ANTECIPAÇÕES FILOSÓFICAS DE UMA CIÊNCIA DO COMPORTAMENTO: Paul Rée e a ilusão do livre-arbítrio Marcus Vinícius Fonseca de Garcia1 RESUMO: Em um livro publicado em 1885, chamado A Ilusão do Livre Arbítrio: suas causas e suas conseqüências, o filósofo alemão Paul Rée aborda noções rudimentares semelhantes ao que posteriormente veio a ser compreendido no behaviorismo radical como controle de estímulos. Surpreende a maneira como o filósofo trata questões como filogenia e ontogenia de modo extremamente compatível com o tratamento dado por Skinner às mesmas. Tal coincidência fornece contexto para que situemos historicamente a emergência do behaviorismo radical como uma explicação do comportamento à qual anteriormente já se intuía a respeito de modos mais avançados do que se costuma supor. O achado sugere a importância de nos atermos a produções filosóficas atuais que possam se mostrar antecipações, ainda rudimentares, de futuros avanços científicos. PALAVRAS-CHAVE: Behaviorismo radical; Determinismo; Livre-arbítrio; Filosofia; Controle de estímulos Paul Rée (1849-1901) é um autor cuja obra é muito pouco dra, um animal, um ser humano, poderiam passar de seu es- conhecida pelo grande público. Mesmo entre estudiosos da fi- tado atual para outro, mas que, para tanto, a “causa suficien- losofia, tem sido citado, na maioria das vezes, apenas devido te” dessa modificação deveria primeiro estar presente (RÉE, à relação de amizade que manteve, durante alguns anos, com 1885/2004, p. 355). Uma pedra, por exemplo, poderia voar pelo o célebre filósofo Friedrich Nietzsche. No entanto, encontram- ar, ou se desintegrar em pó ou rolar pelo chão, caso alguma se na obra de Rée inúmeros trechos que talvez nos permitam força atuasse sobre ela. Rée afirma, então, que “a situação não caracterizá-lo como um dos grandes pensadores do século seria diferente no caso de um animal” (RÉE, 1885/2004, p. 355). XIX. Será abordada no presente artigo uma alegoria proposta Rée nos dirá que “o jumento que agora está parado entre dois por Rée no primeiro capítulo de seu livro Die Illusion der Willens- montes de feno pode, no momento seguinte, virar para a es- freihei: ihre ursachen und ihre folgen (1885) – A Ilusão do Livre querda ou para a direita, ou pode saltar para o ar ou colocar a Arbítrio: suas causas e suas conseqüências. Trata-se da ale- cabeça entre as pernas” (RÉE, 1885/2004, p. 355). No trecho a goria de um jumento diante de dois montes de feno, um à sua seguir, alega que, para que pudéssemos entender o compor- esquerda e um à sua direita. Com base nesse exemplo, o qual tamento do jumento, deveríamos retomar os estados anteriores à primeira vista pode parecer simplório, Rée argumenta sobre de seu organismo: noções muito semelhantes àquilo que veio a se tornar conhe- Vamos supor que o jumento virou-se para o monte à cido, na Análise do Comportamento, como controle de estímu- sua direita. Este virar-se pressupõe que certos múscu- los, abordando também a causalidade múltipla, o eu iniciador e los foram contraídos. A causa dessa contração muscu- os processos de filogenia e ontogenia. Faz também analogias lar é a excitação dos nervos que levam a eles. A causa interessantes entre os possíveis comportamentos do jumento dessa excitação dos nervos é um estado do cérebro. em seu exemplo e o comportamento humano. As obras aqui Este estava em um estado de decisão. Mas como o citadas encontram-se na coleção Gesammelte Werke, que re- cérebro veio a estar nessa condição? Vamos traçar úne as principais obras de Rée escritas no período entre 1875 um pouco mais anteriormente os estados do jumento. e 1885. (RÉE, 1885/2004, p. 355) Segundo Rée, afirmar que a vontade é livre significa dizer “que ela não está sujeita à lei da causalidade. Nesse caso, todo É curioso notar como Rée utiliza aspas de um modo muito ato de vontade seria um começo absoluto e não um elo: não seria semelhante a como Skinner o fazia, para salientar a noção de o efeito de causas anteriores” (RÉE, 1885/2004, p. 355). Afirmar que não se trataria de um ato de vontade indeterminado do que a vontade não é livre, por outro lado, significaria “dizer que ela jumento, produzido por um sujeito iniciador, mas de um agir está sujeita à lei da causalidade” (RÉE, 1885/2004, p. 355). necessário, dadas as condições antecedentes: Rée prossegue afirmando que qualquer objeto, uma pe- Alguns momentos antes de ele se virar, seu cérebro 132 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 ainda não estava constituído de modo a produzir a cau- veis críticas quanto às comparações feitas anteriormente entre o sa suficiente para a excitação dos nervos em questão comportamento de organismos vivos e o movimento de objetos e para a contração dos músculos; pois, caso contrário, inanimados. Parece advertir, assim, quanto à improcedência de o movimento teria ocorrido. O jumento ainda não tinha possíveis acusações de que sua proposta de compreensão do “decidido” se virar. (RÉE, 1885/2004, p. 356) comportamento dos organismos vivos não levaria em conta as Rée faz então um questionamento sobre quais seriam as peculiaridades desses organismos. causas responsáveis pela modificação ocorrida no organismo Há uma diferença entre o jumento e a pedra, e reside no do jumento no momento em que ele se comporta: fato de que o jumento se move porque quer se mover, [...] seu cérebro deve ter se tornado, nesse meio tempo, enquanto a pedra se move porque é movida. Não nega- constituído de modo a provocar a excitação dos nervos mos essa diferença. Há, afinal, um bom número de ou- e o movimento dos músculos. A partir disso, o cérebro tras diferenças entre o jumento e a pedra. Não pretende- sofreu alguma mudança. A que causas deve essa mu- mos, por qualquer meio, provar que essa dissimilaridade dança ser atribuída? (RÉE, 1885/2004, p. 356) não exista. Não afirmamos que o jumento é uma pedra, mas apenas que cada movimento e cada ato de vonta- Ao responder ao questionamento levantado, Rée propõe de do jumento têm causas, assim como o movimento da que a “sensação de fome” e a “idéia do monte de feno à direita” pedra. O jumento se move porque quer se mover. Mas conjuntamente afetariam o cérebro do jumento. Torna-se clara que ele queira se mover em um determinado momento a possível analogia entre o que Rée chama de “sensação de e numa direção específica é causalmente determinado. fome” e o estado de privação do jumento. Percebe-se a dificul- (RÉE, 1885/2004, p. 356) dade enfrentada por Rée ao tentar abordar o comportamento como relação em fins do séc. XIX. O internalismo está presente Rée atribuirá as causas do comportamento do jumento às no texto, talvez devido a toda a tradição internalista que pautava suas relações pregressas com o ambiente, em sua história de os modos como a questão vinha sendo tratada na filosofia e nas vida, bem como às relações de seus ancestrais com o ambiente, ciências em geral. O que ele chama de “idéia do monte de feno num processo de causalidade múltipla. Antes disso, no entanto, à direita” é tratado no trecho abaixo como “impressão a partir do volta a defender a noção de que há relações causais neces- exterior”. Nesse caso, torna-se clara a possível analogia entre a sárias entre o comportamento de organismos vivos e contextos noção de “impressão a partir do exterior” e o conceito de estí- antecedentes, afirmando ser ilógica, portanto, a concepção do mulo na Análise do Comportamento. Mais uma vez, Rée utiliza comportamento como manifestação alheia à lei da causalidade: aspas para salientar sua crítica à noção de eu iniciador: Poderia ser que não houvesse causa suficiente para o que- [A mudança deve ser atribuída] à efetividade de uma im- rer se virar do jumento – que ele simplesmente quisesse se pressão que, a partir do exterior, despertou uma sensação virar? Seu ato de vontade seria, então, um início absoluto. que surgiu internamente (por exemplo, a sensação da Uma suposição dessa natureza é contrariada pela experi- fome e a idéia do monte de feno à direita), por conjunta- ência e pela validade universal da lei da causalidade. Pela mente afetarem o cérebro, modificando o modo como ele experiência, uma vez que a observação nos ensina que, é constituído, de modo tal que agora ele produz a causa para todo ato de vontade, algumas causas foram os fatores suficiente para a excitação dos nervos e a contração dos determinantes. Pela validade universal da lei da causalida- músculos. O jumento agora “quer” virar para a direita; ele de, uma vez que, afinal, nada acontece em qualquer lugar agora vira para a direita. (RÉE, 1885/2004, p. 356) do mundo sem uma causa suficiente. Por que, então, de todas as coisas, um ato de vontade de um jumento deveria No trecho a seguir, utilizando agora mais especificamente a vir a existir sem uma causa? Além disso, o estado do que- palavra alemã “reizes”, que significa estímulo, Rée propõe que rer, o qual imediatamente precede a excitação dos nervos o comportamento do jumento é o resultado da relação entre o motores, não é diferente, em princípio, de outros estados ambiente e o jumento: “O voltar-se para o monte de feno à di- – como a antipatia, a preguiça ou o cansaço. Alguém acre- reita é o resultado do modo como o cérebro do jumento e o es- ditaria que todos estes estados existem sem uma causa? tímulo estão constituídos em um determinado momento” (RÉE, E, se não se acredita nisso, por que se consideraria que 1885/2004, p. 356). apenas o estado do querer deveria ocorrer sem uma causa Ao prosseguir em sua análise, Rée se defende de possí- suficiente? (RÉE, 1885/2004, p. 357) PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 133 Ainda que chegue a utilizar em seu texto a palavra alemã o ato de vontade do jumento não é causalmente determinado “Seele”, que significa alma, Rée faz menção a uma noção bem é sustentada não só por quem está de fora; o próprio jumen- semelhante à noção presente em Skinner (1974, p. 119) de orga- to, tivesse ele o dom do raciocínio, a compartilharia” (RÉE, nismo modificado por uma história de relações com o ambiente. 1885/2004, p. 358). Percebe-se aqui que o autor faz uma sutil Deve ser ressaltado que era comum, na época de Rée, que auto- comparação entre o comportamento do jumento e o compor- res utilizassem a palavra alma ao abordar fenômenos subjetivos. tamento humano. Rée parece antecipar em alguns anos as Rée propõe um experimento fictício: se fosse possível reverter- afirmações de Freud, autor mais citado por Skinner, a respei- mos a constituição de um organismo, de modo que ele viesse a to da inconsciência de muitas das inúmeras determinantes do estar constituído exatamente do modo como estava constituído comportamento humano. Parece antecipar também Skinner, antes, e o expuséssemos a um mesmo contexto ao qual ele hou- quando ressalta, mesmo que de modo ainda rudimentar, a im- vesse sido anteriormente exposto, esse organismo responderia portância da noção de controle de estímulos. Cabe aqui aventar necessariamente do mesmo modo como havia respondido an- sobre uma possível influência mútua entre os escritos de Rée e a teriormente a esse contexto. Será compreensível que se aponte produção filosófica de Nietzsche, autor em cuja obra podem se aqui que Rée parece recorrer a um determinismo ontológico ou encontrar observações análogas a teorizações freudianas, fato fundacionista, incompatível com a perspectiva do pragmatismo, assumido pelo próprio Freud (1925/1977, p. 76) em seu estudo e, consequentemente, também com a do behaviorismo radical. autobiográfico; p. ex., recalque e a formação do superego em Tal observação, no entanto, não parece ofuscar as demais si- Nietzsche (1887/2009, p. 43). milaridades entre trechos de sua obra e noções advindas das Rée nos diz a respeito do jumento: contribuições de Skinner. Dittrich (2009), por exemplo, aborda As causas de seu ato de vontade o iludiriam também, de modo crítico possíveis contribuições de um posicionamento uma vez que em parte elas não se tornam conscientes, determinista sob os enfoques epistemológico e empírico para a e em parte passam através da consciência fugazmente, Análise do Comportamento. Rée prossegue: como um relâmpago. Se, por exemplo, o fator decisivo O monte de feno não entra em contato visível com o foi que ele estava mais próximo por um triz do monte cérebro, mas age à distância. [...] Suponhamos que de feno à direita, ou que este tinha um cheiro um pou- possamos ver como uma imagem se destaca do monte quinho melhor, como deveria o jumento notar algo tão de feno e, percorrendo um trajeto visível através do ar, trivial, algo que tão totalmente falha em se impor sobre invade o cérebro do jumento, e como ela produz nele sua consciência? (RÉE, 1885/2004, p. 358) uma mudança em consequência da qual certos nervos e músculos se movem. Suponhamos que possamos re- De modo muito semelhante a como Skinner aborda as dife- petir esse experimento muitas vezes de forma arbitrária, renças entre espécies e as possibilidades e impossibilidades de que, se voltássemos a alma do jumento para o estado indivíduos de diferentes espécies se engajarem em comporta- precedente ao seu virar-se e deixássemos exatamente a mentos específicos, Rée afirma a impossibilidade de, por exem- mesma impressão agir sobre ele, devêssemos observar plo, ele próprio vir a voar, prosseguindo com a argumentação sempre o mesmo resultado. Então consideraríamos o sobre como podemos nos sentir livres, ainda que nosso com- virar à direita do jumento como necessário. Viríamos a portamento seja determinado: perceber que o cérebro, constituído como estava na- Em certo sentido, é claro, o jumento está certo em pen- quele momento, tinha que reagir a tal impressão preci- sar: “eu poderia ter me virado para a esquerda.” Seu samente dessa maneira. [...] Na ausência deste experi- estado no momento, sua posição relativa ao monte de mento, tem-se a impressão de que o ato de vontade do feno ou sua constituição precisavam meramente ter sido jumento não foi causalmente determinado. Nós apenas um pouco diferentes, e ele realmente teria virado para não o vemos sendo causalmente determinado, e, con- a esquerda. A afirmação “eu poderia ter agido de outra seqüentemente, acreditamos que tal determinação não forma” é, portanto, verdadeira neste sentido: virar para a tem lugar. O ato de vontade, diz-se, é a causa do virar- esquerda é um dos movimentos possíveis para mim (em se, mas não é, ele mesmo, determinado; diz-se que é contraste, por exemplo, com o movimento de voar); ele um início absoluto. (RÉE, 1885/2004, p. 357) se encontra dentro da esfera de minhas possibilidades. (RÉE, 1885/2004, p. 358) Após tais considerações, Rée afirma que “a opinião de que 134 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 Os processos de filogenia e ontogenia são devidamente que a punição é aplicada a eles, para que o medo dessa abordados por Rée, que os caracteriza como determinantes de punição se torne um motivo para que o próprio agente e todo e qualquer comportamento do jumento. Por fim, o autor men- todos os demais evitem tais ações no futuro. [...] Na ver- ciona alguns exemplos de comportamentos que Skinner, muitas dade, mesmo quando o sofrimento advém não de uma décadas mais tarde, classificará como respondentes e operantes: má ação, mas simplesmente ocorre depois dela (p. ex., Se refletimos sobre a vida inteira do jumento sub specie quando alguém que agiu mal, em seguida, é morto por necessitatis [sob a luz da necessidade], chegamos ao uma telha que cai), o hábito de demandar por retaliação seguinte resultado. O jumento veio ao mundo com de- por ações más faz com que as pessoas considerem terminadas propriedades da mente e do corpo, a heran- essa mera sucessão de eventos como um processo ça de seus ancestrais. Desde o dia de seu nascimento, causal, e elas dizem: “o Senhor, cujos caminhos são impressões – dos companheiros com quem se divertiu maravilhosos, infligiu esse sofrimento ao homem mau ou se esforçou, sua alimentação, o clima – agiram sobre como punição”. [...] Na verdade, não se deve punir por- essas propriedades. Esses dois fatores, sua constitui- que uma má ação foi cometida, mas para que uma má ção inata e o modo como esta foi formada através das ação não venha a ser cometida. (RÉE, 1877/2004, pp. impressões ao longo de sua vida, são a causa de todas 155-157) as suas sensações, idéias e humores, e de todos os seus movimentos, mesmo os mais triviais. Se, por exem- Um pequeno aforismo de Rée talvez seja emblemático plo, ele ergue sua orelha esquerda e não a direita, isso quanto à similaridade entre seu modo de pensar e o daqueles é determinado por causas cujo histórico de desenvol- que posteriormente vieram a ser chamados de behavioristas: vimento poderia ser traçado ad infinitum, e do mesmo “Através do ensino, muda-se o nosso comportamento, não o modo quando ele fica de pé, vacilante, entre os dois nosso caráter” (RÉE, 1875/2004, p. 68). A definição de Rée do montes de feno. (RÉE, 1885/2004, p. 358) que seria caráter aproxima-se também do que seria uma definição analítico-comportamental: “A situação com relação ao cará- Com relação às consequências de comportamentos e à ter de uma pessoa não é diferente daquela com relação a suas influência que poderiam exercer sobre sua ocorrência ou não- ações individuais” (RÉE, 1885/2004, p. 375). Em vários trechos, ocorrência futura, encontramos em outros escritos de Rée inú- de modo semelhante a como Skinner o faz em Beyond Freedom meras referências. Em uma delas, em um capítulo chamado Der and Dignity [O Mito da Liberdade], Rée aborda a questão do Ursprung der Straf und des Gerechtigkeitsgefühls: über Abs- possível questionamento dos méritos e culpas dos indivíduos chreckung und Vergeltung (1877) – A Origem da Punição e do quando se descrevem os motivos de seus comportamentos: Senso de Justiça: sobre a dissuasão e a retaliação, Rée chega “Atribui-se mérito ou culpa para um caráter tanto quanto para inclusive a mencionar o fato de que a simples proximidade tem- ações, embora sejam efeitos. [...] Todo caráter, as intenções e poral entre um comportamento e um evento subsequente po- ações são efeitos. Não se pode atribuir culpa ou mérito a efeitos” deria afetar esse comportamento e levar pessoas a atribuírem a (RÉE, 1885/2004, p. 375). ocorrência desse evento subsequente a um processo causal, o Trazemos abaixo um trecho de Skinner que exemplifica a si- que talvez nos permita apontar uma similaridade com a descri- milaridade entre sua concepção acerca do comportamento hu- ção analítico-comportamental do fenômeno denominado com- mano e as idéias defendidas por Paul Rée em fins do século XIX: Do ponto de vista pré-científico (e o termo não é ne- portamento supersticioso: Quando somos punidos quando crianças, isso ocorre cessariamente pejorativo), o comportamento de uma obviamente não como uma retaliação ao nosso mau pessoa é, até certo ponto, uma realização pessoal. O in- comportamento, mas para prevenir que este volte a divíduo é livre para discutir, decidir e agir, possivelmente ocorrer. Ainda nos é dito: “você está sendo punido por- de forma original, podendo ser reconhecido pelos seus que você fez isso”. A partir da infância, vamos tendo a sucessos e responsabilizado pelos seus fracassos. Do impressão de que a punição é uma retaliação. [...] Atos ponto de vista científico (e o termo não é necessaria- que são necessários não podem estar sujeitos tanto à mente honroso), o comportamento de uma pessoa é atribuição de responsabilidade quanto à retaliação pelo determinado por uma herança genética reconstituível que ocorreu. Ao contrário, é precisamente porque são a partir da história da evolução das espécies, e pelas necessários, isto é, determinados por certos motivos, circunstâncias ambientais às quais esteve exposta. Ne- PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785 l 135 nhuma dessas visões pode ser provada, mas, no âmago da investigação científica, as evidências pendem em favor da segunda. À medida que aprendemos mais sobre os efeitos do ambiente, menos razão temos para atribuir qualquer parcela do comportamento humano a um agente controlador autônomo. (SKINNER, 1971/1983, p. 79) Assim como podem ser encontradas antecipações de avanços científicos na obra de Paul Rée, é possível que, nos dias atuais, existam também pensadores cujas teorizações constituam noções ainda rudimentares sobre temas muito relevantes que venham a ser futuramente mais bem investigados e cientificamente descritos. Desse modo, é importante que estejamos atentos a descrições filosóficas que possam apontar para novas possibilidades de investigação científica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DITTRICH, A. Uma defesa do determinismo no behaviorismo radical. In: WIELENSKA, R. C. (org.). Sobre o comportamento e cognição – vol. 23: desafios, soluções e questionamentos. Santo André: ESETec, 2009. cap. 4, p.65-72. FREUD, S. Um estudo autobiográfico, inibições, sintomas e ansiedade, a questão da análise leiga e outros trabalhos – vol. XX. Rio de Janeiro: Imago, 1977. NIETZSCHE, F. W. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. RÉE, P. Gesammelte werke (1875-1885). Hubert Treiber (org.). Berlim: de Gruyter, 2004. SKINNER, B.F. O mito da liberdade. São Paulo: Summus, 1983. SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974. NOTAS DE RODAPÉ 1 Psicólogo Clínico, aluno do Curso de Pós-Graduação em Análise do Comportamento Aplicada do Centro Universitário Newton Paiva 136 | PÓS EM REVISTA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA 1/2012 - EDIÇÃO 5 - ISSN 2176 7785