O ÊXODO RURAL DA MESORREGIÃO GEOGRÁFICA CENTRO OCIDENTAL PARANAENSE – UM PROCESSO PERMANENTE Maria das Graças de Lima Universidade Estadual de Maringá-UEM [email protected]. Resumo Apresentamos neste texto resultados parciais da pesquisa que vimos desenvolvendo no território agrário paranaense e que tem se dedicado a estudar a organização interna da agricultura familiar e sua relação com o mercado econômico. Considerando a questão agrária, adotamos a contribuição de Alexander Chayanov (1984), principalmente no que se refere a sua organização interna. E considerando uma abordagem geográfica, adotamos a leitura de Pierre George (1982) por contribuir para uma leitura diversa da vida rural, no sentido de sua variedade econômica, política, social e cultural. Pesquisamos realidades pertencentes ao quadro agrário da mesorregião geográfica Centro Ocidental Paranaense, com destaques para municípios de Moreira Sales, Terra Boa e Barbosa Ferraz. Palavras-chave: Paraná. Mesorregião Geográfica. Agricultura familiar. Êxodo rural. Introdução Investigamos a organização da agricultura familiar há aproximadamente duas décadas, e o interesse pelo tema advém do processo de modernização instalada na agricultura paranaense desde o início da década de 1960, mas que ganhou força no início da década de 1970; estendeu-se fortemente pelas décadas de 1980 e 1990. Esta organização, por representar contextos e conjunturas sociais e econômicos, pode auxiliar em uma das explicações para a realidade encontrada atualmente no Paraná agrário. Resultado da adequação do mercado interno às exigências do mercado econômico externo, a agropecuária brasileira de grande escala e destinada à exportação, experimentara um crescimento expressivo de seus índices de produção e lucros na última década (2000). A produção de grãos no estado do Paraná, principalmente a partir de 2009, atingiu safras expressivas, mesmo fazendo-se a previsão de que em 2012, o estado do Mato Grosso deverá ultrapassar esse volume. À medida que as relações capitalistas se intensificaram no campo brasileiro, polarizaram-se ainda mais as condições de produção entre a agricultura produzida em grande escala e a agricultura familiar, resultando em um processo que, embora tenha se 1 reduzido, ainda é de contínuo deslocamento de parte da população rural dedicada a agricultura familiar destas áreas mais adequadas à produção agropecuária de grande escala. As condições físicas (solo, topografia) e locacionais (encontravam-se próximas de vias de circulação e entrepostos de recepção da produção) contribuíram para a valorização dessas terras e para a expansão da grande produção. Em regiões do Centro Oeste ou do Norte do Brasil onde ocorreu a abertura da fronteira agrícola e recebeu os fluxos de população rural que saíram das terras paranaenses, observou-se o crescimento da área da grande propriedade sem necessariamente ocorrer a concentração de terras a partir da incorporação de áreas da agricultura familiar. Nestas regiões as áreas ocupadas com a produção de grãos avançaram sobre áreas ocupadas com biomas como o Cerrado ou florestado (Mata Atlântica e/ou Floresta Amazônica). No Estado do Paraná é possível afirmar, por meio de informações socioeconômicas fornecidas pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), pela Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER), Secretaria de Abastecimento (SEAB), Secretaria da Agricultura (SEAG), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e órgãos locais (Prefeituras, Empresas de Planejamento Agrícola, Departamento de Economia Rural - DERAL), que há uma concentração maior da agricultura familiar nas regiões de pouco interesse econômico para a agropecuária em grande escala, como é o caso das mesorregiões Norte Central, Norte Pioneiro, Noroeste, Oeste, Centro Ocidental e Centro Oriental) (Figura 01). 2 Figura1: Mesorregiões do Paraná. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas áreas de interesse dessa economia, a agricultura familiar vem perdendo espaço gradativamente e desde que se desenvolveu a modernização na agricultura paranaense, traduzida em intensa mecanização, melhorias genéticas, produção em grande escala e para exportação, essa perda, embora tenha diminuído sensivelmente, continua permanente. Ou seja, os índices de perda da terra por parte da agricultura familiar diminuíram em relação aos índices das perdas observadas entre 1070 e 1990, no entanto, ainda é um fenômeno que ocorre nas terras paranaenses. Resultados da modernização da agricultura paranaense – quadro atual A agricultura familiar manifesta-se no território agrário paranaense de diversas formas. Na mesorregião que vimos estudando, a Centro Ocidental Paranaense, embora sejam tratados pelas políticas oficiais como agricultores familiares, os mesmos também se denominam “sitiantes”. A população localizada nas agrovilas recebe o nome de “vileiros”. Nas mesorregiões Oeste e Sudoeste também são conhecidos por “colonos”; encontrando-se ainda em outras mesorregiões outras denominações, como “faxinaleiros”, “suábios”. Por isso utilizamos GEORGE (1982), na leitura das diversas realidades presentes no território paranaense (RAFFESTIN, 1993). 3 A dinâmica de organização na produção (plantio de diversas culturas sazonais), a relação que estabelece com o mercado econômico (comercialização garantida, grande importância de políticas estabelecidas pela Seguridade Social: merenda escolar, feira do produtor rural, abastecimento local), e a utilização da mão de obra familiar nas atividades desenvolvidas na propriedade, são características da agricultura familiar. Embora tenhamos concentrado nossos estudos na mesorregião geográfica Centro Ocidental do Paraná, observamos por meio de bibliografia levantada sobre o tema que a agricultura familiar no Paraná se concentra em algumas áreas do Estado: Sudoeste do Paraná, região central do Paraná (mesorregiões Oeste e Centro-Sul paranaense), e algumas regiões que escapam às características mais íngremes do relevo ou da baixa fertilidade de alguns solos, mas estão localizadas em áreas que estão mais sujeitas às instabilidades do mercado econômico agrícola (NAZZARI, 2003). Em todas as mesorregiões geográficas do Paraná existem propriedades exploradas pela agricultura familiar; no entanto, elas se concentram mais em algumas mesorregiões geográficas que coincidem com quadros físicos naturais menos adequados à exploração agrícola realizado pela grande propriedade, por exemplo. O interesse em estudar o campo agrário paranaense foi despertado por dois aspectos: acompanhar a organização da agricultura familiar como estratégia de reprodução social e verificar o fluxo da população rural dedicada à agricultura familiar que abandona as atividades no campo, indicando uma tendência à concentração de terras na mesorregião geográfica Centro Ocidental do Paraná. As pesquisas realizadas sobre a agricultura familiar a partir de sua organização interna, como uma estratégia de sobrevivência na relação que estabelece com o mercado econômico capitalista (Shanin, 1984) e a contribuição de PIERRE GEORGE (1982) favorecendo estudos dialéticos sobre uma agricultura marcadamente comercial, contribuíram para a identificação de vários problemas que atingem esse segmento social, dentre eles, o fato de parte dessa população estar abaixo da linha de crédito das políticas estabelecidas pelo Governo Federal, por meio do PRONAF, por exemplo; o problema ainda presente da perda da terra; e a dificuldade em comercializar a produção. Utilizamos ainda as análises de autores que trabalham com a organização da agricultura camponesa paranaense, principalmente estudos desenvolvidos na Mesorregião Oeste e Sudoeste (Paulino, 2008); e autores que estudam a agricultura paranaense nas diversas expressões da agricultura familiar (Lima, 1993). 4 Pesquisas recentes realizadas sobre a agricultura familiar em três municípios da Mesorregião Centro Ocidental (Terra Boa, Moreira Sales e Barbosa Ferraz) evidenciaram realidades distintas com características similares: a indicação da tendência contínua ao êxodo rural, mesmo sendo um fluxo muito pequeno (Figura 02). Figura 2: Localização dos Municípios dentro da Mesorregião Centro Ocidental. Os estudos realizados sobre a “Agrovila e Vilas Rurais no Município de Terra Boa – Paraná: um estudo geográfico”, de SANTOS (2011) caracteriza as relações sociais e econômicas de uma Agrovila e duas Vilas Rurais localizadas no município de Terra Boa. A falta de apoio e uma estrutura que organize de fato esse espaço como sendo agrícola são problemas encontrados nessas comunidades, que com raras exceções desenvolvem todas as suas atividades na área urbana. A pesquisa realizada sobre “A Dinâmica da Agricultura Familiar em Barbosa Ferraz/PR”, de CAPARROZ (2011), caracterizou aproximadamente 120 propriedades, cuja área variou entre 1 e 20 ha. Dentre as propriedades investigadas, encontramos um universo de 20%, que se encontram improdutivas. As famílias não apresentam condições para obtenção de créditos agrícolas, não apresentam condições físicas para a realização das atividades rurais dado o avanço da idade e de um quadro agravado por doenças. No município de Moreira Sales a concentração de terras também diminuiu e a agricultura familiar se 5 organizou em torno de feiras livres, cooperativas, e associações (Lima, 2011). Neste município iniciamos as investigações a partir da década de 1980, estudando o período entre 1975 e 1985, quando a modernização se implementou com mais intensidade na Mesorregião Centro Ocidental, transformando tanto as relações sociais, quanto as relações de produção vigentes na agricultura. Aspectos gerais da Mesorregião Geográfica Centro Ocidental do Paraná. Definimos a mesorregião como escala de análise do estudo que realizamos sobre o quadro agrário paranaense, no entanto, não procedemos ao estudo de todas as mesorregiões como nos propusemos inicialmente, realizando até a conclusão da pesquisa estudos na mesorregião Centro-Ocidental paranaense, região de expressivo êxodo rural, como é possível verificar na figura 3, em que se comparam dados entre os anos de 1970 e 2006. O tamanho médio da propriedade rural nessa mesorregião sofreu alteração nestes 36 anos passando de uma média de 17,66ha para 50,79ha, tendo uma variação de 189,36%. Em 1970, essa mesorregião possuía 54.819 estabelecimentos agrícolas, e em 2006 21.441 (variação de -60,89%). Em termos de área passou de 962263,2, em 1970 para 1089049, em 2006. Privilegiamos uma leitura socioeconômica sobre a questão da terra na Mesorregião Centro Ocidental. A quantificação de áreas, do número de estabelecimentos e do tamanho médio da propriedade auxiliou na verificação de evidências quanto a ocorrência ainda da concentração de terras por meio da incorporação da área da propriedade que desenvolve a agricultura familiar. A diminuição do número de estabelecimentos, o aumento da área, o aumento da área média da propriedade, uma agropecuária destinada ao comércio de grande escala, levou a migração significativa de uma população que se dedicava à agricultura familiar. Além de ter sobrevivido em algumas regiões a esse processo de modernização agrícola, muito mais em razão das condições físicas do lugar que ocupavam (topografia íngreme, solo frágil), do que por mérito de sua força política, a agricultura familiar avançou para uma organização mínima que lhe permitisse sobreviver ao longo da década de 1990, culminando com alguma organização em torno de associações, cooperativas, ou outra organização que favorecesse uma relação comercial mais “estável” junto ao mercado econômico. 6 Figura 3: Utilização das terras paranaenses por Mesorregiões – 1970 – 2006. Fonte: IPEADATA, IBGE, Censos Agropecuários 1970/2006. As condições da agricultura familiar na Mesorregião Centro Ocidental Paranaense Duas pesquisas contribuíram sobremaneira para entendermos o processo pelo qual se rearticulou a agricultura familiar na mesorregião Centro-Ocidental: “Agrovila e Vilas Rurais no Município de Terra Boa – Paraná: um estudo geográfico” de Santos (2011), e “A Dinâmica da Agricultura Familiar em Barbosa Ferraz/PR” de Caparroz (2011). Em uma leitura que privilegiou a agricultura familiar no município de Barbosa Ferraz/PR, Caparroz (2011) identificou um grupo que não se encaixava nos requisitos necessários para acessar os créditos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) tal era sua condição de pobreza. Sobrevivem de alguma aposentadoria ou pensão e permanecem na propriedade porque não tem para onde ir. Expressam o desejo em ir para terras localizadas no Mato Grosso, rememorando ainda o movimento migratório que presenciaram na década de 1970 e 1980. Os agricultores que agregaram conhecimento científico e capital sobreviveram se 7 relacionando com algum “nicho” do mercado econômico, e aqui mencionamos alguns: nas políticas de abastecimento fornecendo alimentos para merenda escolar, fornecendo cultivos ligados a agricultura orgânica, fornecendo produtos para cooperativas, participando de feiras do produtor rural, abastecendo mercados de pequena escala. A pesquisa de Santos investigou a Agrovila e as Vilas Rurais do município de Terra Boa/PR, uma saída adotada pelo governo estadual na conjuntura da década de 1980, como resposta à consequência da modernização na agricultura: um intenso desemprego no campo com consequente migração para as cidades ou para outras regiões do país intenso êxodo rural. Concluiu-se que o projeto apresentava muitos problemas, além da questão política, que de certa forma respondia paleativamente à questão agrária paranaense, ainda apresentava sérios problemas do ponto de vista de seus aspectos físicos (localização, relevo, hidrografia, estrutura dos lotes). O processo de concentração da terra no Paraná continua presente. Foi contido em alguns municípios e/ou regiões, em outras, como mostrou a pesquisa de CAPARROZ (2011), a agricultura familiar enfrenta problemas para sua sobrevivência. Diversas propriedades não apresentam as condições mínimas para solicitar créditos agrícolas, principalmente aqueles financiados por instituições públicas (caso do PRONAF); aproximadamente 20% dessa população apresenta índices de analfabetismo, não encontrando outra alternativa que o trabalho no campo. Dados levantados sobre o deslocamento da população rural do município de Barbosa Ferraz evidenciaram que migram aproximadamente 1.500 pessoas por ano (2009-2010); o que significa um número aproximado de 300 famílias. São índices alarmantes de migração em diversos sentidos: campo – cidade; cidade – cidade; campo – campo. No entanto são migrações de curta distância, significando um deslocamento dentro do próprio Estado, muitas vezes para municípios vizinhos de onde está saindo. São migrações que respondem a uma economia sazonal: colheita de cana, de algodão, contratações para trabalho em fábricas têxteis e alimentícias, como é o caso de parte da população localizada nas agrovilas do município de Terra Boa, que exerce atividades nas indústrias têxteis e de alimentos da região, deslocando-se entre municípios, e fazendo uma migração pendular. Verificamos que no município de Moreira Sales/PR, realidade que estudamos desde 1983, a tendência de sobrevivência da pequena propriedade foi a mesma que ocorreu nos municípios de Terra Boa e Barbosa Ferraz e em municípios de diversas 8 mesorregiões: organização em associações, em organizações não governamentais, em cooperativas, inserção em programas de seguridade alimentar (merenda escolar). Estratégias de sobrevivência da agricultura familiar A pesquisa sobre diferentes espaços agrários do estado do Paraná evidenciou uma realidade multifacetada. Uma investigação, com tentativas em identificar esses personagens que habitam ainda o campo brasileiro, neste caso, o paranaense, pode contribuir para a definição de programas desenvolvidos no interior de políticas agrícolas destinados a gerir a produção resultado da agricultura familiar. A propriedade rural, mesmo sendo pequena, vem adotando alguns procedimentos que contribuem para sua sobrevivência, uma delas, a organização em grupo como estratégia para se relacionar com o mercado. A outra estratégia, imposta pelas políticas econômicas implementadas nas décadas de 1980 e 1990, foi a necessidade do conhecimento científico na base da organização da agricultura familiar. O analfabetismo presente neste segmento é um dos problemas enfrentados. Diversos autores da Geografia Agrária Brasileira e Paranaense, além de autores de outras áreas foram consultados para a realização da revisão bibliográfica: GEORGE (1982), OLIVEIRA (2001, 2005), MARTINS (1981, 1995, 2000), MORO (1991), CARVALHO (2007), LIMA (1993, 2011), com vistas a melhor compreender a organização do campo agrário paranaense. Para estudar as características internas da agricultura familiar investigamos seu modo de produção (cultivo, variedades cultivadas, tipos de cultivos), a relação que estabelece com o mercado econômico (comercialização) e as estratégias definidas para sobreviver frente às políticas agrícolas nem sempre preocupadas com as questões agrárias. Por meio de pesquisa constatamos a sobrevivência da agricultura familiar na estrutura fundiária e na produção agrícola paranaense, mesmo estando em meio a uma agricultura de grande escala, destinada a exportação. Constata-se que permaneceu organizada nas áreas que despertam pouco interesse da agricultura comercial. Ao longo do processo de colonização e ocupação do estado do Paraná, a agricultura familiar foi sendo “empurrada” para áreas de relevo íngreme, para áreas em que o solo não era propício para a agricultura, para áreas distantes das vias de transporte que facilitavam a comercialização. Nas áreas ocupadas pela agropecuária comercial de 9 grande escala, a área ocupada pela agricultura familiar segue sendo comercializada; são áreas em que se observa a concentração de terras. A mesorregião Centro Ocidental é um exemplo desse fato. Para enfrentar essas condições a agricultura familiar passou por uma rearticulação ao longo das décadas de 1980 e 1990, no momento mais característico de sua decadência como base da estrutura fundiária. A forma como a terra foi se concentrando no estado do Paraná confirmava a leitura política que vaticinava o desaparecimento dessa categoria – os agricultores familiares, por meio da diferenciação social. Leitura esta realizada pelos autores que compartilhavam da teoria leninista sobre a diferenciação social da terra (pequeno, médio e grande camponês) presente no desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo europeu (KAUTSKY, 1980), que se apregoou na revolução russa por meio da teoria leninista da questão agrária e se exportou como modelo de compreensão da questão agrária para diversas realidades agrárias do mundo, inclusive no Brasil, por meio da ação político-partidária dos partidos comunistas. A agricultura familiar desenvolveu-se e manteve-se em meio a um quadro cheio de turbulências; sem o apoio de programas desenvolvidos por meio de políticas agrícolas dirigidas a agricultura familiar, estes possivelmente não sobreviveriam. Sobreviveu porque reunida em cooperativas, associações, e outros tipos de organização que lhes permitiram dialogar em grupo com o mercado econômico; sobreviveu quando se apropriou, por meio de formação ou capacitação, do conhecimento científico e passou a utilizá-lo para orientar a produção que desenvolveu em sua propriedade, com vistas a comercializar com um mercado “especial”. Exemplos disso são os agricultores que tem se dedicado a agricultura orgânica, buscando o mercado das feiras livres localizadas nos centros urbanos; ou ainda participando de feiras livres que não produzem de acordo com as normas da agricultura orgânica, mas produzem dentro das condições presentes na agricultura familiar (diversificação da produção, utilização do trabalho familiar, Comercialização em pequena escala). Programas de seguridade social sugeridos e realizados pelo governo federal, por meio da secretaria de abastecimento, também estimularam a produção com destinação previamente planejada, como é o caso dos agricultores que entregam sua produção para a merenda escolar dos municípios. 10 O acesso ao crédito do PRONAF alavancou a agricultura familiar no sentido de lhes dar melhores condições de produção e trabalho a partir da compra de equipamentos e maquinários necessários para o desenvolvimento de uma agricultura comercializada em pequena ou grande escala. O empobrecimento de parte da população que vivia no campo é responsável atualmente por inúmeras propriedades que não tem produção agrícola e seus moradores sobrevivem de aposentadorias ou pensão recebida pelos proprietários, que ao morrerem, terão a propriedade comercializada pelos filhos, que não pretendem dar sequência às atividades desenvolvidas na área rural. Não acompanharam o desenvolvimento da agricultura que ocorreu a partir de 1970, além de excluídos das políticas agrícolas, ficaram à margem também do conhecimento científico necessário para acessar uma agricultura que responda a determinados mercados. Estão nessas propriedades os índices maiores de analfabetismo. Essa foi uma das consequências da política de créditos agrícolas que existia na fase da modernização agrícola; não desapropriou estes agricultores de suas terras, mas não lhes deu condições para sobreviver posteriormente. Foram cedendo espaço ao avanço da agricultura capitalista diante, muito provavelmente, dos inúmeros empréstimos realizados em bancos para realizar a produção, que por inúmeras razões, dentre elas os aspectos climáticos e os juros altos dos créditos agrícolas, realizados aos moldes dos empréstimos das grandes propriedades, foi perdida posteriormente. A diferença entre essa política de crédito agrícola e o PRONAF é o de que o segundo programa se adequou às condições econômicas da maioria dos agricultores brasileiros. Mesmo assim, ainda encontramos agricultores que se encontram abaixo da margem de pobreza, não podendo acessar esses créditos. Embora seja direcionado para a agricultura familiar, encontramos na região de Barbosa Ferraz, um quadro em que um grande proprietário de terras, utilizando o nome de agricultores familiares fez uso do crédito disponível pelo PRONAF. Foi identificado por que um dos agricultores solicitou o uso do crédito junto ao Banco do Brasil, quando descobriu que seu nome já constava na lista dos credores. Outro aspecto encontrado no espaço agrário paranaense referiu-se às agrovilas e vilas rurais, um espaço nem rural e nem urbano, poder-se-ia mesmo dizer “rururbano” termo criado por Gilberto Freire na década de 1940 (Santos, 2011). 11 Os moradores denominados vileiros, em sua maioria expressiva, desenvolvem trabalho na área urbana como diaristas ou nas diversas indústrias de confecções de roupas ou frigoríficos da região. Um dos principais problemas encontrados, ao menos nessas agrovilas e vila rural, foi a falta de água para desenvolver as atividades rurais. Não há nascentes dentro dos lotes, de modo que a única água que chega, e a um preço que acaba sendo elevado, é a água tratada e de alto custo, levada pela Companhia de Saneamento do Paraná (SANEPAR). Como eles, de modo geral, não produzem nada ou muito pouco, as relações entre EMATER e vileiros são distantes, quando não inexistentes. As tentativas de cooperação entre os moradores dos lotes das agrovilas não obtiveram sucesso e as condições não favoreceram uma produção individual. A aparência das casas nas agrovilas é similar às das casas localizadas nas periferias das cidades. De modo geral se apropriaram daquele consumo mais comum na área urbana que envolve a propriedade de eletrodomésticos de modo geral (bicicletas, fogão, geladeira, televisão, microondas, máquina de lavar roupa). Algumas discussões estabelecidas a partir dos resultados levantados dizem respeito às condições de sobrevivência da agricultura familiar na economia capitalista. O acesso a políticas agrícolas que favoreça a produção da agricultura familiar, o conhecimento científico como base da rearticulação da produção familiar; e a permanência de programas de apoio a agricultura familiar, como sustentáculo da sobrevivência desse tipo de agricultura. Considerações Finais Por trás da imagem veiculada da agricultura comercial desenvolvida em grande escala e para exportação, ainda sobrevive uma agricultura produzida pela mão de obra familiar que apresenta os seguintes números: “(...) a agricultura familiar tem especial destaque no Paraná. Das 374 mil propriedades rurais no estado, 320 mil pertencem a agricultores familiares. Quase 90% dos trabalhadores estão vinculados à agricultura familiar. O Paraná tem uma expectativa de safra de 30 milhões de toneladas de grãos, e mais de 50% do valor bruto da produção vem da agricultura familiar. 1/3 das terras do estado são agricultáveis, e a maior parte está em propriedades com menos de 50 hectares” (Carta Maior, 20 de abril de 2008). 12 A investigação sobre o espaço agrário paranaense desvelou uma realidade que vai para além de uma agricultura comercial, destinada à exportação. Dadas as condições impressas pelo projeto de colonização particular desenvolvido no estado do Paraná, pode-se afirmar que a sobrevivência da agricultura familiar no espaço agrário paranaense, fato ocorrido somente mediante o título de proprietário da terra, foi algo que fugiu ao controle daqueles que estavam fazendo a ocupação das terras paranaenses. Na fase da colonização dirigida pelas companhias de terra, aqueles que não possuíam o título de proprietário perderam suas posses. Uma população formada por indígenas, posseiros, agregados, sertanistas, dentre outras expressões, como por exemplo, os Sutis, foram varridos do território paranaense. A pesquisa realizada sobre a agricultura familiar tem permitido a reconstituição histórica da ocupação anterior ao papel desempenhado pelas companhias de terras no Paraná. Na fase da modernização da agricultura do Norte do Paraná, aquela estrutura fundiária criada na fase inicial da colonização, organizada sobre a pequena propriedade, se modificou e foi reorganizada sobre a média e grande propriedade. Nesse período ocorreu intenso êxodo rural nas direções urbanas ou de outras regiões do Brasil. Nossas investigações até o momento indicam que para sua sobrevivência a agricultura familiar deve relacionar-se com um mercado econômico diferente da agricultura de grande escala, por isso deve produzir mercadorias que destinam-se ao abastecimento urbano (em grande, media ou pequena escala: feiras, restaurantes, sacolões, supermercados, mercado local, merenda escolar). Essas medidas apresentam-se alternativas que contribuem para sua reprodução social. Esse tipo de produção é mais apropriado a agricultura familiar e permite maior estabilidade econômica, diferente da agricultura comercial que está sempre ligada ao grande mercado, condicionada às decisões urbanas, possíveis de mudanças a qualquer instabilidade do mercado financeiro. Os estudos sobre a sobrevivência da agricultura familiar são sempre concluídos em meio a muitas dúvidas, uma delas diz respeito exatamente a sua sobrevivência; a outra diz respeito aos mercados que as diferentes agriculturas podem atingir. A produção em grande escala destina-se ao grande abastecimento, e não necessariamente de alimentos para a população; a produção em pequena escala destina-se a mercados especializados ou de consumo em pequena escala, mas sempre para responder às necessidades de alimentos para população. 13 Referências ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC, 1992. AOKI, Alessandro. 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