DESEMPREGO E MARGINALIDADE: O PAPEL DO EXCLUÍDO NAS

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DESEMPREGO E MARGINALIDADE:
O PAPEL DO EXCLUÍDO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO
Marcus Kempes Macedo de Moura
RESUMO
Este artigo tem por objetivo discutir de que maneira o conceito de excluído pode estar
atrelado às questões do desemprego e da marginalidade, problematizando o papel das políticas
públicas de educação. Inicialmente, tecemos uma análise sobre a condição de excluído nas
sociedades contemporâneas, mobilizando dados sobre o desemprego e a violência. Em
seguida, discutimos o papel das políticas públicas de educação e suas possibilidades de
inclusão.
Palavras-chave: processos de exclusão, desemprego, violências, políticas públicas.
ABSTRACT
This paper proposes to discuss how the notion of excluded people can be interconnected to
the questions of the unemployment and delinquency, problematizing the role of the
educational public politics. Initially we developed an analysis about the condition of having
excluded in the contemporary societies, mobilizing data on the unemployment and the
violence. Soon afterwards, we discussed the role of the educational public politics and their
inclusion possibilities.
Key-words: exclusion processes, unemployment, violency, polices politics.
1. EXCLUSÃO: UMA NOÇÃO CONTROVERSA
O uso indiscriminado do termo exclusão tem causado dificuldades para os
pesquisadores das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, em particular. A
generalização da temática tem fragilizado a utilização dessa noção, dificultando sua
compreensão analítica. Martins (1997) e Nascimento (1997) apontam um processo de
fetichização do termo, entendendo por fetichização a extensão indiscriminada da noção a um
conjunto de categorias sociais (pobres, negros, índios, mulheres, deficientes, homossexuais,
jovens, etc.). Essa ampliação extensiva estaria contribuindo, na ótica desses autores, para uma
banalização do termo nas ciências sociais.
2
Nessa mesma direção, Ferreira (1999) em seu artigo As armadilhas da exclusão: um
desafio para a análise reitera a pluralidade de sentidos atribuídos à noção de exclusão.
Enquanto para alguns analistas, a noção permite apreender os fenômenos materializados na
degradação e na precarização das condições de vida de uma parcela da população. Para
outros, excluídos são aqueles que “sobram”, ou seja, todos aqueles sujeitos em situação de
vulnerabilidade gerada pelas desigualdades estruturais que atravessam uma determinada
formação social. Há ainda quem localize a exclusão como uma condição dos chamados
“inempregáveis” i, o que incluiria todos os que se encontram alijados das políticas sociais e
econômicas.
Há também quem apreende a exclusão como espécie de arte de governar. Nesse caso,
a exclusão seria uma dinâmica inerente aos processos de administração dos conflitos de classe
na sociedade capitalista (Toledo in Oliveira, 2004). O excluído, nesse caso, encontra-se
incluso nas malhas de dominação econômica instituída pelas relações de poder na sociedade,
emergindo como “produto” vinculado à lógica de reprodução do capital ii. Partilhamos,
portanto, da compreensão de Peregrino (1999) de que quando um termo é
aplicado a tal variedade de situações e usos, descrevendo tanto processos
quanto sujeitos, tanto estados quanto situações, tanto contingências quanto
estruturas históricas, um termo utilizado como categoria sociológica ou
como denúncia de situações vividas, como manchete de jornal ou como
justificativa para a configuração de políticas públicas (tanto à esquerda
quanto à direita), um termo que abarca tão variado arco de situações e de
possibilidades, corre o risco de não definir coisa alguma. (1999, p.02).
No Brasil, como lembra Leal (2004), a idéia da exclusão social ganha força na década
de 1990, dialogando com outras noções, como a de marginalidade e underclass. No entanto,
antes de se difundir no Brasil, a noção de exclusão social formou-se e ganhou notoriedade,
sobretudo, na tradição sociológica francesa. O marco inicial do uso da expressão é
comumente atribuído a René Lenoir, no livro Os excluídos: um francês sobre dez. Ainda
segundo Leal, a novidade da obra estaria no fato de apontar a exclusão não como um
fenômeno residual, mas como um problema estrutural. Desse modo, René Lenoir contribuiu
para difundir um dos significados mais comuns do termo exclusão, ou seja, exclusão como
inadaptação social ou como integração precária.
O tratamento da questão sofre um deslocamento na década de 1970 com o
agravamento do desemprego nos países centrais. Nesse momento, ganha destaque a noção de
uma “nova pobreza”, que atinge setores anteriormente adaptados, mas que se tornam vítimas
de uma conjuntura recessiva. Mas é com o acirramento da crise de regulamentação do capital,
3
na década de 1990, que a noção de exclusão torna-se socialmente problematizada, para usar
uma expressão de Azevedo (1997). Nesse momento, diz Leal (2004), a noção adquire
densidade e centralidade nas análises das políticas públicas, substituindo a noção
predominante: marginalidade.
Kowarick (1977), depois de fazer um balanço das teorias da marginalidade, mostra
que a noção diz respeito aos vários fenômenos que significam uma forma de exclusão dos
benefícios possíveis nas sociedades urbano-industriais, afetando a qualidade da moradia, os
serviços de saúde, o acesso à educação. A marginalidade é definida em negativo, ou seja,
como carência em relação à inserção no mercado de trabalho e à proteção social. Esta forma
de enfocar o problema não desaparece na década de 1990, mas perde centralidade em relação
à expressão exclusão social.
Assim, os primeiros usos da exclusão como noção são atribuídos por Nascimento
(1994) a Hélio Jaguaribe, em livro da segunda metade década de 80 (Brasil: reforma ou
caos). Nesse livro, exclusão social identifica-se com pobreza. Entretanto, a noção é
rapidamente incorporada e ressignificada pelas ciências sociais. Segundo Leal (2004), é
possível agrupar três grandes conjuntos de significados relativos ao uso dessa noção: a)
ruptura de laços sociais, associada ou não à negação de certas parcelas da população como
semelhantes àquelas “incluídas”; b) inserção precária no mundo do trabalho e/ou do consumo;
c) não realização da cidadania.
O primeiro grupo sugere uma abordagem que aponta para uma crise nos fundamentos
da própria sociedade. Comumente, acusado de postular uma visão integracionista por realçar
os aspectos relativos à coesão social, os trabalhos nessa direção partem da situação atual de
anomia difusa (Zaluar, 1997). Trata-se, portanto, de por em análise as disfunções da sociedade
industrial e a falência dos mecanismos de solidariedade. Esta questão se traduz pela
inadaptação dos antigos métodos de gestão social explicitada, por exemplo, na crise do Estado
Providência. Um autor paradigmático, nesse grupo, é R. Castel (1998). Para esse pesquisador,
a exclusão social reflete os efeitos do enfraquecimento da condição salarial, o que significa
que na atualidade é a própria centralidade do trabalho que é colocada em xeque.
O segundo grupo aparece, em grande medida, como uma reação ao primeiro. Os
autores vinculados a esta abordagem não pensam a exclusão social como sintoma ou elemento
de crise de um dado tipo de sociedade, mas como decorrência do funcionamento desta
organização social. Eles compartilham a ideia de que a exclusão é parte de um processo de
contradição, uma vez que ela nega a inclusão, ao mesmo tempo em que faz parte dela.
4
Em síntese, a exclusão é um processo complexo e multifacetado, uma
configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É
processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte
constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é um processo que envolve
o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única
forma e nem é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que
perturba a ordem social, ao contrário, ela é produto do funcionamento do
sistema (SAWAIA, 2001, p. 09).
Nesse caso, a questão não diz respeito a uma ruptura dos laços sociais, nem de anomia.
Pois, a dinâmica de exclusão é inerente ao funcionamento da sociedade. Dessa forma, a
exclusão é apreendida como uma consequência das contradições atuais da acumulação
capitalista, sintetizadas no fenômeno da globalização econômica excludente, estando
associada à exclusão das riquezas e da participação política. O ponto nodal dos processos de
exclusão adviria do desemprego e da ausência de proteção social, desencadeadores das novas
formas de desigualdade social iii. Nessa perspectiva, a ênfase recai sobre a funcionalidade do
fenômeno da exclusão.
Por fim, o terceiro grupo aborda a exclusão numa perspectiva relativa à cidadania,
podendo estar às duas abordagens anteriores, mediante sínteses pluralistas do fenômeno. O
foco, entretanto, é a compreensão da exclusão social como não-cidadania.
Isso significa que a exclusão é abordada do ponto de vista dos direitos. Um tipo de
análise que remonta à formulação clássica de T.H. Marshall, cuja concepção de cidadania
compreende os direitos que asseguram aos indivíduos a garantia de um mínimo de
participação na vida social e nos recursos, materiais ou não, criados pela sociedade. Para
Sposati (2003), as novas formas de exclusão dizem respeito à forma de distribuição de
acessos aos bens (materiais, culturais, oportunidades de trabalho e participação política).
Do ponto de vista mais estrito, desse trabalho, interessa ressaltar que os diferentes
significados da noção de exclusão pressupõem uma determinada maneira de entender a
sociedade e consequentemente o papel do Estado e suas políticas nas possíveis soluções para
o problema. Assim, dentre outros elementos desse debate, salta aos olhos do pesquisador que
pretende lidar com o fenômeno da exclusão o fato da própria lógica de exclusão apontar para
os processos de inclusão social. Segundo Martins (1997), “a sociedade capitalista desenraíza,
exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria
lógica” (p. 32). Haveria, portanto, uma relação entre a dinâmica de reprodução do capital,
ancorada em uma lógica excludente, e o Estado pensado como ator responsável por mover
processo de inclusão, mediante políticas específicas. Logo, os excluídos que ameaçam a
ordem social também fazem parte do sistema. Na mesma direção, Martins sustenta a tese de
5
que não existe exclusão, mas contradição, pois “no interior do que parece forte e dominante”
cria-se “o nicho de ação eficaz dos frágeis” (p.14) e as reações fazem parte do sistema
econômico e de poder, mesmo que os negue.
Dessa ótica, há de se perceber a complexidade e a multidimensionalidade dos
processos de exclusão, até porque, na atualidade, a exclusão não advém apenas da esfera
econômica. Além dos inúmeros casos de exclusão advindos das questões de classe, emergem
também as exclusões derivadas da etnia, do gênero, da orientação sexual, da limitação física,
etc. Nesse cenário, extremamente instável e incerto, convive-se com duas grandes vertentes
no tratamento da exclusão. A primeira trata dos indivíduos e grupos no contexto do
desemprego estrutural. A segunda trata dos chamados marginalizados. A principal diferença é
que, esses últimos, além de excluídos carregam o estigma da periculosidade. São excluídos na
medida em que representam uma ameaça, produzindo medo e insegurança, tornando-se
passíveis de eliminação. Obviamente que essa categorização não é estanque, sendo possível
traçar linhas de aproximação entre os excluídos econômicos e os excluídos sociais, uma vez
que ambos são apontados como causa das múltiplas violências que atingem nossa
configuração societária. Nesse aspecto, focalizaremos a questão do desemprego como um dos
sustentáculos dos processos de exclusão e violência.
2. DESEMPREGO E VIOLÊNCIA
Partindo do princípio de uma perspectiva que não naturaliza a condição de excluído,
mas apreende a exclusão no âmbito de uma sociedade desigual, injusta e normativa,
problematizamos nesse momento o modo como o desemprego ao ser fixado como uma
identidade normativa contribui para associar à figura do desempregado o papel de
desestabilização da normalidade funcional da sociedade. Nesse sentido, o desemprego é mais
do que falta de trabalho, mas condição de assujeitamento social, a partir da qual o Estado
direciona sua ação (NAGEL, 2000, p. 02).
Dessa perspectiva, a preocupação governamental com o desemprego é ordenada em
função das consequências que dele podem ser geradas, como a violência nas suas diferentes
configurações – assaltos, furtos, sequestros, aliciamentos, etc. Refletimos então como “o malestar na civilização capitalista no fim do século XX”iv, e que persiste nesse início do século
XXI, que é causado pela precarização do trabalho, pode ser maximizado quando não resta ao
ser humano qualquer ocupação da qual possa tirar o seu sustento, ou seja, no sentido profundo
6
do desemprego. Vale ressaltar, portanto, alguns Indicadores de Distribuição da População
Ocupada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de modo a esclarecer quem
compreende a parcela dos então empregados de acordo com algumas características: sexo,
faixa etária, anos de estudo e horas habitualmente trabalhadas por semana.
População
ocupada (%)
Total das
6 áreas
Recife
Belo
Horizonte
Salvador
Rio de
Janeiro
São Paulo
Porto Alegre
SEXO:
Masculino
55,2
56,4
54,1
54,1
55,9
55,2
55,1
Feminino
44,8
43,6
45,9
45,9
44,1
44,8
44,9
FAIXA ETÁRIA:
10 a 14 anos
0,2
0,1
0,3
0,3
0,2
0,2
0,2
15 a 17 anos
1,4
0,5
0,9
1,9
0,9
1,7
1,9
18 a 24 anos
14,8
13,9
14,0
16,9
12,0
16,0
15,4
25 a 49 anos
63,1
66,4
66,7
61,5
62,4
62,6
63,3
50 anos ou
mais
20,5
19,1
18,0
19,4
24,4
19,6
19,2
ANOS DE ESTUDO:
Sem instrução
ou < 1 ano
1,6
2,3
2,5
1,5
1,6
1,5
1,1
1 a 3 anos
4,0
4,0
4,8
3,7
4,4
3,7
4,0
4 a 7 anos
19,3
19,9
17,6
22,6
18,3
18,6
21,8
8 a 10 anos
17,3
17,0
16,6
17,9
18,2
16,2
20,2
11 anos ou
mais
57,7
56,3
58,4
54,1
57,4
59,9
52,8
HORAS HABITUALMENTE TRABALHADAS POR SEMANA
Até 39 horas
17,6
20,5
23,4
20,1
17,4
15,7
16,3
40 a 44 horas
52,0
48,0
47,7
55,5
48,3
52,8
61,0
45 horas ou
30,5
31,5
28,9
24,3
34,2
31,6
22,7
mais
FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego
Dentre outros elementos, destacamos o número de ocupados com o número da
população em idade ativa conforme se segue:
Foi estimado, com base na Pesquisa Mensal de Emprego do mês de maio de
2009, um contingente de aproximadamente 40,7 milhões de pessoas em
idade ativa no conjunto das seis regiões metropolitanas (Recife, Salvador,
Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre)v abrangidas pela
pesquisa (IBGE, 2009, p. 07).
Vejamos também o índice dos ocupados nessa mesma pesquisa: “O contingente de
ocupados, estimado em 21,0 milhões em maio de 2009 no agregado das seis Regiões
7
Metropolitanas, não apresentou variação em comparação com o mês de abril. Em relação a
maio de 2008, o quadro foi idêntico”. (id. p. 09).
A proporção entre as pessoas ocupadas (21 milhões) em relação à população em idade
ativa (40,7 milhões) é de apenas 57,7%, ou seja, 42,3% da população em idade ativa estão
sobrevivendo através de biscates, subemprego ou estão simplesmente engrossando o caldo do
desemprego estrutural. É possível perceber também que a população masculina ocupa maior
parte das vagas de trabalho (55,2); quando observamos as faixas etárias percebemos como a
população mais jovem tem dificuldade de ter uma ocupação, entre 15 e 24 anos (juventude) a
média da população que tem ocupação é de 16,2 %, justamente a parcela da população que
tem sido alvo de investigação por sua peculiaridade quando enquadrada em situação de risco.
Antecipamos que quando formos analisar os dados de violência, perceberemos a alta
incidência de óbitos por causas violentas na juventude.
Muito embora questionada e desacreditada, constatamos que a escola representa um
ponto positivo no provimento da ocupação: 57,7 % da população tem 11 anos ou mais de
escolarização. Isso aponta uma melhoria no acesso à escola (não estamos desta maneira
aprovando o modelo escolar vigente, pois não entraremos no mérito da discussão), o que pode
ter implicações positivas na luta pelo emprego na atual configuração social-histórica.
Por fim, os dados apresentam o tempo de ocupação por semana que os que então
empregados têm que cumprir na jornada semanal. Constatamos que a maioria da população
enquadra-se na média entre 40 e 44 horas semanais, aproximadamente 8,5 horas de trabalho
por dia.
Os prognósticos por Região, em todos os fatores destacados, têm relativa
aproximação, o que nos possibilita entender que, grosso modo, trata-se de uma realidade
nacional com pequenas variações. Face ao exposto, trazemos outra tabela que enfatiza o
número de óbito violentos ocorridos no país entre os anos de 1990 e 2007vi na população de
15 a 24 anos do sexo masculino.
8
Tabela 2 - Proporção média de registros de óbitos violentos no total de óbitos, no grupo de 15 a 24 anos, por grandes Regiões e
sexo - 1990/2007
Proporção média de registro de óbitos violentos no total de óbitos, grupo de idade 15 a 24 anos (%)
Ano
Grandes Regiões
Brasil
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Homens
1990
60,6
45,4
52,9
64,1
63,6
62,0
1991
60,4
48,3
52,9
63,7
63,6
61,1
1992
60,6
50,4
53,4
63,6
63,6
61,3
1993
60,8
52,5
53,7
63,5
64,4
61,9
1994
61,7
54,1
55,0
64,0
65,7
64,1
1995
62,8
56,2
56,1
64,9
66,9
65,6
1996
63,7
57,7
58,3
68,4
67,3
67,4
1997
65,7
59,2
59,6
71,8
66,5
68,2
1998
67,8
59,2
60,4
75,5
65,9
69,2
1999
69,5
57,8
58,7
76,7
66,5
68,5
2000
70,1
56,0
57,5
78,3
68,2
68,9
2002
70,2
55,7
57,1
78,7
69,0
68,9
2003
69,9
53,8
57,5
78,5
69,8
69,8
2004
69,3
51,8
57,6
77,8
70,5
70,4
2005
68,2
52,2
57,5
76,4
70,9
69,7
2006
68,0
54,2
58,8
75,5
70,9
69,2
2007
67,7
56,6
59,5
74,5
70,2
Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estatísticas do Registro Civil
67,8
1990/2007.vii
Esses dados são, na verdade, um recorte da pesquisa realizada também pelo IBGE, a
partir do qual é possível verificar que
no país como um todo, em 1990, cerca de 60% dos óbitos masculinos
ocorridos nessa faixa etária de 15 e 24 anos estavam relacionados às causas
violentas. Esse valor sobe sistematicamente ao longo de toda década passada
e início da atual, chegando em 2002 a atingir uma proporção de 70,2%, ou
seja, um incremento de 16%, declinando para 67,7% em 2007 (o que não
deixa de ser um resultado alarmante) ³. Este é um fenômeno que ocorre em
praticamente todas as regiões brasileiras, à exceção do Norte e Nordeste,
onde a tendência continua sendo de crescimento, e apresentando-se estável
no Sul. (2007, p. 27).
Os dados tornam inteligível o porquê do direcionamento das atenções recentes das
políticas públicas para a problemática da enorme violência no país. Por essa razão,
acreditamos ser pertinente o desenvolvimento de pesquisas que abordem a relação
desemprego-violência, sobretudo quando se trata da população juvenil que tem encontrado
maior dificuldade de se inserir no mercado de trabalho e que, sugestivamente, também está
associada às mortes em situações de violência.
9
3. POLÍTICAS PÚBLICAS EM UM CENÁRIO DE DESEMPREGO E VIOLÊNCIA
As políticas públicas emergem como uma alternativa encontrada pelo Estado para
conter as turbulências que atravessam a sociedade. Todavia, na perspectiva aqui adotada, não
podem ser apreendidas como simples instrumentos de apassivamento dos sujeitos, uma que as
políticas também exercem um papel importante na formação de subjetividades rebeldes, para
usar uma expressão de Boaventura de Souza Santos (ver OLIVEIRA, 2006). Obviamente, as
políticas públicas não são respostas automáticas aos processos de exclusão, não obstante
também podem se configurar como estratégias de ampliação dos espaços e experiências
emancipatórias.
Mas para que isso possa se efetivar na prática há que se ter uma percepção dos
processos de exclusão que não tome a figura do excluído desde uma ótica naturalizada. O
pobre, o desempregado, o marginalizado, o favelado, enfim, o excluído não pode ser
percebido como um “dado natural” dos nossos sistemas societários. Esta reflexão deve estar
bastante clara quando discutimos pobreza, desemprego, violências, exclusão e políticas
públicas. A exclusão não é natural e a sociedade precisa desnaturalizar a sua existência. No
cerne dessa discussão está, portanto, a importância de verificar em que medidas as políticas
públicas, em geral, e as políticas educacionais, em particular, podem se apresentar como
possibilidades reais de inclusão.
As políticas públicas emergem como uma alternativa encontrada pelo Estado e
sociedade para conter as agressivas turbulências que desestabilizam o convívio social, todavia
estas não podem ser meros instrumentos de apassivamento de sujeitos assujeitados, elas
precisam exercer a formação da subjetividade nesse processo de inclusão.
Há de ser crível que a formação dos excluídos é, sobretudo, um movimento que
emerge das relações na sociedade, para tanto é urgente que nossos esforços sejam envidados
sobre os sistemas de exclusão com toda a clareza de que eles existem, e não na figura do
excluído como se esta condição passasse a ser naturalizada. O pobre, o desempregado, o
marginalizado, o favelado, enfim, o excluído não pode ser percebido como “natural”, todos
são sim protótipos da expurgação capitalista da grande massa de inservíveis ao sistema. Esta
reflexão deve estar bastante clara quando discutimos pobreza, desemprego, violências,
exclusão e políticas públicas. A exclusão não é natural e a sociedade precisa desnaturalizar a
sua existência.
Em última análise haveria que se questionar em que medida a problemática da
10
exclusão pode ser equalizada pelo Estado. Uma resposta positiva a essa questão passaria, em
nosso modo de ver, pela construção de políticas capazes de confrontar os estereótipos e
estigmas que aprisionam os chamados excluídos dessas mesmas políticas. Em outras palavras,
as políticas públicas configuram-se como estratégias de democratização na medida em que
não contribuem para culpabilizar aqueles atores individuais e coletivos que já se encontram
desafiliados (CASTEL, 1998) da esfera pública.
Nesse caso, há que se problematizar as próprias imagens que são postas para circular
no processo de implantação das políticas públicas, tematizando-se, do ponto de vista político,
as representações que tornam determinados segmentos da população alvos da ação estatal.
Com isso, estamos afirmando que a forma como os sujeitos em situação de desemprego são
abordados, desde uma perspectiva política, pode contribuir tanto para acirrar o processo de
assujeitamento quanto para desencadear dinâmicas de resistência na qual os atores se
percebam, eles mesmos como sujeitos da política e não como se costuma denominar
“públicos alvo”. Isso significa dizer que o modo como se processa a inclusão na/da política de
determinados segmentos sociais pode se constituir como uma dinâmica legitimadora da
violência material e simbólica. Mais uma vez, insistimos que não temos a pretensão de
abordar as políticas públicas como uma panaceia, mas tão somente enfatizar o seu papel na
desnaturalização da exclusão social.
Como pontua Ferreira (2002), “Vivemos hoje uma época em que as incertezas do
cotidiano, aliadas a nossa aparente incapacidade de antevermos o futuro, mergulha-nos em
uma espécie de 'presente contínuo', em que a desesperança parece a mais fiel aliada da
dificuldade de antevermos utopias”. Em contextos como esse cabe interrogar o modo como a
articulação de nossos saberes, poderes e subjetividades engendram ou desconstroem relações
sociais, políticas e econômicas.
Cardoso para definir os “excluídos pela globalização” citada em Ferreira
Mais recentemente, a noção passou a ser considerada uma questão cultural, o que, na perspectiva de Martins
(1997), contribui ainda mais para tornar o termo “vago e indefinido” (p. 21).
III Nesse aspecto, as teorias da exclusão social aproximam-se das teorias sobre a marginalidade, das décadas de
60 e 70, para designar uma parcela da população que não se integrava aos setores modernos da economia ou se
integrava de maneira subordinada ao sistema capitalista (cf. Leal, 2004: 09).
IV Vide Paul Singer, Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas, 2003.
V Grifo nosso para esclarecer as Regiões pesquisadas
VI Não existem dados referentes ao ano de 2001 no IBGE.
VII Nos detemos aos dados que se referem a população masculina, por apresentarem índices bem mais altos que
os das mulheres na mesma faixa etária.
I
II
REFERÊNCIAS
11
CASTEL, Roberto. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis:
Vozes, 1998.
FERREIRA, Mônica Dias Peregrino. As armadilhas da exclusão: um desafio para análise.
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Pós-graduação e Pesquisa em Educação, ANPED, realizado em Caxambu - MG - Brasil,
2002. <http://www.anped.org.br/reunioes/25/monicaperegrinoferreira06.rtf>.
IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatística do Registro Civil, v. 34,
2007.
______________. Pesquisa Mensal de Emprego, Maio 2009.
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Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu - MG – Brasil, de 20-24 de Setembro de 2004.
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/site_evento. Acesso em 14/07/2009>.
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