1 A CORRELAÇÃO DE FORÇAS ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE CIVIL: ESTUDO DE CASO DO CONSELHO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE UM MUNICÍPIO SUL-MINEIRO Cleusimar Cardoso Alvesi Luiz Antônio Staub Mafraii Valéria A. Naves Damiãoiii RESUMO Na correlação de forçasiv entre Estado e Sociedade Civil identifica-se como problema a convergência dessa correlação para a hegemonia do poder do Estado em detrimento da capacidade deliberativa da sociedade civil. Partindo dessa ótica, esse estudo objetiva a discussão sobre o exercício ou não do controle social da sociedade civil sobre o Estado, propondo-se a analisar a participação deliberativa do Conselho Municipal de Assistência Social na gestão da política pública respectiva. Metodologicamente, trata-se de um estudo de caso, com enfoque qualitativo realizado em um município do sul do estado de Minas Gerais através da utilização de entrevistas, análise documental e observação participante. Os resultados demonstram que se trata de uma instância de grande importância para o fortalecimento da participação democrática da população na formulação e implementação da política pública respectiva por se constituir como instância de controle social. Contudo, esse potencial revela-se subaproveitado, o que pode ser corrigido por meio de um processo de educação política. Palavras-chave: Estado, Sociedade Civil, Política Pública de Assistência Social. 2 1. INTRODUÇÃO O presente artigo apresenta um estudo sobre os desafios da implementação da política de Assistência Social a partir das ações de um Conselho Municipal de Assistência Social de um município do sul do estado de Minas Gerais. Esse estudo objetiva analisar a efetividade do controle social e da participação deliberativa do Conselho Municipal de Assistência Social pesquisado. É importante destacar, as contraditoriedades existentes nos Conselhos Municipais, uma vez que ao mesmo tempo em que são portadores de possibilidades inovadoras de implementação de políticas públicas, são absorvidos pela dinâmica local e, em muitos casos, se tornam meros receptores e executores de políticas de outros níveis governamentais. Assim alerta Allebrandt (2003, p. 01), o qual considera: que a temática dos Conselhos municipais tem marcado presença nos últimos anos na agenda de pesquisa de diversas áreas acadêmicas e nas discussões e encontros setoriais organizados pelo Estado, pelas Universidades e pelas ONGs. Por outro lado, e principalmente, têm-se constituído em verdadeiro lugar comum nos mais de 5.500 municípios brasileiros (ALLEBRANDT, 2003, p. 01). As hipóteses de que o governo utiliza o aparato instrumental do Conselho Municipal de Assistência Social para defesa de seus próprios interesses; da existência de baixa articulação entre conselheiros e os segmentos que representam; e que a falta de capacitações específicas para os respectivos conselheiros compromete decisivamente o funcionamento dos Conselhos Municipais colocam-se como dados a serem ou não confirmados após a coleta, discussão e análise de dados. Esta pesquisa torna-se relevante pelo esforço analítico e compreensão dos conselhos como mecanismos de participação e controle social que possuem grandes potencialidades para se constituírem como arenas de aprofundamento da democracia e de negociação de propostas de ações para a política pública respectiva. A primeira parte da pesquisa compreende um breve histórico sobre a participação popular ao longo de século XX, discutindo-se o surgimento da sociedade civil no Brasil sob os signos da democracia representativa e da democracia participativa a partir do entendimento de que a democracia representativa configura-se pela eleição, em geral pelo voto, de uma 3 pessoa que represente o grupo no processo de tomada de decisão e de que a democracia participativa é efetivada a partir da criação de mecanismos de comunicação da sociedade civil com a administração pública, permitindo que o processo político e as decisões a ele inerentes ocorram por um decurso legítimo de discussão e argumentação entre iguais, em cujas decisões serão vislumbradas a democracia deliberativa, na qual os canais de comunicação facilitem o empowermentv dos cidadãos nas decisões inerentes à sua vida em sociedade. A segunda e terceira partes constituem-se, respectivamente, em uma abordagem sobre o Conselho de Assistência Social como mecanismo de participação e controle social e em análise da atuação e experiência de dessa participação em um Conselho Municipal de Assistência Social de um município do sul do estado de Minas Gerais. Metodologicamente, trata-se de um estudo de caso fundamentado em uma pesquisa com enfoque qualitativo, apoiada em pesquisa bibliográfica. A coleta de dados foi efetuada no mês de agosto de 2012, a partir de entrevistas semi-estruturadas com conselheiros representantes da sociedade civil; análise documental (51 atas de reuniões do conselho) e observação durante reuniões ordinárias do Conselho Municipal de Assistência Social em estudo. A discussão e análise dos dados serão feitas também na terceira parte, utilizando-se como norte do processo de investigação as seguintes categorias de análise: a paridade na sua constituição; a natureza consultiva ou deliberativa; o conselho como instrumento de aperfeiçoamento da democracia ou como apoio instrumental para defesa de interesses do governo; o conselho como espaço de democracia representativa ou de participação; a autonomia do conselho no seu funcionamento; e a capacitação dos conselheiros. 2. Panorama da participação popular ao longo do século XX A partir da década de 30, no governo de Getúlio Vargas, nota-se uma incipiente organização de um sistema de proteção social com canais de participação popular indireta, devido ao viés da democracia representativa, caracterizando o que se nomeia aqui como o controle social do Estado sobre a sociedade (BRASIL, 2005). Até os anos 60, destacam-se como formas de reivindicação de participação popular os movimentos operários, com grande inspiração europeia, devido à presença de imigrantes, 4 com lutas por melhores condições de vida e salário. Também ocorreram, nessa época, movimentos de cunho cultural, educacional e religioso, que compõem a estrutura da criação de espaços populares de reivindicação de participação no cenário político nacional. Estes movimentos sofrem, principalmente nos anos 30 a 60, fortes pressões cooptadoras por parte de partidos políticos, de parlamentares e governos que buscam instrumentalizá-los e submetê-los a seus interesses e diretrizes. Esse período, conhecido na história do Brasil como populismo, caracteriza-se pelas relações clientelistas, de tutela, de concessão de favores, como a forma principal de relação entre Estado e Sociedade. As relações autoritárias, clientelistas, paternalistas, de compadrio e de favor, já eram, no entanto, fortemente enraizadas na tradição política brasileira do ‘coronelismo’ e em toda gama de relações promíscuas entre o público e o privado. Por isso, pode-se dizer que, no Brasil, nunca se constituiu um Estado ‘público’, claramente dissociado do privado (CARVALHO, 2011 apud NASCIMENTO, 2012, p. 04, grifos nosso). A forma como foram permeadas as relações entre essa incipiente participação popular reforçavam o controle social do Estado sobre a sociedade. Mas, como a cooptação não foi homogênea, esses movimentos sociais, vistos como ameaçadores da acumulação capitalista, despertou uma reação por parte de grupos conservadores na busca de estratégias para sua contenção, o que intentou sua viabilização a partir do Golpe Militar de 1964. A partir da segunda metade da década de 70, a crise econômica, com raízes históricas no desenvolvimentismo adotado desde os anos 50, fez com que novos atores passassem a questionar a condução política do país, através de movimentos populares compostos por uma diversidade de atores (associações profissionais, sindicatos, sem terra, sem teto, entre outros) que constituíam uma demanda mais expressiva com reivindicações por serviços públicos diversos, como saúde, educação, assistência social, entre outros. A crise econômica e essa ampla movimentação social puseram fim à Ditadura Militar e levou à promulgação da Carta Magna. Destacam-se o movimento Diretas Já, o Movimento pela Constituinte e o Movimento pela Ética na Política (Ibid), podendo ser delimitado como o período de grande protagonismo da “sociedade civil”vi. Entende-se, que desde o seu surgimento a sociedade civil contribui para a construção do processo democrático brasileiro, por meio de organizações sociais, lutas, associações, movimentos, etc, constantemente, buscando o reconhecimento de seu projeto societário numa realidade contraditória pelo desenvolvimento do capital e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento da cidadania. Os novos atores 5 que emergiram na cena política necessitam de espaços na sociedade civil – instituições próprias, para participarem de novos pactos políticos que redirecionam o modelo político vigente (AZEVEDO, 2010, p. 218). A Constituição Federal de 1988 oficializou o conceito de sociedade civil e, pela criação de amplos canais de participação popular além do voto eleitoral (como conselhos gestores, plebiscitos, referendos, orçamento participativo, entre outros) inova a noção de controle social por uma nova ótica: da sociedade civil sobre o Estado. A década de 90 pode ser entendida como a da reestruturação da vida política no país a partir das necessidades que se impuseram com a promulgação da Constituição Federal de 1988. O país passou a contar com um instrumental legal que assegura os serviços públicos reivindicados pelos movimentos sociais precedentes, bem como garantiu a própria participação popular. Contudo, essa nova forma de participação popular, agora institucionalizada, difere daquela a que os próprios atores estavam acostumados e, se não corretamente potencializada, embora pautada nos pilares da democracia participativa, pode perpetuar a noção de representatividade como única expressão da democracia. Destacamos que muitas conquistas das lutas sociais se viram ameaçadas e algumas organizações representativas, principalmente de trabalhadores passaram por fortes crises e reconfigurações, a exemplo dos sindicatos. A sociedade de base neoliberal diminuiu o papel do Estado na oferta das políticas públicas, criou agências reguladoras e fortaleceu nas relações sociais o segmento denominado Terceiro Setor, que em grande parcela é representado pelas Organizações Não Governamentais (ONGs). Estabeleceu-se um diálogo muito mais institucional, ao qual os movimentos populares não estavam habituados, nem conheciam. Essa nova realidade exigiu propostas de espaços e canais de diálogo antes inexistentes e agora são previstos em lei. Exigiu também o diálogo entre instituições: o Estado representado pelo governo e suas agências, o Mercado, e a sociedade civil representada nesse modelo pelo Terceiro Setor (NASCIMENTO, 2012, p. 06). Nesse sentido, um ator coletivo de grande potencial transformador, pela pluralidade de atores individuais e coletivos que tem possibilidade de abarcar, são os conselhos gestores de políticas públicas, em especial aqueles em exercício a nível local, pela proximidade com a ocorrência dos fatos que permeiam a vida dos cidadãos, destacando os Conselhos de Assistência Social, objeto desse estudo. 3. O Conselho de Assistência Social como Canal de Participação e Controle Social 6 O período pós 1988 representa a redemocratização do país em uma conjuntura de mobilização política na qual o debate sobre a participação social resplandece com uma dimensão de controle de setores organizados da sociedade civil sobre o Estado. Institui-se a participação social nas políticas públicasvii concebida na perspectiva do controle social, no sentido de os setores organizados da sociedade participarem desde as formulações de planos, programas e projetos, até o acompanhamento de suas execuções e a definição da alocação de recursos de forma a atender aos interesses da coletividade. É nesse contexto que surgem instâncias de interação entre Estado e sociedade, tais como os conselhos gestores de políticas públicas. Mediante essas considerações, Yazbek (2005) diz que a criação dos direitos sociais no Brasil foi resultante da luta de classes, que, por sua vez, expressa a correlação de forças em que o Estado é pressionado a garantir esses direitos. Conforme Silva, Jaccoud e Beghin (2005, p. 375 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 178), a participação social envolve três sentidos: a) Participação social promove transparência na deliberação e visibilidade das ações, democratizando o sistema decisório; b) participação social permite maior expressão e visibilidade das demandas sociais, provocando um avanço na promoção da igualdade e da equidade nas políticas públicas; c) a sociedade, por meio de inúmeros movimentos e formas de associativismo, permeia as ações estatais na defesa e alargamento de direitos, demanda ações e é capaz de executálas no interesse público (SILVA; JACCOUD; BEGHIN, 2005, p. 375 apud BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 178). Para aperfeiçoar o processo democrático e ampliar a participação dos segmentos com menos acesso ao aparelho de Estado, foram criados os Conselhos gestores, que são amparados por legislação nacional e apresentam um caráter decisório mais estruturado e sistêmico, sendo prevista sua atuação nas três esferas governamentais. São também concebidos como fóruns públicos de captação de demandas e pactuação de interesses específicos dos diversos grupos sociais. No ano de 1993, foram regulamentados os Conselhos de Assistência Socialviii, pela Lei Orgânica de Assistência Social- LOAS que, dispõe sobre as competências das três esferas de poder na condução e financiamento da política de Assistência Social, implicando na cogestão dos entes federados, observando as competências das instâncias de deliberação, que são os Conselhos e as Conferências de Assistência Socialix·. Como instrumentos básicos de 7 gestão, a LOAS determina a formulação do “[...] Plano, a criação do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e do Fundo de Assistência Social” (SEDESE, 2006, p. 105) para o repasse de recursos de uma esfera de governo à outra. O conselho de assistência social constitui-se em um espaço público vinculado administrativamente ao órgão do Poder Executivo responsável pela gestão da Assistência Social e têm por finalidade permitir a participação da sociedade na definição de prioridades para a agenda política, bem como na formulação, acompanhamento e controle dos benefícios, projetos, programas e serviços da assistência social. Os conselhos de assistência social são instituídos em âmbito nacional, estadual e municipal, com composição paritária entre governo e sociedade civil, com a missão de promover o controle social sobre a política pública de assistência social, contribuindo para o seu permanente aprimoramento em consonância com as necessidades da população brasileira. O Conselho de Assistência Social delibera e fiscaliza a execução da política pública. A composição dos conselhos conjuga a participação coletiva com representação coletiva (entidades escolhidas por representarem – por critérios variados – outros setores sociais). A representação por organizações da sociedade civil está difusamente ancorada na legitimidade dessas organizações em promover, de diferentes formas, a defesa das demandas sociais e interesses de grupos e setores sociais historicamente excluídos dos processos de decisão política, subutilizando o conceito de sociedade civil organizada como sendo apenas instituições legalmente constituídas. É de suma importância a atuação dos Conselhos de Assistência Social nas três esferas, pois estes contribuem para a participação da sociedade civil, a partir de debates, fóruns e conferências, na elaboração de importantes leis e documentos para melhoria da Política Pública de Assistência Social. Como fruto de debates desta natureza, no ano de 2004, houve a reformulação da Política Pública de Assistência Social, que originou a PNAS/2004x, que procurou agrupar as demandas contemporâneas da sociedade brasileira no que tange à responsabilidade de provisão política pelo Estado. A gestão proposta para essa política é o pacto federativo e a forma de enfrentar a questão social foi à descentralização, levando em consideração as desigualdades territoriais e a participação social (SEDESE, 2006). A deliberação concernente à PNAS e a concludente construção da NOB/SUASxi apregoa uma construção coletiva que, desde a promulgação da Constituição de 1988 e da LOAS, em 1993, vem se esforçando na tarefa de alocar a Assistência Social brasileira no 8 campo da garantia dos direitos sociais (YASBEK, 2004). Assim, a partir de agosto de 2006 o Sistema Único de Assistência Social – SUAS - entra em vigor, enquanto norma operacional, representando um avanço para a política de assistência social e constituindo-se na regulação e organização em todo território nacional das ações socioassistenciais, materializando o conteúdo da LOAS/1993 (PAIVA, 2006). No SUAS, os serviços, programas, projetos e benefícios da Assistência Social são reorganizados por níveis de proteção. Nesse novo sistema são criados instrumentos de operacionalização da LOAS e da PNAS, ele é provedor de ações em diferentes níveis de complexidade: a Proteção Social Básicaxii e a Proteção Social Especialxiii. (BRASIL, 2005). Em 2011, a Lei Federal nº 12.435, alterou a LOAS, a partir do que o SUAS passou a compor esta, deixando de ser apenas uma norma operacional. Ainda conforme a LOAS, a gestão Municipal de Assistência Social estabelece que os programas e projetos de enfrentamento da pobreza, ou seja, os serviços e programas da rede socioassistencial do SUAS, são objetos de aprovação do Conselho Municipal de Assistência Social - CMAS. Logo, o CMAS representa a instância local de formulação de estratégias e de controle da execução da política. Nessa conjuntura, por controle social entende-se o exercício democrático de acompanhamento da gestão e avaliação da Política de Assistência Social, do Plano Plurianual de Assistência Social e dos recursos financeiros destinados a sua execução, sendo uma das formas de exercício desse controle zelar pela ampliação e qualidade da rede de serviços socioassistenciais para todos os destinatários desta Política. Nessa perspectiva, o controle social deve ser entendido como a forma institucionalizada da participação social. Em síntese, a importância dos conselhos está no seu papel de fortalecimento da participação democrática da população na formulação e implementação de Políticas Públicas e por se constituírem como instâncias de controle social. 4. A Experiência de Participação Social no Conselho de Assistência Social de um Município Sul-mineiro: interações entre representantes do governo e da sociedade civil e entraves ao controle social É importante destacar que a fim de conhecer a arquitetura organizacional, isto é, a estrutura e o modus operandi, do Conselho Municipal de Assistência Social; para analisar a 9 participação social, a efetividade do conselho como esfera pública favorecedora da democracia deliberativa, através da interação dialógica e da negociação na pactuação das decisões e as correlação de forças existentes foram realizadas entrevistas, análise documental e as observações, contando com as seguintes categorias que nortearam o processo de investigação e caracterizam o funcionamento do Conselho: a paridade na sua constituição; a natureza consultiva ou deliberativa; o conselho como instrumento de aperfeiçoamento da democracia ou como apoio instrumental para defesa de interesses do governo; o conselho como espaço de democracia representativa ou de participação; a autonomia do conselho no seu funcionamento; e a capacitação dos conselheiros. O Conselho Municipal de Assistência Social do município pesquisado, sigla CMAS, foi criado em dezembro de 1995 por Lei Municipal como órgão de composição paritária, caráter permanente e deliberativo, contando com 10 Conselheiros titulares, sendo 5 da sociedade civil e 5 do governo, e seus respectivos suplentes, totalizando 20 Conselheiros. Essa lei está desatualizada há alguns anos e não há Regimento Interno, sendo que estes são de suma importância, pois são os instrumentos que devem conter o detalhamento das competências, atribuições, composição dos segmentos representativos, de acordo com o que está definido na LOAS atualizada pelo SUAS. No que se refere a segmentos representativos, a nova Resolução/CNAS n° 24, de 16 de fevereiro de 2006, afirma que é obrigatório fazerem parte dos conselhos os representantes de usuários, que congregam as pessoas destinatárias da Política de Assistência Social e organizações de usuários de assistência social. Porém, o conselho analisado não possui representantes do segmento dos usuários, já que a legislação municipal referente à composição do Conselho ainda se encontra desatualizada em relação à Resolução supracitada. Quanto à análise deliberativa ou consultiva, observou-se a pouca utilização do diálogo e um ínfimo poder de deliberação fracamente utilizado apenas nas Conferências Municipais de Assistência Social para a construção de algumas propostas de ações. Como exemplo da fragilidade desse diálogo, cita-se o repasse de verbas para organizações nãogovernamentais, o que, segundo algumas atas analisadas e observações realizadas mediante participação nas reuniões, evidenciam que as Resoluções a serem publicadas, com decisões teoricamente acordadas pelos conselheiros, chegam prontas, até mesmo já digitadas. O Conselho apenas é participado das decisões previamente tomada, não opinando de fato em nenhuma decisão; os conselheiros não fazem questionamentos, concordando com o que foi 10 estabelecido anteriormente em uma Resolução que será publicada como sendo objeto de sua deliberação, ficando muito clara a convergência da correlação de forças para o segmento governamental. A partir da obtenção desses dados, e por não serem raras as suas ocorrências, tem-se que, embora legalmente o conselho de assistência social tenha caráter deliberativo, no município estudado a prática lhe confere um caráter apenas consultivo. Essa atuação pró-forma do Conselho pesquisado demonstra uma ausência de reconhecimento por parte dos conselheiros do poder deliberativo do mesmo. Não se apropriando da dimensão de seu poder de atuação, torna-se institucionalizada uma ação cartorial de fiscalização de alguns serviços e ações socioassistenciais desenvolvidos por organizações não-governamentais e a apreciação e subsequente aprovação de orçamentos e gastos dos recursos do fundo municipal de assistência social. Nesse quesito, aponta-se o sucateamento da função deste conselho de monitorar e deliberar a alocação de recursos, uma vez que a utilização do sistema digital específico para exercício dessa prerrogativa, o qual tem área distinta para o órgão gestor da assistência social (secretaria) e o conselho gestor da política pública respectiva, tem sido naturalizada como atribuição compatível com mera rotina administrativa. Destarte, o controle social é apenas idealizado, não ocorrendo da forma como é definido na Resolução do Conselho Nacional de Assistência Social nº 237/2006 (BRASIL, 2006), segundo a qual esse controle consiste no exercício democrático, desde a elaboração até a implementação e monitoramento das ações da Política Pública de Assistência Social, com incidências sobre os instrumentos orçamentários afins, como Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual. Na prática, o controle social também tem sido associado à função cartorial para inscrição e renovação de certificados para as organizações de assistência social que precisam desses certificados para autorização de funcionamento e/ou recebimento de subvenções públicas. Essa situação fica evidenciada pelas exposições, durante as reuniões, de que os conselheiros realizam visitas institucionais, analisam documentações das organizações não-governamentais, a fim de fiscalizar os serviços e atividades desenvolvidas, para conceder o certificado respectivo. No entanto, os conselheiros não fiscalizam os serviços prestados pelo órgão gestor, somente as entidades não-governamentais e, mesmo estas, têm sua avaliação condicionada também pelo relacionamento estabelecido com o órgão gestor e o posicionamento deste no Conselho prevalecerá em detrimento de alguma divergência apontada por um conselheiro 11 representante do segmento não-governamental. Em relação à ausência de fiscalização dos serviços prestados pelo órgão gestor, quando questionados, os conselheiros afirmam que não há necessidade de fiscalizá-los porque já conhecem os serviços desenvolvidos pelo órgão gestor e por outras organizações governamentais. As funções atualmente desempenhadas pelo Conselho Municipal de Assistência Social do município analisado têm servido como sendo uma extensão da própria administração pública no desenvolvimento de questões meramente burocráticas. Sendo a existência do conselho e a comprovação de seu funcionamento exigências para recebimento de recursos das esferas estadual e federal, e considerando a função cartorial supracitada, há a confirmação da primeira hipótese levantada no início deste artigo, segundo a qual o conselho tem sido utilizado como apoio instrumental para defesa de interesses do governo, no caso o municipal, afirmação que encontra eco em Dagnino (2002 apud KRONENBERGER, 2012): Outro aspecto, diz respeito ao formato institucional dos conselhos que vá ao encontro das suas características democráticas, como: a paridade entre os segmentos participantes; a pluralidade dos seus membros; a participação com deliberação da sociedade civil nas ações públicas; o exercício do controle social pela população, dentre outros. Em muitos casos, verifica-se uma hostilidade em relação aos formatos institucionais mais igualitários de participação por parte dos representantes do Estado. Tal resistência pelos representantes do Estado demonstra a presença de traços autoritários, com práticas políticas conservadoras que presidiram historicamente a estrutura estatal brasileira. A consequência gerada é a caracterização dos conselhos como meras estruturas governamentais adicionais, ao contrário do esperado em tais instâncias, que se estabelecem como espaços públicos constituídos por sujeitos autônomos (DAGNINO, 2002 apud KRONEMBERGER et al, 2012, p. 08, grifos dos autores). Ainda como dificultador foi identificado o conflito entre os interesses individuais e coletivos dos membros definidos como conselheiros e a inércia da democracia participativa frente à democracia representativa. A questão da representatividade em relação à instituição que lhes indica (governamental ou não) carregam três problemas: 1) a tendência à defesa fragmentária dos interesses (defesa do interesse do grupo que governa; da organização não governamental em que trabalha ou da qual é voluntário, entre outros). Destaca-se que a dificuldade de financiamento por que passa a maioria das organizações não-governamentais faz com que seus representantes participem do conselho 12 de assistência social na tentativa de garantia de repasse de recursos e também não sintam autonomia em discordar da posição do governo, temendo represálias financeiras. 2) a supremacia da atuação pessoal do conselheiro em detrimento da atuação em nome do coletivo que lhe indicou. Cabe informar que o conselheiro, em geral, não é indicado por afinidade e/interesse com a área. Acaba sendo uma função rejeitada por muitos, sendo quase que uma imposição para quem assume a função. Destarte, não constitui hábito dos conselheiros reunirem-se com outras pessoas ligadas à organização (governamental ou não) para discussões que lhe embasem para atuar de fato como representante. Logicamente, há uma associação do representante com os ideais de sua organização, mas essa falta de diálogo subvaloriza a noção de participação. A conjuntura descrita anteriormente confirma a segunda hipótese levantada no início desta pesquisa, segundo a qual há a existência de baixa articulação entre os conselheiros e os segmentos que representam. 3) a crença de que sociedade organizada é necessariamente representada por instituições constituídas legalmente como pessoa jurídica, em geral sem fins econômicos. No que se refere à primeira faceta dessa problemática, tem-se estabelecida uma correlação de forças, em que, muitas vezes, há a tendência à defesa de interesses políticopartidários, seja pela ocorrência de fato ou ideológica de que a paridade entre governo e sociedade civil constitui um campo de oposição política. Por fim, o item 3 trata de algo que aprofunda ainda mais a subvalorização da participação: a associação do conceito de sociedade organizada somente às clássicas organizações não-governamentais. Esse entendimento exclui a presença de usuários dos serviços, pelo fato de que a naturalização dessa ideia faz com que não sejam promovidas ações educativas de conscientização popular e captação para participação em temas de interesse da coletividade. Quanto à autonomia, identificou-se que o Conselho não possui: autonomia financeira, infra-estrutura adequada e também recursos financeiros. Nessa perspectiva, quando se fala em autonomia dos conselhos municipais diz respeito a três questões: infraestrutura, recursos financeiros e autonomia administrativa. A infra-estrutura refere-se a espaços próprios para o funcionamento dos conselhos, a móveis e utensílios, material de consumo e expediente, atualmente, o conselho possui uma pequena sala cedida por uma ONG, no entanto, a sala não comporta a realização de reuniões, o espaço físico é muito 13 pequeno e a localização é de difícil acesso, desta maneira, as reuniões são realizadas na Secretaria Municipal de Assistência Social, sendo utilizados os utensílios e móveis da respectiva Secretaria. A autonomia financeira refere-se à existência de dotação orçamentária específica, com poder de ordenamento de despesas, para viabilizar a utilização de diversos serviços, utilização de meios de comunicação para divulgação de editais de reuniões do conselho, entre outros, contudo não há dotação orçamentária disponível para as ações do Conselho. A autonomia administrativa se concretiza através da alocação de funcionários e assessorias técnicas, preferentemente a partir de vagas específicas, ocupadas mediante concurso público. Neste aspecto, recentemente, o Conselho analisado tem uma estagiária cedida pela Secretaria de Assistência Social que realiza a organização de alguns documentos. Acredita-se que a peça-chave para a mudança na atuação do conselho seja a capacitação para atuação nos mesmos. Hodiernamente existem cursos de capacitação de conselheiros promovidos em sua grande maioria pelo Conselho Nacional de Assistência Social, o que constitui uma grande ferramenta para o treinamento em participação social, mas que, como comprovam as evidências deste estudo, não estão sendo suficientes para a preparação dos conselheiros para o exercício da participação da forma ampla como o inspira o potencial ainda não explorado. Esses cursos são esporádicos e suas versões concentradas muitas vezes tentam inserir em um espaço de tempo muito curto conceitos que carecem de noções históricas de sua construção e vivência, ainda que referencial. Assim, apesar de existirem cursos de capacitação, os mesmos não estão sendo quantitativa e qualitativamente suficientes para o fim a que se propõem. Nesse aspecto, pôde-se perceber que, conforme as observações nas reuniões presenciadas, mesmo após algum curso frequentado, não foi demonstrada mudança na atuação do conselheiro, porque os conselheiros escolhidos para realizarem os cursos são representantes do governo. Ademais, é fundamental que a participação nos conselhos deixe de ser direcionada a personagens de instituições previamente definidas, estendendo-se para um número maior de cidadãos, com ou sem atuação direta na execução da política pública de assistência social, para o que é necessária a adoção de estratégias incentivadoras dessa participação. A alternativa aqui sugerida tem potencial para, por meio do processo de educação política e da coexistência de vários sujeitos coletivos, promover uma transformação social que, pautada na democracia participativa, avance para a democracia deliberativa, em que 14 cidadãos dotados de empowerment vivam a experiência endógena do controle social, o qual, formando-se no nível micro possa referenciar outros padrões de processos decisórios. 5. Considerações Finais Os resultados da presente pesquisa demonstram uma frágil estrutura do Conselho Municipal de Assistência Social estudado no sentido de promover o controle social e articular a democracia deliberativa, não há a constatação da inefetividade dessa instância. Há que se considerar que essa concepção de democracia é relativamente nova, inaugurada legalmente, ainda que de maneira instrumental, pela Constituição Federal de 1988, não comportando ainda lapso temporal suficiente para uma análise conclusiva de seus prós e contras. Contudo, esse monitoramento do percurso já permite a identificação de desafios que não precisam aguardar uma estatística de fracasso para correções necessárias. É possível iniciar um processo de capacitação dos conselheiros no município; também é possível um processo de formação de conselheiros em potencial e de demais cidadãos aptos e motivados a participar das decisões inerentes à Política Pública de Assistência Social. A capacitação nessas duas vertentes pode construir a conjuntura necessária para um terceiro elemento muito importante: o reconhecimento, não apenas formalista, por parte do poder executivo dessa nova forma de governar. Os conselheiros de assistência social são agentes públicos com poder de decisão nos assuntos de interesse coletivo, como aprovação de planos, gastos com recurso públicos e fiscalização e acompanhamento da política pública. Segundo dados do IBGE, existem atualmente mais de 25 mil conselheiros no Brasil, mas sabe-se que o número total real é bem maior que este (LAVALLE, 2012). Desta maneira, com capacitações ter-se-á conscientização da sociedade, em especial dos cidadãos do município estudado sobre a importância de participar nos conselhos e a percepção desta esfera pública como espaço na luta por direitos e no processo de deliberação e de fiscalização das políticas junto ao Estado. Destarte, acredita-se que a democracia participativa carece de instrumentos de prática que lhe oficializem, o que não prescinde de uma transição que fortaleça e aprofunde o ainda incipiente caráter representativo do Conselho Municipal de Assistência Social estudado, já que para atingir o caráter deliberativo é necessário a priori da compreensão do 15 atual papel instituído para avançar, mantendo as capilaridades facilitadoras dos fluxos decisórios e construindo novos processos, rumo à efetividade de uma instância de controle social. Em suma, o conselho apresenta limites, desafios e necessárias mudanças. A concretização dessas mudanças depende da maneira como o Estado e a sociedade civil brasileira se articulam para determinar seus papeis e espaços. Por outro lado, há a necessidade de alterar as históricas restrições impostas pela lógica de funcionamento da máquina estatal e a tendência à cultura política autoritária e patrimonialista. AUTORES CITADOS NAS REFERÊNCIAS ALLEBRANDT (2003), AZEVEDO (2010), BECKER (2004), BEHRING; BOSCHETTI (2009), BRASIL (2004, 2005, 2006, 2011), KRONEMBERGER, et al (2012), LAVALLE (2012), LOPES (2006); LÜCHMANN (2007), NASCIMENTO (2012), PAIVA (2006), PEREIRA (2006), RAICHELIS (2007), SANTOS (2010), SEDESE (2006), YASBEK (2005). 16 REFERÊNCIAS ALLEBRANDT, S. L. Conselhos Municipais: potencialidades e limites para a efetividade e eficácia de um espaço público para a construção da cidadania interativa. In: Encontro Nacional dos programas de Pós-graduação em Administração, 27. 2003, Atibaia. AZEVEDO. D. A. de. Movimentos sociais, sociedade civil e transformação social no Brasil. Saber Acadêmico - n º 09 - Jun. 2010/ ISSN 1980-5950. BECKER, D. et al. Empowerment e avaliação participativa em um programa de desenvolvimento local e promoção da saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 9(3): 655-667 2004. BEHRING, E. R.; BOSCHETTI, I. Política social: fundamentos e história. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009. BRASIL. Câmara dos Deputados. Constituições brasileiras. Brasília, 2005. BRASIL. MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Guia do Centro de Referência Especializada de Assistência Social - CREAS. Brasília, 2005. __________. Diretrizes para a estruturação, reformulação e funcionamento dos Conselhos de Assistência Social. Aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução n o 237. Brasília, 14 de dez. de 2006. __________. Norma Operacional Básica - NOB. Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução n. 130. Brasília, 15 jul 2005. __________. Política Nacional de Assistência Social - PNAS. Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução n. 145, 15 out. 2004 e publicada no Diário Oficial da União em 28 out 2004. __________. Regimento Interno do Conselho Nacional de Assistência Social. Aprovado pelo Conselho Nacional de Assistência Social por intermédio da Resolução nº 6, de 9 de fevereiro de 2011. KRONEMBERGER, T. S.; TENÓRIO, F.G.; DIAS, A. F.; BARROS, A. C. R. Os conselhos municipais de políticas públicas sob o olhar da comunidade: uma experiência de extensão universitária. ENAPEGS – IV Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. São Paulo, 2012. LAVALLE, A.G. Na prática da democracia “pós-participativa”. Entrevista concedida ao jornal Le Monde Diplomatique. Jul. 2012. LOPES, M. H. C. O tempo do SUAS. Serviço Social & Sociedade, ano XXVII- n. 87. São Paulo: Cortez, Setembro 2006 LÜCHMANN, L. H. H. A representação no interior das experiências de participação. Lua Nova, São Paulo, p. 139-170, 2007. 17 NASCIMENTO, L. S. do. Participação popular no Brasil: um conceito em construção. Disponível em: <http://www.uv.es/asabranca/encontre/nascimento.pdf> Acesso em 02 nov. 2012. PAIVA, B. A. de. O SUAS e os direitos sócio-assistenciais. A universalização da seguridade social em debate. Serviço Social & Sociedade. Ano XXVII, n.87. São Paulo: Cortez, Set. 2006. RAICHELIS, R. Esfera pública e conselhos de assistência social: caminhos da construção democrática. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007. SANTOS, B. S. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2010. SECRETARIA ESTADUAL DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ESPORTES - SEDESE. Caderno de Assistência Social: trabalhador. Belo Horizonte: NUTASS/UFMG, 2006. PEREIRA, C. P. A pobreza, suas causas e interpretações: destaque ao caso brasileiro. n. 18. Ser Social, Brasília, jan./jun. 2006. YASBEK, M. Carmelita. Estado e Políticas Sociais. Revista Praia Vermelha. 18. ed. UFRJ. Rio de Janeiro, segundo semestre 2005. i Bacharel em Serviço Social. Especialista em Gestão de Políticas Públicas e Serviços Sociais. Discente do Programa de Mestrado Gestão Pública e Sociedade da Universidade Federal de Alfenas – Campus Varginha/MG. E-mail: [email protected] ii Doutor pelo Programa de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA). É professor do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas (Campus Varginha). E-mail: [email protected] iii Bacharel em Serviço Social pelo Centro Universitário do Sul de Minas/UNIS MG (2009). Especialista em Gestão Pública de Organizações de Saúde pela Universidade Federal de Juiz de Fora/UFJF (2012). Discente (2012-2014) do Programa de Mestrado Gestão Pública e Sociedade da Universidade Federal de Alfenas – Campus Varginha/MG. E-mail: [email protected] iv Correlação de forças é aqui utilizada como sendo o modo como os vários agentes (indivíduos, instituições etc.) interagem em função de seus interesses e de seu poder em determinada sociedade, ou setor da sociedade, e que configura uma situação a ser levada em conta nas respectivas atuações e planos desses agentes. (fonte:< http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbete&palavra=correla%E7%E3o#ixzz 2Hb34eItP> Acesso em 15 nov. 2012). v Nos termos de Vasconcelos (2004), empowerment significa o aumento do poder e da autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social. Ainda segundo o autor, trata-se de um termo multifacetado, que contou com a contribuição essencial de Paulo Freire para sua formulação original. Um dos aspectos fundamentais do empowerment diz respeito às possibilidades de que a ação local fomente a formação de alianças políticas capazes de ampliar o debate da opressão no sentido de contextualizá-la e favorecer a sua compreensão como fenômeno histórico, estrutural e político (BECKER et al, 2004, p. 657). vi O conceito de sociedade civil, ganha destaque na concepção habermasiana (HABERMAS, 1997; COHEN; ARATO, 1992 apud LÜCHMANN, 2007, p. 147) caracterizada, neste modelo teórico, por um conjunto de sujeitos coletivos que tematizam novas questões e problemas, que clamam por justiça social e que organizam e representam os interesses dos que são excluídos dos debates e deliberações políticas. Com efeito, construindo e ampliando a esfera pública, a sociedade civil passa a articular-se, ou a constituir-se em um núcleo central do conceito de democracia deliberativa. O autor Santos (2010) enfatiza que a concepção de sociedade civil é conceito complexo, sendo possível distinguir três lógicas: a primeira remete a concepção liberal clássica da sociedade civil (enquanto pluralidade atomística de interesses econômicos privados) e domina hoje com discurso político conservador (...). A segunda subjaz aos movimentos sociais (...); e a terceira: sociedade civil socialista (...) (SANTOS, 2010, p. 123). 18 vii Políticas públicas são as decisões de um governo em diversas áreas que influenciam a vida de um conjunto de cidadãos, voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso público que visa dar conta de uma determinada demanda. viii A assistência social é definida como política pública, direito do cidadão e dever do Estado, a partir dos artigos 203 e 204 da Constituição Federal de 1988, que são regulamentados em 1993 com a promulgação da Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS. Em seu artigo 16, a LOAS determina a criação dos conselhos de assistência social, instâncias deliberativas, que devem funcionar dentro de um sistema descentralizado e participativo, de caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil. ix Os Conselhos nas três esferas (Municipal, Estadual e Nacional) têm como atribuição convocar ordinariamente a cada 4 (quatro) anos, ou extraordinariamente, a Conferência de Assistência Social, com objetivo de avaliar, conferir a situação das Políticas Públicas de Assistência Social e propor diretrizes para o aperfeiçoamento do sistema. Desde sua criação, os Conselhos vem realizando as Conferências Municipais, em seguida Estaduais e posteriormente a Nacional (BRASIL, 2011). x Política Nacional de Assistência Social - Resolução nº 145 do Conselho Nacional de Assistência Social, publicada no Diário Oficial, de 28 de outubro de 2004. xi NOB/SUAS- Norma Operacional básica do Sistema Único de Assistência Social é um modelo de gestão descentralizado e participativo e constitui-se na regulação, em todo o território nacional, “da hierarquia, dos vínculos e das responsabilidades do sistema cidadão de serviços, benefícios e ações de assistência social de caráter permanente ou eventual, executados e providos por pessoas jurídicas de direito público sob critério universal e lógica de ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil” (BRASIL, 2004 apud PEREIRA, 2005, p. 03). xii “Os serviços de proteção básica devem ser garantidos para todas as famílias e indivíduos de um determinado território. Nesse caso, ele se dirige a todos de determinado território, com o objetivo de prevenir situações de risco e fortalecer vínculos familiares e comunitários, bem como apoio a indivíduos. Esses serviços têm como objetivo maior, portanto, a prevenção, entendendo que a maior e mais bem-sucedida estratégia de superação da exposição a situações de risco é garantir a convivência familiar e comunitária, com o fortalecimento dos processos de socialização primária, de expansão das possibilidades de autonomia e do protagonismo como cidadãos – com os registros mais fundamentais em termos de identidade – as condições de gênero, étnicas, dos ciclos de vida desde a infância até a velhice, da condição física e mental. Quanto aos serviços compostos de base local, corresponderiam todos os serviços de convivência, socialização, atendimento e orientação para as famílias” (LOPES, 2006, p.87). xiii “Os serviços de proteção social especial considera os desdobramentos dos serviços de orientação sociofamiliar, dedicados ao atendimento a indivíduos e às famílias também, para provimento de benefícios, serviços, programas e projetos, mas com um grau de complexidade muito maior. Trata-se, por exemplo, do atendimento psicossocial para as famílias, com os serviços de retaguarda para os indivíduos mais vulneráveis (LOPES, 2006, p. 88).