VI Encontro Nacional da ANPPAS 18 a 21 de setembro de 2012 Belém – PA – Brasil ______________________________________________________________________________ Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas no Litoral Paulista: Urbanização, Saneamento e Saúde Roberto Luiz do Carmo (UNICAMP) Professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) e Pesquisador do Núcleo de Estudos de População (NEPO) [email protected] Sônia Regina da Cal Seixas (UNICAMP) Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (NEPAM), Professora do Doutorado em Ambiente e Sociedade (NEPAM-IFCH) e do Planejamento de Sistemas Energéticos (FEM) Bolsista de Produtividade CNPq Marcelo Coutinho Vargas (UFSCar) Professor da Graduação em Ciências Sociais, dos programa de pós-graduação em Ciência Política (PPGPOL) e Ciência, Tecnologia e Sociedade (PPGCTS) Resumo As mudanças climáticas representam o recrudescimento de uma série de perigos e de riscos, que são especialmente significativos para as zonas costeiras. Nesse sentido, é fundamental compreender, no contexto de processos como a intensificação da expansão urbana e o aumento dos investimentos econômicos que ocorrem nessas regiões, as novas condições de vulnerabilidade que emergem e os prováveis impactos socioambientais sobre as respectivas populações. Por um lado, este trabalho tem como objetivo contribuir para o debate teórico sobre o conceito de vulnerabilidade, especificamente quando aplicado aos estudos sobre o processo de urbanização. Por outro lado, aplicar criticamente o conceito ao conjunto de riscos decorrentes das mudanças climáticas no litoral do estado de São Paulo, abordando especificamente questões referentes a saúde e saneamento. As informações foram obtidas através do levantamento de dados em fontes secundárias (IBGE, SNIS, SINAN-DATASUS) e de trabalhos de campo com realização de entrevistas com agentes institucionais. A partir da revisão bibliográfica optou-se por trabalhar com um conceito de vulnerabilidade que engloba três dimensões: exposição, susceptibilidade e capacidade de resposta aos riscos decorrentes das mudanças climáticas. O processo de urbanização das décadas recentes evidenciou diferenciação entre as três regiões que compõem o litoral paulista: Litoral Norte, Região Metropolitana da Baixada Santista e Litoral Sul. Os investimentos realizados e previstos no Litoral Norte acentuam o potencial de vulnerabilidade daquela região em comparação com as demais. Os dados levantados sobre o perfil epidemiológico e internações para as três regiões, no período de 1995-2009, indicam variações significativas entre as mesmas na exposição aos riscos e possivelmente na capacidade de resposta. Palavras-chave: mudanças climáticas, vulnerabilidade, urbanização, saúde, saneamento Vulnerabilidades às Mudanças Climáticas no Litoral Paulista: Urbanização, Saneamento e Saúde1 Roberto Luiz do Carmo Sônia Regina da Cal Seixas Marcelo Coutinho Vargas Introdução De acordo com Hogan e Marandola Jr. (2009), ao longo das últimas duas décadas houve uma ampliação das discussões sobre as mudanças climáticas, suas origens e implicações sobre o ambiente e a humanidade. Estudos recentes, como os de Marengo (2006), Lindzen (2002), Gornitz e Lebedeff (1987), Hogan & Tolmasquim (2001), Giddens (2008) têm assinalado a importância dos riscos decorrentes das mudanças ambientais globais. Dentre os fenômenos associados a essas mudanças estão à elevação do nível do mar e o aumento da frequência de eventos extremos, como chuvas intensas, secas, tempestades e fenômenos relacionados às ressacas marítimas. Um conjunto de elementos dessa discussão apontava a incerteza em relação à efetividade dessas mudanças, principalmente considerando que tais transformações poderiam refletir variações naturais cíclicas. O aspecto mais polêmico dos debates refere-se, entretanto, ao papel das ações humanas sobre as mudanças climáticas, pois, de um lado, alguns cientistas apontam que as mudanças seriam resultantes do processo de industrialização ocorrido no último século, e de outro, encontram-se afirmações que as mudanças climáticas são decorrência de processos naturais, recorrentes ao longo da História do Planeta, sem que a participação humana seja significativa frente a esses processos (MARENGO, 2006). O relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, IPCC (2007 e 2007a), utilizando bases de informação e metodologias computacionais de modelagens climáticas mais apuradas, diminui significativamente as incertezas nos dois sentidos. Primeiro, de que as mudanças climáticas realmente estão em andamento, com uma elevação da temperatura que pode chegar a 5ºC até o final do século XXI. Em segundo, concluiu-se que as mudanças climáticas estão em grande parte associadas às emissões realizadas por atividades humanas. Assim, a partir dessa perspectiva, se faz presente o reconhecimento de que as mudanças ambientais globais, especialmente as climáticas, estão se tornando objeto de análise de cientistas de diversas áreas do conhecimento, em função de suas inegáveis dimensões humanas, justificando-se, desta forma, o interesse dos cientistas sociais, em função da intima relação entre esses eventos, as ações antrópicas e os impactos sociais, ambientais, econômicos e culturais 1 Este trabalho baseia-se em resultados da pesquisa interdisciplinar em andamento “Urban Growth, Vulnerability And Adaptation: social and ecological dimensions of climate change on the Coast of São Paulo”, financiada pela FAPESP (Processo n.o 2008/58159-7), a quem os autores agradecem pelo apoio recebido para a realização da pesquisa. sobre a sociedade. Esse processo de mudanças poderá impactar de maneira ainda mais acentuada grupos populacionais que historicamente vivem em áreas expostas aos perigos de eventos climáticos. Caso estes eventos se tornem mais intensos e mais frequentes, conforme previsto pelo IPCC, a situação desses grupos populacionais pode se tornar ainda mais crítica. O processo de urbanização acontecido no Brasil durante a segunda metade do Século XX, foi caracterizado por ser socialmente excludente e pela ocupação de espaços segregados, inadequados em termos ambientais para a construção de habitações. A velocidade em que o processo aconteceu, assim como a falta de investimentos suficientes em infraestrutura por parte do poder público, explicam as deficiências atuais nas condições de vida das cidades brasileiras. Transpor de uma sociedade rural para uma sociedade predominantemente urbana significou transformações decisivas em termos sociais, que se refletiram na configuração precária do espaço urbano criado durante o processo. Considerando que a população urbana do país foi acrescida em cerca de 142 milhões de habitantes, passando de 18,7 ( 36,1%) a 160,9 (84,3%) milhões habitantes em áreas definidas como urbanas entre 1950 e 2010, segundo os resultados dos Censos Demográficos do IBGE, permite compreender as dimensões e a velocidade do processo ocorrido. Esse processo de urbanização aconteceu de maneira acentuada também no estado de São Paulo, que já possuía 62,8% (8,1 milhões de habitantes) residindo em áreas urbanas em 1960, chegando a 96% (39,6 milhões) em 2010. O objetivo deste trabalho, desta forma, é mostrar como esse processo de urbanização gerou grupos populacionais e infraestruras urbanas vulneráveis, especialmente a partir da perspectiva das mudanças climáticas, quando se acentuam perigos que vão atingir de maneira mais acentuada determinados espaços, como é o caso das zonas costeiras. Essa é a justificativa para focalizar o caso dos municípios do litoral do estado de São Paulo, considerando os aspectos relacionados com a saúde e infraestrutura urbana nesse novo contexto de mudanças ambientais globais. O litoral do estado de São Paulo pode ser dividido em três sub-regiões historicamente constituídas a partir de suas características sociais e econômicas: o Litoral Sul, a Baixada Santista e o Litoral Norte, que juntas contém 16 municípios (CARMO ET ALL, 2012). A urbanização é uma característica antiga da Baixada Santista, onde o município de Santos, tendo o porto como polarizador, é o município mais populoso e eminentemente urbano, principalmente por conta das suas especificidades territoriais. O Litoral Sul é uma área que apresenta-se relativamente estagnada em termos demográficos, com exceção do município de Ilha Comprida, que apresentou crescimento significativo de sua população urbana. No Litoral Norte a situação é dinâmica em termos econômicos e demográficos, especialmente em função dos investimentos previstos por conta da recente descoberta de jazidas de petróleo e gás. Este é o contexto geral das discussões que são apresentadas a seguir, que analisam as situações relativas à saúde e infraestrutura hídrica urbana no litoral do estado de São Paulo, considerando as novas questões trazidas pelas mudanças climáticas. Saúde e vulnerabilidade no litoral Paulista Alguns autores têm apontado para inúmeros problemas que a humanidade deverá enfrentar nas próximas décadas em função das mudanças ambientais globais, principalmente relacionadas à saúde humana. Confalonieri e Menne et al. (2007); Confalonieri e Marinho (2007) destacam que os fenômenos associados às mudanças ambientais globais, sobretudo as climáticas significam um estresse adicional sobre determinados problemas já existentes em diversas regiões do planeta e, também, do Brasil, tais como: desnutrição, doenças infecciosas endêmicas e acidentes por eventos extremos como ondas de calor, tempestades, aumento do nível do mar, inundações, tempestades, incêndios e secas, e que também contribuem nas taxas de morte e de acidentes; escassez ou deficiência da qualidade dos recursos hídricos; aumento da demanda por água; deficiência na produção de alimentos; aumento de desconforto térmico em regiões mais quentes; aumento do perigo de incêndios florestais. Além desses aspectos, são esperados, também, aumento nas taxas de morte por doenças cardiorrespiratórias diretamente relacionadas com a mudança do clima; e alteração na distribuição espacial de alguns vetores de doenças infecciosas (SCPPEC, 1998; IPCC, 2007 e Confalonieri e Menne et al, 2007). Em geral os grupos populacionais mais afetadas por esses riscos são os idosos, os portadores de doenças crônicas, as crianças até cinco anos de idade e os mais pobres. De acordo com o IPCC (2007a), será notória a redução da qualidade de vida das pessoas nas áreas quentes e urbanas, e em condições precárias de habitação (EFFEN, 2002). Obviamente que o impacto das mudanças climáticas na saúde irá variar nas diferentes regiões e mudará ao longo do tempo. Regiões e populações mais vulneráveis, e que já sofrem diretamente impactos em sua saúde, evidenciarão ainda mais problemas sociais relacionados à educação, atendimento médico, prevenção e infra-estrutura da saúde pública, além de dificuldades no processo de desenvolvimento sócio-econômico regional. Nesse sentido, Minayo (2004), ao analisar o impacto das mudanças climáticas sobre a saúde, afirma que quatro aspectos devem ser considerados: as condições de saúde, as situações e estilos de vida; a situação ambiental; os avanços das ciências biológicas e a organização da assistência à saúde. Apesar do reconhecimento do impacto das mudanças climáticas sobre a saúde humana, deve-se destacar também que ainda são muito incipientes as análises mais contundentes sobre essa relação. Através da literatura corrente, pode-se reconhecer que os primeiros estudos sobre a temática estão relacionadas às análises do fenômeno da Oscilação do Sul - El Niño - (RASMUSSON e CARPENTER, 1982; TRENBERTH, 1997; TRENBERTH e HOAR, 1996; QUINN, NEAL, MAYOLO, 1987). El Niño é um fenômeno de interação atmosfera-oceano, associado a alterações dos padrões normais da Temperatura da Superfície do Mar (TSM) e dos ventos alísios na região do Pacífico Equatorial, entre a Costa Peruana e a Austrália. Nos anos 1990, esse fenômeno se destacou por sua ampla influência geográfica e a longa duração de suas condições extremas, provocando aquecimento/resfriamento das águas na região (WYRTKI, 1975; TRENBERTH, 1997; CIRAM, 2008). O fato de esse fenômeno ter efeitos prolongados e em grande escala sobre o clima tornouo extremamente importante para a saúde pública. E a capacidade de prever suas variações oferece ao setor saúde a oportunidade de preparar-se para suas consequências, e controlar melhor a transmissão de doenças (OPAS-OMS, 1998). De acordo com a OPAS-OMS (1998), no período de 1997-1998, a infraestrutura dos serviços de saúde, e os serviços básicos de saneamento foram afetados por El Niño (KOVATS, 2000; BOUMA, 2003). Apesar de não se dispor de dados concretos que demonstrem uma correlação sistemática e confiável entre El Niño e a incidência de doenças infecciosas, percebeu-se que o risco potencial das doenças transmissíveis variou bastante no período, não só pelas alterações provocadas no ambiente, mas também pelas variações na densidade demográfica, problemas e interrupção no funcionamento dos serviços públicos e de saúde, em muitas das regiões atingidas (BOUMA, 2003). Segundo a OPAS-OMS (1998), é fundamental a necessidade de contar com um programa eficaz de vigilância e monitoramento de doenças, antes que surja El Niño, considerando suas consequências quanto à transmissão e ecologia de morbidades e as mudanças sociais. As principais doenças transmissíveis nas Américas que têm sido objeto de pesquisas com a finalidade de vincular o fenômeno El Niño com as alterações nas condições da saúde são: malária; dengue e demais doenças causadas por arbovírus; encefalites viróticas; e doenças transmitidas pela água (KOVATS, 2000; BOUMA, 2003). A partir dessas constatações percebe-se a importância do monitoramento das morbidades de notificação compulsória, visando avaliar o impacto das mudanças climáticas na saúde humana. Por outro lado, como apontado por Confalonieri e Marinho (2007), outras morbidades que tendem a crescimento são as doenças cardiovasculares e respiratórias, como consequência do aumento da concentração de poluentes atmosféricos em aglomerados urbanos. Em relação às doenças respiratórias Beggs e Bambrick (2006), apontam que o crescimento na incidência e prevalência da asma (morbidade respiratória) durante as recentes décadas representa importante desafio para a saúde pública. Os autores destacam que o pólen é um importante desencadeador de alguns tipos de asma, e tanto a sua quantidade, como as especificidades das estações em que eles mais se disseminam, dependem de variáveis climáticas e meteorológicas. No mesmo período, em que se observa o incremento na incidência da asma, houve considerável crescimento de concentração de dióxido de carbono na atmosfera e aumento da média de temperatura da superfície da terra. Desta forma apontam que as mudanças climáticas decorrentes de ações antropogênicas constituem um fator plausível para o incremento da incidência da morbidade , bem como, maiores concentrações de dióxido de carbono e elevadas temperaturas podem aumentar a quantidade de pólen e induzir o aumento de variações climáticas que facilitam sua dispersão. Para Beggs e Bambrick (2006), as alergias a pólen podem aumentar como resultado de mudanças climáticas; e a exposição precoce a ambientes que predisponham a alergias também podem provocar o desenvolvimento de eczema e rinite alérgica. Mesmo considerando a complexidade da etiologia da asma, os autores destacam que o recente incremento de sintomas de asma, em nível global, pode significar um dos antecipados efeitos sobre a saúde de mudanças climáticas antropogênicas (BEGGS E BAMBRICK, 2006). Para exemplificar esse contexto, utilizou-se da sistematização de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Sinan - que é alimentado pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória, na base do DATASUS/Ministério da Saúde. Duas morbidades foram escolhidas: doenças do aparelho respiratório e dengue, destacadas na literatura como diretamente relacionadas à vulnerabilidade promovida pelas mudanças ambientais globais, especialmente as climáticas. Os dados levantados sobre o perfil epidemiológico dessas duas morbidades sobre internações, para as três regiões litorâneas do estado de São Paulo (litoral norte, baixada Santista e litoral Sul), foram calculados em taxas para 100 mil habitantes, para o período de 1995-2009, e comparativamente à média do Estado de São Paulo indicaram variações significativas na exposição aos riscos e possivelmente na capacidade de resposta entre as três regiões, objeto desse estudo (quadros 01 e 02). Como já foi apontado por Seixas et al. (2010) as doenças respiratórias são as maiores causas de morbidade e internações nos últimos anos, ficando atrás apenas de gravidez, parto e puerpério. O quadro 01 mostra a evolução da média das taxas por 100 mil habitantes, de doenças do aparelho respiratório durante o período 1995-2009. Quadro 01: Doenças do Aparelho Respiratório - taxa por 100 mil habitantes, morbidade hospitalar por local de residência, 1995-2009 1995 1996* 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Litoral Norte 1128 990 992 957 854 858 646 589 687 708 593 549 643 315 449 Litoral Sul 858 613 184 203 179 168 133 104 110 146 86 114 111 99 90 Baixada Santista 794 717 871 729 776 734 608 582 547 542 511 499 512 569 427 Estado de S.P. 869 819 788 765 762 755 709 687 692 662 618 635 647 564 628 Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e IBGE -Estimativas populacionais para o TCU * Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados – SEADE. Observa-se que as taxas de doenças do aparelho respiratório do Litoral Norte, Litoral Sul e Baixada Santista não se encontram em uma situação de baixo risco, comparativamente a média do Estado de São Paulo. Entretanto o Litoral Norte é a região que possui o maior número de casos de doenças do aparelho respiratório de todo o Litoral Paulista. Apenas no ano de 2008, a Baixada Santista apresentou uma taxa mais elevada, já o Litoral Sul é a região que apresenta menor número de casos. Como o Litoral Norte é uma região turística, e de população flutuante, o tráfego de veículos vem aumentando a cada ano, contribuindo para o crescimento da poluição atmosférica na região. Importante destacar que essa vulnerabilidade torna-se bastante evidente, já que o município de Caraguatatuba, considerado a porta de entrada da Região encontra-se em intenso processo de transformação, com pesados investimentos em infraestrutura, como a construção do anel viário de Caraguatatuba/ São Sebastião, assim como a Unidade de Tratamento de Gás Caraguatatuba (UTGCA) e a ampliação da rodovia Caraguatatuba/São José dos Campos, entre outros (HOGAN, 2009). A dengue é considerada uma das doenças, causadas por vírus, de maior importância na atualidade. De acordo com Waldman et al (1999), os principais motivos que facilitam a disseminação da doença estão relacionados com o crescimento desordenado das cidades, que apresentam muitas vezes uma falta de saneamento adequado, sem abastecimento regular de água e armazenamento inadequado do lixo, os quais facilitam e aumentam a proliferação do vetor da doença; além da intensificação de trocas comerciais entre os países e os movimentos migratórios. Um exemplo desta observação é o ocorrido no Litoral Norte Paulista, em relação à presença e aumento de vetores importados de outras localidades, tais como, o surgimento de outras espécies do mosquito transmissor da dengue, oriundos dos navios que atracaram no Porto de São Sebastião. O quadro 02 ilustra a evolução da média das taxas dos casos de dengue três regiões do Litoral Paulista e Estado de São Paulo. Quadro 02: Dengue - taxa por 100 mil habitantes, morbidade hospitalar por local de residência 1995-2009 1995 1996* 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Litoral Norte 0 0 0 0 0 0 0 7 3 7 0 3 14 4 5 Litoral Sul 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Baixada Santista 0 0 0 1 3 1 8 38 11 5 6 12 7 4 3 Estado de S.P. 0 0 0 0 0 0 1 3 2 1 1 4 10 2 2 Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e IBGE -Estimativas populacionais para o TCU * Fonte: Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) e Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados – SEADE. Nota-se que, a partir do ano de 1998, as taxas de casos de dengue aumentaram progressivamente. O ano de 2002 foi crítico para o Litoral Paulista, principalmente para a Baixada Santista. Já o Litoral Norte apresentou um aumento da taxa de casos de dengue no ano de 2007, acima da média do Estado de São Paulo. O Litoral Sul não apresentou nenhum caso de internação causado pela dengue durante o período de 1995 a 2009. Vale ressaltar, no entanto, que esses dados dizem respeito aos casos de internação, não significando com isso que não ocorreu à presença da morbidade nos ambulatórios dos municípios, ou mesmo que um grupo de pessoas tenha sido contaminado pela doença e não procurado o sistema de saúde. No ano 2000, de acordo com a Superintendência de Controle de Epidemias da Secretaria Estadual de Saúde, o Estado de São Paulo apresentou uma queda nos casos de dengue em relação a 1999. A ausência de medidas profiláticas acarretou numa explosão de casos da doença no ano de 2001, com 51.668 casos registrados de dengue, comparados aos 3.532 casos registrados no ano de 2000 (STACHUK, 2004). Segundo o relatório do Centro de Vigilância Epidemiológico (CVE) em maio de 2002 o Litoral Paulista apresentou um aumento de 122,4% em pouco mais de um mês nos casos de dengue, onde o número de casos confirmados no litoral foi de 10.828 casos, equivalente a 60,13% de todo o Estado (KORMANN, 2002). Para a diretora do Departamento de Controle de Vetores SUCEN (Superintendência de Controle de Endemias), o motivo do aumento de casos de dengue no Litoral Paulista no ano de 2002 ocorreu devido ao aumento atípico da temperatura no verão, contribuindo para a proliferação do vetor Aedes Aegypti na região, com isso, antecipou-se o período inicial de transmissão da doença (KORMANN, 2002). Segundo estudos realizados por Ribeiro et al. (2006), foi analisada a ocorrência de casos de dengue autóctone segundo local provável de infecção e sua relação com variáveis climatológicas no município de São Sebastião. A associação entre o número de casos da doença e fatores abióticos identificou o intervalo de tempo em que a chuva e a temperatura contribuíram na geração de novos casos da doença, associados à vulnerabilidade turística da região litorânea, propiciaram condições para a proliferação do vetor de transmissão , e consequentemente a ocorrência da dengue na região. Um exemplo significativo que ocorreu no Litoral Norte é o caso do município de Caraguatatuba, pois de acordo com a Secretaria de Saúde da cidade, a dengue foi considerada uma das doenças de maior preocupação: até meados do mês de novembro de 2009, foram notificados 191 casos da doença; sendo 27 casos confirmados; destes, 20 casos são autóctones, e 7 são importados, sendo um caso vindo da Bolívia, um caso de Belo Horizonte e cinco casos de São Sebastião. As características de precariedade da infraestrutura urbana dos municípios do Litoral Norte são considerações importantes, pois dificultam o controle de doenças como a dengue, na qual os fatores ambientais são fundamentais para compreender o surgimento de epidemias. Os resultados do Censo de 2010 mostram, por exemplo, que embora 98% da população urbana residente em domicílios particulares permanentes possuírem acesso ao serviço de água da rede geral de distribuição, ainda existem 14% que estão localizados em áreas onde existe esgoto a céu aberto, enquanto cerca de 12% dos domicílios possuem lixo acumulado nos logradouros. Em um contexto de grandes variações climáticas essa situação pode potencializar a ocorrência de epidemias. A associação entre as características climáticas, as características de infraestrutura urbana e a falta de medidas não-estruturais de controle da dengue (como campanhas educativas) fazem com que a população que habita o litoral de São Paulo, especialmente do Litoral Norte, seja relativamente mais susceptível a doenças como a dengue. Nesse caso, pode-se dizer que a população do Litoral Norte tem sido mais vulnerável ao risco de contrair dengue. A seguir apresenta-se uma análise sobre como os recursos hídricos e a infraestrutura de saneamento estão sendo trabalhados, considerando o novo leque de aspectos trazidos à tona por conta das discussões relativas às mudanças climáticas. Vulnerabilidade dos recursos hídricos e do saneamento A questão da água tem papel fundamental na gênese e no enfrentamento dos principais problemas socioambientais derivados das mudanças climáticas. Em primeiro lugar, cabe observar que o vapor d’água é, isoladamente, o mais poderoso gás de efeito estufa, contribuindo três vezes mais que o CO2 para aquecer o planeta. Porém, sendo sua concentração muito variável e dependente da temperatura, funciona antes como um mecanismo de retroalimentação positiva do aquecimento global, pois este intensifica a evaporação e aumenta o volume de vapor d’água na atmosfera (BARROS DE OLIVEIRA, 2008). Por outro lado, a maior parte dos riscos e vulnerabilidades socioambientais associadas a este fenômeno, e as principais medidas de adaptação e mitigação que requerem, está direta ou indiretamente relacionada aos recursos hídricos que, além de essenciais à vida e a inúmeras atividades econômicas, também podem ser veículo de calamidades, destruição e transmissão de doenças.2 Discute-se a seguir alguns aspectos gerais da relação entre as mudanças climáticas e o ciclo da água nas áreas urbanas, antes de examinar a situação específica do litoral paulista, focada na Baixada Santista. Para a maior parte dos climatologistas, o aquecimento global deve provocar intensificação e aceleração no ciclo hidrológico. O nível médio de precipitações tende a aumentar globalmente, em decorrência de taxas mais elevadas de evaporação e da maior capacidade de retenção de vapor d’água na atmosfera aquecida. Porém, tais tendências se manifestam de modo regionalmente diferenciado. Em linhas gerais, os modelos do IPCC indicam tendências de aumento anual das precipitações nas altas latitudes e nas áreas tropicais úmidas, ao lado da diminuição de chuvas nas áreas tropicais áridas e subtropicais. Também indicam aumento de áreas assoladas por secas, bem como ampliação da variabilidade sazonal e interanual das chuvas em todas as regiões (SVENDSEN & KUNKEL, 2008). Nas últimas décadas têm mudado não apenas a quantidade e a distribuição das chuvas no Dô,jFdê@çgDô,jFaê@.çôgj-F êpgçj cpe mundo. O estresse hídrico, definido como a disponibilidade média anual inferior a 1700m3 per capita, que hoje atinge 700 milhões de pessoas em 43 países, afetará cerca de três bilhões por volta de 2025 (VIVEKANANDAN & NAIR, 2009). Por outro lado, há os efeitos do aquecimento global sobre a elevação do nível do mar. De acordo com as projeções mais conservadoras do IPCC, o aumento do volume do oceano, decorrente do aquecimento das águas e do derretimento crescente das calotas polares e geleiras da Groenlândia, provocará uma elevação média do nível do mar situada entre 18 e 60 cm até o final do século, contribuindo para aumentar as inundações urbanas e a erosão nas zonas costeiras, onde vive cerca de metade da população mundial. Outras consequências seriam o aumento da salinidade no estuário de rios e da intrusão salina em aquíferos litorâneos, prejudicando a biodiversidade e fontes de abastecimento de água doce (LOZAN, 2007). Como observa Marengo (2008, p. 84), “as mudanças climáticas vão tornar a oferta de água cada vez menos previsível e confiável” . Segundo o autor, “o conhecimento sobre possíveis cenários climático-hidrológicos futuros e as suas incertezas pode ajudar a estimar demandas de água e também a definir políticas ambientais de uso e gerenciamento da água para o futuro” (p. 86). Para tanto, é preciso aprofundar pesquisas e reduzir a escala espacial e temporal em que se modelam tais cenários, tendo em vista subsidiar as políticas de adaptação e mitigação neste campo, conforme se discute a seguir. Neste ponto, há que considerar o impacto da urbanização nas mudanças climáticas. Este se dá principalmente na escala local e regional, na medida em que as cidades formam grandes ilhas de calor que dificultam a dispersão dos poluentes e potencializam a ocorrência de chuvas torrenciais (NOBRE, 2010; TUCCI, 2008; IHDP, 2005).3 Estes fatores, associados à impermeabilização do solo e outros efeitos negativos da urbanização sobre o ciclo da água (VARGAS, 1999), tornam necessário repensar as questões de vulnerabilidade e adaptação no contexto urbano, à luz da noção de “saneamento integral”. Esta noção implica considerar as interações sistêmicas que se estabelecem entre os serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem de águas pluviais, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos (definidos como “saneamento básico” na lei federal 11.445/07), juntamente com os sistemas de saúde e de defesa civil, visando integrar ações que favoreçam a salubridade do ambiente e o bem estar social. Nesta perspectiva, podemos dizer que a vulnerabilidade dos recursos hídricos e do saneamento aos riscos da mudança climática se desdobra em dois campos analiticamente distintos: a vulnerabilidade hidrotécnica e a vulnerabilidade hidropolítica, cada qual envolvendo diferentes dimensões.4 No primeiro caso, estão em jogo os riscos que se colocam à gestão da água em seus 3 Na Grande São Paulo, por exemplo, dados do projeto Megacidades, coordenado pelo INPE, indicam que a temperatura média da cidade de São Paulo teria aumentado cerca de 2,5 graus Celsius nos últimos 70 anos (Nobre et al., 2010; Ereno, 2010). 4 Os termos foram tomados livremente de Guivant & Jacobi (2003), numa acepção similar. aspectos técnicos e operacionais. No contexto urbano, são os riscos de colapso nos sistemas de abastecimento público de água potável, esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais, causado por eventos hidrometeorológicos extremos e/ou pela elevação do nível do mar. Já na esfera regional, a vulnerabilidade hidrotécnica diz respeito aos riscos relacionados ao uso múltiplo das águas, que pode ser comprometido por estiagens prolongadas nas bacias hidrográficas onde a demanda humana já se aproxima do limite crítico de 50% da vazão mínima de estiagem. Quanto à vulnerabilidade hidropolítica, que abarca a vulnerabilidade hidrotécnica, pode-se dizer que tal noção se desdobra em três dimensões analíticas, a saber: física, gerencial e social. A vulnerabilidade física diz respeito à possibilidade de colapso na infraestrutura e nos serviços de saneamento diante de desastres relacionados a eventos extremos. A gerencial diz respeito à falta de preparo adequado dos gestores de recursos hídricos para lidar com as incertezas que envolvem o ciclo da água no contexto das mudanças climáticas e a necessidade de novas abordagens. A falta de articulação destes gestores entre si e com a defesa civil pode ser considerada um dos principais sintomas deste tipo de vulnerabilidade. Por fim, a vulnerabilidade social concerne a falta de acesso ou a exclusão temporária de determinados grupos sociais dos serviços saneamento básico. Vejamos como os conceitos acima podem nos ajudar a compreender a situação de vulnerabilidade hidropolítica da Baixada Santista face às mudanças climáticas de origem antropogênica. Formada por nove municípios − Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Peruíbe, Praia Grande, Mongaguá, Santos e São Vicente − a Região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS), abriga hoje mais de 1,6 milhão de habitantes, numa área de 2.373km2, na zona central do litoral paulista (CBH-BS, 2009). Trata-se de uma região economicamente dinâmica, altamente industrializada e urbanizada que, no entanto, apresenta fortes disparidades socioeconômicas entre os municípios que a compõem.5 Além de capital administrativa, sede das instituições metropolitanas descritas adiante, Santos é também a cidade mais populosa e a capital econômica da região. Embora já apresentasse problemas típicos de uma aglomeração metropolitana no início dos anos 80 do século passado, a RMBS só foi criada em 30 de julho de 1996, através da lei complementar estadual nº 815. Para operacionalizar a governança metropolitana, foram criados e regulamentados sucessivamente um Conselho, um Fundo e uma Agência de Desenvolvimento da Baixada Santista (AGEM). Esta foi criada pela lei complementar nº 853, no final de 1998, como autarquia vinculada à Secretaria Estadual de Economia e Planejamento, com a finalidade de integrar a organização, o planejamento e a execução das funções públicas de interesse comum 5 O PIB per capita de Santos, por exemplo, é cerca de oito vezes superior ao de São Vicente, o menor da região. Disparidades semelhantes ocorrem no Indice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), calculado pela Fundação SEADE: enquanto o de Santos é o terceiro maior do Estado, as demais cidades da Baixada ocupam posições muito inferiores, variando da 179ª (São Vicente) à 378ª (Cubatão) posição. Fontes: SEADE, apud CBH-BS (2007 e 2008). da metrópole. Além das instituições metropolitanas mencionadas, a Baixada também conta com uma organização voltada para garantir os usos múltiplos dos recursos hídricos regionais de maneira sustentável: o Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista (CBH-BS), colegiado normativo e deliberativo, composto paritariamente por representantes do Estado, dos municípios e da sociedade civil, criado em obediência à lei nº 7663/91. Suas principais atribuições são aprovar Planos de Bacia e Relatórios de Situação dos Recursos Hídricos, deliberando sobre a aplicação dos recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO) destinados à região. Desde que foi instalado em dezembro de 1995, o CBH-BS aprovou dois Planos de Bacia (2000-2003 e 2008-2011) e dois relatórios de situação (1999 e 2006). Atualmente, desenvolve estudos para implantar a cobrança pelo uso da água na região, além de uma agência de bacia com funções executivas. A bacia hidrográfica da Baixada Santista caracteriza-se por alta pluviosidade, com uma precipitação média anual de 2.670mm, que não se distribui linearmente na região, nem tampouco entre os doze meses do ano (CBH-BS, 2009). É bastante alta de novembro a janeiro, caindo consideravelmente de junho a agosto. As áreas urbanas dos nove municípios são altamente vulneráveis a enchentes, devido a chuvas convectivas e orográficas persistentes e chuvas de intensidade moderada com duração prolongada, combinadas com o efeito das marés (idem). Tais características indicam que a região apresenta alta vulnerabilidade aos efeitos esperados da mudança climática global sobre as águas, como o agravamento de inundações, processos erosivos e deslizamentos de terras, associados às previsões de maior frequência e intensidade dos eventos hidrometeorológicos extremos, bem como à elevação do nível do mar, dificultando o escoamento das águas pluviais nas áreas mais baixas. Acrescente-se, ainda, o provável aumento nos episódios de interrupção temporária ou duradoura no abastecimento de água, na coleta e no tratamento de esgotos, devidos a enchentes urbanas, estiagem prolongada, ondas de calor ou dificuldades mais amplas de planejamento e adaptação dos sistemas face às incertezas da maior variabilidade climática esperada, com possíveis mudanças no regime hidrológico dos rios. Em breve pesquisa de campo realizada na RMBS em fevereiro de 2011, buscou-se analisar como e até que ponto os riscos acima estão sendo percebidos e enfrentados pelos poderes públicos. A pesquisa limitou-se ao levantamento e análise de dados e documentação do comitê de bacias e da agência metropolitana da Baixada Santista, além da realização de entrevistas com representantes destes órgãos e da Defesa civil do município de Santos. Verificou-se que, a despeito de existirem estudos abrangentes sobre áreas sujeitas a riscos de inundação, deslizamento e erosão, desenvolvidos por iniciativa da AGEM para o conjunto da região metropolitana, tais estudos não trazem qualquer referência às mudanças climáticas. Referimo-nos ao Programa Regional de Identificação e Monitoramento de Áreas Críticas a Inundações, Erosões e Deslizamentos (PRIMAC), concluído em 2002, e ao Programa Regional de Identificação e Monitoramento de Habitações Desconformes (PRIMAHD), encerrado três anos depois. Ora, das 323 áreas críticas identificadas pelo PRIMAC, 79% concernem riscos de inundação. Por outro lado, como notaram Carmo e Silva (2009), as obras de drenagem eram responsáveis por mais de 50% dos recursos solicitados ao FEHIDRO no âmbito do CBH-BS. Porém, observa-se que tais questões não vêm sendo tratadas na escala metropolitana, mas antes via soluções isoladas, sem articulação regional. Afora a contratação destes estudos, com divulgação insuficiente6 e precária implantação das obras, a AGEM não tomou qualquer outra iniciativa para intervir no planejamento da macrodrenagem da metrópole. O mesmo se repete, por outro lado, quando se verifica a atuação do comitê da bacia hidrográfica neste campo. Assim, de acordo com informações contidas no último Plano de Bacia da Baixada Santista, cobrindo o período 2008-2011 (CBH-BS, 2009), dos nove municípios da região, apenas São Vicente, Praia Grande e Guarujá tinham planos de macrodrenagem em curso, com financiamento do FEHIDRO; Itanhaém e Bertioga tinham projetos em fase de avaliação. No Plano de Bacia, cuja formulação foi coordenada pelo Comitê, não constam informações sobre planos de drenagem que busquem integrar as obras, medidas e ações na escala metropolitana. Ainda que a drenagem urbana seja considerada uma atribuição típica das prefeituras municipais, nas áreas metropolitanas a macrodrenagem poderia ser alvo de projetos e políticas regionais economicamente viáveis; as obras seriam deliberadas no âmbito do comitê de bacia e coordenadas pelo DAEE, cujas atribuições legais dizem respeito à gestão da disponibilidade quantitativa dos recursos hídricos (outorga de direitos de uso, construção de reservatórios para controle de cheias, etc.). Contudo, o fenômeno da mudança climática não é mencionado sequer uma única vez nos Planos de Bacia ou nos Relatórios de Situação coordenados pelo CBH-BS, mesmo que um dos Programas de Duração Continuada do Plano Estadual de Recursos Hídricos incluídos nos Planos de Bacia da Baixada Santista seja o “Programa de Prevenção e Defesa contra Eventos Hidrológicos Extremos”. Assim, não surpreende que o secretário executivo deste comitê tenha respondido de maneira tão direta ou evasiva nossas indagações sobre o tema na mencionada entrevista. Questionado a respeito da percepção deste colegiado sobre os impactos da mudança climática na disponibilidade dos recursos hídricos ou na macrodrenagem da bacia hidrográfica, respondeu singelamente: “no comitê, a gente não trata muito da questão climática; o problema aqui é água mesmo.” Ora, nossa pesquisa foi realizada na RMBS em fevereiro de 2011, mais de um ano depois da aprovação da lei nº 13.798, de novembro de 2009, que institui a Política Estadual de Mudança Climática (PEMC) de São Paulo. Além de estabelecer a meta de redução de 20% das emissões estaduais de GEE até 2020, esta lei reconhece explicitamente os impactos do aquecimento global sobre a gestão da água, preconizando, em diversos artigos, a articulação da PEMC com a política 6 Conforme opinião dos técnicos da Defesa Civil de Santos entrevistados na pesquisa. e o sistema estadual de recursos hídricos. Assim, na seção XIII, especificamente dedicada a este tema, o artigo 17 estabelece: “A Política Estadual de Recursos Hídricos, o Sistema Integrado de Recursos Hídricos, o Plano Estadual de Recursos Hídricos, os Planos de Bacias Hidrográficas, os Comitês de Bacia Hidrográfica, o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos e o Conselho Estadual de Recursos Hídricos devem considerar as mudanças climáticas, a definição das áreas de maior vulnerabilidade, as ações de prevenção, mitigação e adaptação estabelecidas nesta lei. 7 Portanto, com a aprovação da Lei Estadual de Mudanças Climáticas, a preocupação com os impactos da mudança climática sobre os recursos hídricos e a vulnerabilidade dos sistemas de gestão das águas urbanas não pode mais ficar fora da pauta dos comitês de bacia hidrográfica, como acontece até o momento na Baixada Santista, devendo, ao contrário, fazer parte dos planos de bacia e das decisões do colegiado quanto à alocação dos recursos do FEHIDRO sob sua responsabilidade. O mesmo poderia ser dito em relação às políticas de ordenamento territorial metropolitano e ao papel da AGEM, pois o Decreto Estadual n° 55947, de julho de 2010, que regulamentou a lei estadual, ao criar o Conselho Estadual de Mudanças Climáticas com uma estrutura tripartite, cujo plenário é composto por 14 representantes do Estado, 14 da Sociedade Civil e 14 dos municípios, fixou três representantes dos últimos: os prefeitos de São Paulo, Campinas e Santos, como líderes dos municípios sede das três principais regiões metropolitanas do Estado, têm cadeira cativa neste colegiado. Os demais onze representantes municipais no plenário do conselho devem ser prefeitos eleitos por seus pares dentro de 11 grupos de bacias hidrográficas. Esse desenho vai na direção da necessária articulação entre o comitê e a agência metropolitana na definição de políticas ou planos de uso e ocupação do solo na Baixada Santista (dada a interação dos padrões de uso e ocupação do solo com a qualidade e disponibilidade dos recursos); articulação que, no entanto, não se verifica efetivamente, uma vez que o comitê não atua junto à AGEM ou ao Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista. Contudo, o desenho institucional estabelecido na legislação da Política Estadual de Mudança Climática de São Paulo, parcialmente favorável à formulação de uma política metropolitana do clima nas principais aglomerações urbanas do Estado, não garante a mobilização política e social necessária para a formulação e implementação de políticas de adaptação e mitigação nesta escala territorial, como se constatou na pesquisa de campo realizada na Baixada Santista. 7 Lei nº 13.789, de 09 de novembro de 2009, seção XIII, artigo 17, publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo em 10/11/09, p. 15. Algumas conclusões O processo de urbanização foi decisivo para a reconfiguração da dinâmica da ocupação do espaço a partir da segunda metade do Século XX. No caso do litoral do estado de São Paulo a ocupação urbana é relativamente antiga, principalmente em sua porção central. Entretanto, os processos recentes de expansão urbana têm repetido a forma de urbanização do restante do país, com a ocupação de áreas não adequadas à construção de moradias. Principalmente áreas sujeitas a alagamentos e inundações, assim como áreas sujeitas a deslizamentos de terra. A falta de uma política habitacional que seja capaz de equacionar a falta de moradias adequadas é um problema que pode fazer com que ainda perdure a situação atual de existência de um grupo populacional significativo que reside em áreas consideradas como de risco nas cidades brasileiras. Essa situação tende a ser agravada na medida em que se confirmem os prognósticos de aumento de intensidade e frequência dos eventos climáticos extremos. Nesse contexto, os grupos populacionais que atualmente são mais vulneráveis a esse conjunto de riscos, tendem a ter sua situação piorada. Ao longo do texto evidenciou-se que a vulnerabilidade é definida em função dos riscos. Na primeira parte do texto os riscos apontados são os riscos representados pelas doenças que possuem relação com as variações climáticas, especificamente doenças respiratórias e dengue. Nesse caso, um amplo conjunto de fatores pode estar associado à incidência e à gravidade da doença. Fatores que vão desde as condições ambientais, passando pelas características de infraestrutura urbana, até constituição física dos indivíduos. Na segunda parte do texto salientaram-se os riscos associados à questão hídrica. Por um lado, existem os riscos relacionados aos aspectos técnicos e operacionais, que condicionam a vulnerabilidade hidrotécnica. Por outro lado, os riscos relacionados às demandas decorrentes do uso múltiplo das águas, que dizem respeito à vulnerabilidade hidropolítica. O contexto apontado pelo IPCC, de aumento da quantidade e intensidade de eventos climáticos extremos, pode recrudescer o conjunto de riscos apontados ao longo do texto, fazendo com que as diversas situações de vulnerabilidade venham a ser potencializadas. Verificou-se que permanência no tempo das principais vulnerabilidades está associada à falta de articulação das ações do Estado, nos diversos níveis de gestão, para lidar com os riscos de inundação e deslizamentos de terra, que impactam a saúde, a infraestrutura e a prestação de serviços de saneamento ambiental, dificultando a obtenção de respostas efetivas que dependem de uma articulação supra municipal. Referências bibliográficas AGEM – Agência Metropolitana da Baixada Santista (2008) Relatório de Atividades 2008. Santos, AGEM. BARROS DE OLIVEIRA, S. M. “Base científica para compreensão do aquecimento global” in VEIGA, J. E. (org.) Aquecimento global: frias contendas científicas. São Paulo, SENAC, 2008 BEGGS, P J & BAMBRICK, H J. 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