ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 O HELENISMO E SEUS ASPECTOS MÁGICOS NO DE MYSTERIIS ÆGYPTIORUM DE JÂMBLICO DE CÁLCIS Ivan Vieira Neto1 INTRODUÇÃO As conquistas de Alexandre Magno e a ascenção do Império Romano foram os principais processos históricos possibilitadores das interações culturais entre as distintas sociedades que se desenvolveram às margens do Mediterrâneo e regiões circunvizinhas. Sistemas filosóficos e religiosos outrora restritos aos limites políticos e geográficos nos quais floresceram as antigas civilizações, a partir do expansionismo greco-romano, doravante participavam de uma nova ordem estabelecida, no interior da qual integravam uma estrutura administrativa que se organizava a partir de um centro político comum. Uma vez que tais sociedades estavam submetidas à égide imperial, havia a necessidade de relacionar-se diplomatica e economicamente com o centro administrador e, por conseguinte, com as demais regiões agregadas sob a administração comum. Este contato, por seu turno, impunha a interação política e cultural entre populações antes isoladas, facilitando o seu entendimento mútuo e favorecendo o surgimento de uma cultura ideal e sincrética, processo que os historiadores A. Momigliano, A. J. Toynbee e Paul Petit denominaram “helenização”. Embora as sociedades mediterrânicas mantivessem suas culturas individuais, participavam em um quadro mais amplo da “cultura helenística”. Iniciada por Alexandre Magno da Macedônia, a cultura helenística teve o seu apogeu com o advento do Império Romano. Se extrapolarmos a afirmativa da relação heliocêntrica estabelecida entre o Imperador e seus clientes, podemos considerar a cidade de Roma, capital do Império, como o centro solar sobre o qual este sistema estava 1 Ivan Vieira Neto é mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Goiás. Desenvolve o projeto de pesquisa intitulado O paganismo neoplatônico de Jâmblico de Cálcis: a influência religiosa na filosofia tardo-antiga (sécs. III e IV d.C.), sob orientação da Profa. Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves. Bolsista CAPES. Contato: [email protected] 124 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 estabelecido, em torno do qual giravam as regiões e populações subordinadas àquela ordem imperial. Impondo a sua própria cultura às regiões sob o seu domínio, a sociedade romana praticava a interpraetatio latina, ressignificando as influências culturais (principalmente gregas) segundo seu mos maiorum, o que deu início à romanização da cultura helenística. Foi neste contexto histórico, baseado nas tradições helenístico-romanas, que o neoplatonismo surgiu em Alexandria, a partir das concepções do grego Amônio Saccas. Seu principal discípulo e precursor da filosofia neoplatônica propriamente dita foi o egípcio Plotino de Licópolis. Este filósofo estendeu os ensinamentos de Amônio e concebeu as doutrinas sobre as quais se basearam os neoplatônicos posteriores. O seu principal discípulo foi Porfírio de Tiro, descendente da nobreza helenizada daquela região. Um dos prediletos de Plotino, Porfírio organizou os ensimanetos do mestre e os editou sob a forma canônica pela qual a obra do mestre é conhecida: as Enéadas. O seu principal discípulo foi o celessírio Jâmblico de Cálcis, filósofo que rompeu com o neoplatonismo de seus antecessores e associou a filosofia às religiosidades provinciais e às práticas mágicas das províncias helenístico-romanas. É sobre as diferenças entre a filosofia de Jâmblico e o neoplatonismo dos mestres Plotino e Porfírio que pretendemos discutir brevemente nesta comunicação que hoje apresentamos aos participantes do Congresso Internacional de Religião, Mito e Magia no Mundo Antigo do Núcleo de Estudos da Antiguidade da UERJ. O NEO PLATONISMO Influenciado pelos sincretismos religiosos, que se tornaram bastante comuns a partir do século I d.C., o neoplatonismo surgiu no Egito (especificamente em Alexandria) como um sincretismo filosófico. Este pensamento filosófico propunha uma nova abordagem das doutrinas de Platão, indo de encontro a algumas concepções aristotélicas, tradições herméticas e sincretismos helenísticos. Um dos primeiros a conceber a confluência entre estas esferas filosóficas e religiosas tão diferentes foi Amônio Saccas, um grego cristão que, segundo os relatos de Porfírio, ao conhecer a filosofia pagã 125 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 abandonou sua fé, sua família e sua cidade natal para ensinar as doutrinas de Platão e Aristóteles, as quais ele compreendia não como opostas (como era comum naquele contexto) mas como complementares. Porfírio afirma que foi justamente tal concepção de uma complementaridade entre as idéias destes dois grandes filósofos gregos que primeiramente chamou a atenção de Plotino para o então nascente neoplatonismo. O filósofo Plotino de Licópolis ficou conhecido como o precursor da filosofia neoplatônica especialmente pela formulação das chamadas três hipóstases plotinianas (ou três princípios ontológicos). Suas concepções acerca do Hen (Uno), do Noûs (Intelecto Superior) e da Psykhê (Anima Mundi, ou “alma das almas”) constituíram a base do neoplatonismo posterior. Seus sucessores no neoplatonismo antigo partiam destes três princípios para explicar as suas próprias concepções filosóficas. Os ensinamentos de Plotino foram compilados e escritos por seu discípulo Porfírio, uma vez que o mestre recusava-se a ordenar ou escrever as suas exortações. Esta proximidade fez com que as opiniões de Porfírio sobre a filosofia neoplatônica não se afastassem das concepções de Plotino. Entretanto, o mais célebre aluno de Porfírio, Jâmblico de Cálcis, não hesitou em afastar-se dos ideais de seus mestres, seguindo um raciocínio bastante diferente das doutrinas que o precederam. Enquanto os primeiros preocuparam-se com uma filosofia moralizante como os antigos filósofos gregos, Jâmblico levou suas concepções filosóficas ao encontro das religiões não-oficiais do Mediterrâneo, trazendo para a sua obra as concepções sincréticas, ritualísticas e salvacionais dos antigos cultos mistéricos, bem como a magia praticada nas províncias. As Hipóstases de Plotino partiam do Parmênides de Platão e compreendiam uma série de emanações desde o mundo inteligível até o mundo sensível: a partir do Hen (Supremum Bonum), passando pelo Noûs (Intellectus), até a Psykhê, (Anima Mundi), da qual se originaram as almas individuais que se encontram no mundo material. Entretanto, na filosofia de Jâmblico havia ainda uma divisão inteligível/sensível entre as almas individuais que emanavam da Alma do Mundo: no alto estavam os deuses e as almas heróicas, a meio caminho dos dois planos alguns espíritos e os daimones, enquanto os gênios e as almas humanas estavam situados no plano mais baixo. 126 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 A vida dos filósofos neoplatônicos fundamentava-se em uma busca meditativa e racional pela auto-elevação, cujo fim último era alcançar um estado de êxtase contemplativo chamado hénôsis. Esse êxtase espiritual constituía um encontro entre o homem e a divindade suprema: Hen, a Primeira Hipóstase. Ao contemplarem o Uno, esses filósofos eram capazes de abandonar momentaneamente a sua existência sensível e participar da existência perfeita no mundo inteligível. A experiência pessoal do hénôsis trazia ao filósofo um conhecimento real da Verdade e do Belo neoplatônicos, que são as mais perfeitas manifestações do Uno. A sacralidade desse êxtase místico deve-se ao fato dele acontecer ao filósofo em uma dimensão metafísica, em um lugar sagrado dentro dele mesmo, além do tempo e do espaço. Exatamente por essa razão, a experiência do hénôsis não era um evento ordinário garantido a qualquer filósofo ou adepto do neoplatonismo e só acontecia através da meditação. A contemplação da Primeira Hipóstase plotiniana era o fim último de uma longa jornada de reflexão e interiorização que exigia dos filósofos uma imersão total nos valores e virtudes do pensamento neoplatônico. O principal objetivo desses homens era encontrar em suas meditações um entendimento dos princípios imutáveis que regiam a sua existência humana no mundo sensível. O hénôsis pressupunha fundamentalmente uma preparação individual por meio de uma vida de ascese e da interiorização, mas também seria preciso submeter-se a uma kathársis para a purificação do corpo e da alma, a fim de eliminar tudo quanto fosse indigno à experiência com o Absoluto. O encontro com o Uno constituía uma experiência de epifania do sagrado, portanto apenas aqueles que estavam realmente preparados poderiam experimentar essa vivência: segundo o relato de Porfírio, Plotino experimentou o êxtase quatro vezes durante a sua vida, enquanto o próprio Porfírio apenas uma vez. Mas Jâmblico insistiu que, além da preparação pessoal e da purificação propostas por Plotino, a experiência do hénôsis também não seria possível sem a prática da teurgia, um ritual místico de invocação dos deuses a partir de elementos da natureza. De acordo com essa perspectiva, além de sábios e espiritualizados os filósofos também precisariam se 127 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 converter numa espécie de sacerdotes (teurgos), preparados para proceder à mistagogia (ritualização) sagrada para conseguirem evocar os deuses e alcançar o êxtase. De uma maneira ou de outra, a ascese neoplatônica era um caminho difícil de ser percorrido, e somente aqueles que tivessem suficiente preparação poderiam encontrar-se com o Uno no íntimo do seu ser. Essa experiência era reservada aos grandes sábios, como se fossem iniciados nos mistérios da Antiguidade (ULLMANN, 2002: 136). A sacralidade do êxtase místico afastava da sua experiência os filósofos que não estivessem preparados para experimentá-lo, bem como as multidões que não poderiam compreender a sua complexidade, importância e seriedade. OS CULTOS DE MISTÉRIOS Os ritos iniciáticos e cultos de mistérios surgiram como alternativas às religiões oficiais das sociedades situadas às margens do Mediterrâneo antigo, mas de nenhuma maneira tais cultos se opunham às religiões das cidades. Pelo contrário, existiam como formas de complementação das crenças oficiais e ajudavam na manutenção da ordem social interna e permitiam a coexistência de diferentes sistemas religiosos através do sincretismo. Mas os mistérios, para além de sua característica agregadora, adquiriram também um significado pessoal para os indivíduos que neles se iniciavam. Segundo o historiador alemão Walter Burkert, esses cultos assumiam a função de responder às expectativas e temores da população em relação à sua vida e, especialmente, no que dizia respeito ao seu destino post-mortem (BURKERT, 1991: 97). Largamente difundidos por todas as regiões do Império, os mistérios de Ísis, Deméter e Mitra (dentre outros) tornaram-se cada vez mais necessários. Aquilo que ofereciam, a aproximação com a divindade, exercia um poder tranquilizador sobre as angústias populares. A iniciação transmitia a segurança, em tempos de incertezas religiosas, de um destino favorável após a morte, uma vez que os interditos e condutas 128 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 morais prescritos pela divindade fossem devidamente observados e praticados. Os mistérios reestabeleciam a relação de troca entre a conduta humana e os favores divinos, pelo que a iniciação se tornava uma “conciliação” com o sagrado. Outras alternativas às religiões oficiais, que ofereciam uma perspectiva menos esperançosa e mais devotada ao bem, foram o que podemos chamar de “as antigas filosofias do espírito”. Sua principal característica era um sistemático ceticismo em relação às ações divinas, que às vezes tendiam para um declarado ateísmo. Resolvemos chamá-las de “filosofias do espírito” porque a sua preocupação maior estava relacionada à moralidade humana, tendo seus adeptos nobremente se dedicado a evitar as vicissitudes que afastavam o homem de seu caminho justo e encaminhá-lo à verdadeira bondade. Não pretendemos insistir nessa generalização, mas podemos afirmar que o cinismo, o epicurismo e o estoicismo eram algumas dessas filosofias. Ao mesmo tempo surgiram cultos mais radicais, como o orfismo, prescrevendo a vida ascética como única forma de libertação para uma humanidade cujo futuro estava desacreditado. A principal preocupação de religiosidades como o orfismo foi romper a “metempsicose”, o círculo de encarnações ao qual a humanidade estava condenada. Para tanto o único meio possível era a ascese, a renúncia dos prazeres terrenos, a fim de encontrar a paz espiritual após a morte. Entre os órficos e pitagóricos era comum a abstinência sexual e o vegetarianismo. Essa preocupação com o destino no além refletia uma idéia (comum a quase todas essas religiosidades), influenciada pelas religiões orientais, sobre uma constante degeneração que levaria a humanidade à extinção. Essas expectativas escatológicas tornaram mais populares as religiosidades soteriológicas, que ofereciam aos devotos uma forma de assegurar a sua salvação após a morte ou após o fim da humanidade. Em sua reforma do neoplatonismo de Plotino e Porfírio, o celessírio Jâmblico absorveu muito do que era ensinado e praticado em tais doutrinas e filosofias. Indiscutivelmente, as religiosidades e filosofias provinciais foram as maiores influências no neoplatonismo do filósofo calcidense. Entretanto, juntamente com os ensinamentos das religiosidades provinciais, a filosofia de Jâmblico absorveu também as suas práticas mágicas e instituiu a sua ritualidade no interior do neoplatonismo tardo-antigo. 129 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 O NEOPLATONISMO MÁGICO DE JÂMBLICO As únicas formas de magia comumente aceitas em Roma, e mesmo assim praticadas apenas oficialmente, eram a interpretação dos augúrios e a auruspicina, herdadas dos ancestrais mitológicos dos romanos. Todas as outras práticas eram proibidas. Segundo a análise do inglês A. A. Barb, em artigo publicado no livro El conflicto entre el paganismo y el cristianismo en el siglo IV, organizado por A. Momigliano, aquilo a que chamamos magia advém da religião, é uma forma de relação com os deuses corrompida pela fragilidade humana. Se por um lado o homem religioso se submete humildemente à divindade, por outro o mago intenta submetê-la a fim de realizar o que deseja e evitar o que teme (BARB, 1989: 118). Por sua vez, os gregos acreditavam que havia duas formas de magia, as quais podemos definir como “magia branca” e “magia negra”. A primeira era a teurgia de Jâmblico, que consistia em invocação das divindades a fim de obter os seus favores, enquanto a segunda, chamada magia goética, era temida por invocar espíritos malfazejos, fazer feitiços de amor ou de amarração e conjurar maldições, doenças e mesmo a morte para os inimigos do seu praticante (BARB, 1989: 118-119). E para responder à questão de uma magia legitimada pela filosofia tardo-antiga de Jâmblico de Cálcis, encontramos um apontamento muito interessante nas análises de Barb. Consoante sua interpretação, quando o paganismo e o cristianismo entraram em conflito, ambos legitimaram a magia e a existência de todas as suas entidades mágicas. Se por um lado o paganismo considerava o cristianismo a mais detestável das superstições orientais, por outro o cristianismo acreditava na presença inequívoca dos anjos e demônios, confimando a existência de todos os espíritos invocados pela magia pagã (BARB, 1989: 121). O neoplatonismo de Jâmblico, assim, estabeleceu uma relação entre a filosofia e espíritos cuja existência já estava legitimada tanto pelos pagãos quanto pelos cristãos. 130 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 Muito mais próximo das religiosidades provinciais que qualquer outra filosofia, o neoplatonismo de Jâmblico de Cálcis propunha que tais espíritos estavam situados em uma hierarquia, a meio caminho entre os deuses e os homens, admitindo no neoplatonismo um conjunto de espíritos que eram apregoados pela magia. Além disto, declarou que esses espíritos podiam ser impelidos pelo filósofo a atender às suas vontades através da teurgia: O teurgo dá ordens aos poderes cósmicos graças à força dos símbolos inefáveis, não como um homem nem como quem se serve de uma alma humana, mas, como se estivesse já no nível dos deuses, recorrendo a ameaças superiores à sua própria essência (JÂMBLICO, De mysteriis. L. VI, 5). A filosofia de Jâmblico e a teurgia por ela expressada foram largamente aceitas entre as populações das províncias, mas a maior aceitação foi entre os próprios filósofos, já que os círculos dos quais os sucessores dos neoplatônicos das escolas da Síria e de Atenas participavam provavelmente desfrutaram, também, das soluções que esta filosofia mística oferecia. O neoplatonismo era um novo meio de culto e de encontro com as antigas divindades, pois ao praticar a teurgia os filósofos (e demais adeptos) buscavam aproximarse das antigas divindades através de ritos e orações, que há muito não se lhes devotavam: O tempo que se dedica a elas (as orações) nutre nosso intelecto, deixa a nossa alma muito mais ampla para acolher aos deuses, revela aos homens as coisas dos deuses, acostuma-os às centelhas da luz, aperfeiçoa pouco a pouco o que há em nós para o contato com os deuses (JÁMBLICO, De mysteriis. L. V, 26). A filosofia de Jâmblico, após um longo processo de esfacelamento dos cultos oficiais, apresenta-se, enfim, como uma nova forma de religiosidade. Através da teurgia o homem tardo-antigo romano poderia vivenciar novamente o paganismo tradicional, experimentando por meio da filosofia helenística de Jâmblico a sua própria religião ancestral, tal como era praticada nos primórdios da expansão romana. 131 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 CONCLUSÃO Confrontado por um contexto histórico em que o paganismo e as instituições tradicionais perdiam espaço para a crescente cristianização, Jâmblico levantou sua voz contra o avanço da nova religião. Enquanto os seus sucessores Plotino e Porfírio importavam-se apenas com a “panfletagem” contra os cristãos e continuavam a linha filosófica dos antigos gregos, Jâmblico ousou aliar filosofia e religiosidade na constituição de uma nova doutrina que respondesse aos anseios espirituais de seu tempo. Associando o neoplatonismo aos cultos mistéricos e às práticas mágicas ritualizadas, o filósofo de Cálcis conseguiu reacender as chamas do paganismo helenísticoromano e agregar adeptos em torno do seu ideal de manter vivas as tradições ancestrais. Esta postura diante dos eventos que se sucediam durante os anos em que viveu renderam a Jâmblico um reconhecimento por parte de todos os filósofos posteriores como um dos últimos e mais importantes bastiões do antigo paganismo. Grandes interessados no ressurgimento do paganismo e da cultura greco-romana clássica, como o Imperador Juliano e Marsílio Ficino, sempre recorreram às suas obras na esperança de encontrar, em suas palavras, a autoridade necessária para confirmar a importância da antiga religião para o pensamento ocidental. 132 ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIÃO MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO & IX FÓRUM DE DEBATES EM HISTÓRIA ANTIGA 2010 DOCUMENTAÇÃO TEXTUAL IAMBLICHUS. On the mysteries. Translated by Thomas Taylor. London: Chiswick Whittingham, 1821. JÁMBLICO. Sobre los misterios egipcios. Traducción de Enrique Ángel Ramos Jurado. Madrid: Gredos, 1997. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDO, Clifford. Roman Religion. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2003. BARB, A. A. La suprevivencia de las artes mágicas. In: MOMIGLIANO, Arnaldo (Org.). El conflicto entre el paganismo y el cristianismo en el siglo IV. 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