Quasi-Neutralidade e Oscilações de Plasma

Propaganda
Quasi-Neutralidade e Oscilações de Plasma
No processo de ionização, como é produzido um par elétron-íon em cada
ionização, é de se esperar que o plasma seja macroscopicamente neutro, ou seja,
que haja tantos elétrons quanto íons no volume do plasma. No entanto, num
plasma real, de volume limitado, a perda de cargas por processos difusivos pode
ser bastante distinta para elétrons e íons. Portanto, em princípio não haveria razão
para que o plasma permanecer quasi-neutro. No entanto, a maioria dos plasmas
tem distribuições quasi-neutras de densidade de cargas, o quê significa que ne ≈ ni
localmente em todo o plasma. Essa característica é denominada quasineutralidade. A razão para que ocorra é que qualquer desvio da quasineutralidade faz surgir campos elétricos intensos que forçam a sua restauração,
induzindo, simultaneamente, as chamadas oscilações de plasma. Vamos
investigar essa propriedade utilizando um modêlo bastante simples, a fatia
perturbada de plasma.
Consideremos um plasma quasi-neutro, com densidades ne = ni = n, e
perturbemos uma pequena fatia dele, retirando todos os elétrons dentro de uma
camada plana de largura δ, mas deixando os íons em suas posições originais,
como indicado na Fig.5.
Fig. 5 Esquema de uma fatia de plasma perturbada. A espessura da fatia é δ e todos os elétrons
da fatia foram deslocados para dentro do plasma fora da fatia.
O campo elétrico dentro da fatia pode ser determinado pela lei de Gauss,
considerando que, por razões de simetria, ele deve estar na direção do eixo x.
Aplicando a lei de Gauss ao cilindro indicado na Fig. 5, temos
r q
r
E
d
S
•
=
.
∫
ε0
r
Na superfície lateral do cilindro, o campo elétrico é perpendicular ao vetor dS e
dentro do plasma podemos considerar o campo elétrico nulo devido `quasineutralidade do plasma. Por outro lado, dentro do cilindro a carga total será dada
pela densidade iônica (suposta uniforme) vezes a carga vezes o volume; assim, a
lei de Gauss fica
r
r
q
∫E • dS = EA = ε
0
=
ne
neAx
⇒E=
x.
ε0
ε0
Calculemos agora a força que este campo vai exercer num elétron dentro do
plasma, próximo à borda da fatia. A força será
ne 2
F=
x.
ε0
Para se ter uma idéia da ordem de grandeza dessa força, consideremos uma
densidade típica de um plasma de fusão, n ≈ 1020 m-3 e um pequeno
deslocamento, x ≈ 1mm. Neste caso a força será aproximadamente 2,9×10-10 N,
causando uma aceleração do elétron de 3,2×1020 m/s2 !. Portanto, qualquer
pequeno desvio da qausi-neutralidade faz surgir uma intensa força restauradora
que força a neutralidade novamente.
Na presença da força restauradora, a equação de movimento do elétron fica
me
d 2x
ne 2
d 2x
ne 2
=
eE
=
x
,
ou
=
x.
ε0
dt 2
dt 2 me ε 0
Esta é a equação do oscilador harmônico clássico, cuja solução pode ser escrita
como (verifique por substituição)
(
)
x (t ) = x 0 cos ω pe t ,
onde a freqüência de plasma (na realidade freqüência angular) dos elétrons é
definida por
ω pe
ne 2
=
.
me ε 0
Embora as oscilações de plasma tenham sido obtidas a partir de um
modêlo bastante artificial, ela pode ser derivada de forma rigorosa, a partir da
descrição do plasma como um fluído. As oscilações de plasma ocorrem
naturalmente, excitadas por qualquer perturbação aleatória. Portanto, em plasmas
tanto de laboratório como astrofísicos, mesmo os de muito baixa temperatura, os
elétrons estão continuamente oscilando, com suas freqüências de plasma
caracterísiticas ( a definição da freqüência de plasma dos íons é igual à dos
elétrons, substituindo a massa eletrônica, me, pela iônica, mi). Mas, como as
massas dos íons são muito maiores que a dos elétrons, a freqüência de plasma
iônica é muito menor que a eletrônica (cerca de quarenta vezes no caso dos íons
serem protons).
Blindagem de Debye
O campo elétrico que surge num plasma quando há separação de cargas
tem uma conseqüência interessante e, de certa forma, inesperada, quando se
considera o campo criado por qualquer “carga teste” imersa no meio. Suponhamos
que uma carga teste positiva, esfericamente simétrica, seja inserida em um
plasma originalmente neutro, ou seja, com densidades ne = ni = n. Os íons vão ser
repelidos pela carga teste e os elétrons atraídos, modificando localmente o
potencial eletrostático e a distribuição de cargas em seu entorno. No entanto, a
configuração final de cargas não é estática. Como os elétrons e íons têm energia
térmica, aqueles podem se afastar e estes se aproximar da carga teste,
intercambiando energia cinética (térmica) com energia potencial (eletrostática).
Portanto, a configuração resultante vai depender da energia térmica do plasma, ou
seja, de sua temperatura.
Fig. 6 Esquema de uma carga teste imersa em um plasma neutro.
Consideremos a configuração esquematizada na FIg. 6. A carga teste está
na origem e, devido à sua simetria esférica, o potencial eletrostático só deve
depender da coordenada radial r e o campo elétrico deve estar na direção radial,
r
r
ou seja, E (r ) = E (r )eˆ r , onde er é o vetor unitário na direção radial. Ao nos
afastarmos suficientemente da carga, sua perturbação desaparece, de forma que
esperamos que φ(r ) → 0 quando r → ∞. Já ao nos aproximarmos da carga teste,
o seu efeito domina sobre o das cargas do plasma, de forma que podemos impor
a condição inicial φ(r ) ≈
qt
quando r → 0. Naturalmente, longe da carga teste,
4πε 0 r
o plasma continua neutro mas, na região no seu entorno, esperamos que a
densidade de elétrons seja maior que a de íons (o inverso caso a carga teste seja
negativa), ou seja, ne ≠ ni. Aplicando a lei de Gauss à superfície esférica indicada
na Fig. 6, temos
r
r
q
q
e
E
•
d
S
= 4πr 2 E =
= t +
∫
ε0 ε0 ε0
∫(n
i
ne )dV ,
onde supusemos que os íons têm carga igual à dos elétrons. A variação radial das
densidades iônica e eletrônica vai depender da dependência radial do potencial
eletrostático porque, como o sistema está em equilíbrio térmico, a distribuição de
cargas vai variar segundo o fator exponencial de Boltzmann, cujo argumento é
dado por [– (energia potencial)/(energia térmica)]1. A energia potencia eletrostática
é dada por qφ(r ) e a energia térmica por kBT. Como a carga dos íons é q = e e a
dos elétrons q = -e, temos
ni = ne
_ eφ
k BT
e ne = ne
eφ
k BT
,
de forma que a lei de Gauss fica
_ eφ
eφ
q
ne
4πr E = t +
(e kBT _ e kBT )dV .
ε0 ε0 ∫
2
Como o campo elétrico é dado por menos o gradiente do potencial, E = _ dφ dr ,
esta última equação é uma relação diferencial-integral não linear para o potencial.
No entanto, podemos simplificá-la considerando que,na maioria dos plasmas de
interesse, a energia térmica é muito maior que a potencial, eφ / k BT << 1 . Então
podemos desenvolver os fatores exponenciais dentro do integrando, mantendo
termos até primeira ordem. Lembrando que ex ≈ 1 + x + ....., para x << 1, temos
(e
_eφ
k BT
_e
eφ
k BT
) ≈ 1_
eφ
eφ
eφ
_ ..... _(1 +
+ ......) ≈ _ 2
,
k BT
k BT
k BT
e a lei de Gauss fica
1
Os alunos não familiarizados com a distribuição de Boltzmann devem ler o livro do Prof. Moysés
Nussenzweig, Física, Vol. 2, cap. 12
dφ q t
ne 2
_ 4πr
= _2
φ(r )dV .
dr ε 0
ε 0 k BT ∫
2
Como o elemento de volume esférico é dado por dV = 4πr2dr, a equação pode
ainda ser escrita como
r2
qt
dφ
ne 2
=_
_2
dr
4πε 0
ε 0 k BT
∫r
2
φ(r )dr .
Esta equação integral pode ser resolvida facilmente derivando-a uma vez
mais com relação a r, obtendo
1 d 2 dφ
ne 2φ
(r
)=2
.
ε 0 k BT
dr
r 2 dr
A forma da solução dessa equação pode ser inferida por argumentos físicos;
sabemos que, ao nos aproximarmos da carga teste, o potencial tem que variar
com 1/r. Então, podemos tentar uma solução do tipo
φ(r ) =
f (r )
,
r
onde a função desconhecida f(r) representa a modificação do potencial devido à
nuvem de cargas positivas e negativas do plasma que se formam em seu entorno.
Utilizando esta expressão, o lado esquerdo da equação para o potencial fica
1 d 2 dφ
1
df df
d 2f
1 d 2f
(
r
)
=
(_
+
+
r
)
=
.
dr
r dr 2
r 2 dr
r 2 dr dr
dr 2
A equação para a função f(r) fica então
d 2f
ne 2
=2
f.
ε 0 k BT
dr 2
Definindo o Comprimento de Debye pela expressão
λD =
ε 0 k BT
,
ne 2
A _
a solução da equação para f é dada por f (r ) = e
r
2
r
λD
B
+ e
r
2
r
λD
. Como o
segundo termo diverge quando r → ∞, temos que fazer B = 0 e a expressão para o
potencial eletrostático fica
φ(r ) =
A _
e
r
2
r
λD
.
Finalmente, a constante A é determinada pela condição que o potencial tem que
tender para a expressão de uma carga puntiforme quando r → 0; então obtemos
_
qt
e
φ(r ) =
4πε 0 r
2
r
λD
.
O fator exponencial que aparece na expressão para o potencial da carga
teste imersa no plasma é devido à blindagem das cargas do plasma no entorno da
carga teste. Este fator é denominado fator de blindagem de Debye e ele faz com
que o potencial decresça muito mais rapidamente que o potencial coulombiano,
com é indicado na Fig. 7. Na prática, podemos considerar que, para distâncias
maiores que dois ou mais comprimentos de Debye, o potencial da carga teste está
totalmente blindado. O campo elétrico pode ser obtido simplesmente derivando a
expressão do potencial com relação à coordenada radial. Fica como exercícios
para os alunos determinar a expressão do campo, verificar o quê acontece com a
variação radial do campo perto de r = λD, e demonstrar que a carga total dentro de
uma esfera de raio igual ao raio de Debye, centrada na carga teste, é nula, ou
seja, a quantidade de elétrons dentro de uma esfera de Debye é superior à dos
íons o suficiente para cancelar a carga teste.
6
5
Potencial
4
3
2
Po tencial de Cou lomb
1
Potencial de Debye
0
0,0
0,5
1, 0
1,5
2,0
2, 5
3,0
r/lambda Debye
Fig. 7 Gráfico mostrando a variação do potencial Coulombiano e o potencial de Debye com a
distância à carga teste. O eixo horizontal é a distância radial normalizada à distância de Debye e o
eixo vertical é o potencial normalizado à λD
qt
.
4πε 0
Como qualquer carga do plasma pode ser considerada com uma “carga
teste”, todas elas se comportam como macro partículas “vestidas”, ou seja, em
torno de cada carga podemos considerar que há uma nuvem de blindagem de
forma que, ao uma carga se aproximar de outra, elas só sentirão o campo
eletrostático de uma carga pontual se estiverem à uma distância inferior à
distância de Debye entre elas.
Definição de Plasma
Agora podemos definir um plasma mais corretamente, não simplesmente
como um “gás ionizado”. Consideramos um plasmas como um sistema de cargas
livres no qual a blindagem eletrostática é efetiva. Para que isso ocorra,
naturalmente a densidade de cargas tem que ser o suficientemente alta para que
haja um número adequado de cargas dentro de uma esfera de Debye para que a
blindagem eletrostática seja efetiva. O volume de uma “esfera de Debye”, no
entorno de qualquer carga, é dado por
4π 3
λ .
3 D
Sendo n a densidade tanto de elétrons como de íons, o número de cargas dentro
da esfera de Debye será 2n multiplicado pelo volume, ou seja,
N = 2n
ε k T 3 8π
4π 3
λD = [ 01 B ] 2
.
3
3
n 3e 2
Para que a blindagem seja efetiva, naturalmente é necessário que N >> 1, ou,
escrito de uma forma conveniente, que
g≡
1
<< 1.
nλ3D
Esta grandeza é denominada parâmetro de plasma e constitui um fator de
desenvolvimento utilizado em modêlos teóricos de plasma.
Download