O direito à liberdade de expressão

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL
CRISTINA DONATO
O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO: AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA
A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS
MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS
Três Passos (RS)
2015
CRISTINA DONATO
O DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO: AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA
A PARTIR DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS
MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS
Monografia final apresentada ao curso de
Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.
UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas
e Sociais.
Orientadora: MSc. Eloísa Nair de Andrade Argerich
Três Passos (RS)
2015
D
edico
a
realização
deste
estudo a todos que, de uma
maneira ou outra, lutam para alcançar
seus sonhos e objetivos.
Agradecimentos
A Deus, que permitiu que eu alcançasse
esta conquista.
À minha família, sempre presente em
todos os momentos.
À minha orientadora, Eloísa Argerich,
pelo suporte, dedicação e compreensão, não
medindo esforços para me orientar em cada
passo deste estudo.
A todos aqueles que de uma maneira ou
outra
estiveram
acadêmica.
presentes
nesta
jornada
“O homem é, por natureza, um ser social."
(Aristóteles)
5
RESUMO
O presente trabalho de conclusão de curso analisa o significado do direito de
liberdade de expressão instituído com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CF/88). Questiona, também, a participação da
sociedade civil nos movimentos sociais a partir da democracia instituída no art. 1º,
parágrafo único da CF/88, bem como verifica se a participação nos movimentos
sociais causa maior preocupação e participação da sociedade civil nas discussões
sociopolíticas do Estado brasileiro. Outro aspecto de relevância para esta pesquisa é
o caráter educativo dos movimentos sociais, bem como o seu importante papel no
cenário público relativo à inclusão social e suas manifestações na área sociopolítica.
Isso tudo leva a asseverar que a liberdade de expressão, direito fundamental da
democracia, possibilita a manifestação pacífica, a luta pelos direitos e garantias e a
efetivação de sua participação na luta por mudanças. Considerando a eclosão dos
movimentos populares de 2013, e ante a complexidade atual da sociedade
pluralista, principalmente a dicotomia existente entre o que foi idealizado como
Estado Democrático de Direito e o que é verificado na prática, verifica-se que o
processo de construção do modelo de Estado participativo é constante e carece de
avanços. Nesse sentido, a principal justificativa para a elaboração deste estudo é a
importância de se efetuar uma análise da efetivação do direito à liberdade de
expressão nos movimentos sociais pós-promulgação da CF/88, enquanto meio de
expressão da democracia participativa e sua real contribuição acerca do
desenvolvimento político do Brasil. Além disso, o estudo faz o mapeamento dos
principais movimentos sociais no Brasil no período compreendido entre 2010 e 2015,
a fim de melhor compreender o fenômeno de instauração das manifestações
populares, seus benefícios, implicações e panorama jurídico atual da regulação
deste direito constitucional.
Palavras-chave: Democracia. Liberdade de expressão. Movimentos sociais.
Sociedade civil.
6
ABSTRACT
This course conclusion work will examine the meaning of the right to freedom
of expression set up after the promulgation of the Constitution of the Federative
Republic of Brazil in 1988 (CF / 88). Tried also the participation of civil society in the
social movements from the democracy established in art. 1, sole paragraph of CF /
88, and verify that the participation in social movements cause greater concern and
participation of civil society in socio-political discussions of the Brazilian state.
Another aspect of relevance to this research is the educational nature of social
movements, as well as its important role in the public arena on social inclusion and
its manifestations in the socio-political area. This all leads to assert that freedom of
expression, a fundamental right of democracy makes possible the peaceful
demonstration, the struggle for rights and guarantees and the effectiveness of their
participation in the struggle for change. Considering the outbreak of the popular
movement of 2013, and at the current complexity of pluralistic society, particularly the
dichotomy between what was conceived as a democratic state and what is seen in
practice it will be found that the construction process the participatory model state is
constant and lacks advances. In this sense, the main justification for the preparation
of this study is the importance of conducting analysis of the realization of the right to
freedom of expression in post-enactment social movements of CF / 88, as a means
of expression of participatory democracy and its real contribution about the political
development of Brazil. In addition, the mapping of the major social movements will be
made in Brazil in the period between 2010 and 2015 in order to better understand the
phenomenon of setting up demonstrations, benefits, implications and current legal
landscape of regulation of this constitutional right.
Key words: Democracy. Freedom of expression. Social movements. Civil
society.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A DEMOCRACIA NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988 .................................................................................................. 10
1.1 O poder democrático e as qualificações da democracia ............................... 10
1.2 Liberdade de expressão nas constituições brasileiras ................................. 14
1.3 Conceito e modos de liberdade de expressão ............................................... 18
1.3.1 Formas de liberdades inscritas na CF/88 ..................................................... 21
1.4. Liberdade de expressão: inclusão social e as manifestações na área
sociopolítica ............................................................................................................ 23
2 MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS NA ATUALIDADE BRASILEIRA ............... 28
2.1 Conceito e características ................................................................................ 28
2.2 Resgate histórico dos principais movimentos sociais .................................. 30
2.2.1 MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra ........................... 31
2.2.2 Movimento das mulheres .............................................................................. 32
2.2.3 Movimentos dos homossexuais ................................................................... 32
2.2.4 Movimentos Indígenas ................................................................................... 33
2.3 Os movimentos sociais na atualidade brasileira ............................................ 34
2.4 O poder dos meios de comunicação na articulação dos movimentos
sociais ...................................................................................................................... 37
2.4.1 Internet e redes sociais.................................................................................. 39
2.5 Mapeamento dos movimentos sociais no Brasil de 2010 a 2015 .................. 41
3 ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS MOVIMENTOS
SOCIAIS URBANOS E AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA ....................................... 42
3.1 Marcha da maconha .......................................................................................... 42
3.2 Marcha contra a corrupção: “Vem pra Rua” ................................................... 43
3.3 Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais
(LGBT) ...................................................................................................................... 44
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 45
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 46
8
INTRODUÇÃO
O presente estudo analisa o significado do direito de liberdade de expressão
instituído após a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 (CF/88). Questiona, também, a participação da sociedade civil nos movimentos
sociais a partir da democracia instituída no art. 1º, parágrafo único da CF/88, bem
como verifica se a participação nos movimentos sociais causa maior preocupação e
participação da sociedade civil nas discussões sociopolíticas do Estado brasileiro.
Outro aspecto de relevância para esta pesquisa é o caráter educativo dos
movimentos sociais, bem como o seu importante papel no cenário público relativo à
inclusão social e suas manifestações na área sociopolítica. Isso tudo leva a
asseverar que a liberdade de expressão, direito fundamental da democracia,
possibilita a manifestação pacífica, a luta pelos direitos e garantias e a efetivação de
sua participação na luta por mudanças.
Considerando a eclosão dos movimentos populares de 2013, e ante a
complexidade atual da sociedade pluralista, principalmente a dicotomia existente
entre o que foi idealizado como Estado Democrático de Direito e o que é verificado
na prática, verifica-se que o processo de construção do modelo de Estado
participativo é constante e carece de avanços.
Neste sentido, a principal justificativa para a elaboração deste estudo é a
importância de se efetuar uma análise da efetivação do direito à liberdade de
expressão nos movimentos sociais pós-promulgação da CF/88, enquanto meio de
expressão da democracia participativa e sua real contribuição acerca do
desenvolvimento político do Brasil. Além disso, mapear os principais movimentos
9
sociais no Brasil no período compreendido entre 2010 e 2015, a fim de melhor
compreender o fenômeno de instauração das manifestações populares, seus
benefícios, implicações e panorama jurídico atual da regulação desse direito
constitucional.
Desta forma, a pesquisa constitui-se como um estudo exploratório, pois foram
utilizados livros, textos, artigos da internet e jurisprudências. Na sua realização foi
empregado o método de abordagem hipotético-dedutivo, por intermédio de
pesquisas bibliográficas e de documentos afins à temática, em meios físicos e na
internet, interdisciplinares, capazes e suficientes para que o pesquisador pudesse
construir um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo. Dessa forma, foi
possível responder o problema proposto, corroborando ou refutando as hipóteses
levantadas, a fim de atingir os objetivos propostos pela pesquisa.
Para demonstrar a importância desta temática, o presente estudo foi
desenvolvido em três capítulos. No primeiro capítulo abordam-se os conceitos,
modos e formas de liberdade de expressão e democracia instituída na Constituição
Federal de 1988. O segundo capítulo abarca os movimentos sociais urbanos na
atualidade brasileira, trazendo os conceitos e características dos movimentos
sociais, além da realização de um resgate histórico, bem como uma análise dos
movimentos sociais ocorridos entre os anos de 2010 a 2015 no Brasil. Já no terceiro
capítulo analisa-se a participação da sociedade civil nos movimentos sociais,
abordando alguns movimentos que tiveram relevância nos últimos cinco anos neste
país.
10
1 LIBERDADE DE EXPRESSÃO E A DEMOCRACIA NA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988
A liberdade de expressão compreende a faculdade de expressar ideias,
opiniões e pensamentos, sendo benéfica para toda coletividade, caracterizada como
pilar fundamental para a existência de uma sociedade democrática.
É indiscutível que todo indivíduo tem o direito de expressar seu pensamento,
e este inclui o direito de procurar, receber, emitir e espalhar informações e ideias,
verbalmente ou por escrito, de forma impressa ou artística, constituindo um direito
fundamental de todos, sendo imprescindível ao desenvolvimento da autonomia da
pessoa humana.
Partindo dessas considerações, neste primeiro capítulo abordam-se aspectos
referentes ao poder democrático e às qualificações da democracia, para
posteriormente adentrar em aspectos referentes à liberdade de expressão e
manifestação, com a finalidade de demonstrar a sua efetivação nos movimentos
sociais após a promulgação da CF/88.
Não menos importante e desafiador é o tema da liberdade da expressão, que
é analisado no decorrer da história constitucional brasileira, ao mesmo tempo em
que são conhecidas as formas de liberdades inscritas no art. 5º da CF/88. Dessa
forma, procura-se verificar se por meio dessas liberdades e das manifestações
sociais pode ocorrer a inclusão social e o reconhecimento de alguns grupos que são
discriminados pela sociedade.
1.1 O poder democrático e as qualificações da democracia
É incontestável que a democracia brasileira é sustentada pelo princípio
democrático, o qual assegura o exercício das liberdades públicas e civis, bem como
o exercício dos direitos sociais. O preâmbulo da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (CF/88) destaca a liberdade como ponto central do
regime democrático, sendo que é um instrumento que possibilita a convivência
social, o respeito e a tolerância entre os conviventes (SILVA, 2003).
11
Neste sentido, destaca-se o conceito de democracia, que é compreendido por
José Afonso da Silva (2003, p. 125) como:
[...] um conceito histórico. Não sendo por si um valor-fim, mas meio e
instrumento de realização de valores essenciais de convivência
humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do
homem, compreende que a historicidade destes a envolva na mesma
medida, enriquecendo-lhe o conteúdo a cada etapa do envolver
social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um
regime político em que o poder repousa na vontade do povo.
Observa-se, portanto, que a democracia é um instrumento que possibilita o
envolvimento social e político e representa para o homem um valor inestimável, pois
encontra neste regime político a liberdade para agir e expressar-se dentro dos
limites legais.
Em consonância, não se pode deixar de mencionar que a CF/88 apresenta
em seu art. 1º:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (grifo
nosso)
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição.
Interessante destacar que se vive em um Estado Democrático de Direito, que
significa a exigência de respeito às normas democráticas, com eleições livres,
periódicas e pelo povo, bem como o respeito aos direitos e garantias fundamentais.
Democracia que pressupõe a crença, a convivência e os costumes sociais e
políticos, baseados em valores éticos, políticos e jurídicos, ou seja, "a democracia
como um conjunto de ideias, de ideais, de princípios (éticos, políticos e jurídicos)
ordena a vida do povo e os fins da ação pública do Estado." (ESPÍNDOLA, 2002).
12
É inegável que a CF/88 apresenta no parágrafo único do art. 1º "que todo
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou
diretamente, nos termos desta Constituição.” Isso vem ao encontro do que José
Joaquim Gomes Canotilho (apud MORAES, 2011, p. 49) informa sobre o princípio
democrático, ou seja, que:
[...] a conformação do princípio democrático se caracteriza tendo em
conta sua estrutura pluridimensional. Primeiramente, a democracia
surge como um processo de democratização, entendido como um
processo de aprofundamento democrático da ordem política,
econômica, e social e cultural. Depois, o princípio democrático as
duas dimensões historicamente consideradas como antitéticas: por
um lado acolhe os mais importantes elementos da teoria
democrática-representativa
(órgãos
representativos,
eleições
periódica, pluralismo partidário, separação de poderes) por outro
lado, dá guarida a algumas exigências fundamentais da teoria
participativa (alargamento do princípio democrático a diferentes
aspectos da vida econômica, social e cultural, reconhecimento de
partidos políticos) [...].
Desta forma, o princípio democrático está fundamentalmente ligado à
exigência da integral participação de todos e de cada um, em particular na vida
política, social e cultural do país.
Importante referir que a democracia representa uma convivência comunitária
fundada à luz dos direitos humanos, na perspectiva de assegurá-los, com real
eficácia a todos os homens em suas dignidades de pessoas humanas, incluindo-se
a liberdade de expressão e manifestação. Na mesma linha de entendimento são os
ensinamentos de Silva (2003, p. 125), que destaca:
O regime brasileiro da Constituição de 1988 funda-se no princípio
democrático. O preâmbulo e o art. 1º o enunciam de maneira
insofismável. Só por aí se vê que a Constituição institui um Estado
Democrático de Direito, destinado a assegurar o exercício dos
direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, livre, justa e solidária e sem preconceitos
(art. 3º, II e IV), com fundamento na soberania, na cidadania, na
dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa e no pluralismo político. Trata-se assim de um regime
democrático fundado no princípio da soberania popular, segundo o
qual todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes, ou diretamente (parágrafo único do art. 1º).
13
Observa-se que se vive em um Estado Democrático de Direito, sendo esta
uma garantia constitucional que possibilita aos cidadãos participar da vida pública,
manifestar-se livremente, bem como atuar em movimentos sociais, buscando a
realização de um convívio sociopolítico adequado, sem constrangimentos.
Neste sentido, Alexandre de Moraes (2014, p. 74) afirma que:
A manifestação do pensamento é livre e garantida em nível
constitucional, não aludindo a censura prévia em diversões e
espetáculos públicos. Os abusos porventura ocorridos no exercício
indevido da manifestação do pensamento são passíveis de exame e
apreciação
pelo
Poder
Judiciário
com
a
consequente
responsabilidade civil e penal de seus autores, decorrentes inclusive
e publicações injuriosas na imprensa, que deve exercer vigilância e
controle da matéria que divulga. Atualmente, como ressalta Pinto
Ferreira, “o Estado democrático defende o conteúdo essencial da
manifestação de liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto
positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o
aspecto negativo, referente à proibição de censura”.
Fica evidente, então, que há o reconhecimento pelo Estado brasileiro da
importância da liberdade de pensamento, manifestação e expressão para a
consolidação da democracia.
Em se tratando de liberdade e democracia, Silva (2003, p. 233) sustenta:
[...] é na democracia que a liberdade encontra campo de expansão. É
nela que o homem dispõe da mais ampla possibilidade de coordenar
os meios necessários à realização de sua felicidade pessoal. Quanto
mais o processo de democratização avança, mais o homem vai se
libertando dos obstáculos que o constrangem, mais liberdade
conquista.
Com efeito, o entendimento do autor supracitado vem ao encontro do que
apregoa a CF/88 com relação à liberdade de expressão, pois, sem liberdade, não há
possibilidade de o ser humano se desenvolver e participar da sociedade como um
todo.
14
1.2 Liberdade de expressão nas constituições brasileiras
A liberdade de expressão é um dos mais relevantes e preciosos direitos
fundamentais, correspondendo a uma das mais antigas reivindicações dos homens
de todos os tempos (MENDES; COELHO; BRANCO, 2009).
Nem sempre, contudo, a liberdade de expressão fez parte da vida do cidadão
brasileiro e, por isso, se faz necessário compreender o que as constituições
brasileiras dos períodos de 1824 a 1988 apresentam com relação a este tema.
Na Carta Política do Império de 1824 é possível verificar que o
constitucionalismo se opunha ideologicamente ao absolutismo; não era do ponto de
vista material e neutro qualquer sistema constitucional, mas sim, um sistema político
em que houvesse separação de poderes e também a asseguração dos direitos
individuais e, desta forma, um regime ou sistema político de liberdades. Quando
exigia um regime constitucional, o que se queria era um regime liberal, e
constitucionalismo não era dar uma Constituição qualquer, e sim uma Constituição
liberal, fundada naqueles pressupostos clássicos (MENDES; COELHO; COELHO,
2009).
Cumpre afirmar que a Constituição do Império revelou um enorme progresso
em termos de direitos fundamentais e demais garantias, mas também foi marcada
por profundos antagonismos. Segundo Paulo Bonavides e Antonio Paes de Andrade
(2006, p. 105):
Teve, a Constituição, contudo, um alcance incomparável, pela força
de equilíbrio e compromisso que significou entre o elemento liberal,
disposto a acelerar a caminhada para o futuro, e o elemento
conservador, propenso a referendar o status quo e, se possível,
tolher indefinidamente a mudança e o reformismo nas instituições.
Observa-se que foi a Constituição Imperial que constitucionalizou alguns
direitos fundamentais como, por exemplo, a inviolabilidade dos direitos civis e
políticos, o conceito de cidadania, a liberdade de expressão e de religião, entre
outras garantias nascimento dos ideais liberais, ocorridos na Europa e nos Estados
Unidos.
15
O texto constitucional de 1891, com forte influência norte-americana,
implantou de forma definitiva, tanto a Federação quanto a República, e aos poucos
consolidou os direitos civis e políticos, repetindo as garantias fundamentais inscritas
na Carta precedente, incluindo a liberdade de expressão.
Merece destacar que a primeira Constituição republicana, mesmo sendo
inovadora com a instituição do sufrágio direto para os cargos de deputados e
senadores, presidente e vice-presidente da república, mantinha o voto aberto e os
favorecidos economicamente continuavam detendo o poder local.
Não obstante esta realidade e os progressos em relação à Constituição
Imperial, a Constituição de 1891 não reconheceu os direitos trabalhistas, afastandose da realidade social. Afirmam Bonavides e Andrade (2006, p. 118):
Entre a Constituição jurídica e a Constituição sociológica havia uma
enorme distância; nesse espaço se cavara também um fosso social
das oligarquias e se descera ao precipício político do sufrágio
manipulando, que fazia a inautenticidade da participação do cidadão
no ato soberano de eleição dos corpos representativos.
A sociedade política, portanto, logo percebeu a necessidade de modificação
da Constituição e, em 1934 inaugurou o Estado Social Brasileiro. Surgiu, então, um
texto constitucional moderno, visando à melhoria de condições de vida da grande
maioria dos brasileiros, criando leis sobre educação, trabalho, saúde e cultura.
"Ampliando o direito de cidadania dos brasileiros, possibilitando a grande fatia da
população, que até então era marginalizada do processo político do Brasil, participar
então desse processo." (BONAVIDES; ANDRADE, 2006, p. 197).
A Constituição de 1934, na realidade, trouxe uma perspectiva de mudanças
na vida de grande parte dos brasileiros, concernentes aos seus direitos e garantias,
mas em razão de ser tão social, teve a durabilidade de apenas três anos.
Ao analisar o texto constitucional da Carta Política de 1937, pode-se afirmar,
sem sombra de dúvidas, que foi uma constituição antidemocrática, baseada nas
ideias nazifascistas de Hitler e Mussolini, e, portanto, não apresentava garantias ao
direito de liberdade de expressão. Registre-se que, segundo os ensinamentos de
16
Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco
(2009, p. 194), “[...] a Constituição de 1937 não foi apenas um texto autoritário como
tantos outros que marcaram nossa experiência constitucional. Foi, também, uma
grande frustração institucional [...].”
Isto denota claramente que no período de vigência da Carta Política de 1937
a liberdade de expressão não fazia parte da estrutura do texto constitucional, haja
vista o regime ditatorial que existia na época, inclusive, não observava os princípios
constitucionais que orientava o povo brasileiro.
Dessa forma, Bonavides e Andrade (2006, p. 198, grifo do autor) constatam
que durante o governo do presidente Getúlio Vargas, "[...] o princípio constitucional
da liberdade de pensamento desapareceu. Foi adotada a censura como meio de
impedir a publicação ou a reprodução de determinadas informações. A censura
nasceu reprimindo a liberdade de expressão.”
Por outro lado, comparando a Constituição de 1946 com o texto de 1937,
verifica-se que houve um avanço muito grande com relação às liberdades públicas.
A Constituição de 1946 foi semelhante à de 1934, sustentando em seu texto que a
liberdade faz parte das relações do ser humano e como tal, um estado democrático
não pode pautar-se por regras ditatoriais.
Neste cenário, Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 196) ressaltam que:
[...] o texto democrático de 1946 buscou devolver-lhes a dignidade,
pelo respeito às suas tradicionais prerrogativas e uma equilibrada
partilha do poder político, apesar da opinião em contrário dos que
entendem que esse modelo acabou desiquilibrando a balança em
favor do Legislativo e gerando, mais tarde, fricções que colaboraram
para a erosão daquela lei fundamental. [...]
O período de duração das liberdades públicas asseguradas pela Constituição
de 1946 teve uma durabilidade de 19 anos, por ser considerada uma das mais
avançadas para a época, já que seu texto garantia os direitos sociais e a
democratização da legislação trabalhista e previdenciária, com o intuito de melhorar
a qualidade de vida dos menos favorecidos. Essa Constituição foi suplantada pelo
regime ditatorial implantado pelo regime militar.
17
Como o próprio nome já diz, o regime é militar significa que não há liberdade
de manifestação e, por isso, é importante referir que a Constituição de 1967, produto
da Revolução de 1964, suprimiu por completo a liberdade de expressão no país.
A história constitucional neste período foi marcada pelo Regime Militar, em
que os militares conduziam o país por meio "[...] da prática de vários Atos
Institucionais que colocavam em prática a censura, a perseguição política, a
supressão de direitos constitucionais, a falta total de democracia e a repressão
àqueles que eram contrários ao Regime Militar.”
Sustentam Bonavides e Andrade (2006, p. 201) que:
A Ditadura militar no Brasil teve seu início com o golpe militar de 31
de março de 1964, resultando no afastamento do Presidente da
República, João Goulart, e tomando o poder o Marechal Castelo
Branco. Este golpe de estado, caracterizado por personagens
afinados como uma revolução instituiu no país uma ditadura militar,
que durou até a eleição de Tancredo Neves em 1985. Os militares na
época justificaram o golpe, sob a alegação de que havia uma
ameaça comunista no país.
Assim, inaugurou-se um período de obscuridade concernente às liberdades
públicas. Neste período a liberdade de expressão e de organização era quase
inexistente. A censura se instalou na sociedade e tudo passava pelo crivo dos
militares. Letras de música, telenovelas, matérias jornalísticas, enfim, "Partidos
políticos, sindicatos, agremiações estudantis e outras organizações representativas
da sociedade foram suprimidas ou sofreram interferência do governo. Os meios de
comunicação e as manifestações artísticas foram reprimidos pela censura."
(BONAVIDES; ANDRADE, 2006, p. 207).
A repressão continuou por longos anos e, no período de 1974 a 1979 já havia
no Brasil, movimentos para o restabelecimento do Estado de Direito. Contudo,
Lidiane Duarte (2015, p. 1) informa que foi somente em 1983, com o movimento
denominado “Diretas Já”, que o processo avançou:
[...] um dos movimentos de maior participação popular, da história do
Brasil. Teve início em 1983, no governo de João Batista Figueiredo e
propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República.
18
A campanha ganhou o apoio dos partidos PMDB e PDS, e em
pouco tempo, a simpatia da população, que foi às ruas para pedir a
volta das eleições diretas. (grifos do autor).
A luta pela redemocratização do país foi lenta e repleta de altos e baixos. E foi
através da mobilização popular, lutando em torno dos mesmos objetivos, ou seja, o
fim da Ditadura Militar, que aconteceu a transição para a democracia. Em 1988, com
a promulgação da atual Constituição brasileira, a liberdade de expressão ganhou
contornos mais efetivos.
Nesta linha de raciocínio, Mendes, Coelho e Branco (2009) afirmam que a
Constituição de 1988 cogita a liberdade de expressão de modo direto no art. 5º, IV,
XIV e art. 220, §§ 1º e 2º, incluindo faculdades diversas, como a de comunicação de
pensamento, de ideias, de informações e de expressões não verbais, tema que será
abordado posteriormente.
1.3 Conceito e modos de liberdade de expressão
Para melhor compreender a importância que assumem os movimentos sociais
para a construção da cidadania, torna-se imperioso conceituar a liberdade de
expressão. Silva (2003, p. 240) esclarece que “a liberdade de pensamento –
segundo Sampaio Dória – é o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se
pense em ciência, religião, arte, ou o que for.” Trata-se de liberdade de conteúdo
intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes, pela qual “o
homem tenda, por exemplo, a participar a outros suas crenças, seus conhecimentos,
sua concepção do mundo, suas opiniões políticas ou religiosas, seus trabalhos
científicos”. O referido autor ainda complementa que “pode-se dizer que como
aspecto externo, a liberdade de opinião se exterioriza pelo exercício das liberdades
de comunicação, religião, da expressão intelectual artística, científica e cultural e de
transmissão e recepção do conhecimento.” (SILVA, 2003, p. 240).
Entre muitas características fundamentais que o Estado Democrático possui,
pode-se citar a liberdade de expressão como uma de grande relevância, pois esta
tem como finalidade a livre manifestação de pensamento, de ideias e de opiniões,
sendo vedada, desta forma, a censura.
19
Segundo os entendimentos de Leonardo Fernandes Furtado e Simone
Mendes de Melo (2015), “a liberdade de expressão figura entre as liberdades
fundamentais, e constitui-se, como elas, direito por meio de instrumentos jurídicos
internacionais e pátrios.” Complementam ainda que “todo homem tem direito à
liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem
interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transferir informações e ideias por
quaisquer meios e independentemente de fronteiras”.
Neste escopo, Priscila Coelho de Barros Almeida (2015) apresenta o seu
entendimento acerca do instituto da liberdade de expressão:
Ao consagrar a liberdade de manifestação de pensamento no texto
constitucional, o legislador constituinte garantiu também a liberdade
de expressão, como corolário da liberdade de pensamento e opinião.
[...] Assim, o indivíduo “pode manifestar-se por meio de juízos de
valor (opinião) ou da sublimação das formas em si, sem se preocupar
com o eventual conteúdo valorativo destas”. Essa é a exata noção da
liberdade de expressão, conforme atesta Nuno e Sousa: “A liberdade
de expressão consiste no direito à livre comunicação espiritual, no
direito de fazer conhecer aos outros o próprio pensamento (na
fórmula do art. 11° da Declaração francesa dos direitos do homem de
1989: a livre comunicação de pensamentos e opiniões). Não se trata
de proteger o homem isolado, mas as relações interindividuais
(„divulgar‟). Abrangem-se todas as expressões que influenciam a
formação de opiniões: não só a própria opinião, de caráter mais ou
menos crítico, referida ou não a aspectos de verdade, mas também a
comunicação de factos (informações).” Dessa feita, sob o manto da
liberdade de expressão encontra-se agasalhada “toda opinião,
convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer
assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse
público, ou não, de importância e de valor, ou não.
Segundo entendimento de Emerson Santiago (2015) a esse respeito:
A liberdade de expressão “é a garantia assegurada a qualquer
indivíduo de se manifestar, buscar e receber ideias e informações de
todos os tipos, com ou sem a intervenção de terceiros, por meio de
linguagens oral, escrita, artística ou qualquer outro meio de
comunicação.”
Diante desses ensinamentos, pode-se concluir que a liberdade de expressão
nada mais é do que um elemento imprescindível na sociedade democrática, onde
passa a ser concreta no momento em que o indivíduo possa exprimir seus
pensamentos, valores, concepções e crenças.
20
No entendimento de Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 403-404), a
liberdade de expressão tutela toda a opinião, convicção, comentário, avaliação ou
julgamento sobre todo tipo de assunto ou sobre qualquer pessoa, que pode envolver
tema de interesse público ou não, de importância e de valor, ou não. No direito de
expressão cabe toda mensagem, tudo o que puder se comunicar – juízos,
propaganda de ideias e notícias sobre fatos. Contudo, esta não abrange a violência,
onde toda a manifestação de opinião gera algum tipo de impacto sobre a audiência,
mas este impacto deve ser espiritual e não abrangendo a coação física.
A liberdade de expressão engloba a liberdade de opinião, a qual resume a
própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão, e trata da
liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha; a liberdade de
comunicação, que possibilita a coordenação desembaraçada da criação, expressão
e difusão do pensamento e da informação, e compreende as formas de criação,
expressão e manifestação do pensamento e de informação, e a organização dos
meios de comunicação; a liberdade religiosa, que inclui as liberdades espirituais,
exteriorizando a forma de manifestação do pensamento, compreendendo a liberdade
de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa, todas
garantidas na Constituição; a liberdade de expressão intelectual, artística e científica
e direitos conexos, que são formas de difusão e manifestação do pensamento,
tomando esse termo em sentido abrangente dos sentimentos e dos conhecimentos
intelectuais, conceptuais e intuitivos; a liberdade de expressão cultural, que
estabelece que o Estado garanta a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o
acesso às fontes de cultura nacional, apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais populares, indígenas, afro-brasileiras e das de outros
grupos participantes do processo civilizatório brasileiro (arts. 215 e 216); e, por fim, a
liberdade de transmissão e recepção do conhecimento, que possibilita a todos
comunicar-se e manifestar-se seu pensamento e seu conhecimento pela imprensa,
pela radiodifusão, pelos livros e conferências (SILVA, 2003, p. 242-254, grifo do
autor).
Com sabedoria ímpar, Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 404), sustentam
em seu estudo que:
21
A liberdade em estudo congloba não apenas o direito de se exprimir,
como também o de não se expressar, de se calar e de não se
informar. Desse direito fundamental, não obstante a sua importância
para o funcionamento do sistema democrático, não se extrai uma
obrigação para o seu titular de buscar e de expressar opiniões.
Do mesmo modo, Silva (2003, p. 233-234, grifo do autor) também salienta
que ao Direito positivo interessa cuidar apenas da liberdade objetiva, e é nesse
sentido que se costuma falar em liberdades no plural que, na verdade, não passa
das várias expressões externas da liberdade. Liberdades, no plural, são formas da
liberdade. Por ora, em função do direito constitucional positivo, cabe distinguir cinco
grandes grupos:
1. Liberdade da pessoa física (liberdades de locomoção, de circulação);
2. Liberdade de pensamento, com todas as suas liberdades (opinião, religião,
informação, artística, comunicação do conhecimento);
3. Liberdade de expressão coletiva em suas várias formas (de reunião, de
associação);
4. Liberdade de ação profissional (livre escolha e de exercício de trabalho, ofício e
profissão);
5. Liberdade de conteúdo econômico e social (liberdade economia, livre iniciativa,
liberdade de comércio, liberdade de autonomia contratual, liberdade de ensino e
liberdade de trabalho).
Nesta perspectiva, Mendes, Coelho e Branco (2009, p. 408) explicam que os
termos tutelados do direito brasileiro reconhecem que a liberdade de “expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura e licença” (art. 5º, IX, da CF) – afirmam que em princípio, as manifestações
não verbais também se inserem no âmbito da liberdade constitucionalmente
protegida.
1.3.1 Formas de liberdades inscritas na CF/88
A CF/88 incluiu a liberdade de manifestação do pensamento nos arts. 5º, IV,
VII e 220 § 1º e 2º. Senão, veja-se:
22
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o
anonimato; (grifo nosso)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão
e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não
sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição. (grifo nosso)
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço
à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e
XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política,
ideológica e artística.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2003, p. 295-296) ensina que a liberdade de
expressão pode dirigir-se de uma pessoa para outra, não presentes de forma
sigilosa, por carta, telegrama telefone ou rádio. A manifestação mais comum é a da
palavra falada, por meio da qual alguém se dirige à pessoa ou pessoas presentes
para expor o que pensa, sendo esta consagrada no art. 5º, IV e V. Esta é uma das
principais liberdades humanas por ser a palavra uma das caraterísticas
fundamentais do homem, o meio pelo qual ele transmite e recebe as lições da
civilização. Outra forma de manifestação do pensamento é a palavra escrita, que é
destinada a pessoas indeterminadas, divulgada por livros, jornais e revistas. A Carta
Magna, no art. 5º, IX, veda a censura da palavra escrita, declarando independente
de censura ou licença do Poder Público a “expressão da atividade intelectual,
artística, científica e de comunicação”, proibindo, todavia, o anonimato.
A CF/88 assegura a todos os brasileiros o acesso amplo à informação, por
meio de diferentes e variadas fontes, dentro de um mesmo espaço democrático, em
que haja garantia do direito de liberdade de expressão e liberdade de imprensa
dentro dos limites que a lei determina.
Neste cenário, surge a Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527 de 18 de
novembro de 2011, que regula o acesso a informações, previsto no inciso XXXIII do
23
art. 5o, no inciso II do § 3o do art. 37 e no § 2o do art. 216 da Constituição Federal;
altera a Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei n o 11.111, de 05 de
maio de 2005 e dispositivos da Lei no 8.159, de 08 de janeiro de 1991, que foi criada
com o objetivo de garantir o direito constitucional ao livre acesso dos cidadãos a
qualquer informação pública de responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios. Esta, porém, não será objeto de análise nesta pesquisa.
1.4. Liberdade de expressão: inclusão social e as manifestações na área
sociopolítica
Primeiramente,
faz-se
imprescindível
tecer
considerações
acerca
da
democracia participativa para demonstrar que por meio da liberdade de expressão e
da participação em movimentos sociais, a inclusão social encontra um campo fértil.
Observa-se que a participação do cidadão nos espaços públicos não é uma
realidade recente, pois sua evolução foi gradativa e iniciou em Atenas, quando a
maioria da população, formada por escravos, não considerados cidadãos e sim
objetos, já percebia um mero esboço de participação (COMPARATO, 2001, p. 126).
Essa evolução pode ser verificada nas palavras de Bruno Konder Comparato
(2001, p. 126) ao explicar que:
A ideia de participação popular nas funções públicas é uma
superação da velha dicotomia Estado-sociedade civil, típica da
filosofia política do século XX e vigente até hoje, entre liberais e
antiliberais. Há, por assim dizer, uma volta parcial ao sentido de
liberdade política dos antigos. A verdadeira liberdade consiste,
efetivamente, na participação dos mecanismos do poder, como
pensavam gregos e romanos. Mas essa participação – e aí vai o
grande elemento de novidade – já não se limita à elite ou aos mais
ricos, nem se cinge, tão-só, à esfera política em sentido estrito, mas
abarca todas as áreas de poder, notadamente o econômico e o
cultural.
Percebe-se assim, que essa participação se aperfeiçoa na medida em que as
relações e o desenvolvimento político e cultural do povo daquela época rompiam
gradativamente com as ordens advindas do sistema.
24
As lições de Paulo Bonavides (2001, p. 29) possibilitam um melhor
entendimento sobre a democracia participativa. O autor sustenta que:
O constitucionalismo da democracia participativa é o mesmo
constitucionalismo de luta que prevaleceu no ocidente quando os
países do Primeiro Mundo proclamavam repúblicas, promulgavam
Constituições ou, em evasivas conservadoras de apego e afeição ao
passado, instalavam monarquias constitucionais, afiançando a
sobrevivência política dos tronos e das dinastias ameaçadas. É por
igual, doravante, o constitucionalismo dos países da periferia onde o
espírito da Constituição tem o mesmo sentido histórico que teve o
espírito das leis no século da revolução, quando a França liquidou o
absolutismo.
Evidencia-se, assim, que a democracia participativa percorreu um longo
caminho para consolidar-se e, aos poucos, os textos constitucionais do mundo todo
incluem a possibilidade de participação dos cidadãos no espaço público.
Na mesma linha argumentativa, Comparato (2001, p. 127) sustenta que “a
ideia de participação do povo no exercício das funções tradicionalmente deferidas ao
Estado, ou seja, a transformação da soberania popular de assentimento passivo a
verdadeiro poder criador e transformador [...]” possibilita que os indivíduos exijam
participação ativa no processo democrático e a sua inclusão social nas áreas
sociopolíticas, nas quais apenas o poder público tinha acesso.
Nesta linha de entendimento manifesta-se Bonavides (2001, p. 34) que:
A democracia participativa combate a conspiração desagregadora do
neoliberalismo e forma a nova corrente de ideias que se empenham
em organizar o povo para apor um dique à penetração da ideologia
colonialista; ideologia de submissão e fatalismo, de autores que
professam a tese derrotista da impossibilidade de manter de pé o
conceito de soberania.
Infere-se dessa afirmativa, portanto, que a participação popular é o caminho
que conduz ao aperfeiçoamento da democracia participativa e possibilita a inclusão
social.
Deve-se acrescentar que a participação popular é um processo muito
complexo, pois exige que o cidadão se posicione frente a determinadas questões
25
políticas e sociais e a sua exposição frente aos seus pares na comunidade em que
está inserido torna-o vulnerável e a sua liberdade de expressão questionada.
Randolph Lucas (1985, p. 109) apresenta a dimensão exata do que se está
expondo. Segundo ele,
Nenhuma forma de participação é totalmente satisfatória. Existem
sempre desvantagens e vantagens. É característica da participação o
fato dela ser apenas parcial. Com efeito, é inerente ao conceito de
que devo ter razões para insatisfação. Embora participe totalmente e
possa opinar sobre a decisão a respeito do que faremos, outras
também participam e podem dar sua opinião; e como minha opinião
não é completa, ela pode ocasionalmente ser contrariada e
sobrepujada pelas opiniões daqueles. O problema da participação é
que ela é essencialmente incompleta, e o velho Adão que existe em
mim nunca ficará satisfeito com menos do que o controle completo.
Com efeito, está claro nas palavras do referido autor que não haverá
participação plena e que as opiniões emitidas pelos grupos sociais são
determinantes para a democracia e a inclusão social. Isso nada mais é do que a
manifestação do direito constitucional à liberdade de expressão.
Interessante mencionar os ensinamentos de Ferreira Filho (2003, p. 295-296)
diante da liberdade de expressão e manifestação do pensamento para o
entendimento da participação popular, ou seja,
A manifestação do pensamento pode, porém, dirigir-se a outrem e
não apenas exprimir as convicções do indivíduo, sem preocupação
deste que outros a percebam, ou não. Esta liberdade, expressão
fundamental da personalidade, também é consagrada, mas sob
regimes diversos, conforme sua importância social.
Por outro lado, a liberdade de expressão “inclui a compreensão de que em
todos os âmbitos da vida social, notadamente em países de democracia recente, há
uma questão que não pode ser ignorada”. Isto é, as considerações apresentadas
pela Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, são pertinentes e
elucidativas, quando sustentam que:
A liberdade de expressão não se restringe apenas a um direito
individual frente à censura de Estado ou frente a situações de guerra,
26
violência ou conflitos, mas sim como um direito difuso e coletivo que
inclui o acesso aos meios de produção e difusão midiática, de
maneira a abarcar a representação da diversidade cultural, social e
política da sociedade e as políticas públicas de Estado que garantam
a participação e representação desses grupos.
É evidente, portanto, que a inclusão social em uma sociedade democrática
exige a participação popular em movimentos sociais, mas ressalta-se que o Estado
pode oferecer algumas restrições e impor-se quando houver abusos ou situações
conflitantes.
Registre-se que Luís Roberto Barroso (2007, p. 80) afirma que “A liberdade
de expressão destina-se a tutelar o direito de externar idéias, opiniões, juízos de
valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano” e que por isso é
uma garantia da manutenção e do desenvolvimento da sociedade democrática.
Assim sendo, constata-se que a liberdade de expressão faz parte de um
conjunto maior de liberdades e não restam dúvidas que não há liberdade de
expressão sem informação e comunicação e ambas podem auxiliar na promoção da
inclusão social.
Vale ressaltar que, quando se restringe a liberdade de um indivíduo, não
somente o direito deste é atingido, mas também o de toda a comunidade de receber
e debater as informações. Caracteriza-se, assim, que a liberdade de expressão
atinge o indivíduo e a interação da sociedade.
Outro aspecto que provoca discussão no âmbito dessa pesquisa diz respeito
à relação existente entre liberdade de expressão e inclusão social, pois parece que
são duas coisas completamente distantes uma da outra. Engana-se quem pensa
assim, pois é partir do pressuposto de que a inclusão social representa um interesse
comum, ou seja, "um interesse que pode ser sustentado cooperativamente.
Interesse sustentado cooperativamente é aquele segundo o qual todas as pessoas
que entrarem em um debate público podem prover sem constrangimento como
questão relevante a ser levada em consideração." (PETTIT, 2007 apud GOMES,
2008, p. 217).
27
Além do aspecto do interesse em comum, portanto, deve-se acrescentar que
o caráter educativo dos movimentos sociais, o seu papel no cenário público relativo
à inclusão social e suas manifestações na área sociopolítica são fundamentais para
a democracia.
Uma consequência das manifestações sociais com fundamento nos princípios
da liberdade de informação e manifestação é a viabilidade da participação do
cidadão no espaço público, que deseja de qualquer forma não ser excluído dos
debates sociopolíticos e cada vez mais ser protagonista da história. Acentua-se,
assim, a importância do exercício da liberdade de expressão e manifestação em
uma sociedade democrática, fraterna e pluralista como a brasileira (SILVA, 2012).
Dando continuidade ao debate que ora se inicia, no segundo capítulo
abordam-se aspectos referentes à liberdade de expressão como um princípio
constitucional fundamental autorizador dos movimentos sociais. Também, se faz
importante referir que a abordagem será baseada no desenvolvimento dos
processos democráticos, nos quais os movimentos e ações de grupos organizados
lutam pelo reconhecimento de suas reivindicações e conquistas do espaço público,
na perspectiva de maior inclusão social e melhores condições de vida relacionadas
com a terra, moradia, alimentação, emprego, lazer, etc.
28
2 MOVIMENTOS SOCIAIS URBANOS NA ATUALIDADE BRASILEIRA
Para dar sustentabilidade à liberdade de expressão é imprescindível analisar
o poder dos meios de comunicação na articulação dos movimentos, conceituar e
apresentar as características dos movimentos sociais urbanos, bem como realizar o
debate atual, polêmico e fundamental para a concretização da democracia.
Salienta-se que o suporte a este capítulo são os aspectos referentes à
liberdade de expressão como um princípio constitucional fundamental autorizador
dos movimentos sociais, haja vista que a luta dos organizadores dos movimentos
sociais tem sido uma constante no Estado brasileiro. A seguir realiza-se uma
abordagem sobre o resgate histórico dos movimentos sociais, bem como o seu
mapeamento no Brasil, no período de 2010 a 2015.
Faz-se importante referir que a abordagem será baseada no desenvolvimento
dos processos democráticos, nos quais os movimentos e as ações de grupos
organizados lutam pelo reconhecimento de suas reivindicações e conquistas do
espaço público, na perspectiva de maior inclusão social e melhores condições de
vida relacionadas com terra, moradia, alimentação, emprego, lazer, etc.
2.1 Conceito e características
Os movimentos sociais foram e ainda são bases de muitas ações coletivas no
Brasil desde o ano de 1970. Estes mobilizam ideias e valores gerando saber e
aprendizado coletivo, considerados elementos inovadores de mudanças sociais,
fundamentais na sociedade moderna, sendo que sua presença caracteriza-se por
ser uma constante na história política do país (GOHN, 2013).
Inicialmente, podem-se citar os entendimentos de Blumer (apud GOHN, 2013)
que definiu os movimentos sociais como empreendimentos coletivos com o intuito de
se estabelecer uma nova ordem de vida. Estes surgem de inquietações sociais
derivadas da insatisfação com a vida atual, bem como o desejo e a esperança de
novos sistemas e programas de vida. No início, um movimento social é amorfo,
29
organiza-se pobremente e é indefinido, mas com o tempo, este se desenvolve e
ganha características de uma sociedade.
Do ponto de vista de Blumer (apud GOHN, 2013), os movimentos foram
divididos em três categorias: genéricos, que são indicadores de direção, pois quando
surgem são desorganizados e têm objetivos vagos; específicos, representando a
cristalização das motivações de descontentamento, esperança e desejos advindos
dos movimentos genéricos; e expressivos, que não têm como objetivo de mudança,
divulgando um comportamento expressivo que com o tempo se torna cristalizado,
tendo profundos efeitos na personalidade dos indivíduos e na ordem social em geral
(GOHN, 2011).
Os movimentos sociais mostram uma configuração diversa na sociedade de
informação, onde esta está alterada devido ao desenvolvimento de tecnologias da
informação e comunicação. Destacam-se três dimensões quando se analisa este
tipo de movimento: a temporalidade, possibilitando a análise de tempos sociais
distintos; a espacialidade, que mostra o surgimento de novos espaços ou territórios,
sejam eles virtuais e reais juntamente com suas interações; e a sociabilidade,
abarcando as novas formas de relações sociais considerando a intensidade, o
alcance, as intenções e a conectividade com dimensões da esfera pública
(SCHERER-WARREN, 2005, p. 77-92).
Na mesma linha de entendimento, Castells (1976) sustenta que os
movimentos sociais urbanos são assim compreendidos como "sistemas de práticas
sociais contraditórias que controvertem a ordem estabelecida a partir das
contradições específicas da problemática urbana."
Na verdade, os movimentos sociais urbanos na atualidade têm se mostrado
como uma prática que reflete as reivindicações dos cidadãos que exigem mudanças
nas conjunturas e nos paradigmas de um novo modelo de sociedade. Desta forma,
entram em cena sujeitos sociopolíticos e culturais que dominam o cenário das
manifestações e se articulam por meio das redes sociais para neste novo processo
democrático, fundamentar e projetar suas demandas. Geralmente, são segmentos
sociais excluídos, como no caso dos sem-terra ou pertencentes a grupos
30
geracionais, jovens, mulheres e até mesmo idosos, ou outras camadas populares
que se engajam nestes movimentos com o intuito de provocar mudanças ou até
possibilitar discussões no âmbito político e social, gerando, assim, mudanças
organizacionais tecnológicas e políticas.
Neste contexto, Gohn (2013, p. 41) ressalta que “os movimentos sociais têm
sido
considerados,
por
vários
analistas
e
consultores
de
organizações
internacionais, como elementos e fontes de inovações e mudanças sociais.”
Significa que os movimentos sociais urbanos fazem parte da história política do país,
e suas ações impulsionam mudanças sociais diversas. Segundo a autora, “o
repertório de lutas construído por eles demarcam interesses, identidades,
subjetividades e projetos sociais.”
A articulação dos movimentos sociais define-se como um “confronto de
interesses opostos para controlar forças de desenvolvimento e do campo de
experiência histórica de uma sociedade.” (TOURAINE, 1977).
Registre-se que o resgate histórico dos principais movimentos sociais é de
suma importância para o entendimento da sua evolução, salientando-se que a
abordagem não esgota os movimentos sociais já ocorridos no país, mas apenas
aqueles que, na ótica desta pesquisa, entendem-se como necessários.
2.2 Resgate histórico dos principais movimentos sociais
Realizar um resgate histórico é preservar pela memória de um povo, que faz
com que compreendamos diferenças e reconheçamos limites de períodos de nossa
existência, recordando e refletindo valores e avaliando o que foi realmente relevante
para a construção e consolidação da história do nosso país. Abordar-se-á,
sucintamente, neste tópico, alguns movimentos identitários e culturais, de gênero e
etnia, que ficaram marcados na memória do nosso país.
Isto analisado, imprescindíveis se fazem os ensinamentos de Gohn (2013, p.
301):
31
A construção de uma nova concepção de sociedade civil é resultado
das lutas sociais empreendidas por movimentos e organizações
sociais nas décadas anteriores, que reivindicaram direitos e espaços
de participação social. Essa nova concepção constitui uma visão
ampliada da relação Estado-sociedade, que reconhece como
legítima a existência de um espaço ocupado por uma série de
instituições situadas entre o mercado e o Estado, exercendo o papel
de mediação entre coletivos de indivíduos organizados e as
instituições do sistema governamental. Este espaço é trabalhado
segundo princípios da ética e da solidariedade, enquanto valores
motores de suas ações, resgatando as relações pessoais, diretas, e
as estruturas comunitárias da sociedade, dadas pelos grupos de
vizinhança, parentesco, religião, hobbies, lazeres, aspirações
culturais, laços étnicos, afetivos etc [...].
Na sequência, analisam-se alguns dos principais movimentos sociais
ocorridos no Brasil nos últimos anos.
2.2.1 MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
Movimento criado no ano de 1979, em Santa Catarina, organizado em
acampamentos, lutava pela posse de terras em assentamentos criados pelo
Governo, e se espalhou por todo o Brasil. Nos anos 70 associou-se à Comissão
Pastoral da Terra (CPT); nos anos 80 contou com dirigentes da CUT e do PT. Já nos
anos 90 o MST tornou seus assentamentos produtivos, voltados não apenas para o
mercado externo, mas também para o consumo de subsistência. Neste mesmo ano
centenas de trabalhadores foram mortos pela posse de terras, tornando o
movimento no maior movimento popular do Brasil. Entre os anos de 1994 a 1997 o
MST ampliou-se, tendo como bandeira de luta a reforma agrária (GOHN, 2011).
Faz-se importante o ensinamento de Sartori (2006, p. 126):
Desde seu surgimento o MST lutou intensamente pela reforma
agrária no Brasil, inclusive com confrontos sangrentos que
resultaram na morte de centenas de trabalhadores. Ainda atua
intensamente, porém, com estratégias diferenciadas e evoluídas, no
entanto, a invasão continua sendo utilizada como forma necessária
de tomarem a atenção do Poder Púbico para a questão. O MST pode
ser considerado o maior e mais organizado movimento social das
últimas duas décadas, bem como do início deste século. Até não se
resolver esta primitiva questão da distribuição de terra, continuará
lutando pela reforma agrária, devendo contar com a sorte para não
mais ser alvo de injustiças e fatalidades que em toda sua história são
constantemente observadas.
32
Ainda, Comparato (2001) faz menção de que principal objetivo das
manifestações nas cidades é conhecer as suas reivindicações, buscando o apoio da
população urbana à causa da reforma agrária. O apoio do MST às lutas urbanas,
diante de manifestações buscando o aumento salarial, as passeatas de professores
ou servidores da saúde pela melhoria das condições de trabalho, as greves
organizadas pelas centrais sindicais, bem como as passeatas feitas por policiais
com o intuito de melhores salários, considera-se uma forma de solidariedade entre
trabalhadores.
2.2.2 Movimento das mulheres
Dados sobre movimentos sociais e organizações da sociedade civil
demonstram que as mulheres são as principais entre os que se mobilizam para a
luta de questões coletivas no âmbito público. Note-se que as mulheres estão
colocando os movimentos sociais novamente em cena, pois a partir do ano de 2000
vêm realizando marchas, sendo que no ano de 2001 participaram da Primeira
Grande Marcha Mundial das Mulheres (MMM), com 20 mil participantes. Na
Segunda Marcha calculou-se em 40 mil o número de participantes. Já em 2005, a
Marcha das Mulheres lançou na cidade de São Paulo, a Carta Mundial das Mulheres
para a Humanidade, contando com 30 mil mulheres na ocasião, vindas de 16
estados brasileiros.
Constata-se, também, a presença das mulheres em várias edições do Fórum
Mundial Social (FSM), visto que o dia 8 de março de 2007 celebrou-se no Brasil com
marchas e manifestações envolvendo as mulheres contra o presidente norteamericano George Bush que estava no Brasil naquela ocasião. Já em 2009, no
Fórum Social Mundial, as mulheres dos mais diferentes países, fizeram um
manifesto especialmente contra a crise econômica financeira mundial (GOHN,
2013).
2.2.3 Movimentos dos homossexuais
O movimento dos homossexuais também cresceu nas últimas décadas no
Brasil, ganhando força nas ruas. Gays, lésbicas e transexuais, além de serem
33
discriminados e criminalizados em nossa sociedade, sofrem atentados e
perseguições, gerando até a morte por meio de grupos fascistas e nazistas.
O início da luta dos homossexuais no Brasil iniciou-se com o grupo Somos,
em 1978, e a criação na cidade de São Paulo, do jornal denominado como “Lampião
da Esquina”. No ano de 1995 criou-se a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e
Travestis (ABGLT), e a partir de então, o movimento cresceu. Desde 1996 realiza-se
a Parada Nacional do Orgulho GLBT – Gays, Lésbicas, Bi e Transexuais, sendo
considerada a maior do mundo. Em 1997 foram dois mil participantes; em 2005
reuniram-se 2 milhões; em 2006 foram 2 milhões e 300 mil participantes, reunidos
na Av. Paulista, caminhando até o centro da cidade de São Paulo, tendo como tema
“Homofobia é Crime”, com ampla cobertura na mídia. No ano de 2007, a parada
contou com 3 milhões e meio de participantes; em 2008 e 2009, o movimento não
teve tanta repercussão na mídia como em anos anteriores.
Na Primeira Conferência Nacional de Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais, realizada no ano de 2008, em Brasília, a sigla do movimento foi
modificada de GLBT para LGBT – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais, seguindo o padrão internacional. A ocasião destacou-se pelo
movimento entrar no circuito de políticas públicas do país, propondo um plano a
nível nacional para a comunidade LGBT, criando um conselho nacional e uma
subsecretaria a nível federal subordinada à Secretaria Especial de Direitos Humanos
da Presidência da República (GOHN, 2013).
2.2.4 Movimentos indígenas
No Brasil, grande parte da população indígena foi eliminada ou confinada
para áreas não urbanizadas/industrializadas, aumentando suas organizações nos
últimos anos, mas a maioria de suas demandas ainda está concentradas na questão
de terras. Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a demarcação de
suas terras, o direito de alfabetização e a busca da venda de seus produtos, foram
grandes conquistas obtidas por esta categoria.
34
A CF/88 reconheceu aos índios “sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições”, na qual o Estado tem o dever de proteger as manifestações
culturais destes povos. Destaca-se que o Estatuto do Índio diferencia-o por sua
cultura, buscando corrigir distorções e concepções atrasadas, tratando o índio como
um cidadão.
Destaca-se que na região de Palheiros, no Estado de São Paulo, vive grande
grupo de índios que lutam pela demarcação de suas terras. Há registros de que no
litoral brasileiro há conflito entre indígenas e proprietários de terras, que buscam
vender estas terras para empreendedores internacionais construírem hotéis e rede
de resorts. No Pará, no ano de 2006, o conflito entre índios Xincrins e a Companhia
Vale do Rio Doce gerou a invasão da mina por 200 índios, após a empresa
financeira suspender a ajuda financeira aos índios. Em Roraima, a demarcação da
Reserva Raposa do Sol, gerou uma das mais conflituosas manifestações,
promulgada em 2009 pelo Supremo Tribunal Federal, resultando na vitória dos
índios. Também em 2009, em Belém, no Fórum Social, dezenas de organizações
indígenas estiveram presentes e se destacaram na mídia internacional (GOHN,
2013).
Inúmeros movimentos sociais originaram-se em virtude da busca de novos
conhecimentos e reconhecimentos daquilo que se reivindica, sendo estes uma
constante
na
história
política
do
Brasil,
caracterizados
como
elementos
fundamentais de uma sociedade moderna.
2.3 Os movimentos sociais na atualidade brasileira
Neste tópico constam dez eixos temáticos do atual cenário brasileiro, que
envolvem movimentos, lutas, demandas na busca por mudanças, bem como ações
coletivas (GOHN, 2013).
1. Movimentos sociais ao redor da questão urbana: Devido aos problemas sociais e
ambientais, houve uma retomada dos movimentos sociais urbanos, lutando-se
pela inclusão social e melhores condições de habitabilidade nas cidades, haja
vista que as camadas populares brasileiras tiveram suas condições de moradia
deterioradas nas últimas duas décadas. Englobam-se aqui, os movimentos
35
sociais nucleados pela questão da moradia, movimentos contra a violência
urbana, movimentos em áreas sociais e prestação de serviços públicos visando
educação, saúde e setor de transportes.
2. Movimentos em torno da questão do meio ambiente urbano e rural: São
movimentos que se confundem com ONGs. Os movimentos de defesa do meio
ambiente ultrapassam o território urbano abrangem toda região, e estes lembram
que além da pobreza e do desemprego, a situação ambiental das cidades deve
ser prioritária em relação ao lixo, a água, o esgoto e a poluição atmosférica.
Merecem destaque neste grupo, os movimentos relativos à água, movimentos
em defesa e recuperação do patrimônio histórico-cultural e estruturas urbanas
públicas, movimentos ambientalistas populares e em defesa dos animais.
3. Movimentos identitários e culturais – gênero, etnia e gerações: Conferem aos
participantes uma identidade voltada para fatores biológicos, étnicos/raciais ou
transmitidas de geração em geração. Os movimentos de gênero caracterizam-se
pelo movimento das mulheres, dos homossexuais, dos jovens e dos idosos; já os
movimentos étnico-raciais são constituídos pelo movimento afrodescendente e
indígena.
4. Movimentos de demandas na área dos direitos: Estes movimentos mostram-se
imprescindíveis, visto que abrangem diversas questões sociais, problemas
econômicos e políticas públicas. Podem-se englobar nesta demanda os direitos
humanos, que criaram redes nacionais e estão interligados a conexões
internacionais, os presídios, os presos políticos, situações e guerra e movimentos
de defesa e preservação de direitos culturais.
5. Movimentos ao redor da questão da fome: Nada mais são do que ações de
coleta de doações e alimentos, cooperativas com o intuito de geração de renda e
ações cidadãs que visam o resgate de pessoas necessitadas. Programas
governamentais como Comunidade Solidária, Fome Zero e Bolsa Família
enquadram-se nestes grupos. No Brasil atual pauta-se a fome como um
problema social grave, associado à desigualdade e pobreza.
6. Mobilizações e movimentos sociais na área do trabalho: Incluem ações coletivas
de suma relevância que iniciaram em comunidades locais e transformaram-se em
associações geradoras de emprego e renda. Destacam-se aqui os movimentos
36
sindicais, movimentos contra reformas estatais, contra o desemprego e
movimento das Cooperativas e Produção Alternativa da Economia Solidária.
7. Movimentos decorrentes de questões religiosas: São oriundos de diferentes
crenças, seitas e tradições religiosas. Importante ressaltar a presença de ações
coletivas das igrejas, especialmente a católica, junto aos movimentos populares,
principalmente nos anos de 70 e 80. Registre-se que o desenvolvimento de uma
sociedade laica onde existe a separação da Igreja do Estado há mais de um
século, bem como a perda de hábitos religiosos, não extinguiu a religião do
cotidiano das pessoas, vista agora como fé, crença e dimensão espiritual.
8. Mobilizações e movimento rurais: Neste campo a organização popular cresceu
significativamente a partir de 1990. Dentre os principais movimentos na
atualidade podem-se citar: o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), a Via-Campesina, o Movimento dos Atingidos pelas Barragens (MAB), o
Movimento das Mulheres Camponesas (MCC), o Movimento dos Pequenos
Agricultores (MPA), a Confederação dos Trabalhadores da Agricultura (Contag),
o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), a Rede de Educação
do Seminário Brasileiro (Resab), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e dos
sindicatos de trabalhadores rurais vinculados à Contag. Entre todos o que possui
maior relevância é o MST, completando 25 anos em 2009, com um total de 1.500
militantes em 24 estados brasileiros.
9. Movimentos sociais no setor de comunicações: A sociedade civil está atenta para
a importância de organizações ao redor dos meios de comunicação, visto sua
importância na sociedade, especialmente na televisão e na internet. A maioria
desses movimentos atua juntamente com ONGs, sendo muito noticiados pelos
meios de comunicação e aludidos como ações coletivas advindas de projetos
focalizados, coordenados e agrupados por categorias de gênero, etnia, religião e
faixa etária.
10. Movimento sociais globais: Movimento Anti ou Alterglobalização, Movimento de
Populações Imigrantes e Movimento pela Paz. O Movimento Anti ou
Alterglobalização é composto por uma rede de redes, unindo críticas sobre a
causa da miséria, exclusão e conflitos sociais, buscando um consenso para que
seja realizada uma ação conjunta. Merece destaque o plebiscito sobre a dívida
externa, a Campanha contra a Alca e as edições do Fórum Social Mundial. O
37
Movimento de Populações Imigrantes, em virtude da globalização econômica,
resulta no deslocamento da população de seu local de origem, estimulando-se a
questão voltada ao atendimento a estes indivíduos quando fora de seu território
original. Já o Movimento pela Paz caracteriza-se por ser um movimento muito
antigo, com o intuito de erradicar as guerras pelo mundo, possuindo conteúdo
religioso, cristão ou espírita, estando muito presentes de forma expressiva no
Fórum Social Mundial.
Em relação à democracia participativa, Sartori (2006, p. 56) ressalta que:
São problemas ou falhas da democracia participativa que, com o
amadurecimento da mesma, podem ser contornados ou superados.
As desigualdades econômicas, especialmente no Brasil, compõe um
dos principais obstáculos para o aprimoramento da democracia
participativa. Talvez até seja um motivo de desestímulo à
participação, visto que a maioria da população pode estar
influenciando nas decisões políticas da nação, porém cientes de que
jamais conseguirão modificar esta injusta distribuição de riquezas
concentrada em pouquíssimas mãos.
Em meio a uma sociedade informatizada na qual se vive não resta dúvidas de
que o aumento de novas tecnologias informacionais produzem impactos em diversas
áreas do conhecimento. A sociedade atual passa por mudanças ao utilizar essas
novas tecnologias, que em caso de uso indevido, oportuniza o surgimento de
demandas jurídicas oriundas de relações virtuais.
2.4 O poder dos meios de comunicação na articulação dos movimentos sociais
Os meios de comunicação nos movimentos sociais na atualidade mostram-se
de grande avanço e relevância, visto que cada indivíduo que compõe a sociedade
civil tem a sua opinião e o seu comportamento próprio, seja ele cultural ou
intelectual, sendo livre para manifestar-se do modo que melhor lhe convir, visto que
se está diante de um Estado democrático de direito.
Neste escopo, Santos (2002, p. 56):
Em todos os casos, junto com a ampliação da democracia ou sua
restauração, houve também um processo de redefinição do seu
dignificado cultural ou da gramática social vigente. Assim, todos os
38
casos de democracia participativa estudados iniciam-se com a
tentativa de disputa pelo significado de determinadas práticas
políticas, por uma tentativa de ampliação da gramática social e de
incorporação de novos atores ou de novos temas à política.
A participação representativa dos governantes já não se mostra mais
satisfatória para atender os anseios da população. O que realmente os indivíduos
querem e precisam é participar intensamente do processo decisório do nosso país,
não simplesmente elegendo representantes, mas sim, acompanhando as decisões
que influenciarão no futuro de todos.
No entendimento de Demo (1993, p. 18), a participação
[...] é conquistada para significar que é um processo, no sentido
legítimo do termo: infindável, em constante vir-a-ser, sempre se
fazendo. Assim, participação é em essência autopromoção e existe
enquanto conquista processual. Não existe participação suficiente,
nem acabada. Participação que se imagina completa, nisto mesmo
começa a regredir.
Não é novidade de que os meios de comunicação de massa conferem
significativo
espaço
aos
movimentos
sociais,
seja
no
jornalismo
ou
no
entretenimento, os quais estão presentes do jornal impresso ao rádio, do rádio à
televisão, e da televisão à internet.
Citam-se os entendimentos de Ingo Wolfgang Sarlet e Carlos Alberto
Molinado (apud OLIVEIRA; BUDÓ, 2014, p.101):
Uma compreensão elástica do âmbito de proteção esbarra, todavia,
em algumas questões polêmicas, por exemplo, negativa de fatos
históricos, a existência de um dever de verdade quanto aos fatos.
Quanto a tais questões, adota-se aqui a linha de entendimento
sustentada por Gomes Canotilho e Vital Moreira, naquilo em que
negam a existência de um dever de verdade quanto aos fatos, assim,
como afastam, em princípio, qualquer tipo de “delito de opinião”,
ainda que se cuide de opiniões que veiculem posições contrárias à
ordem constitucional democrática, ressalvando, contudo, eventuais
distorções dos fatos e manifestações que atinjam direitos
fundamentais e interesses de terceiros ou que representem incitação
ao crime devem ser avaliadas quando da solução dos conflitos entre
normas e direitos fundamentais.
Relata-se, a seguir, a influência e a atuação da Internet e das redes sociais na
articulação dos movimentos sociais.
39
2.4.1 Internet e redes sociais
É visível o papel fundamental que as redes sociais apresentam no contexto
atual em que se vive, mostrando-se até mesmo mais relevantes do que os próprios
movimentos sociais em si. Oliveira e Rodegheri (apud OLIVEIRA; BUDÓ, 2014, p.
201-202) discorrem sobre o assunto, afirmando que:
Pode-se afirmar que a Rede proporcionou uma verdadeira revolução
em termos de comunicação e de liberdade de expressão, pois é uma
plataforma útil, atrativa e de fácil acesso que permite a discussão de
questões sociais, locais ou mundiais, buscando-se ações e soluções
a partir de uma interação inerente aos seres humanos.
Josicleido Nogueira (2010) contribui com seu entendimento destacando que
“as Redes Sociais são o meio onde as pessoas se reúnem por afinidades e com
objetivos em comum, sem barreiras geográficas e fazendo conexões com dezenas,
centenas e milhares de pessoas conhecidas ou não.”
Com sabedoria ímpar, Rafael Santos de Oliveira e Marília de Mardin Budó
(2014, p.199) destacam que:
A internet surge, assim, como um mecanismo apto a reviver e a
revigorar a cidadania que habita os cidadãos, na vontade de
melhorar a qualidade de vida, organizar as comunidades locais e
facilitar a troca de informações, de modo que os indivíduos,
conectados em Rede, possam discutir e apresentar, aos
governantes, soluções para problemas cotidianamente vividos e
esquecidos pelos parlamentares que, em muitos momentos, tratam
apenas de interesses e vantagens particulares.
Registre-se que, as redes sociais nada mais são do que relações entre as
pessoas, possibilitando a facilidade de comunicação entre os indivíduos, sendo um
meio de entretenimento, busca de informações e relacionamentos. Ressaltem-se os
ensinamentos de Gohn (2013, p. 150) a esse respeito:
A internet tem sido o grande meio/veículo articulador de ações
coletivas e movimentos sociais. Ela possibilitou a criação de redes
virtuais que viabilizam conexões de grupos que nunca de
encontraram fisicamente de fato. A internet e outros meios das novas
tecnologias informacionais possibilitam não apenas a conexão e
estruturação das ações, mas eles têm sido grandes agentes
divulgadores das informações, alimentadores das ações e reações
em cadeia, em tempos recordes.
40
Adriana de Araújo Guzzi (apud OLIVEIRA; BUDÓ, 2014, p. 228), ensina que:
A foto na rua, o vídeo no celular, o envio de mensagens de texto por
SMS, por e-mail e para blogs, entre outras possibilidades
instantâneas, são utilizadas, por exemplo, para documentar um
momento, marcar ou desmarcar encontros em cima da hora, avisar
sobre acidentes, trânsito, congestionamento, manifestações públicas
e outras ocorrências na cidade entre duas até milhares de pessoas
simultaneamente. Assistimos todos os dias como esses registros por
amadores alimentam as reportagens da grande mídia.
Note-se que a sociedade civil organiza-se pelas redes sociais, tendo em vista
a internet ser um meio de fácil acesso por todos. Querendo ou não, este meio de
comunicação influencia de maneira direta o modo de pensar das pessoas,
possibilitando a comunicação regional e inter-regional entre os indivíduos que
buscam algum tipo de mudança.
Já Cecília Peruzzo e Juçára Brittes (2002, p. 51-52) ressaltam que:
Socialização do acesso à Internet significa a necessidade de romper
novas barreiras que impedem o exercício ampliado da cidadania com
igualdade e liberdade. Sua efetivação contribuirá para o exercício da
cidadania na sua dimensão política, através da ampliação de
possibilidades de participação do cidadão na vida de sua cidade, do
país e do mundo.
A internet tem crescido muito nos últimos tempos, de forma quantitativa e
qualitativa, pois as pessoas a utilizam não somente para trocar mensagens e buscar
informações, mas também para discutir suas reivindicações e seus interesses.
Torna-se, assim, um mecanismo apto a fortalecer a cidadania e a luta por
mudanças, de modo que os indivíduos, conectados pela rede, discutam soluções
para problemas vivos no cotidiano de todos.
Isso vem ao encontro dos ensinamentos de Rafael Oliveira e Letícia
Bodanese Rodegheri (apud OLIVEIRA; BUDÓ, 2014, p. 201):
Pode-se afirmar que a rede proporcionou uma verdadeira revolução
em remos de comunicação e de liberdade de expressão, pois é uma
plataforma útil, atrativa e de fácil acesso que permite, também, a
discussão de questões sociais, locais ou mundiais, buscando-se um
conjunto de ações e soluções a partir de uma interação inerente aos
seres humanos.
41
Registre-se que, embora a Internet seja um mecanismo de mobilização entre
os indivíduos, propiciando a criação de movimentos sociais para a participação da
população, muitas vezes as mobilizações se dão de forma restrita e distribuídas em
locais determinados. Isso demonstra um ponto fraco da rede, pois desta forma se
entende que a internet mobiliza indivíduos de determinados lugares e não um
público em geral.
2.5 Mapeamento dos movimentos sociais no Brasil de 2010 a 2015
Movimentos sociais, manifestações ou até mesmo protestos, nada mais são
do que formas de expressão do pensamento, com o intuito de terem suas ideias e
opiniões ouvidas, com a perspectiva de tentar influenciar o pensamento e as ideias
dos indivíduos de determinada sociedade, bem como na política de governo.
Também, ainda referindo-se aos movimentos sociais, pode-se afirmar que
eles são considerados um termômetro que mede a intensidade de satisfação de um
povo com seu país, e que quanto mais eles existirem, pode-se ver que menos o
Estado trabalha socialmente (SARTORI, 2006).
É evidente que a participação popular acentuou-se significativamente nos
últimos anos, onde se luta para construir e preservar princípios e identidades,
podendo destacar a própria mídia como um grande articulador das mobilizações,
que ao mesmo tempo em que reprime, também liberta o cidadão de manifestar-se
livremente, sem medo de repressão.
Desta forma, aborda-se no terceiro capítulo deste estudo, a participação da
sociedade civil em alguns movimentos sociais urbanos ocorridos no Brasil entre os
anos de 2010 a 2015.
42
3 ANÁLISE DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS MOVIMENTOS
SOCIAIS URBANOS E AMPLIAÇÃO DA DEMOCRACIA
Neste terceiro capítulo abordam-se aspectos referentes à participação da
sociedade civil nos movimentos sociais urbanos ocorridos no Brasil entre os anos de
2010 a 2015 e que tiveram grande relevância de modo a influenciar o pensamento e
a ideia do cidadão brasileiro, caracterizando-se como uma função indispensável e
imprescindível exercida pela sociedade civil.
3.1 Marcha da maconha
Inicialmente, para conceituar este movimento, colaciona-se a ideia de Vinicius
Ramos Lanças (2013, p. 37-38):
A Marcha da Maconha é um movimento social difuso, cuja ideia
principal encontra alcance global, mas as ações políticas, geralmente
marchas e protestos, são localmente elaborados e realizados. Sua
origem, segundo informações jornalísticas, remonta a 1998. [...] O
movimento toma forma através de grupos locais articulados em torno
da causa anti-proibicionista. Ele repercutiu em várias cidades ao
redor do mundo, variando as nuances das reivindicações e protestos
conforme os contextos locais sem perder de vista a causa contra o
modelo proibicionista.
O Coletivo Marcha da Maconha no Brasil (2012) tem o intuito de:
Criar espaços onde indivíduos e instituições interessadas em debater
a questão possam se articular e dialogar; Estimular reformas nas
Leis e Políticas Públicas sobre a maconha e seus diversos usos;
Ajudar a criar contextos sociais, políticos e culturais onde todos os
cidadãos brasileiros possam se manifestar de forma livre e
democrática a respeito das políticas e leis sobre drogas; Exigir
formas de elaboração e aplicação dessas políticas e leis que sejam
mais transparente, justas, eficazes e pragmáticas, respeitando a
cidadania e os Direitos Humanos.
Ao referir sobre o assunto, em 2011, o Supremo Tribunal Federal decidiu por
unanimidade realizar a marcha da maconha no Brasil, referindo ser um direito
constitucional a livre expressão do pensamento. No seu voto favorável, o ministro
Celso de Mello ressaltou que “a “marcha da maconha” é um movimento social
espontâneo que reivindica, por meio da livre manifestação do pensamento, “a
43
possibilidade da discussão democrática do modelo proibicionista (do consumo de
drogas) e dos efeitos que (esse modelo) produziu em termos de incremento da
violência”. Também declarou que o movimento possui caráter cultural, que possibilita
a livre manifestação do pensamento, criando espaço para o debate sobre o tema
(STF, 2011).
3.2 Marcha contra a corrupção: “Vem pra Rua”
A marcha contra a corrupção, mais conhecida como movimento “Vem pra
Rua”, ocorreu em junho de 2013, nas capitais e nas grandes cidades do país,
destacando-se pela grande quantidade de pessoas que foram às ruas, tendo as
redes sociais como meio de mobilização. A marcha evidenciou a insatisfação do
povo brasileiro com a qualidade das políticas públicas, relacionadas à educação,
saúde, transporte público, corrupção, segurança pública, e também mostrou o
descontentamento com a forma de representação dos representantes políticos.
Primeiramente, as manifestações tiveram início protestando pela diminuição
da tarifa do transporte público, sendo vista de maneira negativa pelo governo.
Mesmo com a sua reprovação, as manifestações ganharam ainda maior amplitude,
com grande repercussão na mídia e nos meios de comunicação em geral,
espalhando-se por todo o Brasil.
Com isto, destaca-se o entendimento de Cidoval Moraes de Sousa e Arão de
Azevedo Souza (2013, p. 18):
Um aspecto que chamou a atenção dos analistas e lideranças
políticas vinculadas aos movimentos sociais tradicionais foi a
multiplicidade de sujeitos e reivindicações, assim como a ausência
de liderança. Aspecto que por muitos foi desqualificado, por
buscarem nas manifestações de junho as mesmas formas e modelos
produzidos anteriormente pelos movimentos sociais tradicionais e
partidos políticos.
Este movimento teve grande relevância e diferença de outros movimentos
sociais urbanos ocorridos em anos anteriores, devido ao uso da internet e das redes
sociais, agindo como grandes influenciadores na expectativa e comunicação entre
44
as pessoas, tendo como grande liderança a presença dos jovens da sociedade
brasileira. Registre-se, contudo, que não foram apenas os jovens os grandes
protagonistas dessa manifestação, mas também muitos outros atores que tinham o
intuito de demonstrar a sua discordância contra a carência de políticas públicas.
Ressalte-se que mesmo com alguns avanços, este movimento não trouxe
grandes mudanças que impactassem nas condições de vida da maioria da
população, continuando os problemas com educação, transporte público, saúde,
segurança pública e também a corrupção. Esta tem sido mais visível para a
sociedade, levando a uma maior indignação por parte da população (SOUSA;
SOUZA, 2013).
3.3 Movimento de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT)
Como dito anteriormente, o Movimento de Gays, Lésbicas, Bi e Transexuais
(LGBT) ocorre desde o ano de 1996, podendo ser considerado o maior do mundo,
sendo que em 2006 foram 2 milhões e 300 mil participantes, reunidos na Av.
Paulista, caminhando até o centro da cidade de São Paulo, tendo como tema
“Homofobia é Crime”, com ampla cobertura pela mídia. Em 2007 foram 3 milhões e
meio de participantes; nos anos de 2008 e 2009, o movimento não teve tanta
repercussão na mídia como em anos anteriores.
Note-se que o movimento LGBT, também chamado de “Parada do Orgulho
Gay”, tem aumentado significativamente a cada ano, sendo fortalecido através da
mídia e redes sociais.
Destaca-se que neste período existiram outros movimentos sociais, mas
esses não serão tratados neste momento, pois o estudo não é exaustivo e, sim,
exemplificativo, dando margem a outros estudos.
45
CONCLUSÃO
Conclui-se que é na democracia que a liberdade de expressão se acentua,
porém, esta encontra um limitador no Estado, mesmo que na atualidade ela se
exteriorize no exercício da participação popular nos movimentos sociais como um
dos mecanismos de fortalecimento.
Percebe-se, assim, que quanto mais o processo democrático se expande e o
cidadão encontra na Constituição Federal as condições para se manifestar sem
medo de repressão, a sociedade brasileira está amadurecendo, acordando e se
conscientizando da importância de sua participação política, pois o governo no
Estado Democrático de Direito é do povo e deve ser para o povo.
Deste modo, partindo da premissa de que os movimentos sociais possibilitam
que a sociedade civil se expresse com liberdade, manifeste seus conflitos sociais e
lute por seus direitos, percebe-se que os meios de comunicação são agentes
influenciadores na opinião e expectativa das pessoas com relação à efetivação de
sua participação na luta por mudanças.
46
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