1 13/07 MODALIDADES LINGUÍSTICAS: O RELACIONAMENTO DO LOCUTOR COM SEU ENUNCIADO NAS RECEITAS CULINÁRIAS 1 Denise Maria Moura da Silva Lopes 2 (Universidade Federal do Piauí/ FAPEPI) RESUMO Analisaremos neste artigo, o papel dos modalizadores linguísticos como elementos de representação da subjetividade em blogs e colunas de receitas de revistas de culinária, visto que os modalizadores mostram o grau de comprometimento do locutor com seu enunciado. Nosso objetivo é perceber como as modalidades linguísticas aparecem no gênero receita e que influências têm na distribuição dos papéis dos participantes da situação de comunicação. Para tanto, faremos uma discussão acerca do conceito de modalidades linguísticas, que pode ser encontrado tanto em sentido amplo, abrangendo as modalidades da frase, como em sentido restrito, prendendo-se aos verbos modais, a partir de Le Querler (1994) e Neves (2006). Como base para as discussões no campo da enunciação, utilizaremos o quadro formulado por Benveniste (1989) acerca do Aparelho Formal da Enunciação e as contribuições de Flores e Teixeira (2005) no campo da subjetividade. Resultados: A partir da análise das modalidades linguísticas presentes nas receitas culinárias pudemos verificar que é possível descrever de que forma esse gênero se comporta e como os papéis sociais são distribuídos dentro dele e que o tipo de interação estabelecida entre o enunciador e seu interlocutor encontra-se bem marcado nas receitas através dos marcadores modais. Além disso, verificamos que a modalidade deôntica, por estar ligada à conduta, está presente em todas as receitas e exerce um papel de suma na importância na determinação dos lugares de cada componente da situação de comunicação. PALAVRAS - CHAVE: Enunciação; Modalidades Linguísticas; Receitas. INTRODUÇÃO A característica principal de blogs e colunas de revistas é o posicionamento do locutor frente a determinado assunto. Assim, escolhemos receitas publicadas em blogs, colunas de revistas de culinária e matérias de revistas especializadas para analisar os tipos de marcadores modais utilizados pelos locutores na relação com seus enunciados. Iniciaremos com uma discussão acerca do quadro formal da enunciação, proposto por Benveniste em seu trabalho sobre o Aparelho Formal da enunciação. Em seguida, abordaremos o posicionamento de alguns autores sobre a subjetividade na linguagem. Toda 1 2 Trabalho apresentado no 13º Congresso Brasileiro de Língua Portuguesa do IP/PUC-SP Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Comunicação e Linguagem pela mesma instituição. Mestranda em Letras pela UFPI. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí. Email: [email protected]. 2 essa discussão dará base para a discussão que segue sobre as modalidades, categoria estudada por diversos campos, e que na lingüística ganhou forca no campo enunciativo. Veremos que autores como Palmer (1986), Goossens (1985), Perkins (1983) e Klinge (1996), adotam algumas variações em suas classificações, mas que todos reconhecem a importância da figura do sujeito enunciador na definição das marcas explicitas ou implícitas de sua presença no enunciado. Por fim, checaremos nas receitas culinárias de que forma as modalidades lingüísticas estão presentes e de que formam organizam a comunicação entre os parceiros da situação comunicativa, definindo os lugares que cada um deve ocupar. 1. Enunciação e subjetividade Émile Benveniste (1989, p.82), no texto “O aparelho formal da enunciação”, discorre acerca da enunciação, que o autor conceitua como “o colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”, ou seja, como o ato de produzir um enunciado através de um locutor que toma a língua como instrumento. A partir deste conceito de enunciação, Benveniste propõe uma discussão acerca do quadro formal de sua realização, que leva em consideração o ato de enunciar (o processo de apropriação da língua para a produção dos enunciados), a situação em que a enunciação se realiza e os instrumentos utilizados pelo locutor para sua realização. Benveniste introduz, então, três elementos que considera como fundamentais na enunciação: a figura do locutor, que coloca a língua em funcionamento num processo de apropriação; um alocutário, para quem o locutor se dirige; e a referência, processo pelo qual é possível significar. Ao definir a existência do locutor e também do alocutário como fundamentais para a existência da enunciação, Benveniste deixa claro que a subjetividade é inerente à enunciação. Esses dois elementos marcarão a presença dos sujeitos nos enunciados, possibilitando através da referência significação para o que é dito. O emprego da língua vincula-se, portanto, ao individual, liga-se diretamente ao locutor, e é este, em sua relação com a língua que determinará os caracteres lingüísticos da enunciação, marcando a subjetividade na linguagem. A enunciação vai estar marcada dentro do enunciado através das posições assumidas pelos participantes, pelo enunciador que se designa como eu e por seu alocutário a quem designa tu, posições essas que podem 3 se alternar. Percebe-se, desse modo, que é a análise da enunciação que vai fornecer os elementos necessários para uma comunicação efetiva entre os parceiros. Possenti (1988, APUD Oliveira, 2000, p.55) também considera a subjetividade inerente à linguagem, presente, por isso, nos enunciados. “O simples fato de falar [...], por exigir a escolha de certos recursos expressivos, o que exclui outros, e por instaurar certas relações entre locutor e interlocutor [...], já indica a presença da subjetividade na linguagem.” Flores e Teixeira (2005) também partilham o pensamento de que a subjetividade caminha junto ao enunciado. Mesmo que o estudo da enunciação não se centre no sujeito, num primeiro momento, por força de explicitação teórica, o dizer de eu instaura a noção de subjetividade. Teoricamente, a noção de subjetividade é noção necessária e, daí, anterior à noção de intersubjetividade. (FLORES, 2008, p.52) Dessa forma, tomando a subjetividade como inerente ao processo comunicativo, não há como falar em modalidades lingüísticas, ou seja, do relacionamento do locutor com seu enunciado, sem antes deixar claro o que entendemos por subjetividade. Tratá-la-emos no sentido abordado por Benveniste, como a presença do locutor no seu enunciado. Flores (2008) reforça esse posicionamento ao entender que se a enunciação é considerada como referência, pode-se dizer que a modalização é um indicador de subjetividade, já que vai revelar, no enunciado, uma postura do sujeito enunciador. 2. Modalidades linguísticas Refletir sobre modalidade na linguagem pode ser uma tarefa delicada devido à multiplicidade de formas existentes de abordagem. Os lógicos tratavam as modalidades pelo viés do possível e do necessário, ligadas às condições de verdade. Já os lingüistas vão se preocupar com o enunciador, ou melhor, com o relacionamento do falante com aquilo que diz. Benveniste, ao tratar das modalidades lingüísticas, as restringe aos verbos modais, dando aos verbos poder e dever o estatuto de modalisantes por excelência e aos verbos ir, querer, precisar e desejar, o estatuto de modalisantes por ocasião. No entanto, há autores como Brunot e Bally onde a concepção das modalidades é mais abrangente, englobando diversas categorias gramaticais e atitudes do locutor com relação ao enunciado. 4 Coracini (2007,Apud Carvalho,2009, p.18) conceitua modalidade como “a expressão da subjetividade de um enunciador que assume com maior ou menor força o que enuncia, ora comprometendo-se ora afastando-se, seguindo normas determinadas pela comunidade em que se insere”. Com posicionamento semelhante encontramos Le Querler (1994), que define a modalidade como expressão da atitude do locutor em relação ao conteúdo do seu enunciado. E propõe uma classificação das modalidades organizada em torno do sujeito enunciador: modalidades subjetivas, modalidades intersubjetivas e modalidades objetivas. Para Le Querler (1994) as modalidades subjetivas expressam a relação entre o locutor e seu enunciado e engloba as modalidades epistêmica e apreciativa. Na modalidade epistêmica o locutor exprime seu grau de certeza ou incerteza em relação ao que diz. Já a modalidade apreciativa vai exprimir a apreciação do locutor com respeito ao que enuncia, sua aprovação ou não. No caso das modalidades intersubjetivas, o que o locutor expressa é sua relação com outro interlocutor através do enunciado. Aqui o locutor usa o enunciado para dar uma ordem, um conselho, uma sugestão ou pedir que alguém faça algo. Faz parte da modalidade intersubjetiva a modalidade deôntica que exprime uma autorização, ordem, conselho ou permissão do locutor em relação ao seu interlocutor. Existem também as modalidades objetivas que não dependem nem da vontade nem do julgamento do locutor. As modalidades implicativas pertencem a essa categoria. São consideradas por Le Querler, como pertencentes à modalidade implicativa as frases que expressam relações de condição, oposição, consequência, enfim, relações de subordinação, como em “Ele saiu, mas voltou”. Neves (2006) faz um apanhado de autores que adotam classificações diferentes quanto às modalidades lingüísticas como Palmer (1986), Goossens (1985), Perkins (1983) e Klinge (1996) e opta por resumi-las na visão de Klinge (1996), ou seja, as modalidades serão classificadas em epistêmica, vinculada à crença do falante a respeito de uma proposição; deôntica, relacionada aos conceitos de permissão e obrigação; e dinâmica, que envolvem a volição e a habilidade. Neste estudo, optaremos pela divisão encontrada em Le Querler (1994), por ressaltar o relacionamento do sujeito enunciador não só com seu enunciado, mas com seu 5 interlocutor. Veremos que é baseado neste relacionamento entre os parceiros no processo de comunicação que as receitas culinárias se sustentam e se efetivam. 3.O gênero receita Atualmente o termo gênero encontra-se bastante difundido. No entanto sua utilização indiscriminada acaba por deixar o conceito com excesso de variações de interpretação, orientação e estruturação na literatura existente. Neste artigo entenderemos gênero na visão de Mikhail Bakhtin (2003), ou seja, como tipos relativamente estáveis de enunciados que encontramos em nosso dia-a-dia. Relativamente estável por que apesar de cada enunciado particular ser individual, eles adquirem uma estabilidade relativa ao gênero ao qual pertencem, seguem regras próprias àquele gênero. Segundo Bakhtin, aprendemos a organizar nosso discurso através dos gêneros do discurso, que fornecerão as pistas necessárias para que determinada situação de comunicação se realize. Logo, a escolha de um gênero de discurso é determinada em função da especificidade de uma dada esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática, dos parceiros envolvidos numa situação. As receitas culinárias são um tipo de gênero que se enquadram na categoria dos textos prescritos, ou seja, textos que contêm informações sobre o modo de realizar algo, instruções sobre como proceder. Logo, têm como característica o uso de verbos no imperativo, que expressam sua função de guiar. Sua estrutura organizacional é quase sempre a mesma: ingredientes e modo de preparo, trazendo ainda elementos adicionais como o tempo de preparo ou a quantidade de calorias. No tocante ao seu aspecto enunciativo, a receita sempre traz um locutor, a pessoa que está ensinando a preparar determinado alimento e um interlocutor, aquele que busca aprender. As marcas lingüísticas da enunciação podem ser vistas através dos verbos no imperativo e dos modalizadores que revelam a presença do locutor. Assim, somos levados a crer que a modalidade deôntica tem papel crucial no gênero receita, mas é necessário perceber que outras modalidades estão presentes no gênero e como se relacionam entre si. 6 4. Metodologia de análise Os suportes nos quais as receitas são veiculadas são de grande importância na determinação do tipo de interação desenvolvida entre os parceiros da comunicação. Além do gênero utilizado, o suporte marcará algumas características peculiares de cada meio. Portanto, para perceber de que forma as modalidades lingüísticas marcam a subjetividade nas receitas faremos uma análise comparativa entre receitas extraídas de blogs e de revistas de culinária, percebendo assim se essas características são estáveis e, portanto pertencentes ao gênero, ou se possuem variações de acordo com o suporte utilizado. A análise das modalidades lingüísticas nas receitas de blogs e de revistas também servirá para perceber as relações que se estabelecem entre os interlocutores através das receitas em cada suporte. Utilizaremos como invariáveis na comparação o uso do imperativo, das 1ª e 2ª pessoa do singular e dos advérbios de modo. A análise incidiu sobre as receitas do blog Miss Slim e Culinária Leve, e em receitas retiradas da revista Cláudia Cozinha, especializada em culinária. 5. As modalidades nas receitas Como a função principal do gênero receita é instruir alguém a preparar um alimento, os verbos no imperativo vão exercer um papel de destaque, marcando a relação entre o locutor e seu interlocutor, que ora estão em níveis hierárquicos diferentes, ora no mesmo nível. Pudemos notar em todas as receitas analisadas o uso do verbo no imperativo, marcando uma relação, na maioria das vezes, desigual entre o enunciador, que detém o conhecimento, e seu interlocutor que busca esse conhecimento. Como no exemplo a seguir, retirado do blog Culinária leve. Misture tudo e coloque por 30 segundos no microondas na potência máxima. Coloque no bolo ainda quente. Enfeite a gosto. Se preferir, corte em fatias para servir. Pode servir este bolo com sorvete. Perelman e Olbrechts-Tyteca (Apud Le Querler,1994) chamam esta modalidade marcada pelo imperativo, a modalidade da ordem, de modalidade injuntiva. Ela é marcada não só pelos verbos no imperativo, mas também pela força persuasiva do enunciado. Essa força persuasiva depende da relação que existe no enunciado entre locutor e interlocutor. 7 Podemos verificar nas receitas a modalidade injuntiva, ou deôntica para Le Querler, no momento das instruções sobre o modo de preparo. Mas o uso de verbos no imperativo não marca apenas ordens ou instruções. Em certas passagens, eles podem ser tomados como sugestões ou opiniões do enunciador. A passagem “Sirva com licor ou vinho do Porto”, encontrada na receita de Tortinhas de chocolate e café da coluna Invenções da Bettina subtende que o locutor tem a intenção de sugerir e não ordenar. Reescrita de outra forma poderia encaixar-se na categoria apreciativa, como em “Na minha opinião o prato fica mais saboroso servido com licor ou vinho do Porto”. Outro item observado foi a presença dos advérbios de modo que são freqüentes nas receitas culinárias. No corpus analisado foram encontrados em todos os exemplares. “Achate ligeiramente” (Salgadinhos de queijo), “Leve ao forno quente (200 C) préaquecido por uns 35 minutos, ou até que a massa esteja levemente dourada” (Tortinhas de chocolate e café), “Vá misturando tudo devagarinho até borbulhar”( Bolo de chocolate light e vegano) trazem algumas marcas da modalidade deôntica explicitas através dos advérbios de modo somados aos verbos no imperativo. A ausência dessas marcas, advérbios de modo, não extinguiria a modalidade deôntica da oração. No entanto, sua presença acentua a subjetividade presente nas receitas. Outra marca deôntica é o uso da segunda pessoa. Os verbos, nas receitas, quase em sua totalidade, estão conjugados na 2ª pessoa do singular, fato que evidencia uma relação de intersubjetividade. Nas receitas este uso serve para aproximar o locutor do seu interlocutor, fazendo-os dividir o mesmo espaço discursivo. Além disso, o uso do verbo na 2ª pessoa do singular no modo imperativo serve também para generalizar o interlocutor, ou seja, o texto não é direcionado para uma pessoa real, mas para um co-enunciador ideal, uma pessoa qualquer em busca de receitas para preparar determinado alimento. Ex: Coloque em uma caneca ( 10cm de altura x 9 cm de diâmetro) com capacidade para 300ml, o ovo e bata com um garfo. Acrescente o óleo, o adoçante, o leite, o achocolatado e bata mais. Acrescente a farinha e o fermento e mexa delicadamente até incorporar. Leve por 3 minutos no microondas na potência máxima. Já o uso da 1ª pessoa do singular fica restrito aos blogs, onde a estrutura das receitas tem maior flexibilidade. Na receita publicada no blog Miss Slim (Bolo de chocolate light e vegano) podemos verificar o uso da primeira pessoa como elemento 8 contestador, ou seja, usado para discordar da orientação dada, e também como elemento complementador. Bolo de Chocolate Light e Vegano Ingredientes: . 1 chávena e 1/2 de farinha . 1 chávena de açúcar (usei frutose, que coloquei a olho e fui provando até estar doce) . 1/4 de chávena de chocolate light em pó . 1 colher chá de fermento Royal . 1/2 colher chá de sal (usei flor de sal, uma pitada só) . 1/3 de chávena de óleo vegetal . 1 colher chá de extracto de baunilha . 1 colher chá de vinagre branco (usei vinagre de Framboesas) . 1 xícara de água Ao utilizar nos ingredientes “usei frutose, que coloquei a olho e fui provando até estar doce” o enunciador discorda do que disse anteriormente “1 chávena de açúcar”, uma manifestação da modalidade apreciativa. Na mesma receita o enunciador faz uso da primeira pessoa do singular seis vezes para marcar sua posição frente ao que dizia, marcando mais uma vez a subjetividade através da modalidade apreciativa. Essa marca subjetiva está mais presente nos blogs, por suas características próprias que privilegiam a opinião do locutor. Não encontramos o uso da primeira pessoa nos exemplares de receitas retirados de revistas culinárias, revelando também características peculiares daquele meio de comunicação, que preza pelo distanciamento, ou seja, pela minimização das marcas deixadas pelo enunciador de sua presença no enunciado. Após a análise das categorias imperativo, advérbio de modo e uso das 1ª e 2ª pessoa do singular, pudemos perceber que as receitas apresentam algumas peculiaridades de acordo com o suporte em que estão. O uso da 1ª pessoa do singular, por exemplo, se restringe aos blogs, onde há uma maior flexibilidade. Em relação ao contexto de produção, encontramos em todos os blogs analisados o enunciador da receita, no caso, o blogueiro que postou aquela receita. Já nas receitas encontradas nas revistas, apenas aquelas que estão em colunas tem seu autor/enunciador revelado. O destinatário é o mesmo independente do suporte. Trata-se de pessoas que desejam aprender a preparar determinada comida. No entanto o local de publicação difere, sendo os blogs publicados em mídia eletrônica e as revistas em mídia impressa. 9 Do ponto de vista da enunciativo também encontramos algumas diferenças entre receitas em blogs e revistas. Nas revistas o texto tende a ser impessoal com o uso abundante da segunda pessoa do singular. Já nos blogs as receitas são mais subjetivas e trazem em seu corpo a presença marcada do enunciador com o uso da primeira pessoa do singular. O uso do imperativo e de advérbios de modo são constantes nos dois suportes, o que indica serem marcas do gênero receita. Bem como a seleção lexical que comporta nomes de alimentos e temperos, adjetivos e locuções adjetivas especificas como quente, médio, e verbos específicos de atividades culinárias tais como misturar, bater, colocar, etc. CONSIDERAÇÕES FINAIS Através da discussão sobre o conceito de modalidades lingüísticas, vimos que os autores não são homogêneos quanto à classificação desta categoria, mas todos atribuem um papel importante ao relacionamento do enunciador com seu enunciado. E a partir da análise das modalidades lingüísticas presentes nas receitas culinárias é possível descrever de que forma o gênero se comporta e como os papéis sociais são distribuídos dentro dele. O tipo de interação estabelecida entre o enunciador e seu interlocutor encontra-se bem marcado nas receitas através dos marcadores modais. O uso de verbos no imperativo deixa bem claro que os interlocutores não estão no mesmo nível hierárquico. O detentor do saber é quem dá as orientações, cabendo ao interlocutor o papel de aprendiz e subordinado ao enunciador, que por vezes, concede ao leitor um estatuto de igual. A modalidade deôntica, por estar ligada à conduta, está presente em todas as receitas e exerce um papel de suma na importância na determinação dos lugares de cada componente da situação de comunicação. Como vimos, o uso do imperativo, na maioria das vezes revela uma marca da modalidade deôntica, mas não é seu único determinante, nem se limita a ela. Em alguns casos, esses verbos podem apontar para a modalidade apreciativa, como no exemplo apontado anteriormente, em que “Sirva com licor ou vinho do Porto”está mais para uma apreciação ou sugestão que para uma ordem. Por fim, devemos ter sempre em mente que a linha que separa as modalidades lingüísticas é muito tênue e que em muitas situações haverão modalidades imbricadas umas nas outras. 10 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAKHTIN, Mikhail, Estética da Criação Verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Pena, 2003. BENVENISTE, Émile. Problemas de Lingüística Geral I. Tradução de Maria da Glória Novak e Maria Luiza Néri. 2 ed. Campinas, SP: Pontes, 1988. BENVENISTE, Émile. O aparelho formal da enunciação. In Problemas da Lingüística Geral II. Campinas, SP: Pontes, 1989. CARVALHO, Ivo Sodré de. Marcas de modalidade epistêmica em textos opinativos orais. Dissertação (Mestrado) – Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Piauí, 2009. CASTILHO, Ataliba e Célia Castilho. Advérbios modalizadores. In Gramática do Português Falado. Org. Rodolfo Ilari. 2 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993. Culinária leve, disponível em http://culinarialeve.blogspot.com/2008/07/bolo-de-canecadiet-light.html, acesso em janeiro de 2010. FLORES, Valdir do Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à Lingüística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2005. FLORES, Valdir do Nascimento; SILVA, Silvana; LICHTENBERG, Sônia; WEIGERT, Thaís. Enunciação e Gramática. São Paulo: Contexto, 2008. LE QUERLER, Nicole. Typologie des modalités. Université de Caen, 1996. NEVES, Maria Helena de Moura. Texto e Gramática. São Paulo: Contexto, 2006. Miss slim, disponível em http://receitaslightmissslim.blogspot.com/, acesso em janeiro de 2010. OLIVEIRA, Nubiacira Fernandes de. Mecanismos de manifestação da subjetividade no texto argumentativo. In Procedimentos discursivos na fala de Natal: uma abordagem funcionalista. Natal: EDUFRN, 2000.