estudo da referência indeterminada do pronome - Pró

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM LINGUÍSTICA
MESTRADO EM ESTUDOS LINGUÍSTICOS
MÔNICA DOS SANTOS SOUZA
ESTUDO DA REFERÊNCIA INDETERMINADA DO PRONOME
“VOCÊ” NA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA DA
LINGUAGEM
VITÓRIA
2015
0
MÔNICA DOS SANTOS SOUZA
ESTUDO DA REFERÊNCIA INDETERMINADA DO PRONOME
“VOCÊ” NA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA DA
LINGUAGEM
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Linguística do
Centro de Ciências Humanas e Naturais da
Universidade Federal do Espírito Santo, como
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre
em Linguística, na área de concentração em
Estudos Linguísticos.
Orientadora: Profª Drª Lúcia Helena Peyroton
da Rocha.
VITÓRIA
2015
1
MÔNICA DOS SANTOS SOUZA
ESTUDO DA REFERÊNCIA INDETERMINADA DO PRONOME
“VOCÊ” NA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA DA
LINGUAGEM
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos do Centro
de Ciências Humanas e Naturais, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Linguística na área de concentração em Estudos Linguísticos.
Aprovada em 23 de setembro de 2014.
COMISSÃO EXAMINADORA
_____________________________________
Profª. Drª. Lúcia Helena Peyroton da Rocha
Orientadora e Presidente da Banca
____________________________________
Profª. Drª. Micheline Mateddi Tomazi
Membro Interno
___________________________________
Prof. Dr. Gustavo Ximenes Cunha
Membro Externo
2
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, Aquele que tornou a minha vida possível, a Deus, como também a todo Plano
Maior.
A minha orientadora, Professora Doutora Lúcia Helena Peyroton da Rocha, em primeiro lugar
pela confiança depositada e pelo incentivo dado aos estudos desde a época da graduação em
Letras-Português. Em seguida, por todos os instantes que se dedicou na orientação deste
estudo, sei que sem seu apoio o caminho teria sido muito mais árduo e o resultado sem dúvida
nenhuma não teria sido o mesmo. Com a mesma importância, sou imensamente grata por sua
amizade.
Ao PPGEL, na figura das coordenadoras Professoras: Maria da Penha Pereira Lins e Lilian
Coutinho Yacovenco, pela disponibilidade em atender às minhas necessidades acadêmicas
durante todo o curso na UFES.
À Fundação Pública, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
CAPES, pelos dois anos de incentivo por meio da bolsa de Mestrado.
Às professoras doutoras Micheline Mattedi Tomazi e Aucione Smarsaro, pelas excelentes
contribuições apresentadas durante o Exame de Qualificação.
À amiga, Vivian Riolo, pela amizade dedicada desde a Pós-Graduação da Faculdade Saberes,
e pelo incentivo e ajuda no ingresso ao Curso de Mestrado.
Por fim, agradeço imensamente a minha família, pois, sem a estrutura emocional que me
proporcionam, sei que não conseguiria avançar com os estudos. Principalmente aos meus pais,
Moacir e Cleide, por todo amor dedicado desde sempre. Ao meu esposo, Mário, e ao meu
filho, Murilo, pessoas amadas, por todo apoio e confiança; e pela compreensão dos momentos
em que eu não pude lhes dar atenção. Enfim, a toda minha família paterna e materna, como
também, aos meus avós que já estão no plano espiritual.
3
RESUMO
A proposta desta pesquisa centra-se no estudo do sujeito de referência indeterminada na
perspectiva funcionalista da linguagem. Concordamos, assim, com os preceitos do
Funcionalismo Linguístico, ancorados na visão de Givón (2001). Entre outras questões, Givón
(2001) fala da origem do funcionalismo linguístico e da importância de não fazermos análises
isoladas, isto é, ele chama a nossa atenção para a relação existente entre as estruturas
gramaticais e os diferentes contextos comunicativos em que essas estruturas são usadas.
Aliada a essa abordagem, elegemos também para o estudo e análise da questão a ótica da
Linguística do Texto referente às noções de texto veiculadas neste campo investigativo, mais
precisamente, por não considerá-lo uma estrutura pronta e acabada, mas sim, parte de
atividades mais globais da comunicação, visto como atividade verbal consciente e interacional
(BENTES, 2004). Neste sentido, adotamos também o olhar de Cavalcante e Custódio Filho
(2010) e de Dionísio (2008) ao destacarem a necessidade de uma investigação que leve em
conta o caráter multimodal dos textos que circulam atualmente em nossa sociedade e de irmos
além da materialidade linguística, considerando outras semioses não linguísticas pertencentes
às estratégias textual-discursivas da atividade de produção. Partimos, pois, do princípio de que
o falante dispõe de diversas formas quando deseja indeterminar o sujeito em suas interações
diárias. Atentamos, assim, em observar e analisar o comportamento da forma pronominal
você, como também, todo o contexto envolvido na situação comunicativa. Sabemos que esse
pronome geralmente é utilizado em contextos para interpretação anafórica e dêitica, mas que
em determinadas situações de uso demonstra ter referência indeterminada. Percebemos,
porém, que tradicionalmente a maioria dos gramáticos afirma que há duas formas de se
indeterminar o sujeito na Língua Portuguesa; uma se dá quando se apresenta o verbo na
terceira pessoa do plural sem antecedentes (cf. Quebraram a vidraça da escola); e, a outra
quando se tem o verbo transitivo indireto na terceira pessoa do singular mais a partícula se (cf.
Precisa-se de secretária). Para a constituição de nosso corpus, foram eleitos diversos textos
que circulam em nossa sociedade contemporânea e que trazem a forma pronominal você na
função sujeito de referência indeterminada.
Palavras-chave: Você. Indeterminação do sujeito. Funcionalismo. Linguística Textual.
.
4
ABSTRACT
This research focuses the undetermined-reference subject under the functionalist perspective
of language. We thus agree with Linguistic Functionalism, based on view's Givón (2001).
Among other issues, Givón (2001) addresses the origin of linguistic functionalism and the
importance of not performing isolated analyses, that is to say, the linguist draws our attention
to the relationship between the grammatical structures and the different communicative
contexts where those structures are used. Along with that approach, we selected for
assessment the analysis of the matter through Textual Linguistics on text notions propagated
in that investigation field, specifically where the text is not considered a finished structure, but
a part of more comprehensive communication activities, a conscious and interactional verbal
activity (BENTES, 2004). Accordingly, we also adopted the view of Cavalcante and
Custódio Filho (2010) and Dionísio (2008) stressing the necessity of an inquiry
comprehending the multimodal character of the texts presently circulating in our society, as
well as the necessity of surpassing linguistic materiality, considering other non-linguistic
semiotic interpretations belonging to textual-discursive strategies from the production
activity. We thus depart from the principle that the speaker disposes of several forms
whenever they intend to un-determine the subject in their daily interactions. Therefore, we
analyze the pronominal form você (you), along with the communicative context. We know
that this pronoun is generally used in anaphoric and deitic interpretation contexts, but it has
sometimes undetermined reference. Traditionally, however, Portuguese grammar allows two
indetermination forms: verb in the third person of the plural without antecedents (Quebraram
a vidraça da escola); indirect-transitive verb in the third person of the singular plus particle se
(Precisa-se de secretária). For the constitution of our corpus, several current texts with the
pronominal form você in the function of undetermined-reference subject were selected.
Keywords: Você. Subject indetermination. Functionalism. Textual Linguistics.
5
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------------- 09
2. O QUE DIZEM AS GRAMÁTICAS SOBRE A INDETERMINAÇÃO DO
SUJEITO --------------------------------------------------------------------------------------- 15
2.1 Gramáticas Tradicionais ---------------------------------------------------------------------15
2.1.1 Said Ali (1963) --------------------------------------------------------------------------------16
2.1.2 Kury (1970) ------------------------------------------------------------------------------------17
2.1.3 Bechara (1989, 2009) -------------------------------------------------------------------------17
2.1.4 Rocha Lima (1998) ---------------------------------------------------------------------------18
2.1.5 Luft (2002) ------------------------------------------------------------------------------------19
2.2 Gramáticas Descritivistas -------------------------------------------------------------------20
2.2.1
Perini (2001, 2010) ------------------------------------------------------------------------20
2.2.2
Abreu (2003) ------------------------------------------------------------------------------24
2.2.3
Neves (2003) ------------------------------------------------------------------------------25
2.2.4
Azeredo (2008) ----------------------------------------------------------------------------26
3. REFERENCIAL TEÓRICO --------------------------------------------------------------- 28
3.1 O funcionalismo de Givón (2001) ----------------------------------------------------------29
3.2 Algumas considerações sobre Mudança Linguística ---------------------------------- 36
3.3 Linguística do Texto: noções de texto e de multimodalidade ------------------------- 43
3.3.1 Os gêneros: algumas concepções ---------------------------------------------------- 54
3.4 Algumas questões sobre referenciação --------------------------------------------------- 59
3.5 Referência indeterminada e os conceitos de indeterminação, indefinição e
impessoalização -------------------------------------------------------------------------------- 63
6
4. METODOLOGIA -----------------------------------------------------------------------------71
5. O CORPUS EM ANÁLISE -------------------------------------------------------------------74
5.1 Slogan --------------------------------------------------------------------------------------------74
5.1.1 Slogan da Volkswagen -----------------------------------------------------------------------75
5.1.2 Slogan da TIM --------------------------------------------------------------------------------75
5.1.3 Análise dos slogans ---------------------------------------------------------------------------76
5.2 Charge --------------------------------------------------------------------------------------------79
5.2.1 Charges de Iotti ------------------------------------------------------------------------------- 80
5.2.2 Charge de Lute --------------------------------------------------------------------------------81
5.2.3 Análise das charges -------------------------------------------------------------------------- 82
5.3 Anúncio ------------------------------------------------------------------------------------------85
5.3.1 Anúncio da UNIVIX -------------------------------------------------------------------------85
5.3.2 Anúncio da FIAT/Domani Veículos ------------------------------------------------------- 86
5.3.3 Anúncio da Cruz Vermelha ----------------------------------------------------------------- 87
5.3.4 Análise dos anúncios ------------------------------------------------------------------------ 88
5.4 Informe ------------------------------------------------------------------------------------------94
5.4.1 Informe do Banco do Brasil -----------------------------------------------------------------94
5.4.2 Informe da revista VEJA ------------------------------------------------------------------- 95
5.4.3 Análises dos informes ---------------------------------------------------------------------- 96
5.5 Carta -------------------------------------------------------------------------------------------- 97
5.5.1 Carta do grupo DACASA/DADALTO ---------------------------------------------------- 98
5.5.2 Análise da carta ------------------------------------------------------------------------------ 99
5.6 Entrevista -------------------------------------------------------------------------------------100
5.6.1 Entrevista de Thiago de Mello ------------------------------------------------------------101
5.6.2 Análise da entrevista -----------------------------------------------------------------------106
7
5.7 Prefácio ----------------------------------------------------------------------------------------107
5.7.1 Prefácio do livro O Segredo ----------------------------------------------------------------107
5.7.2 Análise do prefácio -----------------------------------------------------------------------108
6. RESULTADOS DAS ANÁLISES --------------------------------------------------------110
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
------------------------------------------------------------112
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS --------------------------------------------------113
8
1. INTRODUÇÃO
Em nossa sociedade contemporânea, atentamos para os diversos textos, tanto os impressos
quanto os virtuais, que trazem a forma pronominal você na função de sujeito de referência
indeterminada. Sabemos, porém, que essa forma é utilizada em contextos para interpretação
anafórica e dêitica, configurando, assim, sujeito simples e determinado. Porém, em
determinadas situações concretas de uso, percebemos que essa forma demonstra ter referência
indeterminada.
Para tanto, este trabalho tem como objetivo central estudar a referência indeterminada do
pronome você em texto que circulam socialmente. No intuito de dar conta da análise que
pretendemos empreender, é necessário também: verificar como a função sujeito
indeterminado está consignada nas gramáticas tradicionais e nas descritivistas; observar,
analisar e explicar o comportamento da forma pronominal você com referência indeterminada
em algumas situações comunicativas; como também, observar o grau de indeterminação desse
pronome nos diversos textos analisados com vistas de explicar o seu uso gradiente no
contínuo da perspectiva funcionalista da língua; por último, propomo-nos analisar e explicar o
efeito de sentido que essa forma pronominal promove nos textos que compõe o corpus desta
pesquisa.
Assim, observamos que na Língua Portuguesa a indeterminação do sujeito pode ser codificada
por meio de vários expedientes linguísticos, dois já preconizados pelos gramáticos, quais
sejam: (i) empregar o verbo na 3ª pessoa do plural sem referência anterior ao pronome eles ou
elas, e a substantivos no plural, como em: Quebraram a janela; (ii) flexioná-lo na 3ª pessoa
do singular acompanhado da partícula se, por exemplo, em: Precisa-se de secretária. Nesse
sentido, procuramos discutir as proposições de Said Ali (1963), Kury (1970), Bechara (1989,
2009), Rocha Lima (1998) e Luft (2002), dentro da perspectiva tradicional e as de linguistas
descritivistas, tais como Abreu (2003), Azeredo (2008), Perini (2001, 2010) e Neves (2003)
no que tange ao fenômeno em questão quanto apresentar o pronome você, a partir da língua
em uso configurando referência indeterminada.
Notamos, porém, que não há consonância entre os próprios gramáticos tradicionalistas e entre
os autores descritivistas, quanto a essas formas. Said Ali (1963), por exemplo, classifica o
9
sujeito indeterminado como indefinido. Kury (1970), por sua vez, faz críticas aos autores que
concebem como sujeito indeterminado pronomes indefinidos e observa que, na verdade, há
uma confusão entre os conceitos de indeterminação e indefinição, numa análise muito mais
lógica do que sintática. Já Luft (2002) acrescenta outra forma de se indeterminar o sujeito, isto
é, utilizar o verbo no infinitivo impessoal. Luft (2002), assim como Kury (1970), também
censura os demais autores que se valem de pronomes indefinidos como forma de
indeterminação e diz que é má técnica gramatical considerá-los para efeito de indeterminação.
Dentre os autores de cunho descritivista, as proposições de Neves (2003), de Azeredo (2008)
e de Perini (2010) são as que mais se aproximam da perspectiva adotada neste trabalho.
Segundo Neves (2003), na conversação há maneiras mais expressivas de indeterminar o
sujeito que são totalmente ignoradas nas lições escolares. Já Azeredo (2008) leva em
consideração aspectos cognitivos e discursivos ao analisar orações que trazem o sujeito
indeterminado. Em Perini (2010), percebemos um olhar para a função discutida além do nível
sintático, abrangendo também o semântico e o pragmático ao colocar a questão da
indeterminação do sujeito no âmbito da referência e, assim, mostrar diferentes estratégias
linguística para se obter tal efeito.
Em sintonia com os autores descritivistas investigados neste trabalho, adotamos os preceitos
do Funcionalismo Linguístico, vertente que, dentre outras questões, atenta-se em estudar a
relação entre as estruturas gramaticais e os diferentes contextos comunicativos em que essas
estruturas são usadas. Aliada à abordagem funcionalista da linguagem, elegemos também para
o estudo e análise do sujeito de referência indeterminada a perspectiva da Linguística do
Texto, no que tange às noções de texto, de multimodalidade, aos processos de referenciação e,
por fim, às noções de gênero veiculadas nesse campo investigativo.
Sobre a noção de texto, notamos que atualmente é visto não como uma estrutura pronta e
acabada, mas sim, parte de atividades mais globais da comunicação e considerado, dessa
maneira, uma atividade verbal consciente e interacional (BENTES, 2004). Adotamos neste
estudo também a perspectiva de Cavalcante e Custódio Filho (2010) e de Dionísio (2008).
Esses autores destacam a necessidade de uma investigação que leve em conta não apenas a
materialidade linguística, mas o caráter multimodal dos textos, considerando outras semioses
não linguísticas pertencentes às estratégias textual-discursivas da atividade de produção
textual. É com esse olhar que procuramos observar como o pronome você foi utilizado, isto é,
como mais uma maneira de que dispõem os falantes da língua para indeterminar o sujeito,
10
indo além da materialidade linguística e considerando também os aspectos multimodais como
estratégias textual-discursivas, como as imagens e as cores dos textos que integram o nosso
corpus.
Além disso, chamamos atenção para a integração de diversos níveis da linguagem em uma
análise linguística. Em “Pressupostos teóricos fundamentais”, Furtado da Cunha, Costa e
Cezario (2003) observam que, na contemporaneidade, o funcionalismo difere das abordagens
formalistas (Estruturalismo e Gerativismo) por entender a linguagem como instrumento de
interação social e seu interesse de investigação linguística ir além da estrutura gramatical,
buscando no contexto discursivo a motivação para os fatos da língua. Sendo assim, não há
uma separação rígida entre o nível morfológico, o sintático, o semântico e o pragmático, pelo
contrário, os autores dizem que esses níveis se relacionam e são interdependentes.
Ao abordar o princípio da iconicidade, isto é, a correlação natural entre forma e função,
Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) afirmam que linguistas funcionalistas defendem a
ideia de que a estrutura da língua de alguma maneira reflete a estrutura da experiência, mais
ainda, como a linguagem é uma faculdade humana, supõe-se que a estrutura linguística revela
as propriedades da conceitualização humana do mundo ou as propriedades da mente humana.
Esses questionamentos, segundo os autores, remontam à Antiguidade Clássica com a
polêmica que dividiu os filósofos gregos em convencionalistas e naturalistas, ou seja, os que
defendiam que tudo na língua era convencional, resultado do costume e da tradição, e os que
afirmavam que as palavras eram apropriadas por natureza às coisas que elas significavam.
Em Saussure, já no século XX, essa discussão foi retomada, sendo o linguista favorável à
concepção convencionalista. Ao Reafirmar o caráter arbitrário da língua, ele nega a relação
natural entre o significante e o significado, isto é, entre a “imagem acústica” do signo
linguístico e seu significado.
Não obstante, Furtado Cunha, Costa e Cezario (2003) lembram que o filósofo Peirce (1940)
discorda parcialmente da ideia de total arbitrariedade do signo linguístico e recupera
parcialmente a posição adotada pelos antigos naturalistas. Segundo o filósofo, a sintaxe das
línguas naturais não é totalmente arbitrária, mas sim, isomórfica ao seu conteúdo mental.
Contudo, esse isomorfismo da sintaxe não é absoluto, e sim moderado, pois na codificação
sintática, princípios icônicos (cognitivamente motivados) interagem com princípios
simbólicos (cognitivamente arbitrários), que respondem pelas regras convencionais. Notamos,
11
porém, que a face mais radical desse isomorfismo linguístico foi defendida por Bolinger
(1977), uma vez que para ele “A condição natural da língua é preservar uma forma para um
sentido e um sentido para uma forma...” (BOLINGER, 1977, p. 10).
Esta pesquisa, como isso, está em sintonia com a proposta de Furtado da Cunha, Costa e
Cezario (2003), no que tange à variação e à mudança linguística. Para eles, estudos sobre os
processos de variação e mudança linguística contribuíram para a reformulação da versão forte
em que se defendia radicalmente o isomorfismo, uma vez que há duas ou mais formas
alternativas de dizer a mesma coisa. Assim, os linguistas advogam que “(...) na língua que
usamos diariamente, especialmente na língua escrita, existem por certo muitos casos em que
não há uma relação clara, transparente, entre forma e conteúdo” (FURTADO DA CUNHA;
COSTA; CEZARIO, 2003, p.31).
Isso significa dizer que muitas vezes as mudanças ocorrem ao longo do tempo e de modo
gradual, movendo um elemento em um contínuo de uma categoria a outra, segundo Bybee
(2010, apud FURTADO DA CUNHA; SILVA, 2013). Dessa maneira, a língua é vista como
um sistema adaptativo complexo, exibindo variação e gradiência. Por isso, a linguista diz que
as categorias da língua, isto é, da gramática não são tão claras, tão facilmente distinguidas,
esclarecendo que, “com relação à gradiência, alguns membros de uma categoria são
“melhores” do que outros, conforme postula a teoria dos protótipos, por outro lado, as
fronteiras entre as categorias são indistintas e vagas” (BYBEE, 2010, apud FURTADO DA
CUNHA; SILVA, 2013, p. 155).
Percebemos, assim, que a variação também viola o pressuposto do isomorfismo linguístico,
uma vez que várias formas podem exercer uma única função. Um exemplo, segundo Furtado
da Cunha, Costa e Cezario (2003), é a função sintático-semântica de impessoalização do
sujeito que pode ser expressa nas seguintes formas: 3ª pessoa do plural (Falaram de você.),
verbo acompanhado da partícula –se (Construiu-se a cidade. Precisa-se de construtores.), voz
passiva (Uma ponte foi construída.), pronome indefinido (Alguém fez isso.), pronome na 3ª
pessoa do singular sem referente expresso (Eles saíram).
A partir dessa perspectiva, entendemos que a indeterminação do sujeito pode ser vista
também como um caso de variação e gradiência, uma vez que diversas formas podem assumir
uma mesma função, como também, podem “caminhar” de um grau maior de indeterminação
até um grau menor, sendo que, no meio desse percurso há sempre uma indeterminação
12
parcial. Assim, notamos que o pronome você pode tanto assumir a função de sujeito simples e
determinado, como observamos na entrevista do poeta Thiago de Mello à Lêda Rivas, editora
do caderno de cultura do jornal Diário de Pernambuco, parte do corpus deste trabalho: “Você
sempre falou de amor, liberdade e vida. Fazia escuro e você cantava. Como está o tempo no
Brasil para a sua poesia?” Como também figurar na função sujeito de referência
indeterminada, como por exemplo, nos slogans “Você, sem fronteira” da companhia de
telefonia TIM e “Você conhece, você confia” da empresa automotiva Volkswagen.
A relevância desta pesquisa está em nossa constatação de que, diferentemente do que
defendem gramáticos tradicionalistas e alguns descritivistas, o pronome você tem sido muito
utilizado como estratégia de indeterminação como meio de aproximar os participantes dos
eventos linguísticos e, assim, tornar a situação menos formal. Nesse sentido, percebemos que
são os fatores pragmáticos, como a intencionalidade do falante, a análise do ouvinte e a
adequação à situação de uso é que dão forma à estrutura da língua. Dizemos, dessa maneira,
que o pronome você é uma estratégia de indeterminação muito mais abrangente em seus
contextos de uso do que as formas já convencionalizadas nas gramáticas.
Mostraremos de maneira breve e sucinta os conteúdos dos capítulos que integram esta
investigação. Assim, no capítulo “O que dizem as gramáticas sobre a indeterminação do
sujeito”, fizemos um levantamento sobre o tratamento dado à indeterminação do sujeito nas
gramáticas tradicionais e descritivistas. Ressaltamos que a escolha dos autores não foi
aleatória, mas sim, ocorreu pelo fato de constatarmos tanto consonâncias quanto algumas
divergências no tratamento dado para as formas de indeterminação.
Em seguida, no capítulo do “Referencial Teórico”, apresentamos os preceitos do
Funcionalismo Linguístico na perspectiva de Givón (2001), como também, mostramos
algumas noções de texto na perspectiva da Linguística do Texto. No que se refere à essa
abordagem linguística, fizemos um breve levantamento sobre algumas concepções de texto no
propósito de ressaltar qual noção foi adotada nesta pesquisa. Dentro desse contexto,
realizamos também uma breve revisão da literatura sobre os conceitos de referência e de
gênero textual para que pudéssemos ampliar a discussão e proceder com as análises.
Ainda fazendo parte de nosso referencial teórico, figura a questão da Mudança Linguística na
perspectiva de Martelotta (2011), que concebe a mudança dentro da perspectiva baseada no
13
uso. Na sequência, propusemo-nos delinear conceitos importantes que perpassam esta
pesquisa, tais como, as noções de impessoalização, indefinição e indeterminação. .
Em seguida, explicamos a metodologia que adotamos para a realização desta dissertação e
exibimos o corpus sobre o qual nos debruçamos para efetivação da análise. Observamos
aproximadamente de cinquenta textos, dos quais elegemos treze que circulam socialmente,
são eles: dois slogans, três charges, três anúncios publicitários, dois informes publicitários,
uma carta comercial, uma entrevista e, por último, um prefácio de livro. Acreditamos que, ao
elegermos vários textos, ampliamos o entendimento a respeito de como se comporta a forma
pronominal eleita para o estudo, levando-se em conta, além do gênero, o suporte textual, a
linguagem empregada, as intenções do enunciador, o público alvo, entre outras pressões
adaptativas deste fenômeno linguístico.
Posteriormente, registramos as conclusões a que chegamos, salientando os principais achados,
considerando os aspectos teóricos envolvidos na pesquisa e as possíveis contribuições deles
originadas.
Por fim, arrolamos as referências, que subsidiaram a apresentação do estado da arte, que
deram sustentação a discussão teórica delineada e propiciaram a análise do corpus.
14
2. O
QUE
DIZEM
AS
GRAMÁTICAS
SOBRE
A
INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO
Neste capítulo, apresentaremos as estratégias de indeterminação do sujeito adotadas por
alguns gramáticos e autores descritivistas, bem como faremos uma reflexão sobre as formas
abordadas por eles. Com isso, da observação de aproximadamente trinta gramáticas
tradicionais, registramos as propostas de Said Ali (1963), Kury (1970), Bechara (1989, 1999),
Rocha Lima (1998) e Luft (2002), tanto por serem consideradas obras de referência dentro da
perspectiva tradicional quanto por constatarmos pontos de divergências entre os autores
citados acima.
Já entre expoentes de cunho descritivista, fizemos uma pesquisa em vinte obras descritivas do
português. Com isso, elegemos as abordagens de Perini (2001, 2010), Abreu (2003), Neves
(2003) e, por último, Azeredo (2008) por se tratarem de verdadeiras fontes de pesquisas e por
darem um olhar diferenciado para a função aqui discutida. No entanto, percebemos que eles
também se divergem, quer por não considerar a nomenclatura da NGB1 sobre as estratégias de
indeterminação, como Abreu (2003), ou ainda por adotar uma perspectiva formal da função
sujeito indeterminado, como Perini (2001).
Salientamos que, ao percorrermos as noções e as estratégias de indeterminação dos
gramáticos tradicionais e as dos autores descritivistas, constatamos a confusão existente entre
os conceitos de indefinição, indeterminação e impessoalização. Nesse sentido, fizemos uma
seção apenas para discutir tais conceitos e, assim, apresentar quais noções estamos
trabalhando para procedermos com as análises dos textos que compõem o nosso corpus.
2.1 Gramáticas Tradicionais
Ao analisarmos como algumas gramáticas tradicionais registram o sujeito indeterminado,
notamos que as propostas dos autores divergem em alguns aspectos e convergem em outros.
1
Nomenclatura Gramatical Brasileira.
15
Percebemos, contudo, que há um consenso entre esses autores no que tange às duas formas de
indeterminação do sujeito já mencionadas, uma diz respeito ao emprego do verbo na 3ª pessoa
do plural sem referência anterior a substantivos no plural ou ao pronome eles ou elas; e a
outra, flexioná-lo na 3ª pessoa do singular acompanhado da partícula se. Já as divergências
estão no fato de que alguns gramáticos consideram também, além dessas formas, os pronomes
indefinidos ou o verbo no infinitivo impessoal como estratégia de indeterminação do sujeito.
Iniciaremos esta discussão com Said Ali (1963), no intuito de apontar como ele e os demais
gramáticos selecionados para fazerem parte deste estudo abordam a função discutida.
2.1.1 Said Ali (1963)
Said Ali (1963) classifica o sujeito indeterminado como indefinido. Para efeito de
indeterminação, segundo ele, podemos empregar o verbo ou na terceira pessoa do plural ou na
forma reflexiva, ou usamos o verbo na forma ativa dando-se por sujeito um pronome
indefinido. O autor registra os seguintes exemplos: Assassinaram o ministro. Estão batendo a
porta. Morre-se de frio. Alugam-se cadeiras. Desistiu-se da empresa. Alguém está batendo.
Os exemplos arrolados por Sai Ali (1963, p. 126) evidenciam uma nomenclatura formal da
função sujeito indeterminado, como também, há uma confusão existente entre as noções de
indeterminação e indefinição, principalmente por não apresentar explicação no que tange à
presença versus ausência do sujeito, no exemplo: Alguém está batendo.
Com isso, Said Ali (1963) apresenta, além das duas formas elencadas acima, defendidas pela
maioria dos gramáticos, o pronome alguém figurando na posição de sujeito juntamente com o
verbo na forma ativa, como se vê no exemplo do próprio autor: Alguém está batendo.
No entanto, percebemos que o gramático não presta maiores esclarecimentos a respeito do
fenômeno em questão, apenas limita-se em registrar as formas já convencionalizadas pelos
seus antecessores. Além disso, inclui no rol de seus exemplos a oração: Alugam-se cadeiras,
considerada por outras gramáticas tradicionais como passiva sintética ou pronominal.
16
2.1.2 Kury (1970)
Kury (1970, p.58) considera um equívoco incluir como expediente de indeterminação do
sujeito, o pronome indefinido: Alguém bateu à porta. Para ele, a manifestação linguística
típica de sujeito indeterminado, em português, se dá por meio do verbo na terceira pessoa do
plural, sem fazer referência a nenhum substantivo no plural anteriormente expresso, nem ao
pronome eles. Ao arrolar os seguintes exemplos, Pediram silêncio e Vão lá pedir sinceridade
ao coração!, ele afirma que:
há autores que consideram como caso de sujeito indeterminado o que é constituído
materialmente por pronomes indefinidos que nada esclarecem quanto à identidade
do agente (ou do paciente, na voz passiva), o que nos parece confusão entre os
conceitos de ‘indeterminação’ e ‘indefinido’, numa análise antes lógica do que
sintática. Na verdade, ao dizer ‘Alguém bateu à porta’, o sujeito alguém é
determinado, embora indefinido, apesar de nada esclarecer quanto à identidade do
agente – tão determinado e indefinido como o substantivo desconhecido nesta
oração: Um desconhecido bateu a porta (KURY, 1970, p. 58).
Novamente, evidenciamos a separação tradicional entre os diversos níveis da linguagem ao
notar uma classificação formal e que nada mostra quanto ao papel semântico e pragmático do
sujeito. Como também, percebemos claramente uma perspectiva de gramática autônoma, ou
seja, dissociada do uso, do falante e da situação comunicativa.
2.1.3 Bechara (1989, 2009)
Em Bechara (1989), mais uma vez confirma-se esse olhar de gramática isolada das situações
concretas de uso. Segundo ele, sujeito indeterminado “é o que não se nomeia ou por não se
querer ou por não se saber fazê-lo” (BECHARA, 1989, p. 200). Com isso, ele apresenta
apenas duas maneiras na língua de se obter resultado de indeterminação. A primeira é colocar
o verbo da oração (ou o auxiliar, se houver locução verbal) na 3ª pessoa do singular ou mais
17
frequentemente, do plural, sem referência a pessoa determinada. A segunda maneira é
empregar o pronome se junto ao verbo de modo que a oração passe a equivaler a outra que
tem por sujeito alguém, a gente ou expressão sinônima. Ele exemplifica assim: Diz que eles
vão bem. (diz = dizem). Estão chamando o vizinho. Vive-se bem aqui. Precisa-se de bons
empregados. (BECHARA, 1989, p. 200-201).
De acordo com o registro de seus exemplos, notamos que Bechara apenas elenca algumas
formas já convencionalizadas, porém, não dá maiores explicações a respeito da função
discutida. Na realidade, deparamo-nos com o caráter normativo dessa gramática ao evidenciar
as únicas formas que devem figurar na posição de sujeito indeterminado. Sabemos, porém,
que nos eventos de uso da língua, há diversas formas utilizadas pelos falantes, quando
necessitam indeterminar o sujeito.
Em edição mais recente de sua obra, Bechara (2009, p. 408-410) também não oferece
explicações sobre a questão da indeterminação do sujeito, apenas atenta-se em mostrar uma
noção gramatical de sujeito, isto é, refere-se à noção de sujeito sendo “unidade ou sintagma
nominal que estabelece uma relação predicativa com o núcleo verbal para constituir uma
oração”. É mister dizer que essa nova proposição em nada esclarece a função de
indeterminação do sujeito, nem mesmo depois de o próprio gramático dizer que essa é uma
explicação gramatical que não envolve o nível semântico.
2.1.4 Rocha Lima (1998)
Rocha Lima (1998, p. 234) explica que o sujeito indeterminado ocorre quando não pudermos
ou não quisermos especificar a pessoa da qual estamos falando. Em consonância com os
demais gramáticos, o autor, em sua Gramática Normativa da Língua Portuguesa, assegura
que para efeito de indeterminação vale-se a língua de um dos dois expedientes: 1) empregar o
verbo na 3ª pessoa do plural sem referência anterior ao pronome eles ou elas, e a substantivos
no plural. 2) Usá-lo na 3ª pessoa do singular acompanhado da partícula se, desde que o verbo
seja intransitivo, ou traga complemento preposicionado. Com isso, ele apresenta as orações:
18
Falaram mal daquela moça. Mataram um guarda. Vive-se bem aqui. Precisa-se de professor.
(ROCHA LIMA, 1998, p. 235).
É importante notar que Rocha Lima (1998) se limita a apresentar a clássica forma de se
indeterminar o sujeito. Com isso, o gramático não oferece maiores esclarecimentos quanto à
função e as formas de indeterminação do sujeito. Observamos que ele apenas prescreve as
duas formas já elencadas pelos demais gramáticos vistos neste estudo. A única diferença está
em sua preocupação em falar sobre a regência do verbo, no caso do exemplo: Vive-se bem
aqui, em que o verbo viver está empregado como verbo intransitivo e tem anexado a si o
pronome se, considerado tradicionalmente índice de indeterminação do sujeito. No entanto, ao
afirmar que será considerado caso de sujeito indeterminado quando o verbo reger um
complemento preposicionado, como é o caso de Precisa-se de professor, o autor, além de não
esclarecer questões que envolvem a indeterminação do sujeito, dificulta a compreensão ao
falar da regência, assunto também extremamente mal resolvido nos manuais de gramática.
2.1.5 Luft (2002)
Por último, Luft (2002, p. 46-47) diz que há duas formas para indeterminar o sujeito, isto é,
empregar o verbo na 3ª pessoa do plural: comentam que ele não volta mais ou empregar o
verbo no infinitivo dito impessoal: é fácil protestar; é preciso manter a calma; reclamar não
adianta.
Constatamos que Luft (2002) diverge dos outros gramáticos ao acolher em seus exemplos o
verbo no infinitivo impessoal. Ele assegura que é má técnica gramatical considerar os
pronomes indefinidos como sujeitos indeterminados. Para Luft, adotar essa postura é
confundir sintaxe com semântica, assim, ele opta por explicar o fenômeno de indeterminação
a partir da ocupação/ não-ocupação da posição do sujeito. No entanto, acreditamos que isso
não diz muito, pois, de acordo com pesquisas de alguns estudiosos sobre o sujeito de
referência arbitrária, entre eles, destacamos a pesquisa de Souza (2013) que indica um
aumento de preenchimento da posição sujeito, tanto em contextos de 1ª e 2ª pessoa do
discurso quanto em contextos de sujeito arbitrário.
19
Ao retomar pesquisas de alguns autores, Souza (2013) diz que esse aumento está intimamente
relacionado às mudanças ocorridas na língua que teriam afetado a marcação do Parâmetro do
Sujeito Nulo, como a alteração do sistema pronominal, com a perda da 2ª pessoa indireta (tu e
vós), por volta de 1937, e a inserção da construção a gente como uma forma concorrente do
pronome nós.
Neste momento, passamos a abordar como os autores descritivistas selecionados para
integrarem esta investigação abordam a questão da indeterminação do sujeito.
2.2 Gramáticas Descritivas
Observamos a abordagem de aproximadamente vinte autores descritivistas, dos quais
registramos as propostas de Perini (2001, 2010), Abreu (2003), Neves (2003) e Azeredo
(2008) por serem obras de referência dentro dessa perspectiva de estudo da linguagem e pelo
fato de alguns deles terem uma visão mais aprofundada sobre a função sujeito indeterminado,
colocando-a no âmbito dos processos de referência, como Neves (2003) e Perini (2010), como
também, pelo motivo de levar em conta os aspectos cognitivos e discursivos ao analisar o
problema da indeterminação, como Azeredo (2008). Nossa revisão iniciará com Perini (2001)
e (2010) e, com isso, feita uma breve discussão de como ele e os demais autores descritivistas
abordam a fenômeno aqui discutido.
2.2.1 Perini (2001, 2010)
Em Perini (2001, p. 77-78), constatamos uma noção formal da função sujeito. Para ele, “o
sujeito é o termo da oração que está em relação de concordância com o núcleo do predicado”.
Mesmo que considere o componente sintático, o próprio autor esclarece que esta é uma
definição formal e não diz nada a respeito do papel semântico ou discursivo do sujeito.
Explana ainda que, dizer que o sujeito está em concordância com o núcleo do predicado
significa que o constituinte apresenta traço de concordância com este termo na oração. Nesse
20
sentido, orienta que a análise sintática apresentada em sua gramática será expressa por traços
atribuídos a determinados constituintes, sendo que cada traço exprime um aspecto do
comportamento sintático do constituinte em questão. No entanto, no capítulo destinado às
funções sintáticas, o linguista nada apresenta sobre a indeterminação do sujeito ou qualquer
outra subcategoria da função sujeito, esclarece que o assunto será tratado no capítulo
destinado à discussão da relação entre a sintaxe e a semântica.
Assim, apenas em “Papéis semânticos e funções sintáticas” Perini (2001) mostra a relação
existente entre o sujeito e suas noções semânticas. Ele esclarece que “papel semântico” diz
respeito às relações de significado expressas pelas funções sintáticas em si, independente se
há preenchimento ou não lexical.
Ao falar sobre as frases impessoais, o autor arrola dois exemplos com o propósito de ressaltar
a necessidade de se introduzir uma regra que ajude na compreensão do caso. Segundo ele, nas
orações: Quebraram a vidraça / Come-se pizza no natal, trata-se de “agente (não
especificado) na representação semântica de frases com núcleo do predicado na 3ª pessoa do
plural sem sujeito” (PERINI, 2001, p. 271-272). Mais adiante, ao referir-se à “Semântica do
infinitivo impessoal”, diz que há frases que não tem nenhum sintagma nominal compatível
com o papel semântico que o verbo no infinitivo atribui ao sujeito, afirmando ser este caso de
infinitivo com agente indeterminado ou agente não-especificado.
No entanto, em Gramática do português brasileiro, Perini (2010) destina um capítulo inteiro
para discutir o fenômeno em questão.
Esclarece que esse capítulo é um resumo das
construções e itens lexicais que manifesta, de uma maneira ou de outra, a função de
indeterminação do sujeito.
Assim, para ele a “indeterminação é o fenômeno que consiste em entender mais ou menos
esquematicamente a referência de um sintagma” (PERINI, 2010, p.83). Diz ainda que,
“quanto menos individualizada (isto é, quanto mais esquemática) for a referência, mais
indeterminado será o sintagma respectivo”. Relevante e esclarecedor notar que Perini coloca a
função de indeterminação além do nível sintático, abrangendo também o semântico e o
pragmático ao chamar atenção para a questão da referência e da gradiência que envolve o
fenômeno. Com isso, assegura que no português brasileiro há diversas formas para se obter tal
efeito.
21
Antes de elencar os recursos sintáticos e lexicais que dão forma à função discutida, Perini
(2010, p. 83-84) nos informa que, no português do Brasil, é muito frequente a supressão do
complemento de uma frase passiva no intuito de esconder o agente da ação verbal, deixando
o paciente na função de sujeito, como em: Meu carro foi depredado. Segundo ele, há casos
em que a construção ergativa deixa o Agente totalmente indeterminado, podendo, às vezes,
dar ideia de que ele nem exista de fato, por exemplo, em: A vidraça quebrou. Nessa situação,
de acordo com o linguista, podemos inferir tanto que alguém quebrou, e não se quer ou não se
sabe quem fez a ação, quanto a vidraça ter sido quebrada por uma mudança de temperatura.
Por outro lado, ele evidencia que, em Quebraram a vidraça essa interpretação já não seria
possível.
Ao listar o que denomina de recursos sintáticos e lexicais de indeterminação do sujeito, Perini
(2010, p. 84-85) ressalta que o fenômeno recebe tradicionalmente uma atenção maior por ser
um aspecto rico e complexo, contando com diversas estruturas sintáticas especializadas.
Dessa forma, classifica cinco diferentes maneiras as quais o falante pode contar quando
desejar indeterminar o sujeito nas diversas situações comunicativas diárias, são elas: utilizar
sintagma nominal sem determinante, usar o verbo sem sujeito na terceira pessoa do plural ou
na terceira pessoa do singular, valer do infinitivo sem sujeito e, por último, utilizar alguns
itens lexicais na função de sujeito indeterminado, tais como: a pessoa, o sujeito, o cara; e os
pronomes pessoais: você, a gente, eles, tu.
Esses mecanismos de indeterminação arrolados por Perini (2010, p. 83) são todos ilustrados e
também analisados pelo autor. Temos, com isso, o primeiro recurso que se refere aos
sintagmas nominais sem determinante, isto é, quando há uma referência genérica,
identificando apenas o tipo de ser ou objeto, mas sem individualizar a entidade a que se
refere, como no exemplo do autor: Criança suja muito o chão. Já em Aquela criança suja
muito o chão, Perini entende que se trata de sujeito determinado pelo fato de que o sintagma
fornece os elementos que já bastam para o ouvinte identificar a criança em questão. Ao passo
que, no primeiro exemplo, o falante não tem uma criança específica em mente, mas refere-se
a crianças em geral. Mais esclarecedor ainda quando avisa que o SN criança é menos
determinado do que aquela criança. Acrescenta ainda que, o SN sem determinante funciona
da mesma maneira em outras funções sintáticas, como em: Até 1971 o clube não aceitava
criança. Nesse sentido, ele aborda a questão do grau de indeterminação, uma maneira muito
mais elucidativa de se tratar o fenômeno em questão.
22
Desse modo, em uma escala gradativa que parte de uma referência mais indeterminada até
alcançar um grau maior determinação, Perini (2010, p.83) apresenta o recurso do verbo sem
sujeito na terceira pessoa de plural e explana que essa maneira refere-se apenas a seres
humanos, como em: Quebraram a janela. Ele adverte que, embora o sujeito seja
indeterminado, inferimos aqui tratar-se de uma pessoa, pois a janela, segundo ele, não poderia
ter sido quebrada pelo vento, nem por um terremoto, nem por um passarinho que se chocou
contra o vidro.
Em nota, Perini avisa que, no português escrito, temos também a construção Quebrou-se a
janela, porém, comenta que essa construção é rara no português brasileiro. Ele ainda
acrescenta que, a construção com a partícula se parece exprimir uma ação mais consciente do
que a construção sem sujeito e verbo na terceira pessoa do plural, isto porque, soaria estranho
dizer Estragou-se meu carro, pois implicaria uma finalidade, no entanto, falamos
naturalmente Estragaram meu carro.
A nosso ver, quando pronunciamos: estragou-se, quebrou-se, arrebentou-se, findou-se, entre
outros, pode haver ou não um agente com intenção de praticar ação verbal, há uma
ambiguidade aí, pois podemos inferir que, o carro ou outro objeto está estragado pelo tempo
de uso, não manutenção do dono ou porque o dono, sem querer, colidiu com outro veículo ou
muro. Por outro lado, observamos que mais relevante nesse tipo de construção é evidenciar o
estado de algo ou do objeto em si e não de enfatizar o autor da ação. Um bom exemplo no
português do Brasil é a construção Precisa-se de secretária, aqui a informação de maior
proeminência não é saber quem está precisando de uma secretária, mas sim enfatizar uma
necessidade ou uma procura no intuito de atingir os que se candidatam para a função
anunciada.
Seguindo a classificação de Perini (2010, p.85), outro recurso de indeterminação do sujeito é
o verbo sem sujeito na terceira pessoa do singular. De acordo com ele, esse recurso parece
também restringir apenas a seres humanos, como em: Para ir na pracinha segue essa rua até
o final e vira à direita. Nessa fazenda planta café e milho. O autor nos informa que essa
construção é exclusiva do Português do Brasil, contudo, avisa que ainda está por ser estudada
mais detalhadamente.
Por outro lado, o recurso do infinitivo sem sujeito, já é percebido nas classificações de alguns
autores sobre o assunto, como em Luft (2002) já citado. Perini (2010, p. 85), assim, apresenta
23
o enunciado Nadar é bom para a saúde, no entanto, não se atém muito nessa forma de
indeterminação.
Por fim, no último recurso de indeterminação de sua listagem, Perini (2010, p. 85) vale-se de
itens lexicais tais como: a pessoa, o sujeito o cara e os pronomes pessoais: você, a gente, eles,
tu. Ele ilustra esse recurso da seguinte maneira: É muito mais fácil você fazer uma campanha
de vacinação do que você manter um paciente na UTI e O sujeito toma droga e ameaça
quebrar tudo. Apresenta-nos, ainda, uma construção em que aparecem o item o cara e o
pronome você no mesmo enunciado: Na calada da noite, o cara chega, invade sua casa você
vê o cara e tem que afinar. Ressalta, com isso, que os dois SNs são indeterminados, mas que
não se trata do mesmo indivíduo, isto é, há em cena uma pessoa (indeterminada) que invade a
casa de outra (igualmente indeterminada).
2.2.2 Abreu (2003)
Abreu (2003, p.83) refere-se à função sujeito como o termo da oração com o qual o verbo
concorda e parte dessa concepção para justificar o fato de acolher o sujeito indeterminado
dentro do escopo das orações sem sujeito. Para o linguista, com algumas construções em que
o verbo fica na terceira pessoa do singular, acompanhado do pronome se, não há um termo
com o qual o verbo concorda, por isso não há sujeito.
É dentro dessa perspectiva que o autor considera incoerente a classificação da Nomenclatura
Gramatical Brasileira (NGB) que abarca sob o rótulo de sujeito indeterminado orações do
tipo: Anda-se muito de bicicleta em cidades do litoral. Vive-se bem melhor em uma cidade
pequena. Vende-se muito, nas feiras de antiguidade. Assim, para Abreu (2003, p. 83-84):
[...] a legislação não leva em conta a estrutura argumental dos verbos. No caso desta
gramática, é mais fácil separar as coisas. O que está indeterminado é o argumento
agente ou experimentador (o locutor não sabe quem está praticando a ação de andar
e de vender ou experimentando a ação de viver). O sujeito, enquanto função
sintática, não existe, uma vez que não há, como dissemos, nenhum termo com o qual
o verbo esteja concordando. Esse raciocínio também se aplica a construções,
geralmente na língua falada, em que o verbo fica na terceira pessoa do plural, sem
um antecedente expresso como em: Telefonaram para você ontem. Derrubaram,
24
outra vez, a cerca da frente. [...] Trata-se, pois, também, de casos de agente
indeterminado em oração sem sujeito (ABREU, 2003, p.83-84).
Mesmo fazendo críticas à NGB por não considerar a estrutura argumental dos verbos, Abreu
orienta que para fins de concurso é melhor seguirmos a classificação da NGB. Vejamos a
seguir como Neves (2003) aborda a função sujeito indeterminado.
2.2.3 Neves (2003)
Neves (2003, p. 146-147) concebe o fenômeno de indeterminação do sujeito numa
perspectiva que se aproxima bastante da adotada nesta dissertação, uma vez que recorre ao
uso efetivo da língua para elucidar esse fenômeno, quando analisa os textos consignados no
Projeto NURC2, que revelam o uso efetivo da língua, observando os padrões reais de uso na
comunicação oral adotados pelo estrato social constituído de falantes com escolaridade de
nível superior, e também por adotar a referenciação que, inevitavelmente, revela outra forma
de que o falante se apropria, quando em sua prática discursiva diária precisa indeterminar o
sujeito.
Ela assegura que, na conversação, há maneiras mais expressivas de indeterminar o sujeito que
são totalmente ignoradas nas lições da escola. Vale-se de exemplos extraídos da língua urbana
culta (NURC-SP): 1) antigamente você ia ao Cine Ipiranga, eram poltronas ótimas (DID-SP234, p. 578-579). 2) Por exemplo, eu posso saber todos os sinais de trânsito de cor, ta, eu
memorizei o meu processo (...), mas é preciso que eu aplique, que eu utilize os sinais de
trânsito na hora certa (EF-POA-278, p. 283-287).
Neves, ao tratar de referenciação, afirma o seguinte:
A propósito do uso de pronomes, faço aqui um parêntese na observação de
tratamento dos itens referenciais, para explicitar um pouco mais o tratamento da
questão da indeterminação do sujeito nas salas de aula. O que se tem ensinado
tradicionalmente é que o sujeito se indetermina com a terceira pessoa do plural ou
2
Projeto de Estudo da Norma Urbana Culta no Brasil
25
com pronome se junto de verbo não-transitivo na terceira pessoa do singular. No
entanto, sabemos que isso não diz tudo. (NEVES, 2003, p. 146)
De acordo com ela, essa maneira de indeterminar o sujeito, a partir de enunciados reais,
permite-nos uma indeterminação muito mais abrangente do que outros gêneros que são
contemplados nos livros didáticos, isto porque para a linguista:
A terceira pessoa do plural sempre se refere apenas a terceiras pessoas (sem sujeito
expresso, singular ou plural), eliminando a primeira e a segunda, enquanto você e o
eu, embora sejam pronomes de primeira e de segunda pessoa do discurso,
respectivamente, não excluem nenhuma das três pessoas. Nesse ponto, a
indeterminação com esses dois pronomes tem a mesma ampla abrangência da
indeterminação com o pronome se, da qual, porém se distingue pela diferença de
registro e pelo maior engajamento das pessoas envolvidas no ato de comunicação, o
que significa que, de certo modo, a indeterminação é mais viva, mais carregada de
subjetividade. (NEVES, 2003, p. 147).
O olhar de Neves(2003) sobre as formas que dispõem a língua para causar o efeito de
indeterminação do sujeito é extremamente relevante em nossa pesquisa, isto porque,
concordamos que a terceira pessoa do discurso exclui as outras, ao passo que a primeira e a
segunda pessoa, utilizadas em determinados contextos de uso, abarca todas as outras.
2.2.4 Azeredo (2008)
Azeredo (2008, p. 225-226), por sua vez, leva em consideração os aspectos cognitivos e
discursivos ao analisar as orações que trazem o sujeito indeterminado, como podemos notar
no trecho a seguir:
Orações de sujeito indeterminado são empregadas por motivos cognitivos ou
discursivos variados, e a língua oferece a seus usuários diferentes meios para
indeterminar, dissimular ou mesmo ocultar a identidade do ser humano a quem o
sujeito da oração se refere. A razão cognitiva óbvia é o desconhecimento da
identidade do ser de que se fala. As razões discursivas, por sua vez, são variadas: a
conveniência ou oportunidade da omissão da identidade do sujeito é uma delas, o
26
registro de linguagem empregado ou o gênero de texto produzido é outra (AZEREDO,
2008, p. 225-226).
Das abordagens dos linguistas aqui contempladas, a de Perini (2010), Abreu (2003), Neves
(2003) e Azeredo (2008) são as que mais se aproximam da nossa perspectiva de trabalho,
visto que, segundo eles, não se deve realizar uma análise levando-se em conta somente o nível
sintático, também é necessário refletir sobre os aspectos semânticos, discursivos e
pragmáticos dos fenômenos linguísticos.
Por isso, é fundamental delinear, a partir deste momento, os pressupostos teóricos do
Funcionalismo Linguístico através do olhar de Givón (2001).
27
3. REFERENCIAL TEÓRICO
Para a construção do referencial teórico, valemo-nos das contribuições do linguista americano
Talmy Givón (2001), em sua obra Sintax: an introduction, tanto pela sua importância dentro
da abordagem funcionalista quanto por constatar consonância de sua visão sobre os
fenômenos linguísticos com esta investigação a respeito do sujeito de referência
indeterminada. Neste sentido, apresentamos as origens do Funcionalismo Linguístico na
perspectiva de Givón (2001) e delineamos suas reflexões sobre o que é, e para que serve a
gramática de uma língua natural.
No intuito de ampliar o entendimento sobre as formas que dispõe a língua para efeito de
indeterminação do sujeito, consideramos relevante fazer algumas considerações sobre
Mudança Linguística. A importância de se incluir este tema está na extensão de uso do
pronome você, que passou de referência determinada até alcançar referência indeterminada
em certas situações concretas de uso. Dessa maneira, mostramos o estudo de Souza (2013)
sobre o sujeito de referência arbitrária no qual ela evidencia o uso do pronome você em
determinadas épocas já com referência indeterminada. Como também, nossa atenção recai na
exaustiva busca de Souza pela definição de impessoalidade, o que colaborou muito na seção
realizada sobre as noções de indeterminação, de indefinição e de impessoalização.
Julgamos importante também mostrar na construção desse referencial teórico as contribuições
da Linguística do Texto, principalmente a respeito das noções de texto que perpassam essa
abordagem linguística, atentando também para os aspectos multimodais vistos como
estratégias textual-discursivas em diversos textos que circulam atualmente em nossa
sociedade. Com isso, realizamos uma breve revisão de algumas noções que envolvem o
objeto de análise da Linguística do Texto no olhar de Fávero e Koch (2008), de Bentes (2004)
de Dionisio (2008), e, de Cavalcante e Custódio Filho (2010). Além disso, retratamos também
algumas noções sobre os processos de referenciação na perspectiva de Cavalcante (2012),
Koch, Morato e Bentes (2010) e, Koch (2010). Vale lembrar que este assunto é de extrema
importância, pois temos aqui o entendimento de que a indeterminação do sujeito está
intimamente relacionada aos processos de referenciação.
28
Por último, efetuamos uma breve revisão da literatura a respeito das noções de gênero na
perspectiva de alguns teóricos, dentre eles, destacamos o pensamento do teórico russo Mikhail
Bakhtin (1997).
3.1 O funcionalismo de Givón (2001)
Neste capítulo, mostraremos a visão de Givón (2001), a respeito do funcionamento da
linguagem, centrada na perspectiva funcionalista. Inicialmente, apresentaremos qual
concepção de língua permeia seu trabalho para, com isso, evidenciarmos também qual noção
de língua foi adotada neste estudo sobre a referência indeterminada do pronome você.
Fazendo referência a alguns linguistas, considerando-os seus “progenitores intelectuais mais
diretos”, entre eles, Sapir (1921), Jespersen (1934), Zipf (1935), Halliday (1973), Dik (1973)
e Bolinger (1977); Givón (2001) apresenta várias concepções de língua, tais como:
instrumento de comunicação, em Sapir (1921); de interação, em Dik (1973); e, de
representação da experiência, em Zipf (1935). Givón também apresenta a noção de língua de
Halliday (1973), vista em seu uso e utilidade.
[...] Uma abordagem funcional significa, em primeiro lugar, investigar como a
língua é usada: tentar descobrir a que objetivos ela nos serve, e como somos capazes
de atingir estes objetivos através da fala, audição, leitura e escrita. Mas esta
abordagem significa mais do que isto. Significa tentar explicar a natureza das
línguas em termos funcionais: descobrir se a própria língua foi moldada pelo uso, e
se assim o for, de que maneiras _ como a forma da língua foi determinada pela
função que ela passou a servir [...] (HALLIDAY, 1973, apud GIVÓN, 2001, p. 2).
É neste sentido que nos propusemos discutir a função de sujeito indeterminado, isto é, no uso,
buscando outras formas mais abrangentes e vivas, como a forma pronominal você utilizada
em diversos textos que circulam em nossa sociedade contemporânea e que apresenta
referência tão indeterminada quanto às formas convencionalizadas nas gramáticas escolares.
29
Além desta perspectiva de investigar a língua no uso e na sua utilidade, Givón (2001, p. 47)
observa ainda a posição de Bolinger (1977) em que “[...] a condição natural da língua é
preservar uma forma para um significado e um para uma forma [...]”. Entretanto, fica nítido
que tanto os casos de variação linguística quanto os de polissemia vão de encontro com essa
versão radical, uma vez que no dia a dia vemos claramente que não é isso que ocorre.
Notamos, assim, no uso da língua diversos sentidos para uma forma e também o contrário,
variadas formas para apenas uma função, como é o caso das diversas formas que a função
sujeito indeterminado pode apresentar. Na língua portuguesa em uso, para a função
indeterminação do sujeito, há várias formas de expressá-la.
Ao delinear as origens da abordagem funcional, Givón (2001) relata que os precursores do
funcionalismo na linguística não devem ser procurados nos trabalhos dos linguistas, mas sim,
nos dos antropólogos, psicólogos e biólogos. E muito antes deles, no trabalho dos filósofos.
Para ele, o funcionalismo remonta a Aristóteles, que de forma mais ou menos solitária,
desbancou as duas escolas estruturalistas que até então dominavam o pensamento biológico.
Neste sentido, combatendo a teoria dos elementos de Empédocles em seu De Partibus
Animalium, Aristóteles aponta a relevância da estrutura histológica e anatômica e, em seguida,
observa a inadequação do pensamento estruturalista de Demócrito. Aristóteles então oferece a
pedra de toque do pensamento funcionalista, isto é, a interpretação teleológica dos seres
vivos, utilizando a analogia dos artefatos úteis.
[...] quais, entretanto, eu pergunto, são as forças que moldaram a mão ou o corpo na
forma que possuem? O entalhador provavelmente apontaria, d/igamos, o machado e
a auger (broca, pua), e o fisiologista, o ar e a terra. Das duas respostas, a do artesão é
a melhor, mas ainda insuficiente. Não basta que /ele diga que o uso do seu
instrumento tornou esta parte côncava, e aquela plana; ele deve apontar as razões
por que manejou seu instrumento de forma a conseguir afetar o objeto, e qual seria
seu objeto final [...] (MCKEON, 1941, apud GIVÓN, 2001, p. 3).
Em outra passagem, segundo o linguista, Aristóteles esboça os princípios que regem o
funcionalismo, ou seja, a correlação entre forma e função:
30
[...] se um pedaço de madeira é dividido com um machado, este deve ser
necessariamente duro; e para sê-lo, ele deve ser feito de bronze ou ferro. Assim
acontece igualmente com o corpo, que, como um machado, é um instrumento – pois
tanto o corpo como um todo e suas várias partes individuais executam operações
definidas para os quais foram feitos; da mesma forma, digamos, o corpo para
executar seu trabalho [= função] deve possuir necessariamente características
específicas [...] (MCKEON, 1941, apud GIVÓN, 2001, p. 3).
O linguista mostra que, desde a época do filósofo, “a ideia que a estrutura é autônoma e
arbitrária e como tal não exige explicação, ou mais grave, é autoexplicativa - é uma questão
morta na biologia, uma disciplina para qual o funcionalismo é tão natural como o leite
materno” (GIVÓN, 2001, p.3).
Não obstante, Givón (2001) também lembra que, paradoxalmente, foi Aristóteles em sua
semiótica – teoria de signos – que lançou as bases da abordagem estruturalista da língua, a
antítese do funcionalismo. Segundo Givón, foi em De Interpretarione que Aristóteles
apresenta umas das primeiras discussões sobre a relação entre realidade, mente e língua:
[...] os sons falados [‘palavras’] são símbolos das afecções da alma [‘pensamentos’];
e as marcas escritas são símbolos dos sons falados. E assim como as marcas escritas
não são as mesmas para todos os homens [‘são específicas para cada língua’],
tampouco o são os sons falados. Mas as afecções da alma – aquilo que os sons
falados simbolizam em primeiro lugar – são as mesmas para todos [‘são
universais’], assim como também o são as coisas reais às quais essas afecções se
assemelham [...] (ACKRILL, 1963, apud GIVÓN, 2001, p. 4).
O linguista vale-se dessa passagem para abordar a questão da arbitrariedade do signo
linguístico na visão aristotélica e observa que na perspectiva objetivista de Aristóteles os
pensamentos refletem a realidade externa, isto é, as coisas reais, fidedigna e iconicamente.
Assim, esta relação reflexiva é universal, pois é a mesma para todos os homens. Ao passo
que, as expressões linguísticas, ou seja, as palavras possuem uma relação arbitrária com os
pensamentos e, ainda, não são universais, pois as marcas escritas e os sons falados não são as
mesmas para todos os homens.
Dessa maneira, Givón (2001) critica o estruturalismo mais recente que estendeu a visão da
arbitrariedade do signo linguístico à gramática, isto porque Aristóteles ao fazer suas
31
colocações estava referindo-se apenas à codificação dos conceitos através dos sons ou das
letras e, claramente, não abarcava toda a gramática, esclarece.
Foi juntamente com o nascimento das ciências sociais que reemergiu o estruturalismo no
início do século XX, de acordo com o linguista. Para ele, nomes importantes dentro da
filosofia orientada pela lógica positivista, como Russel (1956) e Carnap (1963) venderam a
enganosa ideia da analogia da física. No entanto, observa que ao atribuir as raízes do
estruturalismo do século XX à filosofia positivista devemos, porém, reconhecer que essas
remontam em suas origens à epistemologia objetivista de Aristóteles.
Foi neste ambiente intelectual estimulado pelo Positivismo Lógico que o linguista suíço
Ferdinand de Saussure (1915, apud GIVÓN, p. 5) elaborou os três dogmas centrais do
estruturalismo, ressalta Givón. Todavia, ao seguir a arbitrariedade do signo linguístico de
Aristóteles, ele esclarece que Saussure eliminou o terceiro elemento da equação semiótica do
filósofo, a mente, deixando apenas os dois termos observáveis, ou seja, o signo e seu referente
concreto.
O segundo dogma de Saussure, de acordo com Givón (2001), o da idealização, envolve sua
decisiva diferenciação entre langue e parole, ou ainda, entre o sistema ideal subjacente e o
comportamento linguístico observável. Observa ainda que, este segundo dogma pode ser visto
como construto puramente metodológico, porém, mesmo sendo rejeitado por Bloomfield e
seus seguidores, foi adotado por Chomsky em sua abordagem cartesiano-platônica de língua e
mente.
Em princípio, para ele, não existe nada que afronte o funcionalismo nessa idealização
metodológica, exceto por:
[...] todas as pressões adaptativas funcionais que moldam a estrutura sincrônica –
idealizada – da língua são exercidas durante a performance efetiva. É aí que a língua
é adquirida, e onde a gramática emerge e sofre mudanças. É onde a forma se ajusta –
criativa e espontaneamente na construção momentânea do contexto – às novas
funções e significados ampliados. E é aí também que a variação, a indeterminação e
os deslizes são ingredientes necessários do mecanismo efetivo que molda e re-molda
a competência (GIVÓN, 2001, p. 7).
32
Constatamos, assim, que pressões adaptativas, como por exemplo, a intencionalidade do
falante e a situação comunicativa dão forma à estrutura da língua. Dessa maneira, ressaltamos
que as diversas formas dispostas para efeito de indeterminação são muito mais abrangentes
em seus contextos de uso do que as formas já convencionalizadas nas gramáticas escolares.
Posto isso, podemos inferir que o falante, ao fazer uso de tais formas, tem como princípios
norteadores suas próprias intenções, análise do ouvinte e de todo entorno situacional. Dessa
maneira, sabemos que mais importante do que dizer algo, é saber como dizer para alcançar o
fim desejado.
Ainda de acordo com Givón, o terceiro dogma de Saussure está na rígida separação do
diacrônico no estudo sincrônico da língua e é uma extensão nítida do dogma da idealização.
Para ele, o dogma da separação foi outra tentativa corajosa de conter as consequências
imprevisíveis da mutante realidade linguística. Com isso, o problema da idealização como
manobra metodológica está principalmente no fato de ignorar a relevância das bases de dados
da mudança e da variação para a compreensão da estrutura sincrônica.
Porém, ao tentar estabelecer o início da abordagem funcional da linguagem, Givón observa
que sua origem está diretamente ligada à indecisão de Chomsky (1965, apud GIVÓN, 2001,
p. 41) em admitir que a estrutura sintática profunda fosse isomórfica ao significado
proposicional – sua estrutura lógica. Mesmo que Chomsky tenha insistido na arbitrariedade e
autonomia da gramática, este lapso foi adotado por Ross e Lakoff (1967, apud GIVÓN, 2001,
p. 43) e outros que, sob a égide da Semântica Gerativista, rejeitaram o dogma da sintaxe
autônoma.
Ainda depois da sua fase inicial, o funcionalismo manteve como foco a relação entre a
gramática e a semântica proposicional, esclarece Givón (2001). Todavia, a percepção que a
maior parte de todo o aparato gramatical é posto em uso para servir à pragmática do discurso
não demorou muito para se fazer presente.
Ao introduzir questões relativas ao que é a gramática de uma língua e para que ela serve,
Givón (2001, p.55) estabelece que as duas principais funções da linguagem são de
representação e de comunicação do conhecimento. De acordo com este olhar, a codificação
humana pode ser dividida em dois amplos subsistemas: o sistema de representação cognitiva
(o léxico conceitual, a informação proposicional e o discurso multi-proposicional) e o sistema
de codificação comunicativa (os códigos sensomotores periféricos e o código gramatical).
33
Retendo nossa atenção apenas sobre o código gramatical, Givón (2001) relata que,
provavelmente, esse código é o último acréscimo evolucionário do conjunto da comunicação
humana. Assim, o autor explana que na fase inicial de aquisição da linguagem como também
na aquisição de uma segunda língua, crianças adquirem o léxico e a comunicação prégramatical – o pidgin – muito antes da gramática, através da audição e dos sinais.
Ele
acrescenta que, na comunicação natural das espécies pré-humanas, a existência de conceitos
léxico-semânticos das entidades (substantivos) e eventos (verbos) deve ser presumida se
quisermos compreender o comportamento comunicativo. Inclusive, o linguista observa que
esses conceitos lexicais já estão bem codificados na comunicação natural de algumas espécies
animais.
Givón (2001) mostra que a gramática é um código muito mais abstrato e complexo do que se
imagina. Pelo seu aspecto mais concreto, o signo gramatical primário envolve quatro
importantes mecanismos de codificação: morfologia, entonação, rítmica e ordem sequencial
das palavras ou morfemas.
Ao dissertar sobre o significado lexical, o linguista observa que alguns mecanismos de
codificação, como morfologia, entonação e tonicidade são mais concretos, pois envolvem
sinais físicos (sons, gestos e letras). Todavia, ele esclarece que esses mecanismos concretos
estão integrados em um todo complexo como os elementos mais abstratos do código, isto é,
rítmica, e ordem sequencial.
Desses sinais gramaticais primários, Givón (2001) enfatiza que níveis ainda mais abstratos de
organização gramatical devem ser inferidos, como: organização da constituição hierárquica –
morfemas em palavras, palavras em frase e frases em orações; rótulos categoriais gramaticais
– substantivo, verbo, adjetivo / sintagma nominal, sintagma verbal; relações de escopo e
relevância – operando-operador, modificadores-substantivo, sujeito e objeto; e, por último,
relações de controle e regência – concordância, co-referência, modalidade e finitude.
Esses níveis de organização oracional são os componentes mais abstratos da gramática e,
como são extraídos dos sinais mais concretos da gramática, figuram o centro dos estudos do
processamento da linguagem, ressalta o linguista.
Ao falar do papel que a gramática desempenha, Givón posiciona-se do seguinte modo:
34
[...] a gramática codifica simultaneamente a semântica proposicional e a coerência
do discurso (pragmática). Este é um dos fatos mais desconcertantes da gramática
enquanto código. Embora ela esteja completamente localizada na oração, seu escopo
funcional não se dá a partir da informação proposicional embutida na oração onde
ela reside. Ao invés disso, a gramática se constitui predominantemente das relações
de coerência entre o proposicional (a oração) e seu contexto discursivo mais amplo
(GIVÓN, 2001, p. 13).
Nesse sentido, ele faz críticas à metodologia estruturalista tradicional pelo fato de concentrar
suas análises em cláusulas isoladas, escondendo que a gramática dá forma ao conteúdo sem
desprezar as questões pragmáticas envolvidas durante a enunciação.
Acerca disso, Givón (2001, p. 66) constata que os principais subsistemas gramaticais
orientados para o discurso, entre outros, são: os papéis gramaticais (sujeito, objeto direto),
definitude e referência, anáfora, pronomes e concordância, tempo aspecto, modalidade e
negação, topicalização, foco e contraste, relativização, atos de fala, conjunção e subordinação
oracional.
É relevante dizer que o linguista, mesmo confessando que a semântica proposicional se
diferencia da pragmática do discurso, esses níveis da linguagem se sobrepõem ou interagem
na situação comunicativa. Vale lembrar também que, de acordo com esta perspectiva, não
devemos fazer análises dissociadas, isto é, sem levar em conta a interação existente entre o
nível sintático, o semântico e o pragmático. Assim, acreditamos que, classificar o sujeito
levando-se em conta apenas o nível sintático é no mínimo um equívoco por dificultar o ensino
e a aprendizagem da língua.
Givón (2001) admite que o método descritivo tem seus pontos negativos e positivos ao fazer
análise gramatical em sentenças isoladas fora do contexto do discurso. No que tange ao
aspecto negativo, ele observa que, se a gramática é de fato usada para codificar a coerência
inter-oracional, este método evita justamente dados que poderiam ajudar a estabelecer a
função pragmática dos morfemas e das construções. Porém, foi o método que tornou possível
a argumentação da tese estruturalista da sintaxe autônoma. Em relação ao aspecto positivo, ele
reconhece a utilidade do método descritivista, primeiro porque não se poderia começar a
analisar o discurso natural sem ter antes obtido algum conhecimento preliminar sobre a
estrutura da palavra (morfologia) e a estrutura da oração. Segundo, pelo fato desses estudos
sempre ter uma base empírica indiscutível. Mesmo assim, Givón (2001) reafirma a
35
necessidade do método que estuda a gramática no seu contexto comunicativo natural quando
pressuposições se tornam frágeis e insuficientes.
Portanto, sabemos que indeterminar o sujeito com uma perspectiva de estrutura autônoma não
é o suficiente, pois é fato que fatores pragmáticos e contextuais estão igualmente envolvidos
durante as práticas discursivas. Do mesmo modo, é extremamente relevante adotar o olhar da
Linguística Textual por não se fazer análises isoladas, atômicas ou levando-se em conta
apenas as relações internas das unidades da língua, elegendo assim o texto como objeto de
análise.
É importante também fazermos algumas considerações sobre Mudança Linguística. A
relevância de incluir este tema está na extensão de uso do pronome você, que passou de
referência determinada para indeterminada em certas situações concretas de uso. Sabemos
que, ao longo do tempo, a forma você, antes vista apenas como pronome de tratamento,
passou a ser usada também em grande parte do território nacional como uma variação do
pronome pessoal tu, a segunda pessoa do discurso. No entanto, notamos que esse pronome
alcançou novos usos, por exemplo, a função sujeito indeterminado, quando se deseja
indeterminar a segunda pessoa da situação comunicativa. Será visto, assim, na próxima seção
deste estudo, um pouco sobre como as línguas mudam e o porquê da mudança. Para isso, será
retomada aqui a perspectiva de Martelotta (2011) sobre os processos de mudança, mais
detidamente a respeito da abordagem baseada no uso por está em consonância com a
perspectiva da Linguística Funcional.
3.2 Algumas considerações sobre Mudança Linguística
O questionamento inicial de Martelotta (2011), em sua obra a respeito da mudança linguística
centra-se em investigar o motivo primordial da mudança, isto é, “Por que as línguas
mudam?”. De acordo com ele, mudam porque as pessoas mudam, e com isso, tudo que gira
em torno delas também muda, ou seja, todas as coisas que fazem parte da sua realidade
acompanham esta mudança. O linguista retrata a dificuldade que cientistas da linguagem têm
ao tentar buscar regularidades nos processos de mudança, isto porque, o problema envolve
diversos aspectos. Segundo Martelotta, temos de pensar que este fenômeno se manifesta em
36
vários níveis de utilização da língua, implicando tanto no nível sonoro, que são os fenômenos
de ordem fonético-fonológica, quanto no nível da estrutura das palavras e de sua organização
em frases, isto é, os de natureza morfossintática.
Neste sentido, o linguista apresenta a proposta da Linguística Centrada no Uso que tem
demonstrado que as mudanças não ocorrem somente nos níveis estruturais, elas estão
relacionadas também com os contextos discursivo-pragmáticos em que os elementos
envolvidos tendem a ser utilizados. Em nota, ele ressalta que o termo Linguística centrada no
uso foi visto inicialmente em Langacker (1987) - usage-based model - para designar modelos
teóricos que privilegiam o uso da língua. Martelotta acrescenta que alguns autores têm usado
o termo para se referir às análises das línguas que, de um modo geral, refletem uma junção
das tradições desenvolvidas pelas pesquisas de representantes da Linguística Funcional com
representantes da Linguística Cognitiva. Por último, observa que alguns autores, como
Tomasello (2005) e Martelotta (2008), também utilizam o termo Linguística CognitivoFuncional para designar essa tendência.
Sobre o que venha ser o termo discursivo-pragmático, Martelotta (2011) especifica que
discursivo refere-se à organização do texto e o item pragmático, para a situação de
comunicação em que ele é produzido. Com isso, postula que essas nova proposta crê que
fenômenos morfossintáticos associados aos elementos linguísticos implicam em geral
questões fonéticas e, formando um quadro mais geral, esses fenômenos tendem a ser
motivados pelos contextos comunicativos em que os falantes produzem seu enunciado.
Compartilhamos dessa visão de língua também, pois distinta das perspectivas tradicional e
formalista, temos de levar em conta, aliada a uma dimensão formal (fonético-fonológica e
morfossintática), uma dimensão significativa (semântica, pragmática e discursiva). Por isso, o
linguista postula que, na análise da mudança linguística, temos de ter em mente a conexão
entre os diversos níveis da linguagem.
É necessário lembrarmos também que a mudança linguística, segundo a concepção centrada
no uso, motiva-se a partir do ato comunicativo, de acordo com Martelotta (2011):
[...] é na interação que os usuários manipulam os termos e as expressões disponíveis
em sua língua, a fim de veicular estratégias comunicativas, que marquem sua
posição subjetiva em relação ao conteúdo que querem transmitir ou sua preocupação
37
com a recepção desse conteúdo por seus interlocutores, dadas as condições
contextuais em que se dá a comunicação. (MARTELOTTA, 2011, p. 24).
No que diz respeito à natureza dinâmica das línguas, Martelotta (2011) afirma que, devido à
sua própria natureza, as línguas são essencialmente dinâmicas. Intrínseca a essa visão está o
caráter funcional das línguas, isto é, o fenômeno da mudança é também essencialmente
funcional, pois está relacionado às estratégias comunicativas que os usuários utilizam nos
eventos de uso, de acordo com o linguista.
Essas estratégias têm a ver em grande parte com a intenção comunicativa do falante, ou
melhor, com as propriedades pragmáticas da língua. Nesse sentido, o linguista toca num ponto
importante para o nosso estudo, isto é, por serem diversas as situações comunicativas, muitas
também são as intenções dos usuários da língua, com isso, vão surgindo elementos ou
expressões linguísticas que se ajustam aos diferentes contextos, como as variadas formas que
dispõem a língua para se indeterminar o sujeito. Além da forma você, de referência
indeterminada, temos também as formas a gente, nós, eles, entre tantas outras.
Segundo Martelotta, ao lado do fenômeno de mudança, temos também o fato de que há uma
grande quantidade de variação no uso de uma mesma língua. Para ele, tudo isso aponta para a
natureza adaptativa da linguagem, melhor dizendo, nosso sistema de comunicação nos oferece
muitas opções de expressão, isso reflete nossa habilidade de utilizar as variedades de maneira
adequada.
Um exemplo interessante de mudança linguística está no uso arcaico do substantivo homem
como pronome indefinido.
Cortêz (2009) fez um estudo sobre a pronominalização do
substantivo homem, tanto como pronome indefinido quanto sujeito indeterminado. Essa
variação no uso de homem houve apenas no português arcaico, visto que a gramaticalização
do substantivo não se efetivou, sendo considerado apenas um fenômeno de variação.
A autora retoma Said Ali (1971) no intuito de evidenciar que o termo homem surgiu de um
substantivo, ou seja, é um nome que assume caráter pronominal quando usado para indicar
“agente vago e indeterminado”. Segundo o gramático, era comum o uso de homem no
português arcaico, normalmente na linguagem popular, porém, seu uso enfraqueceu no século
XV e XVI.
38
Cortêz (2009) esclarece que durante um longo período de tempo houve uma variação no uso
do substantivo homem, ora utilizado para caracterizar um indivíduo específico e identificável,
ora considerado genérico, pois o referente não designa necessariamente um indivíduo
identificável, como também reflete uma generalização ainda mais marcada, podendo designar
qualquer pessoa, possuindo maior grau de indeterminação e podendo ser substituído por
alguém/ninguém. Acrescenta que, outra possibilidade de análise seria considerar o nome
homem, sem determinante antecedente, como um substituto do pronome se, índice de
indeterminação do sujeito.
De acordo com a autora, o termo homem hoje retomou sua função primária, isto é, a de
substantivo, no entanto, observa que foi muito produtivo para um período. Esse exemplo
ilustra bem como a língua está em constante mudança e com ela tanto podem surgir, pela
necessidade, novos termos em referência à novas funções quanto acrescentar novas funções a
termos já existentes na língua ou pode haver um retorno de um termo a uma função antiga.
Analisando a relação entre biologia e cultura, Martelotta diz que diferente da Linguística
Gerativa, a Linguística Centrada no uso além de compartilhar com a ideia que possuímos sim
estruturas e habilidade inatas que nos capacita a aprender e usar uma ou mais línguas, essa
abordagem dá aos aspectos culturais uma importância mais significativa. Adianta assim, que
“os linguistas do uso não acreditam em uma gramática autônoma de base biológica cujos
princípios estão inseridos na estrutura genética humana, não adotando, portanto, a noção de
sintaxe autônoma.” (MARTELOTTA, 2011, p. 58).
Isso permite conceber, segundo o linguista, que a sintaxe está diretamente relacionada a
fenômenos de ordem semântica ou discursivo-pragmática. Isso quer dizer que, a relação entre
as palavras e suas funções em nossos enunciados está diretamente vinculada com o
significado dos elementos ou expressões linguísticas de acordo com o seu contexto de uso.
Aliada a isso, estão os aspectos interativos e os textuais, ou seja, é de acordo com nossas
intenções que estruturamos nossos textos, dessa maneira, os linguistas do uso veem a sintaxe
como uma estrutura que está a serviço do discurso, entendido apenas como o uso criativo da
língua nos diferentes contextos comunicativos.
Vale observar também que, de acordo com esta abordagem, as regras gramaticais refletem a
criatividade humana, mas são restritas pelo funcionamento natural de nossa mente. Esse é um
ponto igualmente relevante, isto é, a motivação cognitiva do falante, pois embora se aceite
39
que as construções de uma língua sejam convenções e repetições ou extensões feitas a partir
de estruturas já concebidas em situações comunicativas anteriores, essas repetições ou
extensões refletem habilidades cognitivas associadas à nossa percepção de mundo, segundo
Martelotta.
Isso não quer dizer que as regras gramaticas não existem, porém, sua natureza é mais
sintática, no entanto, implicam informações referentes ao ambiente cultural e à situação de
interação, de acordo com o linguista. Ele ilustra com o fato de que ao formarmos frases, ou
sequência de frases, não apenas unimos as palavras de uma maneira lógica, mas instituímos
uma relação de adaptação entre essas estruturas e os contexto no qual são utilizadas.
Consideramos, assim, que ao nos valermos das diferentes estratégias de indeterminação do
sujeito, não o fazemos de maneira automática, isto é, sem análise ou adaptação ao contexto de
uso, pois isso depende, na maioria das vezes, de nossas intenções, da análise do interlocutor
ou público alvo, bem como de todo a situação comunicativa. Assim, a importância de se
acrescentar a questão da Mudança Linguística no olhar de Martelotta (2011) está no fato desse
estudo se inserir no âmbito da Linguística Funcional e, assim, oferecer uma visão mais
aprofundada sobre os fatores que envolvem os processos de mudança, como a associação da
dimensão formal ((fonético-fonológica e morfossintática), com a dimensão significativa
(semântica, pragmática e discursiva).
Além disso, notamos também afinidade da perspectiva de Martelotta (2011) com a abordagem
da Linguística Textual, especificadamente, em relação aos aspectos cognitivos, ao constatar
que o falante possui habilidade cognitiva para aprender e utilizar as variedades da língua de
maneira adequada. Como também, por dá atenção ao contexto em que as estruturas da língua
são usadas.
Destacamos, a partir deste momento, as contribuições do estudo de Souza (2013) para esta
investigação sobre o sujeito de referência indeterminada. Com isso, nosso interesse na tese de
Souza centra-se na atualidade de sua pesquisa, nos dados de autores que serviram de base para
seu estudo e que, entre outros fenômenos, mostram o uso do pronome você em determinadas
épocas já com referência indeterminada. Nossa atenção incidiu também na exaustiva busca
de Souza (2013) pela definição de impessoalidade, isto é, das construções impessoais, no
entanto, isso não será abordado neste momento, mas na seção reservada para a discussão dos
conceitos de indeterminação, indefinição e impessoalização.
40
Desse modo, apresentamos a investigação de Souza (2013) sobre as construções impessoais
que trazem o pronome eles pleno e sua forma reduzida es na posição de sujeito. Ela retrata,
dessa maneira, o entrecruzamento das construções impessoais com o preenchimento de sujeito
no Português Brasileiro contemporâneo (doravante PB). Para fundamentar sua tese, a autora
traz dados importantes das pesquisas de vários autores, como os estudos de Cavalcante (1999)
e Vargas (2010) sobre as diversas estratégias na representação de sujeito de referência
arbitrária, como também evidencia os resultados dos dados de Duarte (1993, 1995) a respeito
do aumento de preenchimento do sujeito de referência definida na posição de sujeito, o qual
mostra a tendência de aumento de preenchimento de sujeitos arbitrários.
Baseada em estudos anteriores próprios, Souza (2013) comenta que, no PB, o uso do pronome
eles constitui umas das estratégias de impessoalização do sujeito, principalmente pelo fato de
este pronome retomar tipos semânticos distintos, isto é, sintagmas nominais (NP/ Nominal
Phrase) de referência definida e indefinida, podendo exibir diferentes traços de gênero,
número e pessoa. Além disso, a autora acrescenta que o pronome eles pode recuperar
sintagmas nominais de tipos semânticos com referência locativa, referência coletiva ou
referência genérica, como em: Os meninos rapidinho eles foram embora; Eles param muito é
ônibus do Paraguai; Lá na Savassi, eles tão danado pra fazer isso; Esse grupo de dança eles
num eram daqui não; As pessoas que ficam nas repúblicas eles estão sempre dispostas a te
receber (SOUZA, 2013, p. 21).
No intuito de fundamentar sua pesquisa sobre as construções impessoais que trazem o
pronome eles pleno e sua forma reduzida es na posição de sujeito, Souza (2013) reporta-se à
investigação de Cavalcante (1999) com o propósito de mostrar uma descrição diacrônica das
formas de representação dos sujeitos de referência arbitrária no PB não padrão. Com isso,
uma das características do estudo de Cavalcante (1999), de acordo com Souza, é verificar
quais são as estratégias para indeterminar o sujeito na língua escrita veiculada pela imprensa
do Rio de Janeiro de meados do século XIX até o século XX.
Nesse sentido, Souza (2013) mostra a distribuição das estratégias de indeterminação (se, nós,
eles, a gente e você) em cinco períodos de tempo. Percebemos, dessa maneira, que o pronome
você começa a surgir a partir do quarto período (1964 – 1968), estendendo-se até o quinto
período (1996 – 1998). A autora nota que a forma você, sendo uma estratégia muito utilizada
na língua falada, começa a ser identificada na escrita no século XX, mas precisamente a partir
de 1964, como em: Depois que você termina o comércio, você vai na área residencial. Dessa
41
maneira, reportando-se à Cavalcante (1999), ela verifica que “o PB falado encontra-se num
estágio de mudança avançada no que tange ao Parâmetro do Sujeito Nulo, indo em direção a
uma língua negativamente marcada para tal parâmetro, tanto nos sujeitos de referência
definida quanto arbitrária” (SOUZA, 2013, p. 32).
Além disso, Souza (2013) mostra os resultados de outras pesquisas onde foi verificado o
aumento de sujeitos pronominais plenos na posição de sujeito. Segundo Souza (2013), há um
aumento de preenchimento de sujeito por formas pronominais plenas em todos os contextos.
Destaca-se, ainda, um aumento de preenchimento de sujeitos nos contextos de 1ª e 2ª pessoas
do discurso. Posto isso, ela esclarece que este aumento está intimamente relacionado a várias
mudanças ocorridas na língua que teriam afetado a marcação do Parâmetro do Sujeito Nulo.
Algumas dessas mudanças estão relacionadas a alteração do sistema pronominal, com a perda
da 2ª pessoa indireta (tu e vós), por volta de 1937, e a inserção da construção a gente como
uma forma concorrente do pronome nós, segundo. Com isso, ela diz que o sistema
pronominal passa a exibir apenas três pessoas gramaticais em oposição a um sistema
composto por seis pessoas. A autora observa que, a redução do paradigma flexional e a
alteração do paradigma pronominal estão diretamente relacionadas à mudança na marcação do
Parâmetro do Sujeito Nulo no PB.
Souza (2013) ainda vale-se de pesquisas onde constam algumas análises de amostras de fala
espontânea do acervo do Projeto NURC/RJ, informando que nesses estudos também há uma
tendência de preenchimento de sujeito em todas as pessoas gramaticais. Com isso, ela atesta
que realmente existe uma tendência geral no PB e não uma característica particular. A autora
acredita, assim, que as mudanças ocorridas para o sujeito de referência plena definida
acabaram por afetar também a representação do sujeito de referência arbitrária.
Todavia, Souza (2013) observa que embora sua pesquisa revele essa tendência, isto é, o
aumento de preenchimento de sujeito de 3ª pessoa por meio do pronome eles com referência
arbitrária, seu estudo evidenciou que esse pronome não atingiu ainda o estatuto de item não
referencial, por isso, ela diz que não pode tratá-lo como um elemento expletivo.
Por último, com o propósito de demonstrar a não homogeneidade das construções impessoais,
ela vale-se da escala de referencialidade de Cyrino, Duarte e Kato (2000, apud SOUZA, 2013,
p.42) com os traços [+ N, + humano], cujos argumentos ocupam uma posição mais alta na
42
hierarquia referencial, evidenciando que o pronome eles caminha na direção de se tornar um
item expletivo na língua. No entanto, esclarece que seus resultados mostram que a ocorrência
do pronome eles como sujeito arbitrário não ultrapassou a ainda a fronteira que delimita os
sujeitos referenciais e os não-referenciais. A autora ainda ressalta que, ao observar a
hierarquia de referencialidade com a inserção do pronome eles, há um continuum que vai do
[+ específico] para o [– específico], do [+ definido] para o [– definido], do [+ referencial] para
o [– referencial]. Com isso, ela afirma que esse contínuo corrobora para a inserção desse
pronome na hierarquia de referencialidade como gradação.
Salientamos, portanto, que o estudo de Souza está em sintonia com esta investigação sobre o
sujeito de referência indeterminada, pois colocamos a forma pronominal você em uma escala
gradativa, que vai de sua função prototípica, ou seja, referência [+ determinada], passa pela [–
determinada] até alcançar uma referência indeterminada.
A partir deste momento, retrataremos as noções de texto veiculadas no campo investigativo da
Linguística do texto. Essas noções nos são muito caras por não considerar o texto uma
estrutura pronta e acabada, mas sim, parte de atividades mais globais da comunicação, visto
como uma atividade verbal consciente e interacional (BENTES, 2004). Como também,
acreditamos ser de igual importância abordar nesta pesquisa os conceitos de multimodalidade
nas perspectivas de Cavalcante e Custódio Filho (2010) e de Dionísio (2008) por destacarem a
necessidade de uma investigação que leve em conta o caráter multimodal dos textos, isto é,
abrangendo outras semioses não linguísticas pertencentes às estratégias textual-discursivas da
atividade de produção textual.
3.3 Linguística do Texto: noções de texto e de multimodalidade
Fávero e Koch (2008) postulam que esse novo ramo da linguística começou a desenvolver-se
na Europa de uma maneira geral e na Alemanha de forma mais acentuada, a partir da década
de 60. Segundo elas, a Linguística do Texto, doravante LT, acredita ser o texto a forma
específica de manifestação da linguagem, considerando-o como objeto de análise no lugar da
palavra ou da frase. É nesse sentido que buscamos inserir esse campo de pesquisa aqui em
nosso estudo sobre a função sujeito de referência indeterminada, isto é, considerando o texto
43
como um todo e analisando não só as relações co-textuais, mas toda a situação comunicativa
em que a forma pronominal você foi utilizada.
Abordaremos, assim, alguns momentos importantes dentro da LT, principalmente em relação
às noções de texto, até para podermos evidenciar com qual concepção estamos trabalhando.
Com isso, de acordo com as autoras, a origem da expressão linguística textual está em
Cosériu (1955), sendo que, sua significação atual só foi empregada seis anos mais tarde em
Weinrich (1966, 1967). Em relação ao que venha ser o texto, elas enfatizam que há uma
diversidade de concepções, dependendo do campo de atuação de cada autor e da denominação
da nova disciplina, tem-se assim, além da análise transfrástica ou gramática do texto, ainda,
Textologia (Harseg), Teoria do Texto (Schmidt), Translinguística (Barthes), Hipersintaxe
(Palek), Teoria da Estrutura do Texto – Estrutura do Mundo (Petofi), entre outras.
As autoras ressaltam que as causas do surgimento das gramáticas textuais, entre outras
questões, estão nas lacunas das gramáticas de frase no tratamento de fenômenos, como por
exemplo, a correferênciação, a pronominalização, a seleção dos artigos (definidos e
indefinidos), as ordens das palavras no enunciado, a relação tópico-comentário, a entoação, as
relações entre sentenças não ligadas por conjunções, e tantos outros que apenas podem ser
analisados em seus contextos situacionais, melhor dizendo, em termos de texto.
Assim, questionam se bastaria apenas levar em consideração o contexto e fazer uma análise
do enunciado que o levasse em conta ou deveria se construir uma nova gramática. Em
resposta, reportam-se a Dressler (1975) para afirmar que há uma gama de problemas da
gramática que necessitam de uma linguística do texto e que, partes da morfologia, da
fonologia e da lexicologia ficam excluídas nas gramáticas da frase. Assim sendo, creem que a
linguística textual admite diversas manifestações:
[...] cabe à semântica do texto explicitar o que se deve entender por significação de
um texto e como ela se constitui. É tarefa da pragmática do texto dizer qual é a
função de um texto no contexto (extralinguístico). A sintaxe do texto tem por
encargo verificar como vem expressa sintaticamente a significação de um texto e
como pode expressar o que está à sua volta. Estreitamente correlacionada à sintaxe
do texto, está a fonética do texto, que, de modo análogo à fonética da frase, ocupa-se
das características e dos sinais fonéticos da configuração sintática textual
(FÁVERO; KOCH, 2008, p. 13).
44
Retomando Conte (1977), Fávero e Koch (2008) retratam os três momentos fundamentais na
passagem da teoria da frase à teoria de texto. Tem-se assim, inicialmente, a preocupação em
estudar os tipos de relação que se pode estabelecer entre os diversos enunciados que
compõem as sequências significativas. Em um segundo momento, há o surgimento da
gramática textual com a finalidade de pensar sobre os fenômenos linguísticos que não tem
explicação se forem analisados apenas sob a perspectiva da gramática da frase. Por último, o
terceiro momento marca o surgimento das teorias de texto, com isso, nesta fase leva-se em
conta o tratamento dos textos no seu contexto pragmático, melhor dizendo, segundo as
autoras, “o âmbito de investigação se estende do texto ao contexto, entendido, em geral, como
conjunto de condições – externas ao texto – da produção, da recepção e da interpretação do
texto.” (FÁVERO; KOCH, 2008, p. 15-16).
Com isso, os elementos linguísticos só podem ocorrer interligados e dotados de significações
e sentidos. As autoras ainda retomam Beaugrande (1997) a fim de mostrar uma visão macro
de texto, ou seja, o texto considerado como “evento comunicativo no qual convergem ações
linguísticas, cognitivas e sociais” (FÁVERO; KOCH, 2008, p. 20). Faz-se necessário, assim,
compreender o fenômeno linguístico como um todo, como um texto coeso e coerente com a
situação comunicativa ao qual foi produzido, isso faz que se leve em conta em sua análise,
não apenas sua estrutura, mas todos os fatores que estão integrados em sua produção.
Fávero e Koch, portanto, ressaltam dois sentidos para o termo texto, ou seja, pode ser
empregado em sentido lato, quando se refere a toda e qualquer manifestação da capacidade
textual do ser humano, pode ser tanto um poema, uma música, uma pintura, escultura, entre
outras formas de comunicação realizada através de um sistema de signo. No entanto,
informam que em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, isto é, “atividade
comunicativa de um falante, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de
enunciados produzidos pelo locutor (ou por este e seu interlocutor, no caso do diálogo) e o
evento de sua enunciação” (FÁVERO; KOCH, 2008, p. 26). Observam ainda que, em sentido
estrito, o discurso pode ser considerado qualquer manifestação linguística por meio de textos,
e com isso, chega-se a acepção de texto da qual compartilhamos, isto é,
[...] o texto consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo
significativo, independente de sua extensão. Trata-se, pois, de uma unidade de
sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto
45
de relações responsáveis pela tessitura do texto.
(FÁVERO; KOCH, 2008, p.
26).
Partimos dessa concepção de texto de Fávero e Koch (2008) para evidenciar que estamos
trabalhando não apenas no nível da frase, mas com uma “unidade de sentido” coesa e coerente
de um “contínuo comunicativo contextual”. Desse modo, os textos selecionados para a
constituição do nosso corpus e que trazem o termo você na função sujeito indeterminado
carregam toda uma abrangência significativa, pois é preciso levar em consideração diversos
fatores internos e externos do sistema linguístico, tais como, os aspectos fonético-fonológicos,
os morfossintáticos e os discursivo-pragmáticos. Assim, junto com os aspectos formais, é de
extrema importância analisar também a intenção do falante, seu interlocutor ou público alvo, a
gradiência linguística dos fenômenos, os processos de referência, o diálogo com os outros
textos (intertexto), entre outras pressões adaptativas que moldam a estrutura da língua.
Além das noções de texto trazidas por Fávero e Koch (2008), consideramos de extrema
importância mostrar o olhar de Bentes (2004) sobre as diversas noções de texto formuladas e
reformuladas
no
interior
dos
estudos
da
LT.
Assim
como
Fávero e Koch, a linguista faz um breve percurso histórico nas definições que o termo texto
sofreu ao longo do tempo em que, do mesmo modo, desenvolvia e consolidava os estudos
dentro da abordagem da LT.
De acordo com Bentes (2004), atualmente é pouco questionável considerar o texto como
unidade de análise no campo dos estudos da linguagem. Porém, esse pensamento nem sempre
foi bem aceito, ou seja, foram precisos mais de 30 anos para que de fato isso ocorresse. Ao
organizar cronologicamente as noções sofridas pelo objeto de análise da LT ao longo do
tempo, a linguista diz que poderia iniciar, por questões didáticas, apresentando uma definição
de texto mais atual ou mais reconhecida no campo de estudos sobre o texto no Brasil. No
entanto, a linguista acrescenta que:
[...] se assim o fizéssemos, estaríamos apagando o fato de que os conceitos, por mais
interessantes e explicativos que sejam em um determinado contexto histórico, são
resultado de um longo processo de reflexões, de idas e vindas, de disputas de/entre
diferentes sujeitos sobre um certo objeto em um determinado campo do
conhecimento. (BENTES, 2004, p. 252).
46
Primeiramente, Bentes mostra a fase que englobam os estudos dos períodos da “análise
transfrástica” e da “elaboração de gramáticas textuais” (BENTES, 2004, p. 253). Ela observa
que a ênfase dada neste período está no aspecto material ou formal do texto. Com isso,
retomando Koch (1997), ela esclarece que, nesta primeira fase, os conceitos de textos
variaram desde “unidade linguística (do sistema) superior à frase” até “complexo de
proposições semânticas” (BENTES, 2004, p. 253). Bentes constata que a concepção intrínseca
de texto deste período era a de estrutura acabada e pronta, como defendeu Garrafa, (1987). O
texto era visto, assim, como “produto de uma competência linguística social e idealizada”
(BENTES, 2004, p. 253).
Além disso, a linguista esclarece que neste primeiro período há ainda as definições de texto
que levam em conta o fato de ele apresentar um determinado conjunto de conteúdos, como em
Weinrich (1971). De acordo com ela, neste momento, os textos podem ser definidos a partir
de diversos aspectos, tais como: sequência coerente e consistente de signos linguísticos;
delimitação por interrupções significativas na comunicação; por último, era considerado como
maior unidade linguística. Porém, ela salienta que, mesmo considerando esses vários aspectos
do texto, essa definição ainda pertence à primeira fase pelo fato de não considerar o que
Leontév (1969) contata ser essencial, isto é, que o texto não existe fora de suas condições de
produção e de recepção.
Assim, Bentes comenta que esse é o próximo passo para uma perspectiva de texto não como
um produto, uma estrutura acabada, mas como parte de atividades mais globais da
comunicação. Salienta ainda que, nesta fase onde se inicia a elaboração de uma teoria do
texto, devemos levar em consideração alguns aspectos na definição de texto, tais como:
[...]
a) produção textual é uma atividade verbal, isto é, os falantes, ao produzirem um
texto, estão praticando ações, atos de fala. [...]
b) a produção textual é uma atividade verbal consciente, isto é, trata-se de uma
atividade intencional, por meio da qual o falante dará a entender seus propósitos,
sempre levando em conta as condições em que tal atividade é produzida; [...]
c) a produção textual é uma atividade interacional, ou seja, os interlocutores estão
obrigatoriamente, e de diversas maneiras, envolvidos nos processos de construção e
compreensão de um texto.
(BENTES, 2004, p. 254-255)
47
Por último, Bentes diz que não poderia deixar de mencionar como Koch (1997) vê o problema
da conceituação da unidade texto, isto é, que sempre teremos mais de uma definição de texto,
dependendo de nossas escolhas, dos pressupostos teóricos dos quais compartilhamos e que
possam estabelecer relações de proximidade e complementariedade. Bentes, assim, chega à
seguinte definição de texto, com base no olhar de Koch (1997), o texto é:
[..] uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e
ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos
parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em
decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como
também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais (BENTES,
2004, p. 255).
Nessa definição, constatamos uma noção de texto com base na perspectiva sociointeracionista
em que se consideram, além dos interlocutores dos eventos de uso, as estratégias textualdiscursivas e os processos de ordem cognitiva pertencentes na/da interação. Porém,
acreditamos que o conceito de texto deve abranger, além do verbal, isto é, dos elementos
linguísticos, todos os elementos não verbais que constituem os textos que circulam atualmente
em nossa sociedade. Adotamos, com isso, o olhar de Cavalcante e Custódio Filho (2010)
sobre o objeto de análise da LT.
No artigo Revisitando o estatuto do texto, Cavalcante e Custódio Filho (2010) apresentam um
panorama dos conceitos de texto como objeto científico, salientando que o caráter
sociocognitivista que domina os estudos do texto nos dias de hoje demanda princípios
teóricos que, segundo os linguistas, apenas agora estão sendo debatidos com profundidade.
Assim, eles informam que se trata de considerar a materialidade textual não exclusivamente
verbal, isto é, que devemos também ter o olhar multimodal sobre as estratégias textualdiscursivas.
Cavalcante e Custódio Filho (2010) creem que é a partir das definições sobre um objeto de
investigação que se encontram os pressupostos básicos de uma teoria ou corrente científica,
bem como se vislumbram os fenômenos ou os critérios analíticos pertinentes para um
determinado paradigma. Eles destacam a importância do paradigma sociocognitivista, pelo
fato de sustentar as atuais definições de estudos da LT, como a referenciação, a
metadiscursividade, a intertextualidade, a articulação tópica, dentre outras.
48
No intuito de destacarem algumas necessidades do presente artigo, os linguistas organizam
seus propósitos, isto é, de reavaliarem o conceito de texto à luz das relações entre conteúdo
verbal e outras semioses e de refletirem sobre a necessidade de a LT ampliar o rol de
“situações investigáveis”, considerando também os processos de produção e compreensão de
textos cuja configuração é diferente dos textos normalmente analisados (CAVALCANTE;
CUSTÓDIO FILHO, 2010, p. 57).
Nesse sentido, os linguistas esclarecem que, o fato de considerarem a linguagem o objeto de
estudo da Linguística, isso pode esconder a informação mais importante, isto é, de que a
investigação sobre a linguagem tem por meta tratar da temática dos sentidos. Com isso, eles
acreditam que a busca por desvendar as relações entre as formas e os sentidos, além de sua
relação com a mente e com os aspectos contextuais, está na raiz de quase todas as teorias
linguísticas, ressaltando, assim, a importância do diálogo constante entre a Linguística e
outras ciências que cuidam do sentido, como, por exemplo, a Semiótica.
Além disso, os autores informam que seu interesse está em destacar o tratamento escolhido
pelos que se incluem no grande paradigma da chamada Linguística da Enunciação.
Acrescentam ainda que, grosso modo, podemos dizer que as diferentes áreas abrigadas sob a
enunciação partem do pressuposto de que a produção de sentidos pela linguagem deve ser
investigada nos e pelos usos que os sujeitos fazem dela, salientando, assim, que essa é a ideia
mais importante nas formulações a orientar os conceitos de texto na atualidade.
Ao evidenciarem as duas vertentes que a noção de enunciação implica para diferentes
correntes teóricas, isto é, a oscilação entre uma concepção discursiva e uma concepção
linguística, Cavalcante e Custódio Filho avisam que seu entendimento encontra-se numa
posição intermediária, ou melhor, que não se atêm exclusivamente à comunicação imediata,
como também, não são obrigados a ter como finalidade última fornecer explicações
sociológicas para todos os fenômenos linguísticos investigados.
Os linguistas se detêm ainda sobre algumas questões relativas à interação com o propósito de
deixarem claro que não aceitam que o texto seja uma mera materialização do discurso, mesmo
que admitam os pressupostos de que o discurso é uma forma de agir sobre o mundo e sobre as
pessoas.
49
Ao retratarem o olhar de Koch (2004) sobre a noção de texto, eles esclarecem que o propósito
está em enfatizar o caráter social nas práticas de comunicação e o caráter sociocognitivo como
constitutivo da interação. Os autores acrescentam ainda que, incluir a cognição no conceito de
texto seria quase que uma obrigação para LT, por considerarem que a disciplina sempre se
preocupou com as questões envolvidas no processamento mental do texto, tanto na produção
quanto na recepção.
Assim, Cavalcante e Custódio Filho informam que mais do dizer que o texto é o resultado de
uma ação social e de uma ação cognitiva, como se fossem duas instâncias independentes, a
perspectiva na atualidade da LT é considerar a cultura e o processamento mental como duas
instâncias constitutivamente interligadas. Sendo assim, eles acreditam que assumir um
paradigma sociocognitivista estabelece, para a LT, a necessidade de uma investigação que
esteja atenta aos sistemas de conhecimento acionados e, assim, construídos no instante da
produção e interpretação, como também, deve está alerta ao contexto sócio-histórico
envolvido em cada situação de comunicação.
Ao discutirem sobre a questão da coerência textual, os linguistas observam que “todos os
indícios contextuais e as inferências engatilhadas por se articularem, tornam-se coesas, e nos
ajudam
a
compor
um
todo
significativo
para
dada
situação
sociodiscursiva”
(CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO, 2010, p. 61). Além disso, atentam que o caráter
dinâmico, com base no olhar sociocognitivista sobre o texto, determina o direcionamento das
investigações dos fenômenos. Nesse sentido, eles chamam a nossa atenção mais uma vez para
a interação e os usos linguísticos, isto é, constatam que os gêneros textuais e as estratégias
textual-discursivas, como a referenciação, a articulação tópica, a intertextualidade, entre
outras, são estudados com base no pressuposto de que a interação é a instância de
concretização das relações sociocognitiva. Por isso, segundo Cavalcante e Custódio Filho, a
interação “deve ser a unidade analítica por excelência. Os usos linguísticos, portanto, são a
chave para se desvendarem os fenômenos. É a partir deles que as propostas explicativas são
construídas” (CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO, 2010, p. 61).
Eles analisam ainda que, quando se deu a virada pragmática, considerando o texto como
produto ou como processo sociocomunicativo, houve a reflexão sobre o que seria o não texto,
ou seja, o que separaria o uso linguístico coerente de um uso desprovido de sentido. Dessa
maneira, os autores comentam que as questões que envolviam os limites do texto remetiam à
discussão dos fatores de textualidade de Beaugrande e Dressler (1981) como elementos
50
garantidores da existência do texto. Porém, essas discussões chegaram ao consenso de que
não existe o não texto, pois parte-se de uma noção de texto como evento resultante de uma
interação. Assim, eles informam que, como a coerência é um princípio de interpretabilidade
dependente de cada situação específica, o que parece ser um texto sem sentido ou um não
texto pode, dependendo da situação, ser coerente, ou seja, ter significado.
Os linguistas chegam à constatação de que todas as noções que envolvem o objeto de análise
da LT gira em torno do que eles chamam de “verbocentrismo”, pois quase sempre o texto é
definido como quase exclusivamente linguístico, manifestado tanto pela fala quanto por meio
da escrita, como também, pela modalidade de linguagem praticada na internet hoje em dia.
Cavalcante e Custódio Filho (2010) apresentam uma história em quadrinhos do personagem
Cascão de Maurício de Souza, onde a narrativa ocorre apenas por meio de imagens. Assim,
afirmam que dentro da perspectiva de texto como objeto complexo e multifacetado, o
quadrinho constituído somente por imagens pode ser considerado também um texto. Com
isso, eles defendem que o pesquisador deve assumir toda a complexidade do objeto texto e
propor análises que deem conta da grande variedade dos textos que circulam atualmente,
considerando os elementos não verbais, ou seja, as diferentes manifestações semióticas ou os
diferentes processos envolvidos nas situações de interação sem os elementos verbais.
Chamando a nossa atenção para a multimodalidade, isto é, para os textos que se utilizam mais
de um código semiótico, como os que combinam o código visual e o verbal, observam que a
multimodalidade vem desempenhando um crescente papel dentro da LT. Dessa maneira, os
linguistas esclarecem que há um grande esforço atualmente que caminha para o
desenvolvimento de uma teorização sobre a constituição multimodal de alguns gêneros
textuais. Eles explicam, por exemplo, as relações que se estabelecem entre parte verbal e
imagens do anúncio publicitário. Além desse gênero, Cavalcante e Custódio Filho dizem que
até mesmo os gêneros pensados como exclusivamente verbais são atravessados por outras
semioses que interferem na produção e na interpretação, como as fotografias cada vez mais
utilizadas em notícias.
Confessando assumir o propósito de delinear as próximas tendências dos estudos do texto, os
linguistas destacam a necessidade de se investigar o caráter multimodal a que podem se
submeter as estratégias textual-discursivas. Eles ainda retratam a importância do fenômeno da
referenciação a partir das práticas multimodais, isto porque, observam que a referenciação é
51
um processo intercognitivo e social, salientando que esse fenômeno se produz durante a
interação e a partir dela. Assim, ressaltam que toda essa discussão sobre as práticas
multimodais é muito produtiva para o tratamento do fenômeno da referenciação.
No entanto, esclarecem que, ao defenderem a inclusão de aspectos não linguísticos como
constitutivos da construção dos referentes, não significa que eles desprezem o conteúdo
verbal. Isso porque, esclarecem que “não se trata, portanto, de fazer uma linguística sem
língua, mas de levar às últimas consequências a tese de que a comunicação se efetiva a partir
da conjunção entre diversos fatores, sendo a multissemiose um dos mais relevantes”
(CAVALCANTE; CUSTÓDIO FILHO, 2010, p. 66). Além da referenciação, eles citam a
intertextualidade e articulação tópico como exemplos de outras estratégias textual-discursivas
que podem ser investigadas tomando como foco as práticas multimodais.
Desse modo, os linguistas concluem informando que, resumidamente, a concepção
sociointeracionista de texto define um objeto multifacetado ao considerar em suas análises,
situações nas quais o verbal não é exclusivo ou predominante, mais ainda, eles advertem que
esse desdobramento esperado solicita a revisão do uso de termos na conceituação de texto,
tais como “linguístico” e correlatos, pois o caminho aberto não mais se assenta na
exclusividade do verbal.
Preocupada com o ensino, Dionisio (2008) também fala do novo olhar que devemos dar para
as noções que envolvem tanto os gêneros textuais quanto o letramento, enfatizando a
necessidade de revisar e ampliar alguns conceitos básicos no campo dos estudos das
interações humanas e no âmbito dos estudos do processamento textual. De acordo com a
linguista, os conceitos de escrita e de leitura precisam ser revisitados, bem como as práticas
pedagógicas que lhes são decorrentes. Com isso, ela acredita que, aliada à prática de
letramento da escrita, deve ser incorporada a prática de letramento da imagem. Assim, fala em
letramentos no plural, enfatizando que a multimodalidade é um traço constitutivo do discurso
oral e escrito, como também, há uma enorme diversidade de arranjos não-padrões que a
escrita vem apresentando na mídia em função do desenvolvimento tecnológico. Desse modo,
segundo Dionisio, a maneira que lemos e escrevemos um texto está sendo reelaborada
constantemente.
A linguista apresenta, assim, os pressupostos que respaldam a linha argumentativa de sua
discussão, são eles: (i) as ações sociais são fenômenos multimodais; (ii) gêneros textuais orais
52
e escritos são multimodais; (iii) o grau de informatividade visual dos gêneros textuais da
escrita se processa num contínuo; e (iv) há novas formas de interação entre o leito e os texto,
resultantes da estreia relação entre o discurso e as inovações tecnológicas (DIONISIO, 2008,
p. 121).
Dessa maneira, a autora coloca a multimodalidade sendo um traço constitutivo do texto falado
escrito, pois quando estamos falando ou escrevendo, não estamos nos valendo apenas de um
modo de representação, aliada as palavras, segundo Dionisio, estão os gestos, as entonações,
as imagens, entre outros. Ainda, retomando as noções de gênero de Bazerman (1997, 2004),
ela esclarece que ao usarmos a linguagem, estamos realizando ações individuais e sociais que
são manifestações socioculturais, materializadas em gêneros textuais.
A linguista também enfatiza a informatividade visual dos gêneros textuais, isto é, ela parte da
premissa de que os gêneros textuais escritos e falados são todos multimodais, no entanto,
observa que há diferentes níveis de manifestação da organização multimodal, que se estendem
do nível de representação mais padronizado até o menos padrão, de acordo com as instâncias
a que o texto se destina. Assim, oferece-nos como ilustração alguns gêneros orais de interação
face a face, como por exemplo, uma palestra em relação a um bate-papo com um grupo de
amigos ou outros gêneros orais de interação face a face.
Por último, Dionísio fala das inovações tecnológicas e das novas formas de interação com os
textos. Ela salienta que “a variedade de recursos tecnológicos a serviço da comunicação
humana permite não só a criação de uma infinidade de manipulação gráfica em computadores,
mas também a rápida propagação da informação, e consequentemente de novas formas de
apresentação da escrita (DIONISIO, 2008, p. 126)”. Assim, a linguista ilustra com uma forma
de representação que está alterando a apresentação da escrita e as formas de leitura nos dias
de hoje, trata-se dos infográficos, isto é, da criação gráfica que se utiliza de diversos recursos
visuais, como desenhos, fotografias, tabelas, entre outros. Segundo Dionisio, essa é uma das
criações gráficas que está em crescimento dentro do jornalismo impresso, do telejornalismo e
do webjornalismo. É utilizado, principalmente, para tratar de assuntos complexos, pois é uma
combinação de imagens e palavras, o que o torna uma maneira mais fácil e menos cansativa
para os leitores compreenderem questões complexas.
Refletindo ainda sobre algumas questões metodológicas, a linguista retoma Lemke (2000) no
intuito de ressaltar que multiletramento e gêneros multimodais podem sim ser ensinados,
53
porém, tanto os professores quanto os alunos devem estar consciente da existência de alguns
aspectos, por exemplo: o que são e para que são usados, quais os recursos empregados, como
podem ser integrados um ao outro, como são tipicamente formatados e, quais são seus valores
e limitações.
Em nossas análises, contatamos o emprego da multimodalidade, principalmente na
constituição de anúncios publicitários, slogans e charges analisadas. Dessa maneira, notamos
a importância significativa das imagens e cores, completando ou complementando a parte
verbal. Nas charges, por exemplo, as imagens e as cores têm uma importância até maior do
que os elementos verbais, isso porque só temos acesso ao sentido se fizermos antes uma
leitura das ilustrações contidas nas cenas retratadas pelos chargistas.
Por outro lado, temos a noção de que no momento de criação/produção dos textos, temos a
nosso dispor, de acordo com nossas intenções e necessidades, algumas estruturas já prontas e
que nos servem de parâmetros para as nossas produções. Assim, a partir deste momento,
vamos fazer um breve estudo sobre algumas noções de gênero que nos são caras por
relacioná-los com as nossas atividades diárias, como a de Bakhtin (1977) e de Marcuschi
(2005).
3.3.1 Os gêneros: algumas concepções
Ao longo deste capítulo, propusemo-nos trazer algumas concepções de diferentes teóricos
sobre gênero textual, também evidenciar como, de acordo com nossas intenções e
necessidades, valemo-nos de diferentes estruturas linguísticas em determinados contextos de
uso. Neste sentido, retomamos Bakhtin (1977), Bazerman (2005), Dolz, Gagnon e Decândio
(2010), e, Marcuschi (2005).
A dificuldade em conceituar os gêneros textuais não é novidade, no entanto, há uma gama de
estudiosos que propuseram discutir o assunto. Talvez o mais conhecido e estudado atualmente
seja o teórico russo Mikhail Bakhtin (1992). Em sua famosa obra Estética da criação verbal,
ele já colocava essa complexidade logo no início do capitulo “Gêneros do discurso”,
destinado à reflexão e conceptualização dos gêneros. Intrínseca à sua visão de gênero,
54
percebemos uma visão dialógica da linguagem que relaciona os gêneros com os diversos
campos da atividade humana. Para Bakhtin,
[...] O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos)
concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da
atividade humana. Esses enunciados refletem as condições específicas e as
finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo
da linguagem [...] mas, acima de tudo, por sua construção composicional. [...] cada
enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do
discurso. (BAKHTIN, 1992, p. 261-262).
Dessa maneira, a relativa estabilidade dos gêneros se dá em cada esfera da atividade humana
onde comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se
à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Segundo o teórico, a noção
“relativamente estável” não diz respeito apenas ao aspecto formal, mas reflete a historicidade,
a natureza social e dialógica dos gêneros.
Bakhtin (1992) também estabelece a distinção entre o que ele próprio designa de gênero do
discurso primário (simples) e secundário (complexos). Assim, os primeiros ao se tornarem
componentes dos segundos, transformam-se dentro deles e adquirem uma característica
particular, perdendo sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos
enunciados alheios. O teórico russo acrescenta que, os gêneros secundários surgem nas
condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente mais desenvolvido e
organizado predominantemente na escrita.
Parcialmente semelhante noção bakhtiniana de gênero, apresentamos a construção teórica que
Bazerman (2005) fez sobre o tema. Segundo ele, sua preocupação fulcral é em fornecer uma
série de conceitos para realização de uma análise textual mais ampla, e ainda, verificar como
os textos relacionam-se com as atividades e a vida das pessoas. O autor observa uma série de
eventos que se relacionam e a geração de diversos textos escritos e falados que criam
realidades, o que ele chama de fatos sociais, isto é, a própria realidade ou aquilo que
consideramos ser real ou pertencente ao mundo físico. Com isso, os fatos sociais estão
vinculados com temas de compreensão social afetando consideravelmente nossa forma de
produzir textos orais e escritos.
55
De acordo com Bazerman, alguns textos possuem estruturas mais tipificadas do que outros em
estruturas sociais também bastante tipificadas, há de fato, para o estudioso da linguagem, uma
correlação entre os textos produzidos e as atividades envolvidas cotidianamente. Esta
tipificação ocorre porque diferentemente dos textos orais, os escritos não possuem todos os
elementos de uma interação face a face, mais ainda, não se tem acesso imediato ao efeito
perlocucionário que os textos produzem, segundo ele. Nesse sentido, ao produzir seus textos,
os enunciadores valem-se de formas tipificadas, aumentando assim suas chances de acerto, ou
seja, de que serão compreendidos.
Ao padronizar os textos, enfatiza Bazerman (2005), padroniza-se também a situação em que
ocorrem essas produções, tanto orais quanto escritas. A última de forma ainda mais
acentuada, pois há uma necessidade enorme em padronizar os textos escritos. Entretanto, isso
se dá de forma organizada e envolve as atividades, isto é, dentro de cada profissão existe um
número de gêneros textuais esperados.
Por isso, acredita que classificar os gêneros apenas pelas suas características internas é um
equívoco, uma visão parcial e enganadora de gênero. Ele compreende o gênero “(...) como
fenômenos de reconhecimento psicossocial que são parte de processos de atividades
socialmente organizadas.” (BAZERMAN, 2005, p. 31). Os gêneros, assim, se enquadram
dentro de atividades, organizações e papéis mais abrangentes. O teórico ainda formula um
conjunto de conceitos que se sobrepõem, ele se refere à conjunto de gêneros, sistema de
gêneros e sistemas de atividades.
Ao retomar Bronckart (1996), Dolz, Gagnon e Decândio (2010) falam da importância do
estudo dos gêneros para o ensino da produção textual e consideram que uma língua natural só
é aprendida por meio de produções verbais efetivas que tomam formas muito diversas em
função das situações de comunicação em que se inscrevem.
Preocupados com o ensino, eles consideram o gênero um “megainstrumento” didático, isto
porque se configura em instrumento didático, cultural, de ensino e de aprendizagem. Com
isso, trazem a noção de gênero sendo um “pré-construto histórico, resultante de uma prática e
de uma formação social” (DOLZ; GAGNON; DECÂNCIO, 2010, p. 40).
A fim de relacionarem os gêneros com a manifestação das práticas linguageiras, eles retomam
alguns conceitos bakhtinianos de gênero, isto é, de gênero do discurso sendo tipos
56
relativamente estáveis de enunciados, produtos de sua história e de caráter variável e
dinâmico. Apoiam-se também no paradigma vigostskiano e em Schneuwly (1994) para
apresentarem sua visão do gênero como megainstrumento didático.
Além dos teóricos citados ao longo do texto, é indispensável apresentar a perspectiva de
Marcuschi (2005) sobre os gêneros. Verificamos que ele não foge muito do que já foi exposto
acima, ao contrário, retoma e confirma as discussões, relacionando os gêneros com os
diversos campos da atividade humana. Dessa maneira, de acordo com Marcuschi,
[...] usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para
referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que
apresentam características sócio-comunicativa definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição [...] (MARCUSCHI, 2005, p.22 -23).
Para ele, os gêneros são também “fenômenos históricos”, e “formas de ação social
incontornáveis em qualquer situação comunicativa”, sendo definidos por seus propósitos
(funções, intenções, interesses) e não por suas formas.
Marcuschi (2005) observa que os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da
ação criativas, ao contrário, caracterizam-se como eventos altamente maleáveis, dinâmicos e
plásticos, surgindo de acordo com nossas necessidades e atividades socioculturais, bem como
em nossa relação com as inovações tecnológicas. Ele esclarece que foi após a invenção da
escrita alfabética, por volta do século VII A.C, que os gêneros se multiplicaram,
principalmente com o “florescimento” da cultura impressa e que atualmente em plena fase da
cultura eletrônica, com o telefone, o gravador, o rádio e principalmente o computador pessoal
e surgimento da Internet, assistimos a uma explosão de novos gêneros e novas formas de
comunicação, tanto na oralidade como na escrita. No entanto, afirma que esses novos gêneros
não são tão novos assim, pois, em muitos casos, se ancoram em outros gêneros já existentes.
O linguista também fala da adequação do gênero, isto é, normas sociais relativas aos gêneros
textuais. Para ele, não existe apenas a questão da produção adequada, mas também de sua
utilização apropriada. Marcuschi (2005, p.34) observa alguns aspectos que devemos seguir na
produção do gênero, são eles:
57
A natureza da informação ou do conteúdo; nível de linguagem (formal, informal,
dialetal, culta etc.); tipo de situação em que o gênero se situa (pública, privada,
corriqueira, solene etc.); relação entre os participantes (conhecidos, desconhecidos,
nível social, formação etc.) e por último, natureza dos objetivos das atividades
desenvolvidas (MARCUSCHI, 2005, p. 34).
Ele acredita, com isso, que esses aspectos servem mais para identificar as condições de
adequação genérica na produção dos gêneros, principalmente os orais. Marcuschi diz ainda
que, essa perspectiva de gênero pode ser facilmente levada para sala de aula e transformada
em atividades que envolveriam produção textual, análise dos diversos eventos linguísticos ou
apenas identificação das características de cada gênero.
Dessa maneira, estamos em sintonia com as noções de Marcuschi (2005) sobre sua noção de
gênero ao colocá-lo no âmbito das atividades humanas. Percebemos que ele retoma e
confirma as discussões dos autores vistos nesta breve revisão. Com isso, observamos que
Bakhtin (1992) relaciona os gêneros com os diversos campos das atividades diárias e de
acordo com as condições e finalidades específicas de cada campo. Em Bazerman (2005)
notamos também sua preocupação em relacionar os gêneros com as atividades e vida das
pessoas. Ainda temos as contribuições de Dolz, Gagnon e Decândio (2010) ao ressaltarem a
importância do gênero para o ensino, considerando-o um “megainstrumento” didático.
Consideramos, com isso, os textos que compõem nosso corpus não como algo desvinculado
das nossas práticas sociais, mas como algo intrínseco às nossas atividades diárias. Percebemos
que as noções de gênero vistas acima vão ao encontro com as demais abordagens linguísticas
de nosso referencial teórico, como o Funcionalismo e a Linguística do Texto, pois consideram
de suma importância as situações comunicativas em que se inserem as produções verbais
efetivas.
Passamos agora a delinear algumas questões que envolvem os processos de referenciação no
olhar de Cavalcante (2012) e de Koch, Morato e Bentes (2010). Esse assunto é de extrema
relevância para a pesquisa, uma vez que estamos tratando da indeterminação do sujeito no
âmbito da referência.
58
3.4 Algumas questões sobre referenciação
Em uma obra dedicada inteiramente à reflexão e compreensão dos sentidos do texto,
Cavalcante (2012) coloca a referenciação como um dos fenômenos textual-discursivo mais
importante para a produção e o conhecimento dos textos, seja ele oral ou escrito. Por
referente, a autora esclarece sendo qualquer objeto, entidade, ou representação construída a
partir do texto, assim, referenciação é a própria ação em referir um objeto do discurso. Para
ela, no processo de referenciação está intrínseco,
[...] um conjunto de operações dinâmicas, sociocognitivamente motivadas, efetuadas
pelos sujeitos à medida que o discurso se desenvolve, com o intuito de elaborar as
experiências vividas e percebidas, a partir da construção compartilhada dos objetos
de discurso que garantirão a construção de sentido (s) (CAVALCANTE, 2012, p.
113).
Com isso, a autora fala na elaboração da realidade por parte dos participantes da cena
enunciativa, sendo ela resultante de uma negociação entre esses participantes, a elaboração
não é puramente um processo subjetivo, individual, mas sim, um processo negociado,
cooperativo, intersubjetivo. Assim, as ideias não se processam isoladamente na mente de cada
sujeito, mas dependem de como cada um percebe a ação dos outros participantes incluídos na
situação. Por isso, Cavalcante fala em intersubjetividade e acredita que a partir da percepção
do agir e do modo de pensar do outro, estabelece-se as construções negociadas dos referentes.
Cavalcante explana as características da atividade de referenciação, isto é, vista como
elaboração da realidade, como uma atividade de negociação entre os interlocutores e, por
último, como um trabalho sociocognitivo.
Como elaboração da realidade, a autora postula que o processo de construção dos referentes
implica que a função da linguagem não é o de expressar fielmente uma realidade pronta e
acabada, mas, sobretudo, o de construir, por meio da linguagem, uma elaboração ou versão
dos eventos ocorridos. Ela afirma ser esse o principal pressuposto da referenciação, isto é, “os
eventos ocorridos, as experiências vividas no mundo não são estáveis, não são estáticos. Eles
59
são reelaborados a fim de que façam sentido” (CAVALCANTE, 2012, p. 105). Sendo que,
esse processo de (re) elaboração das práticas sociais é inerente à linguagem.
Com o propósito de atender as necessidades surgidas na interação, frequentemente estamos
adaptando, elaborando, modulando os nossos textos, orais ou escritos, nas situações
comunicativas diárias, segundo Cavalcante. Isso quer dizer que estamos transformando os
referentes, ou seja, recategorizando os objetos. Entendemos, a partir disso, que houve uma
recategorização do termo você nos textos analisados que integram o corpus deste estudo, por
não está fazendo referencia apenas a um interlocutor específico nos contextos os quais o
termo foi utilizado. Vimos, assim, que seu uso está relacionado às estratégias textualdiscursivas de indefinir, indeterminar ou generalizar o público alvo.
Para a autora, o primeiro aspecto importante da referenciação que deve ser ressaltado é que “a
realidade é submetida à reelaborações por parte dos sujeitos que se envolvem na interação,
sendo que uma mesma realidade pode dar origem a referentes distintos” (CAVALCANTE,
2012, p. 108). Isso quer dizer, de acordo com Cavalcante, que temos a nosso dispor um leque
de possibilidades linguístico-discursivas ao construirmos nossos referentes. Outra
característica que devemos salientar e que já foi falada no início desse capítulo é a atividade
de referenciação vista também como uma negociação dos referentes entre os interlocutores,
isto é, são estabelecidas construções negociadas dos referentes, que ocorrem tanto na
oralidade quanto na escrita e em ambientes virtuais, pois sempre fazemos uma imagem do
ouvinte/leitor de nossos textos.
Cavalcante (2012) também evidencia que a atividade de referenciação é um trabalho
sociocognitivo, ou melhor, ressalta a necessidade de saber qual é a natureza do conhecimento
e das habilidades que nos permitem trabalhar a referenciação. Fazendo analogia à clássica
ilustração de um iceberg, a autora versa que o texto é a ponta dessa estrutura de gelo, sendo
que seu resto só é conhecido por meio de nosso esforço cognitivo para processar os textos que
produzimos e compreendemos. No entanto, esse aspecto cognitivo não pode ser desvinculado
do aspecto social, de acordo com ela, isso porque os conhecimentos armazenados em nossa
mente e os mecanismos de processamento textual são originados de nossas experiências
sociais, isto é, em nossas interações sociocomunicativas. Nesse sentido, Cavalcante diz que o
conhecimento social é extremamente relevante para interpretarmos um referente, assim, de
posse desse conhecimento é que produzimos os sentidos do texto.
60
A partir disso, acreditamos que, ao depararmos com diversos textos em nosso dia a dia, mais
especificadamente, quando percebemos o pronome você em tais textos, não inferimos que o
enunciador está fazendo referência apenas a nós mesmos, mas a todas as pessoas que, de uma
maneira geral, tiveram acesso ao texto, sendo, por isso, trata-se de um você indeterminado.
Em afinidade com os estudos linguísticos que privilegiam a interação social, trazemos
também as contribuições de Koch, Morato e Bentes (2010) sobre a questão da referenciação.
Assim, observam que o fenômeno tradicionalmente tem sido entendido como um problema de
representação do mundo e que as formas linguísticas selecionadas de acordo com esta visão
devem estar em correspondência ou não com os objetos do mundo a que lhes cabem refletir.
No entanto, as organizadoras de Referenciação e discurso mostram que estudos mais atuais,
entre eles, de Lorenza Mondada e D. Dubois, adotam uma perspectiva sociocognitiva e
interacionista no entendimento da relação entre linguagem e mundo, ou seja, não veem a
simples relação entre as palavras e as coisas, mas sim, uma “relação intersubjetiva e social no
seio da qual as versões do mundo são publicamente elaboradas, avaliadas em termos de
adequação às finalidades práticas e às ações em curso dos enunciadores” (KOCH; MORATO;
BENTES, 2010, p.7).
Ao retomar Mondada (2001), Koch (2010) mostra a tese em que Mondada substitui a noção
de referência por referenciação e, consequentemente, a noção de referente pela de objeto-dediscurso. Dessa forma, observa que a referenciação,
[...] não privilegia a relação entre as palavras e as coisas, mas a relação
intersubjetiva e social no seio da qual as versões do mundo são publicamente
elaboradas, avaliadas em termos de adequação às finalidades práticas e às ações em
curso dos enunciadores (KOCH, 2010, p. 34).
E sobre os referentes, constata que,
[...] os interlocutores elaboram objetos de discurso, i.e., entidades que não são
concebidas como expressões referenciais em relação especular com objetos do
mundo ou com sua representação cognitiva, mas entidades que são interativamente e
discursivamente produzidas pelos participantes no fio de sua enunciação. Os objetos
do discurso são, pois, entidades constituídas nas e pelas formulações discursivas dos
61
participantes: é no e pelo discurso que são postos, delimitados, desenvolvidos e
transformados objetos de discurso que não preexistem a ele e que não têm uma
estrutura fixa, mas que, ao contrário, emergem e se elaboram progressivamente na
dinâmica discursiva (KOCH, 2010, p. 34).
Assim, Koch (2010) configura a referenciação como uma atividade discursiva em que é o
sujeito quem decide sobre o material linguístico em função da situação comunicativa em que
está envolvido, isto é, a intenção dos interlocutores é que guiam suas escolhas na cena
enunciativa.
Constatamos, com isso, a utilização pelos falantes de diversas formas ou expressões
linguísticas quando desejam gerar efeito de referência indeterminada, como por exemplo, o
pronome você utilizado intencionalmente pelos criadores dos diversos textos selecionados e
que carrega sentido indeterminado.
Entendemos, pois, que a referência indeterminada se dá pela indeterminação do pronome
você, porém, além desse efeito, evidenciamos que essa forma pronominal produziu outros
sentidos nos textos analisados, tais como, informalizar a situação e aproximar o público alvo
do enunciador.
Neste sentido, levando-se em consideração os textos onde aparece o pronome você,
percebemos esta escolha como estratégia textual de persuasão do público leitor.
Dessa
maneira, notamos que isso não ocorreria em textos onde essa forma é frequentemente vista,
como por exemplo, nas conversas espontâneas, cartas pessoais e bilhetes, pois sabemos que
convencionalmente, o pronome você é utilizado em contextos onde há alguma relação de
proximidade entre as pessoas.
Como estamos colocando as estratégias de indeterminação no âmbito da referência, a partir
deste momento, iremos discutir alguns conceitos que transitam nesta investigação, como os
conceitos de indeterminação, indefinição e impessoalização.
62
3.5 Referência indeterminada e os conceitos de indeterminação, indefinição
e impessoalização
No decorrer desta pesquisa sobre o sujeito de referência indeterminada, não deixamos de
notar algumas noções que perpassam todo o trabalho e que, muitas vezes, são tomadas como
sinônimos para alguns teóricos, como os conceitos de indeterminação, de indefinição e de
impessoalização. Vimos, assim, a discussão dos gramáticos Said Ali (1963) e Kury (1970) ao
acolherem ou não os pronomes indefinidos no rol das construções que podem aparecer na
função de sujeito indeterminado. Said Ali (1963) classifica o sujeito indeterminado como
indefinido, oferecendo, além das duas formas já consagradas de indeterminação, o pronome
alguém figurando na posição de sujeito juntamente com o verbo na forma ativa, como no
exemplo dado pelo gramático: Alguém está batendo. Sobre essa questão, Kury (1970), além
de criticar os autores que se valem dessa estratégia, comenta que há uma confusão entre os
conceitos de indeterminação e indefinição.
Luft (2002), por sua vez, concorda que não se devem utilizar os pronomes indefinidos como
forma de indeterminação, ressaltando que é má técnica gramatical considerá-los para efeito de
indeterminação. No entanto, advoga outra estratégia, isto é, o verbo no infinitivo impessoal,
como em: Reclamar não adianta. Segundo ele, a diferença está na ocupação ou não-ocupação
da posição do sujeito. Percebemos, todavia, que a postura de Luft também não é clara, uma
vez que ao falar de ocupação ou não do sujeito, o autor acaba de tornar turvas algumas das
várias possibilidades de indeterminação do sujeito de que dispõe o falante. Em algumas
construções, com visto, a posição do sujeito está preenchida, logo sintaticamente o sujeito das
orações está presente, mas isso não diz tudo, pois ficamos sem saber a quem o falante referese no momento de interação. Por isso, consideramos incompletas as análises que não levam
em consideração as propriedades semânticas e pragmáticas das situações concretas de uso.
Sobre a questão levantada pelos gramáticos acima, Neves (2000), ao falar sobre a questão da
quantificação e da indefinição, diz que por princípio os indefinidos são não-fóricos, isto é, não
constituem itens com função de instruir a busca de recuperação semântica na situação ou no
texto. São também não descritivos, isto é, não dão informação sobre a natureza dos objetos,
operando sobre um conjunto de objetos previamente delimitados em razão de suas
propriedades.
63
A linguista informa que a gramática tradicional denomina indefinidos dois tipos de elementos,
os artigos indefinidos e os pronomes indefinidos. Iremos nos ater apenas a cerca do último
elemento, pois é o que nos interessa neste momento. Sobre essa classe, Neves (2000) nos
informa que abrange uma série heterogênea de elementos que se unem pela noção comum de
indefinição semântica, a qual pode catalogar-se como identidade, para alguns e de quantidade
para outros.
Os indefinidos de identidade são os pronomes cuja referência não pode ser identificada, por
exemplo, em: Torci para que entrasse alguém na sala, para me tirar daquela situação quase
ridícula de incapacidade total. (ACM).
Ao dissertar sobre a natureza dos pronomes indefinidos, Neves (2000) afirma que, “uma
palavra indefinida não necessariamente é indeterminada, já que ser indefinido significa ser
não-particularizado, não restrito, e ser indeterminado significa ter uma extensão nãodeterminada ou não fixa” (NEVES, 2000, p. 533). Ela, assim, oferece a seguinte ilustração:
Todo homem é mortal. Para a linguista a palavra homem é determinada, pois é tomada em sua
extensão, mas não é definida, porque não aparece particularizada na proposição.
Sobre o papel discursivo dos pronomes indefinidos, a linguista diz que os itens marcados pela
indefinição não dizem respeito ao modo de recuperação da informação (na situação ou no
contexto), pois tais elementos não têm natureza fórica. O papel discursivo desses itens, de
acordo com Neves (2000), diz respeito à modalidade de enunciado em que eles se empregam,
isto é, há os pronomes indefinidos que não determinam o modo de interação, ocorrendo tanto
em enunciados declarativos quanto em interrogativos. Neste sentido, informa que esses
pronomes não são operadores de atos ilocutórios, são elementos que não interferem na
natureza interativa do enunciado. Todavia, Neves (2003), ao tratar de referenciação, diz que
na conversação há maneiras mais expressivas que dispomos para indeterminar o sujeito,
como, por exemplo, a autora apresenta o pronome você, mostrando-o como possível estratégia
para indeterminar o sujeito em dadas situações concretas de uso.
Dizemos, assim, que o pronome você em dadas situações comunicativas pode possuir
referência indeterminada, indefinida ou genérica, como, por exemplo, em avisos onde aparece
o seguinte texto: Você poderá ser filmado, colocados em diversos lugares, como instituições
financeiras, ônibus de linha coletiva, condomínios residenciais e comerciais, hospitais, etc.
64
Notamos, assim, que há tanto uma indefinição, pois tem sentido vago, quanto uma intenção de
indeterminar ou generalizar o referente da situação comunicativa.
Percebemos também que a noção de indeterminação está mais relacionada aos processos de
referenciação. Na verdade, o que se está indeterminando, ou seja, não determinando é o
referente da situação comunicativa. Por isso, concordamos com Cavalcante (2012) ao colocar
a referenciação como processo de elaboração da realidade e dos objetos de discurso. Sendo,
com isso, uma atividade de negociação entre os interlocutores, fazendo significar e
ressignificar as experiências vividas. Cavalcante (2012) diz ainda que, esse processo de
construção dos referentes implica na própria função da linguagem, isto é, de construir, por
meio da linguagem, uma elaboração ou versão dos eventos ocorridos.
Por isso, dizemos que a forma pronominal você foi cuidadosamente selecionada pelos
criadores dos textos que compõem o corpus no intuito de indeterminar o referente, pois
sabemos pelo nosso próprio conhecimento de mundo que o termo você não faz referência a
uma pessoa específica, mas a um público em potencial. Ao valer-se dessa estratégia,
observamos que, além de indeterminar, há a intenção de criar uma situação de aproximação
com público e, com isso, convencê-lo de adquirir um produto ou ideia, isto é, essa forma
também é utilizada como meio de persuasão nos textos aqui analisados.
Concordamos com a proposição de Perini (2010) quando diz que a “indeterminação é o
fenômeno que consiste em entender mais ou menos esquematicamente a referência de um
sintagma” (PERINI, 2010, p.83). Ele observa que, “quanto menos individualizada (isto é,
quanto mais esquemática) for a referência, mais indeterminado será o sintagma respectivo”.
Esclarecedor notar que Perini coloca a função de indeterminação além do nível sintático,
abrangendo também o semântico e o pragmático ao chamar atenção para a questão da
referência e da gradiência que envolve o fenômeno. Com isso, assegura que no português
brasileiro há diversas formas para se obter efeito de indeterminação, como alguns itens
lexicais que podem figurar na função de sujeito indeterminado, tais como: a pessoa, o sujeito,
o cara; e os pronomes pessoais: você, a gente, eles, tu.
Sobre as construções impessoais, Furtado da Cunha, Costa e Cezario (2003) ao dissertarem a
respeito das variadas formas que a língua pode oferecer para uma única função, dizem que a
função sintático-semântica de impessoalização do sujeito pode ser expressa nas seguintes
formas: 3ª pessoa do plural (Falaram de você.), verbo acompanhado da partícula –se
65
(Construiu-se a cidade. Precisa-se de construtores.), voz passiva (Uma ponte foi construída.),
pronome indefinido (Alguém fez isso.), pronome na 3ª pessoa do singular sem referente
expresso (Eles saíram). Entendemos, desse modo, que a indeterminação do sujeito pode ser
vista também como um caso de variação, isto porque, temos diferentes formas linguísticas que
podem figurar na função sujeito indeterminado.
A respeito disso, relevante mostrarmos o olhar de Souza (2013) sobre algumas concepções de
impessoalidade. Para isso, ela retoma em sua tese diversos autores com o propósito de ampliar
as discussões e saturar as noções envolvidas sobre as construções impessoais. Como o foco
deste estudo não é de investigar de forma exaustiva as construções impessoais, apenas
evidenciar a distinção entre os conceitos de indefinição, indeterminação e impessoalização,
não vamos rever aqui todas as noções que envolvem as construções impessoais. Iremos
apenas nos ater em fazer algumas observações sobre os tipos de construções impessoais no
Português do Brasil (doravante PB). Para isso, observaremos o quadro onde consta a
Tipologia de Creissels (2008, apud SOUZA, 2013, p. 72-73) com dados do PB, como também
mostraremos as conclusões de Souza (2013) sobre os conceitos de impessoalidade.
A. Construções impessoais simples não marcadas
1.Verbo na 3ª. pessoa do
plural com sujeito nulo,
2.1Referente [+humano]
2.2Referente [-humano]
3.Sujeito nulo e Verbo
na 3ª.p. singular
3.Sujeito preenchido
Outras línguas
(Russian)
(7)Včera tancevali na stole.
‘Yesterday people were
dancing on the table’
(French)
(10a) Hier soir ça dansait
sur la table.Yesterday
evening
people were
dancing on the table’
(French)
(10b) Ça cogne dans lê
moteur.
‘Something is knocking in
the motor’
(Finnish)
(8) Tässä istuu mukavasti.
‘One can sit comfortably
here’
(French)
Português Brasileiro
Contam o caso da Fiat Lux.
(CORRÊA, 1998)
As pessoas que ficam lá
nas repúblicas são muito
legais. (SOUZA, 2007:
111)
Sem querermos vamos
levados por aquelas coisa
pro que estamos sempre a
ouvir. (DUARTE, 1995:
12)
Aquilo que desejo é nunca
ficar doente. (DUARTE,
1995: 13)
66
com pronomes
especializados para
ocupar a posição de
sujeito
3. Sujeito preenchido
com pronomes
geralmente usados para
interpretação anafórica e
dêitica.
On frappe à la porte.
(Creissels)
‘Somenone is knoking at
-------the
door’
(Mandarim and Chinese)
Você não fala de igual pra
(11a) Yanggai qichuang.
igual com um político
‘One should rise’
europeu. (CAVALCANTE,
1999: 69).
B. Construções impessoais simples marcadas
1.1) verbo com marca de
reflexivo
1.2) marca de passiva
1.3) marca morfológica
específica de
impessoalização
(Spanish)
(12b) Se encontraron los
ladrones
‘The thieves met’
(French)
Alugam-se bicicletas.
(15c) Il a été pris une (Bechara, 2005: 416)
decision.
(European Portuguese)
(13) Aqui não se pode
nada.
‘One can’t swim here’
2.1 ) sujeito nulo
4) passivas impessoais
--------
Riscaram o meu carro.
(SOUZA, 2011)
2.2 sujeito ‘dummy’
3) reflexivos impessoais
Vejo que multiplicaram-se
os problemas.
-------
(Polish)
(18b) Tu sie pije wódke.
‘One drinks vodka here’
Aí se tem portanto
rapidamente esboçadas
duas soluções para o
impasse em que se acha o
DL 157. (CAVALCANTE,
1999: 77)
(Russian)
Foi tomada uma decisão.
(25) Stenu razbilo molniej. (CAVALCANTE,
1999:
‘The wall was destroyed by 77)
a
67
thunderbolt’
5) passivas impessoais
simples envolvendo
verbo de formas
específicas
1) Passiva impessoal
com ‘se’:
1.1 reflexivas
Impessoais
1.2 passivas impessoais
1.3 ativas impessoais
(Finish)
(17) Täällä puhu-taan
saksaa.
‘German is spoken here’
---------
C. Construções impessoais cobertas
(Italiano)
Eleitores se corrompem
(55a)
Stanotte
si deliberadamente.
scrutinamo i
voti.
(Italiano)
Esta noite contam-se os
(55b) I libri si ripongono votos deliberadamente.
negli
scaffali.
(Italiano)
(56b) Li si accusò.
---------
Quadro 3: Tipologia de Creissels (2008, apud SOUZA, 2013, p. 72-73)
De acordo com o quadro comparativo em que são consignadas as diversas estratégias de
impessoalização do sujeito com exemplos do PB e de outras línguas, as quais constam as
construções simples marcadas e as não marcadas, percebemos que o pronome você figura no
quadro das construções não marcadas na função de “sujeito preenchido com pronomes
geralmente usados para interpretação anafórica e dêitica” (CREISSELS, 2008, apud SOUZA,
2013, p. 72), como em: Você não fala de igual para igual com um político europeu. Também
vimos a construção impessoal cujo verbo encontra-se na 3ª pessoa do plural com sujeito nulo:
Contam o caso da Fiat Lux. Entre as construções impessoais marcadas, chamamos atenção
para os reflexivos impessoais no exemplo: Aí se tem portanto rapidamente esboçadas duas
soluções para o impasse em que se acha o DL 15. Como também, as passivas impessoais,
como no exemplo: Foi tomada uma decisão. Com isso, chamamos atenção para as duas
formas normatizadas pelos gramáticos, vistas aqui em um âmbito maior, isto é, das
construções impessoais.
Souza (2013) chega ao entendimento de que as discussões que tratam da impessoalidade
apresentam conflitos, principalmente sobre a inclusão de construções genéricas e vagas no
mesmo rótulo. Ela observa que as construções vagas e genéricas aparecem no rol das
68
construções impessoais, adotando, com isso, uma definição ampla de impessoalidade, isto é,
trata como impessoais as construções genéricas e as vagas. A autora esclarece que as noções
implicadas pelos traços [específico], [genérico] e [arbitrário] têm um estatuto importante na
definição de impessoalidade. Dessa maneira, ela aborda em seu estudo as seguintes definições
dos traços abaixo:
[+ específico]: indica que o falante tem em mente uma entidade específica ao se referir a ela.
Ex. Comprei uma casa Linda! (o falante tem em mente o referente)
[- específico] indica a falta de uma pessoa concreta em mente ou grupo de indivíduos, ou
ainda qualquer pessoa. Ex. Preciso falar com alguém da coordenação. (o falante não tem em
mente o indivíduo concreto).
[+ genérico]: na referência genérica o falante refere-se a uma classe de seres e objetos
(indivíduos/espécies), que não podem ser identificados separadamente, no entanto, apesar de
o referente não ser identificado individualmente, tanto o falante quanto o ouvinte são capazes
de saber sobre quem está se referindo. Ex. Brasileiro gosta de futebol.
[+ arbitrário]: ocorre quando há o total desconhecimento de indivíduos ou grupo de
indivíduos, ou seja, pressupõe a falta de uma identificação única de seus referentes para uma
dada expressão linguística. Ex. Você tem o Palácio das Artes em BH.
Percebemos, assim, que dizer que um referente é genérico não significa dizer, precisamente,
que ele é indeterminado, como no enunciado acima: Brasileiro gosta de futebol. Aqui, o
termo brasileiro é determinado, pois foi visto em sua totalidade, em sua extensão, como no
clichê: homem é tudo igual. No entanto, notamos que o termo não está definido, pois foi
utilizado com sentido vago, isso quer dizer que não temos a informação de quais brasileiros
gostam de futebol.
Colocamos, assim, a forma pronominal você no rol das construções impessoais podendo ter
sentido indeterminado (arbitrário), indefinido ou genérico, como nas construções em que não
há intenção ou necessidade de especificar o referente, por exemplo, em avisos do tipo: Você
poderá ser filmado.
A partir deste momento, no intuito de ampliarmos o olhar para os diversos textos que
circulam em nossa sociedade, vamos delinear algumas concepções de gênero. No entanto,
69
avisamos que não iremos nos reter muito na teoria dos gêneros, pois esse não é o foco desta
pesquisa.
70
4. METODOLOGIA
Realizamos em nossa pesquisa um estudo sobre a função de sujeito de referência
indeterminada, especificadamente, a respeito da forma pronominal você que em dadas
situações concretas de uso apresenta referência indeterminada. Para tal, foi preciso que
adotássemos alguns procedimentos que direcionasse esta investigação.
Inicialmente, fizemos um levantamento sobre o tratamento dado à indeterminação do sujeito
em gramáticas tradicionais e em livros descritivistas. Assim, pesquisamos a função sujeito
indeterminado em torno e trinta gramáticas tradicionais e em vinte obras descritivas da Língua
Portuguesa. No entanto, entre as gramáticas pesquisadas e entre as obras descritivas, elegemos
somente cinco de cada para integrar este estudo. Foram registradas, dessa maneira, as
propostas de Said Ali (1963), Kury (1970), Bechara (1989, 2009), Rocha Lima (1998) e Luft
(2002) por serem essas consideradas obras de referência dentro da perspectiva tradicional, e
também por termos constatado uma normatização das duas formas de indeterminação do
sujeito. Todavia, observamos entre os gramáticos algumas divergências em relação a outras
estratégias de indeterminação, como a adoção dos pronomes indefinidos e do verbo no
infinitivo impessoal. Já entre os autores de cunho descritivistas, foram retratadas as obras de
Perini (2001, 2010), Abreu (2003), Neves (2003) e, por último, Azeredo (2008). Assim,
percebemos que entre os autores descritivistas acima há uma visão mais aprofundada sobre a
questão da indeterminação do sujeito.
Em seguida, começamos a construir nosso referencial teórico a partir da leitura e da resenha
do livro Sintax: an introduction, de Givón (2001) por se tratar de uma obra de extrema
importância, uma vez que aborda os fenômenos linguísticos à luz do Funcionalismo.
Foi necessário também mostrarmos algumas noções de texto, de multimodalidade e dos
processos de referência na perspectiva da Linguística Textual. Em seguida, realizamos ainda
uma breve revisão da literatura sobre os conceitos de referência e de gênero textual para que
pudéssemos ampliar a discussão e proceder com as análises. Nesse sentido, foram
apresentadas algumas noções de texto e de multimodalidade na visão de Fávero e Koch
(2008), de Bentes (2004), de Cavalcante e Custódio Filho (2010) e, por último, de Dionísio
(2008). Em relação à questão da referenciação, elegemos as propostas de Cavalcante (2012),
71
de Koch, Morato e Bentes (2010) e de Koch (2010). No que diz respeito aos gêneros textuais,
foi necessário que percorrêssemos as noções de Bakhtin (1977), Bazerman (2005), Dolz,
Gagnon e Decândio (2010) e Marcuschi (2005).
No que diz respeito à Mudança Linguística, retomamos a proposta de Martelotta (2011) a
respeito dos processos de mudança na perspectiva da abordagem baseada no uso. Entendemos
que, ao longo do tempo, o pronome você, forma que normalmente aparece em contextos de
interpretação anafórica e dêitica, alcançou novo uso, passando a apresentar referência
indeterminada em dadas situações concretas de uso. Assim, no intuito de ilustrar alguns
exemplos de mudança linguística, retratamos ainda nessa seção as contribuições de Cortês
(2007) sobre o uso pronominalizado do nome homem, como também, a tese de Souza (2013)
sobre as construções impessoais que trazem o pronome eles pleno e sua forma reduzida es na
posição de sujeito. A importância do estudo de Souza está em sua preocupação de trazer
dados importantes das pesquisas de autores sobre as diversas estratégias na representação de
sujeito de referência arbitrária, como também, a respeito do aumento de preenchimento do
sujeito de referência definida na posição de sujeito, o qual a autora mostra também a
tendência de aumento de preenchimento de sujeitos arbitrários.
Na sequência, propomos tanto discutir quanto diferenciar conceitos importantes que
perpassam esta pesquisa, tais como, as noções de impessoalização, indefinição e
indeterminação. Paralelo à constituição do referencial teórico, fomos coletando de forma
manual e por meio de pesquisa online em diversos sites para dar mais agilidade à
investigação, sendo que, ao todo, foram coletados em torno de cinquenta textos que trazem a
forma pronominal você na função sujeito de referência indeterminada. Essa coleta se deu a
partir da observação em nosso dia a dia da utilização do pronome você em diversos textos que
circulam atualmente em nossa sociedade. No entanto, como não estamos nos valendo de
análise quantitativa de dados, mas sim qualitativa, entre os textos vistos, selecionamos treze
diferentes textos para compor o corpus, são eles: dois slogans, três charges, três anúncios,
dois informes, uma carta comercial, uma entrevista e, por último, um prefácio de livro.
Essa seleção se deu, principalmente, porque os textos selecionados apresentaram gradiência
do fenômeno de indeterminação do sujeito, como por exemplo, o pronome você dos textos
informativos são menos indeterminado do que você dos anúncios e das charges publicitários e
mais indeterminado do que você utilizado na carta comercial. Esse grau de indeterminação
72
foi analisado em todos os textos para, com isso, ser feito o gráfico com a escala de gradiência
da forma pronominal analisada na função sujeito de referência indeterminada.
Acreditamos que, ao não eleger apenas um modelo textual para integrar o corpus, ampliamos
o entendimento a respeito de como se comporta esse pronome, ao levarmos em conta, além de
sua estrutura, o suporte, a linguagem empregada, as intenções do enunciador, o público alvo,
entre outras pressões adaptativas deste fenômeno linguístico. Além disso, verificamos ainda
os aspectos multimodais constitutivos de alguns desses textos, como charge, slogan e anúncio
publicitário.
Por último, depois de efetuada a constituição do corpus, realizamos as análises dos textos
selecionados a partir do entendimento de conceitos importantes que perpassam o nosso
referencia teórico, como a noção funcionalista de gramática, como também, a visão de texto,
de multimodalidade e de referenciação da Linguística do Texto.
73
5 O CORPUS EM ANÁLISE
No intuito de mostrar algumas características dos textos selecionados, realizamos antes de
cada texto e análise empreendida um breve comentário sobre o gênero ali empregado, para
isso, foi utilizado Costa (2009) em Dicionário de gêneros textuais, Hoffnagel (2007) em
“Entrevista: uma conversa controlada” e Castanho (2006) para retratar as características de
slogan.
5.1 Slogan
O slogan trata-se de um enunciado conciso, breve e curto, fácil de ser lembrado. É utilizado,
principalmente, em campanhas políticas, de publicidade ou de propaganda no lançamento de
algum produto ou marca.
Ao retratar as características do slogan, Castanho (2006) diz que o termo veio do idioma
gálico, slaugh-ghairn, que significa “brado de guerra”, grito usado nos antigos clãs para
inspirar os seus membros a lutarem pela preservação do grupo. Segundo ele, atualmente
slogan é uma frase mais ou menos mnemônica com que empresas procuram manter o seu
produto ou serviço na mente do público. Com isso, Castanho (2006) aborda diversas
características que um “bom slogan” deve possuir, tais como: ter personalidade, pois deve
não só anunciar, como identificar o produto ou o serviço que anuncia; dizer algo importante
e pertinente do produto ou serviço, como apontar uma vantagem; ser breve, de fácil
memorização, por isso, não deve passar de seis palavras; ser rimado e/ou metrificado para
auxiliar a memória; ser agradável, valendo-se de alguns “truques”, como a aplicação
inteligente de uma frase popular ou usar trocadilho, sem exagero e sem forçar.
Veremos, assim, como os criadores dos slogans da empresa automobilística Volkswagen e
da empresa de telefonia TIM valeram-se da forma pronominal você para indeterminar o
referente da situação concreta de uso.
74
5.1.1 Slogan da Volkswagen
Você conhece, você confia.
(Disponível em: <http:www.vwbr.com.br/ImprensaVW/Release.aspx. Acesso em: 23 de maio de 2014).
5.1.2 Slogan da TIM
(Disponível em: http://neogamabbh.com.br/pt. Acesso em: 23 de maio de 2014).
75
5.1.3 Análise dos slogans
Nos slogans acima, chamamos atenção para o uso da forma pronominal você como uma
maneira de se indeterminar o referente da situação comunicativa. Assim, nos textos Você
conhece, você confia / Você, sem fronteiras não há como identificar precisamente o referente,
pois sabemos que o texto foi criado para atingir um público em potencial.
De acordo com pesquisas realizadas no meio virtual, como em blogs3 e em sites das próprias
empresas referentes aos slogans, trouxemos para as nossas análises dados do contexto
extralinguístico dos textos selecionados. Assim, o slogan Você, sem fronteiras foi criado em
2009 pelo grupo publicitário Neogama/BBH4. Segundo seus criadores, o objetivo principal
desse texto é destacar-se dos slogans das demais operadoras ao aumentar a aproximação com
o público e traduzir tecnologia em produtos habilitantes. Vimos também que, em uma breve
pesquisa feita no site oficial da TIM, a partir do ano de 2009, a empresa de telefonia iniciou a
apresentação de um amplo plano de mídia para comunicar suas inovações tecnológicas e
pioneirismos, pretendendo está mais próxima de seus clientes, como sugere seu atual slogan.
Isso confirma nosso pensamento de que o pronome você foi utilizado como estratégia textualdiscursiva para aproximar a empresa de seu público alvo. Confirma também o pensamento
funcionalista de que as formas se ajustam à função que ela passou a servir, isto é, o fato de
que a estrutura da língua é moldada pelo uso efetivo. Nesse sentido, notamos que o pronome
você foi utilizado com a clara intenção de, além de aproximar, indeterminar o sujeito dessa
situação de uso. Acreditamos também, mesmo que os criadores do slogan tiveram em mente
um público alvo, não podemos especificar ou individualizar o referente dessa situação de
comunicação.
Além disso, constatamos no slogan a intenção de gerar uma falsa ideia de liberdade, como
está materializado em: Você, sem fronteiras. Assim, há um pensamento de falta de limites,
valendo-se da construção “sem fronteiras”. Inclusive, houve apenas uma alteração do último
slogan da TIM, isto é, a mudança do termo viver pelo você - Viver sem fronteiras.
3
Disponível em:< http://louconaopublicitario.blogspot.com.br/2009/03/tim-slogans-semfronteiras.html#.U9uKn_ldWSp>. Acesso em:23/05/2014
4
Disponível em: <http://neogamabbh.com.br/pt#/results/cases/53>. Acesso em: 23/05/2014
76
Notamos que essa ideia legitima-se pela apresentação de vários planos que fazem parte do
portfólio da TIM, como o plano Liberty Web – serviço que oferece Internet ilimitada para
utilização em tablets, notebooks e smartphones. Assim, de acordo com a fala do presidente do
grupo Neogama/BBH, Alexandre Gama5, “mais do que uma campanha, criamos um percurso
para a marca TIM em sintonia com a estratégia da empresa e com a tendência de queda de
barreiras de comportamento social, tabus e tudo o mais que a era da comunicação está
modificando”.
De acordo com as caraterísticas desse texto, notamos que o slogan da TIM tem o propósito de
identificar o serviço que a empresa anuncia, como também, focar no consumidor – você.
Também percebemos que as pressões adaptativas que moldam a
materialidade
linguística, como a análise do público alvo foi decisiva na criação do slogan. Ao observar o
público em potencial das empresas de telefonia, observamos que as companhas publicitárias
desse segmento são voltadas principalmente para o público jovem, até porque, sabemos que
esse público busca está mais em sintonia com as tecnologias lançadas hoje em dia do que, por
exemplo, o público formado pelas pessoas mais idosas. Esse pensamento sobre o público alvo
é confirmado pelos planos disponibilizados pela empresa, como o “TIM Beta”, o qual visa
maior interação com o público jovem, por meio da campanha Eu sou Beta6. Nesse sentido,
confirma a nossa hipótese de que o pronome você é utilizado geralmente no tratamento de
pessoas mais jovens e, também, quando desejamos informalizar a situação de uso, como é o
caso da entrevista cedida pelo poeta Thiago de Mello à Lêda Rivas, editora do caderno de
cultura do jornal Diário de Pernambuco.
Além do slogan da empresa TIM, selecionamos também para procedermos com as análises, o
slogan: Você conhece, você confia da empresa automobilística Volkswagen. No intuito de
partir do contexto para a análise linguística, vimos que essa fabricante de carros é uma
empresa alemã trazida para o Brasil na década de 50. Podemos dizer assim, que temos uma
presença de sessenta anos dessa empresa em nosso país. Notamos também que a ideia de
credibilidade contida no slogan está relacionada ao tempo da empresa aqui no Brasil, isto é,
sabemos que para ter confiança em algo ou alguém é necessário o fator tempo, assim, seis
décadas é tempo suficiente para alguém conhecer e gerar o sentimento de confiança.
5
Citação disponível em:< http://louconaopublicitario.blogspot.com.br/2009/03/tim-slogans-semfronteiras.html#.U9uKn_ldWSp>. Acesso em:23/05/2014
6
Disponível em: <http//www.timbeta.com.br>. Acesso em: 23/05/2014.
77
Podemos perceber também a persuasão contida no slogan da Volkswagen, ou melhor, o apelo
ao público alvo por meio da afirmação Você conhece, você confia. É por meio do
conhecimento de uma empresa consolidada pelo tempo - sessentas anos, que os criadores
legitimam o pedido de confiança nos modelos de carro dessa fabricante. Acreditamos que
tanto nesse slogan quanto no da TIM, foi utilizado a forma pronominal você com o claro
propósito de aproximação com o público. No entanto, observamos que, ao mudar de
segmento, muda-se também o público em potencial.
Em comparação ao público da empresa de telefonia TIM, no slogan da Volkswagen é feita
referência a um público com mais idade, que tenha vivido o bastante para conhecer a marca
Volks e assim, depositar sua confiança nos carros fabricados por essa empresa. Isso se
confirma se lembrarmos dos carros que ganharam popularidade, como os modelos Gol e
Fusca, o primeiro, inclusive, liderou por vários anos o ranking de venda de carros populares.
Já o modelo fusca ganhou simpatia e popularidade não apenas em nosso país, mas em
diversos países, sendo até tema de filme: Se meu fusca falasse.
Toda essa discussão no leva a constatar a importância também do contexto sócio-histórico das
situações concretas de uso da língua. Como também, a relevância da perspectiva
interacionista, isto é, por não considerar os textos apenas como frases prontas, como um
produto acabado, mas sim, pertencentes à atividades comunicativas mais globais.
Neste sentido, chamamos atenção para os aspectos multimodais dos slogans aqui analisados.
Além dos elementos verbais, consideramos o uso de elementos não verbais, como imagens e
cores reforçando as ideias presentes. Assim, percebemos que os aspectos multimodais
complementam e reforçam o que as palavras, por si só, não conseguiriam expressar.
No slogan da TIM, por exemplo, observamos em sua logomarca a presença das cores azul,
vermelho e branco, sendo que, o azul destaca-se das demais. De acordo com o blog mundo
das marcas7, juntamente com a ideia do slogan: Você, sem fronteiras, há um novo
posicionamento da TIM, adquirido através do acordo com o grupo Blue Man para reforçar a
cor azul e, assim, diferenciar a empresa das demais que se valem de outras cores, como o
vermelho utilizado na publicidade da concorrente Claro, do roxo usado atualmente pela Vivo
e do amarelo pela Oi.
7
Disponível em: <http://mundodasmarcas.blogspot.com.br/2006/06/tim-viver-sem-fronteiras.html>. Acesso em:
25/03/2014.
78
Já a logomarca da empresa Volkswagen, de acordo com algumas pesquisas realizadas em
sites sobre automobilismo8, o símbolo da empresa contém um círculo que envolve as letras
“V” e “W”, que são as iniciais das palavras alemãs volks (povo) e wagen (vagão, veículo),
significando, assim, carro do povo. Essa logomarca passou por diversas modificações ao
longo do tempo, principalmente em relação às cores, porém, no ano 2000 foi realizada uma
adaptação tridimensional utilizando, para isso, as cores azul e branca.
Por fim, sobre a referência indeterminada da forma pronominal você utilizada nos dois
slogans visto, notamos que, de acordo com os traços de impessoalidade citado por Souza
(2013), esse pronome contém tanto o traço [- específico] quanto o [+ arbitrário]. Entendemos
que, mesmo que os criadores dos slogans tiveram em mente um público alvo, não temos
como especificá-lo ou individualizá-lo, ou seja, não há o conhecimento dos indivíduos da
situação comunicativa.
Sobre o grau de indeterminação que pode sofrer a função sujeito indeterminado, entendemos
que a indeterminação dos dois slogans é muito mais abrangente do que em outros textos
selecionados para compor nosso corpus, por exemplo, dos textos de informação. Isso porque,
nesses textos, há uma referência a um grupo mais específico de indivíduos, como no informe
do cliente Estilo do Banco do Brasil, e no informe da embalagem da revista VEJA.
5.2 Charge
O termo charge, de acordo com Costa (2009), é de origem francesa e tem como significado
carga, isto é, algo que exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-lo burlesco
ou ridículo. Em relação ao tamanho, o autor diz tratar-se de uma ilustração ou desenho
humorístico, que pode apresentar legenda ou balão. São geralmente veiculados pela imprensa
e tem como propósito satirizar e criticar algum acontecimento do momento. Com isso,
focaliza, por meio de caricatura gráfica uma ou mais personagens envolvidas no fato políticosocial que lhe serve de tema.
8
Disponível em: <http://www.antigomodelismo.com.br/emblemas.html>. Acesso em: 23/05/14.
79
Segundo Costa (2009), a charge geralmente é um texto de opinião, expresso em dimensão
verbal e não verbal. Ele ressalta que os quadros ou vinhetas, como são chamados, emolduram
a ação e separam uma imagem da outra, indicando o espaçamento entre as diferentes imagens,
mas que possuem uma interação icônico-verbal, que pode se realizar como discurso verbal ou
iconizado. A respeito do discurso verbal, Costa (2009) diz que pode ser realizado de duas
maneiras, o do autor e o discurso das personagens. Com isso, segundo o autor, a conversação
oralizada nos quadros constitui o discurso das personagens, apresentado em balões
arredondados. Já o discurso do autor se revela por meio dos títulos em caixa alta na parte
superior da charge, esse é o discurso off do chargista, de acordo com Costa (2009). Assim,
esses discursos, do autor e das personagens, acrescidos das expressões gestuais, corporais e
faciais, e aliados a outros recursos paraverbais iconizados, como cores, roupas típicas,
ambientes próprios, entre outros, dão o efeito de sentido crítico e satírico da charge. Desse
modo, Costa (2009) diz que as palavras e as imagens integram a composição visual do todo
de modo redundante e dinâmico, numa transgressão discursiva do uso tradicional da
linguagem textual.
5.2.1 Charges de Iotti
(Disponível em: <http://levantedereacaopopular.blogspot.com.br/2013/06/protests-in-brazil.html>.
Acesso em: 19 de fevereiro de 2014).
80
(Disponível em: <http://wwwnewjaba.blogspot.com.br/2011/09/charges-de-os-diaristas.html>. Acesso em: 19 de
fevereiro de 2014.)
5.2.2 Charge de Lute
(Disponível em: <http://vastissimomundo.blogspot.com.br/2011/05/atualidade-em-charges.html>. Acesso
em: 19 de fevereiro de 2014).
81
5.2.3 Análise das charges
As duas primeiras charges são de Iotti, um jornalista e cartunista brasileiro, nascido no Rio
Grande do Sul9. Ele é popularmente conhecido no sul do país como o criador do personagem
Radicci, uma representação do colono italiano. Iotti trabalhou em diversos jornais do Sul,
como o Diário do Sul, o Folha de Hoje e o Correio do Povo. Atualmente, o cartunista trabalha
nos jornais Zero Hora e Pioneiro, suas charges podem ser vistas no Jornal Zero Hora online,
na seção de humor, onde consta o título “Charge de Iotti” seguido do tema do dia e a charge
propriamente. Já a terceira charge é uma criação de Lute, um chargista de opinião do Jornal
online Hoje em Dia de Belo Horizonte10. De uma maneira geral, nas charges de Lute
percebemos uma crítica, tanto de fatos políticos quanto sociais. Inclusive, nesse jornal, há um
espaço reservado para as charges de Lute, titulado “Blog do Lute”.
Apresentado Iotti e Lute, analisaremos as três charges. Na primeira charge, cujos títulos em
caixa-alta são: SAÚDE, SEGURANÇA, EDUCAÇÃO, ESTRADAS e VOCÊ, notamos a
criação de quadros específicos que retratam os fatos criticados pelo chargista, somando-se um
total de cinco quadros. No primeiro, cujo título é SAÚDE, observamos desenhos de quatro
pessoas, sendo três em posição sentada e uma deitada. Percebemos que a cena retrata, de uma
maneira geral, as pessoas idosas e as pessoas mais jovens que precisam de atendimento
médico. Isso se comprova se repararmos nas expressões de sofrimento, desânimo e tristeza
das pessoas desenhadas. Além disso, integra a cena uma imagem de um instrumento de tomar
soro e uma placa pendurada em uma parede, escrito “LOTADO”. De acordo com esse
quadro, percebemos a crítica do cartunista sobre a difícil situação que passa os hospitais
públicos de nosso país, onde não há leitos suficientes e as pessoas são acomodadas para
atendimento nos corredores.
Além da crítica à saúde, no quadro seguinte, Iotti faz uma avaliação de como está a questão da
segurança no Brasil. Temos, dessa maneira, uma imagem de uma pessoa sendo assaltada de
noite. Podemos observar que, enquanto a expressão desenhada da vítima é de pavor, a do
assaltante reflete contentamento. O cartunista, por meio dessa imagem, critica a falta de
segurança em nosso país. Já a cena titulada EDUCAÇÃO, observamos a imagem de um
9
Disponível em: http://oriundibrasile.blogspot.com.br/2010/01/da-radicci-o-jeito-gaucho-de-ser.html. Acesso
em: 25/03/2014.
10
Disponível em: <http://blogdolute.blogspot.com.br>. Acesso em: 25/03/2014.
82
garoto em um ambiente que retrata uma boa parte das escolas públicas de nosso país, ou seja,
ainda na era do quadro verde e com as paredes da sala bem danificadas, aparecendo os tijolos.
Além disso, essa cena é a única que o chargista dá voz à personagem, “é nóis!”, com o claro
propósito de representar o uso de uma variedade não padrão em um ambiente que deveria dar
conta, sendo um de seus propósitos, ensinar a variedade padrão da língua.
Outra situação avaliada pelo cartunista diz respeito às estradas, sendo esse o quarto quadrinho
a compor a charge. Desse modo, observamos que as estradas foram também caracterizadas em
péssimas condições, com vários buracos no asfalto e uma placa de trânsito quebrada.
Sabemos, contudo, que as cenas retratadas são caricaturas, pois essa é uma maneira de chamar
a atenção do público e configura uma das principais características das charges.
No quinto e último quadrinho, aparece uma imagem de um palhaço, com todos os acessórios
necessários: nariz, chapéu, sapato grande e roupas típicas. É por meio dessa imagem de
palhaço segurando vários papéis que o chargista fecha a charge. Desse modo, Iotti faz uma
crítica à política do país, valendo-se para isso, de quatro importantes áreas: saúde, segurança,
educação e estradas. Podemos observar, assim, que o pronome você do título está no sentido,
tanto de indeterminar, como também, de generalizar os brasileiros que pagam diversos
impostos, mas que não têm, em contrapartida, serviços de boa qualidade.
Dessa maneira, somente podemos fazer uma leitura desse gênero tendo em mente seus
aspectos multimodais como parte das estratégias textual-discursivas, ou seja, são através das
imagens, das cores, gestos, expressões e de todo restante dos signos - verbal e não verbal, que
temos acesso aos sentidos veiculados nesses textos. Somos, na verdade, direcionados a ter
uma visão dos acontecimentos de acordo com a perspectiva do chargista.
Seguindo nossas analises, a segunda charge também é de Iotti. Verificamos também nessa
charge uma crítica à política do país, essa agora ainda mais precisa, pois mostra, através da
caracterização do espaço e do personagem, todo o descontentamento e a indignação da
situação que envolve a política e os políticos de nosso país. Dessa maneira, por meio apenas
de um quadro, é apresentado o discurso da personagem em uma caricatura também de
palhaço: Você, brasileiro como eu!
Notamos, que ao valer-se de aposto, o chargista confirma nossa leitura de que o pronome você
foi utilizado para generalizar o povo brasileiro, comparando-o a figura de palhaço.
83
Entendemos, com isso, que o chargista quis enfatizar todo descontentamento do povo, como
também, passar a ideia que somos vistos como “ingênuos” pelos políticos ao pagarmos tantos
impostos e não termos nossos direitos atendidos.
A cena retratada refere-se ao Congresso Nacional, situado em Brasília, a capital do país.
Desse modo, entendemos que a crítica de Iotti está bem direcionada aos políticos, pois temos
o conhecimento de que é no Congresso Nacional que se reúnem os deputados federais e os
senadores para fazerem e votarem as leis que influenciarão diretamente a vida de todos os
brasileiros. Sabemos também que é neste espaço onde há uma crítica maior, principalmente
em relação às denúncias de corrupção. Esse olhar é confirmado pela imagem de gatos em
cima do prédio do Congresso Nacional. É por meio de nosso conhecimento de mundo que
temos acesso aos sentidos veiculados nessa cena, isto é, que é no Congresso Nacional onde a
corrupção está mais concentrada, pois, entre diversos significados, a representação felina tem
a ver com o delito de furto.
Diferente da crítica de Iotti, na última charge, temos a crítica de um fato social através da
ilustração de Lute. O fato retratado diz respeito ao casamento real que ocorreu em abril de
2011, do príncipe Willians, neto da rainha Elizabete da Inglaterra com a “plebeia” Kate
Middleton. Com isso, a charge é composta apenas de uma cena, onde observamos o desenho
de um aparelho de televisão e a ilustração de uma pessoa muda e imóvel sentada em uma
poltrona bem próximo ao aparelho e caracterizada de bobo da corte, com leve expressão de
contentamento. Entendemos, assim, que o cartunista teve como propósito ao compor a cena
descrita, tanto de criticar o público telespectador que aprecia esse tipo de notícia quanto de
criticar os meios de comunicação televisiva por cederem espaço no divulgamento desse tipo
de notícia que, para alguns, trata-se de uma informação completamente desnecessária para o
povo brasileiro, principalmente quando pensamos em os diversos problemas e situações que
ocorrem frequentemente neste imenso país.
Observamos que o chargista não dá voz ao personagem caracterizado de bobo da corte, mas
sim, sugere que a voz saia da televisão. Temos até a impressão de está realmente ouvido a fala
do repórter dizendo: Aqui você não perde nenhum detalhe do casamento real, sendo os dois
últimos termos apresentando fonte maior, separados do restante e seguidos de dois pontos de
exclamação. Percebemos, com isso, que o pronome você faz referência ao telespectador que
tem interesse por desse tipo de notícia. No entanto, mesmo sabendo que o chargista ao fazer a
ilustração direcionou a crítica a um público específico, não temos como individualizá-lo pelo
84
fato de não termos o conhecimento das pessoas que se enquadram no perfil de “bobo da
corte”.
Consideramos, desse modo, que o pronome você utilizado na charge tem sentido
indeterminado. Além disso, percebemos também que o pronome foi usado no sentido de
generalizar, por meio da imagem caracterizada de bobo da corte, todos que apreciam esse tipo
de notícia. Por último, em relação à gradiência, ou seja, ao grau de indeterminação, notamos
que o pronome você nas charges analisadas é menos indeterminado do que dos slogans, pelo
fato de está direcionado a um tipo de telespectador, e mais indeterminado em relação aos
textos de informação, carta comercial e entrevista aqui analisados.
5.3 Anúncio
Segundo Costa (2009), o anúncio é uma notícia ou aviso por meio do qual se divulga ao
público, isto é, refere-se à criação de alguma mensagem de propaganda com objetivos
comerciais, institucionais, políticos, culturais, etc. O autor esclarece que, assim como a
publicidade, o anúncio diz respeito a uma mensagem que procura transmitir ao público, por
meio de recursos técnicos, multissemióticos e através dos veículos de comunicação, as
qualidades e os eventuais benefícios de determinada marca, produto, serviço ou instituição.
Assim, de acordo com Costa (2009), os anúncios podem circular em vários meios de
comunicação e suportes: imprensa escrita, falada, televisiva e internética, faixas, outdoors,
autos (carro, ônibus, trens, etc.), bâners, luminosos, painéis, entre outros. O autor ainda
esclarece que, na internet, recebe o nome de e-anúncio.
5.3.1 Anúncio da UNIVIX
85
(Disponível em: <http: //www.folhavitoria.com.br/geral/blogs/ midiaemercado/tag/ aquatro>.
Acesso em: 06 de abril de 2013).
5.3.2 Anúncio da FIAT/Domani Veículos
86
(Disponível em: <http://viagensdeummineirim.wordpress.com. Acesso em: 06 de abril de 2014.)
5.3.3 Anúncio da Cruz Vermelha
87
(Disponível em: <https://pt-br.facebook.com/GVBus>. Acesso em: 19 de fevereiro de 2014).
5.3.4 Análise dos anúncios
Começamos nossas análises dos textos dos anúncios publicitários com a peça da Faculdade
UNIVIX. Com isso, percebemos, no anúncio, as formas pronominais você e nós,
intencionalmente deslocadas de uma situação de interação em que há uma relação de
proximidade entre os interlocutores para gerar uma situação artificial de informalização e
aproximação entre a empresa de ensino UNIVIX e seu público alvo.
Por outro lado, notamos o porquê do uso da forma pronominal você, isto é, com o propósito
de indeterminar o público alvo para, com isso, atingir o maior número de pessoas possíveis
que se identifiquem com a empresa e que estejam interessadas em se inscreverem em um
curso superior. Assim, o pronome você da publicidade pode ser qualquer um que deseja,
mesmo que inconscientemente, ter formação superior. De acordo com essa análise, o que
motivou o uso da construção Você tem muitas ideias foram as questões pragmáticas
envolvidas nesta situação de comunicação, ou melhor, as pressões adaptativas que motivaram
esta estrutura linguística que, a nosso ver, foram: a intencionalidade dos criadores da peça, a
análise do público alvo, a escolha do gênero e do suporte de circulação eleito pelo
publicitário, bem como todo o contexto envolvido na situação comunicativa. Atentamos,
88
assim, que mais importante do que dizer algo, é saber como dizer e com qual composição para
alcançar o fim desejado.
Sabemos que a motivação da escolha do gênero é o próprio conteúdo temático, ou melhor, é
sobre o que se trata a publicidade e de que forma isso irá ser dito. É nesse sentido que
entendemos que não devemos fazer análises dissociadas do falante e da situação comunicativa
que emergiu a estrutura da língua. Notamos, assim, que a motivação foi a própria divulgação
do processo seletivo UNIVIX 2013/1. Para isso, foi necessário adequar a estrutura da língua
ao gênero anúncio e ao suporte escolhido, isto é, outdoor.
Sobre a estrutura desse anúncio, foi utilizado o texto: você tem muitas ideias, nós a melhor
formação. Em seguida, o verbo inscrever flexionado no modo imperativo afirmativo mais a
partícula se - inscreva-se – confirmando, assim, a indeterminação do sujeito. O argumento
utilizado na peça refere-se à promessa de “melhor formação” e a assinatura que fecha essa
estrutura é o próprio nome da faculdade, a UNIVIX.
A respeito da linguagem empregada, foi utilizado tom de coloquialidade por meio de uma
linguagem informal com o uso, principalmente, dos pronomes você e nós, evidenciando o
estabelecimento de uma interlocução criada pelos publicitários entre a empresa de ensino e o
público alvo, conhecido no meio publicitário como Sr. Target. Sobre isso, o publicitário Zeca
Martins11, diz que há uma necessidade nesses textos de criarem um diálogo imaginário, com a
finalidade de se estabelecer uma relação de confiança, amizade, mesmo que artificial, entre as
empresas e o público alvo. Ele explana ainda que, a criação dos textos publicitários exige que
os redatores façam uma imagem bem precisa do público leitor, isso porque, a eficácia
persuasiva desses textos depende dessa imagem.
Ainda a respeito da linguagem empregada no anúncio, percebemos a presença, como já dito,
do modo imperativo por meio do verbo inscreva-se. Sabemos, assim, que na apresentação de
apelos ou ordens, o modo imperativo é o modo próprio para se fazer isso. Neste anúncio
publicitário, por exemplo, o apelo se dá por meio do convencimento do público leitor para
fazer a inscrição no processo seletivo da faculdade UNIVIX.
Interessante observar que a imagem do público alvo, criada pelos redatores do anúncio, foi
reforçada por meio dos aspectos multimodais, isto é, dos textos verbais e não verbais
11
Visto em: MARTINS, 2003, apud ABAURRE; ABAURRE, 2007, p. 221.
89
veiculados na peça. Assim, constatamos que os dois enunciados dialogam com a imagem
personificando um estudante com um balão simbolizando seu pensamento e diversos
símbolos representando os cursos por ele almejados. Fica claro, com isso, que o público alvo
da peça, isto é, do Grupo UNIVIX, são os jovens estudantes que procuram uma formação em
um curso superior de ensino. Por meio dessa análise que notamos a persuasão através das
imagens e das formas linguísticas empregadas na peça.
Percebemos que a referência indeterminada ocorre através do pronome você, que pode ser
qualquer pessoa que deseja entrar em curso superior e que teve contato com o outdoor do
anúncio publicitário. No entanto, esta indeterminação já não ocorre com a instituição de
ensino, sua referência está bem determinada por meio do pronome nós, sujeito simples e
determinado sintaticamente e semanticamente, ou seja, a própria faculdade UNIVIX,
oferecendo, por meio da construção persuasiva “a melhor formação” em ensino superior.
Por último, atentamos para a indefinição semântica da forma pronominal você, sendo também
considerada aqui uma construção impessoal, pois percebemos seu sentido arbitrário. De
acordo com os traços citados por Souza (2013): [+ específico], [- específico], [+ genérico] e
[+ arbitrário], percebemos que, mesmo que os criadores do anúncio tenham em mente o
público alvo, constamos que não há uma identificação única dos referentes do pronome você,
pois não temos a informação precisa de quem são os indivíduos do texto: Você tem muitas
ideias. Percebemos, porém, em uma escala gradativa que caminha de um protótipo de
determinação à um grau cada vez maior de indeterminação, isto é, o total desconhecimento
dos indivíduos ou grupo de indivíduos, o pronome você do anúncio publicitário é mais
indeterminado do que o pronome você empregado nos informes e na carta comercial
selecionados para integrarem nosso corpus.
Além do anúncio da Faculdade UNIVIX, observamos também o uso do pronome você com
sentido também indeterminado nas três peças publicitárias da concessionária do grupo FIAT,
a Domani Veículos. De acordo com algumas pesquisas realizadas em site de carros12,
constatamos que o grupo FIAT é um dos maiores fabricante de automóveis e de veículos
industriais e agrícolas do mundo, assim, o nome FIAT é uma sigla dos nomes italianos
Fabbrica Italiana Automobili Torino, que em português quer dizer Fábrica Italiana
Automotiva de Turim. As três peças publicitárias são da Domani Veículos, uma
12
Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/FIAT> Acesso em: 23/05/2014.
90
concessionária da FIAT da cidade de Cuiabá, capital do Mato Grosso. Dessa maneira, as
peças são propagandas feitas pela publicidade da Domani anunciando alguns de seus modelos
de carro. Na primeira peça, dessa maneira, temos os modelos de carro Doblê Flex e Idea Flex,
já a segunda e terceira peça referem-se aos modelos Uno Mille Flex e Palio Fire Flex.
Como podemos notar, todas as três peças fazem parte de uma mesma publicidade, que tem
como slogan: Você precisa é de um carro de verdade. Com isso, podemos observar que os
argumentos que sustentam essa afirmação envolvem as características ou vantagens de cada
modelo. Na primeira peça, por exemplo, temos o primeiro apelo: Chega de andar em carro
apertado, com a imagem dos dois carros posicionados abaixo desse texto e uma ilustração de
uma lata de sardinha entre as imagens dos carros, complementando todo o quadro. Além
disso, embaixo dos carros foram colocados os nomes dos modelos e seus respectivos preços.
Por último, fechando a peça, percebemos a estratégia textual persuasão através da construção:
Você precisa é de um carro de verdade e o nome da concessionária responsável pela
propaganda, indicando ao público onde encontrar as promoções.
É por meio da analogia contida na peça, ou seja, entre os modelos de carro e uma imagem de
uma lata de sardinha, que percebemos a intenção dos criadores dessa publicidade, isto é, de
convencimento do público alvo na compra de um modelo de carro que traga como benefício
conforto em espaço para os motoristas. É também através de nosso conhecimento de mundo
que compreendemos a comparação feita, isto é, somos nós que damos sentido e completamos
as lacunas, ou seja, que os modelos apresentados não são apertados como uma “lata de
sardinha”.
Já a segunda e a terceira peça são propagandas dos modelos Uno Mille Flex e Palio Fire Flex.
Os apelos, com isso, dão por meio de textos verbais e imagens apresentadas: Chega de carro
grande demais / Chega de carro que bebe muito. Para reforçar e completar os textos verbais,
temos as imagens de uma banheira antiga e de uma garrafa de bebida. Assim, entendemos que
a intenção aqui é o convencimento do público alvo para a compra de modelos de carros que
são econômicos, pois consomem pouco e, ainda possuem a vantagem de não serem tão
grandes, como alguns modelos de carros antigos que eram chamados de “banheiras”. De
acordo com uma breve pesquisa no meio virtual, esses modelos de carros são classificados
como compactos, isto é, são práticos, pequenos e simples de manobrar13, por isso, são
13
Disponível em: <http://revista.pensecarros.com.br>. Acesso em: 23/05/2014.
91
consideradas boas opções de compra para quem vive os problemas de trânsito e de
estacionamento das grandes cidades brasileiras. É partindo desse contexto que percebemos a
motivação das peças publicitárias, isto é, focaliza os problemas enfrentados por nós
motoristas, tanto em relação ao consumo de combustível dos veículos, como também, a
necessidade de modelos mais práticos, que se adequam à realidade das grandes cidades.
Sobre o público alvo das peças, constatamos que, apesar das três peças fazerem parte de uma
mesma campanha, os públicos não são os mesmos, isso se deve pela finalidade de cada
modelo de carro. Na primeira peça temos um modelo que foi criado para atender pessoas que
precisam de espaço, por exemplo, que tenham família grande ou que gostem de viajar e levar
diversos itens. Já nas duas outras peças, podemos inferir que os modelos apresentados foram
pensados para as pessoas que, de uma maneira geral, precisam de um carro para se deslocar
para o trabalho ou qualquer outra atividade do dia a dia que necessite de um carro mais
simples, menor, e com baixo consumo de combustível.
Assim, a força elocutória de “Você precisa é de um carro de verdade” está relacionada ao fato
de que o público alvo precisa de um carro que realmente atenda suas reais necessidades.
Sobre a referência indeterminada e o gradiência do fenômeno você usado nas três peças,
notamos que se refere a um público amplo, como pais, trabalhadores em geral, estudantes, etc.
Assim, pode ser qualquer pessoa que esteja precisando ou de um carro com espaço ou de um
modelo que seja econômico e prático para ajudar nos deslocamentos do dia a dia.
Percebemos também a presença de interlocução na peça, é como se estivéssemos ouvindo o
conselho que poderia vim de um amigo, de um pai ou de alguém próximo dizendo: Você
precisa é de um carro de verdade. Como isso, notamos o uso de uma linguagem informal,
tanto pelo uso do você quanto através do verbo no imperativo afirmativo, modo próprio
quando desejamos dar uma ordem ou um conselho.
Diferentemente dos propósitos acima, isto é, de anúncio de serviço ou venda de produto, o
anúncio da campanha das chuvas tem como objetivo informar e convencer o público em geral
da doação de materiais para as vítimas da chuva do estado do Espírito Santo. Da mesma
maneira que procedemos em outras análises já vistas, é importante aqui partir do contexto
para a análise linguística. Assim, devido à intensa chuva que assolou o estado do Espírito
Santo no final do ano de 2013, muitas regiões ficaram quase totalmente submersas nas águas
92
da chuva, com isso, tanto o poder público quanto muitas instituições não governamentais e a
sociedade como um todo se mobilizaram em ajuda às famílias prejudicadas.
Por meio de notícias do jornal online da TV Gazeta14, a Defesa Civil Estadual comunicou que
ao menos 48 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas, mais de vinte pessoas morreram e
quarenta e cinco ficaram feridas. A Defesa Civil também informou que, dos setenta e oito
municípios do estado, cinquenta foram afetados pelas chuvas. Assim, é nesse contexto que
surge a campanha de doação da Cruz Vermelha, em parceria com a Ceturb-GV15 e o GVBus16
com o propósito de arrecadar o máximo de doações possíveis para as pessoas que, de alguma
maneira, foram prejudicadas pelas chuvas.
Constatamos, assim, que a forma pronominal você foi utilizada no propósito de abranger o
máximo de pessoas possíveis, sendo considerada, assim, sua referência indeterminada.
Percebemos, também, que o público alvo dessa campanha são justamente os usuários dos
transportes coletivos da Grande Vitória, na sua maioria trabalhadores, estudantes e pessoas
que precisam desse tipo de transporte como forma de deslocamento. Notamos, dessa maneira,
que a campanha foi pensada e preparada principalmente para facilitar na ajuda das pessoas
que se solidarizaram com o problema retratado.
Ainda de acordo com o público alvo, diferente dos slogans e dos anúncios publicitários vistos,
a idade, a escolaridade, e de certa maneira, o fator econômico, não influenciaram na criação
desta campanha. Acreditamos que isso se justifica pelo fato de que, no caso desse tipo de
anúncio publicitário, não está sendo divulgado um serviço, uma vantagem ou um produto,
mas sim, comunicando às pessoas dos locais de coleta das doações e, também, pedindo a
contribuição de materiais necessários. Percebemos também que, em relação à questão da
gradiência, a indeterminação do pronome você é muito mais abrangente, compreendendo os
traços [-específico] e [+arbitrário]. Mesmo tendo em mente o grupo de indivíduos o qual se
destina o anúncio, isto é, os passageiros dos transportes coletivos da Grande Vitória, não
temos como individualizá-los nem como ter conhecimento desse público.
Assim, ao determos um pouco mais sobre essa campanha de doação, não podemos deixar de
notar as cores e tamanhos de fonte utilizados e que estão em destaque no anúncio. Podemos
14
(Disponível em: <http://g1.globo.com/espírito-santo/noticia/2013/12/veja-situacao-das-cidades-atingidaspelas-chuvas-no-espirito-santo.html>. Acesso em:23 de maio de 2014).
15
Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória.
16
Sindicato das empresas operadoras do Transcol.
93
perceber, com isso, que todo texto foi elaborado, primeiro para chamar a atenção para a
campanha de doação e, num segundo momento, informar dos postos de coleta. Com isso, de
acordo com as observações realizadas, percebemos a importância de partir do contexto
extralinguístico, considerando os aspectos multimodais para, enfim, partir para as análises e
compreensão do fenômeno linguístico.
5.4 Informe
O texto de informação, de acordo com Costa (2009), também pode receber o nome de: aviso,
comunicação, informe ou mensagens. Isso vai depender da esfera social de circulação, o
objetivo e o tipo de discurso que pode ser de relata, de opinião, instrucional, entre outros.
Assim, segundo do autor, a informação é um relato informativo, quando se trata de uma
comunicação de interesse público em que se transmitem notícia, acontecimento ou fato a
serem divulgados pelos meios de comunicação, isto é, um conjunto de atividades que têm por
objetivo a coleta, o tratamento e a difusão de notícias junto ao público. Segundo o autor, como
discurso instrucional, trata-se geralmente de um texto usado para transmissão de informações
com objetivo de ensinamento, orientação ou instrução sobre um conjunto de conhecimentos
de determinado assunto.
Entendemos, assim, que os textos a seguir tratam-se de textos híbridos, percebemos tanto
marcas de texto de informação quanto de outros gêneros, como de textos publicitários. Por
isso, receberam o título apenas de informe seguido do nome da empresa ou instituição.
5.4.1 Informe do Banco do Brasil
94
O BOM DA VIDA com Dotz
Você, cliente Banco do Brasil Estilo,
é Nosso convidado para conhecer o
:
BOM
DA VIDA com Dotz em:
dotz.com.br/
5.4.2 Informe da revista VEJA
Retorno do Menu
Principal
5.4.2 Informe da Revista Veja
Dotz
95
5.4.3 Análise dos informes
Os dois textos acima se referem às informações do Banco do Brasil e da revista impressa
VEJA. No entanto, notamos características propagandísticas nesses informes, pois, ao mesmo
tempo em que estão sendo transmitidas algumas informações, estão também sendo feitas
propagandas de serviços dessas instituições. No caso do Banco do Brasil, a propaganda é do
serviço de pontos do cartão Ourocard, já na embalagem da revista VEJA, o que está sendo
divulgado é um desconto para os clientes terem, além da impressa, a revista online.
Assim, o informe do Banco do Brasil, por exemplo, trata-se de um texto virtual, encontrado
em máquinas de autoatendimento. Porém, esse texto não está disponível para todos os clientes
do Banco do Brasil, mas apenas para um grupo seleto de pessoas, são os clientes Banco do
Brasil Estilo. Podemos constatar isso através do aposto inserido no texto virtual: “Você,
cliente Banco do Brasil Estilo, (...)”. Notamos, com isso, que o pronome você utilizado aqui é
menos indeterminado do que nos slogans e charges vistos. Mesmo assim, percebemos que
não deixa de ter referência indeterminada, por não está fazendo referência a um único cliente
em especial, mas a um grupo de pessoas. Segundo Simão Luiz Kovalski 17, o cliente Estilo é
aquele que possui benefícios à altura de suas expectativas, também possuem renda mensal a
partir de R$ 8 mil ou investimentos entre R$ 100 mil e R$ 2 milhões. Ainda de acordo com
Kovalski, para atender esse público privilegiado, a instituição oferece gerentes capacitados
prestando assessoria financeira em agências com ambientes diferenciados..
Assim, no texto virtual de autoatendimento percebemos uma propagando do serviço de pontos
O Bom da Vida com Dotz. Esses pontos, por meio da “Parceria Dotz”, são adquiridos em
compras com os cartões Ourocard, isso quer dizer que quanto maior for a movimentação do
cartão, mais pontos os clientes ganham, sendo que esses pontos podem ser trocados por
diversos produtos, serviços e passagens aéreas. Constatamos que, como o cliente Estilo,
devido a sua alta renda, é considerado um cliente especial, o Banco do Brasil, numa busca por
maior aproximação, procura por meio de diversos canais, dialogar com esses clientes,
valendo-se, assim, da forma pronominal você.
17
Gerente Executivo da Diretoria de Clientes do Banco do Brasil.
96
Já na embalagem da revista VEJA impressa, notamos também uso de aposto no texto: “Você,
assinante da revista impressa, (...)”, dessa maneira, o pronome você da embalagem refere-se
aos assinantes da VEJA impressa. Porém, do mesmo modo que ocorre com os clientes Estilo
do Banco do Brasil, esta referência não é totalmente determinada, uma vez que o pronome
você está direcionado a todos os assinantes que recebem suas revistas em suas residências.
Mesmo que exista aqui um grupo de pessoas em mente, como também, o nome e endereço do
cliente na embalagem, constatamos que esse pronome não está sendo utilizado em sua função
prototípica (anafórica e dêitica), neste caso, aparece na função catafórica e dêitica. Além
disso, o pronome você não indica apenas um indivíduo em particular, mas todos os assinantes
que recebem suas revistas em casa.
Percebemos que o objetivo dos textos colocados na embalagem da VEJA impressa, como
dito, não é apenas de informar aos clientes o “(...) superdesconto para ter sua VEJA também
no tablete e no PC”, mas também de se fazer uma divulgação da revista VEJA online. Para
isso, há também na embalagem, a disponibilização de uma linha telefônica exclusiva para os
assinantes fazerem seu pedido. De uma maneira geral, notamos no texto da embalagem toda
uma publicidade da empresa para convencer o público alvo, ou seja, seus clientes, em adquirir
mais um serviço ou produto.
5.5 Carta
Tradicionalmente pessoas, instituições, repartições mantêm correspondência através de carta,
segundo Costa (2009). Geralmente são enviadas via correios, portanto são fechadas num
envelope, endereçadas e seladas. De acordo com o autor, a carta refere-se a uma mensagem,
manuscrita ou impressa, dirigida a uma pessoa ou a uma organização para a comunicação de
algo. Costa (2009) ainda diz que, conforme o espaço de circulação, há diversos tipos de cartas
que possuem estrutura semelhantes, tais como: local e data, saudação, corpo, despedida e
assinatura. Ou ainda algumas características específicas, como cabeçalho ou timbre,
numeração e endereço.
Segundo o autor, em relação à interlocução, a carta será mais ou menos formal despendendo
do tipo de correspondência: comercial ou familiar. Na comercial, ele esclarece que esta é mais
97
formal, pois a interlocução ocorre geralmente entre organização, constituindo, com isso, um
documento formal escrito cujo conteúdo gira em torno do mundo dos negócios. Já a carta
familiar, o autor ressalta que, como a interlocução se dá entre familiares ou pessoas próximas,
esta é mais simples no registro coloquial, pois em torno de tema pessoais.
Percebemos, porém, que a carta de envio de cartão do grupo DACASA/DADALTO possui
estilo híbrido, pois mesmo se tratando de uma carta comercial, ou seja, entre uma empresa e
seu cliente, notamos que possui registro coloquial pelo uso, principalmente da forma você,
geralmente utilizada onde há alguma proximidade entre os interlocutores.
5.5.1 Carta - Grupo DADALTO/DACASA
98
5.5.2 Análise da carta
No texto Você tem crédito pré-aprovado para realizar suas compras com muito mais conforto
e agilidade, inserido em uma carta de envio de cartão de crédito, constamos o uso da forma
pronominal você de referência indeterminada pelo fato de trata-se de modelos padrões de
cartas utilizadas pelas empresas para seus clientes. Assim, o propósito comunicativo aqui é a
comunicação da chegada do cartão de crédito e o envio do mesmo por meio da carta. Isso se
confirma, tanto pela anexação do cartão, quanto pelas mensagens contidas na carta, ou seja, o
número de desbloqueio do cartão seguido das informações: número do cartão, vencimento,
limite, dia ótimo para compra, o site da empresa e a senha da internet.
Atentamos também que a linguagem empregada na carta foi pensada para ser feita em estilo
informal para criar, através da linguagem, uma relação de proximidade entre as empresas
DACASA e DADALTO com seus clientes. Por isso, observamos que o pronome você foi
selecionado para gerar uma situação de informalidade, pois sabemos que essa forma é
geralmente empregada quando há uma relação de proximidade entre os interlocutores das
situações concretas de interação e em contexto dêitico e anafórico/catafórico. Essa análise
confirma-se por meio de nosso próprio conhecimento de mundo, ou seja, utilizamos
geralmente o pronome você em referência às pessoas com as quais temos proximidade ou
quando a situação assim permitir seu uso, como no tratamento com as pessoas mais jovens.
Notamos que as questões pragmáticas é que dão forma à estrutura da língua. Assim,
percebemos na carta que foi a partir da intenção das empresas envolvidas que os textos
emergiram. Sabemos também que é a partir do conteúdo temático que houve a escolha do
gênero textual e do suporte de circulação. Dessa maneira, como já dito, o propósito
comunicativo foi de comunicar e enviar através da carta ao cliente o cartão solicitado, isso se
confirma pelo uso do seguinte texto: Parabéns! Chegou seu cartão de crédito Dadalto. Por
meio desse texto e do uso da forma pronominal você confirmamos também a interlocução
criada entre as empresas e seus clientes. Atentamos, assim, a necessidade nesse texto de se
criar um diálogo imaginário entre as empresas e seus clientes com o objetivo de se estabelecer
aqui uma relação de confiança e amizade, isso se confirma pela utilização do texto: Você tem
crédito pré-aprovado para realizar suas compras com muito mais conforto e agilidade. Nesse
99
diálogo imaginário é gerada uma situação de confiança onde subentende que a empresa
importa-se com nosso bem estar e em dar mais agilidade às nossas necessidades.
Entendemos ainda que, há nesse texto uma indefinição semântica da forma você pelo fato de,
como dito, tratar-se de qualquer cliente das empresas DACASA e DADALTO que solicitou o
cartão de crédito, pois esses são modelos padrões de cartas comerciais usadas pelas empresas
de modo geral. Todavia, percebemos que, em relação ao grau de indeterminação, a forma
pronominal você empregada nesse gênero tem referência menos indeterminada do que o
pronome você em outros textos vistos, isto é, nos slogans, nos anúncios publicitários e nas
charges. Isso se confirma pelo fato de que, mesmo não tendo em mente, no momento de
criação da carta comercial, as identidades das pessoas, houve uma pré-seleção dos clientes e
de seus endereços para ser realizado seu envio.
5.6 Entrevista
Hoffnagel (2007) considera a entrevista como uma constelação de eventos possíveis que se
realizam como gêneros ou subgêneros diversos. Assim, ela diz que podemos falar, por
exemplo, em entrevista jornalística, entrevista médica, entrevista científica, entrevista de
emprego, entre tantas outras. A autora esclarece que, embora a entrevista tenha, em certo
sentido, uma estrutura geral, comum a todos os tipos de eventos em que se realiza, também
manifesta estilos e propósitos diversos. Ela observa que todos esses eventos parecem ter em
comum uma característica que se apresenta numa estrutura marcada por ‘perguntas e
respostas’.
Além disso, Hoffnagel (2007) explica que o modelo canônico da entrevista é composto de
pelo menos dois indivíduos, cada um com papel específico, ou seja, o entrevistador, que é
responsável elas perguntas e o entrevistado, que é responsável pelas respostas. Também
comenta que é um gênero primordialmente oral e explica as entrevistas publicadas em jornais
e revistas, na maioria das vezes, foi feita oralmente e depois transcrita para publicação. Em
relação à escrita, diz ainda que é apresentada na forma de diálogo, isto é, é marcada troca de
turnos entre os participantes, segundo a autora.
100
Em relação às entrevistas de revistas, Hoffnagel (2007) esclarece que variam muito em termos
de seus objetivos ou propósitos, ou seja, isso vai depender do tipo de informação e público
alvo. Mas, em geral, diz que podem possuir três propósitos, são eles: as que entrevistam um
especialista em algum assunto com a finalidade explicar um fenômeno; as que entrevistas uma
autoridade, geralmente conhecida pelo público, para obter sua opinião sobre um evento em
destaque nas notícias e; as que entrevistam pessoas públicas (políticos, artistas, escritores,
músicos, etc.) e que têm por finalidade promover o entrevistado ou entidade ou grupo que ele
representa. Sobre os públicos alvos, a autora diz que são também muito diversos, isso vai
depender do público específico de cada revista, como as que são dirigidas para jovens,
adultos, crianças, mães, etc. Por último, Hoffnagel (2007) lembra que, embora a apresentação
gráfica das entrevistas varie muito de revista para revista, sempre se destacam dois papéis, ou
seja, o entrevistador e o entrevistado. Todavia, a autora revela que embora o crédito seja dado
à pessoa que fez a entrevista, raramente o nome desta pessoa é usado na apresentação da
entrevista, isto é, geralmente as revistas colocam o seu nome em vez do nome do
entrevistador e o nome do entrevistado.
Assim, de acordo com as características apontadas acima, será feita uma análise da entrevista
do poeta Thiago de Mello concedida à Lêda Rivas, editora do Viver, da seção Caderno de
Cultura do Jornal Diário de Pernambuco.
5.6.1 Entrevista de Thiago de Mello
Apresentaremos apenas alguns excertos da entrevista, porque os consideramos suficientes
para a análise empreendida.
101
___________________________________________________________________________
Thiago de Mello
Entrevista a Lêda Rivas*
(* Editora do Viver - caderno de cultura do Diário de Pernambuco)
Como quem põe um ponto final numa longa conversa, Thiago
de Mello chega avisando:
"Os versos, compondo a abertura do livro em questão (o vigésimosexto pela Editora Civilização Brasileira), sintetizam o destino do
poeta amazonense, setenta anos de idade, cinqüenta dos quais
postos a serviço do amor, da natureza e da liberdade. Ele próprio,
lacônico, define como o resumo de toda a sua vida a edição,
intitulada – com incisivo sabor de melancolia – De Uma Vez por
Todas. Reunindo a produção recente do autor, poesia e prosa estão
juntas, entremeadas com uma iconografia sentimental, para
celebrar o "dom da amizade, uma virtude humana que está em vias
de extinção neste fim de século".
Para lançar sua memória lírica pelo Brasil afora, Thiago de
Mello deixou Porantim do Bom-Socorro, "12 mil metros quadrados
de chão verde'', fincado em plena selva amazônica, que um dia
inteiro de barco separa de Manaus. Passou pela Bienal
Internacional do Livro, em São Paulo, teve um lançamento
saudosista no Rio, deu autógrafos em Brasília e se prepara para
cumprir agenda oficial em prol da preservação ecológica. No final
do mês, retorna ao coração da floresta, um canto que até se propôs
a vender, em "anúncio imobiliário'' que encerra o livro, com a leve
sensação de que mercadejava a própria alma.
Esta semana, de Brasília, horas antes de ir ao encontro de
Fernando e Ruth (os próprios), amigos de esperanças e
recordações afins, o poeta concedeu esta entrevista, por telefone.
DIÁRIO DE PERNAMBUCO – Em De uma Vez por Todas está sua
memória poética? O livro é um inventário?
102
THIAGO DE MELLO – O livro é um resumo da minha vida.
DIÁRIO – Você sempre falou de amor, liberdade e vida. Fazia escuro
e você cantava. Como está o tempo no Brasil para a sua poesia?
THIAGO DE MELLO – O tempo está ficando mais claro, através da
reconquista da democracia. Mas do ponto de vista social da vida do
povo, a escuridão continua, porque são muito grandes a diferença e
o contraste de poucos que têm tudo, têm cada dia mais, e uma
multidão de deserdados que não podem ter nem um pouco para
viver na dignidade da própria condição humana. As diferenças e as
desigualdades sociais são terríveis ainda. Esse meu livro serve à
utopia. Acho que cada um de nós, na sua vida cotidiana, na
maneira de viver e de conviver com os outros, parte, consciente ou
inconscientemente, para uma opção entre o apocalipse e a utopia.
Já faz tempo que eu optei pela utopia.
DIÁRIO – Toda a sua obra e você mesmo, como pessoa, estão
profundamente ligados às dores e aos anseios da América Latina.
Há um relacionamento muito íntimo entre você e os poetas do
continente. Isso leva a uma conspiração literária pela rebeldia?
THIAGO DE MELLO – Acho que a poesia da América Latina, hoje, é
uma poesia essencialmente ligada à vida do homem latinoamericano. Uma poesia que serve à vida. A poesia, evidentemente, é
uma arte, mas esta arte deve servir à vida. Ou seja, além de ter uma
finalidade estética, deve ter uma utilidade ética. Ela não deve servir
apenas à beleza, ela deve servir ao bem. Ao bem da vida.
103
DIÁRIO – Quase todos os seus títulos foram editados pela
Civilização Brasileira. Fale um pouco de Ênio Silveira, "que sabia ser
amigo de mesmo''...
THIAGO DE MELLO – Este é o meu vigésimo-sexto livro pela
Civilização. E é uma homenagem ao dom da amizade, uma virtude
humana que está em vias de extinção neste fim de século. A
amizade hoje existe mais por interesse, não pelo grande dom da
ternura humana. Então, eu presto uma homenagem, num poema
chamado Memória, aos meus amigos, às pessoas com as quais eu
convivi e trouxeram luz a minha vida. Entre aqueles a quem dedico
o livro está Ênio Silveira, grande brasileiro, grande patriota e um ser
humano extraordinário.
DIÁRIO – O livro está sendo lançado em Brasília?
THIAGO DE MELLO – Eu lancei o livro em São Paulo, durante a
Bienal Internacional, lancei no Rio de janeiro, numa noite
inesquecível, na última sexta-feira, com a presença de amigos meus
de infância, que eu não via há quarenta ou cinqüenta anos. Mas a
maioria era de gente desconhecida, pessoas que foram para me
conhecer, às quais eu dedico também este livro, como consta na
abertura. E digo ao leitor que eu não o conheço, mas participo de
sua vida, através dos meus livros. Terça-feira lancei em Brasília.
[...]
104
DIÁRIO – No final do seu livro, você faz um comercial, um anúncio
pondo à venda o seu "lugar'', como você chama. Você teria mesmo
coragem de vender Porantim do Bom-Socorro?
THIAGO DE MELLO – O lugar já foi passado para o Governo do
Estado, vai servir para um grande centro cultural de reciclagem e
capacitação para professores do interior da floresta. Mas eu
continuo morando em Barreirinha em duas casas, uma de um lado
do rio, a outra do outro, ambas projetadas por Lúcio Costa.
DIÁRIO – Como se chega a Barreirinha?
THIAGO DE MELLO – De Manaus a Barreirinha são vinte horas de
barco. Agora tem uma linha aérea, três vezes por semana, leva uma
hora
de
vôo.
Mas
não
há
estradas.
A
estrada
é
o
rio.
DIÁRIO – Aos setenta anos, Thiago de Mello, o que você vê, quando
olha para trás?
THIAGO DE MELLO – Eu não sofro dessa enfermidade chamada
falsa modéstia. Acho que fui coerente, continuo a ser coerente com
a minha vocação, sou responsável perante o dom que recebi ao
nascer, o dom da poesia. Minha vida é uma vida que tem sido útil
para os outros. Sou coerente, porque coloquei sempre a minha
poesia a serviço da vida.
(Disponível em: <http://www.revista.agulha.nom.br/rivas.html>. Acesso em 12 de dezembro de 2013).
105
5.6.2 Análise da entrevista
Como podemos perceber por meio de sua estrutura, o texto acima se trata de uma entrevista
concedida pelo poeta Thiago de Mello à Lêda Rivas, editora do caderno de cultura do jornal
Diário de Pernambuco. Contudo, apesar de inicialmente ter sido publicada nesse jornal,
encontramos a entrevista no meio virtual, em uma revista online que publica assuntos
relacionados à literatura.18, no link “Jornal Poesia”. Assim, a entrevista acima tem modelo
canônico do gênero, isto é, podemos constatar duas pessoas inseridas no texto, o entrevistador
e o entrevistado, como também, temos a escrita por meio de diálogo sendo uma característica
desses textos.
De acordo com Hoffnagel (2007) as entrevistas de jornais e revistas variam muito dependendo
dos objetivos e do público alvo. Entendemos que, pelo fato dessa entrevista
ter sido
publicada no caderno de cultura do jornal Diário de Pernambuco, o público alvo aqui refere-se
às pessoas que se interessam por assuntos relacionados à cultura de uma maneira geral, como
literatura, música, teatro, etc. Quanto ao seu objetivo, notamos que essa entrevista tem o
propósito de promover a última obra do poeta, isto é, seu livro de poesias De uma Vez por
Todas. Com isso, logo na primeira pergunta que abri a entrevista, observamos o título da obra,
como também, notamos que quase todas as perguntas que se seguem estão relacionadas ao
livro.
Sobre a estruturação da entrevista, no início há o nome do entrevistado, em fonte maior,
centralizado e com cor diferenciada do restante do texto. Em seguida, vem o nome da
entrevistadora e uma introdução por meio de uma citação do próprio poeta. Mais adiante,
notamos uma breve apresentação sobre a rotina do poeta ao publicar sua mais recente obra de
poesias e a informação de que a entrevista foi realizada por telefone, apenas depois disso,
temos o texto da entrevista, com as transcrições dos diálogos.
Observamos que diferentemente dos demais textos que integram o corpus deste estudo, o
pronome você foi usado como variação da segunda pessoa do discurso (tu). Com isso, está em
sua função prototípica, isto é, para contextos de interpretação anafórica e dêitica. Podemos
perceber que, de acordo com a situação comunicativa, não há dúvidas quanto a identidade do
18
Disponível em:< http://www.revista.agulha.nom.br/rivas.html>. Acesso em: 23/05/14.
106
pronome você, isto é, o poeta Thiago de Mello, configurando-se, assim, sujeito simples e
determinado. Quanto ao seu uso, notamos que toda a entrevista foi transcrita em estilo
informal, até para imitar a fala, pois sabemos que esses textos são primordialmente orais,
segundo Hoffnagel (2007). Assim sendo, mesmo se tratando de uma pessoa de mais idade,
setenta anos, notamos tom de informalidade em toda a entrevista. Notamos que a
entrevistadora valeu-se da forma você com a intenção, tanto de informalizar quanto de criar
uma aproximação, uma situação artificial de amizade com o entrevistado, como em: Você
sempre falou de amor, liberdade e vida. Fazia escuro e você cantava. Como está o tempo no
Brasil para a sua poesia?
No entanto, em nenhum momento da entrevista notamos o entrevistado referir-se à
entrevistadora, Lêda Rivas. Acreditamos que isso deve ter ocorrido várias vezes, pois a
entrevista foi realizada por telefone, porém, essa parte não foi transcrita para publicação.
Como também podemos perceber na estruturação dos diálogos que não há o nome de Lêda
Rivas, mas apenas do jornal, DIÁRIO. Contudo, a ausência do nome do entrevistador é
comum nesses tipos de entrevistas. Isso se deve, de acordo com Hoffnagel (2007), porque
geralmente nas entrevistas publicadas em jornais e revistas é de praxe por o nome da empresa.
5.7 Prefácio
Prefácio é um texto preliminar de apresentação, de acordo com Costa (2009). Geralmente é
um texto breve, escrito pelo autor ou por pessoa de reconhecida competência, colocado no
início de um livro, com explicações sobre seu conteúdo, objetivos ou sobre a pessoa do autor.
Por isso, refere-se a um enunciado de esclarecimento, justificação, comentário ou
apresentação que precede o corpo do texto.
5.7.1 Prefácio do livro O Segredo
107
Prefácio
[...]
Em certos trechos usei a palavra "Você" com inicial maiúscula, porque quero que você,
leitor, sinta e saiba que criei este livro para você. Falo pessoalmente com você quando digo
"Você".
Minha intenção é que você sinta com ele um veículo pessoal, porque O Segredo foi criado
para Você.
[...]
(Excerto extraído do Prefácio livro O Segredo) (p. xii).
5.7.2 Análise do prefácio
O tema principal do livro O segredo é a Lei da Atração, um assunto discutido também na
Física Quântica. Foi escrito pela australiana Rhonda Byrne, sendo considerado de auto-ajuda
pelos críticos. De acordo com o livro, os pensamentos são magnéticos e têm uma frequência,
assim, se alguém quiser mudar qualquer coisa na vida, tem de mudar a frequência de
pensamento. Percebemos, com isso, que o livro é todo focado no leitor e aborda de forma
exaustiva a Lei da Atração. Inclusive, na parte final do livro há um texto instrucional:
“Exercícios Poderosos”, em que Byrne ensina ao leitor como atrair coisas boas através de
bons pensamentos.
Ao fazer uma breve apresentação do livro, a própria Byrne escreve o prefácio, centrando
sempre no leitor. A escritora diz que quando utiliza a forma pronominal Você com a inicial
maiúscula, estará referindo-se ao leitor do momento, aquele que está com o livro em suas
mãos: Falo pessoalmente com você quando digo “Você”. Entendemos, no entanto, que essa é
uma estratégia textual de Byrne para criar um efeito de aproximação com o leitor e, assim,
prepará-lo para o conteúdo do livro. Entendemos que, assim como os textos publicitários
utilizam a interlocução para criar um efeito de aproximação, Byrne também utiliza essa
estratégia para aproximar-se do público leitor no intuito de convencê-lo de O Segredo. Temos,
108
como isso, a sensação no decorrer de todo o livro, de que realmente Byrne tivesse nos
contando um grande segredo, ou melhor, seu propósito está centrado em ajudar o público por
meio da lei de atração conquistar tudo que deseja.
Todavia, sabemos, nós e os leitores de um modo geral, que seria impossível a escritora está se
referindo a um leitor em particular. Notamos, assim, que a escritora quis por meio de diversas
estratégias, separar o público leitor em geral, que pode ser qualquer um, e o público leitor do
momento, aquele que está naquele exato instante lendo o livro. Seu público alvo pode ser
tanto as pessoas que apreciam essa literatura de auto-ajuda quanto, por tratar-se de um bestseller, as pessoa que interessam em ler algo em voga. O pensamento é de que, se está fazendo
tanto sucesso é porque deve ter algo de pertinente. Também observamos que o título do livro
é bastante instigante, pois, só contamos os nossos segredos a quem confiamos, assim, além de
aproximar, essa é uma forma também de atrair a atenção do público.
Além disso, o livro passa uma sensação de algo inovador, porém sabemos que a lei de atração
já é um assunto discutido na física quântica. Ao sabermos de O Segredo é como se tivéssemos
de posse de uma forma quase mágica de conseguirmos o que desejamos. Notamos também
que, da mesma maneira que nos valemos de testemunho de autoridade em nossos textos, a
autora também utiliza frases de pessoas mundialmente conhecidas para dar credibilidade ao
livro, como as passagens de Jesus Cristo e do cientista Albert Einstein: “Pedi e recebereis”
(Jesus) / “A imaginação é tudo. É uma prévia das próximas atrações da vida” (Einstein).
Assim sendo, é através da posse de todo o contexto do livro, tanto pela leitura do texto na
íntegra quanto por meio do conhecimento da inserção da obra na literatura de auto-ajuda,
podemos compreender o uso da forma pronominal você, isto é, para aproximar o leitor e,
assim, convencê-lo do conteúdo do livro. Também entendemos que há uma referência
indeterminada pelo fato de que, mesmo que a escritora tenha um público alvo em mente, não
tem como individualizar ou conhecer todos os leitores de O Segredo. Sobre o grau de
indeterminação, constatamos que em uma escala gradativa, a forma pronominal você do
prefácio posiciona-se entre os textos de informes e de anúncios ou slogans vistos. Isso porque,
é mais indeterminado do que nos informes e menos indeterminado do que nos anúncios ou
slogans.
109
6. RESULTADOS DAS ANÁLISES
De acordo com as nossas análises do público alvo dos textos que compõem o corpus desta
pesquisa, entendemos que, excluindo a entrevista do poeta Thiago de Mello por constatar uso
prototípico, isto é, em contexto anafórico e dêitico, em todos os textos o pronome você sofreu
algum grau de indeterminação em sua referência. Verificamos,
com isso, que há uma
gradiência nesse fenômeno linguístico, isso porque, percebemos que o grau de indeterminação
foi alterado em função do contexto em que a forma foi utilizada. Assim, em uma escala
gradativa, percebemos que quanto maior for o grau de indeterminação, menor será a
referência. Dessa maneira, a escala de referência do pronome você variou de [+ referência] ou
[- indeterminação] até alcançar [- referência] ou [+ indeterminação], como podemos constatar
abaixo.
De acordo com a escala de gradiência acima, podemos notar que a referência do pronome
você variou de função prototípica e determinada, como na entrevista do poeta Thiago de
Mello, até alcançar um grau maior de indeterminação, como no público alvo dos slogans e
dos anúncios vistos. No entanto, entre esses extremos, percebemos uma indeterminação
parcial na carta de envio de cartão de crédito do grupo DACASA/DADALTO e, nos informes
do Banco do Brasil e da revista VEJA impressa, isso ocorre porque esses textos foram
direcionados aos clientes das empresas referentes. Com isso, no caso da carta de envio do
cartão de crédito e do informe da revista VEJA, notamos que houve uma pré-seleção dos
clientes com seus endereços para ser feito o envio dos produtos.
110
Já o público alvo das charges, pelas características desse tipo de texto, isto é, de opinião,
como também dos recursos textuais utilizados pelos chargistas, como uso de aposto, é menos
indeterminado do que dos anúncios e dos slogans vistos. Sobre o prefácio do livro, notamos
que a escritora teve a intenção de diferenciar seus leitores para criar um efeito maior de
aproximação e convencimento sobre o conteúdo da obra, isto é, ela diferenciou o leitor do
momento exato da leitura e o público leitor em geral.
A partir das análises realizadas, entendemos, assim, a importância de buscar integrar os
diversos níveis da linguagem. É nesse sentido que percebemos o quão são produtivas,
esclarecedoras e abrangentes as análises que buscam no contexto as explicações para os fatos
da língua. Por isso, reconhecemos que não devemos fazer análises isoladas, levando em
consideração apenas o nível sintático, mas também os níveis semântico, pragmático e
discursivo das situações concretas de uso. Como também, chamamos atenção que é aí que a
estrutura da língua é adquirida, é onde a forma se ajusta na função que passou a servir, como a
forma pronominal você, utilizada frequentemente para contextos anafóricos e dêiticos, mas
que passou a adquirir referência indeterminada em dadas situações comunicativas.
111
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo partiu de observações feitas referentes à forma pronominal você que em
determinadas situações comunicativas de uso exerce a função de sujeito indeterminado. Nesse
sentido, nossa preocupação foi tanto discutir as proposições dos gramáticos e autores
descritivistas eleitos para fazerem parte dessa investigação quanto apresentar o pronome você
a partir da língua em uso configurando referência indeterminada. Para isso, foi necessário que
adotássemos os preceitos do Funcionalismo Linguístico, vertente que, dentre outras questões,
atenta-se em estudar a relação existente entre as estruturas gramaticais e os diferentes
contextos comunicativos em que essas estruturas são usadas. Como também, aliada a essa
abordagem, foi importante para o estudo e análise da questão a perspectiva da Linguística
textual por considerar o texto a unidade básica de manifestação da linguagem, segundo
Fávero e Koch (2008).
Dessa maneira, procuramos abordar o fenômeno da indeterminação do sujeito no âmbito da
referência, como também da gradiência linguística. Entendemos, portanto, que a referenciação
configura-se uma atividade discursiva em que é o sujeito quem decide sobre o material
linguístico em função da situação comunicativa em que está envolvido, isto é, a intenção dos
interlocutores é que guiam suas escolhas na cena enunciativa, de acordo com Koch (2010).
Como também temos a noção de que as mudanças na língua geralmente ocorrem ao longo do
tempo e de modo gradual, movendo um elemento em um contínuo de uma categoria a outra,
segundo Bybee (2010, apud FURTADO DA CUNHA; SILVA, 2013). A língua é vista, assim,
como um sistema adaptativo complexo, exibindo variação e gradiência.
Isso se confirmou em nossas análises da forma pronominal você, utilizada no intuito de criar
efeito indeterminado.
Para proceder com as análises, relevante também se fez que
compreendêssemos a complexidade da noção de gênero textual e sua relação com nossas
escolhas e com nossa vida cotidiana. Foi preciso também que elegêssemos o olhar multimodal
como estratégias textual-discursivas, como imagens e cores que dialogam com os elementos
verbais dos textos. Percebemos, assim, o uso do pronome você, cuidadosamente selecionado
para gerar uma situação de informalização e, com isso, aproximar as empresas contratantes de
seu público alvo.
112
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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