FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos Capítulo 6 – FLUXO DE CALOR 6.1. Introdução O vulcanismo, a actividade sísmica, os fenómenos de metamorfismo e de orogenia, são alguns dos fenómenos que são controlados pela transferência e geração de calor. De facto, o balanço térmico da Terra controla a actividade na litosfera, na astenosfera assim como no interior do planeta. O calor que chega à superfície da Terra tem duas fontes: o interior do planeta e o sol. A energia proveniente do sol e recebida pela Terra é cerca de 4x102 J, por segundo e por metro quadrado. Uma parte desta energia é reenviada para o espaço. A energia proveniente do interior do planeta é de aproximadamente 8x10-2 J, por segundo e por metro quadrado. Se se aceitar que o sol e a bioesfera têm mantido a temperatura média, à superfície do planeta, com pequenas flutuações (15-25ºC), então o calor proveniente do interior do planeta tem condicionado a evolução geológica do mesmo, isto é, tem controlado a tectónica de placas, a actividade ígnea, o metamorfismo, a geração de cadeias montanhosas, a evolução do interior do planeta incluindo a do seu campo magnético. 6.2 Lei de Fourier para a condução de calor A condução de calor é regida pela lei de Fourier que estabelece que o fluxo de calor proporcional ao gradiente de temperatura nesse ponto, isto é q = - K ∇T q , num ponto do meio, é (6.1) o de K é a condutibilidade térmica do meio. Esta, é uma propriedade física do material e é uma medida da capacidade do material para "conduzir" calor. O fluxo de calor é expresso em W m-2, no S.I., e a condutibilidade térmica em W m-1K-1; no sistema c.g.s. o fluxo de calor vem expresso em cal cm-2 s-1 e a condutibilidade térmica em cal cm-1 s-1 oC-1 (para fazermos a conversão lembremo-nos que 1 cal = 4,187 J). Se se considerar o caso unidimensional, a lei de Fourier escreve-se q = −K dT (6.2) dz Se o fluxo de calor e a temperatura do meio não variarem ao longo do tempo, diz-se que o processo (regime) é estacionário. Considere-se então o caso de um processo estacionário unidimensional de condução de calor através de uma barra de material de condutibilidade térmica K. Se não houver produção de calor no interior do volume de material, teremos Pag 130 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos d dT − k δz = 0 dz dz (6.3) Esta expressão traduz o princípio de conservação da energia: a energia que, por unidade de tempo, entra pela face localizada em z+δz, é igual à energia que saí pela face em z, no mesmo intervalo de tempo. Se houver produção de calor, a uma taxa Q por unidade de massa, a conservação da energia permite escrever k d2 T = ρQ dz 2 (6.4) onde ρ é a massa volúmica do material. Esta expressão permite o cálculo da temperatura em pontos no interior da região, desde que se imponham condições de fronteira. Podemos aplicar esta equação para tentar conhecer algo sobre a distribuição da temperatura no interior do planeta, usando como condições de fronteira o fluxo e a temperatura conhecidos à superfície. Integrando uma vez (entre 0 e z) a equação (6.4), obtém-se ρQ z=-K dT + c1 dz onde c1 é uma constante de integração a determinar. À superfície (z=0) o fluxo de calor q = - K (6.5) dT será igual a dz - qs , pelo que virá c1 = qs . Podemos então escrever, ρQ z=-K dT + qs dz (6.6) Integrando outra vez esta equação obtém-se 2 ρ Q z = - K T + qs z + c 2 2 (6.7) onde c 2 é uma constante que se determina impondo que a temperatura à superfície seja igual a T s : T = Ts + qs ρQ 2 z z− K 2K (6.8) Esta última expressão pode ser usada para determinar a variação da temperatura com a profundidade. Considerese, então o caso da Terra, supondo que o calor é transportado, principalmente, por condução. A curva temperaturaprofundidade é designada por “geotérmica”. Se se considerarem os seguintes valores Ts = 0 ºC, qs = 70 mW m-2, ρ = 3300 kg m-3, Q = 6.2x 10-12 W kg-1 e K = 4 W m-1 K-1, obtém-se a curva mostrada na figura, conjuntamente com as curvas de fase do basalto. Uma análise da figura mostra que a profundidades superiores a 100 km, o manto deveria apresentar uma fusão significativa e que para profundidades superiores a 150 km todo o manto devia estar em fusão. Estas "previsões" não estão de acordo com as informações obtidas a partir do estudo da propagação das ondas sísmicas, pelo que teremos de concluir que o modelo de condução de calor não prevê correctamente o perfil de temperaturas no manto. Embora o modelo de condução falhe na previsão das temperaturas para o manto inferior, ele apresenta um sucesso considerável quando aplicado à parte mais exterior do planeta, isto é à crusta, onde o calor interno é produzido fundamentalmente por desintegração radiactiva e transportado, até à superfície, por condução. Voltaremos a este problema quando se estudar o fluxo de calor nos continentes. Pag 131 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos 6.3 A convecção Consideremos uma camada de líquido aquecido na parte inferior e arrefecido na parte superior. Quando um fluido é aquecido, a sua densidade diminui devido à expansão. No caso considerado, teremos a parte superior da camada de líquido mais fria e, portanto, mais densa que a parte inferior. Esta situação é gravitacionalmente instável, tendendo o líquido mais frio a descer e o mais aquecido a subir, isto é, geram-se correntes de convecção. O movimento do fluido é devido às forças de impulsão originadas pelas variações da densidade. Considere-se, então, um elemento de fluido rectangular (considera-se válida a aproximação 2D) como representado na figura. Podemos, numa primeira aproximação considerar o fluido incompreensível vindo, para a equação de continuidade div (ρv ) = 0 (6.9) onde ρ é a massa volúmica do líquido e v a velocidade do fluido. As forças que actuam sobre um elemento de fluido são: as forças devido ao gradiente de pressão, à gravidade e às forças de impulsão. Para estas últimas terá de se ter em conta a variação da densidade do fluido. A componente vertical da força resultante será então ∂2v ∂2v ∂P = ρ 0 g + ρ' g + µ 2z + 2z ∂z ∂z ∂x (6.10) onde P é a pressão hidrostática, g a aceleração da gravidade, ρo é uma massa volúmica de referência, ρ′ a variação da massa volúmica e µ a viscosidade dinâmica do fluido. As variações da massa volúmica originadas pelas variações de temperatura são dadas por ρ' = ρ − ρ 0 = −ρ 0 α V (T − T0 ) onde α V é o coeficiente volúmico de dilatação térmica e massa volúmica ρ o . (6.11) T o é a temperatura de referência, correspondente à 6.4 Produção de calor 6.4.1 Desintegração radioactiva Embora os isótopos radioactivos existam em pequenas quantidades na crusta terrestre e sejam, ainda, menos abundantes no manto, a sua desintegração natural produz quantidades significativas de calor, como se pode verificar pela tabela à esquerda. Os elementos mais importantes neste processo são o urânio (238U e 235U), o tório (232Th) e o potássio (40K); pode observar-se que a contribuição do urânio e do tório é superior à do potássio. Na Tabela seguinte apresenta-se a concentração de elementos radioactivos e a produção de calor de algumas rochas. O granito é a rocha que produz mais calor devido à desintegração de materiais radioactivos, pois é a que possui maior concentração detes elementos. A medição do calor gerado pelas rochas da crusta, na actualidade, pode ser usada para calcular o calor gerado no passado. Por outro lado, a concentração de elementos radiactivos pode ser usada na datação das rochas (geocronologia). Pag 132 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos A taxa de decaimento de um isótopo radiactivo é dada por dN =-λN dt (6.12) onde N é o número de átomos do isótopo radiactivo no instante t e λ é a constante de decaimento. A integração da equação anterior, permite conhecer o número de átomos no instante t : N (t ) = No e- λ t Embora a taxa de geração de calor na crusta seja superior, em cerca de duas ordens de grandeza, à do manto, a taxa de produção do manto tem de ser considerada pois o volume do manto é bastante superior ao da crusta. 6.4.2 Fontes de calor não radioactivas Nos modelos mais recentes considera-se que o calor proveniente do interior do planeta tem a sua origem no arrefecimento e na libertação de energia potencial gravítica pela absorção de FeO do manto, pelo núcleo. Esta reacção foi produzida em laboratório a temperaturas e pressões da ordem de grandeza das existentes na fronteira núcleo-manto. À medida que o ferro fundido do núcleo extrai o FeO da perovskite do manto, o material residual menos denso, formado principalmente por óxidos de magnésio e sílica, junta-se em bolsas com dimensões suficientes para que a força de impulsão seja superior à força resistente devido à alta viscosidade do manto, e sobe em forma de plumas ou megalitos, transferindo calor para regiões mais externas do manto. 6.5 Perda global de calor pela superfície da Terra A Terra perde actualmente calor a uma taxa de, aproximada-mente, 4,2x1013 W. Na figura apresenta-se a distribuição do fluxo de calor ao longo da Terra. O calor perdido através da superfície do planeta, não está distribuído de modo uniforme. Na tabela seguinte, resumem-se as principais contribuições: 73% do calor é perdido através dos oceanos, que representam 60% da superfície da Terra. A maior parte do calor é perdido na criação e arrefecimento da litosfera oceânica, à medida que o novo material se afasta das cristas médias. A tectónica de placas é, fundamentalmente, devida ao arrefecimento da Terra. Por outro lado, parece estar assente que a taxa média de criação dos fundos oceânicos é determinada pelo balanço entre a taxa de geração de calor e a taxa de perda global, desse mesmo calor, através da superfície do planeta. Pag 133 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos 6.5.1 Fluxo de calor nos oceanos Nos modelos de tectónica de placas a ascensão dos materiais do manto realiza-se nas cristas oceânicas. Estes materiais depois de arrefecidos dão origem a nova crusta oceânica. À medida que se afasta da zona de ascensão a nova crusta vai arrefecendo até profundidades maiores, formando uma placa rígida mais espessa e mais densa. Na figura apresentam-se os valores observados de fluxo de calor, em função da idade da litosfera oceânica, bem como os valores calculados a partir de um modelo teórico. Atendendo ao que se disse no parágrafo anterior, este gráfico pode ser interpretado como representando valores de fluxo em função da distância à crista. Como pode observar-se, o fluxo de calor junto das cristas oceânicas tem valores elevados, diminuindo à medida que nos afastamos da zona de ascensão dos materiais do manto. Comparando os valores observados com os calculados, verifica-se que os fluxos obtidos a partir dos modelos são mais elevados do que os observados nas proximidades da crista. O ajuste entre os valores teóricos e os experimentais melhora com o aumento da idade dos materiais. O desacordo entre os valores teóricos e os observados é explicado pela existência de processos de transferência de calor associados à circulação hidrotermal na crusta oceânica jovem, que é altamente permeável, permitindo a infiltração e circulação da água do mar. À medida que nos afastamos da zona da crista, observa-se a formação de uma camada sedimentar, cuja espessura vai aumentando e que serve de tampão, impedindo a infiltração e circulação da água. Para estas regiões os valores de fluxo previstos pelo modelo teórico coincidem com os observados. É possível encontrar uma relação empírica entre o fluxo de calor Q (em 10-3 W m-2) e a idade da crusta Se esta for inferior a 120 Ma tem-se: Q = 473 t -1/2 t (em Ma). (6.14) Para idades superiores a 120 Ma esta relação não é válida, pois o fluxo de calor diminui menos rapidamente com o aumento da idade. Neste caso a relação será: Q = 33.5 + 67 e-t/62.8 (6.15) O desenvolvimento de novos instrumentos para a medição de fluxo de calor bem como os estudos realizados com submarinos, permitiram caracterizar as variações espaciais do fluxo de calor, confirmando a circulação hidrotermal na crusta oceânica. Têm sido observadas manifestações espectaculares da actividade hidrotermal nas parte mais Pag 134 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos elevadas das cristas oceânicas. Estas são constituídas por fontes de água a temperaturas elevadas. As primeiras observações foram realizadas no Oceano Pacífico, mas posteriormente foram detectadas actividades do mesmo tipo nos Oceanos Atlântico e Índico. As fontes mais importantes são conhecidas por "black smokers" e são constituídas por jactos de água a uma temperatura de cerca de 350 ºC. Estas águas contêm sais dissolvidos aquando da sua passagem através da rocha basáltica quente, que se precipitam construindo chaminés de sulfitos, sulfatos, óxidos e silicatos, que podem atingir alguns metros de altura. Além dos "black smokers" existem os "white smokers", com temperaturas menos elevadas, 100 a 300 ºC, e com cor branca devido à cor dos precipitados dominantes: baritite e sílica. Estas observações revelaram a importância da actividade hidrotermal na perda global de calor por parte do planeta. Elas mostraram, também, que a actividade hidrotermal associada às chaminés não é um processo estacionário: elas funcionam apenas durante um certo intervalo de tempo, o que é comprovado ao pequeno volume de material depositado e pela idade, muito restrita, das populações encontradas junto das chaminés. 6.5.2. Fluxo de calor nas zonas de subducção Na figura, mostra-se o esquematicamente as isotérmicas de uma zona de subducção típica. A placa que mergulha, placa oceânica, está mais fria que o manto, e o fluxo de calor que se observa na zona da fossa e na região oceânica adjacente é, em geral, baixo. No lado continental da fossa observa-se um aumento do fluxo de calor associado a fenómenos de vulcanismo. Se a zona de subducção estiver associada a um arco de ilhas de origem vulcânica e existir uma bacia marginal, entre o arco de ilhas e o continente, observa-se, em geral, que o fluxo é mais elevado no lado côncavo do arco localizado por cima da placa descendente. Esta distribuição de fluxo é observada, por exemplo, no arco NE do Japão no Oceano Pacífico. Existem vários modelos que pretendem explicar os processos térmicos que ocorrem nestas regiões. Em 1985, Honda apresentou um modelo baseado na hipótese de que os fenómenos de transferência de calor se realizam, principalmente, por condução. Assim, não foram incluídas no modelo a produção de calor devido a fontes radioactivas nem devido a fenómenos químicos. Os baixos valores de fluxo no lado do oceano são explicados pelo arrefecimento da placa oceânica antiga. Os fluxos elevados observados na zona do arco de ilhas são explicados por fenómenos de convecção, no manto adjacente, induzidos pela placa descendente. O baixo valor do fluxo de calor que se observa nas fossas, é provavelmente devido à cunha de material sólido acumulado nessa zona. Pag 135 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos 6.5.3. Fluxo de calor nos continentes A distribuição de fluxo de calor nos continentes é mais complexa que a observada nos oceanos. O fluxo medido nos continentes pode ter origens distintas: fusão ou intrusão magmática, extensão da crusta, erosão, geração de calor por elementos radioactivos, etc. Estes processos têm características físicas e escalas temporais distintas. Assim, os dados de fluxo nos continentes terão de ser analisados tendo em atenção a região em que foram obtidos. Polyak e Smirnov (1968) mostraram que os valores de fluxo estão relacionados com a idade tectónica da formação onde foram medidos: há uma diminuição exponencial do fluxo com o aumento da idade tectónica da região (ver figura). Como a crusta continental contém uma quantidade significativa de fontes radioactivas, elas contribuem para o fluxo medido. Os dados de campo mostram que, em regiões graníticas, há uma relação linear entre o fluxo de calor à superfície e o calor produzido por desintegração radioactiva, pelas rochas superficiais. Estas observações podem ser explicadas por um modelo em que o calor produzido por desintegração radiactiva decresce exponencialmente com a profundidade, isto é, da forma Q = Qs e-z/ h . Nesta expressão Qs representa a taxa de produção de calor pelas rochas superficiais e por unidade de massa, sendo hr o valor da profundidade a que Q = Q/e . O modelo prevê, ainda, que o fluxo de calor que chega à parte inferior da crusta, proveniente do interior do planeta é q m . Assim, o fluxo de calor à superfície será r qs = qm + ρ hr Q s O valor de (6.16) hr pode ser obtido a partir do declive da recta do gráfico da figura, sendo q m o valor dado pela intersecção da recta com o eixo vertical. 6.5.4 Análise global da distribuição do fluxo de calor ao longo da Terra Já se apresentou a distribuição de fluxo de calor ao longo da superfície daTerra, e já se viu, anteriormente, que a sua distribuição não é homogénea. Desde os anos 60 que se têm estado a compilar as várias medidas de fluxo geotérmico efectuadas ao longo do globo. A partir da análise destas figuras pode concluir-se que, para os continentes existem desde valores muito baixos, da ordem de 1,1 µcal cm-2 s-1, nas regiões dos escudos continentais1 (com uma pequena dispersão), até valores mais elevados, que podem atingir os 2,8 µcal cm-2 s-1, nas zonas orogénicas mais recentes, se bem que aqui os valores apresentem uma maior dispersão. Nos Alpes, por exemplo, o valor do fluxo de calor é da ordem de 2,1 µcal cm-2 s-1. Nas zonas não orogénicas pós- pré-câmbricas, o valor do fluxo de calor é cerca de 1,5 µcal cm-2 s-1. Em resumo, o fluxo de calor nos continentes é tanto mais elevado quanto mais recente for a região e quanto mais activa for a tectónica da região. É evidente que existem algumas regiões onde o fluxo é “anormalmente” elevado, geralmente devido a campos geotérmicos locais como, por exemplo, toda a região do sudoeste da Australia ou a planície húngara. Sabendo que a litosfera mais recente é necessariamente menos espessa, é natural que possa existir uma relação entre o fluxo de calor medido à superfície e a espessura da litosfera. Para os oceanos podem tirar-se as seguintes conclusões: as ridges são as zonas onde se observa o fluxo de calor mais elevado (apresentando, 1 Recorde-se que 1 cal = 4.187 J, logo 1 µcal cm-2 s-1 = 41,87 mW m-2 Pag 136 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos contudo, os dados uma grande dispersão), que pode atingir 8 µcal cm-2 s-1, e depois, à medida que nos afastamos das cristas, o valor do fluxo vai diminuindo. As bacias oceânicas são caracterizadas por valores moderados e pouco dispersos. Os valores mais baixos são observados junto às fossas oceânicas (cerca de 0,9 µcal cm-2 s-1) apresentando, contudo, valores elevados (da ordem de 2 µcal cm-2 s-1) atrás dos arcos de ilhas (existentes, sobretudo, no Oceano Pacífico). Pelos valores aqui apresentados, é fácil verificar que a produção de calor de origem terrestre não pode ser apenas devida à desintegração de elementos radioactivos. Na Tabela VI-IV apresentam-se as contribuições das fontes radioactivas e não radioactivas para a produção total de calor nos oceanos e nos continentes. Tambem se pode desde já pensar, que o calor que chega à superfície da Terra não deverá ser originado apenas na crusta terrestre. 6.6 Estrutura térmica do manto e do núcleo Nos parágrafos anteriores vimos como se distribui a temperatura nas crustas oceânica e continental. Vimos ainda que, se se assumir que a transferência de calor no manto, se faz por condução, o resultado teórico obtido para a distribuição da temperatura, naquela região do planeta, não é correlacionável com os resultados obtidos através de outras observações geofísicas e petrológicas. De facto, no manto e no núcleo externo, o processo de condução não é o mecanismo principal de transferência de calor; nestas regiões profundas da Terra o processo dominante deverá ser o da convecção, sendo o calor transportado pelo material que se encontra a temperaturas mais elevadas, e que ascende das zonas profundas do planeta. A taxa de transferência é, deste modo, mais elevada que no processo de condução e, portanto, os gradientes de temperatura são pouco intensos. Suponha-se, então, que um volume de rocha inicialmente à profundidade z e a uma temperatura (absoluta) T , ascende rapidamente até uma profundidade z ′ . Como neste processo a pressão diminui a rocha sofre um aumento de volume e por isso arrefece, mesmo que não troque energia com o ambiente (formado pela rocha que a rodeia). Este processo termodinâmico é designado por adiabático. Se a temperatura final da rocha for igual à temperatura do ambiente, diz-se que o gradiente na região é adiabático. Ora, num sistema convectivo o gradiente de temperatura é aproximadamente adiabático. A variação da temperatura será dada por ∂T Tαg =∂z cp (6.17) onde α é o coeficiente de expansão térmica ( α = [(1/ V )(∂V / ∂T )P ] ), g a aceleração da gravidade e c p o calor específico. Para o manto superior ( T =1573 oK, α =3x10-5 ºC-1 e c p =103J kg ºC-1), o gradiente adiabático, dado por esta equação, é de 0.5 ºC km-1. Para maiores profundidades, onde o coeficiente de expansão térmica é menor, obtém-se um valor de 0.3 ºC km-1. 6.7 Campos Geotérmicos Como já foi referido, no parágrafo 6.4, existem certas regiões que apresentam um valor anormalmente elevado para o fluxo de calor medido à superfície. São, por exemplo, as regiões onde existem vulcões, geisers ou, simplesmente, fontes termais. De entre estas zonas anómalas há a salientar os campos de vapor e água quente, que foram antigamente utilizados pelos romanos nas suas termas, e que apresentam um interesse particular para a produção de energia não poluente. Os jazigos de vapor contêm água líquida sobre pressão, a uma temperatura superior a 100oC que, por meio de um furo ou de fissuras nas rochas (caso dos geisers, por exemplo), pode jorrar sob a forma de vapor. Os campos de água quente são constituídos por reservatórios a uma temperatura entre os 60 e os 90oC. Num esquema de um campo geotérmico típico são observáveis as suas principais características: Pag 137 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos - uma fonte de calor de grande capacidade; - uma zona de rocha fracturada (permeável) constituindo o reservatório geotérmico; - uma zona de cobertura de rochas pouco permeáveis na parte superior do reservatório; - um regime hidrológico favorável, associado a zonas de fractura que permitem a infiltração da água da chuva; A fonte de calor é, geralmente, constituída por uma intrusão magmática com temperatura elevada (superior a 600ºC). O calor, produzido por esta fonte, é conduzido através da rede cristalina das rochas que formam a base do reservatório, e vai aquecer a água que se encontra dentro do reservatório poroso. Este tipo de fonte é frequente em zonas de vulcanismo recente (Açores, Japão e América Central). A água, proveniente das chuvas, penetra em profundidade através das zonas de fractura, e aquece durante a circulação através das rochas aquecidas que constituem o reservatório. A subida da água quente, com eventual formação de fontes naturais, depende da existência de fracturas na cobertura do reservatório. Este pode ser constituído por rochas porosas, como é o caso dos tufos vulcânicos, ou por rocha fissurada. A cobertura é formada por rochas impermeáveis ou com permeabilidade muito baixa. O regime hidrológico é um factor importante na caracterização dos campos geotérmicos determinando a possibilidade da sua exploração industrial, pois dele depende a recarga do reservatório. Na Europa, existem campos de água quente na região do Lago Baikal, na ex-URSS, e na Planície Húngara. Em Portugal, existem fontes termais de água quente na região de Chaves e, nos Açores, na ilha de S. Miguel, efectuase a exploração de energia geotérmica. 6.8 Bibliografia Cox, A. and R.B. Hart, Plate Tectonics - How it Works, Blackwell Scientific Publications, Palo Alto, California, USA, 1986. Duque, M. Rosa Alves, 1994. Fluxo de Calor em Continentes e Oceanos, Gazeta da Física, 12 (2), pp. 7-11. Fowler, C.M.R., 1990. The Solid Earth - An Introduction to Global Geophysics. Cambridge University Press, Cambridge, 472p. Mechler, P., 1982. Les méthodes de la géophysique. Dunod Université, Paris, 200 p. Turcotte, D.L. e Schubert, G, 1982. Geodynamics. Applications of continuum physics to geological problems. John Wiley Sons, 450 pp. Udías, A. y J. Mézcua, 1986. Fundamentos de Geofísica, Editorial Alhambra, S.A., Madrid. 6.9 PROBLEMAS 1. Determine a taxa de produção de calor, por unidade de massa e devido à desintegração radioactiva, para o granito e o basalto. Considere os elementos apresentados na tabela II. TABELA II Rocha conc. de elem. radioactivos U(ppm) Th(ppm) K(%) granito 4 17 3.2 basalto 0.1 0.35 0.2 Taxa de produção de calor de isótopos radioactivos (em W kg-1) U 9.71 x 10-5 Pag 138 FUNDAMENTOS DE GEOFÍSICA J M Miranda, J F Luis, P T Costa, F M Santos Th 2.69 x 10-5 K 3.58 x 10-9 (ρgran = 2.65; ρbas = 3.0) Calcule a contribuição da crosta oceânica (constituída fundamentalmente por basalto) para o fluxo calorífico à superfície do globo, supondo que a fonte dessa energia é a desintegração radioactiva. 2. Com o objectivo de tentar obter o fluxo de calor de origem terrestre em determinada região, obtiveram-se os valores expressos na Tabela III. a) Faça um gráfico da temperatura em função da profundidade. b) Qual o gradiente de temperatura característico da região? c) Calcule o fluxo de calor da região. TABELA III Prof. (m) Temp (0C) K (W 0K-1 m-1) 10 19.20 1.90 20 21.05 2.68 30 21.10 2.93 40 21.25 3.26 50 21.50 2.75 60 21.74 3.16 70 22.00 3.21 80 22.25 2.85 90 22.51 3.01 100 22.77 2.93 110 23.01 2.90 120 23.24 3.02 130 23.50 3.16 140 23.75 3.23 150 23.98 2.88 160 24.20 2.46 170 24.46 2.75 180 24.71 3.21 190 24.95 3.01 200 25.18 2.54 210 25.42 2.84 220 25.64 2.65 230 25.87 3.01 240 26.12 3.23 250 26.36 3.12 Pag 139