o êxodo rural da mesorregião geográfica centro

Propaganda
O ÊXODO RURAL DA MESORREGIÃO GEOGRÁFICA CENTRO
OCIDENTAL PARANAENSE – UM PROCESSO PERMANENTE
Maria das Graças de Lima
Universidade Estadual de Maringá-UEM
[email protected].
Resumo
Apresentamos neste texto resultados parciais da pesquisa que vimos desenvolvendo no território
agrário paranaense e que tem se dedicado a estudar a organização interna da agricultura familiar
e sua relação com o mercado econômico. Considerando a questão agrária, adotamos a
contribuição de Alexander Chayanov (1984), principalmente no que se refere a sua organização
interna. E considerando uma abordagem geográfica, adotamos a leitura de Pierre George (1982)
por contribuir para uma leitura diversa da vida rural, no sentido de sua variedade econômica,
política, social e cultural. Pesquisamos realidades pertencentes ao quadro agrário da
mesorregião geográfica Centro Ocidental Paranaense, com destaques para municípios de
Moreira Sales, Terra Boa e Barbosa Ferraz.
Palavras-chave: Paraná. Mesorregião Geográfica. Agricultura familiar. Êxodo rural.
Introdução
Investigamos a organização da agricultura familiar há aproximadamente duas décadas, e
o interesse pelo tema advém do processo de modernização instalada na agricultura
paranaense desde o início da década de 1960, mas que ganhou força no início da década
de 1970; estendeu-se fortemente pelas décadas de 1980 e 1990. Esta organização, por
representar contextos e conjunturas sociais e econômicos, pode auxiliar em uma das
explicações para a realidade encontrada atualmente no Paraná agrário.
Resultado da adequação do mercado interno às exigências do mercado econômico
externo, a agropecuária brasileira de grande escala e destinada à exportação,
experimentara um crescimento expressivo de seus índices de produção e lucros na
última década (2000).
A produção de grãos no estado do Paraná, principalmente a partir de 2009, atingiu
safras expressivas, mesmo fazendo-se a previsão de que em 2012, o estado do Mato
Grosso deverá ultrapassar esse volume.
À medida que as relações capitalistas se intensificaram no campo brasileiro,
polarizaram-se ainda mais as condições de produção entre a agricultura produzida em
grande escala e a agricultura familiar, resultando em um processo que, embora tenha se
1
reduzido, ainda é de contínuo deslocamento de parte da população rural dedicada a
agricultura familiar destas áreas mais adequadas à produção agropecuária de grande
escala. As condições físicas (solo, topografia) e locacionais (encontravam-se próximas
de vias de circulação e entrepostos de recepção da produção) contribuíram para a
valorização dessas terras e para a expansão da grande produção.
Em regiões do Centro Oeste ou do Norte do Brasil onde ocorreu a abertura da fronteira
agrícola e recebeu os fluxos de população rural que saíram das terras paranaenses,
observou-se o crescimento da área da grande propriedade sem necessariamente ocorrer
a concentração de terras a partir da incorporação de áreas da agricultura familiar. Nestas
regiões as áreas ocupadas com a produção de grãos avançaram sobre áreas ocupadas
com biomas como o Cerrado ou florestado (Mata Atlântica e/ou Floresta Amazônica).
No Estado do Paraná é possível afirmar, por meio de informações socioeconômicas
fornecidas pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social
(IPARDES), pela Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural
(EMATER), Secretaria de Abastecimento (SEAB), Secretaria da Agricultura (SEAG),
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e órgãos locais (Prefeituras,
Empresas de Planejamento Agrícola, Departamento de Economia Rural - DERAL), que
há uma concentração maior da agricultura familiar nas regiões de pouco interesse
econômico para a agropecuária em grande escala, como é o caso das mesorregiões
Norte Central, Norte Pioneiro, Noroeste, Oeste, Centro Ocidental e Centro Oriental)
(Figura 01).
2
Figura1: Mesorregiões do Paraná.
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nas áreas de interesse dessa economia, a agricultura familiar vem perdendo espaço
gradativamente e desde que se desenvolveu a modernização na agricultura paranaense,
traduzida em intensa mecanização, melhorias genéticas, produção em grande escala e
para exportação, essa perda, embora tenha diminuído sensivelmente, continua
permanente. Ou seja, os índices de perda da terra por parte da agricultura familiar
diminuíram em relação aos índices das perdas observadas entre 1070 e 1990, no
entanto, ainda é um fenômeno que ocorre nas terras paranaenses.
Resultados da modernização da agricultura paranaense – quadro atual
A agricultura familiar manifesta-se no território agrário paranaense de diversas formas.
Na mesorregião que vimos estudando, a Centro Ocidental Paranaense, embora sejam
tratados pelas políticas oficiais como agricultores familiares, os mesmos também se
denominam “sitiantes”. A população localizada nas agrovilas recebe o nome de
“vileiros”. Nas mesorregiões Oeste e Sudoeste também são conhecidos por “colonos”;
encontrando-se
ainda
em
outras
mesorregiões
outras
denominações,
como
“faxinaleiros”, “suábios”. Por isso utilizamos GEORGE (1982), na leitura das diversas
realidades presentes no território paranaense (RAFFESTIN, 1993).
3
A dinâmica de organização na produção (plantio de diversas culturas sazonais), a
relação que estabelece com o mercado econômico (comercialização garantida, grande
importância de políticas estabelecidas pela Seguridade Social: merenda escolar, feira do
produtor rural, abastecimento local), e a utilização da mão de obra familiar nas
atividades desenvolvidas na propriedade, são características da agricultura familiar.
Embora tenhamos concentrado nossos estudos na mesorregião geográfica Centro
Ocidental do Paraná, observamos por meio de bibliografia levantada sobre o tema que a
agricultura familiar no Paraná se concentra em algumas áreas do Estado: Sudoeste do
Paraná, região central do Paraná (mesorregiões Oeste e Centro-Sul paranaense), e
algumas regiões que escapam às características mais íngremes do relevo ou da baixa
fertilidade de alguns solos, mas estão localizadas em áreas que estão mais sujeitas às
instabilidades do mercado econômico agrícola (NAZZARI, 2003).
Em todas as mesorregiões geográficas do Paraná existem propriedades exploradas pela
agricultura familiar; no entanto, elas se concentram mais em algumas mesorregiões
geográficas que coincidem com quadros físicos naturais menos adequados à exploração
agrícola realizado pela grande propriedade, por exemplo.
O interesse em estudar o campo agrário paranaense foi despertado por dois aspectos:
acompanhar a organização da agricultura familiar como estratégia de reprodução social
e verificar o fluxo da população rural dedicada à agricultura familiar que abandona as
atividades no campo, indicando uma tendência à concentração de terras na mesorregião
geográfica Centro Ocidental do Paraná.
As pesquisas realizadas sobre a agricultura familiar a partir de sua organização interna,
como uma estratégia de sobrevivência na relação que estabelece com o mercado
econômico capitalista (Shanin, 1984) e a contribuição de PIERRE GEORGE (1982)
favorecendo estudos dialéticos sobre uma agricultura marcadamente comercial,
contribuíram para a identificação de vários problemas que atingem esse segmento
social, dentre eles, o fato de parte dessa população estar abaixo da linha de crédito das
políticas estabelecidas pelo Governo Federal, por meio do PRONAF, por exemplo; o
problema ainda presente da perda da terra; e a dificuldade em comercializar a produção.
Utilizamos ainda as análises de autores que trabalham com a organização da agricultura
camponesa paranaense, principalmente estudos desenvolvidos na Mesorregião Oeste e
Sudoeste (Paulino, 2008); e autores que estudam a agricultura paranaense nas diversas
expressões da agricultura familiar (Lima, 1993).
4
Pesquisas recentes realizadas sobre a agricultura familiar em três municípios da
Mesorregião Centro Ocidental (Terra Boa, Moreira Sales e Barbosa Ferraz)
evidenciaram realidades distintas com características similares: a indicação da tendência
contínua ao êxodo rural, mesmo sendo um fluxo muito pequeno (Figura 02).
Figura 2: Localização dos Municípios dentro da Mesorregião Centro Ocidental.
Os estudos realizados sobre a “Agrovila e Vilas Rurais no Município de Terra Boa –
Paraná: um estudo geográfico”, de SANTOS (2011) caracteriza as relações sociais e
econômicas de uma Agrovila e duas Vilas Rurais localizadas no município de Terra
Boa. A falta de apoio e uma estrutura que organize de fato esse espaço como sendo
agrícola são problemas encontrados nessas comunidades, que com raras exceções
desenvolvem todas as suas atividades na área urbana. A pesquisa realizada sobre “A
Dinâmica da Agricultura Familiar em Barbosa Ferraz/PR”, de CAPARROZ (2011),
caracterizou aproximadamente 120 propriedades, cuja área variou entre 1 e 20 ha.
Dentre as propriedades investigadas, encontramos um universo de 20%, que se
encontram improdutivas. As famílias não apresentam condições para obtenção de
créditos agrícolas, não apresentam condições físicas para a realização das atividades
rurais dado o avanço da idade e de um quadro agravado por doenças. No município de
Moreira Sales a concentração de terras também diminuiu e a agricultura familiar se
5
organizou em torno de feiras livres, cooperativas, e associações (Lima, 2011). Neste
município iniciamos as investigações a partir da década de 1980, estudando o período
entre 1975 e 1985, quando a modernização se implementou com mais intensidade na
Mesorregião Centro Ocidental, transformando tanto as relações sociais, quanto as
relações de produção vigentes na agricultura.
Aspectos gerais da Mesorregião Geográfica Centro Ocidental do Paraná.
Definimos a mesorregião como escala de análise do estudo que realizamos sobre o
quadro agrário paranaense, no entanto, não procedemos ao estudo de todas as
mesorregiões como nos propusemos inicialmente, realizando até a conclusão da
pesquisa estudos na mesorregião Centro-Ocidental paranaense, região de expressivo
êxodo rural, como é possível verificar na figura 3, em que se comparam dados entre os
anos de 1970 e 2006. O tamanho médio da propriedade rural nessa mesorregião sofreu
alteração nestes 36 anos passando de uma média de 17,66ha para 50,79ha, tendo uma
variação de 189,36%. Em 1970, essa mesorregião possuía 54.819 estabelecimentos
agrícolas, e em 2006 21.441 (variação de -60,89%). Em termos de área passou de
962263,2, em 1970 para 1089049, em 2006.
Privilegiamos uma leitura socioeconômica sobre a questão da terra na Mesorregião
Centro Ocidental. A quantificação de áreas, do número de estabelecimentos e do
tamanho médio da propriedade auxiliou na verificação de evidências quanto a
ocorrência ainda da concentração de terras por meio da incorporação da área da
propriedade que desenvolve a agricultura familiar. A diminuição do número de
estabelecimentos, o aumento da área, o aumento da área média da propriedade, uma
agropecuária destinada ao comércio de grande escala, levou a migração significativa de
uma população que se dedicava à agricultura familiar.
Além de ter sobrevivido em algumas regiões a esse processo de modernização agrícola,
muito mais em razão das condições físicas do lugar que ocupavam (topografia íngreme,
solo frágil), do que por mérito de sua força política, a agricultura familiar avançou para
uma organização mínima que lhe permitisse sobreviver ao longo da década de 1990,
culminando com alguma organização em torno de associações, cooperativas, ou outra
organização que favorecesse uma relação comercial mais “estável” junto ao mercado
econômico.
6
Figura 3: Utilização das terras paranaenses por Mesorregiões – 1970 – 2006.
Fonte: IPEADATA, IBGE, Censos Agropecuários 1970/2006.
As condições da agricultura familiar na Mesorregião Centro Ocidental Paranaense
Duas pesquisas contribuíram sobremaneira para entendermos o processo pelo qual se
rearticulou a agricultura familiar na mesorregião Centro-Ocidental: “Agrovila e Vilas
Rurais no Município de Terra Boa – Paraná: um estudo geográfico” de Santos (2011), e
“A Dinâmica da Agricultura Familiar em Barbosa Ferraz/PR” de Caparroz (2011).
Em uma leitura que privilegiou a agricultura familiar no município de Barbosa
Ferraz/PR, Caparroz (2011) identificou um grupo que não se encaixava nos requisitos
necessários para acessar os créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar (PRONAF) tal era sua condição de pobreza. Sobrevivem de
alguma aposentadoria ou pensão e permanecem na propriedade porque não tem para
onde ir. Expressam o desejo em ir para terras localizadas no Mato Grosso,
rememorando ainda o movimento migratório que presenciaram na década de 1970 e
1980. Os agricultores que agregaram conhecimento científico e capital sobreviveram se
7
relacionando com algum “nicho” do mercado econômico, e aqui mencionamos alguns:
nas políticas de abastecimento fornecendo alimentos para merenda escolar, fornecendo
cultivos ligados a agricultura orgânica, fornecendo produtos para cooperativas,
participando de feiras do produtor rural, abastecendo mercados de pequena escala.
A pesquisa de Santos investigou a Agrovila e as Vilas Rurais do município de Terra
Boa/PR, uma saída adotada pelo governo estadual na conjuntura da década de 1980,
como resposta à consequência da modernização na agricultura: um intenso desemprego
no campo com consequente migração para as cidades ou para outras regiões do país intenso êxodo rural. Concluiu-se que o projeto apresentava muitos problemas, além da
questão política, que de certa forma respondia paleativamente à questão agrária
paranaense, ainda apresentava sérios problemas do ponto de vista de seus aspectos
físicos (localização, relevo, hidrografia, estrutura dos lotes).
O processo de concentração da terra no Paraná continua presente. Foi contido em alguns
municípios e/ou regiões, em outras, como mostrou a pesquisa de CAPARROZ (2011), a
agricultura familiar enfrenta problemas para sua sobrevivência. Diversas propriedades
não apresentam as condições mínimas para solicitar créditos agrícolas, principalmente
aqueles financiados por instituições públicas (caso do PRONAF); aproximadamente
20% dessa população apresenta índices de analfabetismo, não encontrando outra
alternativa que o trabalho no campo.
Dados levantados sobre o deslocamento da população rural do município de Barbosa
Ferraz evidenciaram que migram aproximadamente 1.500 pessoas por ano (2009-2010);
o que significa um número aproximado de 300 famílias. São índices alarmantes de
migração em diversos sentidos: campo – cidade; cidade – cidade; campo – campo. No
entanto são migrações de curta distância, significando um deslocamento dentro do
próprio Estado, muitas vezes para municípios vizinhos de onde está saindo. São
migrações que respondem a uma economia sazonal: colheita de cana, de algodão,
contratações para trabalho em fábricas têxteis e alimentícias, como é o caso de parte da
população localizada nas agrovilas do município de Terra Boa, que exerce atividades
nas indústrias têxteis e de alimentos da região, deslocando-se entre municípios, e
fazendo uma migração pendular.
Verificamos que no município de Moreira Sales/PR, realidade que estudamos desde
1983, a tendência de sobrevivência da pequena propriedade foi a mesma que ocorreu
nos municípios de Terra Boa e Barbosa Ferraz e em municípios de diversas
8
mesorregiões: organização em associações, em organizações não governamentais, em
cooperativas, inserção em programas de seguridade alimentar (merenda escolar).
Estratégias de sobrevivência da agricultura familiar
A pesquisa sobre diferentes espaços agrários do estado do Paraná evidenciou uma
realidade multifacetada. Uma investigação, com tentativas em identificar esses
personagens que habitam ainda o campo brasileiro, neste caso, o paranaense, pode
contribuir para a definição de programas desenvolvidos no interior de políticas agrícolas
destinados a gerir a produção resultado da agricultura familiar.
A propriedade rural, mesmo sendo pequena, vem adotando alguns procedimentos que
contribuem para sua sobrevivência, uma delas, a organização em grupo como estratégia
para se relacionar com o mercado. A outra estratégia, imposta pelas políticas
econômicas implementadas nas décadas de 1980 e 1990, foi a necessidade do
conhecimento científico na base da organização da agricultura familiar. O analfabetismo
presente neste segmento é um dos problemas enfrentados.
Diversos autores da Geografia Agrária Brasileira e Paranaense, além de autores de
outras áreas foram consultados para a realização da revisão bibliográfica: GEORGE
(1982), OLIVEIRA (2001, 2005), MARTINS (1981, 1995, 2000), MORO (1991),
CARVALHO (2007), LIMA (1993, 2011), com vistas a melhor compreender a
organização do campo agrário paranaense.
Para estudar as características internas da agricultura familiar investigamos seu modo de
produção (cultivo, variedades cultivadas, tipos de cultivos), a relação que estabelece
com o mercado econômico (comercialização) e as estratégias definidas para sobreviver
frente às políticas agrícolas nem sempre preocupadas com as questões agrárias.
Por meio de pesquisa constatamos a sobrevivência da agricultura familiar na estrutura
fundiária e na produção agrícola paranaense, mesmo estando em meio a uma agricultura
de grande escala, destinada a exportação. Constata-se que permaneceu organizada nas
áreas que despertam pouco interesse da agricultura comercial.
Ao longo do processo de colonização e ocupação do estado do Paraná, a agricultura
familiar foi sendo “empurrada” para áreas de relevo íngreme, para áreas em que o solo
não era propício para a agricultura, para áreas distantes das vias de transporte que
facilitavam a comercialização. Nas áreas ocupadas pela agropecuária comercial de
9
grande escala, a área ocupada pela agricultura familiar segue sendo comercializada; são
áreas em que se observa a concentração de terras. A mesorregião Centro Ocidental é um
exemplo desse fato.
Para enfrentar essas condições a agricultura familiar passou por uma rearticulação ao
longo das décadas de 1980 e 1990, no momento mais característico de sua decadência
como base da estrutura fundiária. A forma como a terra foi se concentrando no estado
do Paraná confirmava a leitura política que vaticinava o desaparecimento dessa
categoria – os agricultores familiares, por meio da diferenciação social. Leitura esta
realizada pelos autores que compartilhavam da teoria leninista sobre a diferenciação
social da terra (pequeno, médio e grande camponês) presente no desenvolvimento das
forças produtivas do capitalismo europeu (KAUTSKY, 1980), que se apregoou na
revolução russa por meio da teoria leninista da questão agrária e se exportou como
modelo de compreensão da questão agrária para diversas realidades agrárias do mundo,
inclusive no Brasil, por meio da ação político-partidária dos partidos comunistas.
A agricultura familiar desenvolveu-se e manteve-se em meio a um quadro cheio de
turbulências; sem o apoio de programas desenvolvidos por meio de políticas agrícolas
dirigidas a agricultura familiar, estes possivelmente não sobreviveriam. Sobreviveu
porque reunida em cooperativas, associações, e outros tipos de organização que lhes
permitiram dialogar em grupo com o mercado econômico; sobreviveu quando se
apropriou, por meio de formação ou capacitação, do conhecimento científico e passou a
utilizá-lo para orientar a produção que desenvolveu em sua propriedade, com vistas a
comercializar com um mercado “especial”.
Exemplos disso são os agricultores que tem se dedicado a agricultura orgânica,
buscando o mercado das feiras livres localizadas nos centros urbanos; ou ainda
participando de feiras livres que não produzem de acordo com as normas da agricultura
orgânica, mas produzem dentro das condições presentes na agricultura familiar
(diversificação da produção, utilização do trabalho familiar, Comercialização em
pequena escala).
Programas de seguridade social sugeridos e realizados pelo governo federal, por meio
da secretaria de abastecimento, também estimularam a produção com destinação
previamente planejada, como é o caso dos agricultores que entregam sua produção para
a merenda escolar dos municípios.
10
O acesso ao crédito do PRONAF alavancou a agricultura familiar no sentido de lhes dar
melhores condições de produção e trabalho a partir da compra de equipamentos e
maquinários necessários para o desenvolvimento de uma agricultura comercializada em
pequena ou grande escala.
O empobrecimento de parte da população que vivia no campo é responsável atualmente
por inúmeras propriedades que não tem produção agrícola e seus moradores sobrevivem
de aposentadorias ou pensão recebida pelos proprietários, que ao morrerem, terão a
propriedade comercializada pelos filhos, que não pretendem dar sequência às atividades
desenvolvidas na área rural. Não acompanharam o desenvolvimento da agricultura que
ocorreu a partir de 1970, além de excluídos das políticas agrícolas, ficaram à margem
também do conhecimento científico necessário para acessar uma agricultura que
responda a determinados mercados. Estão nessas propriedades os índices maiores de
analfabetismo.
Essa foi uma das consequências da política de créditos agrícolas que existia na fase da
modernização agrícola; não desapropriou estes agricultores de suas terras, mas não lhes
deu condições para sobreviver posteriormente. Foram cedendo espaço ao avanço da
agricultura capitalista diante, muito provavelmente, dos inúmeros empréstimos
realizados em bancos para realizar a produção, que por inúmeras razões, dentre elas os
aspectos climáticos e os juros altos dos créditos agrícolas, realizados aos moldes dos
empréstimos das grandes propriedades, foi perdida posteriormente. A diferença entre
essa política de crédito agrícola e o PRONAF é o de que o segundo programa se
adequou às condições econômicas da maioria dos agricultores brasileiros. Mesmo
assim, ainda encontramos agricultores que se encontram abaixo da margem de pobreza,
não podendo acessar esses créditos.
Embora seja direcionado para a agricultura familiar, encontramos na região de Barbosa
Ferraz, um quadro em que um grande proprietário de terras, utilizando o nome de
agricultores familiares fez uso do crédito disponível pelo PRONAF. Foi identificado por
que um dos agricultores solicitou o uso do crédito junto ao Banco do Brasil, quando
descobriu que seu nome já constava na lista dos credores.
Outro aspecto encontrado no espaço agrário paranaense referiu-se às agrovilas e vilas
rurais, um espaço nem rural e nem urbano, poder-se-ia mesmo dizer “rururbano” termo
criado por Gilberto Freire na década de 1940 (Santos, 2011).
11
Os moradores denominados vileiros, em sua maioria expressiva, desenvolvem trabalho
na área urbana como diaristas ou nas diversas indústrias de confecções de roupas ou
frigoríficos da região. Um dos principais problemas encontrados, ao menos nessas
agrovilas e vila rural, foi a falta de água para desenvolver as atividades rurais. Não há
nascentes dentro dos lotes, de modo que a única água que chega, e a um preço que
acaba sendo elevado, é a água tratada e de alto custo, levada pela Companhia de
Saneamento do Paraná (SANEPAR). Como eles, de modo geral, não produzem nada ou
muito pouco, as relações entre EMATER e vileiros são distantes, quando não
inexistentes.
As tentativas de cooperação entre os moradores dos lotes das agrovilas não obtiveram
sucesso e as condições não favoreceram uma produção individual. A aparência das
casas nas agrovilas é similar às das casas localizadas nas periferias das cidades. De
modo geral se apropriaram daquele consumo mais comum na área urbana que envolve a
propriedade de eletrodomésticos de modo geral (bicicletas, fogão, geladeira, televisão,
microondas, máquina de lavar roupa).
Algumas discussões estabelecidas a partir dos resultados levantados dizem respeito às
condições de sobrevivência da agricultura familiar na economia capitalista. O acesso a
políticas agrícolas que favoreça a produção da agricultura familiar, o conhecimento
científico como base da rearticulação da produção familiar; e a permanência de
programas de apoio a agricultura familiar, como sustentáculo da sobrevivência desse
tipo de agricultura.
Considerações Finais
Por trás da imagem veiculada da agricultura comercial desenvolvida em grande escala e
para exportação, ainda sobrevive uma agricultura produzida pela mão de obra familiar
que apresenta os seguintes números: “(...) a agricultura familiar tem especial destaque
no Paraná. Das 374 mil propriedades rurais no estado, 320 mil pertencem a agricultores
familiares. Quase 90% dos trabalhadores estão vinculados à agricultura familiar. O
Paraná tem uma expectativa de safra de 30 milhões de toneladas de grãos, e mais de
50% do valor bruto da produção vem da agricultura familiar. 1/3 das terras do estado
são agricultáveis, e a maior parte está em propriedades com menos de 50 hectares”
(Carta Maior, 20 de abril de 2008).
12
A investigação sobre o espaço agrário paranaense desvelou uma realidade que vai para
além de uma agricultura comercial, destinada à exportação. Dadas as condições
impressas pelo projeto de colonização particular desenvolvido no estado do Paraná,
pode-se afirmar que a sobrevivência da agricultura familiar no espaço agrário
paranaense, fato ocorrido somente mediante o título de proprietário da terra, foi algo
que fugiu ao controle daqueles que estavam fazendo a ocupação das terras paranaenses.
Na fase da colonização dirigida pelas companhias de terra, aqueles que não possuíam o
título de proprietário perderam suas posses. Uma população formada por indígenas,
posseiros, agregados, sertanistas, dentre outras expressões, como por exemplo, os Sutis,
foram varridos do território paranaense. A pesquisa realizada sobre a agricultura
familiar tem permitido a reconstituição histórica da ocupação anterior ao papel
desempenhado pelas companhias de terras no Paraná.
Na fase da modernização da agricultura do Norte do Paraná, aquela estrutura fundiária
criada na fase inicial da colonização, organizada sobre a pequena propriedade, se
modificou e foi reorganizada sobre a média e grande propriedade. Nesse período
ocorreu intenso êxodo rural nas direções urbanas ou de outras regiões do Brasil.
Nossas investigações até o momento indicam que para sua sobrevivência a agricultura
familiar deve relacionar-se com um mercado econômico diferente da agricultura de
grande escala, por isso deve produzir mercadorias que destinam-se ao abastecimento
urbano (em grande, media ou pequena escala: feiras, restaurantes, sacolões,
supermercados, mercado local, merenda escolar). Essas medidas apresentam-se
alternativas que contribuem para sua reprodução social.
Esse tipo de produção é mais apropriado a agricultura familiar e permite maior
estabilidade econômica, diferente da agricultura comercial que está sempre ligada ao
grande mercado, condicionada às decisões urbanas, possíveis de mudanças a qualquer
instabilidade do mercado financeiro.
Os estudos sobre a sobrevivência da agricultura familiar são sempre concluídos em
meio a muitas dúvidas, uma delas diz respeito exatamente a sua sobrevivência; a outra
diz respeito aos mercados que as diferentes agriculturas podem atingir. A produção em
grande escala destina-se ao grande abastecimento, e não necessariamente de alimentos
para a população; a produção em pequena escala destina-se a mercados especializados
ou de consumo em pequena escala, mas sempre para responder às necessidades de
alimentos para população.
13
Referências
ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São
Paulo: HUCITEC, 1992.
AOKI, Alessandro. Os japoneses e a teicultura no Município de Registro-SP: a
produção do espaço como resultado de um processo econômico e migratório. 2011.
Dissertação (Mestrado em Análise Regional)-Centro de Ciências Humanas, Letras e
Artes, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual de Maringá,
2011.
AULICH, Werner. O Paraná e os alemães. Curitiba. Grupo étnico germânico do
Paraná, 1953.
CANCIAN, Nadir. Cafeicultura Paranaense 1900-1970: estudo e conjunturas. São
Paulo. 1977. 497p. (Tese de doutoramento, Programa de Pós-Graduação em História –
FFLCH – Universidade de São Paulo).
CANDIDO. Antonio, Os parceiros do rio bonito. 5ª ed. São Paulo: Livraria Duas
Cidades. 1979.
CAPARROZ, Tânia Regina Polhmann. A Dinâmica da Agricultura Familiar em
Barbosa Ferraz. 2011. Dissertação (Mestrado em Análise Regional)-Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Geografia,
Universidade Estadual de Maringá, 2011.
Carta Maior, 20 de abril de 2008.
CARVALHO, M. S.; FRESCA, T. Geografia e Norte do Paraná: um resgate
histórico. Londrina: Edições humanidades. 2007.
CHAYANOV, A. V. La Organización de la Unidad Econômica Campesina. Buenos
Aires: Nueva Vision, 1974.
DANTAS, A. Pierre Monbeig: um marco da Geografia brasileira. Porto
Alegre:Sulina. 2005.
FERNANDES, Bernardo Mançano. Espaços agrários de inclusão e exclusão social:
novas configurações do campo brasileiro. Inédito. 2003.
GEORGE, Pierre. Geografia Rural. São Paulo: DIFEL, 1982.
GUALDA, Neio Lúcio Peres; SANTOS, Artur Henrique Maximino; SANTOS
Francisca Lia Girão. Migrações intra-regionais no estado do Paraná: avaliação da
influência da concentração fundiária, rendimento e emprego. Disponível em
200.251.138.109: 8001/artigos aprovados/13.13.pdf. Acessado em 29.06.2012.
AUTSKY, Karl. La Question Agrária. 3ª ed., Bogotá: Siglo Venturino, 1980.
14
LA BLACHE, Vidal. Princípios de Geografia Humana. São Paulo: Cosmos. 1946.
LIMA, Maria das Graças de. A Sobrevivência dos Sítios Rurais em Moreira Sales,
PR. 1993. 131p. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana)-Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade
de São Paulo, 1993.
LIMA, Maria das Graças de Lima. O Debate Clássico da Questão Agrária – uma
contribuição à compreensão do espaço agrário paranaense. In: ENDLICH, A. M.;
MENDES, C. M.(Org.), Construindo o Saber Geográfico. Eduem: Maringá, 2011.
LENIN, W. I. O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia. São Paulo: Editora
Abril.
MARTINS, José de Souza. Cativeiro da Terra. São Paulo: Hucitec, 1981.
________. Os Camponeses e a Política no Brasil. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1995.
________. Reforma Agrária: o impossível diálogo. São Paulo: Edusp, 2.000.
MONBEIG, Pierre. Pioneiros e Fazendeiros e São Paulo. São Paulo: Editora HucitecPolis. 1984.
________. A zona pioneira do Norte do Paraná. Boletim Geográfico. Rio de Janeiro.
V.3, n.25, abr. 1945.
________. Ensaios de Geografia Humana Brasileira. São Paulo: Livraria Martins
Fontes, 1940.
MOREIRA SALES- Paraná: “Esteio Agrícola do Oeste: 1960-1978”. 18 anos de
progresso. 1978.
MORO, Dalton Áureo. Substituição de culturas, modernização agrícola e
organização do espaço rural, no Norte do Paraná. 1991. Tese (Doutorado em
Geografia)Universidade Estadual Paulista-UNESP, Rio Claro.
NAZZARI, Rosana Kátia; BERTOLINI, Geysler Flor; BRANDALISE, Loreni
Terezinha (Org.). Gestão das unidades artesanais na agricultura familiar : uma
experiência no Oeste do Paraná. Cascavel : EDUNIOESTE, 2007. 163 p.
WAIBEL, Leo. A Colonização dos Campos do Estado do Paraná. Rio de Janeiro:
IBGE. 1979.
_______. Zonas pioneiras do Brasil. Revista brasileira e Geografia. Rio de Janeiro,
v.17, n.4, out/dez., 1955.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Agricultura Brasileira: transformações
recentes no campo brasileiro. In: ROSS, J. L. S. (Org.). Geografia do Brasil. São
Paulo: Edusp, 2001.
15
________. A geografia agrária e as transformações territoriais recentes no campo
brasileiro. In: CARLOS, A. F. A. (Org.). Novos Caminhos da Geografia. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 63-110.
PAULINO, E. T.; FABRINI, J. E. (ORG.). Campesinato e território em disputa. São
Paulo: Expressão Popular, 2008.
PETRONE, Pasquale. A baixada santista – aspectos geográficos. São Paulo: 1961.
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. 1ª.ed. São Paulo: Ática. 1993.
ROCHEFORT, Michel. Redes e Sistemas. São Paulo: Hucitec. 1998.
SANTOS, Liriani de Lima. Agrovila e Vilas Rurais no Município de Terra Boa –
Paraná: um estudo geográfico. 2011. Dissertação (Mestrado em Análise Regional)Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em
Geografia, Universidade Estadual de Maringá, 2011.
SHANIN, Teodor. La Classe Incomoda. Buenos Aires: Nueva Editorial. 1967.
VIEIRA, Guilherme Fernandes. A Organização do Espaço Agrário e a Experiência
Agroflorestal no Município de Barra do Turvo/SP. 2011. Dissertação (Mestrado em
Análise Regional)-Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de PósGraduação em Geografia, Universidade Estadual de Maringá, 2011.
16
Download