos casos que envolvem uniões entre pessoas do mesmo sexo. Outrossim, decisões como estas não só servem como precedentes para mais julgamentos favoráveis no reconhecimento das uniões homossexuais, bem como justifica a necessidade de um dispositivo legal próprio que regule estas relações. Todavia, conforme pontuado neste trabalho, a união homossexual encontrase amparada pelo ordenamento jurídico através da cláusula aberta de entidades familiares da Constituição da República de 1988, dispensando, para seu reconhecimento, o recurso à analogia com os dispositivos legais referentes à união estável; entretanto, é possível encontrar decisões judiciais propugnando pelo emprego da referida analogia em face da ausência de norma específica que regulamente os efeitos das uniões homossexuais. 6 O tratamento das uniões homossexuais no direito estrangeiro Se no Brasil a aprovação do projeto de lei que regulamenta as uniões homossexuais ainda suscita controvérsias e é recorrentemente postergado pelo Legislador, no plano internacional, diversos outros países já se dedicaram ao tema, produzindo normas específicas aplicáveis ao caso. Reunindo reportagens e informações publicadas acerca do tema pelo site oficial da Folha Online (www.folha.uol.com.br), é possível esboçar o seguinte panorama das uniões homossexuais no mundo: Junho de 1989 - A Dinamarca aprova uma lei que permite o registro da união civil a casais homossexuais, abrigando-os na mesma lei que define os direitos atinentes aos parceiros em uniões heterossexuais (FOLHA online, 2007); Agosto de 1993 - A Noruega se torna o segundo país do mundo a permitir que gays e lésbicas registrem civilmente a união, fornecendo direitos muito semelhantes aos que são oferecidos aos casais heterossexuais (FOLHA online, 2007); 23 Março de 1995 - A Corte Constitucional da Hungria derruba uma lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2007); Outubro de 1999 - A França garante a todos os casais o direito à união civil, incluindo reformas na cobertura do seguro social e nas leis de transmissão da herança (FOLHA online, 2007); Dezembro de 2000 - A Holanda dá a aprovação final à lei que permite o casamento e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. É mister salientar que o governo holandês reconhecia a união civil homossexual desde 1998 (FOLHA online, 2007); Julho de 2002 - A Alemanha permite que casais homossexuais registrem suas uniões junto a autoridades civis (FOLHA online, 2007); Julho de 2003 - Dois argentinos tornam-se o primeiro casal homossexual da América Latina a usar uma nova lei que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2007); 17 de maio de 2004 - Os primeiros casais homossexuais se casam legalmente em Massachusetts, tornando-o, na época, o único Estado americano a permitir esta modalidade de casamento (FOLHA online, 2007); 27 de julho de 2004 - Uma corte francesa anula o primeiro casamento entre homossexuais do país, que aconteceu em 5 de junho de 2004 (FOLHA online, 2007); Novembro de 2004 - O Parlamento britânico aprova o Ato de Parceria Civil que permite a casais do mesmo sexo registrar oficialmente sua união. A nova lei, que concedeu aos homossexuais quase os mesmos direitos civis dos heterossexuais, somente começou a valer a partir de dezembro de 2005 (FOLHA online, 2007); 5 de abril de 2005 - Eleitores do Kansas (EUA) aprovam uma emenda à Constituição do Estado que barra o casamento entre homossexuais (FOLHA online, 2007); 30 de junho de 2005 - A Câmara dos Deputados da Espanha aprova lei que permite o casamento entre homossexuais e a adoção de crianças por estes casais (FOLHA online, 2007); 19 de julho de 2005 - O Senado do Canadá aprova o projeto de lei C-38, que permite o casamento entre casais gays, legalizando a união entre homossexuais em todo o país (FOLHA online, 2007); 24 20 de abril de 2006 - O Senado da Bélgica aprova o projeto de lei que concede aos casais homossexuais o direito de adotar crianças, depois da aprovação da Câmara dos Deputados em dezembro de 2005 (FOLHA online, 2007); 12 de maio de 2006 - O Parlamento do Território da Capital Australiana (ACT), Canberra, adota uma controvertida lei que autoriza a união entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2006); 06 de julho de 2006 - A Suprema Corte do Estado de Nova York proíbe o casamento homossexual, afirmando que a união entre pessoas do mesmo sexo não é permitido sob as leis do Estado, dizendo que uniões deste tipo "violam" os direitos constitucionais (FOLHA online, 2007); 14 de novembro de 2006 - O Parlamento da África do Sul vota a favor da legalização das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, após entendimento do Tribunal Constitucional do país que a legislação até então existente discriminava homossexuais ao definir casamento como “uma união entre um homem e uma mulher” (FOLHA online, 2006); 15 de dezembro de 2006 - O Poder Legislativo do Estado de Nova Jersey aprova lei que reconhece aos casais homossexuais os mesmos direitos assegurados aos heterossexuais casados, após a Suprema Corte local fixar prazo para que os parlamentares apreciassem a matéria (FOLHA online, 2006); 31 de agosto de 2007 - Tribunal do Estado americano de Iowa determina que os casais do mesmo sexo podem contrair matrimônio, com base na garantia de tratamento isonômico consagrada pela Constituição, anulando lei estadual que declarava que o único casamento legítimo era entre um homem e uma mulher. O caso ainda será apreciado pelo Supremo Tribunal de Iowa (FOLHA online, 2007); 19 de dezembro de 2007 - O Congresso Nacional do Uruguai aprova a chamada lei da “união concubinária”, que atinge casais héteros e homossexuais, dispondo acerca da divisão de bens, herança, pensões em caso de falecimento e outras vantagens do sistema de segurança social do país (FOLHA online, 2007); 22 de dezembro de 2007 - A Corte Suprema do Nepal reconhece os direitos de homossexuais e transexuais do país e recomenda ao Poder Executivo a formação de comitê para estudar a possibilidade de se permitir casamentos entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2007); 25 02 de janeiro de 2008 - O Estado de New Hampshire, às vésperas das eleições nos Estados Unidos, reconhece a união civil entre homossexuais, conferindo-lhe direito à herança e à guarda dos filhos (FOLHA online, 2008); 03 de junho de 2008 - Prefeito da ilha de Tilos, no Mar Egeu, celebra os dois primeiros casamentos na Grécia, em razão de uma brecha na lei que versa sobre o matrimônio civil. Após a celebração dos casamentos, o procurador de Rodas, que tem jurisdição sobre Tilos, pediu ao prefeito a anulação dos casamentos (FOLHA online, 2008); 12 de novembro de 2008 - O Estado de Connecticut, na Costa Leste dos Estados Unidos, legaliza a união civil entre homossexuais, em conformidade com a decisão proferida pela Corte Suprema do Estado em outubro do mesmo ano (FOLHA online, 2008); 1º de abril de 2009 - O Parlamento da Suécia aprova lei que confere às uniões entre pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos das uniões heterossexuais, alterando a lei de 1994, que permitia o registro destas uniões, mas não as considerava como casamentos formais (FOLHA online, 2009); 6 de maio de 2009 - John Baldacci, Governador do Maine, sanciona o projeto de lei que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2009); 26 de maio de 2009 - A Corte Suprema da Califórnia validou decisão de um plebiscito, realizado no ano anterior, que proibia o casamento homossexual no Estado; entretanto, as 18 mil uniões gays realizadas antes do plebiscito foram consideradas válidas (FOLHA online, 2009); 10 de dezembro de 2009 - O Parlamento da Áustria aprova união civil entre pessoas do mesmo sexo, garantindo aos casais homossexuais os mesmos direitos dos casais heterossexuais. Entretanto, os casais gays não poderão oficializar suas uniões no registro civil, tendo que fazê-lo diante de uma autoridade competente (FOLHA online, 2009); 21 de dezembro de 2009 - A Assembléia Legislativa da Cidade do México aprova o casamento entre homossexuais com os mesmos direitos das uniões heterossexuais, como a adoção de crianças, a herança, a união patrimonial para obtenção de crédito bancário e a possibilidade de receber benefícios do seguro social (FOLHA online, 2009); 08 de janeiro de 2010 – Parlamento Português adota projeto de lei que legaliza a união homossexual, mas rejeita proposta quanto à adoção de crianças por 26 estes casais. O projeto de lei será examinado por uma comissão e, posteriormente, votado de forma definitiva, seguindo então para o chefe de Estado para promulgação (FOLHA online, 2010); 9 de março de 2010 - Washington celebra seus primeiros casamentos entre pessoas do mesmo sexo, após decisão da Suprema Corte do Estado em rejeitar petição dos opositores ao casamento homossexual (FOLHA online, 2010); O panorama exposto acerca das uniões homossexuais no ordenamento jurídico de outros países nos permite refletir que, não obstante existam posicionamentos conflitantes a respeito do tema ou uma maior ou menor flexibilidade para tratar do assunto conforme a cultura em que esteja inserido, os Estados têm se posicionado no sentido de resguardar estas uniões, regulamentado seus efeitos na ordem normativa (TAVARES et al., 2009, p. 13). 7 O reconhecimento das uniões homossexuais como entidade familiar pela Constituição da República de 1988 Neste trabalho, optou-se pelo emprego da expressão “uniões homossexuais”, não obstante seja recorrente o uso, pela doutrina nacional, do termo “homoafetiva” em situações análogas. Tal escolha justifica-se pela posição adotada por alguns autores em observância ao chamado Princípio da Afetividade, conforme se pode apreender da passagem a seguir: [...] fica clara a necessidade de uma reformulação conceitual no que diz respeito ao nosso tema. Tal empreitada, apesar de recheada por uma enorme parafernália conceitual, nos leva ao conhecimento daquilo que Maria Berenice Dias tão bem chamou de homoafetividade. [...] Homoafetiva, ao contrário, se diz do enlace afetuoso a unir indivíduos do mesmo sexo em comunhão devida. Seu alicerce não é a pulsão sexual, mas o vínculo emocional estabelecido entre os partícipes. Isso nos faz constatar a intencionalidade diversa que se estabelece entre ambas, afinal, o sexo e a construção e uma vida em comum nem sempre se coadunam (SOLLA, 2009, p. 9-10) Entretanto, deste posicionamento, data vênia, reserva-se entendimento diverso, ao compreender que o elemento afeto não passível de mensuração pelos operadores do Direito, e pertencente à esfera existencialista e subjetiva do indivíduo, não deve ser considerado indispensável à constituição das relações familiares, ainda que, moralmente, diga-se desejável; tampouco deve o mesmo ser elencado ao 27 patamar de princípio jurídico (TAVARES et al., 2009, p. 13-14). Ainda, é pertinente a observação de que a extinção do afeto entre os indivíduos nem sempre resultará no fim de seu relacionamento. Nesse sentido, prelecionam Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior: Que o afeto é aspecto inerente às relações familiares, consistindo num dos elementos caracterizadores da família e que, neste sentido, alcança importância considerável, parece indiscutível. O mesmo não se pode dizer, porém, acerca de sua qualidade de princípio jurídico, como defendem alguns. Imputar a afetividade tal predicado induz conferir a mesma característica imperativa, exigibilidade. Saliente-se, mais uma vez, que os princípios jurídicos são norma e, por isso, de obrigatória observância. Nisso se assenta a dúvida. A afetividade é passível de cobrança? Pode-se impor a alguém que tenha e preste afeto a outro(s)? A resposta, crê-se, só pode ser negativa. Se o afeto é um sentimento de afeição para com alguém, soa intrínseco ao mesmo a característica de espontaneidade. É uma sensação que se apresenta, ou não, naturalmente. É uma franca disposição emocional para com outro que não tolera variações de existência: ou há ou não há; e tanto numa como noutra hipótese, o é porque autêntico. Isso impede que, ainda que se pretenda, se possa interferir sob o propósito de exigibilidade nas situações em que ele não se apresentar autonomamente. Insistir nisso é desvirtuar a virtude do afeto. Uma vez imposto não é sincero e, assim, não congrega as qualidades que lhes são próprias, dentre as quais o incentivo a sadia conformação da identidade pessoal dos envolvidos. Em face de tudo isso, a conclusão emerge por si. A afetividade, embora merecedora de atenção jurídica, o é porque elemento-constitutivo da família e, assim, geradora de certos efeitos na orbita do Direito – como o é nascimento com vida, por exemplo. É elemento fático; porém, não jurídico. (ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, p. 46) Entretanto, é certo que a Constituição da República de 1988 instaura uma nova ordem jurídica que prima pelo respeito às garantias e direitos individuais, cujo objetivo é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sob a égide do Estado Democrático de Direito. No tocante à família, o texto constitucional dispõe: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] §3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento. §4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIL, 2008, p.68). Para o saudoso mestre baiano Orlando Gomes (2001, p. 3-30), o dispositivo retro-mencionado possui uma cláusula excludente, vez que se refere apenas à união 28 estável entre homem e a mulher, bem como a família monoparental como entidades familiares, constituindo, destarte, numerus clausus. Com respeito à posição doutrinária, adota-se entendimento contrário ao do mestre, ao propugnar-se por uma interpretação ampla do texto constitucional, como bem ensina Gadamer, citado por SOLLA (2009, p. 14): Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, ter que ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se avança na penetração do sentido. Neste sentido, deve-se salientar que a apreciação do capítulo constitucional dedicado à família encontra assento no Princípio da Dignidade Humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, e nos Princípios da Igualdade e da Liberdade, ambos expressamente previstos no artigo 5º da Constituição de 1988 (TAVARES et al., 2009, p. 15) A partir desta exposição, entende-se cabível afirmar que as uniões homossexuais são reconhecidas pela Constituição da República de 1988 como entidades familiares, adotando o seu artigo 226, § 4º como cláusula aberta de interpretação, entendimento este em consonância com os princípios norteadores do Estado Democrático de Direito, conforme corrobora Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p. 44-45): No caput do art. 226 operou-se a mais radical transformação, no tocante ao âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as constituições brasileira anteriores. Ao suprimir a locação “constituída pelo casamento” (art. 175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A cláusula de exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos, referir a tipos determinados, para atribuir-lhes certas conseqüências jurídicas, não significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a locução “a família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. A interpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos. Quanto ao reconhecimento das uniões homossexuais propriamente ditas, o autor ainda afirma que: 29 Além da invocação das normas da Constituição que tutelam especificamente as relações familiares, preferidas nesta exposição, a doutrina tem encontrado fundamento para as uniões homossexuais no âmbito dos direitos fundamentais, sediados no art. 5º, notadamente os que garantem a liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Tais normas assegurariam “a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inerente à pessoa humana” (LOBO, 2002, p. 54). É mister salientar que a Constituição da República de 1988 suprimiu a cláusula de exclusão, que concebia apenas a família constituída pelo casamento, adotando conceito aberto, abrangente e inclusivo. Portanto, a ausência de lei que regulamente as uniões homossexuais não deve servir como óbice a sua existência, visto que as normas do artigo 226 do texto constitucional são auto-aplicáveis, ou seja, reconhecem expressamente estas uniões como entidades familiares, tornandoas, portanto, titulares de direitos e garantias atinentes à sua existência, destinatárias de igual proteção do Estado. 8 As uniões homossexuais e a analogia à união estável Conforme o Artigo 226, § 3º, da Constituição da República de 1988, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A partir deste dispositivo, divide-se a doutrina em dois entendimentos. O primeiro que compreende a união homossexual dentro do âmbito da união estável, através de uma interpretação extensiva dos direitos fundamentais, pelo emprego da analogia, através do dispositivo constitucional mencionado (TAVARES et al., 2009, p. 16). Em contrapartida, o segundo entendimento defende a inconstitucionalidade do referido artigo, pela violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, como objeto de manifestação da atividade originária constituinte (TAVARES et al., 2009, p. 16). Filiado a primeira corrente, Roger Raupp Rios entende que: A equiparação das uniões homossexuais à união estável, pela via analógica, implica a atribuição de um regime normativo destinado originariamente a situação diversa, ou seja, comunidade formada por um homem e uma mulher. A semelhança aqui presente, autorizadora da analogia, seria a ausência de vínculos formais e a presença substancial de 30 uma comunidade de vida afetiva e sexual duradora e permanente entre os companheiros do mesmo sexo, assim como ocorre entre os sexos opostos (RIOS, 2000, p.122). Por sua vez, aqueles que se filiam ao segundo entendimento, afirmam que o Supremo Tribunal Federal deveria verificar se o artigo 226, § 3º, da Constituição da República, infringe os princípios constitucionais e direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, presentes no próprio texto constitucional. Neste sentido, deveria julgar a inconstitucionalidade do referido dispositivo constitucional. Tratar-se-ia, portanto, de uma inconstitucionalidade da norma constitucional originária. (TAVARES et al., 2009, p. 16). Entretanto, esta tese é rechaçada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, sob o fundamento de que no sistema de Constituição rígida, como é o da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, por meio do qual é exigido um processo solene de alteração constitucional, não coaduna com a idéia de normas constitucionais inconstitucionais. Ou seja, não há que se falar em hierarquia de normas constitucionais (TAVARES et al., 2009, p. 16-17). A ementa da decisão da ADI n. 815 de relatoria do Ministro Moreira Alves parece corroborar este entendimento: EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre normas constitucionais originárias dando azo à declaração de inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo 102, "caput"), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores, porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto, possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica do pedido (BRASIL, 1996). 31 Concernente a linha de pensamento que permeia este trabalho, adotou-se parcialmente a primeira corrente, ponderando pelo uso da analogia entre uniões estáveis e uniões homossexuais apenas quanto aos efeitos legais. Quanto ao reconhecimento como entidade familiar, entende-se que a união homossexual encontra respaldo diretamente na cláusula aberta de entidades familiares da Constituição da República de 1988 (artigo 226, §4º), em consonância com o Estado Democrático de Direito (TAVARES et al., 2009, p. 2). A este respeito conclui Paulo Luiz Netto Lôbo (2002, p.43/46) que [...] Além do princípio da igualdade das entidades, como decorrência natural do pluralismo reconhecido pela Constituição, há de se ter presente o princípio da liberdade de escolha, como concretização do macro princípio da dignidade da pessoa humana. Consulta a dignidade da pessoa humana a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda à sua realização existencial. Não pode o legislador definir qual a melhor e mais adequada. [...] Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana. A assertiva acima encontra amparo no chamado princípio da máxima efetividade da interpretação constitucional, conforme preceitua os ensinamentos de J.J. Gomes Canotilho: [...] a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais) (CANOTILHO, 1993, p.227). Logo, se ao artigo 226 da Constituição da República forem atribuídos dois sentidos possíveis, deve ser aplicado aquele que alcança a inclusão de todas as entidades familiares, visto que confere maior eficácia ou eficiência aos princípios de “especial proteção do Estado”, no caput deste artigo, e da dignidade da pessoa humana “de cada um que a integram”, disposto no §8º do referido dispositivo (TAVARES et al., 2009, p. 18). Outrossim, não se deve negar a viabilidade de um regramento específico para as uniões homossexuais, em face de suas peculiaridades e na constatação de que 32 os direitos e deveres a serem conferidos a elas não devem ser os mesmos das uniões estáveis entre pessoas de sexos opostos. É importante salientar que se a lei não discrimina, é defeso ao legislador e ao intérprete o fazerem, salvo se a discriminação estivesse expressamente prevista na Constituição, o que não é o caso. Destarte, as uniões homossexuais, como nova configuração de entidade familiar, enseja que todos os seus aspectos sejam regulamentados por meio de lei infraconstitucional, fixando os direitos e deveres atinentes aos membros que a compõem, como o regime de comunhão, os direitos sucessórios, a adoção dentre outros. Conforme Roger Raupp Rios, [...] a união estável distingue-se das uniões homossexuais precisamente em virtude do requisito da diversidade sexual entre os companheiros, expressamente consignado no texto do art. 226, § 3º, bem como na determinação constitucional de se facilitar sua conversão em casamento, aspecto que também afasta as uniões homossexuais da união estável (RIOS, 2002, p.513). Admitir que a aplicação analógica dos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil de 2002 e dos dispositivos constitucionais que tratam da união estável às uniões homossexuais fique à mercê do poder discricionário dos magistrados, é violar os direitos fundamentais destes indivíduos (TAVARES et al., 2009, p. 18). Portanto, dados os singulares contornos em lastreiam as uniões homossexuais, conclui-se que esta forma de entidade familiar, reconhecida pela cláusula de interpretação aberta do artigo 226 da Constituição da República, exige, para um adequado tratamento de seus efeitos, um diploma legal próprio. Tal entendimento alinha-se aos princípios basilares quer norteiam o Estado Democrático de Direito bem como preceitua pelos direitos e garantias previstos no texto constitucional de 1988, cujo foco repouso na tutela e promoção da dignidade da pessoa humana. 9 A união civil entre pessoas do mesmo sexo: Projeto de Lei 1.151/95 O Projeto de Lei n. 1.151, de autoria da ex-deputada Marta Suplicy – PT/SP, aguarda apreciação pelo Plenário da Câmara dos Deputados desde o dia 14 de 33 agosto de 2007. Com o objetivo de requerer sua inclusão na ordem do dia, o Deputado Celso Russomanno ofereceu o requerimento n. 1447/2007, em que afirma: [...] Um País que estabeleceu em sua Constituição Federal o respeito à diversidade cultural e de pensamento, a proteção à intimidade e à vida privada e à liberdade de expressão não pode omitir-se na luta de milhões de brasileiros que seguem uma orientação sexual diferente da maioria. O respeito à dignidade da pessoa humana impede ao Estado a imposição de uma moral determinada. Ao invés, é dever dos governantes garantir um âmbito de autonomia e liberdade para que cada um possa desenvolver a própria personalidade. [...] (BRASIL, 2007) O referido projeto tem o objetivo de regulamentar a união civil entre pessoas do mesmo sexo, dispondo, por exemplo, acerca da “transmissão de bens patrimoniais quando da abertura da sucessão, benefícios previdenciários, segurosaúde, declaração conjunta do imposto de renda, direito à curatela e à nacionalidade brasileira, no caso de estrangeiros” (REIS, 2005, p. 54). Na justificativa da propositura deste projeto de lei, a então deputada Marta Suplicy ponderou que: A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso ordenamento jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais quanto de conteúdo. È instituto que guarda perfeita harmonia com os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil constitucionalmente garantidos - de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art.3º, I e IV CF) (BRASIL, 1995). É importante frisar que a união civil entre pessoas do mesmo sexo não se confunde com o instituto do casamento, regulado pelo Código Civil Brasileiro, nem tampouco com a união estável, prevista no parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição da República, merecendo a devida proteção do Estado Democrático de Direito (BRASIL, 1995). Caso seja aprovado o projeto de lei mencionado, deverá ser o registro da união feito em livro próprio, afastada a hipótese de mudança no estado civil dos envolvidos na relação. Caso seja realizado com mais de uma pessoa, o contrato será nulo, podendo o infrator responder penalmente por falsidade ideológica. Portanto, somente poderá ser celebrado novo contrato se o anterior for desfeito, conforme dispõe o artigo 4º do Projeto de Lei n. 1.151/95 (REIS, 2005, p. 54). 34 Sobre o projeto, acrescenta Álvaro Villaça Azevedo: O art. 9º institui o bem de família, como disciplinado pela lei nº 8.009, de 1990. Já os artigos 10 e 11 estabelecem, respectivamente, o direito à inscrição do parceiro como beneficiário do Regime Geral de Previdência Social, na qualidade de dependente, e como beneficiário de pensão, nos moldes da Lei nº 8.112/90. Em seus artigos 16 e 17, a proposta mostra-se de grande utilidade social, porquanto prevê a composição de rendas para a aquisição de casa própria; reconhece o direito dos parceiros a plano de saúde e seguro de vida em grupo e autoriza a inscrição de um e de outro como dependente, com efeitos na legislação tributária (deduções, principalmente) (AZEVEDO, 2004, p. 44). Contudo, o referido Projeto de Lei falha ao não contemplar no âmbito das uniões homossexuais a possibilidade de obter a guarda ou tutela, em conjunto, de crianças ou adolescentes, mesmo que sejam filhos biológicos de um dos contraentes, ainda que a jurisprudência tenha avançado neste sentido (TAVARES et al., 2009, p. 21). É mister reconhecer que o Projeto de Lei n. 1.151/95 representa um passo significativo do Legislador brasileiro na concretização dos direitos decorrentes das uniões homossexuais, reconhecidas constitucionalmente como entidades familiares, não obstante seja necessária uma discussão ampla e séria pelos parlamentares acerca da matéria no sentido de melhor conformá-lo com os princípios e garantias que fundamentam e orientam o Estado Democrático de Direito. 10 O Estatuto das Famílias e o capítulo dedicado às uniões homossexuais O Estatuto das Famílias, Projeto de Lei 2.285 de 2007, é de autoria do deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), e segue apensado ao Projeto de Lei 674/2007, do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que trata da união estável. Elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) o referido instituto visa reunir em uma única legislação os direitos referentes aos novos arranjos familiares brasileiros, além de tentar restringir a arbitrariedade dos magistrados brasileiros no que diz respeito às ações de Direito das Famílias. Aprovado no dia 26 de agosto de 2009 pela Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, o Projeto do Estatuto das Famílias sofreu diversas mudanças efetuadas pelo relator, deputado José Linhares, do PP do Ceará. 35 A principal alteração é a exclusão da união estável entre pessoas do mesmo sexo, que era presente em ambos os projetos, mas que, conforme o relator, fora objeto de várias emendas contrárias. Atualmente, o projeto aguarda análise e votação na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara, onde poderá ser novamente modificado. Nas razões de propositura do Projeto de Lei 2.285/07, Carneiro salienta que o Livro de Direito de Família do Código Civil de 2002 fora concebido pela Comissão coordenada por Miguel Reale, no final dos anos 60 e início dos anos 70 do século passado, sob o paradigma da família patriarcal, constituída pelo casamento e marcada pelas desigualdades entre cônjuges e filhos; o resultado final não fora outro senão um conjunto de institutos jurídicos em descompasso com o Estado Democrático de Direito inaugurado com a Constituição da República de 1988. No intuito de melhor alinhar o Direito das Famílias às prerrogativas constitucionais, o então deputado procurou o Instituto Brasileiro de Direito das Famílias - IBDFAM, conforme expõe: Ciente desse quadro consultei o Instituto Brasileiro de Direito de FamíliaIBDFAM, entidade que congrega cerca de 4.000 especialistas, profissionais e estudiosos do direito de família, e que também tenho a honra de integrar, se uma revisão sistemática do Livro IV da Parte Especial do Código Civil teria o condão de superar os problemas que criou. Após vários meses de debates a comissão científica do IBDFAM, ouvindo os membros associados, concluiu que, mais que uma revisão, seria necessário um estatuto autônomo, desmembrado do Código Civil, até porque seria imprescindível associar as normas de direito material com as normas especiais de direito processual. Não é mais possível tratar questões visceralmente pessoais da vida familiar, perpassadas por sentimentos, valendo-se das mesmas normas que regulam as questões patrimoniais, como propriedades, contratos e demais obrigações. Essa dificuldade, inerente às peculiaridades das relações familiares, tem estimulado muitos países a editarem códigos ou leis autônomos dos direitos das famílias (BRASIL, 2007). Quanto às uniões homossexuais, também previstas no referido projeto sob a denominação de “união homoafetiva”, aduz o deputado que a norma do artigo 226 da Constituição constitui cláusula aberta de interpretação, comportando, deste modo, outros arranjos familiares existentes na sociedade, ainda que diversos do modelo matrimonial. Pondera ainda que a Constituição da República não veda o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, mas reconhece sua natureza familiar em consonância com o Princípio da Dignidade Humana, um dos principais pilares do Estado Democrático de Direito. 36 Outrossim, aponta o desafio da jurisprudência brasileira ao tentar preencher o que denomina de vazio normativo infraconstitucional, declarando os efeitos atinentes a estas uniões. Nas disposições gerais do projeto do Estatuto das Famílias, considera-se família toda comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar, em qualquer modalidade, reconhecendo-a como direito fundamental de todos, propugnando pelo respeito aos membros e às suas respectivas orientações sexuais. No que tange às uniões homossexuais, o Projeto de Lei 2.885/07 prevê normas que versam acerca do procedimento de seu reconhecimento e dissolução, regulamenta guarda e convivência com os filhos e o dever de prestação de alimentos atinentes aos ora designados parceiros. Já em seu artigo 68 dispõe que: É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável. Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se: I - guarda e convivência com os filhos; II - a adoção de filhos; III - direito previdenciário; IV - direito à herança. (BRASIL, 2007) Uma das críticas apontadas ao projeto e que merece especial atenção neste trabalho é a equiparação das uniões homossexuais às uniões estáveis, conferindolhe o mesmo tratamento atinente a estas, não obstante as peculiaridades que permeiam estas relações. Já se abordou este tema em outro tópico, o que não impede de reiterar que os referidos institutos não se confundem no plano normativo, cabendo, portanto, ao Legislador, editar lei específica que regulamente as uniões homossexuais; é esta a alternativa que julgamos mais adequada para o caso em tela. É importante também frisar a importância revelada pelos redatores do texto ao elemento afeto no plano jurídico de constituição destas relações, entendimento este ao qual não nos filiamos conforme exposto no capítulo 6 deste trabalho, ao qual se remete o leitor. Resta, portanto, admitir que o projeto do Estatuto das Famílias também representa no cenário jurídico brasileiro um relevante avanço no sentido de melhor conformar a legislação infraconstitucional aos princípios informadores da nova 37 ordem democrática. Entretanto, falha ao não dispensar tratamento específico e minudente acerca das uniões homossexuais propriamente ditas, distiguindo-as, oportunamente, da união estável e editando normas próprias para o tema. 11 As uniões homossexuais e a ADPF 132 e ADI 4.277 Na defesa pelo reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares pela via judicial, destacam-se no cenário brasileiro a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 e a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277. Ambas reiteram o posicionamento de que não é necessária uma lei para que estas uniões sejam reconhecidas, vez que estão inseridas na cláusula aberta de interpretação prevista no artigo 226, § 4º da Constituição da República de 1988. A ADPF é um instrumento de controle de constitucionalidade previsto no artigo 102, §1º da Constituição da República de 1988 e disposta nos artigos 1º e seguintes da Lei n. 9.882/1999, com o fim de argüir descumprimento de preceito fundamental (TAVARES et al., 2009, p. 22). Ajuizada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em 27 de fevereiro de 2008, a ADPF 132 indica como violação aos preceitos fundamentais da igualdade, da liberdade e ao princípio da segurança jurídica, todos dispostos no artigo 5º da Constituição da República de 1988, o tratamento discriminatório dispensado às uniões homossexuais pelas autoridades administrativas e judiciárias, negando a tutela constitucional destas entidades familiares. Referida ação arrola como atos do poder público causadores da lesão: o Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro, interpretado em desfavor dos homossexuais e as decisões proferidas pelos tribunais estaduais, notadamente do Rio de Janeiro, que negam às uniões homossexuais o mesmo regime jurídico que previsto para as uniões estáveis. Os fundamentos expostos na ADPF procuram harmonizar-se com as evoluções ocorridas no cenário nacional e mundial nos últimos anos, evidenciando as relações homossexuais como fatos do cotidiano cuja existência é inegável. Neste sentido, sua proteção se torna necessária para evitar a insegurança nas decisões judiciais e garantir o livre desenvolvimento da personalidade de seus membros (TAVARES et al., 2009, p. 22). 38 A ADPF 132 propõe, ainda, a equiparação das uniões homossexuais à união estável, regulamentada no artigo 1.723 do Código Civil de 2002, pretendendo, por meio da interpretação analógica, afastar discriminação inconstitucional, em razão da afetividade, que, segundo o referido instituto, merece tutela do Direito. A ADPF também tem por escopo a proteção jurídica dos servidores públicos do Estado Rio de Janeiro que mantém uniões homossexuais, postulando as mesmas garantias previstas para os servidores que possuem relacionamentos heterossexuais. Como forma de solucionar a violação aos preceitos fundamentais argüida no referido instituto, a ADPF 132 pondera pelo emprego da analogia, devendo-se estender o regime jurídico da união estável, previsto no Código Civil, às uniões entre homossexuais, visto que esta apresenta os mesmos elementos para a configuração daquela, em razão da interpretação da legislação ordinária à luz dos princípios constitucionais. Junto aos seus pedidos, a ADPF contempla medida liminar a fim de evitar que outras decisões sejam proferidas em prejuízo dos direitos fundamentais dos homossexuais, bem como requer a validação de decisões administrativas no sentido de equiparar as uniões homossexuais à união estável. Subsidiariamente, pede-se em caso de descabimento da ADPF a sua conversão em Ação Direta de Inconstitucionalidade, pois o que se pretende é a interpretação conforme a Constituição (TAVARES et al., 2009, p. 23). Acerca de seu andamento processual, a ADPF 132, em tramitação no Supremo Tribunal Federal, apresenta autos conclusos ao relator em 18 de março de 2010 (BRASIL, 2010). Em encontro com o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, em 26 de março de 2009, a autora Maria Berenice Dias afirmou que [...] o preconceito é uma das razões que impedem o avanço desse tema no âmbito do Legislativo. As pessoas que se envolvem nesse tema, que defendem de alguma maneira, acabam sendo rotulados de homossexuais; como se as pessoas não pudessem defender causas que não lhe dissessem pessoalmente. (AT/AM, 2009). É mister salientar a existência de divergências entre as razões expostas na ADPF 132 e o entendimento consignado neste trabalho acerca da afetividade e do recurso à analogia em relação às uniões estáveis e às uniões entre pessoas do 39 mesmo sexo, exposto nos capítulos anteriores. Contudo, considera-se o referido instrumento como um grande passo na defesa pelos direitos dos homossexuais, abrindo-se o campo de discussão e promoção da diversidade sexual no campo jurídico. Por outro lado, a ADPF 178, proposta pela Procuradoria Geral da República e que versa acerca do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, foi reautuada como Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277, segundo determinação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar Mendes, em 21 de julho de 2009. Procuradoria Geral esclarece que o objetivo deste instrumento é obter da Suprema Corte a declaração: [...] (a) que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os requisitos exigidos para a constituição de união estável entre homem e mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo. [...] (BRASIL, 2009) Na exposição dos fatos que ensejam a propositura da presente ação, a Procuradoria Geral da República argumenta que as uniões homossexuais são uma realidade fática inegável em todo mundo, existido desde os primórdios da história da humanidade. Entretanto, a liberalização dos costumes e o fortalecimento dos movimentos que lutam pelos direitos atinentes aos homossexuais, trouxeram maior visibilidade ao tema e a discussão acerca do assunto acentuou-se, com sensível diminuição do preconceito que historicamente o envolvia (BRASIL, 2009). Pondera, ainda, que certas visões anacrônicas sobre a homossexualidade devem ser superadas, como a idéia de pecado, sustentada pela Igreja, posicionamento este incompatível com os princípios da liberdade de religião e da laicidade (Constituição da República artigos 5°, in ciso VI e 19, inciso I) ou, ainda, a hipótese de doença, hoje rechaçada pela Medicina e pela Psicologia (BRASIL, 2009). A ADI 4.277 compreende que a inserção das uniões homossexuais na cláusula aberta das entidades familiares tem como escopo uma interpretação em consonância com os princípios esculpidos na Constituição da República de 1988 e 40 balizadores do Estado Democrático de Direito. Em seguida, aponta uma alternativa hermenêutica para sanar a omissão legislativa acerca do tema: A tese sustentada nesta ação é a de que se deve extrair diretamente da Constituição de 88, notadamente dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), da igualdade (art. 5º, caput), da vedação de discriminações odiosas (art. 3º, inciso IV), da liberdade (art. 5º, caput) e da proteção à segurança jurídica, a obrigatoriedade do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. E diante da inexistência de legislação infraconstitucional regulamentadora, devem ser aplicadas analogicamente ao caso as normas que tratam da união estável entre homem e mulher (BRASIL, 2009). O instituto em comento reitera, portanto, a necessidade de tratativa legal específica acerca das uniões homossexuais como forma de efetivar os direitos já previstos na Carta Constitucional, visto que esta ausência de regulamentação legal vem comprometendo, na prática, o exercício de direitos fundamentais pelos homossexuais (TAVARES et al., 2009, p. 24). Destarte, é mister salientar que a ADI 4.277, proposta pela Procuradoria Geral da República, tem como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e como finalidade a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, segundo as prerrogativas do Estado Democrático de Direito. Ao provocar o posicionamento da Suprema Corte sobre as uniões homossexuais, o referido instrumento, ainda pendente de julgamento, sinaliza o advento de mais um importante precedente no cenário jurídico, cujo alcance será de relevante importância na interpretação e concretização dos direitos em debate. 41 12 Conclusão Ao instituir o Estado Democrático de Direito, a Constituição da República de 1988 anuncia o início de uma nova ordem jurídica, que tem como fundamento precípuo a efetivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a proteção dos direitos e garantias individuais esculpidos no texto constitucional. Neste contexto, surge a necessidade de se desenvolver uma hermenêutica constitucionalizada, hábil a assegurar a harmonia do sistema mediante as diretrizes principiológicas inseridas pela Constituição de 1988, notadamente voltadas ao pleno desenvolvimento do individuo, conferindo-lhe existência digna compatível com os postulados de uma sociedade democrática. Neste sentido, fala-se em crise do direito, vez que novos paradigmas são reconhecidos, conformando a atuação do operador do Direito na interpretação das normas que compõem o ordenamento jurídico, através de uma nova ótica democrática proposta a partir de 1988 e comprometida com os direitos e garantias fundamentais esculpidos no texto constitucional. No âmbito do Direito das Famílias, essa crise tem como ponto alto o reconhecimento de outros arranjos familiares, distintos do modelo tradicional, cujo respaldo e proteção encontram-se dispostos no artigo 226, § 4º, da Constituição de 1988. Consoante os estudos empreendidos neste trabalho, o dispositivo em comento deve ser compreendido como cláusula aberta de interpretação, adotandose, destarte, para as entidades familiares, o sentido que melhor atenda aos princípios constitucionais da Igualdade, Liberdade e promoção da Dignidade da Pessoa Humana, sob a égide de um Estado que prima pelos ideais democráticos. Conclui-se, portanto, que as uniões homossexuais devem ser consideradas entidades familiares, vez que são reconhecidas pela Constituição da República de 1988, a partir da adoção do referido dispositivo como cláusula aberta de interpretação em face dos demais princípios que fundamentam o texto constitucional e harmonizam-se com o objetivo de promoção do desenvolvimento do indivíduo no Estado Democrático de Direito. Doravante o exposto neste trabalho, reiteramos que o Estado, dirigido pelos princípios presentes na Carta Constitucional, deve assegurar a eficácia dos direitos e garantias decorrentes da constituição destas uniões, em atenção ao seu 42 compromisso de defesa dos direitos e garantias fundamentais especialmente tutelados pela nova ordem jurídica instituída após 1988 e que corroboram a construção de um Estado Democrático de Direito. 43 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Renata Barbosa de.; RODRIGUES JÚNIOR, Walsir Edson. Curso de Direito das Famílias. No prelo. ALMEIDA, Gregório Assagra. 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Assim, afigura-se inconcebível admitir que a Constituição tenha adotado determinados modelos familiares, em detrimento de outros, com base em determinados aspectos que não propriamente o afeto. Ademais, mormente por ser a concepção de família uma realidade sociológica, que transcende o Direito, não há como a restringir a formas pré-definidas ou modelos fechados, sendo, pois, absolutamente plural. Caracterizada a união estável há de ser concedido o benefício de pensão por morte pleiteado. APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0024.04.53 1585-0/001 (EM CONEXÃO COM A DE Nº 1.0024.06.237516-7/001) - COMARCA DE BELO HORIZONTE - REMETENTE: JD 2 V FAZ COMARCA BELO HORIZONTE - 1º APELANTE(S): MARCELO ANTONIO MELO CHAGAS - 2º APELANTE(S): IPSEMG - 3º APELANTE(S): MANIRA ABUD BELMOK - APELADO(A)(S): MANIRA ABUD BELMOK, IPSEMG, MARCELO ANTONIO MELO CHAGAS - RELATORA: EXMª. SRª. DESª. MARIA ELZA ACÓRDÃO Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO E TERCEIRO RECURSOS E DAR PROVIMENTO PARCIAL AO SEGUNDO RECURSO. Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2009. DESª. MARIA ELZA - Relatora NOTAS TAQUIGRÁFICAS Assistiu ao julgamento, pelo 1º Apelante, a Drª. Fernanda de Brito Leão Viana. 50 A SRª. DESª. MARIA ELZA: VOTO Trata-se o presente feito de ação ordinária ajuizada por MARCELO ANTÔNIO MELO CHAGAS em desfavor do IPSEMG - Instituto de Previdência dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais e de MANIRA ABUD BELMOK na qual pugna pela concessão do benefício previdenciário de pensão por morte. Aduziu o autor em sua inicial constante às fls. 02/09 - TJ que conviveu em união estável com TYRONE TADEU ABUD BELMOK até 31/05/2004, data do falecimento do mesmo em virtude de um acidente automobilístico. Alegou ainda que, além de tal assertiva, era dependente econômico do mesmo, razão pela qual pugnou pela concessão do benefício. Contestação apresentada pelo IPSEMG às fls. 123/132 - TJ na qual aduziu que a família e a união estável previstas na Constituição se referem tão-somente ao casal formado por homem e mulher, sendo inviável a pretensão do autor em virtude de ausência de amparo legal. MANIRA ABUD BELMOK apresentou a sua contestação às fls. 133/143 - TJ na qual alegou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito alegou que a união estável só pode se dar entre homens e mulheres, bem como discorreu sobre a ausência de provas capaz de configurar a união estável. Impugnação à contestação apresentada às fls. 146/151 na qual afastou o autor as argumentações esposadas nas peças contestatórias. Sentença prolatada às fls. 259/284 - TJ na qual decidiu o juízo a quo pela procedência da ação, condenando o IPSEMG ao pagamento do benefício de pensão por morte. Parcialmente insatisfeito com a decisão interpôs o autor recurso de apelação às fls. 330/334 - TJ no qual pugna pela majoração dos honorários, bem como pela incidência dos juros de mora à alíquota de 1% (um por cento) ao mês. Irresignado com a decisão interpôs o IPSEMG recurso de apelação às fls. 335/344 TJ no qual alega a ausência de amparo legal para o reconhecimento do benefício, bem como pugna pela redução dos honorários advocatícios. Também insatisfeita interpôs a litisconsorte MANIRA ABUD BELMOK recurso de apelação às fls. 345/356 - TJ no qual aduz, preliminarmente, sob a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito busca a integral reforma da sentença primeva. Contrarrazões aos recursos supra-apresentadas às fls. 359/370 - TJ. Este o breve relato do necessário, passa-se a decidir. Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, CONHECESE dos recursos de apelação interpostos. 51 Segundo o já relatado cinge-se o mérito da questão a saber sobre a possibilidade do reconhecimento de união estável homoafetiva bem como sobre a presença dos requisitos caracterizadores da mesma. Inicialmente, rejeita-se a preliminar de impossibilidade jurídica aventada pela terceira recorrente. A Constituição da República, especificamente em seu art. 226, consagra uma concepção aberta de família, a qual deve ser apurada mediante as peculiaridades de cada caso concreto. Nesse campo, adotando-se uma interpretação sistemática, não se pode olvidar que o conceito de família expresso na Constituição encontra-se atrelado aos direitos e garantias fundamentais e, claro, ao princípio maior da dignidade da pessoa humana. Assim, afigura-se inconcebível admitir que a Constituição tenha adotado determinados modelos familiares, em detrimento de outros, com base em determinados aspectos que não propriamente o afeto. Ademais, mormente por ser a concepção de família uma realidade sociológica, que transcende o Direito, não há como a restringir a formas pré-definidas ou modelos fechados, sendo, pois, absolutamente plural. A esse respeito, transcreve-se, ainda, lição de Maria Celina Bodin de Moraes, que, tratando especificamente da união homoafetiva, traz ensinamentos valiosos para o caso em tela: A proteção jurídica que era dispensada com exclusividade à 'forma' familiar (pensese no ato formal do casamento) foi substituída, em consequência, pela tutela jurídica atualmente atribuída ao 'conteúdo' ou à substância: o que se deseja ressaltar é que a relação estará protegida não em decorrência de possuir esta ou aquela estrutura, mesmo se e quando prevista constitucionalmente, mas em virtude da função que desempenha - isto é, como espaço de troca de afetos, assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou convivência entre pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos diferentes". Se a família, através de adequada interpretação dos dispositivos constitucionais, passa a ser entendida principalmente como 'instrumento', não há como se recusar tutela a outras formas de vínculos afetivos que, embora não previstos expressamente pelo legislador constituinte, se encontram identificados com a mesma ratio, como os mesmo fundamentos e com a mesma função. Mais do que isto: a admissibilidade de outras formas de entidades 'familiares' torna-se obrigatória quando se considera seja a proibição de qualquer outra forma de discriminação entre as pessoas, especialmente aquela decorrente de sua orientação sexual - a qual se configura como direito personalíssimo -, seja a razão maior de que o legislador constituinte se mostrou profundamente compromissado com a com a dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, CF), tutelando-a onde quer que sua personalidade melhor se desenvolva. De fato, a Constituição brasileira, assim como a italiana, inspirou-se no princípio solidarista, sobre o qual funda a estrutura da República, significando dizer que a dignidade da pessoa é preexistente e a antecedente a qualquer outra forma de organização social. 52 (A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a perspectiva civilconstitucional" - in RTDC vol. 1 p. 89/112). Destarte, tem-se que plenamente cabível o reconhecimento da união estável. No mesmo sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO INTEGRATIVO. 1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações principal e cautelar. 2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido, corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o ajuizamento da demanda proposta. 3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não existe vedação legal para o prosseguimento do feito. 4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não procedeu. 5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de todos, ainda não foi expressamente regulada. 6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja essência coincida com outros tratados pelo legislador. 5. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 820475 / RJ. Rel. Min. REsp 820475 / RJ, Quarta Turma, julgado em 02/09/2008, DJe06/10/2008) PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRO. 53 "A relação homoafetiva gera direitos e,analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica" (REsp nº 238.715, RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 971466 / SP. Rel. Min. ARI PARGENDLER, Terceira Turma, julgado em 02/09/2008, DJe 05/11/2008) PROCESSO CIVIL E CIVIL - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA 282/STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA - POSSIBILIDADE - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-CONFIGURADA. - Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua de prequestionamento. - A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. - O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. - Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de ementas não basta. (REsp 238715 / RS. Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma, julgado em 07/03/2006, DJ 02/10/2006.) Destarte, plenamente possível o pedido. No mérito, tem-se que restou configurada a união homoafetiva, fazendo jus, portanto, o autor, ao benefício pleiteado. Acerca da caracterização da união estável como entidade familiar, bem como o caráter de especial proteção do Estado, o art. 226, § 3º, da Constituição da República estabelece: "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º. (...); § 2º. (...); § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". 54 No intuito de regulamentar o referido diploma constitucional foram editadas a Lei Federal n. 9.278/96 e o art. 1.723 do Código Civil. Eis as características apontadas pelas referidas leis no que toca ao conceito de união estável, respectivamente: "Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família." "Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família." A respeito dessa matéria, colaciona-se a lição do ilustre civilista Sílvio de Salvo Venosa: "A definição estabelecida pelo art. 1723 é muito semelhante àquela então fornecida pelo art. 1º da Lei 9.278/96. Trata-se de um conceito aberto de união estável, sem as amarras temporais do passado. O vínculo duradouro e não um limite de tempo poderá definir a solidez dessa união. A primeira lei que regulamentou o §3º do art. 226 da Constituição Federal foi a de nº 8.971/94, que se referia a um lapso temporal de cinco anos.". (Direito civil: direito de família; Vol. VI, 4. ed., São Paulo: Atlas; 2004, p. 475). Como se poder ver, o exame da configuração dos elementos que informam a união estável deve se dar caso a caso, porquanto os diplomas de regência não fixam previamente um lapso temporal para tal mister. É cediço que não é qualquer relacionamento que pode ser reconhecido como união estável. Raciocínio diverso seria distorcer um instituto jurídico que foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de proteger vínculos constituídos com fito familiar, sem, contudo, a presença do casamento civil. No caso vertente tem-se que, em um juízo de cognição sumária, restou comprovada a união estável. Nesse sentido as provas testemunhais produzidas nos autos: "... é agente de viagens e Tyrone a procurava para fazer pacotes, seja turismo, seja por motivo profissional; tem conhecimento de que o autor e Tyrone mantinham uma relação homoafetiva, moravam juntos." (f. 167 - TJ) "... era empregada da residência aonde morava Marcelo e Tyrone; pode afirmar que eles viviam como um casal homoafetivo; era Tyrone quem bancava as despesas da casa, inclusive o pagamento da depoente; ... que o casal dormia no mesmo quarto; 55 ... quando a mãe de Tyrone o visitava, quando moravam em um apartamento menor, cediam o quarto para a senhora; após a mudança para um apartamento maior, isto não mais acontecia, dormiam juntos como sempre, mesmo a mãe estando presente." (f. 169 - TJ) No mesmo sentido também as provas fotográficas anexadas às fls. 60/70 - TJ. Ademais, tem-se que a união já se encontra reconhecida pelo Poder Judiciário do Estado do Espírito Santo, conforme documentação acostada às fls. 288/299 - TJ. Deste modo, há de ser mantida a sentença para conceder ao autor da ação o benefício pleiteado. Em relação à alíquota de juros a ser aplicado nas parcelas devidas, importante ressaltar que o benefício pleiteado encontra-se revestido de caráter eminentemente alimentar, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 406 do Código Civil por não se tratar de relação jurídica de natureza privada. Nesse campo de atuação, a medida provisória nº. 2.180-35 de 24 de agosto de 2001, em seu art. 4º, que acrescentou o art. 1º-F à Lei 9494/97 determina que: "Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos, não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano." Diante do exposto torna-se límpido que nas condenações impostas à Fazenda Pública em relação ao pagamento de verbas a seus servidores e empregados públicos e, conseqüentemente, aos aposentados e pensionistas, os juros moratórios não poderão ultrapassar o montante de 6% (seis por cento) ao ano, o mesmo que 0,5% (meio por cento) ao mês. Consoante esse entendimento encontra-se esse tribunal: "ADMINISTRATIVO/PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE SEGURADO. COBRANÇA DE DIFERENÇAS APURADAS ENTRE OS VALORES DEVIDOS E OS EFETIVAMENTE PAGOS. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. JUROS DE MORA: 6% AO ANO. HONORÁRIOS. São de aplicabilidade imediata as normas constitucionais que determinam o pagamento de pensão por morte na integralidade dos vencimentos que seriam percebidos pelo falecido segurado, caso na ativa estivesse (art. 40, § 7º da CF/88, com redação dada pela EC nº 20/98 e art. 40, § 5º, com redação original). O art. 195, § 5º da CF/88 aplica-se tão-somente aos casos de criação de benefícios previdenciários e não naqueles em que se pretende o pagamento de benefício na forma estatuída pela CF/88. Reconhecidas como devidas as diferenças entre os valores pagos às pensionistas e aqueles efetivamente devidos, deve ser limitada a condenação ao período de 5 (cinco) anos anterior à data da distribuição do feito. Incidem juros de mora sobre os valores devidos, à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, contados a partir da citação.Tratando-se de causa em que foi vencida a Fazenda Pública, os honorários 56 de sucumbência devem ser fixados com base no que dispõe o art. 20, § 4º do CPC. (AP nº 1.0000.00.354955-7, Rel. Des. Audebert Delage, publicado em 02/12/2003)." Mister se faz, portanto, a aplicação de juros a partir da citação que deverão incidir na alíquota de 0,5 % (meio por cento) ao mês. A respeito dos honorários advocatícios, de acordo com o art. 20 § 4º do CPC, tem-se que nas condenações impostas à Fazenda Pública, os mesmos serão fixados consoante apreciação eqüitativa do magistrado, levando-se em conta a natureza e a importância da causa bem como o trabalho realizado e o tempo despendido pelo advogado. Dessa maneira, considerando-se o grau de complexidade da matéria ora analisada bem como o grau de zelo do profissional, entende esta relatora que deve ser reduzido o valor fixado pelo juízo a quo para o montante de R$ 1.500,00 (Hum Mil Reais). Diante do exposto, com respaldo no princípio da obrigatoriedade da fundamentação dos atos jurisdicionais (art. 93, inciso IX, da Constituição Brasileira) e no princípio do livre convencimento motivado (art. 131, do Código de Processo Civil), além da legislação invocada no corpo deste voto, DÁ-SE PARCIAL provimento ao segundo recurso de apelação, interposto pelo IPSEMG, tão-somente para fixar os honorários no montante de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), e NEGA-SE PROVIMENTO aos demais recursos. Custas ex lege. O SR. DES. NEPOMUCENO SILVA: VOTO De acordo. O SR. DES. MANUEL SARAMAGO: VOTO De acordo. SÚMULA : NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO E TERCEIRO RECURSOS E DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO SEGUNDO RECURSO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0024.04.531585-0/001