Dandara Rocha da Silva

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Pró-Reitoria Acadêmica
Escola de Educação e Humanidades
Curso de Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso
A INIMPUTABILIDADE DA PESSOA COM TRANSTORNO
MENTAL NO BRASIL
Autora: Dandara Rocha da Silva
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciana de Castro Álvares
Brasília - DF
2015
DANDARA ROCHA DA SILVA
A INIMPUTABILIDADE DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL NO BRASIL
Artigo
apresentado
ao
curso
de
graduação em Serviço Social da
Universidade Católica de Brasília, como
requisito parcial para a obtenção do Título
de Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Luciana de Castro
Álvares
Brasília
2015
Artigo de autoria de Dandara Rocha da Silva, intitulado, “A
INIMPUTABILIDADE DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL NO BRASIL”,
apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço
Social da Universidade Católica de Brasília, em 11 de junho de 2015, defendido e
aprovado pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________________
Profª. Dr.ª Luciana de Castro Álvares
Orientadora
Curso Serviço Social – UCB
_____________________________________________________
Prof. MSc. Fábio Félix Silveira
Banca Examinadora
Curso Serviço Social – UCB
_____________________________________________________
Profª. MSc. Késia Miriam Santos de Araújo
Banca Examinadora
Curso Serviço Social - UCB
Brasília
2015
Dedico este trabalho em memória de
minha mãe, Maria da Luz Santos Rocha
que é o meu anjo da guarda e a luz que
ilumina a minha vida e a todas as pessoas
com transtornos mentais que se
encontram em cumprimento de medida de
segurança
atualmente
no
Brasil.
AGRADECIMENTO
Primeiramente, agradeço a Deus pela vida e pela força que me concede a
cada dia nessa caminhada evolutiva na terra. A todos os espíritos de luz que juntos
ao meu anjo da guarda e ao Pai criador me protegem, iluminam e me auxiliam nessa
jornada. A minha mãe, Maria da Luz, hoje não mais presente em terra, a qual eu
chamo de meu anjo da guarda e tenho certeza estar sempre ao meu lado, me
guiando e protegendo, a ela todo o meu amor, respeito e gratidão pela grande
mulher e pessoa que foi em minha vida. Ao meu pai, Francisco, que com todas as
suas dificuldades nesses onzes anos foi meu pai e minha mãe, tentando me ensinar
e conduzir da melhor maneira possível. Ao meu avô, Zé Rocha por toda
preocupação que sempre teve comigo e que mesmo morando longe sempre fez o
possível para estar presente. A minha vó Antônia, meu xodó, por todo cuidado e
amor que sempre teve comigo. A todas as minhas tias paternas que nesses últimos
onze anos, junto à vó Antônia foram minhas mães, ajudando ao meu pai e me
concedendo todo amor e cuidado. Em especial a minha Tia Aldenora, meu anjo da
guarda em terra, que está sempre pronta a me ajudar independente da situação, ao
seu cuidado e amor pela minha pessoa, serei eternamente grata. E ao meu irmão
Vinícius, que faz uma grande falta no meu dia a dia e que me inspira a buscar novos
horizontes.
A todos os professores que ao longo desses quatro anos participaram da
construção do meu conhecimento, sem dúvidas, todos marcaram de alguma forma
essa trajetória acadêmica e contribuíram para que hoje eu tenha uma outra visão de
mundo. A Dandara que sai dessa universidade, com toda certeza não é a mesma de
quatro anos atrás. A todos esses grandes mestres, minha eterna gratidão. As
assistentes sociais Michelle e Anunciação, profissionais que tive a oportunidade de
conhecer durante o período de estágio, a elas agradeço todo o conhecimento que
me foi compartilhado nesse que considero um dos momentos mais enriquecedores
desse processo de formação. E a minha orientadora, professora Luciana, pela
paciência e incentivo durante a construção desse trabalho e pelos conhecimentos
compartilhados em sala de aula durante minha trajetória acadêmica, minha
admiração pela profissional que és.
Acredito que as pessoas não passam em nossas vidas por um acaso, todas
de alguma forma, independentemente de suas condutas têm algo a nos ensinar, por
isso agradeço a todos que não só durante esses quatros anos, mas ao longo desses
meus vinte e três anos contribuem de alguma maneira para minha caminhada
evolutiva.
Gratidão!
“E aqueles que foram vistos dançando
foram julgados insanos por aqueles que
não podiam escutar a música.”
(Friedrich Nietzsche)
7
A INIMPUTABILIDADE DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL NO BRASIL
DANDARA ROCHA DA SILVA
Resumo:
Este artigo tem por objeto de estudo a punição das pessoas com transtornos
mentais que cometem crimes no Brasil, a essas pessoas é denominado o termo
inimputável. Desse modo esse estudo busca analisar através de pesquisa
bibliográfica as condições a que estão submetidas às pessoas com transtornos
mentais que se encontram em cumprimento de medida de segurança atualmente no
país. Proporcionando uma reflexão acerca de uma sanção penal que se esconde por
trás de um modelo de tratamento terapêutico com fins preventivos, mas que na
verdade se consolida em um dos modelos de exclusão mais cruel da pessoa com
transtorno mental em conflito com a lei e que se configura como um grande violador
dos direitos humanos, ignorando todas as lutas consolidadas através da Reforma
Psiquiátrica pela lei 10.216/2001.
Palavras-chave: Transtorno Mental. Medida de segurança. Reforma psiquiátrica.
1 INTRODUÇÃO
Entre as pessoas que cometem crimes no Brasil, há aquelas que são
inimputáveis em razão de doença ou deficiência mental. Essas pessoas não
recebem uma pena, mas são submetidas a tratamento psiquiátrico obrigatório em
cumprimento de uma medida de segurança. O cumprimento das medidas de
segurança ocorre em Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em Alas de
Tratamento Psiquiátrico localizadas em presídios ou penitenciárias.
O interesse pelo tema surgiu a partir da leitura de um trabalho de conclusão
de curso sobre a penitenciária feminina do Distrito Federal, no qual havia uma breve
citação a respeito da Ala de Tratamento Psiquiátrico/ATP. O referido trabalho
incentivou pesquisas relacionadas ao tema: Tratamento Psiquiátrico e medida de
segurança. Além da questão da pessoa com transtorno mental que está em conflito
com a lei e a medida de segurança se tratarem de um assunto que ainda hoje é
invisível à sociedade e que, portanto deve ser descortinado para que chame a
atenção do Estado e de todas as esferas da sociedade para a necessidade e
urgência da discussão do cenário atual do tratamento psiquiátrico e a medida de
segurança no Brasil.
Apesar do que trata o Código Penal em relação à aplicabilidade e o
cumprimento das medidas de segurança e o que prevê a Lei n° 10.216/01 que trata
a respeito da proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e que
direciona o modelo assistencial em saúde mental, serem instrumentos norteadores e
de garantia de direitos as pessoas com transtorno mental, o investimento do Estado
em Políticas Públicas voltadas a essa população no Brasil ainda é escasso. Diante
dessa afirmação, e perante a precariedade das condições atuais sistema
penitenciário brasileiro, essa pesquisa buscou conhecer se as medidas de
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seguranças proviam o tratamento das pessoas com transtorno mental e se
ofereciam condições de tratamento humanizado a esse público, como prevê a lei n°
10.216/01.
Este trabalho se consolidou através de pesquisa bibliográfica, que segundo
Gil (2008, p.50) “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído
principalmente de livros e artigos científicos”. Os dados apresentados no tópico seis
são resultados de busca realizada em dois artigos científicos indexados do ano de
2013 na plataforma scielo e em outros dois documentos dos anos 2010 e 2011,
encontrados no site de buscas google. Todos foram pesquisados através das
palavras chaves: tratamento psiquiátrico e medida de segurança, realidade dos
hospitais de custódia e tratamento no Brasil, criminalização da loucura. A partir do
conteúdo de seus resumos e/ou introduções os textos foram escolhidos para
fundamentar a pesquisa.
Autor
Título
Associação brasileira de Hospitais de Custódia no
psiquiatria (ABP)
Brasil:
avaliação
e
proposta.
Débora Diniz
A custódia e o tratamento
psiquiátrico no Brasil:
censo 201.
Ministério Público Federal Parecer sobre medidas de
(MPF)
segurança e hospitais de
custódia e tratamento
psiquiátrico
sob
a
perspectiva da Lei n.
10.216/2001.
Sarah C. de D. Pereira
A
criminalização
da
loucura
no
modelo
jurídico-terapêuticopunitivo-prisional
dos
hospitais de custódia e
tratamento psiquiátrico.
Ano
[2010?]
2013
2011
2013
O presente artigo propõe então, uma análise reflexiva sobre a condição do
inimputável que é submetido à medida de segurança no Brasil. O primeiro item faz
um breve resgate histórico da loucura, mostrando como era definida pela sociedade
a pessoa que carregava o estigma de louca e como eram tratadas. O item seguinte
aborda o contexto histórico da inimputabilidade no Brasil, mostrando as mudanças
desde o Código Criminal do Império até o Código Penal atualmente vigente. No
terceiro item apresenta-se as mudanças a respeito do inimputável e as medidas de
segurança, após a implementação da Lei de Execução Penal. O quarto item
apresenta o processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica brasileira, que se
consolida através da Lei n° 10.216/01. O quinto item relata a atual realidade das
medidas de segurança no Brasil, mostrando que apesar da Lei da Reforma
Psiquiátrica ser um instrumento que garante o tratamento humanizado da pessoa
com transtorno mental no país, esse sistema foge totalmente dos pressupostos
legais, infringindo o que diz respeito aos direitos humanos e da pessoa com
transtorno mental.
9
2 HISTÓRIA DA LOUCURA
A construção histórica da loucura é permeada por profundas transformações,
dependendo da época em que é analisada.
Segundo Millani e Valente (2008, p.2) “os primeiros relatos da loucura como
fenômeno aconteceram na Grécia Antiga, e era vista pela sociedade, principalmente
por influência da religião como manifestações sobrenaturais originadas por deuses e
demônios”. Mas para alguns, como os grandes filósofos Sócrates e Platão a loucura
era considerada um privilégio divino, pois eram através dos delírios que alguns
privilegiados podiam ter acesso as verdades divinas.
Isso não quer dizer que essas pessoas eram consideradas normais ou iguais
por esses que acreditavam no privilégio divino, mas que eram portadoras de uma
desrazão que apesar de habitar a vizinhança do homem, precisava ser mantida
numa distância que separasse o sagrado, das experiências terrenas. A relação
experiência mística e consciência crítica prevalece durante muito tempo e somente
na Antiguidade Clássica vai ser desconstruída.
É então na Antiguidade Clássica que “lentamente, a loucura vai se afastando
do seu papel de portadora da verdade divina e vai se encaminhando para o oposto e
em pouco tempo passa a ocupar o posto de representante simbólico do mal”.
(SILVEIRA e BRAGA, 2005, p.593).
Durante a Inquisição, a loucura também era entendida como manifestação do
sobrenatural e até satânico, denominada como uma expressão de bruxaria, cujo
tratamento caracterizou-se pela perseguição aos seus portadores, da mesma forma
que se praticava com os hereges. O movimento de caça as bruxas, liderado pela
Inquisição tinha o objetivo de manter a aceitação e a concordância da crença
religiosa. Dessa maneira, os hereges e os que não concordavam com a ideologia
cristã dominante da época, eram considerados loucos, bruxos e feiticeiros, que
serviam ao mal e a forças malignas.
A loucura então, nessa época, era identificada com os perfis e os papéis dos
feiticeiros portadores de supostas doenças mentais, repercutida pela relação de
poder da igreja e da burguesia. Com o desenvolver da história, o poder eclesiástico
foi abalado o que permitiu um novo olhar sobre a doença e a pessoa com transtorno
mental.
No período Renascentista houve a expressão da animalidade sobre a figura
do homem como louco, como foi retratado em obras literárias e nas artes plásticas.
Segundo Silveira e Braga (2005, p.592) “com o fim do simbolismo gótico a imagem é
liberada da sabedoria e da lição que a ordenavam e começa a andar ao redor da
sua própria loucura, através da abundância de significações”. Ou seja, a figura do
louco como algo que remetesse a feitiçaria, a escuridão, a forças sobrenaturais é
descontruída.
Surgia assim, entre o fim do século XVI e início do século XVII com a razão
filosófica a consciência crítica da loucura que se confronta a consciência trágica já
existente. Essa consciência crítica era detentora do aspecto moral, que enunciava o
erro na conduta dos homens. Assim como afirma Pereira:
O que conhece não pode estar louco, assim como o eu que não pensa, não
existe. Excluída pelo sujeito que duvida, a loucura é a condição de
impossibilidade do pensamento. Ou seja, a partir do racionalismo moderno,
sabedoria e loucura se separam. Os perigos que a loucura poderia oferecer
para influenciar a relação entre o sujeito e as verdades são afastados.
(1984, p. 61).
10
Ainda na Renascença, os loucos eram atirados como cargas em
embarcações que recebiam o nome de Nau dos Loucos. Esses navios
representavam um ritual que libertava a sociedade dos estigmatizados loucos.
Coloca-los em navios era a certeza de evitar que eles ficassem vagando pelas
cidades e também que estariam bem longe.
A Nau dos loucos que tempos depois foi retratado em pintura, segundo Millani
e Valente (2008) representa a divisão e a passagem absoluta, e desenvolve ao longo
de um espaço semi-imaginário a situação do louco bem distante das preocupações
dos homens da época.
Durante a Idade Média, os leprosos eram os grandes estigmatizados pela
sociedade, encarnando o mal e representando o castigo divino, a lepra se espalha
rapidamente causando pavor e sentenciando seus portadores à exclusão em
“agrupamentos espontâneos que, pouco a pouco, se institucionalizam com a posse
de imóveis” (BÉNIAC apud PINTO, 1995, p. 138). Somente com o fim das Cruzadas
e a ruptura dos focos orientais de infecção, a lepra retira-se, deixando um espaço
que vai reivindicar um novo representante. Alguns séculos depois, essas estruturas
não apenas físicas, mas organizativas sociais de exclusão vão ser ocupadas pela
figura do louco.
Apesar de na Idade Média os loucos já estarem sujeitos aos mecanismos de
exclusão, ainda não é neste período que a loucura passa a ser percebida como algo
que necessite de um saber específico. Os primeiros estabelecimentos de exclusão
destinavam-se apenas a retirar do convívio social as pessoas que não se adaptavam
a ele.
A loucura que até então era vista como marca do divino, em meados do
século XVII se constitui em um modo de exclusão, devido às mudanças acarretadas
ao crescimento das cidades, o poder das relações políticas e com o
desenvolvimento da indústria.
Os primeiros estabelecimentos para internação dos loucos criados em
território europeu, tinham como único objetivo aprisionar todos aqueles que em
relação à ordem da razão, da moral e da sociedade, fugiam do padrão moral vigente.
Além dos loucos, nestes estabelecimentos também eram internados: os portadores
de doenças venéreas, mendigos, vagabundos, bandidos, prostitutas, eclesiásticos
em infração, e entre outras pessoas que desafiavam a ordem estabelecida.
Nasce então em Paris no ano de 1656, uma estrutura de ordem monárquica e
burguesa, denominado Hospital Geral e que teria, como lembra Millani e Valente
(2008) a função de recolher e alojar todos os excluídos que eram considerados
perturbadores da ordem social.
O Hospital Geral, porém, tinha apenas o objetivo de corrigir e controlar os
ociosos, ou seja, a instituição na verdade representava o papel da polícia e da
justiça e não de uma instituição médica. O hospital tinha significações políticas,
sociais, religiosas, econômicas e morais, havia uma cumplicidade entre o poder da
burguesia e a Igreja, que também se utilizavam deste espaço para exercerem seus
papeis morais de quem estão sempre preocupados em prestar assistência aos
pobres, exercer os ritos da hospitalidade, da caridade e etc.,“quando na verdade
estas ações estavam por trás de obscuros poderes” (MILLANI; VALENTE, 2008,
p.6). Pois a real intenção era aplicar a prática da correção e do controle sobre os
considerados ociosos, com a ideia de proteger a sociedade de possíveis revoltas.
Alguns anos depois, em 1656, mediante a ordem real, foi estabelecida a
implantação de um Hospital Geral em cada cidade do reino da França, dando origem
ao que Focault vai chamar de período da Grande Internação.
11
Não se esperou o século XVII para “fechar” os loucos, mas foi nessa época
que se começou a “interná-los”, misturando-se a toda uma população com a
qual se lhes reconhecia algum parentesco. Até a Renascença, a
sensibilidade à loucura estava ligada à presença de transcendências
imaginárias. A partir da era clássica e pela primeira vez, a loucura é
percebida através de uma condenação ética da ociosidade e numa
iminência social garantida pela comunidade de trabalho. Essa comunidade
adquire um poder ético de divisão que lhe permite rejeitar, como num outro
mundo, todas as formas da inutilidade social. (FOUCAULT, 2010, p. 83-84).
Em meados do século XVII os internos não loucos (prostitutas, mendigos,
libertinos e etc.) começam a protestar por estarem presos com a animalidade, a
loucura era vista como símbolo da humilhação e da injustiça. Os nãos loucos
apoiavam o internamento, mas apenas para os loucos.
A partir da revolução burguesa e as crises políticas e econômicas a internação
é percebida como uma medida economicamente inviável. A sociedade então,
pensando na mão de obra para produção, chega à conclusão de que alguns internos
precisavam ser absorvidos pela economia. Daí então, os pobres que estavam
internados são reinseridos na sociedade apenas por questões econômicas, assim
apenas os internos que representavam um grande perigo a sociedade é que
continuaram privados de liberdade.
É no fim do século XVIII então, que definitivamente se descontrói o conceito
de “doença mental” para perceber a loucura enquanto “existência-sofrimento” do
sujeito em relação ao corpo social. Percebe-se então segundo Millani e Valente
(2008, p. 9) “que o ato de trancafiar o sujeito repressivamente, assim como era feito
até então, contribuía fortemente para “aumentar” sua loucura”. A partir dessas
conclusões, começa-se a pensar em modelo que tenha por objetivo a libertação e
não mais a repressão, contribuindo para o fim do internamento, e o surgimento dos
asilos.
Após essa breve contextualização histórica da loucura, o tópico seguinte, irá
abordar a respeito da historicidade da inimputabilidade no Brasil, mostrando as
mudanças ocorridas desde o Código Criminal do Império até o Código Penal atual
vigente e suas determinações a respeito da pessoa com transtorno mental que
cometesse crimes.
3 CONTEXTO HISTÓRICO DA INIMPUTABILIDADE NO BRASIL
A ideia de uma pessoa perigosa sempre esteve presente no inconsciente
coletivo e está associada à concepção de estigmas. O portador de transtorno mental
sempre ocupou lugar no espaço do inconsciente coletivo. Ao lado de criaturas
mitológicas, bruxas, demônios e leprosos, os loucos foram alvos de duradouras
perseguições históricas, sendo essas pessoas na maioria das vezes as preferidas
pelos mecanismos de poder punitivo que se estabeleceram ao longo dos séculos.
Durante o processo de historicidade da loucura, apesar de serem notáveis
algumas variantes no tratamento que era concebido ao louco, desde a Antiguidade
Clássica a loucura não era vista com bons olhos. Assim, ainda não se falava em um
conceito estruturado e próprio de periculosidade criminal, manicômios judiciários ou
medidas de segurança que comtemplassem essa ideia de periculosidade criminal,
embora, a ideia de segregação cautelar de indivíduos indesejados já estivesse em
prática nessas sociedades.
No Brasil, a relação entre loucura e criminalidade e a constituição de
12
instituições de controle e regeneração, ocuparam o cenário de discussões teóricas e
implementações políticas no século XIX. A partir desse processo, a relação com o
campo do direito criminal, gerou grandes debates entre alienistas - médico
especialista em doenças mentais - e magistrados que concordaram com a
constituição de um modelo de intervenção penal específico para os doentes mentais
que cometessem crimes.
O primeiro Código Criminal do Império do Brasil foi aprovado em 22 de
outubro de 1830 e sancionado em 16 de dezembro pelo imperador D. Pedro I, se
firmava em três concepções: igualdade dos homens perante a lei; pena como função
da gravidade do delito; e condicionamento do crime à sua definição legal.
Segundo Peres e Nery Filho:
Para compreendermos o lugar do doente mental no Código Criminal, é
importante considerarmos que, além do pressuposto da igualdade e do
caráter retributivo da pena, a escola clássica fundamentava-se na doutrina
do livre arbítrio e na noção de responsabilidade.
A presença da loucura como móvel do crime, punha em questão os pilares
da doutrina clássica do direito. (2002, p.337).
O artigo 10 do Código Criminal vigente na época ditava:
Art. 10. Também não se julgarão criminosos:
§2. Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos intervalos e neles
cometerem o crime. (BRASIL, 2015).
Nesse momento da história ainda não existia o conceito de uma loucura
lúcida, como a formulado por Pinel e Esquirol anos mais tarde, segundo Carrara
(1998 apud PERES; NERY FILHO 2002, p.337) “a lucidez nesse momento marcava
o retorno ao estado da razão, e conferia ao louco o estatuto de criminoso”. A loucura
era então desrazão. Era o juiz de direito que tinha a obrigação de reunir os fatos
necessários para julgar o estado de loucura do réu.
Apesar de o Código Criminal prevê em seu artigo 12(2015) que “os loucos
que tiverem cometido crimes serão recolhidos às casas para eles destinadas, ou
entregue às suas famílias, como ao juiz parecer mais conveniente”, nessa época
ainda não existiam asilos ou algum outro lugar específico para a loucura, existiam
apenas as prisões e os hospitais da Santa Casa.
Em 1890, com abolição da escravidão, o Código Criminal do Império passa
por uma reforma com base no projeto de João Batista Pereira, que é convertido em
lei em 11 de outubro do mesmo ano. Surge assim, o primeiro Código Penal da
República, que traz mudanças significativas no estatuto jurídico penal da pessoa
com transtorno mental e de seu destino institucional. Como se observa no conjunto
dos artigos 27 e 29:
Art 27. Não são criminosos:
§3. os que, por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem
absolutamente incapazes de imputação;
§4. os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de
inteligência no ato de cometer o crime.
Art 29. Os indivíduos isentos de culpabilidade em resultado de afecção
mental serão entregues às suas famílias, ou recolhidos a hospitais de
alienados, se o seu estado mental assim o exigir para a segurança do
público. (BRASIL, 2015).
Assim, os loucos, sendo considerados inimputáveis não têm seu ato
13
qualificado como crime. Segundo Peres e Nery Filho (2002, p. 338) “passam agora,
a estar ausente do estatuto de criminoso, o crime deixa de ser apenas um ato
previsto em lei e recebe um atributo que se relaciona à imputabilidade do agente que
o pratica”.
Inimputabilidade penal é a incapacidade que tem o agente em responder
por sua conduta delituosa, ou seja, o sujeito não é capaz de entender que o
fato é ilícito e de agir conforme esse entendimento. Sendo assim, a
inimputabilidade é causa de exclusão da culpabilidade, isto é, mesmo sendo
o fato típico e antijurídico, não é culpável, eis que não há elemento que
comprove a capacidade psíquica do agente para compreender a
reprovabilidade de sua conduta, não ocorrendo, portanto, a imposição de
pena ao infrator. (DICIONÁRIO JURÍDICO, 2013).
O novo Código traz também a especificação do local para onde os doentes
mentais que cometessem crimes deveriam ser encaminhados: o Hospício de
Alienados. Tira-se então a responsabilidade central do jurista que era vista no
Código Criminal do Império, passando então a estratégia alienista a dar conta do
destino dos loucos, não cabendo assim aos doentes mentais às sanções penais.
A inserção dos alienistas nos tribunais resultou em diversas discussões no
que dizia respeito a quem deveria ser a responsabilidade de determinar a internação
do doente mental. Os alienistas detinham da opinião de que os juízes não eram os
mais apropriados para determinar a internação. Assim como os juízes acreditavam
não serem os mais apropriados para tal determinação os alienistas. Diante desse
embate que dividia a opinião de estudiosos da época, os alienistas lutavam pela
construção de manicômios judiciários, mesmo ficando claro no Código Penal em seu
artigo 20 que o local de internação dos loucos-criminosos era o Asilo de Alienados.
Diante de tantas inquietações acerca do que era definido no Código Penal
vigente, em 1893, foi entregue a Câmara dos Deputados pelo deputado Vieira de
Araújo a primeira proposta de reformulação do Código Penal que se sucedeu por
outros projetos de proposta de reformulação. Assim em 1940, após passar por uma
comissão dentro da Câmara dos Deputados, o projeto foi revertido na lei 2.848/40,
durante a vigência do Estado Novo.
Com a reformulação do Código Penal, o doente mental não deixa de ser
criminoso em decorrência de seu estado e o crime volta a ser definido
independentemente da capacidade ou não de entendimento da pessoa que o
cometeu. Fica definido então no artigo 22, que:
Art 22. É isento de pena o agente que, por doença mental, ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou
de determinar-se de acordo com o entendimento.
Parágrafo único: A pena pode ser diminuída de 1/3 a 2/3, se o agente, em
virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental
incompleto ou retardado, não possuía ao tempo da ação ou da omissão, a
plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento. (BRASIL, 2015).
Dentro dessa perspectiva, para o Código Penal de 1940, a inimputabilidade
relaciona-se diretamente com a culpabilidade do sujeito. O então inimputável que
antes não era considerado culpado por não ter a capacidade de entendimento e nem
recebia punição pela prática do seu ato, passa agora a ser submetido à imposição
de uma sanção penal, tendo apenas garantido a redução do tempo de cumprimento
14
em razão da inimputabilidade, assim como nos mostra o parágrafo único do art. 22
acima citado.
O fato do ato não ser qualificado como crime, não significa que as pessoas
com transtornos mentais ficariam de fora de serem submetidas ao âmbito das
sanções penais. As medidas de segurança surgem então, para conferir ao direito
penal um espaço de atuação, já que no Código Penal de 1893 ao isentar de pena as
pessoas com transtornos mentais, esses ficavam completamente sob
responsabilidade da assistência a alienados. As medidas de segurança surgem
como medidas especiais para criminosos específicos: os doentes mentais perigosos.
Diferem-se então das penas, que possuem caráter repressivo e intimidante, por
serem de finalidade preventiva, embora sejam aplicadas somente após a pessoa
com transtorno mental ter cometido o ato infracional.
A medida de segurança, por sua vez, aplicasse aos semi-responsáveis e
irresponsáveis, tomando como fundamento não mais a culpabilidade mas a
periculosidade, o provável retorno à prática de fato previsto como crime. [...]
A pena olha, simultaneamente para o passado e para o futuro; a medida de
segurança olha somente para o futuro. Para uma, o crime acontecido é
fundamento necessário e suficiente; para outra, é apenas ocasião, pois seu
fundamento transcende o crime, para legitimar-se com a periculosidade do
seu autor. Para a incidência na pena, basta o crime, pois somente na
medida de seu quantum é que se tem em conta a pessoa do criminoso.
Para a medida de segurança, o crime é apenas um eventual sintoma ou
indício de estado perigoso individual que é a sua condição sine qua non.
(PERES e NERY FILHO, 2002, p. 346).
Define-se como semi-responsáveis ou semi-imputável, àquele que não tem a
consciência plena ou é temporariamente incapaz de entender que o fato é ilícito e de
agir conforme esse entendimento. Assim como visto no parágrafo único do artigo 22,
aqui já citado.
Ainda sobre as medidas de segurança, definem Hungria e Fragoso (1978
apud Peres; Nery Filho, 2002, p.346):
pena e medida de segurança não diferem apenas por apresentarem
finalidades distintas, repressiva ou preventiva, mas, também, pelas causas,
condições de aplicação e modo de execução. A pena aplica-se,
exclusivamente, aos responsáveis e funda-se na culpabilidade ou culpa
moral do delinquente. É, por isso, de cunho essencialmente ético e baseada
na justiça. Além disso, é caracterizada como uma sanção imposta a um fato
concreto e passado - o crime -, de forma retributiva, aflitiva e proporcional à
gravidade. [...] A medida de segurança, por sua vez, aplica-se aos semiresponsáveis e irresponsáveis, tomando como fundamento não mais a
culpabilidade, mas a periculosidade, “provável retorno à prática de fato
previsto como crime”.
No Código de 1940 os pressupostos para determinação da medida de
segurança eram a prática do fato previsto como crime e a periculosidade do agente.
Tratava ainda que quando a periculosidade do agente não fosse presumida por lei, o
indivíduo deveria ser reconhecido perigoso através de análise da sua personalidade
e de suas condutas, e pelos motivos e circunstâncias do crime. E em seu artigo 78
esclarecia quem eram os considerados perigosos:
Art. 78. Presumem-se perigosos:
I - aqueles que, nos termos do art. 22, são isentos de pena;
II - os referidos no parágrafo único do artigo 22. (BRASIL, 2015).
15
O Código Penal que ainda rege no Brasil atualmente é o de 1940, porém
foram feitas algumas alterações através da Lei de Execuções Penais - LEP 7.209/84, a LEP aborda amplas mudanças no Código Penal, mas neste artigo será
tratado apenas o que diz respeito às medidas de segurança.
4 A INIMPUTABILIDADE DA PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL APÓS A LEI
DE EXECUÇÃO PENAL
A partir da Lei de Execução Penal a questão da inimputabilidade e semiimputabilidade dos que apresentam “perturbação da saúde mental” se encontram
nos mesmos termos, porém agora no artigo 26:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou
da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o
agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento
mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento. (BRASIL, 2015).
As medidas de segurança se apresentam diante das mudanças da LEP, sob a
forma de internação em hospital de custódia e tratamento ou em outro
estabelecimento que seja adequado, podendo ser o inimputável também submetido
a tratamento ambulatorial. O seu tempo de duração é indeterminado, perdurando até
que seja comprovada a cessação do estado perigoso do individuo por meio de
perícia médica, o tempo mínimo deve ser determinado pelo juiz no limite de um a
três anos.
A desinstitucionalização ou a liberação devem ser sempre condicionais,
devendo ser restabelecida à situação anterior, se o agente antes do decurso de um
ano praticar fato indicativo de insistência a sua periculosidade. O juiz também
poderá a qualquer momento da fase do tratamento ambulatorial, determinar a
internação, se julgar essa providência necessária para fins curativos.
Os limites continuam elásticos, a lógica mantém-se: o doente mental
delinquente é englobado por uma estratégia que se centra na
periculosidade - futuro, risco, probabilidade -, à qual cabe uma sanção
indeterminada (PERES; NERY FILHO, 2002, p. 353).
A LEP prevê também a substituição de pena por medida de segurança ao
semi-imputável, estabelecendo que na hipótese do parágrafo único do art. 26 e
necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de
liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial
cumprindo-se também o prazo mínimo de um a três anos.
Ao que diz respeito ao direito dos internos em cumprimento da medida de
segurança, a lei dispõe sucintamente que o internado deve ser recolhido a
estabelecimento de características hospitalares e deve ser submetido a tratamento .
A lei n° 7.210/84 é que dispõe também, a respeito de como devem ser
executadas as medidas de segurança, definindo suas disposições gerais e sobre a
cessação da periculosidade.
16
Sobre as medidas de segurança a LEP apresenta em seu título VI, que
ninguém pode ser submetido à internação em hospital de custódia e tratamento
psiquiátrico sem documento expedido pela autoridade judiciária contendo todas as
informações padrões necessárias. A cessação de periculosidade do interno deve ser
averiguada no fim do prazo mínimo da duração da medida de segurança, sendo
avaliada pelo juiz através de um relatório minucioso elaborado pela equipe de saúde
e acompanhado do laudo psiquiátrico do interno que deve ser encaminhado até um
mês antes do término da duração mínima da medida pela autoridade do
estabelecimento em qual a pessoa com transtorno mental esta internada.
A partir dessa discussão é notável as significativas mudanças consolidadas a
respeito dos inimputáveis e da medida de segurança após a implementação da Lei
de Execução Penal. A seguir, iremos tratar sobre a conquista dos direitos das
pessoas com transtornos mentais, consolidada através da lei n° 10.216/2001, mais
conhecida como lei da Reforma Psiquiátrica.
5 A REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL
Como visto durante o processo histórico de concepção da loucura, antes de
se tornar um termo essencialmente médico, o louco habitou o imaginário social de
diversas formas, passando por possuído por foças sobrenaturais e demoníacas até
marginalizado por não se enquadrar nos padrões morais vigentes da época. Em
meados do século XVII os estigmatizados loucos começam a ser internados em um
contexto de exclusão do convívio social.
É no século XVIII com base na concepção de Phillippe Pinel, que defendia um
tratamento moral e específico ao doente mental que surgem os manicômios.
Centrados na figura do alienista, acabam virando locais de reprodução de práticas
violentas, repressivas e estigmatizantes, assim como era visto no século anterior
quando os locais de internação tinham também como objetivo além da exclusão do
convívio social, a repressão como forma de castigo ao comportamento dos internos
que eram julgados imorais pela sociedade. Já em meados do século XX, o doente
mental passou a ser completamente alienado e a ser medicalizado pelas
concepções organicistas, que superaram a concepção de Pinel (CARNEIRO e
ROCHA, 2004, pp. 67).
No século XX, principalmente por influências de Franco Basaglia, psiquiatra
Italiano, dão-se início a severas críticas e transformações do saber, do tratamento e
das instituições psiquiátricas. Esse movimento inicia-se na Itália, mas tem
repercussões em todo o mundo. Dentro dessa perspectiva nascem as premissas da
Reforma Psiquiátrica, que se consolida com o movimento pela desinstitucionalização
da pessoa com transtorno mental.
Esse modelo é definido com base em três componentes essenciais: a
diminuição das admissões hospitalares pela provisão de serviços
comunitários; a desospitalização, após preparação, de pacientes internados
por longos períodos; a criação e manutenção de uma rede de serviços na
comunidade para atender a esses pacientes (VIDAL, BANDEIRA;
GONTIJO, 2007, p.72).
No ano de 1964, há uma grande expansão dos hospitais psiquiátricos
privados no Brasil, segundo Prandoni e Padilha:
[...] após a instauração do regime militar em 1964, onde se estende a
cobertura psiquiátrica a toda população- período chamado de milagre
17
brasileiro- e não só aquela população de indigentes, passa a viver a
chamada “psiquiatria de massa” no País. É a instauração da “indústria da
loucura”. (AREJANO, 2002 apud PRANDONI E PADILHA, 2004, p.637).
Assim a pessoa com transtorno mental se transforma em mercadoria e sua
patologia em uma fonte de lucro, enfatizando desse modo um modelo assistencial
que tem como único objetivo a lucratividade e não a recuperação da saúde do
sofredor psíquico.
No fim da década de 70, com a emergência de críticas ao caráter privatizante
da política de saúde governamental e a ineficiência da assistência pública em saúde,
é que se inicia no Brasil o movimento da Reforma Psiquiátrica, sendo encabeçado
pelo Movimento de Trabalhadores de Saúde Mental, que alguns anos depois contam
com a participação de pacientes com doenças mentais, de seus familiares e de
vários setores da sociedade interessados pela discussão sobre os rumos da
assistência em saúde mental no país. Essa unificação resulta então, na
consolidação do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, no ano de 1993.
A partir dessas movimentações o governo começou a propor alternativas de
tratamento, através de diversas portarias ministeriais, como as de n°189/1991 e
224/1992, que tratam basicamente sobre a reorganização da assistência e
regulamentação do financiamento de serviços de natureza extra-hospitalar, como os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Lares Abrigados. (BRASIL, 2004).
No contexto continental, a Declaração de Caracas, de 1991, aprovada
durante a Conferência para a Reestruturação da Atenção Psiquiátrica, propôs que os
serviços comunitários fossem o componente principal dos cuidados em saúde
mental, reduzindo o papel dominante do hospital na prestação de serviços. Todos
esses fatores e movimentos foi o que contribuíram e resultaram na consolidação da
Reforma Psiquiátrica brasileira através da Lei n° 10.216/01, que dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais, conforme:
o
Art. 1 Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno
mental, de que trata esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de
discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção
política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de
gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
(BRASIL, 2015).
Comtempla também a questão dos atendimentos em saúde mental,
salientando que é direito da pessoa com transtorno mental o acesso ao melhor
tratamento do sistema de saúde, que atenda suas necessidades, pautado na
humanidade e respeito, que objetive alcançar a recuperação do paciente pela
inserção nos meios de convívio social, como a família, o trabalho e a comunidade.
As pessoas com transtornos mentais devem ser protegidas contra qualquer forma de
abuso e exploração, devem ser tratadas em ambientes terapêuticos pelos meios
menos invasivos possíveis e preferencialmente em serviços comunitários de saúde,
e têm o direito de receber todas as informações a respeito de sua doença e
tratamento.
Ressalta a responsabilidade do Estado em desenvolver a política de saúde, a
assistência e a promoção de ações de saúde, conforme o artigo 3:
o
Art. 3 É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de
saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos
portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade
e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental,
18
assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em
saúde aos portadores de transtornos mentais. (BRASIL, 2015).
A lei nº 10.216/01 rompe também com a ideia de tratamento em modelo asilar
e assegura que a internação em qualquer de suas modalidades: voluntária,
involuntária e compulsória, só deve ser indicada quando não houver recursos
hospitalares suficientes e que os regimes de internação devem ser estruturados de
forma que ofereçam assistência integral à pessoa com transtorno mental, através de
serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer e entre
outros. Os tratamentos têm que visar à reinserção social do paciente em seu meio.
o
Art. 6 A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo
médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação
psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do
usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. (BRASIL,
2015).
Em referência aos pacientes que estão há muito tempo internados ou se
caracterize grave dependência institucional, por quadro clínico ou ausência de
suporte social, define que:
o
Art. 5 O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se
caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu
quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política
específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob
responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de
instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do
tratamento, quando necessário.(BRASIL,2015).
A lei 10.216/01 se configura então como um grande marco e conquista para
as pessoas com transtorno mental no Brasil, assegurando direitos que junto aos
direitos básicos e humanos, visam uma qualidade de vida a pessoa com transtorno
mental, deixando de lado o estigma do louco como algo ou alguém que deva ser
excluído e que independente do seu sofrimento psíquico deve viver inserido no
convívio social. Dá visibilidade a pessoa com transtorno mental que durante séculos
tentou ser apagada pelos mecanismos de exclusão das sociedades, já comentados
anteriormente. Este dispositivo legal proporciona também um embate com o Código
Penal e a Lei de Execução Penal, quando diz respeito ao tratamento do inimputável
em cumprimento de medida de segurança, pois alguns artigos das respectivas leis
se chocam e questionam a atual realidade das medidas de segurança.
6 O CENÁRIO REAL: UMA ANÁLISE SOBRE INIMPUTABILIDADE E A MEDIDA
DE SEGURANÇA
Segundo Diniz (2013), existem no Brasil 26 Estabelecimentos de Custódia e
Tratamento Psiquiátrico - ECTPs, sendo 23 Hospitais de Custódia e Tratamento HCTPs e 3 Alas de Tratamente Psiquiátrico - ATPs, distribuídos em vinte estados. Os
estados do Acre, Amapá, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Roraima e
Tocantins não possuem ECTPs. Apesar de serem denominados hospitais, esses
estabelecimentos não estão inseridos no sistema de saúde, mas sim na estrutura do
19
sistema prisional. Até o ano de 2011, segundo (Diniz, 2013) haviam 3.989 homens e
mulheres internados nos hospitais de custódia ou em alas de tratamento de todo o
país.
Mais de dez anos após a aprovação da lei da Reforma Psiquiátrica brasileira,
que aborda um tratamento humanitário aos sujeitos com transtorno mental,
sugerindo o fim dos modelos manicomiais e uma nova ordem pautada na assistência
familiar e médica, apesar de lentos avanços, foi consolidado através da Lei n°
10.216/01 a criação de algumas políticas públicas voltadas às pessoas com
transtornos mentais. Por outro lado, percebe-se que quase nada mudou em relação
ao tratamento da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei, que seja
pautado em uma concepção humanitária.
Após a consolidação da Reforma Psiquiátrica, outros pressupostos legais
foram criados para que fosse possível direcionar as medidas de segurança para um
tratamento humano e qualificado a pessoa com transtorno mental e que estive em
consonância com a lei n° 10.216/01. A portaria interministerial nº 1.777/2002 dos
Ministérios da Justiça e Saúde, que instituiu o Plano Nacional de Saúde do Sistema
Penitenciário – PNSSP determina que equipes de saúde atuem nesses
estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico e ainda que suas atuações
devam ser pautadas pelas diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental, que tem
como objetivo:
[...] promover direitos de usuários e familiares incentivando a participação no
cuidado e garantir tratamento digno e de qualidade a pessoas submetidas à
medida de segurança (superando o modelo de assistência centrado no
Manicômio Judiciário), primando pelas diretrizes do SUS e da Lei Federal n.
10.216/01. (BRASIL, [2010b]).
As equipes de saúde que atuam nos presídios e penitenciárias devem ser
compostas pelos seguintes profissionais: médico; enfermeiro; odontólogo; assistente
social e auxiliar de enfermagem ou consultório dentário. O PNSSP determina ainda
que essas equipes articuladas a redes assistenciais de saúde têm como atribuições
fundamentais: o Planejamento das ações; Saúde, promoção, vigilância; e Trabalho
interdisciplinar em equipe. Pois dessa forma podem induzir mudanças significativas
no Sistema Penitenciário brasileiro, acarretando mudanças também no sistema das
medidas de segurança.
A resolução n°05/2004 do Conselho Nacional de Política Criminal
Penitenciária - CNPCP, também aborda a concepção de um tratamento da pessoa
com transtorno mental, pautado na humanização. Esse documento é composto por
dezoito diretrizes, e reitera também que os inimputáveis devem ser objetos de
política intersetorial específica, integrada com as outras políticas sociais, envolvendo
as áreas de Justiça e Saúde e que envolva diversos atores para integração da rede
de serviços. Afirmando que os estabelecimentos de custódia e tratamento do país
devem estar vinculados à rede de cuidados do Sistema Único de Saúde – SUS
adequando-se aos padrões de atendimento e aos princípios da integralidade,
equidade, gratuidade e controle social. Esse documento visava à realização e a
adequação da atenção psicossocial ofertada nos ECTPs do Brasil às pessoas que
cumprem medida de segurança, às disposições da legislação em saúde mental,
notadamente a lei n. 10.216/2001.
Analisando artigos dos anos de 2009 a 2013 sobre os Estabelecimentos de
Tratamento e Custódia Psiquiátricos no Brasil, percebe-se que os chamados
20
Hospitais de Tratamento Psiquiátrico e as Alas de Tratamento Psiquiátrico, não se
diferenciam muito ou em quase nada dos antigos manicômios judiciários. Assim
como apresentado no relatório do Observatório de Saúde Mental e Direitos
Humanos de 2009:
Pacientes nus em regiões frias, hospitais tratando de doentes mentais como
presidiários, enfermarias fechadas com grades e cadeados, hospitais sem
plantões médicos no fim de semana, alguns sem terapeutas ocupacionais, e
hospitais sem medicamentos (OBSERVATÓRIO DE SAÚDE MENTAL E
DIREITOS HUMANOS apud PEREIRA, 2013, p.242).
Um documento da Associação Brasileira de Psiquiatria, formulado após visita
a alguns Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico dos estados de São Paulo,
Amazonas, Rio Grande do Sul, Bahia, Pará, Rio de Janeiro e a Ala de Tratamento
Psiquiátrico do Distrito Federal, também identificou condições precárias desses
estabelecimentos. E encontrou características que fogem da perspectiva de um
ambiente hospitalar, assim como determina a lei em relação aos ECTPs. O
documento dispõe acerca das estruturas arquitetônicas encontradas que:
Na maioria dos casos, a organização e disposição dos espaços nos
hospitais visitados assemelham-se mais a instituições prisionais do que a
estabelecimentos terapêuticos que visem a uma reinserção social. Por
vezes a própria localização da instituição, como a ATP (Ala de Tratamento
Psiquiátrico– DF), encontrando-se dentro do território prisional, dificulta a
discriminação entre o paciente e o réu, entre o tratamento e a punição.
(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA, 2010, p. 5).
Infringindo dessa maneira, os aparatos legais aqui já citados, no caso das
estruturas físicas, principalmente o artigo 99 da Lei de Execução Penal, que
determina o tratamento das pessoas em cumprimento de medida de segurança em
estabelecimentos que sejam dotados de características hospitalares. O déficit de
recursos humanos, principalmente profissionais de saúde que são de extrema
importância para o tratamento da pessoa com transtorno mental e a falta de
medicamentos, que em muitos casos são imprescindíveis, configuram as condições
precárias do que se denomina tratamento psiquiátrico aos inimputáveis.
O relatório reproduzido a seguir, elaborado por conselheiros penitenciários,
realizado após visita oficial a um HCTP da Bahia, também se configura como um
desrespeito aos direitos das pessoas com transtornos mentais que se encontram
nesse estabelecimento.
Sendo o único Hospital do Estado da Bahia destinado a dar cumprimento às
medidas de segurança, isto é, por se tratar do único Manicômio Judiciário
do Estado, o Hospital tem como grande problema o elevado número de
paciente [sic] enviados pelas comarcas do interior do Estado, representando
ao todo cerca de 90%. Este fato é apontado pela assistente social como o
que mais dificulta a ressocialização, o contato dos internos com a família,
fazendo com que estes pacientes [sic] fiquem sem visitas e,
consequentemente, sem apoio social. Muitas vezes, quando têm alta, o
Serviço social da Unidade tem problema para desistitucionalizar o paciente,
pois, pelo fato de grande parte das vezes as vítimas serem pessoas
próximas do vínculo social (pai, mãe, filho e esposa), os parentes não
querem levá-los para casa, preferindo mantê-los no Estabelecimento.
Os desinternados de Salvador recebem tratamento ambulatorial no próprio
Hospital. As reinternações são muitas, o que pode sugerir que a
reabilitação psicossocial não é feita de forma adequada, ou que o
21
laudo psiquiátrico é feito de maneira precária.
A quantidade de peritos na casa é um dos maiores problemas da Casa,
sendo um total de três para elaboração de laudos, o que leva os pacientes
a aguardarem até 7 meses pela avaliação psiquiátrica.
Não há doente mental internado sem delito. Embora isso nos pareça
óbvio, até algum tempo atrás o Hospital era confundido com hospital
psiquiátrico regular e costumava-se internar pacientes com
transtornos mentais que não tinham cometido nenhum tipo de crime. O
índice de evasão aqui também é pequeno, e qualquer tentativa é feita pelas
portas da frente, devido ao próprio comprometimento dos internos, o
que é barrado pela portaria. (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, 2011, p.75,
grifos do autor).
Como observado no relatório acima, o número de peritos nos ECTPs é
insuficiente para atendimento da demanda, dessa forma, muitos internos esperam
quase um ano para apenas serem avaliados. O que significa que muitas pessoas
nem ali precisariam mais estar, se o prazo para execução do exame de cessação de
periculosidade fosse cumprido assim como determina a lei. Esse fato não é
exclusivo do Estado da Bahia, segundo o censo elaborado por Débora Diniz em
2011 e que visitou todos os Hospitais e Alas de tratamento psiquiátrico do país,
foram encontradas:
[...] os indivíduos internados com laudos psiquiátricos ou exames de
cessação de periculosidade em atraso, são 1.194 pessoas em situação
temporária ou em medida de segurança que não sabemos se deveriam
estar internadas. [...]
[...] 41% dos exames de cessação de periculosidade estão em atraso, o
tempo médio de permanência à espera de um laudo psiquiátrico é de dez
meses (o artigo 150, § 1o do Código de Processo Penal determina 45 dias)
e o de espera para o exame de cessação de periculosidade é de 32 meses,
7% dos indivíduos possuem sentença de desinternação e se mantêm em
regime de internação. (DINIZ, 2013, p. 16).
Esses estabelecimentos apresentam-se como mais uma forma de segregação
da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei e que não proporcionam o
tratamento adequado e necessário à pessoa com transtorno mental,
descaracterizando assim o real objetivo da medida de segurança. Forma de sanção
penal esta, que tem como foco a cessação do estado de periculosidade da pessoa
com transtorno mental e que afirma em sua proposta o tratamento a saúde mental
desse indivíduo como a melhor maneira de prevenção a reincidência no ato
infracional. Assim como afirma Pereira:
Essa medida, que recebe a alcunha de modelo “jurídico-terapêuticopunitivo-prisional”, é na verdade uma de eugenia social, visto que o interno
se submete ao regime penal, mas não terapêutico. Vira refém da própria
enfermidade e, em razão dela, abdica aos direitos de personalidade: ao não
lhe facultar o consentimento acerca dos tratamentos destinados, tortura-se e
maltrata-se psicofísica e moralmente. (PEREIRA, 2013, p. 242).
A realidade nos mostra ainda que, além desses indivíduos serem submetidos
a um sistema maquiado pela concepção de um modelo jurídico terapêutico, são
inseridos em verdadeiras prisões, e que alguns são esquecidos pelo Estado dentro
desses ECTPs, condenados a passarem mais de 30 anos enclausurados, por
diversos motivos.
Ainda há pessoas internadas em regime de abandono perpétuo: trinta anos
é o limite da pena a ser imposta pelo Estado aos indivíduos imputáveis,
22
segundo decisão do Supremo Tribunal Federal (Brasil, 2005). Entretanto, o
censo encontrou dezoito indivíduos internados em hospitais de custódia e
tratamento psiquiátrico há mais de trinta anos. Jovens, eles atravessaram os
muros de um dos regimes mais cruéis de apartação social. Idosos, eles
agora esperam que o Estado os corporifique para além dos números aqui
apresentados e reconheça-os como indivíduos singulares com
necessidades existenciais ignoradas em vários domínios da vida (DINIZ,
2013, p.13).
Na maioria desses casos, as pessoas internadas perderam seus vínculos
familiares, assim como não têm para onde irem, acabam permanecendo nos ECTPs.
O que apresenta mais um despreparo do Estado que não têm a oferecer aos
egressos dos ECTPs que por algum motivo não possam retornar às suas famílias de
origem, um local para que possam residir, ao invés de condena-los a passarem o
resto de suas vidas em ECTPs, mesmo não havendo mais nenhuma necessidade de
eles estarem ali.
Dessa forma o sistema de execução da medida de segurança no Brasil
representa uma das maiores violações aos direitos humanos das pessoas com
transtorno mental em conflito com a lei. As medidas de segurança se travestem em
uma falsa aparência terapêutica, que oculta uma atuação violenta do sistema
punitivo prisional dos estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico.
[...] o SJC, caracteriza-se por uma eficácia instrumental invertida à qual uma
eficácia simbólica (legitimadora) confere sustentação; ou seja, enquanto
suas funções declaradas ou promessas apresentam uma eficácia
meramente simbólica (reprodução ideológica do sistema) porque não são e
não podem ser cumpridas, ele cumpre, lentamente, outras funções reais,
não apenas diversas, mas inversas às socialmente úteis declaradas por seu
discurso oficial, que incidem negativamente na existência dos sujeitos e da
sociedade. (ANDRADE apud PEREIRA, 2013, p. 245).
Diante dos relatos, a medida de segurança no Brasil, apesar de ter alguns
aparatos legais que ajudem a pauta-la na concepção de um tratamento terapêutico
humanizado baseado na garantia de direito da pessoa com transtorno mental de
acordo com a lei 10.216/01, está longe de alcançar seu objetivo essencial preventivo
que vise à cessação de periculosidade do individuo que esteja submetido ao seu
cumprimento.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a história, variadas concepções da loucura foram formuladas, mas
até hoje estão ligadas a exclusão social do individuo que carrega esse estigma,
principalmente no caso do louco infrator. Ao longo desse estudo, nota-se que apesar
de alguns avanços positivos sobre a imagem da pessoa com transtorno mental no
Brasil, o país necessita ampliar seu olhar sobre essa parcela da população que
carece de Políticas Públicas mais efetivas, que sejam pautadas na concepção dos
direitos humanos e que assegure o acesso aos direitos específicos da pessoa com
transtorno mental.
Ao aprofundar as leituras sobre o tratamento dos inimputáveis que estão
submetidos ao cumprimento de medida de segurança no Brasil, a conclusão é de
que esse sistema se torna mais uma ferramenta de exclusão da pessoa com
transtorno mental que comete crimes e que mesmo sob a tutela do Estado quando
internada seja nos HCTPs ou ATPs, têm por ele seus direitos fundamentais violados
de maneira cruel, como observado nos relatos sobre a realidade existente dentro
23
desses estabelecimentos. E que se esconde por trás da ideia de um modelo de
tratamento terapêutico não punitivo, mas que submete o inimputável as mesma ou
até piores condições do sistema punitivo prisional.
Apesar das conquistas efetivadas a população com transtorno mental por
meio da lei da Reforma Psiquiátrica e pela tentativa de algumas instituições por meio
de decretos e pareceres em pautar o tratamento das medidas de segurança em
consonância e que trate de forma humana e longe de um sistema com
características prisionais, essas legislações são ignoradas pelo Estado da mesma
maneira que são as pessoas que se encontram internadas nesses ECTPs.
Essa invisibilidade da pessoa com transtorno mental em cumprimento de
medida de segurança fica mais nítida ainda quando há necessidade de pesquisar
dados como, por exemplo: quantidade de internos, quantidade de Hospitais e Alas
de Tratamento Psiquiátricos e não se têm acesso a esses dados atualizados nem
nos órgão do Estado ao qual compete a responsabilidade desses estabelecimentos.
No site do Ministério da Justiça, por exemplo, a última atualização desses dados
aconteceu no ano de 2008. Essa precariedade encontra-se também na pesquisa de
bibliografias que abordem o tema, principalmente na área do Serviço Social.
Diante desse quadro caótico, este estudo se configura como uma contribuição
à sociedade sobre a questão da inimputabilidade da pessoa com transtorno mental e
a realidade sobre o tratamento psiquiátrico e a medida de segurança no Brasil. E
espera que através dessa leitura possa despertar o interesse da sociedade, dos
órgãos competentes e da academia a fazer um estudo aprofundado sobre essa
realidade. Principalmente profissionais e acadêmicos de Serviço Social, já que o
tema fomenta discussões pautadas e defendidas pela profissão e que representa o
compromisso da categoria pela defesa dos direitos e com a garantia dos direitos
humanos.
A PERSON WITH NONIMPUTABILITY MENTAL DISORDER IN BRAZIL
Abstract:
This article is an object of study the punishment of people with mental disorders who
commit crimes in Brazil, these people are called the untouchable term. Thus this
study aims to analyze through literature the conditions to which they are subjected to
people with mental disorders who are in detention order for compliance currently in
the country. Providing a reflection about a penalty that hides behind a therapeutic
treatment model for preventive purposes, but actually consolidates in one of the most
cruel exclusion models of mental patients in conflict with the law and are sets as a
major violator of human rights, ignoring all consolidated struggles through the
Psychiatric Reform by Law 10.216 / 2001.
Keywords: Mental disorder. Safety measure. Psychiatric reform.
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