DESEMPREGO E MARGINALIDADE: O PAPEL DO EXCLUÍDO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO Marcus Kempes Macedo de Moura RESUMO Este artigo tem por objetivo discutir de que maneira o conceito de excluído pode estar atrelado às questões do desemprego e da marginalidade, problematizando o papel das políticas públicas de educação. Inicialmente, tecemos uma análise sobre a condição de excluído nas sociedades contemporâneas, mobilizando dados sobre o desemprego e a violência. Em seguida, discutimos o papel das políticas públicas de educação e suas possibilidades de inclusão. Palavras-chave: processos de exclusão, desemprego, violências, políticas públicas. ABSTRACT This paper proposes to discuss how the notion of excluded people can be interconnected to the questions of the unemployment and delinquency, problematizing the role of the educational public politics. Initially we developed an analysis about the condition of having excluded in the contemporary societies, mobilizing data on the unemployment and the violence. Soon afterwards, we discussed the role of the educational public politics and their inclusion possibilities. Key-words: exclusion processes, unemployment, violency, polices politics. 1. EXCLUSÃO: UMA NOÇÃO CONTROVERSA O uso indiscriminado do termo exclusão tem causado dificuldades para os pesquisadores das políticas públicas, em geral, e das políticas educacionais, em particular. A generalização da temática tem fragilizado a utilização dessa noção, dificultando sua compreensão analítica. Martins (1997) e Nascimento (1997) apontam um processo de fetichização do termo, entendendo por fetichização a extensão indiscriminada da noção a um conjunto de categorias sociais (pobres, negros, índios, mulheres, deficientes, homossexuais, jovens, etc.). Essa ampliação extensiva estaria contribuindo, na ótica desses autores, para uma banalização do termo nas ciências sociais. 2 Nessa mesma direção, Ferreira (1999) em seu artigo As armadilhas da exclusão: um desafio para a análise reitera a pluralidade de sentidos atribuídos à noção de exclusão. Enquanto para alguns analistas, a noção permite apreender os fenômenos materializados na degradação e na precarização das condições de vida de uma parcela da população. Para outros, excluídos são aqueles que “sobram”, ou seja, todos aqueles sujeitos em situação de vulnerabilidade gerada pelas desigualdades estruturais que atravessam uma determinada formação social. Há ainda quem localize a exclusão como uma condição dos chamados “inempregáveis” i, o que incluiria todos os que se encontram alijados das políticas sociais e econômicas. Há também quem apreende a exclusão como espécie de arte de governar. Nesse caso, a exclusão seria uma dinâmica inerente aos processos de administração dos conflitos de classe na sociedade capitalista (Toledo in Oliveira, 2004). O excluído, nesse caso, encontra-se incluso nas malhas de dominação econômica instituída pelas relações de poder na sociedade, emergindo como “produto” vinculado à lógica de reprodução do capital ii. Partilhamos, portanto, da compreensão de Peregrino (1999) de que quando um termo é aplicado a tal variedade de situações e usos, descrevendo tanto processos quanto sujeitos, tanto estados quanto situações, tanto contingências quanto estruturas históricas, um termo utilizado como categoria sociológica ou como denúncia de situações vividas, como manchete de jornal ou como justificativa para a configuração de políticas públicas (tanto à esquerda quanto à direita), um termo que abarca tão variado arco de situações e de possibilidades, corre o risco de não definir coisa alguma. (1999, p.02). No Brasil, como lembra Leal (2004), a idéia da exclusão social ganha força na década de 1990, dialogando com outras noções, como a de marginalidade e underclass. No entanto, antes de se difundir no Brasil, a noção de exclusão social formou-se e ganhou notoriedade, sobretudo, na tradição sociológica francesa. O marco inicial do uso da expressão é comumente atribuído a René Lenoir, no livro Os excluídos: um francês sobre dez. Ainda segundo Leal, a novidade da obra estaria no fato de apontar a exclusão não como um fenômeno residual, mas como um problema estrutural. Desse modo, René Lenoir contribuiu para difundir um dos significados mais comuns do termo exclusão, ou seja, exclusão como inadaptação social ou como integração precária. O tratamento da questão sofre um deslocamento na década de 1970 com o agravamento do desemprego nos países centrais. Nesse momento, ganha destaque a noção de uma “nova pobreza”, que atinge setores anteriormente adaptados, mas que se tornam vítimas de uma conjuntura recessiva. Mas é com o acirramento da crise de regulamentação do capital, 3 na década de 1990, que a noção de exclusão torna-se socialmente problematizada, para usar uma expressão de Azevedo (1997). Nesse momento, diz Leal (2004), a noção adquire densidade e centralidade nas análises das políticas públicas, substituindo a noção predominante: marginalidade. Kowarick (1977), depois de fazer um balanço das teorias da marginalidade, mostra que a noção diz respeito aos vários fenômenos que significam uma forma de exclusão dos benefícios possíveis nas sociedades urbano-industriais, afetando a qualidade da moradia, os serviços de saúde, o acesso à educação. A marginalidade é definida em negativo, ou seja, como carência em relação à inserção no mercado de trabalho e à proteção social. Esta forma de enfocar o problema não desaparece na década de 1990, mas perde centralidade em relação à expressão exclusão social. Assim, os primeiros usos da exclusão como noção são atribuídos por Nascimento (1994) a Hélio Jaguaribe, em livro da segunda metade década de 80 (Brasil: reforma ou caos). Nesse livro, exclusão social identifica-se com pobreza. Entretanto, a noção é rapidamente incorporada e ressignificada pelas ciências sociais. Segundo Leal (2004), é possível agrupar três grandes conjuntos de significados relativos ao uso dessa noção: a) ruptura de laços sociais, associada ou não à negação de certas parcelas da população como semelhantes àquelas “incluídas”; b) inserção precária no mundo do trabalho e/ou do consumo; c) não realização da cidadania. O primeiro grupo sugere uma abordagem que aponta para uma crise nos fundamentos da própria sociedade. Comumente, acusado de postular uma visão integracionista por realçar os aspectos relativos à coesão social, os trabalhos nessa direção partem da situação atual de anomia difusa (Zaluar, 1997). Trata-se, portanto, de por em análise as disfunções da sociedade industrial e a falência dos mecanismos de solidariedade. Esta questão se traduz pela inadaptação dos antigos métodos de gestão social explicitada, por exemplo, na crise do Estado Providência. Um autor paradigmático, nesse grupo, é R. Castel (1998). Para esse pesquisador, a exclusão social reflete os efeitos do enfraquecimento da condição salarial, o que significa que na atualidade é a própria centralidade do trabalho que é colocada em xeque. O segundo grupo aparece, em grande medida, como uma reação ao primeiro. Os autores vinculados a esta abordagem não pensam a exclusão social como sintoma ou elemento de crise de um dado tipo de sociedade, mas como decorrência do funcionamento desta organização social. Eles compartilham a ideia de que a exclusão é parte de um processo de contradição, uma vez que ela nega a inclusão, ao mesmo tempo em que faz parte dela. 4 Em síntese, a exclusão é um processo complexo e multifacetado, uma configuração de dimensões materiais, políticas, relacionais e subjetivas. É processo sutil e dialético, pois só existe em relação à inclusão como parte constitutiva dela. Não é uma coisa ou um estado, é um processo que envolve o homem por inteiro e suas relações com os outros. Não tem uma única forma e nem é uma falha do sistema, devendo ser combatida como algo que perturba a ordem social, ao contrário, ela é produto do funcionamento do sistema (SAWAIA, 2001, p. 09). Nesse caso, a questão não diz respeito a uma ruptura dos laços sociais, nem de anomia. Pois, a dinâmica de exclusão é inerente ao funcionamento da sociedade. Dessa forma, a exclusão é apreendida como uma consequência das contradições atuais da acumulação capitalista, sintetizadas no fenômeno da globalização econômica excludente, estando associada à exclusão das riquezas e da participação política. O ponto nodal dos processos de exclusão adviria do desemprego e da ausência de proteção social, desencadeadores das novas formas de desigualdade social iii. Nessa perspectiva, a ênfase recai sobre a funcionalidade do fenômeno da exclusão. Por fim, o terceiro grupo aborda a exclusão numa perspectiva relativa à cidadania, podendo estar às duas abordagens anteriores, mediante sínteses pluralistas do fenômeno. O foco, entretanto, é a compreensão da exclusão social como não-cidadania. Isso significa que a exclusão é abordada do ponto de vista dos direitos. Um tipo de análise que remonta à formulação clássica de T.H. Marshall, cuja concepção de cidadania compreende os direitos que asseguram aos indivíduos a garantia de um mínimo de participação na vida social e nos recursos, materiais ou não, criados pela sociedade. Para Sposati (2003), as novas formas de exclusão dizem respeito à forma de distribuição de acessos aos bens (materiais, culturais, oportunidades de trabalho e participação política). Do ponto de vista mais estrito, desse trabalho, interessa ressaltar que os diferentes significados da noção de exclusão pressupõem uma determinada maneira de entender a sociedade e consequentemente o papel do Estado e suas políticas nas possíveis soluções para o problema. Assim, dentre outros elementos desse debate, salta aos olhos do pesquisador que pretende lidar com o fenômeno da exclusão o fato da própria lógica de exclusão apontar para os processos de inclusão social. Segundo Martins (1997), “a sociedade capitalista desenraíza, exclui, para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras, segundo sua própria lógica” (p. 32). Haveria, portanto, uma relação entre a dinâmica de reprodução do capital, ancorada em uma lógica excludente, e o Estado pensado como ator responsável por mover processo de inclusão, mediante políticas específicas. Logo, os excluídos que ameaçam a ordem social também fazem parte do sistema. Na mesma direção, Martins sustenta a tese de 5 que não existe exclusão, mas contradição, pois “no interior do que parece forte e dominante” cria-se “o nicho de ação eficaz dos frágeis” (p.14) e as reações fazem parte do sistema econômico e de poder, mesmo que os negue. Dessa ótica, há de se perceber a complexidade e a multidimensionalidade dos processos de exclusão, até porque, na atualidade, a exclusão não advém apenas da esfera econômica. Além dos inúmeros casos de exclusão advindos das questões de classe, emergem também as exclusões derivadas da etnia, do gênero, da orientação sexual, da limitação física, etc. Nesse cenário, extremamente instável e incerto, convive-se com duas grandes vertentes no tratamento da exclusão. A primeira trata dos indivíduos e grupos no contexto do desemprego estrutural. A segunda trata dos chamados marginalizados. A principal diferença é que, esses últimos, além de excluídos carregam o estigma da periculosidade. São excluídos na medida em que representam uma ameaça, produzindo medo e insegurança, tornando-se passíveis de eliminação. Obviamente que essa categorização não é estanque, sendo possível traçar linhas de aproximação entre os excluídos econômicos e os excluídos sociais, uma vez que ambos são apontados como causa das múltiplas violências que atingem nossa configuração societária. Nesse aspecto, focalizaremos a questão do desemprego como um dos sustentáculos dos processos de exclusão e violência. 2. DESEMPREGO E VIOLÊNCIA Partindo do princípio de uma perspectiva que não naturaliza a condição de excluído, mas apreende a exclusão no âmbito de uma sociedade desigual, injusta e normativa, problematizamos nesse momento o modo como o desemprego ao ser fixado como uma identidade normativa contribui para associar à figura do desempregado o papel de desestabilização da normalidade funcional da sociedade. Nesse sentido, o desemprego é mais do que falta de trabalho, mas condição de assujeitamento social, a partir da qual o Estado direciona sua ação (NAGEL, 2000, p. 02). Dessa perspectiva, a preocupação governamental com o desemprego é ordenada em função das consequências que dele podem ser geradas, como a violência nas suas diferentes configurações – assaltos, furtos, sequestros, aliciamentos, etc. Refletimos então como “o malestar na civilização capitalista no fim do século XX”iv, e que persiste nesse início do século XXI, que é causado pela precarização do trabalho, pode ser maximizado quando não resta ao ser humano qualquer ocupação da qual possa tirar o seu sustento, ou seja, no sentido profundo 6 do desemprego. Vale ressaltar, portanto, alguns Indicadores de Distribuição da População Ocupada do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de modo a esclarecer quem compreende a parcela dos então empregados de acordo com algumas características: sexo, faixa etária, anos de estudo e horas habitualmente trabalhadas por semana. População ocupada (%) Total das 6 áreas Recife Belo Horizonte Salvador Rio de Janeiro São Paulo Porto Alegre SEXO: Masculino 55,2 56,4 54,1 54,1 55,9 55,2 55,1 Feminino 44,8 43,6 45,9 45,9 44,1 44,8 44,9 FAIXA ETÁRIA: 10 a 14 anos 0,2 0,1 0,3 0,3 0,2 0,2 0,2 15 a 17 anos 1,4 0,5 0,9 1,9 0,9 1,7 1,9 18 a 24 anos 14,8 13,9 14,0 16,9 12,0 16,0 15,4 25 a 49 anos 63,1 66,4 66,7 61,5 62,4 62,6 63,3 50 anos ou mais 20,5 19,1 18,0 19,4 24,4 19,6 19,2 ANOS DE ESTUDO: Sem instrução ou < 1 ano 1,6 2,3 2,5 1,5 1,6 1,5 1,1 1 a 3 anos 4,0 4,0 4,8 3,7 4,4 3,7 4,0 4 a 7 anos 19,3 19,9 17,6 22,6 18,3 18,6 21,8 8 a 10 anos 17,3 17,0 16,6 17,9 18,2 16,2 20,2 11 anos ou mais 57,7 56,3 58,4 54,1 57,4 59,9 52,8 HORAS HABITUALMENTE TRABALHADAS POR SEMANA Até 39 horas 17,6 20,5 23,4 20,1 17,4 15,7 16,3 40 a 44 horas 52,0 48,0 47,7 55,5 48,3 52,8 61,0 45 horas ou 30,5 31,5 28,9 24,3 34,2 31,6 22,7 mais FONTE: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Mensal de Emprego Dentre outros elementos, destacamos o número de ocupados com o número da população em idade ativa conforme se segue: Foi estimado, com base na Pesquisa Mensal de Emprego do mês de maio de 2009, um contingente de aproximadamente 40,7 milhões de pessoas em idade ativa no conjunto das seis regiões metropolitanas (Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre)v abrangidas pela pesquisa (IBGE, 2009, p. 07). Vejamos também o índice dos ocupados nessa mesma pesquisa: “O contingente de ocupados, estimado em 21,0 milhões em maio de 2009 no agregado das seis Regiões 7 Metropolitanas, não apresentou variação em comparação com o mês de abril. Em relação a maio de 2008, o quadro foi idêntico”. (id. p. 09). A proporção entre as pessoas ocupadas (21 milhões) em relação à população em idade ativa (40,7 milhões) é de apenas 57,7%, ou seja, 42,3% da população em idade ativa estão sobrevivendo através de biscates, subemprego ou estão simplesmente engrossando o caldo do desemprego estrutural. É possível perceber também que a população masculina ocupa maior parte das vagas de trabalho (55,2); quando observamos as faixas etárias percebemos como a população mais jovem tem dificuldade de ter uma ocupação, entre 15 e 24 anos (juventude) a média da população que tem ocupação é de 16,2 %, justamente a parcela da população que tem sido alvo de investigação por sua peculiaridade quando enquadrada em situação de risco. Antecipamos que quando formos analisar os dados de violência, perceberemos a alta incidência de óbitos por causas violentas na juventude. Muito embora questionada e desacreditada, constatamos que a escola representa um ponto positivo no provimento da ocupação: 57,7 % da população tem 11 anos ou mais de escolarização. Isso aponta uma melhoria no acesso à escola (não estamos desta maneira aprovando o modelo escolar vigente, pois não entraremos no mérito da discussão), o que pode ter implicações positivas na luta pelo emprego na atual configuração social-histórica. Por fim, os dados apresentam o tempo de ocupação por semana que os que então empregados têm que cumprir na jornada semanal. Constatamos que a maioria da população enquadra-se na média entre 40 e 44 horas semanais, aproximadamente 8,5 horas de trabalho por dia. Os prognósticos por Região, em todos os fatores destacados, têm relativa aproximação, o que nos possibilita entender que, grosso modo, trata-se de uma realidade nacional com pequenas variações. Face ao exposto, trazemos outra tabela que enfatiza o número de óbito violentos ocorridos no país entre os anos de 1990 e 2007vi na população de 15 a 24 anos do sexo masculino. 8 Tabela 2 - Proporção média de registros de óbitos violentos no total de óbitos, no grupo de 15 a 24 anos, por grandes Regiões e sexo - 1990/2007 Proporção média de registro de óbitos violentos no total de óbitos, grupo de idade 15 a 24 anos (%) Ano Grandes Regiões Brasil Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste Homens 1990 60,6 45,4 52,9 64,1 63,6 62,0 1991 60,4 48,3 52,9 63,7 63,6 61,1 1992 60,6 50,4 53,4 63,6 63,6 61,3 1993 60,8 52,5 53,7 63,5 64,4 61,9 1994 61,7 54,1 55,0 64,0 65,7 64,1 1995 62,8 56,2 56,1 64,9 66,9 65,6 1996 63,7 57,7 58,3 68,4 67,3 67,4 1997 65,7 59,2 59,6 71,8 66,5 68,2 1998 67,8 59,2 60,4 75,5 65,9 69,2 1999 69,5 57,8 58,7 76,7 66,5 68,5 2000 70,1 56,0 57,5 78,3 68,2 68,9 2002 70,2 55,7 57,1 78,7 69,0 68,9 2003 69,9 53,8 57,5 78,5 69,8 69,8 2004 69,3 51,8 57,6 77,8 70,5 70,4 2005 68,2 52,2 57,5 76,4 70,9 69,7 2006 68,0 54,2 58,8 75,5 70,9 69,2 2007 67,7 56,6 59,5 74,5 70,2 Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de População e Indicadores Sociais, Estatísticas do Registro Civil 67,8 1990/2007.vii Esses dados são, na verdade, um recorte da pesquisa realizada também pelo IBGE, a partir do qual é possível verificar que no país como um todo, em 1990, cerca de 60% dos óbitos masculinos ocorridos nessa faixa etária de 15 e 24 anos estavam relacionados às causas violentas. Esse valor sobe sistematicamente ao longo de toda década passada e início da atual, chegando em 2002 a atingir uma proporção de 70,2%, ou seja, um incremento de 16%, declinando para 67,7% em 2007 (o que não deixa de ser um resultado alarmante) ³. Este é um fenômeno que ocorre em praticamente todas as regiões brasileiras, à exceção do Norte e Nordeste, onde a tendência continua sendo de crescimento, e apresentando-se estável no Sul. (2007, p. 27). Os dados tornam inteligível o porquê do direcionamento das atenções recentes das políticas públicas para a problemática da enorme violência no país. Por essa razão, acreditamos ser pertinente o desenvolvimento de pesquisas que abordem a relação desemprego-violência, sobretudo quando se trata da população juvenil que tem encontrado maior dificuldade de se inserir no mercado de trabalho e que, sugestivamente, também está associada às mortes em situações de violência. 9 3. POLÍTICAS PÚBLICAS EM UM CENÁRIO DE DESEMPREGO E VIOLÊNCIA As políticas públicas emergem como uma alternativa encontrada pelo Estado para conter as turbulências que atravessam a sociedade. Todavia, na perspectiva aqui adotada, não podem ser apreendidas como simples instrumentos de apassivamento dos sujeitos, uma que as políticas também exercem um papel importante na formação de subjetividades rebeldes, para usar uma expressão de Boaventura de Souza Santos (ver OLIVEIRA, 2006). Obviamente, as políticas públicas não são respostas automáticas aos processos de exclusão, não obstante também podem se configurar como estratégias de ampliação dos espaços e experiências emancipatórias. Mas para que isso possa se efetivar na prática há que se ter uma percepção dos processos de exclusão que não tome a figura do excluído desde uma ótica naturalizada. O pobre, o desempregado, o marginalizado, o favelado, enfim, o excluído não pode ser percebido como um “dado natural” dos nossos sistemas societários. Esta reflexão deve estar bastante clara quando discutimos pobreza, desemprego, violências, exclusão e políticas públicas. A exclusão não é natural e a sociedade precisa desnaturalizar a sua existência. No cerne dessa discussão está, portanto, a importância de verificar em que medidas as políticas públicas, em geral, e as políticas educacionais, em particular, podem se apresentar como possibilidades reais de inclusão. As políticas públicas emergem como uma alternativa encontrada pelo Estado e sociedade para conter as agressivas turbulências que desestabilizam o convívio social, todavia estas não podem ser meros instrumentos de apassivamento de sujeitos assujeitados, elas precisam exercer a formação da subjetividade nesse processo de inclusão. Há de ser crível que a formação dos excluídos é, sobretudo, um movimento que emerge das relações na sociedade, para tanto é urgente que nossos esforços sejam envidados sobre os sistemas de exclusão com toda a clareza de que eles existem, e não na figura do excluído como se esta condição passasse a ser naturalizada. O pobre, o desempregado, o marginalizado, o favelado, enfim, o excluído não pode ser percebido como “natural”, todos são sim protótipos da expurgação capitalista da grande massa de inservíveis ao sistema. Esta reflexão deve estar bastante clara quando discutimos pobreza, desemprego, violências, exclusão e políticas públicas. A exclusão não é natural e a sociedade precisa desnaturalizar a sua existência. Em última análise haveria que se questionar em que medida a problemática da 10 exclusão pode ser equalizada pelo Estado. Uma resposta positiva a essa questão passaria, em nosso modo de ver, pela construção de políticas capazes de confrontar os estereótipos e estigmas que aprisionam os chamados excluídos dessas mesmas políticas. Em outras palavras, as políticas públicas configuram-se como estratégias de democratização na medida em que não contribuem para culpabilizar aqueles atores individuais e coletivos que já se encontram desafiliados (CASTEL, 1998) da esfera pública. Nesse caso, há que se problematizar as próprias imagens que são postas para circular no processo de implantação das políticas públicas, tematizando-se, do ponto de vista político, as representações que tornam determinados segmentos da população alvos da ação estatal. Com isso, estamos afirmando que a forma como os sujeitos em situação de desemprego são abordados, desde uma perspectiva política, pode contribuir tanto para acirrar o processo de assujeitamento quanto para desencadear dinâmicas de resistência na qual os atores se percebam, eles mesmos como sujeitos da política e não como se costuma denominar “públicos alvo”. Isso significa dizer que o modo como se processa a inclusão na/da política de determinados segmentos sociais pode se constituir como uma dinâmica legitimadora da violência material e simbólica. Mais uma vez, insistimos que não temos a pretensão de abordar as políticas públicas como uma panaceia, mas tão somente enfatizar o seu papel na desnaturalização da exclusão social. Como pontua Ferreira (2002), “Vivemos hoje uma época em que as incertezas do cotidiano, aliadas a nossa aparente incapacidade de antevermos o futuro, mergulha-nos em uma espécie de 'presente contínuo', em que a desesperança parece a mais fiel aliada da dificuldade de antevermos utopias”. Em contextos como esse cabe interrogar o modo como a articulação de nossos saberes, poderes e subjetividades engendram ou desconstroem relações sociais, políticas e econômicas. Cardoso para definir os “excluídos pela globalização” citada em Ferreira Mais recentemente, a noção passou a ser considerada uma questão cultural, o que, na perspectiva de Martins (1997), contribui ainda mais para tornar o termo “vago e indefinido” (p. 21). III Nesse aspecto, as teorias da exclusão social aproximam-se das teorias sobre a marginalidade, das décadas de 60 e 70, para designar uma parcela da população que não se integrava aos setores modernos da economia ou se integrava de maneira subordinada ao sistema capitalista (cf. Leal, 2004: 09). IV Vide Paul Singer, Globalização e desemprego: diagnósticos e alternativas, 2003. V Grifo nosso para esclarecer as Regiões pesquisadas VI Não existem dados referentes ao ano de 2001 no IBGE. VII Nos detemos aos dados que se referem a população masculina, por apresentarem índices bem mais altos que os das mulheres na mesma faixa etária. I II REFERÊNCIAS 11 CASTEL, Roberto. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. FERREIRA, Mônica Dias Peregrino. As armadilhas da exclusão: um desafio para análise. 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