Artigo Original

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Fatores de risco para carcinoma bem
diferenciado de tireoide: análise crítica
de 463 casos
Risk factors for well-diferentiated thyroid carcinoma: critical
analisis of 463 cases
Resumo
Introdução: O câncer de tireoide corresponde a 1% de todos
os tumores malignos diagnosticados no mundo e é a neoplasia
endócrina mais frequente. Diversos fatores implicaram no risco de
desenvolver carcinoma de tireoide como a exposição ambiental
ou profissional à radiação, doença tireoidiana benigna prévia,
principalmente adenomas e bócio multinodular, fatores hormonais,
peculiaridades do ciclo menstrual e paridade, obesidade, história
familiar de câncer e ingestão de iodo e alimentos iodados.
Objetivo: Identificar variáveis que possam estar relacionadas aos
fatores de risco associados ao carcinoma bem diferenciado da
tireoide. Resultados: Foram analisados 463 pacientes, destes
422 (91,1%) eram do sexo feminino, a média das idades foi de 53
anos (variando 13 a 85 anos). Analisando os grupos segundo faixa
etária, verificamos uma maior proporção de casos de câncer bem
diferenciado nas faixas etárias menores. Hábitos como tabagismo
e etilismo atuais ou pregressos também foram estudados
conforme gráfico 4 e 5, sem serem vistas diferenças entre os
grupos. Avaliando-se o índice de massa corpórea (IMC) dos
paciente observamos um aumento da porcentagem de paciente
com Câncer bem diferenciado da Tireoide conforme o aumento
do IMC, porém, sem relevância estatística. Conclusão: O estudo
não verificou relevância estatística de tabagismo, etilismo, sexo,
imunossupressão, IMC e presença de anticorpos anti-tireoidianos
como fatores de risco para o câncer bem diferenciado da tireoide.
Em nossa casuística a proporção de câncer bem diferenciado da
tireoide foi maior em pacientes jovens.
Ricardo Penón Gonçalves 1
Fernanda Amarante Bonani 2
Ricardo Vieira Santos 3
Daniel Marin Ramos 4
Abstract
Introduction: Thyroid cancer is responsible for 1% of all
malignancies in the world and is the most frequent endocrine
tumor. Several factors have been associated with elevated risk
of well-differentiated thyroid carcinoma as the enviromental
or professional exposure to radiation, previous benign thyroid
disease as adenoma and multinodular goiter, hormonal factors,
obesity, family history of cancer and iodine ingestion. Objective:
Identify high risk factors associated with well-differentiated thyroid
carcinoma. Results: We analised 463 patients. 422 (91,1%)
women, Average age 53 (from 13 to 85 years). Analising the
groups according age, we verify a bigger proportion of welldifferentiated carcinoma in younger patients. Habits as tobacco
use and etilism were also analysed without differences between the
groups. When we analysed the body mass index (BMI) we verify
a bigger incidence among the group with bigger BMI, although
without statistic relevance. Conclusion: We did not verify statistic
relevant difference among tobacco users, etilists, bigger body
mass index as high risk factors for well-differentiated carcinoma.
The prevalence of carcinoma was bigger among younger patients.
Key words: Thyroid (USP); Thyroid Diseases; Thyroid Gland.
Descritores: Doenças da Glândula Tireoide; Neoplasias da
Glândula Tireoide; Glândula Tireoide.
INTRODUÇÃO
O câncer de tireoide corresponde a 1% de todos os
tumores malignos diagnosticados no mundo e é a neo-
plasia endócrina mais frequente1. A sua incidência tem
aumentado há vários anos em muitos países desenvolvidos, entre eles França, Alemanha, Estados Unidos e
Canadá2-5. Em parte, isso é devido a um aumento do
1 - Médico Residente.
2 - Médico Residente 4º ano.
3 - Médico Residente 3º ano.
4 - Assistente Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço HCFMUSP e Instituto do Câncer do Estado de São Paulo ICESP (Médico Assistente).
Instituição: Disciplina de Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Departamento de Cirurgia, Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Laboratório de
Investigação Médica 28 e Instituto do Câncer de São Paulo (DCCP HFCMUSP-LIM 28-ICESP).
São Paulo / SP - Brasil.
Correspondência: Ricardo Penon Gonçalves - Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 255 - Instituto Central - 8º andar - sala 8174 - São Paulo / SP - Brasil - CEP: 05403-000 - Telefone: (+55 11)
3069-6425 - E-mail:[email protected]
Recebido em 19/06/2011; aceito para publicação em 31/10/2011; publicado online em 27/02/2012.
Conflito de interesse: não há. Fonte de fomento: não há.
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Fatores de risco para carcinoma bem diferenciado de tireoide: análise crítica de 463 casos.
diagnóstico de microcarcinoma, porem o aumento da incidência de tumores maiores que 5cm, sugere que essa
não seja a única causa6,7.
Diversos fatores implicaram no risco de desenvolver carcinoma de tireoide como a exposição ambiental
ou profissional à radiação8, doença tireoidiana benigna
prévia, principalmente adenomas e bócio multinodular
9
, fatores hormonais, peculiaridades do ciclo menstrual
e paridade10,11, obesidade12, história familiar de câncer e
ingestão de iodo e alimentos iodados13.
O tabagismo e o etilismo foram implicados como fatores protetores na maioria dos estudos14,15.
Objetivamos identificar variáveis que possam estar
relacionadas aos fatores de risco associados ao carcinoma bem diferenciado da tireoide.
MÉTODO
Foram selecionados todos os paciente submetidos
à tireoidectomia em um Hospital publico de referência
em Oncologia do Estado de São Paulo no período de
17/04/2009 a 30/11/2010.
Análise retrospectiva de todos os prontuários, avaliando-se sexo, idade, hábito de tabagismo e etilismo,
comorbidades associadas, índice de massa corpórea
(definido pela razão do peso pela altura do paciente elevada ao quadrado), exames pré operatórios (anticorpos
antitireoglobulina, anticorpos antiperoxidase, hormônio
tireo-estimulante e tiroxina 4 livre).
Tabelados os fatores de risco, os pacientes foram divididos, conforme o resultado de exame anátomo patológico definitivo, em 2 grupos: pacientes com carcinoma
bem diferenciado da tireoide e pacientes sem carcinoma
bem diferenciado da tireoide. Os dados foram submetidos a analise descritiva e comparados através do teste
estatístico qui-quadrado quanto sua relevância como fa-
Gráfico 1. Divisão dos paciente conforme o procedimento realizado.
Gonçalves et al.
tor de risco associado ao carcinoma bem diferenciado
da tireoide.
RESULTADOS
Foram analisados 463 pacientes, destes 422(91,1%)
eram do sexo feminino, a média das idades foi de 53
anos (variando 13 a 85 anos). Os pacientes foram submetidos à tireoidectomia (total ou parcial), associada ou
não à esvaziamento cervical, com punção aspirativa por
agulha fina de carcinoma ou suspeita para carcinoma
(classificação de Bethesda de III a VI) (Gráfico 1).
Desse paciente, 218 (47%) tiveram exame anátomo
patológico com carcinoma bem diferenciado de tireoide
(Grupo 1) e 245 (53%) paciente com outros diagnósticos
(Grupo 2).
Os pacientes portadores de Carcinoma bem diferenciado da tireoide (Grupo 1) tiveram média de idade
de 49,6 anos com uma mediana de 49,5 anos, com 196
(89,9%) indivíduos do sexo feminino e 22(10,1%) do
sexo masculino. No Grupo 2, a média foi de 55,2 anos
e a mediana de 56 anos, com 19(7,8%) homens e 226
(92,2%) mulheres.
Analisando os grupos segundo faixa etária, verificamos uma maior proporção de casos de câncer bem
diferenciado nas faixas etárias menores (66,7 % nos menores de 20 anos, 58,3% nos entre 20 a 45 anos e 40,
5% nos acima de 45 anos, p = 0,002) (Gráfico 3). Entre o
sexo não houve diferença estatística (p=0,37).
Hábitos como tabagismo e etilismo atuais ou pregressos também foram estudados conforme Gráficos 4 e
5, sem serem vistas diferenças entre os grupos, p = 0,39
e 0,21 respectivamente.
Avaliando-se o índice de massa corpórea (IMC) dos
paciente observamos um aumento da porcentagem de
paciente com Câncer bem diferenciado da Tireoide con-
Gráfico 3. Distribuição dos casos segundo faixa etária e grupo estudados.
Gráfico 3a. Distribuição dos
casos menores de 20 anos.
Gráfico 3b. Distribuição dos
casos entre 20 e 45 anos.
Gráfico 2. Distribuição dos casos segundo grupo estudado.
24 R���������������������������������������������� Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v.41, nº 1, p. 23-26, janeiro / fevereiro / março 2012
Fatores de risco para carcinoma bem diferenciado de tireoide: análise crítica de 463 casos.
Gonçalves et al.
Gráfico 4. Distribuição dos casos segundo etilismo.
Gráfico 5. Distribuição dos casos segundo antecentes tabagico.
Gráfico 6. Distribuição dos casos segundo o IMC.
Grafico 7. Dicotomonização dos casos segundo o IMC.
Gráfico 8. Distribuição dos casos segundo imunossupressão.
Gráfico 9. Distribuição dos pacientes conforme presença de anticorpos anit tireoidianos.
forme o aumento do IMC, como demonstrado no gráfico
6, resultado, porem, sem relevância estatística (p=0,32).
Ao dicotomizar a amostra (IMC menor que 30 e IMC
maior que 30), podemos notar ainda mais esse fenômeno e o “p” cai para 0,13 (Gráfico 7).
As comorbidades avaliadas foram as passíveis de
provocar algum grau de imunossupressão nos indivíduos. Entre elas estão o diabetes melitus, pacientes em
uso de imunossupressores, pacientes imunocomprometidos e presença de outro câncer (ex . Mama, linfoma)
(Gráfico 8).
A avaliação da presença de anticorpo antitireoglobulina e antiperoxidase, foi avaliada porem obtivemos uma
perda da amostra (não há relato dos valores dos anticorpos pré cirúrgico) considerável, 13,7% no grupo com
câncer bem diferenciado de tireoide e 26% no grupo sem
câncer bem diferenciado (p =0,75) (Gráfico 9).
nados tem suspeita ou câncer de tireoide no resultado
da punção, fazendo com que nossa amostra seja restrita, podendo não representar a população geral.
Os dados do nosso trabalho sugerem que há uma
relação inversa entre faixa etária e câncer bem diferenciado de tireoide. Esse resultado pode efetivamente
demonstrar um maior risco de câncer em nódulos tireoidianos observados em paciente jovens. Entretanto como há aumento da incidência de doença nodular
tireoidiana com o aumento da idade, fazendo com que
esses pacientes apresentem maior chance de ter punção suspeita e intervenção cirúrgica, nossos resultados
podem apenas refletir maior número de indicação cirúrgica nos paciente com idade maior. Talvez um estudo
com análise multivariada correlacionando idade, resultado da punção e incidência de câncer, possa mostrar
outros resultados.
Em desacordo com dados na literatura, que sugerem
um fator protetor no etilismo e tabagismo para câncer
bem diferenciado da tireoide, não pudemos observar
essa relação. Uma análise com ênfase nesse aspecto,
que não leve em consideração apenas o hábito atual ou
DISCUSSÃO
O presente estudo foi realizado numa instituição de
referência em oncologia, onde todos os paciente selecio-
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Fatores de risco para carcinoma bem diferenciado de tireoide: análise crítica de 463 casos.
pregresso, e sim a carga tabágica e etílica, possa demonstrar essa associação.
Em concordância com outros estudos, a obesidade
está relacionada com um chance maior de câncer da tireoide, porem não conseguimos obter um significância
estatística e sim uma tendência. Possivelmente um estudo com maior número de casos possa demonstrar essa
relação.
Apesar dos dados de literatura associarem a presença de anticorpos antitireoidianos com o câncer da tireoide, o presente estudo não demonstrou essa relação. Em
parte isso pode ter sido causado pela perda significativa
de pacientes, sem coleta adequada no pré operatório.
Porem essa relação pode realmente não existir de forma
significante.
A análise de pacientes com imunossupressão não
teve relação com o câncer bem diferenciado em nossa casuística. Isso pode ter sido causado por um viés
de seleção (diferentes tipos de imunossupressão foram
avaliados em conjunto). Talvez estudo dirigido a uma
patologia específica (Eg. Ca mama) possa apresentar
resultados diferentes.
CONCLUSÃO
O estudo não verificou relevância estatística de tabagismo, etilismo, sexo, imunossupressão, IMC e presença de anticorpos anti-tireoidianos como fatores de risco
para o câncer bem diferenciado da tireoide.
Em nossa casuística a proporção de câncer bem diferenciado da tireoide foi maior em pacientes jovens.
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