Atualidades - Estuda Que Passa

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Segurança
Professor Thiago Scott
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Atualidades
SEGURANÇA
Redemocratização e paradoxos da segurança pública
Num breve olhar sobre a história do país, é difícil discernir o que é parte de uma política deliberada de segurança ou o que é decorrência de práticas sociais e institucionais tradicionais.
Durante o período colonial, os crimes atentavam contra a vontade do soberano e eram considerados faltas morais ou religiosas. As atribuições policiais e judiciais estavam concentradas em
poucos cargos da hierarquia da administração colonial da justiça, havendo considerável dispersão de mecanismos de vigilância e punição, muitos dos quais eram religiosos e/ou privados. A
administração colonial contava com ampla participação dos senhores da terra e a justiça era
exercida à distância. As práticas de punição eram, em regra, o degredo (para pessoas de maior
condição) e o açoite (para os escravos). As práticas de investigação eram baseadas na suspeita
sistemática e as provas eram obtidas mediante tortura judicial. Essas práticas generalizaram-se
quando o Santo Ofício desembarcou em terras brasileiras. O município era o centro das preocupações da administração da justiça na colônia portuguesa e base de toda a estrutura colonial.
Nesse sentido, as cidades eram símbolos do poder da metrópole e da igreja e nelas havia os
locais para a detenção e punição dos criminosos. As cidades foram construídas em decorrência
das necessidades imediatas da exploração econômica e, embora fossem o centro do controle
político, gozavam de ampla autonomia e independência.
Depois de três séculos de vida colonial, vivendo à sombra das instituições e da legislação portuguesa, o Brasil passou a ter uma Constituição, em 1824, um Código Criminal, em 1830, e um
Código de Processo Criminal, em 1832. A legislação penal passou a entender o crime como
infração à regra penal, para a qual penalidades específicas foram prescritas. O sofrimento físico começou a ceder espaço às punições tecnicamente frias, como o degredo ou a privação da
liberdade. As punições passaram a estar relacionadas à retribuição, à recomposição da infração
de uma lei anterior e o criminoso passou a ser visto como aquele que rompeu um pacto social.
A escravidão permanecia como problema político, moral, econômico e social. Durante o Império, embora o Brasil tivesse um governo acentuadamente centralizado, as províncias mantiveram-se isoladas e com autonomia em relação à aplicação da lei e ao uso das instituições
judiciais. O espetáculo punitivo foi praticado contra escravos, durante quase todo o século XIX.
Embora muitos dos castigos aplicados em escravos ainda permanecessem subordinados à esfera da fazenda, portanto, à esfera privada, nas cidades os castigos davam-se em praça pública
e eram executados por “funcionários públicos”. Os castigos atraíam enorme atenção popular. O
sistema punitivo do Brasil imperial manteve a pena de prisão com trabalho forçado, as multas e
os suplícios públicos. O sentido profundo dessa disparidade ainda está por ser desvelado. Esse
sistema perdeu espaço na medida em que a crise do escravismo se acentuava. As reformas legais liberais, ocorridas durante a década de 1870, apontavam nessa direção.
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Na República, com a promulgação de uma nova Constituição, em 1891, e de um novo Código
Penal, um ano antes, o federalismo e a pena de prisão celular tornaram-se regra. Os interesses
dos plantadores de café fizeram-se representar tanto na política como na administração da
justiça. É claro que a economia agroexportadora, sustentada pelo latifúndio e pela empresa
cafeeira, deu impulso ao desenvolvimento das cidades. As condições para isso foram o trabalho
livre e a importação de mão de obra europeia. Os trabalhadores importados, assimilados pelo
primeiro surto industrial, organizaram associações para reivindicar melhores condições de vida
e trabalho. O acesso restrito à política e as baixas concessões feitas pelos industriais à demanda
dos trabalhadores permitiram a ampliação da luta política no espaço da rua, na forma de greves
e manifestações. O cenário da luta dos trabalhadores foi a cidade de São Paulo. Além de suas
funções públicas, comerciais, bancárias e industriais, a cidade era local de moradia das elites
políticas e econômicas. O espaço urbano, dividido entre bairros das elites e de trabalhadores,
funcionou como lente de aumento das novas tensões sociais e como laboratório para inúmeras
estratégias de controle e segregação. Polícia, prisões e outras instituições, nesse sentido, receberam atenção especial das elites.
Mudanças importantes somente ocorreram com as Constituições de 1934, de 1937, de 1946,
com o Código Penal de 1940 e com o Código do Processo Penal de 1941. Foram mudanças
contraditórias, pois as instituições de segurança pública - polícia, prisões, ministério público,
magistrados e júri – não mudaram muito em relação à configuração legada pela Primeira República, embora, sob o Estado Novo, tenha havido uma centralização e uma racionalização da
administração pública sem precedentes na história do país. Vários relatos indicam até mesmo
uma degradação acelerada dessas instituições durante o Estado Novo e, mais adiante, durante
a Ditadura Militar. Nos períodos de exceção, as violações de direitos, as prisões ilegais, a violência policial, as condições iníquas de cárceres e instituições de repressão tornaram-se moeda
corrente. O acesso à justiça e a distribuição de renda agravaram-se, sobretudo diante do adensamento populacional nas principais capitais e em suas regiões metropolitanas.
O período de 1945 a 1964, do ponto de vista constitucional, foi uma exceção a essa regra. Mas
não se sabe o quanto nossa primeira experiência democrática promoveu mudanças no tratamento dispensado àqueles que estavam submetidos à justiça e à lei. Notícias veiculadas na
imprensa sugerem que as garantias constitucionais nada significavam para os detidos e investigados pela polícia, nem para os indivíduos que cumpriam pena ou que estavam em manicômios, e não traziam ônus adicionais aos homens da lei. A tortura, a corrupção, as atividades de
justiceiros e as rebeliões em presídios parecem ter uma história mais longa e um destino mais
persistente do que imagina nossa credulidade democrática.
O processo de democratização do Brasil, iniciado em 1985, teve seu apogeu com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, a chamada Constituição Cidadã, que abrangeu um considerável elenco de direitos civis, políticos e sociais. O controle da
violência do Estado, até a transição política, era tão rarefeito que qualquer referência aos instrumentos internacionais era meramente retórica, haja vista a distância entre as práticas dos
agentes do Estado e as exigências de vários textos legais nacionais e internacionais.
Os governos civis, além de terem promovido o ingresso do Brasil na legalidade do sistema internacional de proteção dos direitos humanos, puseram em prática iniciativas, mesmo algumas
vezes intermitentes e interrompidas, de uma nova abordagem oficial em relação aos direitos
e garantias constitucionais e às violações dos direitos humanos. Apesar da nova configuração
político-institucional, baseada no reconhecimento e na garantia dos direitos fundamentais dos
cidadãos, isto é, da democracia formal, os institutos jurídicos tradicionais do direito brasileiro
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e as práticas institucionais baseadas no Estado não sofreram mudança imediata; ao contrário,
durante os últimos quinze anos de exercício democrático, subsistiram práticas ilegais, corrupção, violência, promovidas pelos próprios agentes do Estado, bem como toda uma cultura autoritária, dispersa em nossa sociedade (Pinheiro, 1996). A criminalidade violenta agravou-se,
particularmente os homicídios que incidem sobre os jovens, algumas vezes tendo como agentes os membros das próprias corporações estatais responsáveis pela segurança pública (Paixão,
1988).
Porém o Estado, diferentemente da época do regime de exceção, não era mais o coordenador direto das ações de violência ilegal, embora, em parte, tenha enorme responsabilidade no
problema ao não promover a integração do repertório constitucional às práticas policiais, judiciais e punitivas. As duas últimas décadas foram marcadas pela crescente insegurança social
diante da expansão da criminalidade e da ampliação de esferas privadas e segregadas (condomínios fechados, bolsões residenciais, grades e muros), cada vez mais marcada pelos espaços
não propícios para a manifestação pública desinteressada (Soares, 2000). A segurança passou,
nos últimos surveys, a ocupar o segundo lugar nas preocupações dos cidadãos brasileiros, somente abaixo do desemprego. Os efeitos disso são preocupantes, pois assinalam o aumento
dos gastos do poder público (armas e equipamentos), da comunidade (dispositivos eletrônicos
e condomínios fechados) e dos indivíduos (veículos blindados, seguros, armas) com segurança
(Caldeira, 2001).
No mesmo momento em que houve a explosão da violência e do conseqüente aumento de
sua percepção pública, as políticas de segurança passaram a ser alvo de discussões, debates e
propostas (Adorno, 1998). A expectativa generalizada era que essa onda pudesse ter interferido positivamente nas práticas de nossas instituições e, no limite, melhorado a prestação dos
serviços de segurança à população. Mas a realidade tem se mostrado, por enquanto, imune a
essa tendência (Chevigny, 1995). Apenas para ressaltar um ponto, embora a sensação de medo
seja mais ou menos generalizada, na cidade de São Paulo, por exemplo, a distribuição de crimes
é desigual e tende a acompanhar o mapa sócio-econômico. A possibilidade de uma pessoa ser
vítima de homicídio é muito maior nos distritos censitários localizados nas regiões periféricas
do que nos distritos do chamado centro expandido ou nos distritos que apresentam Índice de
Desenvolvimento Humano considerado elevado. Em contrapartida, os crimes contra o patrimônio ocorrem em maior número nos distritos do centro ou do centro expandido do que nos
limites extremos da cidade (Pinheiro, 1999). O poder público, muitas vezes, não acompanha,
em suas prioridades, essa lógica elementar. O poder público tem insistido em considerar os
crimes contra o patrimônio (e os seqüestros) como prioridade e parte importante dos recursos públicos de segurança não é destinada às áreas periféricas. Sabe-se, no entanto, que essa
estratégia não tem resultados inequívocos, pois as taxas de crimes contra o patrimônio (furto,
roubo, furto e roubo de veículos) permanecem elevadas ou continuam em acentuada elevação
(Adorno, 1998)
A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL
Na última década, a questão da segurança pública passou a ser considerada problema fundamental e principal desafio ao estado de direito no Brasil. A segurança ganhou enorme visibilidade pública e jamais, em nossa história recente, esteve tão presente nos debates tanto de
especialistas como do público em geral.
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Os problemas relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o aumento da sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a degradação do espaço público,
as dificuldades relacionadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, a
violência policial, a ineficiência preventiva de nossas instituições, a superpopulação nos presídios, rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei,
corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema, problema relacionados à eficiência da
investigação criminal e das perícias policiais e morosidade judicial, entre tantos outros, representam desafios para o sucesso do processo de consolidação política da democracia no Brasil.
A amplitude dos temas e problemas afetos à segurança pública alerta para a necessidade de
qualificação do debate sobre segurança e para a incorporação de novos atores, cenários e paradigmas às políticas públicas.
O problema da segurança, portanto, não pode mais estar apenas adstrito ao repertório tradicional do direito e das instituições da justiça, particularmente, da justiça criminal, presídios e
polícia. Evidentemente, as soluções devem passar pelo fortalecimento da capacidade do Estado em gerir a violência, pela retomada da capacidade gerencial no âmbito das políticas públicas
de segurança, mas também devem passar pelo alongamento dos pontos de contato das instituições públicas com a sociedade civil e com a produção acadêmica mais relevante à área.
Em síntese, os novos gestores da segurança pública (não apenas policiais, promotores, juízes e
burocratas da administração pública) devem enfrentar estes desafios além de fazer com que o
amplo debate nacional sobre o tema transforme-se em real controle sobre as políticas de segurança pública e, mais ainda, estimule a parceria entre órgãos do poder público e sociedade civil
na luta por segurança e qualidade de vida dos cidadãos brasileiros.
Trata-se na verdade de ampliar a sensibilidade de todo o complexo sistema da segurança aos
influxos de novas idéias e energias provenientes da sociedade e de criar um novo referencial
que veja na segurança espaço importante para a consolidação democrática e para o exercício
de um controle social da segurança.
Planos de combate à violência
A segurança pública é um dos temas mais debatidos e pesquisados nos últimos anos no Brasil.
Entretanto, as discussões e a visibilidade pública do problema ainda não tiveram impacto definitivo na produção de conhecimento acadêmico na área. Evidentemente, muitos pesquisadores vêm se debruçando sobre o assunto e a bibliografia nacional sobre segurança não pára
de ampliar-se e de se aprofundar. Mas as políticas públicas voltadas para a segurança ainda
carecem de uma reflexão mais sistemática e a produção acadêmica necessita conversar com a
produção que emerge dentro das instituições voltadas para segurança.
A dificuldade reside em grande medida à tradição jurídica e policial brasileira que coloca a segurança como um problema afeto mais a juristas e a profissionais. A segurança pública continua sendo uma área de pouca penetração para outras áreas do conhecimento como as Ciências
Sociais, a Psicologia, a Administração, a Economia, a História e a Geografia.
O predomínio do Direito (bem como a formação policial em academias insuladas do contexto
universtário mais amplo) tornam a segurança pública basicamente um problema de lei e ordem, sujos efeitos se traduzem numa discussão estéril sobre mecanismos mais apropriados
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para aumentar o grau de punitividade de nossas instituições, particularmente aquelas ligadas
tradicionalmente ao direito penal e à administração da justiça criminal.
A própria composição profissional das instituições da segurança pública refletem essa tradição.
Em grande parte, delegacias de policia, instituições correcionais, fóruns e unidades de cumprimento de medidas sócio-educativas são concebidas, geridas e controladas por profissionais da
área do direito e com formação técnica específica, proporcionada pelas instituições elas mesmas.
Em vários lugares do mundo, particularmente no contexto anglo-saxão, os profissionais da área
da justiça criminal têm procurado formação complementar em universidades e encontrado espaço e abertura para construir seu conhecimento de forma transdisciplinar. Nas universidades,
centros de pesquisa (que recebem recursos públicos e privados) têm se tornado espaço importante para formação complementar e para a realização de pesquisas acadêmicas ou aplicadas
em decorrência dos problemas e questões que interferem na qualidade do serviço das instituições.
A segurança pública, nesse contexto, têm passado por uma mudança importante de referencial. Tem deixado de ser vista como um problema restrito do Estado, das instituições criminais
e do direito. O novo referencial têm apontado para uma nova visão da segurança como espaço
de participação comunitária (pública mas não apenas estatal), como afeta a outras áreas de
governo (social e não apenas criminal), como ligada a uma abordagem que concilia diversas
disciplina (particularmente das Ciências Humanas) e como problema de ordem regional ou global. Além disso, a segurança pública tem sido vista como espaço de experimentações sobre a
questão fundamental da garantia da ordem social num contexto de globalização que aporta
problemas novos que demandam soluções novas.
Por exemplo, a internacionalização do crime, a nova configuração do crime eletrônico, a desestruturação do mercado de trabalho interno, a nova fluidez das fronteiras e novos marcos do
crime como empreendimento lucrativo são problemas que exigem uma nova configuração da
segurança pública que desafia nossa tradição criminal, essencialmente inquisitorial.
Em grande parte, a morosidade do processo, uma policial ainda fortemente cartorial, a falta de
comunicação entre as instituições da segurança, a formação pouco flexível dos profissionais,
a baixa capacitação, a incitação ao crime e à violência policial como forma de controle social,
o baixo arejamento das estruturas estatais, a dificuldade com que a informação é produzida e
circula no contexto institucional, e mesmo uma concepção militar da segurança dificultam a
assimilação das experiências internacionais e impedem a presença de pesquisadores no cotidiano das instituições.
Espera-se, no cenário da segurança pública, nesse começo de milênio, que os desafios sejam
enfrentados e que novos espaços de participação e de transparência na administração pública
sejam enfrentados. Não se trata apenas de aprimorar os mecanismos de detecção do crime e
de apreensão de criminosos. No novo cenário das politicas de segurança, trata-se de aprimorar
as estratégias preventivas e ampliar o controle social sobre as instituições públicas. Estamos
apenas no começo dessa nova realidade. Para mudarmos o quadro limitado da segurança, legado por uma visão estatizante e populista em que o crime é alvo de politicas repressivas padronizadas e de baixo impacto, é preciso conceber que os chamados crimes sem vítimas devem
ser o desafio para superar o abismo entre segurança e cidadania, entre segurança e defesa dos
direitos humanos.
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Referências:
ADORNO, Sérgio. “Consolidação Democrática e políticas de segurança pública no Brasil: rupturas e continuidades.” In Zaverucha, Jorge (org.) Democracia e instituições políticas Brasileiras
no final do século XX. Recife. Bagaço. 1998.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros. Crime, segregação e cidadania em São Paulo.
São Paulo. Edusp/Editora 34. 2001.
CHEVIGNY, Paul. Edge of the Knife. Police violence in the Americas. New York: The New Press.
1995.
PAIXÃO, Antonio Luiz. "Crime, controle social e consolidação da Democracia" in REIS, Fábio
Wanderley & O'DONNEL, Guilhermo. A Democracia no Brasil. Dilemas e perspectivas. São Paulo. Vértice/Revista dos Tribunais. 1988.
PINHEIRO, Paulo S. “O passado não está morto: nem passado é ainda” In Dimenstein, G. Democracia em pedaços – Direitos Humanos no Brasil, São Paulo, Companhia das Letras. 1996.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. “The rule of Law and the Underprivileged in Latin America: introduction.” In MÉNDEZ, Juan E., O’DONNELL, Guillermo,
PINHEIRO, Paulo Sérgio (eds) (1999) The (Un) Rule of Law & the Underprivileged in Latin America. Indiana. University of Notre Dame Press. 1999.
SOARES, Luiz Eduardo. Meu casaco de general. Quinhentos dias no front da Segurança Pública
do Rio de Janeiro. São Paulo. Cia. Das Letras. 2000.
Matéria da BBC Brasil sobre a crise de segurança no Brasil
5 razões por trás da crise de segurança pública no Brasil (BBC BRASIL.com 12 FEV
2017)
A paralisação da Polícia Militar no Espírito Santo nos últimos dias voltou a colocar em evidência
a crescente crise de segurança pública do Brasil.
Desde o último sábado, várias cidades no Estado, incluindo a capital Vitória, viraram palco de
um alto número de assassinatos, furtos, tiroteios e arrastões, com mais de 120 mortes.
A paralisação começou com um protesto de mulheres de policiais militares que se posicionaram diante das portas dos batalhões para impedir a saída das viaturas. Elas reivindicam reajuste
salarial e melhoria das condições de trabalho.
A crise no Espírito Santo acontece pouco depois de rebeliões que terminaram em massacres
em presídios nas regiões Norte e Nordeste e após ameaças de greve e paralisações de polícias
em outros Estados do Brasil, no que especialistas consultados pela BBC Brasil chamaram de
"uma mesma crise da arquitetura institucional que organiza a segurança pública brasileira".
Eles elencaram os principais fatores por trás do problema:
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1. Limbo sócio jurídico
Para começar, há um vácuo jurídico acerca do tema segurança pública, avalia Renato Sérgio de
Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
"Nossa Constituição não diz o que é segurança pública, nenhuma lei diz que segurança pública
é proteger a população ou investigar criminoso, só diz por quem a segurança vai ser exercida",
disse ele à BBC Brasil.
"Então segurança é um conceito que ganha significado no dia a dia da prática policial. Se olharmos para a história das instituições policiais hoje, muitas estão reguladas por outro conceito de
segurança, que é a manutenção de um modelo de ordem pública, de uma situação em que o
Brasil tem um inimigo interno. A lógica é que o tráfico é o inimigo a ser combatido e deixamos
de lado uma série de problemas ligados à preservação da vida", explica.
Para Lima, um bom conceito de segurança pública seria prevenção, investigação e punição de
responsáveis por atos de violência e criminalidade e administração de conflitos para garantir direitos básicos da população para que ela possa exercer outros direitos da cidadania, como sair
de casa, ir ao médico e trabalhar.
2. Precariedade do sistema penitenciário
As rebeliões em várias unidades prisionais do Brasil nas primeiras semanas de 2017 que provocaram mais de 130 mortes evidenciaram a precariedade do sistema penitenciário.
Atualmente o Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com 622 mil detentos e apenas 371 mil vagas, de acordo com o Ministério da Justiça. De 2000 para cá, a população carcerária mais que dobrou de tamanho.
"O problema de fundo é que o Brasil encarcera muito e encarcera mal. O país adotou uma política de guerra às drogas, qualquer um que é pego com drogas é preso. Se o menino entra um
contraventor, vai para a universidade do crime. Não é pelo encarceramento que se causa melhoria da segurança", disse à BBC Julio Jacobo Waiselfisz, sociólogo, autor do Mapa da Violência
e coordenador de estudos sobre Segurança Pública da Faculdade Latino-Americana de Ciências
Sociais (Flacso).
E ainda há o problema da guerra entre facções criminosas dentro das prisões.
"Todos sabem que há facções dentro das prisões, facções violentas que dominam o sistema
carcerário. Estamos de crises em crises que podemos chamar de anunciadas e para cada período desses o governo cria um plano que nunca se concretiza", diz Waiselfisz.
3. Reformas que não saem do papel
Este é outro problema apontado por ambos os especialistas em segurança pública.
"O plano nacional de segurança pública de hoje é (semelhante ao) de 2002, então temos uma
série de reformas que se discutem mas não foram concretizadas até hoje, como reforma do
código penal, desmilitarização da polícia, mais recursos para políticas públicas", explica Waiselfisz.
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Para Lima, esse problema está ligado a uma desconexão de instituições que compõem o sistema de segurança pública.
"Como não há uma clareza sobre o que é segurança pública, quem dá sentido a isso são as instituições, em especial a polícia, mas também tribunais, delegacias, Ministério Público. Cada uma
faz um pedaço em uma profunda desconexão tanto administrativa quanto republicana, envolvendo judiciário com executivo e defensoria", diz.
"Nesse quadro de baixíssima eficácia institucional, que afeta a resolução do que poderíamos
pensar como segurança pública, ninguém se sente dono do problema, fica um jogo político de
empurra com uma baixíssima governância da vida pública", afirma.
4. Falta de investigação
O estudo "Diagnóstico da Investigação de Homicídios no Brasil", realizado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e divulgado em 2012, apontou que a média nacional de
resolução de homicídios é de apenas de 5%. No Reino Unido, esse número é de 93%.
"Não temos pesquisas, não temos polícia técnica judiciária e sofremos com um deficit impressionante de investigação e ocorrência. As polícias não prestam contas e têm dificuldade de
construir uma relação de confiança com a população", afirma Waiselfisz.
Segundo o sociólogo, a ineficiência da polícia em termos de investigação está ligada a outro
fator que explica a crise de segurança pública, que é a falta de recursos.
5. Recursos
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016, o Brasil gasta 1,5% do PIB em segurança pública, um pouco menos dos gastos da França na área (1,7% do PIB). "Precisamos de
muito mais dinheiro", afirma.
Outro problema é a forma como esse valor é repassado.
"Os mecanismos de finanças precisam ser revisados. Atualmente esse dinheiro é repassado por
convênios, mas o custo do repasse é caro porque passa por impasses burocráticos. A segurança
precisa de dinheiro constante e planejamento, o comandante precisa saber quanto dinheiro vai
receber a cada ano para pensar em um plano de trabalho. Isso não acontece hoje", explica o
especialista.
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