UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA ANIMAL Disciplina: SEMINÁRIOS APLICADOS Repelência em artrópodes: conceitos, aplicações e perspectivas futuras Jaires Gomes de Oliveira Filho Orientadora: Drª. Lígia Miranda Ferreira Borges GOIÂNIA 2012 ii JAIRES GOMES DE OLIVEIRA FILHO Repelência em artrópodes: conceitos, aplicações e perspectivas futuras Seminário apresentado junto à Disciplina Seminários Aplicados do Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás. Nível: Mestrado. Área de Concentração: Sanidade Animal Higiene e Tecnologia de Alimentos Linha de Pesquisa: Parasitos e doenças parasitárias dos animais Orientadora: Profª Drª Lígia Miranda Ferreira Borges – IPTSP/UFG Comitê de Orientação: Profª Drª. Andréa Caetano da Silva – IPTSP/UFG Profª Drª Carla Cristina B. Louly – UNIP GOIÂNIA 2012 iii SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .............. ......................................................................................1 2. REVISÃO DE LITERATURA ...............................................................................3 2.1. IMPORTÂNCIA DOS ECTOPARASITAS.........................................................3 2.2. HISTÓRICO DOS REPELENTES.....................................................................4 2.3. PERCEPÇÃO SENSORIAL..............................................................................7 2.4. BIOENSAIOS DE REPELÊNCIA......................................................................9 2.5. REPELENTES................................................................................................12 2.5.1. Repelentes sintéticos...................................................................................12 2.5.1.1. DEET.........................................................................................................12 2.5.1.2. Picaridin....................................................................................................14 2.5.1.3. IR-3535.....................................................................................................15 2.5.1.4. Permetrina.................................................................................................16 2.5.1.5. DEPA........................................................................................................16 2.5.1.6. DMP..........................................................................................................17 2.5.1.7. Indalona....................................................................................................18 2.5.1.8. ETH...........................................................................................................18 2.5.2. Repelentes botânicos...................................................................................19 2.5.3. Semioquímicos.............................................................................................21 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................24 REFERÊNCIAS......................................................................................................26 iv LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Bioensaio da ponta do dedo.................................................................10 Figura 2 – Olfatômetro em Y..................................................................................11 Figura 3 – Bioensaio da placa de Petri..................................................................12 v LISTA DE ABREVIATURAS 2-U 2-Undecanona C.D.C. Centers for Disease Control and Prevention CE Concentração eficaz CE50 Concentração eficaz contra 50% dos carrapatos testados CE90 Concentração eficaz contra 90% dos carrapatos testados CE95 Concentração eficaz contra 95% dos carrapatos testados CE99 Concentração eficaz contra 99% dos carrapatos testados C.P.T. Complete Protection Time DMP Dimetilftalato E.P.A. Environmental Protection Agency ETH Etilhexanodiol E.U.A. Estados Unidos da América FAAF Feromônio de atração agregação e fixação U.R.S.S. União das Repúblicas Socialistas Soviéticas 1. INTRODUÇÃO As doenças transmitidas por vetores são um dos maiores problemas no atual contexto da saúde pública. Devido ao grande poder de dispersão e colonização de novos ambientes de seus vetores artrópodes, estas doenças não devem ser consideradas problemas isolados de regiões ou países. Estes vetores podem agir transmitindo inúmeros agentes patogênicos como vírus, bactérias, protozoários, riquétsias entre outros. Dois fatores principais fazem com que a população de artrópodes e consequentemente a incidência de doenças vetoriais aumentem: as mudanças climáticas globais que influenciam em seus ciclos biológicos e a interferência antrópica no nicho ecológico desses (MARCONDES, 2009; NUNES & MENDES, 2012). Tendo em vista a importância dos artrópodes ectoparasitas é importante a adoção de medidas para o controle desses. Por mais de cinco décadas o uso de parasiticidas (inseticidas e acaricidas) com bases químicas neurotóxicas tiveram grande sucesso no controle de ectoparasitas. Porém, a resistência desses artrópodes às bases químicas disponíveis no mercado vem sendo um problema cada vez mais comum (WALL, 2007). Em contrapartida ao uso dos parasiticidas, cada vez mais utilizados e recomendados são os métodos de proteção e prevenção individual como os repelentes. O uso de repelentes é recomendado como um item vital em áreas de surtos de doenças transmitidas por artrópodes, devendo ser utilizado a qualquer hora e local, principalmente em horários de pico da atividade dos vetores e ambientes externos (C.D.C., 2011). Os repelentes DEET e permetrina são compostos sintéticos que atuam sobre amplo espectro de ectoparasitas. Apesar de várias décadas desde a descoberta destes dois repelentes, até hoje eles são largamente utilizados, porém nos últimos anos várias pesquisas vêm sendo feitas sobre o uso de extratos vegetais como repelentes. Os resultados obtidos têm sido satisfatórios e já existem produtos comerciais com algumas dessas bases que são bem aceitos pelo público. 2 Uma linha de pesquisa que se mostra muito promissora trabalha com a ecologia química destes artrópodes. A ecologia química é o estudo científico das interações entre os organismos e seu ambiente, interações essas que ocorrem mediadas por estímulos químicos. Até onde se sabe os artrópodes são os seres mais afetados por estímulos químicos na natureza. Eles dependem da presença de químicos para evolução de praticamente todo seu ciclo como acasalamento, oviposição, procura de alimento entre outros (SONENSHINE, 2004; LOGAN & BIRKETT, 2007). Na natureza existem seres que naturalmente não são parasitados, esses são chamados de não hospedeiros. Basicamente estes seres são capazes de ―inibirem‖ o parasitismo dos artrópodes através da síntese e secreção de substâncias químicas voláteis (PICKET et al., 2010). O objetivo deste seminário é fazer um relato da importância e percepção sensorial dos artrópodes, bem como relatar o histórico, eficácia e ensaios de avaliação de repelentes e perspectivas futuras no uso destes compostos. 3 2. REVISÃO DE LITERATURA 2.1. IMPORTÂNCIA DOS ECTOPARASITAS Os artrópodes representam cerca de ¾ de todas as espécies animais conhecidas. Dentre esses se destacam os da classe Insecta e Arachnida que constantemente são vistos em várias formas de associação de parasitismo com seus hospedeiros podendo agir de forma permanente, intermitente, superficial e até subcutânea sobre esses (WALL, 2007). Os artrópodes ectoparasitas representam grande ameaça à saúde pública e animal, podendo agir de forma direta ou indireta sobre seus hospedeiros (PETER et al., 2005; WALL, 2007). Além do mais, levam a perdas econômicas devido a quedas no ganho de peso, danos no couro e diminuição de outros parâmetros produtivos (JONGEJAN & UILENBERG, 2004; PETER et al., 2005). Os artrópodes são importantes para a dispersão e manutenção de agentes patogênicos, podendo atuar como vetores biológicos e mecânicos. Dentre os artrópodes, os carrapatos são o grupo de vetores de maior importância, em seguida aos mosquitos da família Culicidae (Aedes spp., Culex spp. e Anopheles spp.) (MARCONDES, 2009). Estes ectoparasitas podem transmitir a seus hospedeiros inúmeros agentes patogênicos como protozoários, vírus, bactérias, nematódeos, cestódeos e filarídeos (WALL, 2007; MARCONDES, 2009). Desde o século passado o mundo passa por mudanças climáticas que são observadas no aumento de temperaturas e precipitações pluviométricas, além do aumento de eventos climáticos extremos (F.A.O., 2005; MARCONDES, 2009). As mudanças no clima influenciam a dinâmica populacional dos artrópodes, uma vez que esses são ectotérmicos (MARCONDES, 2009). O clima basicamente atua de duas maneiras: contínua, influenciando os fenômenos biológicos, e episódica, através dos eventos climáticos extremos. O aumento na população de artrópodes ocorre em função de variações climáticas continuas (NUNES & MENDES, 2012). Visto que eventos climáticos extremos, como tempestades, podem arrastar e 4 eliminar larvas de vetores de seus criatórios, o chamado efeito flushing out (MARCONDES, 2009). As influências antrópicas também são responsáveis pelo aumento da população de artrópodes e inserção de vetores exóticos em novas áreas. As expansões urbanas, de áreas agricultáveis e de pecuária criam microclimas ideais para o desenvolvimento de estágios imaturos, além de aumentar a disponibilidade de hospedeiros para os ectoparasitas (MARCONDES, 2009). Com o aumento da população de artrópodes deve se esperar maior incidência de doenças vetoriais como dengue, malária, leishmaniose, febre maculosa, doença de lyme, doença de chagas, encefalomielites virais entre outras. E até mesmo surtos dessas em áreas indenes até o momento (MARCONDES, 2009; NUNES & MENDES, 2012). Diante do exposto, fica claro que é vital o controle dos artrópodes vetores de doenças, porém o uso de parasiticidas químicos apresenta inúmeros inconvenientes. Dentre os problemas associados com o uso de parasiticidas citam-se a seleção de cepas resistentes, contaminação ambiental e de produtos de origem animal o que pode levar a efeitos adversos na população humana (PETER et al., 2005; WALL, 2007; ANDREOTTI, 2010). O surgimento de cepas resistentes de artrópodes vem sendo constatado para vários ectoparasitas de importância médica e médica veterinária. Estes ectoparasitas demonstram grande capacidade de resistência às bases químicas, principalmente quando essas são extremamente agressivas. Já foi constatado que piretroides, uma das bases químicas mais utilizadas no combate a artrópodes, não são mais eficazes ao combate de alguns dos principais ectoparasitas (JONGEJAN & UILENBERG, 2004; BORGES et al., 2007; ANDREOTTI, 2010; EDI et al., 2012). 2.2. HISTÓRICO DOS REPELENTES Para que um programa de controle de um artrópode seja bem sucedido ele deve contar com a associação de múltiplas técnicas, ou seja, ser um controle integrado (WALL, 2007). Dentre as várias técnicas de controle e prevenção de picadas de artrópodes os repelentes vêm ganhando destaque. Os repelentes têm um papel importante na proteção contra artrópodes ectoparasitas, uma vez que 5 eles podem ser usados em qualquer lugar e a qualquer momento (NENTWIG, 2003; SOARES, 2008). Podem ainda ser aplicados diretamente sobre a pele, usados sobre as peças de roupas e ainda em ambientes para prevenção de infestações (YOUNG & EVANS 1998; PETERSON & COATS, 2001). Várias definições do que seria um repelente permeiam o meio cientifico. SCHRECK (1977) define repelente como um químico que atua sobre insetos provocando um estímulo de fuga desses para longe de superfícies previamente tratadas. Segundo hipótese proposta por McMAHON et al. (2003), repelentes são compostos que atuam em fase de vapor inibindo a resposta de artrópodes a atraentes. Já deterrentes são compostos que atuam por contato inibindo a resposta a um estímulo arrestante. HALOS et al. (2012) propõem um termo que seria mais adequado ao uso em carrapatos, visto que esses são ectoparasitas de associação permanente com seus hospedeiros. O termo ‗EXPELLENCY‘ comtemplaria não apenas a prevenção do ataque, mas também a taxa em que os carrapatos cessam o contato com o hospedeiro e que o deixam. O uso de substâncias com odor forte como alcatrão e urina de animais com o objetivo de repelência, remonta aos tempos antigos. Romanos e egípcios já utilizavam essas substâncias no intuito de afastar ectoparasitas (PETERSON & COATS, 2001; NENTWIG, 2003; KATZ et al., 2008). O primeiro composto repelente a ser descoberto foi o óleo de citronela em 1901 (KATZ et al., 2008), bastante utilizado principalmente para combate de infestações por piolhos até meados de 1940 (PETERSON & COATS, 2001). Antes da segunda guerra mundial existiam apenas três repelentes sintéticos: dimetilftalato (DMP) descoberto em 1929, indalona (butil 3,3 di-hidro 2,2 dimetil 4 oxo 2H-pirano-6carboxilato) patenteado em 1937, e etilhexanodiol (ETH) descoberto em 1939. Estes três compostos mais tarde foram combinados em uma formulação para uso militar denominado 6-2-2 ou M-250 (seis partes de DMP, duas partes de indalone e duas partes de ETH) (PETERSON & COATS, 2001; BISSINGER & ROEL, 2010). A grande evolução dos repelentes sintéticos aconteceu durante a segunda guerra mundial nos Estados Unidos da América (E.U.A.) e na União das Republicas Socialistas Soviéticas (U.R.S.S.), principalmente pela necessidade de proteção dos soldados contra doenças vetoriais típicas em regiões tropicais e 6 subtropicais (YOUNG & EVANS, 1998). Neste período entre guerra e pós-guerra, de 1942 a 1949, o departamento de agricultura dos E.U.A. testou mais de 7.000 compostos com prováveis propriedades repelentes. Foi durante esse período que se formulou o DEET (N,N-dietil-3-metilbenzamida) em 1946, o qual foi registrado em 1957 nos E.U.A. junto à agência de proteção ambiental (Environmental Protection Agency/E.P.A.). Este composto é considerado até hoje um repelente de padrão ouro devido à sua eficácia contra vários ectoparasitas (BISSINGER & ROE, 2010). Ao longo dos últimos 50 anos, milhares de plantas foram examinadas para avaliação de suas possíveis propriedades repelentes ou parasiticidas. Cada vez mais aumentam as pesquisas com compostos naturais em alternativa ao uso dos repelentes sintéticos, principalmente em ensaios com dípteros da família Culicidae (NERIO et al., 2010). Nos E.U.A. a E.P.A. registrou os óleos de citronela, limão e eucalipto como ingredientes de repelentes de ectoparasitas. Estes produtos vêm tendo grande aceitação por parte dos consumidores (KATZ et al., 2008). Ainda há um grande interesse das indústrias visto que os biopesticidas, termo usado pela E.P.A., levam apenas um ano para serem registrados enquanto que produtos sintéticos podem demorar até três anos. Isto ocorre principalmente pelo fato de oferecerem menos riscos ao meio ambiente e à população humana (E.P.A., 2012). Apesar dos produtos de origem vegetal na maioria das vezes demonstrarem baixa toxicidade, é importante salientar que nem sempre serão mais seguros ou eficazes que produtos sintéticos (NERIO et al., 2010). Podem ocorrer efeitos adversos como reações alérgicas, dermatites, fotossensibilização, irritação de mucosas nasais e interações medicamentosas (TRUMBLE, 2002; NENTWIG, 2003; NERIO et al., 2010). É preciso desmistificar mensagens que são transmitidas aos consumidores como ―natural é seguro‖ e ―não contem químicos‖, visto que algumas das propriedades que são usadas como repelentes são toxinas das plantas e podem causar reações adversas nos seres humanos (TRUMBLE, 2002). Os semioquímicos são compostos químicos que atuam na comunicação entre os seres vivos, do grego semeion=sinal, ou seja, químicos da informação (AGELOPOULOS, et al., 1999; PICKETT et al., 2010). Os 7 semioquímicos são de grande importância na ecologia dos seres vivos, pois são capazes de desencadear diversos comportamentos (SONENSHINE, 2004). Os alomônios são semioquímicos portadores de informação emitidos por indivíduos de uma espécie que afetam o comportamento dos indivíduos de outra espécie em benefício do emissor, ou seja, podem mediar um comportamento de repelência na espécie receptora (AGELOPOULOS, et al., 1999; SONENSHINE, 2004; PICKETT et al., 2010). O primeiro relato de alomônios secretados por carrapatos foi de uma substância serosa rica em escaleno encontrada em Demacentor variabilis e Amblyomma americanum que atuou impedindo a predação desses por formigas de fogo (Solenopsis invicta) (YODER et al., 1993). Um repelente ideal deve oferecer proteção contra um amplo espectro de ectoparasitas por no mínimo oito horas, não ser tóxico, ou irritante, oleoso ou pegajoso e ser inodoro (BISSINGER & ROE, 2010). 2.3. PERCEPÇÃO SENSORIAL Os artrópodes orientam seu comportamento em função dos estímulos químicos (semioquímicos), físicos e térmicos que conseguem captar no ambiente (SONENSHINE, 2004). Para tanto utilizam órgãos sensoriais adaptados a essas funções, as antenas e palpos maxilares no caso dos insetos e o órgão de Haller e palpos maxilares no caso dos carrapatos. Estes órgãos possuem receptores celulares comumente denominados de sensilas, que é por onde os artrópodes detectam os estímulos (SONENSHINE, 1991; GUERIN et al., 2000; LOGAN & BIRKETT, 2007). Dentre os estímulos que os artrópodes podem perceber e orientar-se perante esses, os químicos (semioquímicos) assumem um papel de importância na ecologia destes seres. Esses podem estimular comportamentos como alimentação, oviposição, acasalamento, interrupção de hábitos alimentares entre outros (SONENSHINE, 2004; LOGAN & BIRKETT, 2007; PICKETT et al., 2010). Os semioquímicos utilizados pelos artrópodes para orientar seu comportamento de busca por alimento são os cairomônios, sendo estes inerentes ao metabolismo dos hospedeiros. Dentre os cairomônios mais conhecidos estão o CO2, ácido 8 lático, 1-octen-3-ol (octenol), amônia, ácido butírico e ácido acético (THOMAS et al., 1985; SONENSHINE, 2004; DITZEN et al., 2008). Três principais proteínas estão envolvidas no processo de percepção olfatória dos artrópodes: receptores de odores, enzimas degradantes de odores e proteínas ligantes de odores (BISSINGER & ROE, 2010). Os químicos dos odores penetram nos poros das sensilas por onde são transportados através da hemolinfa pelas proteínas, e então apresentados aos dendritos dos neurônios receptores de odores. Os neurônios receptores de odores podem ser extremamente específicos e sensíveis quando estimulados com um semioquímico. Eles conduzem a informação ao sistema nervoso central do artrópode o que o leva a desencadear um comportamento (LOGAN & BIRKETT, 2007). Os estudos sobre os mecanismos de ação dos repelentes vêm sendo realizados desde o desenvolvimento do DEET (SCHRECK, 1977). A maioria dos eventos fisiológicos e bioquímicos que desencadeiam o comportamento de repelência nos artrópodes quando estimulados por um químico, ainda permanecem desconhecidos (BISSINGER & ROE, 2010; BOHBOT & DICKENS, 2010), mas acredita-se que ambos os eventos estejam envolvidos (COATS & PETERSON, 2001). Segundo DOGAN et al. (1999), o DEET não seria um repelente e sim um inibidor. Pois depende da presença de ácido lático, atraente associado ao suor humano, para provocar a repelência. Sendo que na ausência deste estimulo associado ao hospedeiro atuou como atraente para mosquitos Aedes aegyptii. Porém o DEET é capaz de alterar a percepção não apenas de ácido lático, mas de outros cairomônios. DITZEN et al. (2008) constataram que DEET foi capaz de inibir a percepção de octenol, mas não de CO2 por Anopheles gambiae. Ambas as observações se encaixam na hipótese de McMAHON et al. (2003) de que repelente é um composto que inibe a resposta de um artrópode a um atraente. Mais recentemente em estudo realizado por BOHBOT & DICKENS (2010) foi observado que DEET, 2-undecanona (2-U), IR-3535 e Picaridin podem atuar tanto como antagonistas quanto como agonistas para os atraentes octenol e indole em A. aegyptii. No caso especifico do DEET e 2-U estes autores notaram que esses compostos eram capazes de estimular os receptores de indole e 9 octenol, respectivamente, mesmo sem a presença dos atrativos nos testes. Também foi observado que DEET e 2-U inibiam mais fortemente indole e octenol, respectivamente. Os mesmos autores relataram que a inibição mais forte do DEET por índole e de 2-U por octenol, se daria devido à similaridade das respectivas cadeias moleculares dos compostos químicos. 2.4. BIOENSAIOS DE REPELÊNCIA Existem inúmeros ensaios laboratoriais para o fim de verificação de repelência (SCHRECK, 1977). Porém, antes de se delinear um experimento para verificação da repelência é necessário levar em conta características ecológicas do artrópode e características químicas da substância a ser testada (DAUTEL et al., 1999; BISSINGER & ROE, 2010). Segundo DAUTEL (2004), os bioensaios de repelência podem ser divididos em três categorias: aqueles que utilizam hospedeiros, os que utilizam algum estímulo associado ao hospedeiro e os que não utilizam nem hospedeiros nem estímulos. Os ensaios com uso de hospedeiros são aqueles que exigem o uso de animais, geralmente de laboratório, ou de voluntários humanos. Estes ensaios por trabalharem diretamente com os hospedeiros propiciam um melhor conhecimento e até mesmo certa previsão da provável ação e interação do repelente com os hospedeiros. Contudo ao se utilizar animais que não são hospedeiros naturais, os dados obtidos podem ser apenas uma estimativa da eficácia real. Além disso, deve-se levar em conta custos de manutenção de animais, o que pode deixar os ensaios onerosos ou inviabilizá-los (SCHRECK, 1977; DAUTEL, 2004). No bioensaio de ponta do dedo, a falange proximal do dedo de um voluntário é tratada com as substâncias a serem testadas, e o artrópode é solto na falange distal (FIGURA 1). Este bioensaio é comumente utilizado em carrapatos, devido ao geotropismo negativo desses (SOARES, 2008). Para ensaios de repelência com mosquitos o uso de voluntários é comum. O antebraço tratado com a substância é inserido em câmara de alimentação e os mosquitos que se alimentam são contados durante certo período de tempo (SCHRECK, 10 1977; MIOT et al., 2004). O bioensaio em gaiola de alimentação foi desenvolvido por CHIO & YANG (2008) no intuito de se testar repelentes naturais para Aedes albopictus. Em uma gaiola de fibra de vidro com mosquitos soltos prende-se um camundongo em uma pequena gaiola com a superfície tratada e conta-se, durante 1min, quantos mosquitos pousam na superfície para tentar o repasto sanguíneo. KUMAR et al. (1992) utilizaram câmaras de alimentação de carrapatos fixadas as costas de coelhos para testar a repelência para Rhipicephalus sanguineus. Figura 1: Bioensaio da ponta do dedo Fonte: SOARES, 2008 Os ensaios que utilizam estímulos atrativos visam o estudo do exato meio de ação dos repelentes perante o estímulo utilizado (DOGAN et al., 1999; McMAHON et al., 2003), ou ainda, resultados mais confiáveis perante o incentivo dos artrópodes em se movimentar durante os testes (Dautel et al., 1999). Os estímulos que chegam aos artrópodes por via aérea são essenciais no comportamento desses (GUERIN et al., 2000). Diante disso, vários ensaios foram desenvolvidos com uso de sistemas de dispersão de vapores (olfatômetros). LOULY et al. (2010) utilizaram o ensaio no olfatômetro em Y que é um sistema de dispersão que conta com dois braços e uma haste (FIGURA 2), para ensaio de atratividade, porém constaram repelência para o extrato bruto de cães da raça Beagle. Em um dos braços passa ar que entra em contato com o tratamento e no outro braço passa ar sem contato com esse, no momento em que o artrópode escolhe o braço é verificada repelência ou atratividade. Segundo 11 DAUTEL (2004), a técnica de olfatometria com o uso do tubo em Y não é adequada, pois proporcionaria uma mistura de gases na haste fazendo com que o artrópode não diferencie entre tratamento e controle. Contudo este método vem sendo aplicado com sucesso por alguns autores (DAISY et al., 2002; RÍOSDELGADO et al., 2008). McMAHON et al. (2003) utilizaram um sistema de dispersão de ar simples, para verificar a repelência de Amblyomma variegatum mediante o uso de um atrativo, o feromônio de atração-agregação-fixação (FAAF) desta espécie, associado com repelentes. A repelência foi observada com a mudança no ângulo da trajetória dos carrapatos em direção à fonte do feromônio. A C B Figura 2: Olfatometro em Y, A; braço com ar sem tratamento, B; braço com ar tratado, C; haste (local de liberação do artrópode) Fonte: Arquivo pessoal Outro ensaio com uso de estimulo atrativo é bioensaio do objeto móvel. Este ensaio desenvolvido por Dautel et al. (1999) visa aumentar a movimentação do carrapato que será estimulado pelo calor e movimento. Neste teste o objeto tratado é colocado próximo ao carrapato e apresenta temperatura entre 35ºC e 36ºC e movimenta-se. Durante o período do teste os carrapatos que não se arrestarem no objeto serão considerados repelidos. Os bioensaios que não utilizam estímulos ou hospedeiros são feitos durante os primeiros passos dos testes de repelência, para se verificar se um produto tem poder repelente ou não. Em geral são baratos e simples, permitindo assim o teste de inúmeras substâncias em curtos períodos (DAUTEL, 2004). Dentre estes bioensaios os mais comuns são os da placa de Petri e o de escalada (carrapatos). Ambos são largamente utilizados e descritos na literatura (DAUTEL, 2004). No ensaio da placa de Petri a repelência é deduzida 12 de acordo com o número de artrópodes presentes nas áreas tratadas e não tratadas do papel filtro no interior da placa de Petri (FIGURA 3) (CARROLL et al., 2004; BISSINGER et al., 2009). No bioensaio de escalada se utiliza o comportamento de emboscada de alguns carrapatos para realização do teste, os que conseguirem atingir o ponto alto do objeto tratado não são considerados repelidos (CARROLL et al., 2004; SOARES et al., 2010a). FIGURA 3: Bioensaio da placa de Petri; C; Lado tratado com solvente (Controle); DEET; Lado tratado com repelente DEET; Círculos vermelhos; Presença de carrapatos repelidos pelo DEET. Fonte: Arquivo pessoal 2.5. REPELENTES 2.5.1. Repelentes sintéticos 2.5.1.1. DEET N,N-dietil-m-toluamida, metilbenzamida e mais conhecido comumente como hoje DEET como tem sido N,N-dietil-3empregado extensivamente por civis e militares por mais de cinco décadas, sendo aplicado diretamente sobre a pele ou sobre a roupa. Este composto químico é disponível comercialmente em várias concentrações e múltiplas apresentações como cremes e sprays (KATZ et al., 2008; BISSINGER & ROE, 2010). O tempo de proteção é proporcional à concentração da formulação, sendo que há um platô na concentração de 50% (FRADIN & DAY, 2002; SOARES, 2008). A maioria das 13 formulações comerciais encontradas hoje é de 40% ou menos (FRADIN & DAY, 2002). Por ano cerca de 30% da população dos E.UA. e 25% da população do Reino Unido fazem uso de algum tipo de produto contendo DEET em sua fórmula (BISSINGER & ROE, 2010). Durante anos de testes nenhum outro produto se mostrou tão eficaz quanto o DEET, sendo capaz de atuar contra uma grande variedade de artrópodes (SCHRECK, 1977; KUMAR et al., 1992; FRADIN & DAY, 2002; SOARES 2008). Isso faz com que o DEET seja considerado até hoje como padrão ouro dos repelentes (BISSINGER & ROE, 2010). Apesar de na maioria das vezes este químico se apresentar seguro e de baixa toxicidade, em alguns casos pode levar a reações adversas, podendo causar dermatites e até atravessar a barreira placentária (McGREADY et al., 2001; FRADIN & DAY, 2002). CARROLL et al. (2004) observaram maior sensibilidade dos carrapatos Ixodes scapularis do que de A. americanum ao DEET. Além disso, diferenças entre os comportamentos das duas espécies foram observadas. Foi verificado que os carrapatos A. americanum não cessavam seu comportamento de caminhada na placa de Petri, ou seja, os círculos tratados com ambas as concentrações de DEET (1,574 µmol/cm², 0,787 µmol/cm² e 0,394 µmol/cm²) não eram capazes de repelir esses. No entanto durante os ensaios de escalada ambos os carrapatos foram repelidos. JESENIEUS et al. (2005) testaram quatro loções comerciais contra o ataque de Amblyomma hebraeum. Uma hora após a aplicação a loção A (19,5% DEET), loção B (31,6% DEET) e loção C (80% DEET) forneciam ≥90% de repelência, enquanto que a loção D (2% DEET e 1% óleo de citronela) causou 59% de repelência. Duas horas pós-aplicação, as eficácias correspondentes foram de 77 a 89% (A, B e C) e 21% (D). SOARES et al. (2010a) testaram quatro concentrações de DEET para avaliar a repelência para ninfas de Amblyomma cajennense (0,200; 0,100; 0,050 e 0,025 mg.cm2) A CE50, CE90 , CE95 e CE99 na primeira hora foram 0,006, 0,025, 0,036 e 0,075 mg.cm2, respectivamente. Além disso, 30% dos carrapatos testados morreram 1h após entrarem em contato com o composto. Isso mostra uma grande efetividade do DEET sobre a essa espécie de artrópode. 14 MIOT et al. (2004) relataram que ao se tratar o antebraço de voluntários com uma solução de DEET à 50% o intervalo até a primeira picada era de 3600s, demonstrando que esse composto é extremamente eficaz contra mosquitos Aedes spp.. PAGE et al. (2009) utilizaram armadilhas de captura de culicídeos para testar a eficácia de DEET, óleo de citronela e cipermetrina contra os dípteros desta família. Foi observado que armadilhas preparadas com DEET apresentavam um número significativamente menor de culicídeos. 2.5.1.2. Picaridin Picaridin (2-(2-hidroxietil)-1-piperidinocarboxílico1-metilpropil), também conhecido como Icaridin ou KBR-3023, é um repelente que foi patenteado em 2005 junto a E.P.A.. É um composto químico da família das piperidinas possui baixa toxicidade e atua contra uma vasta gama de artrópodes (E.P.A., 2005). O picaridin apresenta varias características desejáveis a um repelente como: ser inodoro, incolor, não pegajoso ou mesmo oleoso (KATZ et al., 2008). Em teste de repelência o picaridin mostrou eficácia contra mosquitos A. albopictus, Culex nigripalpus e Ochlerotatus triseriatus. Quando comparado o tempo médio de repelência com o DEET, o picaridin a 10% fornecia uma repelência comparada ao DEET a 7%, porém menor que a do DEET a 15%. As diferenças nos resultados podem ser atribuídas principalmente pela diferença nas concentrações dos produtos em teste, porém devem-se levar em conta outros fatores como formulações químicas que podem interferir com a atividade do composto químico do repelente, concentração de principio ativo disponível entre outras (BARNARD & XUE, 2004). Ao tratar voluntários com DEET e picaridin CARROLL et al (2010), notaram que a proporção de carrapatos A. americanum repelidos em tratamentos de picaridin spray a 20% e DEET creme a 33% eram estatisticamente semelhantes. Ambos os tratamentos foram capazes de fornecer proteção significativa contra os carrapatos testados. 15 2.5.1.3. IR-3535 O IR-3535 ou EBAAP (acetato de butil acetil-aminopropionato) é um repelente sintético, porém seu registro conta como biopesticida, devido a ser uma molécula sintética derivada do ácido amino-beta-alanina, e sua semelhança com a molécula natural β-alanina (CARROLL, 2008; BISSINGER & ROE, 2010). Foi projetado no início da década de 70, e comercializado na Europa desde então. Chegou aos E.U.A. em 1999 e atualmente está disponível no mundo inteiro em mais de 150 produtos (CARROLL, 2008). Em avaliação de formulações de IR-3535, picaridin e DEET (25%) contra Ochlerotatus taeniorhynchus, BARNARD et al. (2002) demonstraram que o tempo completo de proteção para estes compostos era de 5,6h(DEET)>5,4h(picaridin)>3h(IR-3535). Em testes com A. aegypti foi constatado que loções de picaridin e IR3535 proviam até 95% de proteção por até seis e quatro horas, respectivamente. Foi ainda constatado que sprays de IR-3535 a 10, 15 e 20% proviam 95%de proteção durante seis horas sendo o mesmo tempo de proteção que o spray de picaridin a 20%. Estes resultados demonstraram que o IR-3535, é capaz de assemelhar o tempo de proteção de picaridin, principalmente em apresentações voláteis como sprays (NAUCKE et al., 2007). CARROLL (2008) realizou ensaios com mosquitos e carrapatos I. sacapularis utilizando aplicações em voluntários de loções (10%), spray e aerossol (20%) de IR-3535. Durante os testes foi observado que a campo o aerossol proporcionava proteção completa pelo tempo (Complete Protection Time/CPT) de 9,8 horas contra mosquitos, enquanto que loção e spray apenas 8,5 e 8,4, respectivamente. Para os carrapatos I. scapularis foi obtido a maior proteção completa com spray, que apresentou um tempo de CPT de 12,2 horas, enquanto que loção e aerossol apresentavam 9,1 e 11 horas, respectivamente. O CPT foi obtido através do tempo que os artrópodes levavam para realizar o primeiro ataque sobre áreas tratadas. Sugerindo assim que este produto pode ser usado como um repelente de amplo espectro e alta durabilidade. 16 2.5.1.4. Permetrina A permetrina é um piretroide sintético de terceira geração bastante utilizada e disponível em várias formulações e teve seu registro concedido junto à E.P.A. em 1979 (YOUNG & EVANS, 1998). A permetrina fornece proteção contra inúmeros artrópodes, porém, esta proteção se dá principalmente devido à sua toxicidade em vez de repelência, propriamente dita (BISSINGER & ROE, 2010). Ela age pelo bloqueio da bomba de sódio nas células nervosas através da inibição de adenosina trifosfatase e a acetilcolinesterase no receptor ácido gaminobutirico, levando o artrópode a paralisia (KATZ et al., 2008). A permetrina possui diversas formulações e utilizações como uso em plantações para combate de pragas, aplicações em roupas, telas e mosquiteiros, inseticidas, até tratamentos contra escabioses e pediculoses (BROWN & HEBERT, 1997; BISSINGER & ROE, 2010). O uso inadvertido sobre a pele de formulações com concentrações inadequadas pode levar a efeitos neurotóxicos como tremores, perda de coordenação e até paralisia temporária (KATZ et al., 2008). O uso da permetrina como inseticida vem apresentando grandes problemas no controle de mosquitos transmissores da malária, visto que esses já se apresentam resistentes a essa base (EDI et al., 2012). A eficácia de permetrina à 65% na repelência e no controle de Phlebotomus perniciosus foi comprovada em laboratório. Foi verificado que cães tratados apresentavam uma taxa de ataque por estes mosquitos significativamente menor que cães não tratados até o 36º dia. Ainda avaliou-se a taxa de mortalidade destes mosquitos que foi significativamente maior nos que se alimentaram nos cães tratados até o 36º dia (MOLINA et al., 2012). 2.5.1.5. DEPA DEPA (N, N-dietil-2-fenil-acetamida) foi desenvolvido praticamente na mesma época que o DEET (BISSINGER & ROE, 2010) e apresenta praticamente mesma eficácia, porém com menor tempo de proteção (KUMAR et al., 1992; KUMAR et al., 1995). Devido ao seu baixo custo por kg, quando comparado ao 17 DEET, torna-se uma opção viável em países em desenvolvimento (BISSINGER & ROE, 2010). Na Índia, DEPA tem sido usado como repelente padrão devido à falta de ácido 3-metilbenzoico, composto necessário para a fabricação de DEET (KUMAR et al., 1992; KUMAR et al., 1995; BISSINGER & ROE, 2010). KUMAR et al. (1992) trataram coelhos com 0,3 mL de DEET à 25% e obtiveram >90% de repelência contra larvas, ninfas e adultos de R. sanguineus, 15, sete e cinco dias após o tratamento, respectivamente. Também trataram galinhas com 0,3 mL de DEET à 25% e obtiveram >90% de repelência, contra larvas, ninfas e adultos de Argas persicus, 11, cinco e três dias respectivamente. Coelhos também foram tratados com DEPA à 25% e foi observada uma taxa de repelência >90% contra larvas, ninfas e adultos de R. sanguineus até 15, cinco e três dias após o tratamento, respectivamente. Galinhas que passaram pelo mesmo tratamento apresentaram >90% de repelência para larvas, ninfas e adultos de A. persicus até sete, cinco e três dias, respectivamente. Quando os mesmos animais foram tratados com DMP à 25% apresentaram resultados significativamente menores em tempo de proteção. Também comparando a atividade de repelência entre DEET, DEPA e DMP, KUMAR et al.(1995) observaram a repelência desses para percevejos (Cimex lectularius). Os dois primeiros causaram uma repelência de 85,0% e 73,0%, por até duas horas e 52% e 42% por até seis horas, respectivamente. Porém o DMP foi incapaz de ter atividade repelente significativa sendo sua atividade de apenas 17 a 20%. Estes resultados demonstram que o DEPA é um repelente com uma atividade desejável, e que seu padrão de repelência se aproxima ao do DEET podendo ser usado como alternativa ao uso desse, mantendo um custo beneficio efetivo (KUMAR et al., 1992; KUMAR et al., 1995). 2.5.1.6. DMP Dialkil phtlato (dimetil 1,2-benzenedicarboxilato), hoje chamado de dimetilftalato foi primeiramente desenvolvido como solvente sendo largamente utilizado entre as décadas de 40 e 80 para a proteção individual contra artrópodes. Foi utilizado principalmente contra moscas e posteriormente 18 recomendado também contra mosquitos. Durante anos foi usado como repelente padrão em países em desenvolvimento que atualmente usam DEPA (BROWN & HEBERT, 1997; BISSINGER & ROE, 2010). KHOOBDEL & JONAIDI (2007) compararam quatro formulações repelentes à base de DMP para Anopheles stephensi. Eles notaram que ao medir o tempo de proteção apenas a formulação com 31,7% (concentração mais baixa) de DMP apresentava resultados significativamente menores que as demais. 2.5.1.7. Indalona Indalona é classificada como um repelente de contato, pois apresenta pouca volatilidade. O artrópode precisa de entrar em contato com a superfície tratada ou mesmo tocá-la com seus palpos, órgãos onde se encontram sensilas gustatórias, para ser repelido. Por ser pouco volátil e apresentar maior repelência em situações de contato, foi um dos repelentes considerados como ideais para uso contra carrapatos (SONENSHINE, 1991; BROWN & HEBERT, 1997; LOGAN & BIRKETT, 2007; BISSINGER & ROE, 2010). Sendo assim pode ser considerado como um deterrente, pois causa uma resposta de parada no comportamento de alimentação do artrópode (McMAHON et al., 2003). Em seus ensaios de repelência McMAHON et al. (2003), utilizaram o FAAF de A. variegatum, como estimulo atraente para este carrapato e DEET, permetrina, IR-3535 e indalona como repelentes. Eles conseguiram verificar que Indalona foi o único produto capaz de reduzir, mesmo que parcialmente, a atração de A. variegatum pelo feromônio. Segundo hipótese estabelecida por estes autores, Indalona seria o único dos quatro químicos que poderia constar de algum poder repelente para o estimulo atraente apresentado, o FAAF. Porém isso não significa dizer que os outros três químicos não tem eficácia em evitar o parasitismo de carrapatos desta espécie, apenas não atuam de modo a evitar que esses percebam o estimulo atraente em questão. 2.5.1.8. ETH Etilhexanodiol também conhecido como Rutgers 612, assim como o DMP foi primeiramente desenvolvido como um solvente e posteriormente 19 descobriu-se sua atividade repelente (BISSINGER & ROE, 2010). O Rutgers não pode ser mais encontrado no mercado, mas seu principio ativo o 2-ethil-l,3hexanediol pode ser visto em várias composições de repelentes comerciais. A E.P.A. adverte ao público o risco do uso dos produtos contendo essas formulações durante o período de gestação (BROWN & HEBERT, 1997). Alguns repelentes além de provocarem o comportamento de repelência nos artrópodes possuem efeito toxico para essas espécies, podendo ser letais (PRIDGEON et al., 2009). Isso fica claro principalmente em trabalhos de avaliação com a permetrina (MOLINA et al., 2012) e recentemente em avaliação de repelência de DEET para A. cajennense (SOARES et al., 2010a). PRIDGEON et al. (2009), em avaliação da toxicidade de repelentes para culicídeos, definiram que os repelentes DEET, picaridin, IR-3535, DMP e Rutgers 612 poderiam atuar de forma letal sobre mosquitos A. aegypti, na dosagem de 5.40 µg/mg. Com base nos resultados obtidos por estes autores, eles elaboraram a seguinte ordem de toxicidade estes repelentes: DEET>picaridin>IR-3535>Rutgers 612>DMP. 2.5.2. Repelentes botânicos Os extratos de plantas possuem uma mistura de inúmeros compostos responsáveis por causar o comportamento de repelência dos artrópodes. Entre estes compostos se destacam os hidrocarbonetos (terpenos, monoterpenos e sequiterpenos) e compostos oxigenados (álcoois, ésteres, éteres e fenóis). A composição do extrato das plantas pode variar de acordo com a localização geográfica e até clima da área em que se encontra a planta. Os gêneros de plantas mais comumente pesquisados são Cymbopogon spp., Eucalyptus spp. e Ocimum spp. (NERIO et al., 2010). THORSELL et al. (1998) testaram óleos essenciais e extrato de Achillea millefolium para repelência em Aedes spp. em testes laboratoriais e de campo. O óleo de eucalipto e o extrato de A. millefolium apresentaram taxas de repelências próximas as do DEET tanto nos testes laboratoriais quanto nos testes em campo. Entretanto o extrato de A. millefolium não teve atividade repelente contra Ixodes ricinus, mas o óleo de citronela demonstrou boa atividade repelente por até oito horas para este carrapato (THORSELL et al., 2006). CHIO & YANG 20 (2008) testaram extratos das sementes e folhas de Chenopodium amaranticolor a concentrações de 5% e observaram taxas de repelência de 96,43% e de 95,96%, respectivamente para A. albopictus. TUNÓN et al. (2006) testaram alguns compostos extraídos de folhas de Artemisia abrotanum (Asteraceae) e do óleo da flor de cravo (Dianthus caryophyllum), para repelência em mosquitos A. aegypti e carrapatos I. ricinus. Eles observaram atividade repelente significativa dos compostos Eugenol e álcool tuljil de A. abrotanum, e nos compostos álcool fenetil, β-citronellol, coumarin e álcool cinamil de D. caryophyllum. Os compostos em questão apresentaram uma atividade repelente próxima à atividade de DEET. No caso específico de A. abrotanum os autores sugerem, apesar da maior eficácia na repelência ter sido encontrada no composto eugenol, que esse não seja usado, visto que a literatura descreve casos de toxicidade desse. SOARES et al. (2010b) observaram altas taxas de repelência dos extratos de Cymbopogon nardus, Hyptis suaveolens, Ageratum conyzoides e Chenopodium ambrosioides para ninfas de A. cajennense. O extrato de C. nardus foi capaz de repelir 90% das ninfas por até 35h. O composto repelente 2-undecanona (metil-nonil-cetona), isolado originalmente das hastes e folhas do tomateiro selvagem (Lycopersicon hirsutum) foi registrado pela E.P.A. em 2007 como repelente comercial (BISSINGER et al., 2009; BISSINGER & ROE, 2010). O composto 2-U se mostrou significativamente mais repelente que o DEET, em testes de comparação dos dois compostos para repelência dos carrapatos A. americanum, D. variabillis e I. scapullaris. O composto botânico em teste demonstrou uma grande eficácia, visto que sua concentração era dez vezes menor que a testada para DEET (BISSINGER et al., 2009). Estes resultados são diferentes dos encontrados por outros autores que verificaram poder repelente significante de compostos botânicos, porém com diminuição das concentrações eficazes (CE). A diminuição de CEs é notada sempre que se precisa aumentar a concentração do prinicipio ativo, para se obter repelência significante (SOARES et al., 2010b). 21 2.5.3. Semioquímicos Sem duvida os artrópodes são as espécies animais que têm os seus comportamentos mais influenciados pela percepção de compostos químicos. O estudo da ecologia química de artrópodes vem evoluindo rapidamente nos últimos anos, com inúmeras descobertas de compostos que podem desencadear comportamentos para esses (LOGAN & BIRKETT, 2007). Os semioquímicos tem uma vasta aplicação e já vêm sendo utilizados durante alguns anos contra pragas de lavouras (PICKETT et al., 1997; AGELOPOULOS et al., 1999). O uso de semioquímicos pode revelar um novo caminho no controle de ectoparasitas. Tendo em vista que os artrópodes baseiam praticamente toda sua ecologia em estímulos químicos, torna-se claro o potencial do uso destes estímulos para o controle de populações de ectoparasitas (SONENSHINE, 2004). Os feromônios são os semioquímicos mais amplamente estudados e sua atuação é intraespecífica. Os alomônios e os cairomônios atuam de forma interespecífica, sinalizando estímulos negativos e positivos, respectivamente, a seus receptores (AGELOPOULOS et al., 1999; SONENSHINE, 2004). Os alomônios uma vez identificados e isolados poderão ser usados para induzir comportamento de repelência nos artrópodes. Dentre os alomônios estão substâncias extraídas de espécies animais que não são naturalmente infestadas por parasitos, ou seja, não hospedeiras e substâncias extraídas de hospedeiros que naturalmente apresentem cargas parasitárias menores que indivíduos da mesma espécie. Estes hospedeiros teriam competência para suprimir infestações parasitárias, por serem capazes de produzir maior quantidade de compostos voláteis (PICKETT et al., 2010). A Aethia cristatella um pássaro planctívoro do pacífico norte sintetiza um composto odorante cítrico durante sua fase de maturidade sexual, basicamente constituído por aldeídos. Este composto demonstra grande importância no ciclo social e sexual do pássaro, visto que parceiros sexuais podem ser escolhidos baseados na presença deste composto odorífero. Os pássaros que apresentam maior quantidade de aldeídos são naturalmente selecionados para acasalamento e ao se socializarem podem transmitir os compostos repelentes para outros membros do grupo através de unção, 22 comportamento de ―esfregar-se‖ uns aos outros (Alloanointing). Dentre estes aldeídos estão o octanal que demonstra grande atividade (>93%) repelente para ninfas de A. americanum e de Ixodes uriae. O composto total dos aldeídos também demonstra atividade repelente contra mosquitos A. aegypti comparada à atividade de DEET, encontrada por FRADIN & DAY (2002) (DOUGLAS et al., 2004; DOUGLAS et al., 2005; DOUGLAS, 2008). Dermanyssus gallinae vulgarmente conhecido como ácaro vermelho possui hábitos noturnos e se alimenta em pássaros, podendo levar a prejuízos na produção avícola de até 40%. O pato doméstico não é um hospedeiro natural para este parasita, recentemente descobriu-se que isso se deve ao fato da síntese de um alomônio na glândula uropigial deste animal, identificado como bis (2-etihexil) e adipato (2,2,4-trimetil 1,3 pentanediol-diisobutirato). Ao se testar este composto in vintro em peles de galinha e de patos percebeu-se significante redução da alimentação durante o período de teste na pele das galinhas. Ainda durante os testes in vivo o composto demonstrou ser eficaz ao reduzir a mortalidade em lotes de pintos submetidos a infestações (PAGEAT, 2005). Cães da raça Beagle são mais resistentes a infestações por carrapatos R. sanguineus, e ainda demonstram a capacidade de adquirir resistência a sucessivas infestações quando comparados com cães da raça Cocker (INOKUMA et al., 1997; LOULY et al., 2009). Extratos brutos extraídos da pele de cães Beagle mostraram maior repelência em testes de olfatometria quando comparados com extratos de cães da raça Cocker (LOULY et al., 2010). Posteriormente com o uso de cromatografia gasosa de alta resolução, foi observada consistência entre os perfis cromatográficos de três cães da raça Beagle utilizados por LOULY et al. (2009) e LOULY et al. (2010). Estes cromatogramas continham um maior número de compostos químicos do que o cromatograma obtido de Cockers. Portanto, estes resultados se encaixam na hipótese de PICKETT et al. (2010) que uma espécie hospedeira resistente é capaz de sintetizar compostos voláteis que suprimem a infestação por ectoparasitas. Os testes devem seguir a fim de esclarecer esta provável repelência dos compostos identificados nos Beagle, através de ensaios de repelência (BORGES et al., 2011). 23 A exploração dos semioquímicos pode render novos produtos naturais com propriedades repelentes. As propriedades dos semioquímicos que induziriam a repelência poderiam ser mais seguras e eficazes, visto que são substâncias ubiquitárias e espécie específicas (DOUGLAS et al., 2005; PICKETT et al., 2010). 24 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Antes de tudo é preciso entender a repelência como um comportamento, independentemente do estimulo que a desencadeie. Os químicos podem agir inibindo seletivamente comportamento de busca por hospedeiros e assim causando a repelência, essa seria a chamada inibição sensorial seletiva, mais comum e mais estudada. Porém existem outros fatores que levam a repelência do artrópode como estimulo dose dependente, alguns compostos quando em concentrações altas ao invés de causarem efeito de atração podem levar até ao comportamento de fuga devido ao excesso de estimulo que causam nos receptores. Os ensaios com varias concentrações de químicos e vários artrópodes é necessário, visto que alguns artrópodes podem apresentar certa tolerância a alguns químicos. Como visto em A. americanum, A. variegatum e A. haebreum que se mostraram tolerantes a certas concentrações de DEET e/ou alguns tipos de ensaios, sugerindo que este gênero de carrapato poderia ser tolerante a tratamentos com este químico. Porém A. cajennense se mostrou extremamente sensível a tratamentos com este químico, apresentando ainda um efeito knockdown em 30% da população testada por SOARES et al. (2010a). O uso de substâncias botânicas vem assumindo uma parcela importante no mercado atual de repelentes (TRUMBLE, 2002). Isto ocorre principalmente devido a alguns conceitos embutidos como os de que ―se é natural não faz mal‖. No entanto, é preciso ter em mente dois conceitos básicos de repelentes botânicos: as mesmas substâncias que têm atividades repelentes são compostos químicos e podem causar reações adversas; a concentração eficaz de um repelente botânico em geral é mais alta que a de um sintético, assim sendo haverá mais principio ativo o que poderá levar a uma reação adversa. Porém apesar de algumas ressalvas quanto a produtos de origem botânica, esses se mostram uma alternativa ao uso de acaricidas químicos. Alguns destes compostos como 2-undecanona já se apresentam disponíveis no mercado e inclusive com concentrações eficazes maiores que de alguns repelentes sintéticos. Outros compostos botânicos que demonstram grande atividade repelente ainda precisam de maior teste como coumarin, álcool tujil e β- 25 citroneloll, inclusive testes de toxicidade, tendo em vista que os autores que as identificaram sugerem o uso dessas visto que na literatura ainda não há relatos de efeitos adversos causados por essas. O controle de artrópodes fitófagos (pragas de lavouras) já vem sendo feito com uso e estudo dos semioquimicos há alguns anos. Este método vem demostrando excelentes resultados uma vez que é uma tecnologia limpa, são compostos ubiquitarios e que fazem parte da evolução dos artrópodes (WELDON, 2010), dificultando assim que esses adquiram resistência a esses. É interessante destacar que animais não hospedeiros são menos intensamente parasitados devido à produção de compostos repelentes (alomônios). A identificação e utilização destes compostos em animais normalmente parasitados (hospedeiros) parece ser uma alternativa eficaz ao uso de parasiticidas químicos que vêm causando transtornos como poluição do ambiente, acumulo de resíduos em produtos de origem animal e surgimento e aumento de cepas resistentes. O estudo destes compostos deverá seguir linhas de pesquisas como as que já são realizadas para os demais repelentes sintéticos e botânicos, de toxicidade e testes in vivo para sua aplicabilidade. O uso dos alomônios como prováveis repelentes é uma alternativa segura e eficiente, visto que se trata de compostos ubiquitários e espécie específicos. 26 REFERÊNCIAS 1. AGELOPOULOS, N.; BIRKETT, M. A.; HICK, A. J.; HOOPER, A. M.; PICKETT, J. A.; POW, E. M.; SMART, L. E.; SMILEY, D. W. M.; WADHAMS, L. J.; WOODCOCK, C. M. Exploiting semiochemicals in insect control. Pesticide Science, Oxford, v. 55, p. 225-235, 1999. 2. ANDREOTTI, R. 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