Mailiz Garibotti Lusa - PUC-SP

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Mailiz Garibotti Lusa
A (in)visibilidade do Brasil rural no Serviço Social:
o reconhecimento dos determinantes a partir da análise da mediação entre a formação e o
exercício profissional em Alagoas
Doutorado em Serviço Social
São Paulo
2012
Mailiz Garibotti Lusa
A (in)visibilidade do Brasil rural no Serviço Social:
o reconhecimento dos determinantes a partir da análise da mediação entre a formação e o
exercício profissional em Alagoas
Doutorado em Serviço Social
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em Serviço Social, área de
concentração em Serviço Social, Fundamentos
e Prática Profissional, sob a orientação da
Profa. Dra. Maria Carmelita Yazbek.
São Paulo
2012
Ficha Catalográfica
Lusa, Mailiz Garibotti, 1979A (in)visibilidade do Brasil rural no Serviço Social: o
reconhecimento dos determinantes a partir da análise da mediação
entre a formação e o exercício profissional em Alagoas / Mailiz
Garibotti Lusa. – São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, 2012.
3xxf.; 29,7cm.
Orientadora: Maria Carmelita Yazbek
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Estudos Pós
Graduados em Serviço Social/PUC-SP. Área de concentração: Serviço
Social, Fundamentos e Prática Profissional.
1. Serviço Social. 2. Rural. 3. Formação sócio-histórica do
Brasil. 4. Formação Profissional. 5. Realidade. I. Maria Carmelita
Yazbek. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa
de Estudos Pós Graduados em Serviço Social, Doutorado. III. Título.
Banca Examinadora
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Ao Murilo Augusto, símbolo do novo que
chega em nossas vidas e transforma,
Ao Augustinho (in memorian), afeto e ternura
sempre presentes,
E ao Henrique, significado da vida que pulsa
nas inquietudes cotidianas.
AGRADECIMENTOS
À Professora Carmelita, que com seu jeito terno, atento e pleno de simplicidade,
ensinou-me a trabalhar com autonomia e direção. Essas descobertas são nossas. Querida
mestra, seus ensinamentos superam o doutorado, são ensinamentos para a docência e,
sobretudo, para a vida.
Ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da PUC-SP, na pessoa da
Professora Raquel Raichellis, pelo acolhimento quando do meu ingresso no doutorado e pelos
esforços para que ele se materializasse. Minha gratidão, em especial, ao apoio para a
constituição da Banca do Exame de Qualificação, indispensável para que esta tese tratasse de
um objeto que não é rotineiro aos estudos do Programa.
Às queridas Kátia Cristina Silva e Vânia Lima, sempre atentas, amáveis e
disponíveis para nos atender. Em especial à Vânia, porque esteve mais a frente dos
encaminhamentos da secretaria do Programa de Pós, externo minha admiração pela dedicação
profissional a nós discentes.
A todos os colegas do Programa, pela construção coletiva do conhecimento,
agradeço rememorando em especial à amizade da Kátia Hale, Marize Engelbrecht, Carla
Agda, Sonimara Perin, Nadja Codá, Ademar Sales Macaúbas, Cláudio Lopes, Douglas
Zacarias e Ceiça Clarindo.
À Professora Josefa Salete Barbosa Cavalcante, aos colegas e aos servidores técnicos
do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, que me acolheram em 2010 nas
aulas sobre sociologia da agricultura.
À CAPES, que através da concessão da Bolsa Parcial de doutorado contribuiu para
que o processo de doutoramento pudesse ser desenvolvido na PUC-SP.
Às Professoras Marilda Iamamoto e Raquel Sant’Anna, que desde setembro de 2011
acompanham a construção desta tese. Vossas contribuições significaram ‘o mapa que faltava
na mochila desta caminhante’. Por isto, devo dizer que há o tempo antes e o tempo depois,
que foram marcados pelo ‘tempo do exame de qualificação’. Também às Professoras Maria
Lúcia Carvalho da Silva, Maria Lúcia Martinelli, Mariângela Belfiore Wanderley e Maria
Raymunda Chagas Vargas Rodrigues, pelo aceite ao convite para compor a Banca de Defesa.
Às Assistentes Sociais, que trabalham em espaços sócio-ocupacionais rurais em
Alagoas, que gentilmente aceitaram participar da pesquisa e tanto me ensinaram.
À Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas, Campus A. C.
Simões, através das Professoras Ana Maria Ávila Mendonça e Mariluce Macedo Veras,
diretoras da Faculdade, da Professora Márcia Iara Costa da Silva, Coordenadora de Curso, e
da Secretária da Faculdade, Adriana Nascimento da Silva, pelo diálogo aberto e pela atenção
quando da pesquisa documental naquele Curso. Também às Professoras Maria Virgínia
Borges Amaral e Reivan Marinho de Souza Carneiro, pelas conversas sobre a trajetória
pedagógica do Curso. À secretária Adriana, meus agradecimentos especiais pela
disponibilidade em colaborar no resgate dos documentos históricos do curso da capital e por
sua amabilidade no trato pessoal.
À Coordenação e ao colegiado do curso de Serviço Social da Unidade de Palmeira
dos Índios, através da Professora Marli Araújo Santos, por permitirem a análise do Projeto
Pedagógico do Curso. À equipe de colegas professores também deste curso, pelo
companheirismo, aprendizados e pelos puxões de orelha ‘para que eu não me esquecesse de
comer e dormir’. Agradeço-lhes, inclusive, pelas férias concedidas fora do calendário
habitual, para que eu pudesse finalizar a tese. Em especial, à amiga Marinês Coral, pelas
discussões que realizamos, pelo carinho e atenção para com esta ‘Branquinha’. Também à
Sueli, à Beatriz e ao Felipe, pelo sólido significado de família, quando a minha estava
distante.
Aos colegas professores do curso de Psicologia da Unidade Educacional de Palmeira
dos Índios, pelo convívio nos quase três anos de UFAL! À Danielle Nóbrega e Saulo Luders
Fernandes, pelo carinho e amizade importantes para superar os momentos mais difíceis.
À colega professora Lígia dos Santos Ferreira, da Faculdade de Letras do Campus A.
C. Simões, pela disponibilidade, companheirismo, presteza e atenção no momento da revisão
da tese. Presença que abrandou a solidão.
Aos servidores técnicos da UFAL de Palmeira dos Índios, pela frequente atenção nos
momentos em que precisei encaminhar os afastamentos para as sessões de orientação de tese.
Em especial à Lili (atualmente servidora técnica da UFPB), que me recebeu com simpatia e
afeto em sua vida desde o primeiro dia de UFAL. Ao Kempes, que em meio às suas
contribuições técnicas e aos seus papos de ‘tecnologia informacional’ nunca se esqueceu de
me perguntar sobre os estudos e a pesquisa. Ao Rodrigo, que desde a sua recente chegada à
UFAL revelou-se como companheiro gentil e disponível.
Aos estudantes do curso de Serviço Social da UFAL de Palmeira dos Índios, pelos
aprendizados sobre o processo de formação profissional. Em especial àqueles que estiveram
mais próximos nas salas de aulas e nos outros espaços de formação acadêmica, agradeço pelo
companheirismo, afeto e pela compreensão nos momentos em que precisei me ausentar.
Aos membros do Observatório da Questão Rural da UFAL de Palmeira dos Índios,
por compartilharem o desejo de debater e conhecer melhor sobre o rural brasileiro e alagoano,
instigando-me a pesquisar sempre mais.
À amiga de vida e de doutorado, Ceiça Clarindo, sempre presente, mesmo quando
distante e à Karina Lima Duarte, por compartilhar seu objeto de pesquisa, pelas indagações
que me fazia e, acima de tudo, pela sincera amizade que ultrapassou os limites da UFAL e se
consolidou como riqueza para a vida.
Ao Henrique, pelo amadurecimento proporcionado pelo convívio com ‘o outro igual
a mim’ e pelo apoio constante em cada momento do doutorado.
À minha família, que carinhosamente viveu comigo as minhas escolhas, respeitandoas mesmo quando implicaram no aumento da distância geográfica, e consolando-me quando
‘as coisas pareciam desandar’.
RESUMO
LUSA, Mailiz Garibotti. A (in)visibilidade do Brasil rural no Serviço Social: o
reconhecimento dos determinantes a partir da análise da mediação entre a formação e o
exercício profissional em Alagoas. 2012. 394 f. Tese (Doutorado em Serviço Social)–
Programa de Estudos Pós Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, São Paulo, 2012.
O estudo trata sobre o Serviço Social, o rural e a mediação dialética entre a formação e o
exercício profissional no espaço rural, no Estado de Alagoas. Objetiva analisar como a
primeira produz aportes teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos para o
exercício profissional que ocorre em espaços sócio-ocupacionais rurais naquele Estado. Sua
questão norteadora é entender porque, havendo demandas profissionais, o Serviço Social
ainda se fazia presente apenas timidamente na realidade rural. Trabalha-se com duas hipóteses
que, embora pareçam diametralmente opostas, são mediadas entre si: o rural é marginal à
profissão porque a formação não possibilita elementos para que os assistentes sociais olhemno e reconheçam as demandas, ou é o movimento do rural no capitalismo atual e a insipiência
do exercício profissional que não requisitam da academia tratar sobre esta realidade durante a
formação profissional. Recebe centralidade o tratamento da formação sócio-histórica
brasileira, do desenvolvimento da formação em Serviço Social no Brasil, da trajetória
pedagógica dos cursos de Serviço Social da UFAL e das mediações entre o exercício
profissional de assistentes sociais em espaços sócio-ocupacionais rurais, em Alagoas, e a
formação profissional oferecida pela UFAL. Trata-se de estudo fundamentado no método
crítico dialético, de natureza qualitativa e pesquisa de tipo exploratório, muito embora em seu
desenvolvimento avance para o nível de descrição e explicação da realidade encontrada.
Foram empregadas as técnicas procedimentais da pesquisa bibliográfica, documental e
empírica, esta última com a aplicação de entrevistas orientadas por roteiro semiestruturado,
realizadas com treze assistentes sociais que trabalham em espaços sócio-ocupacionais rurais
em Alagoas e foram formadas em um dos dois cursos de Serviço Social da UFAL. Conclui-se
que alguns limites da formação profissional apontados desde a década de 1970 não foram
efetivamente superados, existindo dois entraves principais para que a formação profissional
prepare os assistentes sociais para trabalhar no espaço rural: o esvaziamento de historicidade
ao tratar da sociedade e da profissão e a fragmentação da realidade. Portanto, nota-se que a
pretensa perspectiva crítica, histórica, dialética e totalizante de análise dos processos sociais
encontra-se seriamente comprometida, tendo como pontos nevrálgicos da formação
profissional na atualidade a garantia do seu caráter generalista e da mediação entre os três
núcleos de fundamentos da formação em Serviço Social.
Palavras-chave: Serviço Social. Rural. Formação Profissional. Formação sócio-histórica do
Brasil. Realidade.
ABSTRACT
LUSA, Mailiz Garibotti. A (in)visibilidade do Brasil rural no Serviço Social: o
reconhecimento dos determinantes a partir da análise da mediação entre a formação e o
exercício profissional em Alagoas. 2012. 394 f. (Doutorado em Serviço Social)– Programa de
Estudos Pós Graduados em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
São Paulo, 2012.
This study is about Social Work, the rural and the dialectic mediation between the formation
and the professional exercise at the rural environment, at Alagoas State. The objective is to
analyse how the first one produces theorical-methodologic help, technical-operative help and
ethical-politic help, to the professional practice that occurs in rural social-occupational
environments at that State. It’s lead question is to understand the reason why, in having
professional demands, the Social Work still made itself present but in a shy way at the rural
reality. We work with two hypothesis which, although may look diametrically opposite, are
mediated between themselves: the rural is marginal to the profession because the formation
does not make possible elements for social assistants to look at and recognize it’s demands, or
it’s the rural movement on the actual capitalism and the insipiense of the professional work
that does not demand from the academy to discuss about this reality while a professional
formation. Receives centrality the treatment of the brazilian social-historic formation, of the
development of Social Work formation in Brazil, of the pedagogic route of the Social Work
courses from UFAL and of mediations between the Professional work of social worker at
rural social-occupational environments, at Alagoas, and the professional formation offered by
UFAL. It’s about the study based on the critical-dialectic method, with qualitative nature and
study of exploratory type, even though in it’s development it already advances to the level of
description and explaining of the founded reality. It was used procedimental techniques of
bibliological research, documentary research and empirical research, and this last one with the
application of oriented interviews by a semistructured script, done with thirteen social worker
who work at rural social-occupational environments at Alagoas and that were graduated in
one of the two Social Work’s courses of UFAL. It’s concluded that some limits of
professional formational pointed since the 70’s decade were not effectively overcome,
existing two main obstacles for the Professional formation to prepare the social worker to
work at rural environments: the historical emptiness when dealing with society and with the
profession and fragmentation of reality. So, it’s realized that the pretense perspective critical,
historical, dialectic and totalizing of the analysis of social processes finds itself seriously
threatened, having like main point of professional formation nowadays and the assurance of
it’s generalistic carachter and of the mediation between the three nucleus of fundaments of
formation in Social Work.
Key words: Social Work. Rural. Professional formation. Brazilian’s social historic formation.
Reality.
[...] Assim como a cidade vai ao campo,
o campo vai à cidade.
O caminho de ida é sempre
o caminho de volta;
revolta.
Octavio Ianni
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 - Componentes básicos da formação profissional em Serviço Social ................... 329
Quadro 2 - Componentes específicos da formação profissional em Serviço Social...............330
Quadro 3 - Temas e áreas dos Trabalhos de Conclusão de Curso......................................... 343
Gráfico 1 - Área de cumprimento do Estágio Supervisionado Obrigatório em Serviço Social
.......................................................................................................................................... 340
Gráfico 2 - A formação generalista e as particularidades da realidade rural. ....................... 353
LISTA DE ABREVIATURAS
ABED
Associação Brasileira de Ensino à Distância
ABEPSS
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
ABESS
Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social
ACS
Agentes Comunitários de Saúde
AL
Alagoas
ALAETS
Associación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social
AMIGREAL
Associação dos Moradores do Agreste Alagoano
AS
Assistente Social
ATER
Assistência Técnica e Extensão Rural
ATES
Assistência Técnica, Social e Ambiental
BPC
Benefício de Prestação Continuada
CACS
Comissão de Avaliação Curricular do Curso de Serviço Social
CAIC
Centro de Atenção Integral à Criança
CAIs
Complexos Agroindustriais
CAPES
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CBAS
Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais
CCSA
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
CEDEPSS
Centro de Documentação e Pesquisa em Serviço Social e Políticas
Sociais
CELATS
Centro Latinoamericano de Trabajo Social
CENEAS
Comissão Executiva Nacional das Entidades Sindicais dos Assistentes
Sociais
CEP-PUC-SP
Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade de São Paulo
CEPE
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
CES
Câmara de Educação Superior
CFE
Conselho Federal de Educação
CFESS
Conselho Federal de Serviço Social
CNE
Conselho Nacional de Educação
CNPq
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONSUNI
Conselho Universitário
CRAS
Centro de Referência de Assistência Social
CRAS Rural
Centro de Referência de Assistência Social Rural
CREAS
Centro Especializado de Referência de Assistência Social
CRESS
Conselhos Regionais de Serviço Social
CRUTAC
Centro Rural de Treinamento e Ação Comunitária
DA
Diretório Acadêmico
DC
Desenvolvimento de Comunidades
DSS
Departamento de Serviço Social
EAD
Ensino à Distância
EDUFAL
Editora da Universidade Federal de Alagoas
EMATER
Empresa de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRAPA
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
E-MEC
Sistema de Cadastro da Educação Superior
ENESSO
Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social
FHTM
Fundamentos Históricos e Teórico-metodológicos do Serviço Social
FITS
Faculdade Tiradentes
FRM
Faculdade Raimundo Marinho
FSSO
Faculdade de Serviço Social (UFAL)
FUNAI
Fundação Nacional do Índio
GEPSOJUR
Grupo de Estudos, Projetos e Pesquisa Sóciojuridica
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
IDH
Índice de Desenvolvimento Humano
IES
Instituições de Ensino Superior
IESC
Instituto de Ensino Superior Santa Cecília
IFCH
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INEP
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
INSS
Instituto Nacional de Seguro Social
LDB
Lei de Diretrizes de Base da Educação
MAB
Movimento dos Atingidos por Barragens
MDA
Ministério de Desenvolvimento Agrário
MEB
Movimento de Educação de Base
MEC
Ministério da Educação e Cultura
MG
Minas Gerais
MMC
Movimento de Mulheres Camponesas
MPA
Movimento dos Pequenos Agricultores
MST
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
MTC-AL
Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores do Campo de Alagoas
NDE
Núcleo Docente Estruturante
NOB/SUAS
Norma de Operacionalização Básica do Sistema Único de Assistência
Social
PAA
Programa de Aquisição de Alimentos
PDA
Plano de Desenvolvimento de Assentamentos
PDE
Plano de Desenvolvimento da Educação
PET/NESAL
Programa de Educação Tutorial - Núcleo de Estudos do Semiárido
PGSS-UFAL
Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFAL
PIB
Produto Interno Bruto
PIBIC
Projeto de Iniciação Científica
PIBIP-Ação
Projeto de Iniciação à Pesquisa-Ação
PNAD
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PNAE
Programa Nacional de Alimentação Escolar
PNAS
Política Nacional de Assistência Social
PNATER
Política de Assistência Técnica e Extensão Rural
PNRA
Plano Nacional de Reforma Agrária
PPG
Projeto Pedagógico Global da Universidade
PRA
Plano de Recuperação de Assentamentos
PROGRAD
Pró-Reitoria de Graduação
PRONAF
Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
PROPEP
Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
PROTERRA
Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria
do Norte e do Nordeste
PROUNI
Programa Universidade para Todos
PT
Partido dos Trabalhadores
PUC-RJ
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
PUC-RS
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
PUC-SP
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
REUNI
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais
RN
Rio Grande do Norte
SAR
Serviço de Assistência Rural
SASEAL
Sindicato dos Assistentes Sociais de Alagoas
SEAGRI
Secretaria de Estado da Agricultura
SEBRAE
Serviço Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMAS
Secretaria Municipal de Assistência Social
SENAR
Serviço Nacional de Aprendizagem Rural
SP
São Paulo
SSR
Serviço Social Rural
TCC
Trabalho de Conclusão de Curso
TCLE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UAB
Universidade Aberta do Brasil
UBS
Unidade Básica de Saúde
UE
Unidade Educacional
UFA
Unidade de Formação Acadêmica
UFAL
Universidade Federal de Alagoas
UFPB
Universidade Federal da Paraíba
UFPE
Universidade Federal de Pernambuco
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
ULBRA
Universidade Luterana do Brasil
UnB
Universidade Nacional de Brasília
UNESP
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
UNIASSELVI
Centro Universitário Leonardo da Vinci
UNIDERP
Universidade para o Desenvolvimento da Região do Pantanal
UNIGRAN
Centro Universitário da Grande Dourados
UNIP
Universidade Paulista
UNISA
Universidade de Santo Amaro
UNITINS
Universidade do Tocantins
UNIUBE
Universidade de Uberaba
UNIVALI
Universidade do Vale do Itajaí
UNOPAR
Universidade Norte do Paraná
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 18
I SEÇÃO - OS SIGNIFICADOS DO BRASIL RURAL....................................................... 27
CAPÍTULO 1 - A FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA ................................ 30
1.1.1 A ruralidade presente na formação humana da colônia ................................................ 30
1.1.2 A configuração econômica de uma colônia rural.......................................................... 39
1.1.3 A vida social e política da colônia, com seus traços rurais ........................................... 49
CAPÍTULO 2 - DAS ORIGENS AGRÁRIAS COLONIAIS, O CAPITALISMO NO
ESPAÇO RURAL CONTEMPORÂNEO ............................................................................ 63
1.2.1 Propriedade, renda fundiária e capitalismo no campo .................................................. 65
1.2.2 A propriedade da terra e o desenvolvimento do capitalismo no Brasil .......................... 68
1.2.3 Desaparecimento do campesinato ou recamponesação? ............................................... 76
1.2.4 O trabalhador rural e a identidade camponesa .............................................................. 85
1.2.5 Luta pela terra, cidadania e latifúndio no Brasil contemporâneo: a presença de um
Estado ausente ..................................................................................................................... 95
CAPÍTULO 3 - O BRASIL RURAL EM ALAGOAS ........................................................ 104
1.3.1 Fundamentos para a configuração das ruralidades em Alagoas: sua formação econômica,
social, política e cultural..................................................................................................... 104
1.3.2 O latifúndio, as terras de quilombos e de índio, a pequena agricultura e os trabalhadores
rurais no último século da história de Alagoas .................................................................... 110
II SEÇÃO - A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL: TRAJETÓRIA DE
UM PASSADO AINDA EM CONSTRUÇÃO E QUESTÕES PRESENTES PARA O
FUTURO ........................................................................................................................... 115
CAPÍTULO 1 - CONCEPÇÃO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA FORMAÇÃO
PROFISSIONAL ATÉ 1980 .............................................................................................. 117
2.1.1 A concepção de formação profissional....................................................................... 117
2.1.2 A formação profissional em Serviço Social e sua trajetória histórica até o Currículo
Mínimo de 1982 ................................................................................................................. 122
2.1.3 A pós-graduação e a formação de docentes: solidificação e direcionamento da formação
profissional a partir dos anos 1980 ..................................................................................... 134
CAPÍTULO 2 - OS ANOS 1980 E O CURRÍCULO MÍNIMO .......................................... 139
2.2.1 A formação profissional nos anos 1980: desafios para a consolidação do Currículo
Mínimo .............................................................................................................................. 139
2.2.2 Dos 1980 para os 1990: apontamentos para a revisão do Currículo Mínimo ............... 150
CAPÍTULO 3 - MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO E DIRETRIZES CURRICULARES
DE 1996............................................................................................................................. 159
2.3.1 A formação profissional nas Diretrizes Curriculares de 1996 ..................................... 159
2.3.1.1 A formação profissional, segundo a proposta da categoria ...................................... 159
2.3.1.2 As Diretrizes Curriculares [por elas mesmas] ......................................................... 170
2.3.1.3 Entraves governamentais à proposta original .......................................................... 176
2.3.2 Mercantilização do ensino universitário e Serviço Social: aprofundamento da
precarização desde a década de 1990.................................................................................. 180
CAPÍTULO 4 - FORMAÇÃO, PROJETO PROFISSIONAL E REALIDADE ................... 190
2.4.1 O projeto profissional e o debate sobre a realidade após a aprovação das Diretrizes
Curriculares para o Serviço Social (1996) .......................................................................... 190
2.4.2 A análise da realidade, o reconhecimento das demandas para a profissão e a atenção ao
espaço rural na formação profissional ................................................................................ 194
À guisa de encerramento da seção: questionamentos para a formação profissional na
atualidade........................................................................................................................... 206
III SEÇÃO - A FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NA UNIVERSIDADE FEDERAL
DE ALAGOAS: DOIS CURSOS, DOIS MOMENTOS E UMA HISTÓRIA ..................... 211
CAPÍTULO 1 - O SERVIÇO SOCIAL NO CAMPUS DA UFAL EM MACEIÓ .............. 213
3.1.1 A Escola de Serviço Social Padre Anchieta: o início de uma longa história ............... 213
3.1.2 A formação profissional na década de 1970: a incorporação à UFAL ........................ 220
3.1.3 A formação profissional na década de 1980: o Currículo Mínimo de 1984................. 225
3.1.4 Os anos 1990: modificações institucionais na UFAL levam o curso de Serviço Social a
propor o Projeto Pedagógico de 1993 ................................................................................. 230
3.1.5 A formação profissional no novo milênio: a operacionalização das Diretrizes
Curriculares no Projeto Pedagógico de 2006 ...................................................................... 236
CAPÍTULO 2 - O SERVIÇO SOCIAL NO CAMPUS ARAPIRACA DA UFAL, EM
PALMEIRA DOS ÍNDIOS ................................................................................................ 251
3.2.1 O processo de interiorização da UFAL e a criação do Curso de Serviço Social .......... 252
3.2.2 O projeto inicial: contribuições da Faculdade de Serviço Social da UFAL para o Projeto
de Interiorização ................................................................................................................ 258
3.2.3 A formação profissional do Curso de Serviço Social de Palmeira dos Índios, segundo os
primeiros membros da comunidade acadêmica ................................................................... 271
3.2.3.1 Primeira versão modificada: a revisão de algumas ausências e o salto qualitativo na
formação profissional ......................................................................................................... 271
3.2.3.2 Segunda versão modificada: a preparação para a avaliação de reconhecimento do
curso .................................................................................................................................. 276
À guisa de encerramento da seção: a lição de uma avaliação contínua ................................ 281
IV SEÇÃO - A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SUA CORRELAÇÃO COM O
EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL EM ESPAÇOS SÓCIOOCUPACIONAIS RURAIS ............................................................................................... 284
CAPÍTULO 1 - O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO ESPAÇO RURAL ......................... 289
4.1.1 O espaço rural em Alagoas, segundo o Serviço Social ............................................... 289
4.1.2 Os sujeitos do atendimento do Serviço Social no campo ............................................ 294
4.1.3 As instituições e o atendimento prestado por elas, segundo uma análise crítica das
assistentes sociais ............................................................................................................... 299
4.1.4 As demandas e ações do Serviço Social nos espaços sócio-ocupacionais rurais ......... 316
CAPÍTULO 2 - A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL E A
REALIDADE RURAL ...................................................................................................... 328
4.2.1 A memória profissional sobre as disciplinas cursadas ................................................ 328
4.2.2 O estágio supervisionado, o Trabalho de Conclusão de Curso e as temáticas da realidade
rural ................................................................................................................................... 339
4.2.3 O caráter generalista da profissão e o reconhecimento da realidade rural ................... 348
4.2.4 As Diretrizes Curriculares e a nova lógica de organização da matriz curricular na
formação profissional oferecida na UFAL – Breves considerações ..................................... 358
Considerações finais da seção, à guisa de encerramento desse diálogo ............................... 363
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 366
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 381
APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido...............................................384
APÊNDICE B – Roteiro semi-estruturado de entrevista........................................................387
ANEXO A – Parecer consubstanciado do Comitê de Ética da PUC-SP................................393
18
INTRODUÇÃO
O mundo rural, desde os primórdios da humanidade, marcou de modo mais ou menos
intenso o cenário da sociedade em diferentes períodos, com suas diversas ruralidades. Na
atualidade, o espaço rural ganha destaque no cenário econômico brasileiro, colocando-se
como uma das frentes da economia nacional, herança trazida desde os tempos coloniais –
junto com muitas outras heranças. Mesmo assim, no âmbito social e político, o rural parece
continuar invizibilizado pelo Estado e pela sociedade.
Num espaço rural ‘não dissociado’ dos traços sociais, políticos e econômicos da
sociedade capitalista em crise estrutural, o contexto de mundialização do capital, de
fetichização da economia e de transformação das relações sociais e de produção, gera
implicações para o rural ora semelhantes e ora distintas do espaço urbano. Os efeitos diretos e
indiretos são percebidos no modo de vida e de trabalho rural, nas formas de sociabilidade e
nas relações de produção, que atingem, principalmente, a classe trabalhadora do campo.
Neste cenário, voltando a atenção para o Serviço Social, perguntava-se: que tipo de
competências a profissão está conseguindo desenvolver durante sua formação profissional, a
fim de que possa reconhecer esta realidade rural, o cotidiano de vida e de trabalho, as relações
sociais, políticas, econômicas e culturais, bem como as demandas rurais?
Assim, tomou-se como objeto de investigação – ora objeto de tese – ‘o Serviço
Social e o rural’, especificando o olhar para ‘a formação profissional e sua correlação com o
exercício profissional do Serviço Social no espaço rural, no Estado de Alagoas’. Elegendo
como objetivo central analisar como a primeira produz aportes teórico-metodológicos,
técnico-operativos e ético-políticos para o exercício profissional que ocorre em espaços sócioocupacionais rurais em Alagoas.
Associado a este objetivo, buscou-se também compreender o significado do ‘rural’
na realidade brasileira, numa perspectiva que privilegia a análise da formação sócio-histórica
do país. Construir e analisar o processo de desenvolvimento da formação profissional em
Serviço Social no Brasil, atentando para os desafios por que passa atualmente, considerando a
conjuntura de crise estrutural do capitalismo e de retirada do Estado das suas funções, a partir
da contrarreforma neoliberal que atinge, inclusive, a educação em nível superior. Compor
analiticamente a trajetória dos cursos de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas
(UFAL), com base no exame das propostas pedagógicas, situadas historicamente conforme o
debate nacional em cada período. Reconhecer e compreender as mediações entre o exercício
19
profissional de assistentes sociais em espaços sócio-ocupacionais rurais, em Alagoas, e a
formação profissional recebida na UFAL.
É importante dizer que o encontro com o objeto vem de longe. Ele chega quase junto
com a própria profissão, quando desde a graduação surgiu a pergunta: essa profissão não olha
para o rural? Porque ninguém fala dele na academia? Será que pensam que nele não há
expressões da questão social? A busca pelas respostas começou naquela época, com a
insistência em fazer estágio em algum espaço sócio-ocupacional objetivamente rural e com o
tema do TCC. O tempo passou, chegou a vida profissional, urbana notoriamente, depois a
continuidade da vida acadêmica e o objeto – o Serviço Social e o rural – continuava na
mochila, acompanhando a caminhante. Bem que se quis discuti-lo diretamente no mestrado,
todavia o tempo mais abreviado de dois anos e a quase inexistência de materiais de ordem
teórica e de experiências profissionais no rural fizeram com que o objeto reaparecesse de
outra maneira: o rural das lutas das mulheres camponesas e suas incidências para a conquista
de direitos sociais e para o desenho das políticas públicas, as quais o Serviço Social opera.
Ora, se o tema modificou-se um pouco, mas lá ainda estava o objeto original, abrindo e
encerrando o longo sumário de descobertas.
E, então, chega o doutorado. Na mochila: apenas o objeto e o saber acumulado até o
momento. Não havia mapa para seguir e o caminho estava todo para ser construído. Sentia-se
que poderia ser o momento de resgatar as inquietações da graduação e, assim, desde o projeto
de doutoramento apresentado à banca de seleção apontava-se que a investigação versaria
sobre ‘o Serviço Social e o rural, analisando a relação dialética entre a formação e o exercício
profissional’. Isto porque as inquietações da graduação tinham se tornado evidências
objetivas: o rural é marginal à profissão – para não dizer invisível –, seja no âmbito da
formação, seja no insípido exercício profissional. Assim, reproduz-se o seu reconhecimento e
identidade na sociedade, que o classifica “como as áreas externas aos perímetros urbanos de
cidades ou vilas no país”, subentendendo-o “como um resíduo do urbano. A visão atrapalha a
aplicação de políticas públicas efetivas [...]” (BACELAR, 2012, s/p).
E, considerando que a pesquisa de mestrado tinha apontado – através das
interlocutoras – que os indivíduos sociais do campo desejavam, requisitavam a atenção do
Serviço Social, cujo atendimento encontravam praticamente só na cidade, sabia-se que em
algum lugar e de alguma forma – mesmo que residual – o Serviço Social estava lhes
atendendo. Era preciso, então, entender porque, havendo demandas profissionais, o Serviço
Social ainda se fazia presente apenas timidamente na realidade rural, para trabalhar com as
várias expressões da questão social que também se manifestam lá. Ora, eis que aí estava o
20
problema da investigação e havia somente duas hipóteses para explicá-lo: o rural era marginal
à profissão porque a formação profissional não possibilitava elementos para que os assistentes
sociais olhassem para aquela realidade e nela encontrassem os sujeitos de direitos que
demandavam a sua atenção, ou era o movimento do rural e a insipiência do exercício
profissional que não requisitava da academia – locus da formação – apropriar-se desta
dinâmica e tratar sobre ela durante a formação dos futuros profissionais.
Eis que a tarefa definia-se! Procurar compreender a relação entre a formação e o
exercício profissional, e mais especificamente se a primeira preparava os assistentes sociais
para atuar com as demandas que lhes chegavam através das mulheres e homens do campo.
Inicialmente, no projeto de doutoramento submetido à banca de seleção, a
investigação estava desenhada para ser aplicada em Santa Catarina, por ser o Estado de
origem desta pesquisadora e onde se tinha conhecimento sobre as demandas profissionais
apresentadas pelos sujeitos rurais, e ainda sobre alguns poucos espaços sócio-ocupacionais do
Serviço Social, objetivamente rurais; e também em São Paulo, locus de morada e dos estudos
de doutoramento naquele período. Todavia, no primeiro semestre de 2010 a vida redirecionou
o caminho da pesquisadora, desde o sul e sudeste do Brasil para o nordeste, especificamente
em Alagoas, onde se assumiu a função docente na Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Assim, lá foi a pesquisadora e na sua mochila a tarefa e o projeto de pesquisa, que teve que
ser replanejado para ser aplicado naquela região. Ainda naquele período, pensava-se em
desenvolver a investigação em dois Estados, tendo-se levantado dados preliminares da
realidade local e profissional – junto às seccionais dos CRESS – em relação aos Estados de
Alagoas, Pernambuco e Sergipe. Porém, sem muita demora, definiu-se que se centralizaria a
pesquisa apenas em Alagoas, tendo como público-alvo os profissionais inscritos no 16º
CRESS/AL, em exercício em espaços sócio-ocupacionais rurais e que tinham realizado sua
formação em uma das duas escolas de Serviço Social da UFAL.
Aliás, é interessante apontar o conjunto e o histórico da formação profissional do
Serviço Social em Alagoas, para compreender os motivos pelos quais se deliberou fazer a
análise da formação oferecida apenas nos dois cursos da UFAL. Esta formação se principia na
Escola de Serviço Social Padre Anchieta – que também marca o surgimento da profissão no
Estado –, o que ocorre diretamente ligada ao seio da Igreja Católica. No ano de 1972 esta
escola será incorporada à UFAL, marcando seu ingresso em uma instituição pública.
Atualmente, existem no Estado de Alagoas dois cursos oferecidos pela UFAL – tendo sido
criado o último em 2005, no processo de interiorização dessa Universidade –, e quatro cursos
oferecidos por instituições privadas, quais sejam a Faculdade Raimundo Marinho (FRM), a
21
Faculdade Tiradentes (FITS), o Centro Universitário CESMAC e o Instituto de Ensino
Superior Santa Cecília (IESC). Destes seis cursos, quatro estão localizados na capital e dois
no interior do Estado, na região Agreste. Dentre as seis escolas presenciais 1, apenas o curso da
UFAL, Campus A. C. Simões, de Maceió, foi fundado no século XX, especificamente no
segundo lustro do século. Os demais foram criados recentemente, no século XXI,
implementando as Diretrizes Curriculares de 1996. Assim, considerou-se que era interessante
refletir sobre momentos históricos diferentes no processo de formação profissional no Estado
e suas implicações para o exercício profissional. E, considerou-se, principalmente, que a
maioria dos Assistentes Sociais em exercício profissional em Alagoas – especificamente em
espaços sócio-ocupacionais ligados ao rural – formou-se em um dos dois cursos de Serviço
Social da UFAL.
Para cumprir a tarefa assumida, o método crítico dialético 2 era o mais apropriado,
visto que se entendia que ele poderia oferecer os aportes para trabalhar com um problema que
era factual, material, permeado de relações dialéticas – das quais o contínuo fluxo dialético
entre formação e exercício profissional era uma das mais evidentes –, e que exigia um
tratamento histórico e crítico, pois, de outra forma, não seria possível compreender o
1
Verifica-se também a presença de inúmeros cursos de Serviço Social oferecidos na modalidade de ‘ensino à
distância’ (EAD), em escolas, ou centros de formação vinculados às instituições nacionais autorizadas pelo
MEC para promover este tipo de curso. A cada dia cresce o número deste tipo de curso, principalmente nos
pequenos municípios do interior do Estado, especialmente na região do Sertão Alagoano onde não existem
escolas presenciais de Serviço Social. Este intenso movimento de criação de cursos EAD resulta na
impossibilidade de conhecer o número efetivo destes cursos no Estado. É interessante registrar que a ABEPSS
também não dispõe desta informação, conforme conversa com a representante das escolas de Alagoas na
Região Nordeste da ABEPSS, eleita em 2012, Profa. Sueli Maria do Nascimento (UFAL-Palmeira dos Índios).
Ao passo que o Conselho Regional de Serviço Social da 16ª Região (CRESS/AL), responsável pela
fiscalização do exercício profissional e, portanto, pela fiscalização da supervisão acadêmica e profissional dos
estágios curriculares em Serviço Social, registra o número de 12 instituições de ensino superior na modalidade
EAD, as quais já entraram no período de realização do estágio curricular obrigatório. As instituições que
oferecem os cursos em diversos municípios de Alagoas são: UNOPAR; Universidade Paulista (UNIP);
Universidade Tiradentes (UNIT); Centro Universitário Estácio de Sá; UNISA; Universidade Luterana do
Brasil (ULBRA); UNIASSELVI; Universidade Anhanguera; Universidade de Uberaba (UNIUB); COC;
UNIDERP e UNITINS. Esta última, embora descredenciada pelo Ministério da Educação, ainda mantêm
atividades de formação em Serviço Social em Alagoas, até a conclusão das turmas abertas até 2009.
2
A opção por este método não foi desavisada, ela ocorreu, inclusive, porque a lógica que o configura é da
dialética no conjunto das relações e no jogo de forças sociais, possibilitando que o objeto de pesquisa seja
analisado segundo a totalidade histórica que o envolve, num movimento mediado entre a singularidade, a
universalidade e, então, a particularidade que o constitui. Além disso, segundo o método, trabalha-se com o
objeto em sua materialidade, não como fato ou problema criado abstratamente, mas como fruto de
determinações e que, portanto, possuem nexos objetivos e reais no contexto e no conjunto de relações e
processos sociais da sociedade em que se encontra – no caso do objeto desta tese, com a mediação entre a
formação e o exercício profissionais do Serviço Social, correlatos especialmente à realidade rural, na sociedade
capitalista brasileira. Por fim, permite a compreensão histórica dos processos que envolvem o objeto,
possibilitando uma análise, inclusive, prospectiva. Essa exigência histórico-analítica do objeto, no caso desta
tese, colocou como condição essencial para compreendê-lo, por um lado, uma incursão na formação sóciohistórica brasileira e, por outro, no processo de desenvolvimento da formação profissional do Serviço Social
brasileiro.
22
significado do rural na sociedade capitalista e da formação em Serviço Social para o exercício
profissional em espaços sócio-ocupacionais rurais.
Juntamente com o método crítico dialético, adotou-se a abordagem de pesquisa
qualitativa, buscando fazer uma aproximação com o objeto – a mediação entre a formação
profissional e os aportes para o exercício profissional do Serviço Social no espaço rural –, na
perspectiva da totalidade, a fim de compreender as multideterminações que o permeavam.
Associado a isso, trabalhou-se com a pesquisa de tipo exploratório, por compreender
que, primeiramente, era necessário explorar o tema – em especial o rural, mas também o rural
na formação e no exercício profissional –, cujas produções na área do Serviço Social ainda
são raras. Mesmo tomando por base a pesquisa de tipo exploratório, procurou-se ultrapassá-la
– mesmo que sutilmente – na direção da descrição dos elementos que compõem o objeto e na
explicação das suas inter-relações dialéticas, embora seja evidente que ainda haveria muito
por fazer nesses dois âmbitos da investigação.
Nos procedimentos metodológicos trabalhou-se com o acesso primeiramente
bibliográfico às várias áreas de conhecimento – destacadamente à sociologia crítica, à
historiografia da formação sócio-histórica brasileira e à produção do Serviço Social sobre a
formação profissional –, e na sequência, às fontes documentais institucionais, tanto da
ABEPSS, quanto da UFAL. Os principais aportes teóricos foram encontrados, entre outros,
em Prado Júnior (1959, 2006), Fernandes (2005), Ianni (1981, 1984), Holanda (1995),
Guimarães (1968), Gorender (1978, 2005), Hirano (2008), Koike (2009), Faleiros (2000),
Silva & Silva (1993), em diversos artigos, documentos e outros materiais institucionais da
Associação Brasileira de Ensino
e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) e,
fundamentalmente, em Iamamoto (1993, 2007, 2008, 2009).
As pesquisas bibliográfica e documental foram posteriormente associadas à
observação de campo, com coleta de dados, configurando também a realização da pesquisa
empírica. Sabendo qual seria o público-alvo da investigação, foram buscadas informações
preliminares no 16º CRESS/AL, a fim de identificar os profissionais que trabalhavam
diretamente no espaço rural. Depois, através do contato com as primeiras assistentes sociais,
foi sendo levantada toda a malha dos profissionais que trabalham em instituições e/ou
serviços que são executados no espaço rural de Alagoas, começando a recortar a amostra
incluindo apenas aqueles formados em uma das duas escolas da UFAL e fazendo uma média
aritmética para que o número de profissionais de um tipo de espaço sócio-ocupacional não
superasse em demasia o número do outro.
23
Finalizou-se o universo da pesquisa empírica com 13 (treze) profissionais 3, com as
quais foram realizadas entrevistas4 orientadas por um roteiro pré-estabelecido5 – ou seja,
semi-estruturado – compreendendo que esse tipo de instrumental permite dirigir a coleta dos
dados, não arriscando a dispersão de seus objetivos, e ao mesmo tempo possibilita a
participação direta dos sujeitos da investigação, priorizando a interação e o diálogo com a
pesquisadora.
A pesquisa iniciada de 2009, e nela o seu objeto, evidenciava-se cada vez mais com o
contato com a bibliografia indicada pelos professores do Programa e, principalmente pela
professora orientadora. Deve-se salientar que debruçar-se sobre os clássicos da formação
sócio-histórica brasileira foi fundamental, desde o início do processo de investigação.
Reconhece-se que a pesquisa ganhou forças após o exame de qualificação do projeto de
doutorado, quando tanto o objeto ficou bem mais delineado, quanto os caminhos teóricometodológicos a serem galgados para desvendá-lo6. A partir daí foram intensificadas a
pesquisa bibliográfica, documental e empírica – que não se separaram, mas andaram juntas,
articuladamente – e as seções da tese foram começando a surgir, como fruto de uma
construção de conhecimento que nunca pretendeu exaurir o tema, mas considerando a brecha
ainda existente na área, contribuir para que pudesse estar em permanente construção de
conhecimento e produção de materiais.
Como resultado deste processo de pesquisa, eis esta tese, organizada em quatro
seções, as quais passam a ser apresentadas, além destas considerações que a introduzem e
daquelas finais, as quais não pretendem, de forma nenhuma, encerrar o tema, mas apresentar
as conclusões a que se chegou até este momento.
A primeira seção, intitulada ‘os significados do Brasil rural’ está organizada em três
capítulos. No primeiro, trata-se da formação sócio-histórica brasileira, discutindo a
configuração econômica e a vida social e política do Brasil Colônia, analisando sempre os
seus traços rurais. No segundo capítulo, intitulado ‘das origens agrárias coloniais, o
capitalismo no espaço rural contemporâneo’, aborda-se sobre a propriedade da terra, a renda
3
Em momento oportuno, na quarta seção, as treze profissionais serão apresentadas.
Para realização das entrevistas, antes se solicitou a anuência das instituições com as quais as profissionais
mantêm vínculo de trabalho. Na sequência, convidou-se cada uma individualmente, apresentando os objetivos
e procedimentos de pesquisa. Depois de encerrado o universo dos informantes, iniciou-se a aplicação
individual das entrevistas, sendo solicitado a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(TCLE – Apêndice A) que confirma a autorização para o uso científico das informações.
5
Apêndice B: Roteiro semi-estruturado de entrevista.
6
Após o Exame de Qualificação de Tese, ocorrido em setembro de 2011, o Projeto de tese foi submetido ao
Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade de São Paulo (CEP – PUC-SP), sendo aprovado em
2012. O documento de aprovação consta como Anexo A.
4
24
fundiária e o capitalismo no campo, refletindo sobre o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil agrário. Ainda neste capítulo, discute-se sobre o desaparecimento do campesinato ou a
sua recamponesação, o surgimento do trabalhador rural e a presença da identidade
camponesa. Para encerrar o capítulo, reflete-se sobre a luta pela terra e pela cidadania no
Brasil contemporâneo, quando o latifúndio se faz presente e o Estado ausente. No terceiro
capítulo, trata-se do Brasil rural em Alagoas, debatendo sobre a configuração das ruralidades,
através da sua formação econômica, social, política e cultural, marcada pelo latifúndio
canavieiro, mas também pela presença das terras tradicionais de quilombos e de índio, pela
pequena agricultura e pelos trabalhadores rurais.
A segunda seção, denominada de ‘a formação profissional do Serviço Social:
trajetória de um passado ainda em construção e questões presentes para o futuro’, está
organizada em quatro capítulos, onde é discutida a formação profissional no Brasil, numa
perspectiva histórica e crítica, a partir dos diversos elementos que a determinaram e a
determinam na atualidade. No primeiro capítulo desta seção, debate-se sobre a concepção de
formação profissional que orienta a tese e sobre a trajetória histórica da formação em Serviço
Social até os anos 1980. No segundo capítulo, analisa-se a formação profissional nos anos
1980, especialmente os desafios para a consolidação do Currículo Mínimo de 1982 e os
apontamentos que a categoria começou a fazer, não muito tempo depois, para a sua revisão.
No terceiro capítulo, reflete-se sobre as Diretrizes Curriculares de 1996, segundo a proposta
da categoria, mas também conforme o texto legal tornado Lei em 2002, e ainda sobre a
mercantilização do ensino operada desde os anos 1990 e o aprofundamento da precarização da
formação em Serviço Social. No quarto capítulo, chamado de ‘formação, projeto profissional
e realidade’, problematiza-se o debate sobre a realidade após a aprovação das Diretrizes
Curriculares (1996) e como a sua análise tem implicado no reconhecimento das demandas
profissionais. Encerrando o capítulo e a seção, trata-se da atenção oferecida ao espaço rural
durante o processo de formação profissional.
Na terceira seção, organizada em dois capítulos, toma-se como objeto específico de
reflexão a formação em Serviço Social na Universidade Federal de Alagoas, discutindo os
dois cursos, surgidos em dois momentos diferentes, mas que constroem juntos uma só
história. O primeiro capítulo é dedicado ao curso de Serviço Social no Campus da UFAL em
Maceió, e nele, inicialmente, aborda-se a atuação da Escola de Serviço Social Padre Anchieta,
que marca o início da história do Serviço Social em Alagoas e, na sequência, sobre a
formação profissional oferecida a partir da década de 1970, quando o curso é incorporado à
UFAL, as modificações operadas com a implantação do Currículo Mínimo de 1984 e nos
25
anos 1990, as modificações institucionais na UFAL que levam o curso de Serviço Social a
propor o Projeto Pedagógico de 1993. Por fim, encerrando o capítulo, trata-se da formação
profissional que passa a ser oferecida no novo milênio, quando da operacionalização das
Diretrizes Curriculares no Projeto Pedagógico de 2006. No segundo capítulo, dedicado ao
curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, oferecido na Unidade Educacional de Palmeira
dos Índios, discute-se inicialmente o processo de interiorização da UFAL e a criação do Curso
de Serviço Social, apresentando o Projeto Pedagógico inicial elaborado com as contribuições
do curso da capital. Na sequência, debate-se sobre a formação profissional do Curso, segundo
as modificações operadas no Projeto Pedagógico pelos primeiros membros da comunidade
acadêmica, o que ocorre em 2007 e 2008.
A quarta e última seção, intitulada ‘a formação profissional e sua correlação com o
exercício profissional do Serviço Social em espaços sócio-ocupacionais rurais’, está
organizada em dois capítulos e foi elaborada segundo o diálogo estabelecido com as treze
assistentes sociais durante a pesquisa empírica. Em seu primeiro capítulo discute-se sobre o
exercício profissional no espaço rural, abordando com as profissionais a concepção sobre o
espaço rural em Alagoas, a identificação dos sujeitos do atendimento do Serviço Social no
campo, as instituições e o atendimento prestado por elas e, por fim, as demandas e ações do
Serviço Social nos espaços sócio-ocupacionais rurais. No segundo capítulo, analisa-se a
formação profissional em Serviço Social recebida pelas atuais profissionais no período em
que foram estudantes da UFAL e a correlação com a realidade rural. Neste capítulo,
primeiramente resgata-se, com as entrevistadas, a memória profissional sobre as disciplinas
cursadas, o estágio supervisionado, o Trabalho de Conclusão de Curso e a relação destes
componentes curriculares com as temáticas da realidade rural encontradas no exercício
profissional. Na sequência, debate-se sobre o caráter generalista da profissão e o que ele
implica para o reconhecimento da realidade rural e, por último, discute-se sobre as Diretrizes
Curriculares de 1996 e a nova lógica de organização da matriz curricular através dos três
núcleos de fundamentos da formação profissional.
Partindo para o finalmente, como resultado de toda esta caminhada teóricometodológica de investigação são apontadas, na conclusão, as percepções sobre a formação
profissional e os aportes que ela oferece para o exercício profissional em espaços sócioocupacionais rurais. Nela, sinaliza-se que algumas das avaliações que foram feitas desde a
década de 1970 e que resultaram em subsequentes modificações nos currículos mínimos do
Serviço Social brasileiro, ainda seriam muito atuais, o que indica que os limites percebidos
desde aquele período não foram efetivamente superados. Em se tratando de uma formação
26
profissional que prepare os assistentes sociais para trabalhar em espaços sócio-ocupacionais
rurais, indica-se que são dois os principais entraves: o esvaziamento de historicidade ao tratar
da sociedade e da profissão e a fragmentação da realidade, ambos causados porque a pretensa
perspectiva crítica, histórica, dialética e totalizante de análise dos processos sociais estaria
seriamente comprometida. Neste sentido, indica-se que um dos pontos nevrálgicos da
formação profissional na atualidade seria a garantia do seu caráter generalista, crítico e
totalizante. O outro seria a forma pela qual se está implementando os três núcleos de
fundamentos da formação profissional, pois se percebe que a articulação entre eles é
significativamente frágil, o que resultaria numa formação fragmentada, retroagindo
possivelmente àquela construída anteriormente aos anos 1980.
E entendendo que a produção do conhecimento deve ser dialética, criar e recriar
sempre, estar em movimento, suscitar novas dúvidas e com elas provocar novos
conhecimentos, explicita-se o desejo de que as análises e conclusões desta tese instiguem
outras pesquisas sobre o Serviço Social e o rural, sobre a formação profissional e os aportes
para o exercício profissional no campo. Muito há para galgar neste terreno, tão parco de
produções e tão prenhe de demandas de pesquisa e de intervenção. O rural está aí, nesta
mesma realidade que teimosamente o Serviço Social afirma ser ‘quase que somente’ urbana.
Nele estão assistentes sociais trabalhando, enfrentando as peripécias de um espaço em que o
Estado se faz ausente no âmbito do atendimento social. O rural desses sujeitos profissionais e
daqueles atendidos por eles está batendo à porta da academia neste momento, requerendo que
lhe sejam conferidas atenção e visibilidade.
E sendo assim, anseia-se que o material que acaba de ser apresentado possa provocar
tantos saltos de conhecimento aos que o lerem quanto aqueles causados a esta pesquisadora –
pois, sim, foi cumprida a proposta do doutoramento: o amadurecimento intelectual. E que tais
saltos sejam capazes de impulsionar estratégias no âmbito da formação e do exercício
profissional, a fim de superar os limites e desafios que teimam em acompanhar o Serviço
Social.
I SEÇÃO
OS SIGNIFICADOS DO BRASIL RURAL
São as relações econômicas e políticas dos homens
que transformam a terra em terra de pasto e plantio; a
mata em reserva de índios, drogas do sertão, látex,
castanha, lenha, madeira, peles;
o rio em reserva de peixes e caminho a sombra em
repouso;os espaços em lugares: sem fim, sertão,
floresta, cerrado, seringal, centro;
sítio, latifúndio, posse, fazenda, arraial.
Octavio Ianni (1984, p. 230)
A tarefa desta primeira seção é tratar sobre o Brasil rural, ou Brasil agrário. A partir
da discussão aqui estabelecida pretende-se compreender sobre o modo de vida e de trabalho,
as relações sociais e políticas e as demandas de quem lá vive e/ou trabalha 7, discutindo,
inclusive a presença do Estado brasileiro, seja no que toca às políticas econômicas, mas
principalmente, às políticas sociais.
Para cumprir esta intencionalidade, discutir-se-ão os significados do Brasil rural para
a sociedade, partindo da reflexão sobre a formação sócio-histórica brasileira. A proposta é
resgatar, aos poucos, o processo pelo qual o espaço rural vai marcando a história da nação,
compreendendo como ele é reconhecido pela sociedade e como vai sendo significado a partir
dos interesses do Estado e da classe dominante brasileira. Perpassar-se-á nesta seção o debate
sobre a formação sócio-histórica do país, as origens agrárias do Brasil e sua relação com o
capitalismo contemporâneo, a configuração das classes sociais no campo e o reconhecimento
dos indivíduos que lá vivem e trabalham e, por fim, sobre o Brasil rural em Alagoas.
Entendendo que o tempo presente é resultado daquele passado e que, portanto, a
contemporaneidade brasileira é fruto de sua história, trabalhar-se-á com os clássicos que
tratam criticamente sobre a formação sócio-histórica do país, desde os tempos da ocupação
7
Assume-se, desde o princípio que o enfoque deste estudo direciona-se para a classe trabalhadora camponesa,
que sem dúvidas, não pode ser discutida sem considerar a relação dialética com o capital, com as classes
dominantes e com o próprio Estado. Este camponês não se encontra no vácuo entre o pré-capitalismo e o
capitalismo no seu formato atual. Trataremos por camponês todo aquele indivíduo que vive e trabalha no
campo, podendo estar desprovido ou não dos meios de produção, podendo inclusive ser proprietário de um
pequeno pedaço de terra, mas que não se caracterize como proprietário de fúndio com exploração da força de
trabalho alheia, voltada seja para a acumulação de capital rural, seja para a produção da renda fundiária. Esta
discussão será mais aprofundada no capítulo 2, subcapítulo 1.2.4, desta seção.
28
lusa8. Holanda (1995), Prado Júnior (1959, 2006), Fernandes (2005), Cândido (2001),
Guimarães (1968), Gorender (2005), Ianni (1984, 2005), Hirano (2008) fornecerão alguns
aportes consonantes com a perspectiva histórico-crítica adotada nesta pesquisa, muito embora
se reconheça que cada qual tenha uma abordagem, não necessariamente fundamentada no
materialismo histórico-dialético assumida neste trabalho.
Sobre esses autores, há de se dizer que os dois primeiros – juntamente com Gilberto
Freire, que aqui não aparece – são considerados autores da primeira metade do século XX,
que se tornaram clássicos ao tratarem da formação social e política do Brasil, contrariando a
lógica da sua historiografia linear, até então preponderante. Eles falam de um Brasil rural 9 e
agrário que se apresenta como pilar para as relações sociais e políticas, para a cultura e a
economia que vão se constituindo no país.
Antonio Candido, que lhes é contemporâneo, colabora com as reflexões específicas
sobre o indivíduo simples que vive e trabalha no espaço rural, o caipira paulista, e sobre as
transformações ocorridas com o início da investida industrial brasileira, em meados do século
XX.
Florestan Fernandes, renomado sociólogo da ‘revolução burguesa no Brasil’ aponta
traços que permitem reconhecer o Brasil agrário correlato à formação e desenvolvimento da
ordem social competitiva, com implicações para a híbrida revolução burguesa brasileira,
configurada pelo autor como uma autêntica revolução dentro da ordem.
Alberto Passos Guimarães é polêmico e identifica o Brasil da exploração agrícola
como uma formação de perfil semifeudal e pré-capitalista. Jacob Gorender, discordando de
Guimarães, aposta nas especificidades da formação econômica que se desenvolve no país,
identificando no Brasil agrário o estabelecimento de um modo de produção colonial,
capitalista e baseado na ‘forma de plantagem’, que também denomina de ‘economia política
do escravismo colonial’, a qual produziu implicações objetivas para a configuração da
sociedade capitalista brasileira.
Octávio Ianni e Sedi Hirano falam – juntamente com Gorender – de um Brasil rural,
de origens agrárias e permeado pelo capital mercantil que origina o capitalismo e o caracteriza
8
Reconhece-se a presença de outros povos colonizadores, cada um com seus interesses para com um ‘pedaço’
desta que foi uma grande colônia europeia, todavia, a ocupação e o consequente domínio exercidos por
Portugal sobressaem-se por motivos simples: foi este o país que se julgou donatário das novas terras do
ocidente, margeadas pelo Atlântico de norte a sul.
9
Para Guimarães (1968) não se pode considerar a ocupação e a economia como agrárias, visto que aqui não teria
se desenvolvido uma produção com técnicas que dessem sustentação a atividade agrária – e a ocupação que se
faz consequente dela –, mas sim uma atividade apenas de exploração agrícola, sem tecnificação, organização e,
menos ainda, mecanização do campo. Para o autor, deve-se tratar, por isto mesmo, de um Brasil rural, com
práticas semifeudais e semicoloniais.
29
na atualidade. O primeiro aponta as influências agrárias na sociedade capitalista, a qual vai
gradualmente se constituindo e se consolidando no país, indicando que tais interferências
afetam a organização do Estado contemporâneo. O segundo aponta que a economia agrária
colonial participou diretamente da acumulação originária de capital, através da produção
mercantil simples, a qual teria colaborado contundentemente para o desenvolvimento do
capitalismo brasileiro, a partir da substituição da mão de obra livre pela assalariada e o
consequente aparecimento das duas classes sociais fundamentais: capitalista e operários.
Contudo, para ele, este Brasil agrário, premente na formação sócio-histórica do país, não pode
ser considerado capitalista, visto que nas relações sociais de produção a dominação se dá pelo
primado do político e não do econômico.
Enfim, o que é comum para todos é o reconhecimento de que as raízes do Brasil rural
de hoje são anteriores ao tempo presente, remetendo, inclusive, aos traços dos povos ibéricos
do período imediatamente anterior ao surgimento oficial do Brasil, enquanto colônia
portuguesa. Assim, este Brasil rural traz a herança ibérica estrangeira, associada à herança dos
negros africanos, aqui escravizados pelo português, e aquela indígena que lhe seria original.
Num misto entre umas e outras, e com o somatório das relações sociais e culturais de outros
países europeus – França, Holanda e Inglaterra, especialmente – o Brasil vai se constituindo
historicamente como colônia e, em seguida, nação monárquica independente, portadora de um
hibridismo característico. Nele, o rural sempre esteve presente e marcante.
30
CAPÍTULO 1
A FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA
Para refletir sobre o campo brasileiro, seus elementos, seus conflitos, seu modo de
vida, demandas, lutas, enfim, seu cariz, é necessário olhar para a história brasileira,
visualizando na formação sócio-histórica do país esse espaço agrário e suas contribuições para
a constituição do país.
Sérgio Buarque de Holanda (1995) auxilia na tarefa, quando – em seu livro Raízes do
Brasil, publicado em 1936, tornado pela sua relevância um clássico da história política e
social brasileira – aponta os traços do país, desde sua ocupação como colônia portuguesa e
mostra um Brasil totalmente rural, cujas raízes agrárias continuavam fortes ainda no século
XX, quando escreve, e permanecem no novo milênio.
1.1.1 A ruralidade presente na formação humana da colônia
É sobre o Brasil agrário que se edificam as estruturas social e política da nação. A
permanente reiteração do poder político que emana da propriedade da terra, concentrada nas
mãos de poucos desde quando começou a ser distribuída arbitrariamente pela Coroa
Portuguesa, é seu traço fundamental. Da mesma forma, foi determinante o objetivo que a
Coroa tinha para a colônia: a exploração das riquezas naturais, começando pelo extrativismo e
fixando-se, logo em seguida, na monocultura.
Para Prado Júnior (2006, p. 10), o Brasil contemporâneo se define assim: o passado
colonial que se balanceia e encerra com o século XVIII, mais as transformações que se
sucederam no decorrer do centenário anterior a este e no atual.
Enquanto para Holanda (1995), para quem os principais traços da população
brasileira são a herança do processo de colonização portuguesa, o ‘mundo novo’
contemporâneo se configura pela ‘velha civilização’, ou seja, os traços que caracterizam a
formação brasileira são herdados desde o período colonial e das estruturas agrárias da colônia
lusa.
Assim, ao situar tais autores no início da discussão deste item do estudo, deseja
evidenciar que o Brasil de paisagens naturais vai se tornando, aos poucos, o Brasil agrário,
que ainda perfila predominante o país, mesmo em tempos de capital financeiro (em crise).
31
Dessa forma, parte-se do pressuposto que o Brasil tem origens agrárias, fundadas nos tempos
de colônia. Sua ocupação, até a primeira metade do século XVIII se deu com este objetivo: a
exploração de riquezas naturais, como a madeira e a borracha, e de riquezas cultivadas, como
a cana de açúcar, o algodão etc.
Ianni (1984) também aponta que a economia brasileira é preponderantemente agrária.
Aliás, o Brasil e o Estado brasileiro têm origens agrárias. As marcas rurais na sua economia
começam, pelo menos, com a ocupação colonial lusitana e predominam como carro-chefe até
as primeiras décadas do século XX. Mesmo quando a economia agrária dá sinais de
desaceleração, enquanto a economia industrial passa a ocupar o primeiro posto, a produção
agrícola continua presente, oferecendo os aportes para que a industrialização ocorra e traga
resultados positivos à balança comercial.
Os vários “ciclos” da economia brasileira, salvo o do ouro, são agrários: cacau,
cana-de-açúcar, borracha, café, trigo, gado de lá, gado daqui, café do Vale, café do
Oeste. E isto continua presente [após a segunda metade do século XX]: o café
invade São Paulo, Norte do Paraná e assim por diante. [...] Mas, é inegável que a
grande industrialização havida no Brasil se realizou nas décadas de 1950 e 1960,
entrando pelas seguintes. Mas as décadas em que se insere a industrialização são
também, um pouco, milagre da agricultura. São várias modalidades de confisco,
transferência de renda de setores agrícolas, ou agropecuários, para setores urbanos.
É claro que veio capital do exterior, mas esse capital foi pago com café, cacau,
açúcar etc. É claro que sem esquecer que o valor que se cria pelo trabalho produtivo
compreendendo trabalhadores do campo e da cidade (IANNI, 1984, p. 142).
Prado Júnior (2006), analisando apenas o período colonial, evidencia a significativa
importância do espaço rural na produção econômica, política, social e cultural da vida do
Brasil naquele momento. Segundo o autor, cerca de 60% da população concentra-se na faixa
litorânea, adentrando as terras do interior apenas na segunda metade do século XVIII, quando
se inicia a descoberta e corrida do ouro, começando por Minas Gerais, Cuiabá e Goiás
sucessivamente.
Nesse primeiro período vão se constituindo os núcleos de povoamento, cujos
principais são os do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Nestes primeiros núcleos já
predominam os traços agrários. Muito embora vivesse – ou tivesse contato – nos centros
urbanos de Portugal, o colonizador lusitano vem instalar na colônia o modo de vida mais
conveniente para explorar as riquezas naturais da terra: o rural, o agrário.
Fixando-se conforme as conveniências naturais, o homem ocupava e fazia uso dos
lugares e recursos onde a natureza oferecia condições favoráveis, e onde ela não supria suas
necessidades, ele se fazia ausente. Assim, além dos três principais centros urbanos da colônia,
Recife, Salvador e Rio de Janeiro, pelo litoral constituíam-se outros povoamentos “de
32
segunda ordem, e em muito maior número, uma série de ínfimos estabelecimentos de vida,
mais ou menos vegetativa e sem horizontes, de expressão demográfica e econômica quase
nula. Todos eles, maiores ou menores, ligam-se a condições particulares e locais da linha
costeira” (PRADO JUNIOR, 2006, p. 42).
De forma geral, os povoamentos se desenvolveram conforme as condições que a
natureza oferecia para o homem – rios, recifes, baías –, o que facilitava a interligação entre
eles. Apenas em um ou outro lugar, onde tais condições não favoreciam a interligação, ocorria
a formação de núcleos isolados entre si.
No nordeste, especificamente na região onde esta pesquisa tem foco, o estado de
Alagoas, ocorre a ocupação da faixa litorânea com os núcleos de povoamento. Adentrando na
zona da mata e no agreste, observa-se a ocupação esparsa, com o cultivo de alguns gêneros
para abastecimento dos povoados, e no sertão a pecuária desenvolve-se, favorecida pelo
relevo e pelas condições climáticas adversas à monocultura canavieira e ao cultivo de gêneros
alimentícios.
Será o sertão nordestino – e, nele, também a contribuição de Alagoas – que proverá o
rebanho bovino para abastecer os principais núcleos de povoamento do Brasil até fins do
século XVIII, quando o produto de procedência do Rio Grande do Sul – o charque – começa a
preponderar no mercado. Para Prado Júnior (2006, p. 64), “à parte a pecuária, reduzida é a
atividade dos sertões nordestinos. A agricultura é praticada subsidiariamente em pequena
escala para a subsistência das próprias fazendas”.
Voltando ao recorte brasileiro, até o início do século XVIII o principal veio
comercial se dará no nordeste, destacando-se Pernambuco e Bahia, com significativa
representatividade para o Maranhão, durante o século XVII. A partir das correntes de
colonização que vão se desenvolvendo até este período, no século XVIII o eixo comercial da
colônia se desloca para o sudeste. Para Prado Júnior (2006, p. 84) os movimentos
demográficos no último quartel do século XVIII se caracterizaram por uma extrema
complexidade. “Vemos as correntes povoadoras se cruzarem e entrecruzarem”; apresentando
no centro-sul “uma singular vitalidade”, o que se configura como
[...] Os primeiros sinais de modificações profundas que se operariam em seguida,
quando o eixo econômico do Brasil se desloca para este setor. [...] As
transformações demográficas que aí se operam, e que acabamos de ver, são um dos
aspectos desta mudança de estrutura econômica que se estava realizando. De tudo
sairá um novo equilíbrio político que será o do Império, sobretudo na sua segunda
parte (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 84).
33
Toda a exploração colonial terá como base a força de trabalho escrava. Este motivo,
talvez tenha colaborado para que, naquele momento, ainda não existisse a constituição de uma
identidade brasileira. Aliás, Prado Júnior (2006) afirma que foram três as raças que se
constituíram como elementos irredutíveis na composição étnica do Brasil: o branco,
preponderantemente, de origem portuguesa; o negro africano, que aqui chega na condição de
escravo; e o índio, que se configura como elemento natural desta terra e que é considerado de
forma marginal à sociedade.
Reconhecido como elemento participante da colonização, o índio foi aproveitado
para a ocupação das terras, principalmente, do interior da colônia, onde se configurava como
habitante original. Embora seu modo de vida particular e sua resistência à dominação
portuguesa, tenham lhe afastado da escravidão nas terras de exploração – principalmente de
cana de açúcar –, ele serviu para a coroa portuguesa para ocupar o território, até que este
viesse a interessar para o branco europeu. Assim, tornou-se, desde a chegada das naus
portuguesas, sujeito marginal à sociedade, servindo-lhe – inclusive como escravo ou servo –
para a exploração das reservas naturais das matas e para a demarcação territorial da colônia.
Assim, conforme a fronteira vai avançando e os interesses do homem branco pelas terras
coloniais vão aumentando, a população indígena vai sendo empurrada para mata adentro, e no
mais das vezes, vai sendo dizimada.
Prado Júnior (2006, p. 100), falando do panorama da presença indígena no Brasil no
século XIX, decorrente do processo de ocupação colonial, afirma que
Amalgamados com a massa geral da população e confundidos nela, ou sobrando
apenas em pequenos núcleos que definhavam a olhos vistos, os restos da raça
indígena que dante habitava o país, com exceção da parte ainda internada nas selvas,
já estavam de fato incorporados à colonização.
O negro é o terceiro elemento da formação humana do país, sendo o mais presente no
contingente populacional durante a colônia. Chega ao Brasil Colônia ainda no século XVI,
após as tentativas de escravização dos povos indígenas pelo branco. Sua chegada se dá na
condição indistinta de escravo, a qual, de modo geral, não foi contestada, a não ser pela
presença dos quilombos – e mocambos, retratados por Andrade (2005), Diegues Júnior (2002)
e Lindoso (2000) –, que representavam os únicos focos de resistência, pujantes face à violenta
dominação política branca figurada nas senzalas e nos troncos de açoite.
Sua contribuição para a formação social e econômica do Brasil é bastante
significativa, e certamente superior à das populações indígenas, uma vez que se configurou,
por séculos, como a força de trabalho a sustentar a exploração econômica, de base agrária e
34
mercantil, da colônia. Mesmo depois das primeiras legislações coloniais voltadas para sua
lenta libertação – na segunda metade do século XIX (1850 a 1889) –, ele continua sustentando
com sua força a produção de riquezas, seja como trabalhador assalariado, seja como posseiro,
arrendatário, e, principalmente como boia-fria, no campo e na cidade.
A notável participação do elemento negro na população brasileira se exprime por
números elevados: só os escravos constituíam um terço da população total, segundo
os dados mais prováveis para os primeiros anos do século. Qual a parte que
contribui para os 2/3 restantes? É difícil, se não impossível precisar. Negros puros
seriam aí poucos, pois a alforria parece excepcional no seu caso. Mas o seu sangue,
mais ou menos diluído, já penetrara em proporções consideráveis em todas as
classes da população (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 107).
A esta altura a ocupação humana pelo
elemento branco, constituiu-se
predominantemente do imigrante português. Ela foi esparsa até a segunda metade do século
XVII, quando a metrópole entra em crise e o fluxo migratório para a colônia se adensa,
através de uma população depauperada. Esta segunda leva da migração lusitana parte de todas
as províncias do Reino, bem como de todas as suas categorias. Chegando aqui na colônia,
embora se miscigenando com o índio e/ou com o negro, qualquer que fosse a presença de um
traço europeu, de imediato fazia do sujeito ‘um branco’, clareando sua formação miscigenada.
É o que constata Prado Júnior (2006, p. 109), ao dizer que
Uma gota de sangue branco faz do brasileiro um branco, ao contrário do americano,
em que uma gota de sangue negro faz dele um negro, boutade que tem um fundo de
verdade, pois a classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela
sua posição social; e a raça, pelo menos nas classes superiores, é mais função
daquela posição que dos caracteres somáticos.
Houve também durante o período colonial um movimento de imigração estimulada
pela coroa portuguesa, destinada a povoar os territórios parcamente ocupados, que hoje
constituem os estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Para esta imigração, eram
recrutados casais de colonos nas Ilhas dos Açores, que vinham para o Brasil e ocupavam
pequenas propriedades definidas pelo governo colonial, localizadas na faixa litorânea desses
dois estados. Na direção norte da colônia, de forma não tão arregimentada pelo governo,
também houve um pequeno fluxo migratório açoriano, direcionado para a região do atual
Estado do Pará.
O que se deve notabilizar, para efeitos de análise das estratégias de ocupação humana
do Brasil, é que esta experiência de imigração estimulada dos açorianos foi uma
excepcionalidade na forma de governança da colônia. Sem dúvida, foi a única experiência de
distribuição de terras, através de pequenas propriedades, operada pelos governos coloniais
através de sesmarias. Colaborou para que ela ocorresse, a configuração acidentada do relevo
35
da zona litorânea do sul do país e, acima de tudo, a parca ocupação desta região que era
bastante estratégica econômica e politicamente, tanto pela proximidade com as colônias
espanholas na América, quanto para o escoamento de riquezas e para a instalação de portos
que possibilitariam a ocupação do interior do território. É interessante questionar sobre qual
seria a configuração do Brasil contemporâneo se esta estratégia de distribuição de pequenas
propriedades tivesse sido utilizada em todo o território colonial?
Tendo sido esta uma exceção, o que concretamente ocorreu no Brasil foi a
concentração avassaladora da propriedade da terra nas mãos de uns poucos, que
historicamente comandaram o país, marcando através dela o que Hirano (2008) vai identificar
como dominação política que caracterizou e determinou a ‘colonialidade’ do Brasil agrário.
É esse fator um dos principais fundamentos das desigualdades da nação: a
apropriação e concentração, embora oficial, mas indevida, de terras, associada aos diversos
ciclos de exploração das riquezas, através da exploração da força de trabalho, a começar pela
escravidão negra.
O reflexo desse fator é visível no Brasil contemporâneo, visto que apenas pequena
parcela da população rural é proprietária de terras. Neste sentido, Ianni (1984, p. 109) aponta
a conformação de duas classes fundamentais no campo brasileiro, cujo fator determinante é a
propriedade da terra. Para ele,
Em 1950 [...] a população brasileira, ligada às atividades rurais, dividia-se em dois
grupos distintos: 24% dos indivíduos pertenciam a famílias proprietárias e 76% a
famílias sem terra, vivendo do trabalho executado sob as mais diferentes formas de
contrato (parceria, arrendamento, agregação, assalariado de tipos diversos etc.), mas
sem possuir terras.
Ao buscar referências que permitissem verificar o quadro hoje, nota-se que a
concentração de terras permanece e com ela a necessidade da realização, de fato, da reforma
agrária. Em 2012, Mattei afirma que ainda não ocorreu uma discussão da reforma agrária que
levasse a sua efetivação no Brasil. Certamente a autodefesa capitalista, sob os marcos
neoliberais, é decisiva para a ausência dessa discussão. Assim, a concentração da propriedade
da terra persiste na geografia brasileira, sendo um instrumento decisivo para o poder político
rural, sempre presente. Para o estudioso (2012, s/p, grifo nosso),
É importante recordar que ocorreu um debate clássico sobre a questão agrária
brasileira nas décadas de 1950 e 1960 envolvendo os principais pensadores do país,
ao mesmo tempo em que um movimento social (Ligas Camponesas) atuava no
sentido de colocar a temática da reforma agrária no centro da agenda pública
nacional. Com a implantação do regime militar, esse debate ficou bloqueado por
mais de vinte anos, somente retornando à agenda a partir do ano de 1985, quando o
governo da Nova República lançou o primeiro plano nacional de reforma agrária.
36
Nesse período verificou-se que ocorreu uma forte expansão da concentração da
terra, a qual é medida pelo Índice de Gini, que na década de 1980 atingiu seu pico
ao redor de 0,870. Nas décadas seguintes houve apenas pequenas oscilações, sendo
que atualmente esse índice permanece ao redor de 0,8, o que significa um parâmetro
extremamente elevado que situa o Brasil no topo da pirâmide mundial da
concentração agrária.
A histórica concentração fundiária guarda relação direta com a estratégia de
ocupação do território colonial, desde o século XVI. Esta estratégia, que tinha por objetivo a
exploração agrária para exportação, persiste com a independência política do Brasil e se
estende pelos diversos governos até a atualidade. Com base nela, ocorreu o processo de
ocupação humana do país, que, portanto, esteve diretamente implicado ao movimento do
campo. Portanto, os processos sociais, econômicos, culturais e políticos de formação
histórica da sociedade brasileira encontram-se diretamente implicados à dinâmica rural.
Conforme Ianni (1984, p. 163), tais processos, “provocados pelo desenvolvimento
intensivo e extensivo do capitalismo no campo, manifestam-se tanto nas áreas ‘pioneiras
como nas de exploração antiga; seja nas áreas em que o capitalismo parece algo recente, seja
naquelas em que já se encontra avançado”.
Entende-se que todos esses processos são, em sua totalidade, constituintes e
constitutivos da formação sócio-histórica do Brasil. Neles, é interessante perceber que a
dinâmica da ocupação humana do Brasil Colônia perfila também a formação econômica, e
assim, dialeticamente, todos os demais âmbitos da constituição do país na atualidade.
Para não estender a discussão sobre a configuração do Brasil durante o período
colonial, mas para demarcar a compreensão assumida neste trabalho, empresta-se de Prado
Júnior (2006, p. 107) a afirmação de que
As três raças formadoras ainda continuavam a contribuir, embora em proporções
várias, mas todas regular e efetivamente, com novas infusões de sangue puro e
fresco: os brancos pela imigração; os pretos pelo tráfico; os índios pela incorporação
contínua de indivíduos, às vezes de tribos inteiras que se submetiam em bloco à
colonização. Assim, a par da maioria já mestiça, aparecem grupos menores, mas
ainda de certo vulto, de elementos puros. Os pretos, em número esmagadoramente
superior, os brancos e índios, provavelmente em equilíbrio numérico. Mas o
processo de caldeamento marchava com rapidez: nada mais precário e instável que
aqueles contingentes puros.
Destarte, a miscigenação é marca original e constante da configuração humana do
país. A disposição social das três raças fez com que as dominadas desenvolvessem uma
relação proximal de maior afinco, conformando contingentes populacionais que,
frequentemente, insurgiam contra a classe dominante e o Estado. Todavia as significativas
insurgências, elas não alcançaram suficiente êxito, até o momento, para transformar a
estrutura social desigual, que as sobrepuja, discrimina e marginaliza.
37
Por conseguinte, é notório que a formação social – configuração humana – foi
determinada pelos objetivos econômicos lusitanos. Enquanto uma motivava a ocupação, a
outra sustentava a exploração das riquezas desta terra.
Para Iamamoto (2007, p. 177), isto foi decisivo para a atual configuração das
relações sociais no campo, sejam elas assalariadas ou não assalariadas – supérfluas para o
capital como mão de obra assalariada e, portanto capitalistas, ou simplesmente baseadas na
produção mercantil simples e, logo, não capitalistas.
A diversidade das formas de integração da superpopulação relativa ao circuito da
reprodução capitalista faz-se por meio da criação/recriação de relações não
assalariadas, estimulando a produção, pelo capital, de relações não capitalistas de
produção. Destarte, revigora-se o trabalho familiar e artesanal, estimulando as
economias informais e subterrâneas, com elevadas taxas de extração de trabalho
excedente.
Assim, buscando as raízes do passado colonial e das relações sociais fundadas na
dominação política, nota-se que a configuração social do campo brasileiro bastante diverso na
atualidade é prenhe deste passado e de sua diversidade. Destarte, os trabalhadores da
agricultura familiar, compreendidos por Stedile (2012) e pelos movimentos sociais do campo
como camponeses, e por Iamamoto (2007) como ‘produtores mercantis simples’, compõem a
diversidade das formas de integração da superpopulação relativa ao mercado produtivo e,
porquanto, para subsistir, ao mercado consumidor, estando presentes no estágio de
aprofundamento do capitalismo financeiro.
Desde os tempos do Brasil colonial este tipo de trabalhador existiu, transformando-se
segundo o movimento histórico da sociedade. Os camponeses pobres, que aqui chegaram e
foram marginalizados nos cantos de terra – ‘desinteressantes’ para a grande exploração
agrária –, foram se adensando aos trabalhadores que eram expulsos das grandes propriedades
de monocultura, conformando os chamados ‘caboclos’, ‘caipiras’, ‘tabaréus’ etc. Também os
negros fugidos das grandes propriedades, ou mesmo aqueles que começam a ser libertos no
século XIX, aos poucos vão engrossando o grupo deste tipo de trabalhador voltado para a
produção de subsistência e/ou para a produção mercantil simples de pequena escala. Exemplo
está nos mocambos nordestinos, constituídos a partir dos séculos XVII e XVIII, cuja pequena
produção agrícola visava à subsistência, ao mesmo tempo em que sinalizava uma tímida
resistência escrava10 ao latifúndio explorador e escravista.
10
Constituídos predominantemente por escravos fugidos, mas também por brancos livres e empobrecidos, que
não conseguiam produzir sua subsistência nos pequenos centros dos povoados.
38
Com a independência e a instalação de uma política tímida de migração 11, começa
realmente a aparecer o colonato no Brasil, e uma parte dele, que tinha menor poder aquisitivo,
também passa a se configurar como produtor mercantil simples. A partir desse momento as
relações sociais no Brasil vão se transformando internamente, configurando a diferenciação
interna que dá origem às classes sociais fundamentais: capitalista e proletária (HIRANO,
2008). Um dos reflexos deste processo histórico de configuração da formação humana do
espaço rural, iniciado desde o Brasil Colônia, é que alguns poucos colonos conseguem se
fortalecer e se consolidar no mercado de trabalho como médios ou grandes empresários rurais,
identificando-se como uma nova burguesia rural, enquanto a maioria permanece no âmbito
das relações produtivas subalternizadas pelo mercado capitalista, compondo a classe
trabalhadora camponesa12.
Portanto, parece que pouco mudou desta configuração desde então. Uma análise feita
por Iamamoto, em fins dos anos 1990, retrata esse processo, que não é privilégio do espaço
rural, mas atinge a configuração das classes e de suas lutas em toda sociedade. Segundo a
autora (2007, p. 179, grifo da autora),
O novo estágio do processo de desenvolvimento capitalista, cujas tendências
parecem irreversíveis, tem reforçado a fragmentação social, aumentando a
diferenciação das classes, ampliando as desigualdades sociais, alterando
radicalmente o mercado de trabalho. Dá lugar a uma ‘nova pobreza’, um
excedente de força de trabalho que não tem preço, porque não tem mais lugar no
processo de produção. A luta de classes é assim transformada: formas anteriores de
organização do mundo do trabalho são solapadas, enquanto novas formas estão
sendo criadas.
Ora, as origens agrárias nas relações sociais brasileiras, fundadas na dominação
política através do uso da violência, determinaram não apenas as relações estabelecidas no
11
Não se está desconsiderando que durante o período do Brasil Colônia, instalou-se uma experiência de
ocupação migratória de famílias açorianas, organizada em pequenas propriedades, localizada na faixa litorânea
sul do Brasil, mais especificamente nos atuais Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, conforme já
apontado. Todavia, esta experiência colonial isolou-se nela mesma e uma política efetiva de colonização, a
partir da migração europeia, apenas se instalou após a independência do Brasil.
12
Segundo Stedile (2012), os movimentos sociais camponeses de esquerda na América Latina assumem a
perspectiva teórica marxista – que também é política – de afirmação da existência do campesinato, o qual
participa da correlação de forças sociais, econômicas, políticas e culturais na sociedade capitalista. Mesmo não
se configurando como força de trabalho assalariada, participa da produção de riquezas, operando no âmbito da
produção de mercadorias, constituindo-se enquanto classe camponesa. Esse campesinato constitui-se pelos
camponeses remediados – identificados também como médios e pequenos agricultores familiares –, pelos
camponeses pauperizados – agricultores familiares que ainda detêm pequena propriedade de terra, mas
perderam poder aquisitivo, tornando-se, poucas vezes, pequenos produtores ou, na maioria das vezes,
tornando-se camponeses que associam seu trabalho e de sua família na pequena propriedade ao trabalho
temporário externo a ela – e pelo proletariado rural destituído da propriedade da terra, que sobrevive da
venda da sua força de trabalho e da família nas grandes e médias propriedades rurais. Constantemente esse
campesinato tem seus direitos sociais negados, o que instiga parte dele a se organizar em movimentos sociais
camponeses e lutar contra a ordem capitalista burguesa, representada oficialmente nos atos do Estado.
39
campo, mas também aquelas que caracterizam a dominação econômica do capital urbano na
atualidade. Um dos resultados mais graves deste processo, sem dúvida, é a fragmentação da
classe trabalhadora e, consequentemente, da luta de classe, o que ocorre, inclusive, pela
pauperização crescente a que é submetida pelo capital. Mas, atenção! Mesmo diante desse
contexto de fragmentação de classe, nota-se na atualidade a presença de movimentos sociais
do campo, que se identificam como classe trabalhadora camponesa – estando ligados à Via
Campesina (articulação latino americana) –, e se organizam a partir de demandas específicas
– são exemplos o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),
o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) etc.
É essa configuração humana do Brasil colonial, que marcou o desenvolvimento da
nação, que permite compreender a dominação e sujeição que atinge a classe trabalhadora
camponesa, no Brasil contemporâneo, em termos sociais, políticos, econômicos e culturais.
Sem compreendê-la é muito difícil apreender o jogo de forças políticas que conforma o rural
na atualidade.
1.1.2 A configuração econômica de uma colônia rural
No tocante a economia da colônia, a constatação inicial, arregimentada em Ianni
(1984), Prado Júnior (1959, 2006), Holanda (1995), Guimarães (1968) e Fernandes (2005),
aponta que ela se direciona integralmente para o fornecimento de gêneros tropicais e minerais
de significativa importância para sustentar a centralidade comercial europeia e, nela, a
dominação mercantil portuguesa.
Seu principal pilar de sustentação, sem sombra de dúvidas, é a agricultura (IANNI,
1984; PRADO JÚNIOR, 2006), ou, noutras palavras, a exploração agrária (GUIMARÃES,
1968). De qualquer forma, o eixo da sustentação econômica da colônia será o campo, o
espaço rural, a produção agrária monocultural, que naquele momento histórico abrange
praticamente a totalidade do território colonial. A cidade servirá apenas para centralização dos
parcos aparelhos jurídicos e governamentais, para o ínfimo comércio – mercantil – de
sustentação das classes dominantes e, eventualmente, para os poucos festejos religiosos que
ocorriam fora das terras dos engenhos e fazendas.
Conforme Prado Júnior (2006, p. 119, grifo do autor), os determinantes da estrutura
agrária do Brasil colônia têm como
40
Elemento fundamental, a grande propriedade monocultural trabalhada por escravos.
A grande exploração agrária – o engenho, a fazenda – é consequência natural e
necessária de tal conjunto; resulta de todas aquelas circunstâncias que concorrem
para a ocupação e aproveitamento deste território que havia de ser o Brasil: o caráter
tropical da terra, os objetivos que animam os colonizadores, as condições gerais
desta nova ordem econômica do mundo que se inaugura com os grandes
descobrimentos ultramarinos [...], se estende para os trópicos a fim de ir buscar neles
os gêneros que aquele centro reclama e que só eles podem fornecer. Os três
caracteres apontados: a grande propriedade, monocultura, trabalho escravo, são
formas que se combinam e completam.
Aliás, deve-se salientar que a base para a exploração econômica da colônia é a
escravidão, outrora extinta – ou quase – da antiga civilização, mas que ressurge no plano
lusitano no século XVI, como exigência para trabalhar braçalmente a grande propriedade
monocultural, constituída no Brasil Colônia desde a chegada portuguesa.
Assim, conjugam-se os três elementos que determinam a estrutura colonial agrária do
país: o latifúndio, a monocultura e a escravidão. “Estes três elementos formam o sistema
típico, a ‘grande exploração rural’, isto é, a reunião numa mesma unidade produtora de
grande número de indivíduos; é isto que constitui a célula fundamental da economia agrária
brasileira” (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 123, grifo do autor).
Constituem-se como setores dessa economia sustentada pela ‘grande exploração
rural’: a monocultura associada ao latifúndio escravocrata; a mineração associada à
agricultura, também de base escravagista; o extrativismo, baseado na coleta operada por
homens livres que, em parcos números, habitam as florestas ou as áreas próximas a elas; e,
por fim, a pecuária e as demais produções agrícolas, cujo objetivo central não é o comércio
exterior, mas a subsistência da população para que os primeiros setores pudessem ser
explorados.
É importante reconhecer que este tipo de atividade, principalmente a pecuária, serve
como estratégia de ocupação do interior da colônia (PRADO JÚNIOR, 2006; GUIMARÃES,
1968; IANNI, 1984).
Necessário também considerar, a dominação exercida pela coroa portuguesa sobre a
economia colonial, através da administração, ou melhor, o controle da metrópole sobre todos
os tipos de atividades coloniais. Este controle tinha como fundamento o favorecimento das
atividades que pudessem enriquecer Portugal. Assim, por um lado, beneficiava aquelas
atividades econômicas que trouxessem ganhos econômicos no que tange a comercialização –
mercantilização – com a Europa e interpunha obstáculos àquelas que possivelmente pudessem
barrar o comércio dos produtos portugueses, como era o caso das manufaturas, da siderurgia
etc.
41
Devido a este controle da metrópole, o Brasil não alcançará desenvolver as condições
econômicas, sociais e políticas para sustentar sua independência, de forma a não continuar
sendo sobrepujada por quaisquer outras nações, principalmente aquelas europeias. Embora a
colônia vá lograr a independência no século XIX, ela decorre muito mais da crise política e
econômica da metrópole, que das mobilizações da população colonial ou da existência de uma
estrutura para sustentar uma nação que aqui se desenvolveria.
Para Fernandes (2005, p. 231, grifo do autor), que identifica ter ocorrido (e continuar
ocorrendo) no Brasil um processo de contrarrevolução preventiva, resolvida dentro da ordem,
A descolonialização inicial foi mínima, graças à preservação da escravidão, da
produção colonial e da ordem social escravocrata e senhorial, a dominação
senhorial, primeiro, e sua transformação em dominação oligárquica, em seguida,
bloquearam tanto econômica e socialmente, quanto politicamente a formação de
classes e dos mecanismos de solidariedade de classe, impondo o controle
conservador e o poder autocrático das elites das classes dominantes como fio
condutor da história, que marcou a transição da sociedade colonial para a sociedade
imperial.
Sem dúvida, a economia do Brasil Colônia conformou os principais fundamentos que
justificaram sua dependência internacional, mesmo após sua independência política. Esta
economia dependente se reproduzirá permanentemente desde o período colonial, perpassando
a história brasileira. Primeiro a protagonizarão dos elementos do império português e os
estamentos senhoriais e escravos, e depois a aristocracia rural, transformada gradualmente em
burguesia rural e urbana, que compunha com o Estado autocrático o poder oligárquico, que
submeterá permanentemente a classe proletária que gradualmente vai surgindo no período
posterior à abolição da escravatura.
Retomando o período colonial, observa-se que, conforme Prado Júnior (2006, p. 129,
grifo do autor), o que serve de característica fundamental para aquela economia e que,
colabora para determinar os fundamentos da nação até a contemporaneidade, é:
De um lado, na sua estrutura, um organismo meramente produtor, e constituído só
para isto: um pequeno número de empresários e dirigentes que senhoreiam tudo, e a
grande massa da população que lhe serve de mão-de-obra. Doutro lado, no
funcionamento, um fornecedor do comércio internacional dos gêneros que este
reclama e de que ela dispõe. Finalmente, na sua evolução, e como consequência
daquelas feições, a exploração extensiva e simplesmente especuladora, instável no
tempo e no espaço, dos recursos naturais do país.
Desse modo, é a exploração e produção de riquezas agrícolas que caracteriza
definitivamente a formação do Brasil, desde a época colonial. Naquele período, o capitalismo
ainda não se instalara no Brasil com as características requeridas para desenvolvimento da
exploração da força de trabalho livre, desenvolvendo-se aqui um tipo híbrido de economia,
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fundada na “presença dominante e incontrastável da grande exploração cultivada por
escravos, assentada sobre a grande propriedade fundiária alodial e alienável”, que
caracterizará a “existência de um modo de produção colonial, com base no desenvolvimento
do escravismo colonial, organizado segundo o modelo da plantagem”, e que alimenta o
capitalismo mercantil do império (GORENDER, 2005, p. 177; 179; 211).
O desenvolvimento da indústria – e do capitalismo industrial - aparecerá tardiamente,
quase quatro séculos depois do início da sua história oficial como ‘Brasil Colônia’. Antes
dele, Fernandes (2005) aponta a formação da ordem social competitiva, durante o período
imediatamente posterior à instalação da força de trabalho livre e da transformação da
aristocracia agrária em burguesia rural e urbana ascendente. Mesmo assim, quando a
industrialização aparece, será a economia de ordem agrária que lhe dará o suporte para se
desenvolver, conforme será discutido adiante. Portanto,
A agricultura é o nervo econômico da civilização. Com ela se inicia – se excluirmos
o insignificante ciclo extrativo do pau-brasil – e a ela deve a melhor porção de sua
riqueza. Numa palavra, é propriamente na agricultura que assentou a ocupação e
exploração da maior e melhor parte do território brasileiro (PRADO JÚNIOR, 2006,
p. 130).
Note-se que nos primeiros dois séculos de ‘exploração colonial’, será o monocultivo
de cana-de-açúcar, segundo o modelo de plantagem escravocrata, a dominar e determinar o
cenário econômico (GORENDER, 2005). Na segunda metade do século XVIII aparece o
algodão, que terá uma breve pujança. A exploração da agricultura, a partir da grande lavoura
colonial, cede espaço em termos de importância econômica, apenas durante um curto lapso
temporal, para a mineração, que participa com o mesmo caráter econômico da primeira e, por
isso, encontra-se na mesma categoria de importância para a colônia.
Ainda nos últimos anos do século XVIII, a agricultura retoma a sua relevância como
carro chefe da economia, muito embora ainda se localize apenas na faixa litorânea de
exploração. Isso ocorre devido ao tipo de produção agrícola que se desenvolve na colônia,
sem técnicas – a não ser o predatório uso das queimadas –, sem uso de insumos e sem
mecanização. Não sendo as terras do interior viáveis para esse tipo de cultivo, elas serão
aproveitadas predominantemente para a pecuária e, eventualmente, para alguma pequena
produção destinada à subsistência da própria colônia.
Aliás, o café é a única produção que não se localiza necessariamente na faixa
litorânea. Mas, da mesma forma, não avança muito pelo interior, localizando-se, até finais do
século XIX e início do XX – quando a nação se consolidara politicamente –,
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predominantemente nas encostas da serra do mar, principalmente na região atualmente do Rio
de Janeiro e São Paulo.
Por maior relevância econômica que tenha tido a agricultura durante o período
colonial, há de se considerar que ela foi caracterizada pela baixa produtividade e pelo
esgotamento dos solos, causados principalmente pela ausência de conhecimentos técnicos e
científicos para a produção. Ora, na colônia, o sistema de ensino era parco, com cadeiras
voltadas basicamente para o latim e o grego, presentes apenas nos maiores centros da colônia,
os quais formavam preponderantemente profissionais liberais, principalmente para o
atendimento médico e jurídico. Nas propriedades rurais, agravava-se a situação da parca e
precária escolarização, o fato que aqueles rebentos dos engenhos que alcançavam sair para
estudar nos centros da colônia, ou mesmo na metrópole, não mais regressavam para
desenvolver trabalhos na terra, e nem mesmo a administração do engenho. Outrossim,
dirigiam-se para os poucos centros urbanos como profissionais liberais ou burocratas da
colônia, e quando muito, interferiam na governança das terras familiares através das carreiras
políticas, que alguns logravam desenvolver.
Apesar desse afastamento de parte da geração sucessora dos mandatários das grandes
propriedades fundiárias, eles mantêm-se por séculos no comando local e, até mesmo, na
política regional e nacional, através da dominação política que emerge a propriedade da terra.
É o caso dos coronéis do nordeste, que dominam o cenário político das províncias durante
séculos e que, mesmo com a ascensão de uma burguesia industrial no século XX, não perdem
seu poder de mando, mantendo-se na direção dos redutos locais e regionais até a atualidade.
Segundo Hirano (2008), por mais que os estamentos senhoriais agrários operassem
economicamente,
a
dominação
exercida
sobre
os
estamentos
subalternos
era
preponderantemente política – embora também o fosse, em menor proporção, econômica, na
análise desta pesquisadora. Este é um dos motivos pelos quais esse tipo de formação
econômica da colônia não pode ser considerada inteiramente capitalista, nem apenas não
capitalista e feudal. Isso ocorre, conforme Hirano (2008, p. 33, grifo nosso), pois
[...] o trabalho escravo não é igual a trabalho livre: nem em termos formais
nem em temos reais. Diferentes, também, os “capitalismos” produzidos por eles:
num caso, o capitalismo mercantil (pré-capitalista, ou capitalismo político); aí não
há sujeição formal do trabalho ao capital; ao contrário, a sujeição é política e não
econômica. Noutro caso, o capitalismo industrial, onde ocorre a sujeição formal do
trabalho ao capital.
Para compreender o mapa da dominação política da colônia – aquela que é possível
exercer nas brechas que a metrópole deixa –, é necessário considerar que a dominação política
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não resulta apenas da economia canavieira. Outrossim, ela resulta da grande propriedade – e
dos privilégios dela oriundos – e, principalmente, da capacidade econômica e política da
exploração da terra através da escravidão – poder para possuir um número de escravos
suficiente para explorar a propriedade –, seja qual for o recurso natural ou cultivado nela.
Assim, mesmo sendo predominante, a cana de açúcar alterna a dominação do cenário
econômico e político da colônia com outros produtos, de menor importância na sociedade
colonial, bastando para isto que o estamento senhorial tivesse propriedades (terra e escravos)
suficientes para operar a exploração econômica colonial. São os casos da produção de algodão
– que ganha relevância apenas no terceiro quartel do século XVIII, quando se torna produto
para a exportação –, de aguardente, de cacau, de arroz – produzido para exportação apenas no
Maranhão, Pará e Rio de Janeiro, durante o mesmo século XVIII –, do anil e do tabaco.
Não obstante o domínio da grande lavoura, a agricultura de subsistência já se faz
presente ainda no Brasil colônia. Ela é apontada por Prado Júnior (2006) como aquela
destinada ao consumo e à manutenção da própria colônia, que sendo subsidiária da economia
colonial, depende desta para lhe infundir forças e vida. A principal força de trabalho é o
próprio lavrador, arrendatário, posseiro e sua família ou, excepcionalmente, nas grandes
fazendas, algum mestiço servil ou mesmo escravo, que produzem um roçado próprio, dividido
com o senhor, no qual trabalham no único dia de folga, geralmente aos domingos.
Além de subsistir junto ou ao lado da grande propriedade, a agricultura de
subsistência também é praticada em regiões que têm como função econômica o fornecimento
de alimentos para a subsistência da colônia. Este foi o caso do território onde atualmente
constitui-se o estado de Sergipe, segundo Diegues Júnior (2002). Mesmo sendo esta, uma
agricultura que produz comercialmente, tendo em vista que sua produção é destinada ao
fornecimento de gêneros básicos de subsistência para a própria colônia, alimentando o
mercado interno, é identificada por Prado Júnior (2006) como agricultura de subsistência.
Neste sentido, o jurista e historiador aponta que, por ter sua produção econômica
essencialmente voltada para a exportação, é muito comum nos relatos jornalísticos da colônia
a afirmação sobre a inexistência ou insuficiência de produtos para a alimentação dos
contingentes de trabalhadores das lavouras e dos parcos – mas presentes – centros urbanos.
Assim, produz-se e reproduz-se a fome, num país de produção agrária predominante.
Esta situação é agravada durante os períodos de seca, como aquela que assolou o nordeste da
colônia no final do século XVIII. Nestes períodos a seca, a fome e a sede causaram uma
grande mortandade, flagelando outros tantos que nada mais dispunham do que sua força de
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trabalho, não necessária durante a seca. “Como se vê, até a alimentação de seus habitantes é
no Brasil colônia [sic] função subsidiária da exportação” (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 165).
Dentre as culturas de subsistência, destacam-se a mandioca, o aipim ou macaxeira, o
milho, o feijão, o arroz, o trigo, sendo mais raras as frutas e hortaliças. O cultivo e consumo
de cada uma delas dependerá muito de região para região da colônia, conforme o clima, a
propensão da terra para a produção e, mesmo, dos hábitos alimentares e culturais das
populações que habitam cada pedaço de chão.
No que tange a pecuária, apesar de ser destinada ao consumo interno da própria
colônia, foi a única dentre as atividades coloniais internas – fora aquelas destinadas à
exportação – que ganhou relevância econômica, o que se deve, inclusive, ao alto consumo de
carne pela população. Prado Júnior (2006) exemplifica o fato, ao indicar que Belém do Pará,
por volta do início do século XIX, possuindo 13.000 habitantes, consumiu, no ano de 1828,
cerca de 11.000 cabeças de gado, o que perfaz o consumo de quase um boi por habitante, por
ano.
O desenvolvimento da pecuária ocorre em regiões que, por algum motivo, não são
usadas para outras culturas agrícolas, como é o caso do sertão nordestino, ou dos pampas riograndenses. Além dos motivos climáticos e de relevo, já mencionados, a simplicidade do
manejo oferece menor dispêndio de força de trabalho, pouco disponível nesses lugares. Por
isso, esta atividade não é eliminada do cenário histórico desde que se instala, no período
colonial. Outrossim, ela é apenas transferida de local, conforme as condições climáticas ou
econômicas de cada momento histórico.
A produção pecuária, mesmo sendo mais dinâmica geograficamente, também
desenvolve sua principal produção com base na grande propriedade territorial, que vão
constituir as grandes fazendas de gado. Nelas quem trabalha é o capataz, o vaqueiro e os
peões, enquanto o fazendeiro vive na cidade, de onde administra seus negócios e a venda do
rebanho.
Não obstante a característica latifundiária predominante, verifica-se também a
presença de pequenos proprietários, que, por sua característica, configuram-se como
trabalhadores em seu próprio negócio.
Embora presente em boa parte do território colonial, em cada região o cultivo da
pecuária se caracteriza de modo diferente de região para região. Em Minas, por exemplo, a
pecuária de carne subsiste com a pecuária de leite. Além disto, as próprias condições
climáticas determinam períodos diferenciados de produção, segundo cada região. Dessa
forma, a produção pecuária do sertão do nordeste prevalece até o início do século XVIII,
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quando a região é atingida por uma grande seca e o comércio dela proveniente é substituído
pela pecuária gaúcha, que é comercializada através da produção do charque.
Uma característica importante da pecuária é que, muito mais do que na produção da
grande lavoura de cana, café ou outros, ela consegue conjugar a produção da carne ao cultivo
da agricultura de subsistência e à produção de derivados, como o couro e os próprios
laticínios.
Todavia, as possibilidades mais amplas de produção e as condições de manejo dos
rebanhos são ainda rudimentares na maioria das regiões. Além disso, a força de trabalho
empregada ainda tem a presença da escravidão, ou em muitos casos, de uma espécie de
servidão, embora essas formas não predominem. A depender das condições da região –
densidade populacional, condições climáticas e de relevo –, a pecuária usa a força de trabalho
livre, que é o capataz, o vaqueiro e o tropeiro, pagos, geralmente, com uma pequena parte do
próprio rebanho. Noutras vezes, quando se trata de um pequeno pecuarista, a força de trabalho
é composta pelo próprio proprietário e sua família, ou pelo arrendatário e sua família ou, em
parcas vezes, pela mão de obra familiar associada àquela assalariada.
Ainda deve se considerar que no Brasil sempre coexistiram produções extrativas.
Todavia, relativamente às atividades de exploração agrária, as primeiras tiveram menor grau
de importância na economia de exportação. Além disso, deve-se considerar que a atividade
extrativista funcionou como base de expansão da vida humana – e, portanto, de ocupação
territorial pelo homem – nas regiões do país, que sendo grandes territorialmente, sempre
tiveram a menor densidade populacional. Essa atividade, nos tempos do Brasil Colônia,
constituía-se predominantemente por tribos indígenas e, nos períodos de alta estação da
coleta, de alguns grupos de expedicionários extrativistas, denominados por Prado Júnior
(2006) como colonos da floresta, que se configuravam, ao mesmo tempo, como
desbravadores. Dentre seus produtos comercializáveis estavam a canela, o cravo, a castanha, a
salsaparrilha, o cacau e a borracha, além dos peixes, tartarugas (inclusive seus ovos) etc.
Especialmente na atual região amazônica ocorre, de forma mais efetiva que noutras
regiões, o aproveitamento da população indígena, que serve de força de trabalho dentro das
florestas e passa a interagir com o homem branco, expedicionário e explorador extrativista, de
forma pacífica e, frequentemente, amistosa.
Outro elemento que aponta para a característica predominantemente agrária do
Brasil, desde os tempos de colônia, até meados do século XX é a insípida presença da
indústria, que tem caráter doméstico e de pequeno porte. Aliás, numa análise dos fatores
políticos e econômicos da administração do Brasil, fica bastante objetiva a escolha pela
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produção – exploração – agrícola para exportação e, ao mesmo tempo, pela ausência de uma
produção industrial. Noutro foco de análise, foi esta opção pela produção agrícola que gorou a
industrialização na colônia, fazendo da exploração agrária a principal atividade deste Brasil
rural.
A razão é bastante simples e se encontra no fato de ser considerada a colônia apenas
como um quintal de Portugal, sendo de uma objetividade declarada nas legislações da época,
que estas terras deveriam apenas produzir, em primeira ordem, produtos de agricultura
exportáveis para a Europa, viáveis economicamente para a metrópole, e, em segunda ordem,
bens de primeira necessidade, indispensáveis para a manutenção da vida na colônia. Portanto,
o desenvolvimento da indústria na colônia, não era bem-vindo, visto que poderia produzir
certa autonomia em relação à metrópole, o que contribuiria para sua independência política.
Algumas iniciativas de instalação da indústria colonial ainda foram realizadas, em
fins do século XVIII e princípios do século XIX, voltando-se especificamente para as áreas
têxteis e do ferro, cujas matérias-primas eram abundantes na colônia. Estas experiências se
localizaram principalmente nas regiões de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, mas foram
extintas, via decretos, pelo vice-reinado, visto que faziam concorrência ao comércio de
Portugal (PRADO JÚNIOR, 2006).
Desta forma, a pequena produção industrial da colônia voltava-se apenas para a
produção de produtos de primeira necessidade, através das olarias, curtumes, fábricas de
sabão, sebo, azeite de andiroba, chapéus de feltro, esteiras, pelegos e cobertas de lã (bastante
rudimentares), cordoaria, alguns produtos de ourivesaria e, por fim, panos grossos de algodão,
de serventia para a fabricação das vestimentas dos escravos. “E não é certo, se tomadas as
devidas proporções, a nossa minúscula indústria colonial não representaria para sua época
mais que estes simulacros de atividades manufatureiras que tivemos no século XIX” (PRADO
JÚNIOR, 2006, p. 227).
Representação similar pode ser atribuída ao comércio interno da colônia, destinado
apenas a circulação local e, em alguns casos de gêneros, entre as distintas regiões da colônia.
Esta circulação, sendo de pouca monta, ocorria por via terrestre e fluvial, quando as condições
naturais permitiam, sendo a maior parte dela feita pela via marítima, visto que desta forma
facilitava-se a fiscalização dos produtos que circulavam.
Há de se considerar que o comércio interno voltava-se para a circulação de gêneros
de subsistência da colônia, principalmente provenientes da pecuária, direcionados
especialmente para os maiores centros urbanos.
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Enquanto o comércio externo dispunha de apenas uma via de saída e entrada: a
metrópole, ou no máximo, o comércio praticado com as colônias da África. De qualquer
forma, saíam do Brasil os produtos agrícolas, enquanto chegavam como mercadoria
comercializável os braços escravos, predominantemente, e os artigos industrializados,
produzidos pelo reino.
Assim, constituíam-se entre a colônia e o reino a relação de trocas desiguais, em que
a primeira figurava como produtora de gêneros agrícolas exportáveis e mercado consumidor
de manufaturas da metrópole, enquanto o segundo fazia as honras de operar, a seu favor, a
balança comercial, inclusive do quintal brasileiro, tanto no comércio interno de Portugal,
quanto na relação comercial com outros países.
No que se refere às comunicações no Brasil colônia, é notória sua precariedade. No
início da ocupação lusitana, as vias de transporte e comunicação internas eram inexistentes,
restringindo-se apenas à faixa litorânea, cuja efetivação ocorria pela via marítima. Com a
abertura de caminhos internos, entre os principais centros produtivos, como consequência dos
diversos ciclos de exploração – cana de açúcar, algodão, ouro, café, cacau, borracha –, as vias
de transporte e comunicação se ampliaram. Todavia, continuaram precarizadas, lentas e sem
atender às necessidades da população colonial. Neste sentido, nem a vinda Real para a
colônia, e a instalação do vice-reinado, em fins do século XVIII e início do XIX modificou
essa realidade.
O perfil de baixa comunicação da colônia e a insuficiência de vias de transporte que
dessem sustentação às trocas efetivas de produtos, mercadorias e informações entre as
regiões, conferiram certo isolamento interno entre os centros urbanos, as regiões da colônia, e
entre ambas e a metrópole. Como efeito, a vida material, social e política, notavelmente se
restringia aos próprios povoados, aos engenhos, às fazendas, aos pequenos e médios centros.
Destarte, as relações sociais tinham pouca amplitude, e a mobilidade territorial e profissional
era quase inexistente, o que se dirá, então, da mobilidade social. Logo, sem aprofundar tanto
esse ponto da análise – dada a intencionalidade da discussão nessa parte do estudo – é
premente reconhecer que também esta característica conferia à colônia traços de sua feição
provinciana e rural, embora não feudal.
Se para Guimarães (1968) a economia colonial é feudal, para Hirano (2008, p. 72) o
que se desenvolve no Brasil é uma “produção escravista colonial, comandada pelo capital
mercantil, que realizava uma acumulação não capitalista, com evidentes traços précapitalistas, mas não feudal”. De alguma forma, Hirano (2008) indica certa aproximação à
compreensão de Gorender (2005), sobre o desenvolvimento, no Brasil, da economia de
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plantagem, organizada através do escravismo colonial, que produz uma sujeição política
muito mais que a sujeição econômica.
Destaca-se ainda, ao tentar organizar as ideias sobre o perfil da exploração
econômica colonial, a identificação de Ianni (1984), para quem o Brasil colonial, fundado na
exploração agrária – que determina as origens do Estado agrário – segue o perfil capitalista
mercantil ou comercial. Ele confirma, de alguma forma, a tese de Prado Júnior (1959, 2006),
também compartilhada por Fernandes (2005), de que nunca houve feudalismo no Brasil, nem
mesmo no período colonial. O que existiu aqui foi uma forma original de capitalismo
(mercantilista ou comercial), ou melhor, o estabelecimento, através da exploração agrária
mercantil (acumulação originária de capital), das condições primitivas necessárias para o
surgimento do capitalismo estrutural – o que colaborou para gerar as condições históricas para
a transição capitalista. Neste sentido, segundo Hirano (2008), sustentar-se-ia a tese précapitalista do Brasil colonial.
Portanto, a configuração econômica do Brasil Colônia detêm traços de um
capitalismo híbrido, próprio da colonização lusitana no Brasil, visto que produz a acumulação
primitiva do capital – que pode ser considerado um capitalismo original. Ele é desenvolvido
com tais características apenas nestas terras, em decorrência dos interesses que cá se instalam:
a exploração agrária colonial, com base no modelo de plantagem escravocrata, fundado na
grande propriedade monocultural, para alimentar o capitalismo mercantilista do império
lusitano. Por isto, embora denominado de formas diferentes – como capitalismo mercantilista,
comercial, colonial, escravocrata, ou de plantagem –, é predominantemente relacionado ao
desenvolvimento da acumulação primitiva, que propiciará as condições prévias para o
desenvolvimento do capitalismo competitivo, e apenas timidamente industrial.
1.1.3 A vida social e política da colônia, com seus traços rurais
Quando se trata da organização social da colônia, o traço marcante, sem dúvida, é a
intensa presença da escravidão, que começa a ser deposta apenas quando baixam as cortinas
do século XIX. Como apontado, a escravidão se recoloca para a sociedade ocidental depois de
ter sido extinta da antiga civilização, tendo como fundamento a produção material (exploração
mercantil) nas colônias das metrópoles europeias.
Para Prado Júnior (2006), esta escravidão se recoloca no seu pior nível, reduzindo o
homem à simples expressão de instrumento vivo de trabalho. Dessa forma, ao olhar para o
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negro escravizado, por exemplo, enxergava-se apenas o farto rendimento do capital, aqui
investido pela colonização lusitana. “Em suma, na escravidão, tal como se estabelece na
América, em particular no Brasil, concorrem circunstâncias especiais que acentuam seus
caracteres negativos, agravando os fatores moralmente corruptores e deprimentes que ela, por
si só, já encerra” (p. 275).
Para o autor, era o escravo a fonte primaz da força de trabalho voltada para a
produção de bens e produtos. Tanto os escravos utilizados nas atividades objetivamente
produtivas da monocultura, quanto àqueles destinados às atividades domésticas; tanto no
campo – predominantemente –, como na cidade, este trabalhador é presença constante no
Brasil colonial e em boa parte do império.
Desde aqueles períodos, o desempenho de quaisquer atividades de força,
caracterizadas como ‘trabalho’, era fator diminutivo para a honra e posição social da classe
dominante. Disto decorre o fato de que não bastava ser proprietário de terras, caso não fosse
proprietário do principal bem da época, o escravo. Destas propriedades originava-se a
dominação política, já discutida anteriormente. Assim, a posição social dentro da divisão das
duas classes/castas originais – considerada por Fernandes (2005) como divisão estamental –
tinha como um dos fatores determinantes o número de escravos que cada fidalgo da colônia
possuía.
Assim, a vida social se organizava a partir da escravidão: ou se é escravo,
considerado como escória social, ou se é trabalhador livre, geralmente liberal ou burocrata da
administração do reino – ambos com pouco prestígio social, muito embora o último esteja
bastante acima do escravo na ordem social –, ou se é proprietário de escravos, de terras e de
outros bens. Para Ianni (1962 apud HIRANO, 2008, p. 71, grifo do autor), “é nesse sentido
que emergem e se estruturam os componentes básicos de um sistema societário de castas,
dicotomizado em senhores, mancípios e negros”.
A ausência do trabalho livre no Brasil Colônia, praticamente faz deste lugar uma
terra de pouca ou nenhuma mobilidade social. Isso contraria, de certa forma, a característica
tradicional da metrópole, da mobilidade senhorial e nobre, em que a nobreza era adquirida
através de títulos, segundo a riqueza ou as influências políticas que se possuía e não pela
linhagem consanguínea, como acontecia no restante da Europa.
Nasce aí toda ordem de preconceito especialmente contra o negro, no Brasil, todavia,
incluindo-se nos grupos subalternos e discriminados – naquele período – todos aqueles
indivíduos que viviam, de uma ou outra forma, através da sua força de trabalho.
51
Assim, também se origina toda gama de discriminações e de identificações
pejorativas daqueles trabalhadores rurais, escravos ou libertos. Tanto o índio, o posseiro, o
arrendatário, o lavrador e, principalmente, o negro escravo do campo, é tomado desde o
princípio da história colonial como espúria social, coisa ou, no máximo, como sujeito sem
valor.
Provém desta estrutura social originária a posterior divisão objetiva de duas classes
sociais no campo: a proprietária de terras e bens; e a classe trabalhadora, proprietária de sua
força de trabalho e, quando muito de meios de produção, e/ou de um pequeno pedaço de chão,
muitas vezes insuficiente para sua reprodução e de sua família.
Aliás, para os poucos indivíduos livres da colônia restavam poucas atividades: ou a
pequena produção agrícola, destinada à subsistência das populações dos engenhos, fazendas,
pequenos povoados e centros urbanos. Ou o desempenho de profissões liberais – reservadas
apenas para aqueles que já vinham da metrópole com alguma profissão, ou tinham
possibilidades de adquirir algum ofício, aqui mesmo, ou retornando durante certo período
para a Europa –, principalmente, juristas e cirurgiões. Compunha, com certo destaque, o rol
das possibilidades vocacionais, a dedicação às profissões religiosas, bastante requisitadas
diante da inexistência de outras possibilidades.
Em suma, o que se verifica é que os meios de vida, para os destituídos de recursos
materiais, são na colônia escassos. Abre-se assim um vácuo imenso entre os
extremos da escala social: os senhores e os escravos; a pequena minoria dos
primeiros e a multidão dos últimos. [...] Os primeiros serão os dirigentes da
colonização nos seus vários setores; os outros, a massa trabalhadora. Entre estas
duas categorias, nitidamente definidas e entrosadas na obra da colonização,
comprime-se o número, que vai se avultando com o tempo, dos desclassificados, dos
inúteis e inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou menos incertas e aleatórias
ou sem ocupação alguma (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 281).
Com o processo lento e excludente de eliminação da escravidão, ocorrido apenas na
segunda metade do século XIX, adensa-se a constituição de uma classe de perigosos, que são
os grupos sociais excluídos, de uma ou outra forma, da sociedade: os indígenas; os caboclos;
os quilombolas; os negros libertos, mas sem rumo ou ocupação; os brancos despossuídos de
propriedades, que se abrigam em vastidões ainda sem donos, tornando-se posseiros; os
agregados e moradores dos engenhos que aí ainda subsistem ou àqueles que já foram expulsos
pela adoção da mão de obra livre do imigrante colono ou operário europeu. “É uma casta
numerosa dos ‘vadios’, que nas cidades e no campo é tão numerosa, e de tal forma
caracterizada por sua ociosidade e turbulência, que se torna uma das preocupações constantes
das autoridades” (PRADO JÚNIOR, 2006, p. 283, grifos do autor).
52
Bem, dentro dessa organização da vida social, caracterizada pelo isolamento entre as
áreas minimamente urbanas, e pela concentração da vida social nos engenhos, fazendas e nos
demais tipos de estabelecimentos rurais, quem exerce o poder político e administrativo é o
senhor rural e, numa segunda esfera, a igreja.
Como consequência, multiplicam-se os laços sociais dentro dos mesmos espaços, e,
apesar da hierarquização social e do exercício do mando político e administrativo, vão se
estabelecendo relações de compadrio e apadrinhamento, que apontam para os dois polos
opostos na linha social: aquele da dominação e aquele da subserviência. Dessa forma se
estabelecem as relações que darão aportes para a teoria de Sergio Buarque de Holanda (1995),
sobre o “homem cordial” brasileiro.
Conforme Prado Júnior (2006, p. 289),
Constitui-se assim, no grande domínio, um conjunto de relações diferentes das de
simples propriedade escravista e exploração econômica. Relações mais amenas,
mais humanas, que envolvem toda sorte de sentimentos afetivos. E se de um lado
estas novas relações abrandam e atenuam o poder absoluto e o rigor da autoridade
do proprietário, doutro elas a reforçam, porque a tornam mais consentida e aceita por
todos. Ele já será ouvido como um protetor, quase um pai. Há mesmo um rito
católico que se aproveitará para sancionar a situação e as novas relações: o
testemunho nas cerimônias religiosas do batismo e do casamento, que criarão títulos
oficiais para elas: padrinho, afiliado, compadres. Colocado assim, no centro da vida
social da colônia, o grande proprietário se aristocratiza.
Ora, para o autor, estas relações afetivas e de cordialidade farão com que a estrutura
desigual, excludente e dominadora, centralizada na figura do proprietário de terras –
geralmente tratado pela designação de ‘coronel’ – perpetue-se. Isso se deve porque elas
amenizam as disparidades e conflitos sociais, eliminando possibilidades de insurgências mais
incisivas, que possam modificar essa estrutura social13.
Constata-se, desse modo, a origem e reprodução da dominação social, administrativa,
política e cultural14 exercida pelo proprietário de terras, grande senhor rural, coronel e, por
que não, na atualidade, latifundiário e ruralista.
Neste arranjo da estrutura social brasileira, original do período colonial, aparecem
estruturas peculiares, que se diferenciam, um pouco ou bastante, no que tange as relações
sociais do mesmo período. Isto figura nos domínios pastoris dos sertões do nordeste, onde o
pessoal reduzido, a pequena proporção de escravos e a grande autonomia e independência do
13
Isso não quer dizer que não houve insurgências e lutas políticas e sociais no campo, pelo contrário, elas vão
aparecendo no cenário nacional, como aquelas já mencionadas Revolta de Beckmann e Guerra dos Mascates,
tornando-se mais ou menos evidentes, numa ou noutra região.
14
Sugere-se a leitura do Capítulo 3, de Hirano (2008), onde o autor trata da‘formação colonial brasileira: castas,
estamentos e classes’.
53
vaqueiro limitam a autoridade absoluta do proprietário de terra, embora lhe confiram, mesmo
assim, certo grau de dominação social e política.
Também na pecuária desenvolvida na região de Minas Gerais, que faz pouco uso da
escravidão e sim da força de trabalho familiar – inclusive naquelas atividades da pecuária
leiteira –, as relações de dominação são mais brandas que nos engenhos e grandes
propriedades rurais de base escravocrata.
Nos campos do extremo-sul da colônia, voltadas para a produção pecuária, as
relações se assemelham ao sertão nordestino, ganhando uma feição mais democrática, embora
ainda preponderantemente de subserviência. Esta característica também vai predominar na
lavoura e pequenas propriedades voltadas para a subsistência da colônia. Nelas, a dominação
do grande proprietário da região existe, embora seja mais branda. Internamente à pequena
propriedade e aos pequenos povoados que se formam nessas regiões, o que predomina é o
poder patriarcal e, muitas vezes, também aquele religioso. Essa característica é percebida na
região de colonização açoriana, mencionada quando se tratou da ocupação incentivada.
Enfim, de uma ou outra forma, esses estilos de relações sociais em que a dominação
ganha tonalidade familiar, patriarcal e religiosa, distanciando-se da dominação do grande
proprietário de terras, é excepcionalidade na organização da vida social da colônia. Esta
excepcionalidade continuará mesmo depois da independência política do Brasil e de sua
constituição como nação. Mesmo nela, as relações sociais, políticas e econômicas ocorrem de
forma diametralmente opostas entre dominação e subserviência.
Destarte, a regra geral do Brasil agrário será a dominação dos grandes proprietários
de terras, desde o período colonial até a atualidade. Onde este mando é menos intenso, ou até
mesmo ausente, as relações de dominação são mesmo assim presentes, modificando apenas as
causas e as direções da subserviência e dominação, quais sejam, o poder que emana da
autoridade masculina e paterna, e o poder de cunho religioso.
Aliás, ao tratar das relações sociais no Brasil colonial, é indispensável registrar a
influência que exercem as profissões religiosas. Elas só ficam submergidas quando o mando
do grande proprietário de terra é presente, ou então nos centros urbanos, onde está presente
uma aristocracia administrativa proveniente diretamente do reino ou da capital do vicereinado. Esta significativa influência religiosa na vida social é exercida através da reprodução
de uma moralidade religiosa aguçada, de cunho doutrinário, proveniente da Europa e que
reproduz, religiosamente, a cultura da metrópole.
Em seu primeiro capítulo, intitulado de Fronteiras da Europa, Holanda (1995)
aponta que alguns traços da metrópole são transplantados para o Brasil colônia e outros ainda
54
vão se formando, conforme a dinâmica da própria ocupação, voltada para a exploração das
riquezas. Destaca-se: o personalismo, que resulta das características das relações na península
ibérica, em que,
Os privilégios hereditários, que, a bem dizer, jamais tiveram influência muito
decisiva nos países de estirpe ibérica, pelo menos tão decisiva e intensa como nas
terras onde criou fundas raízes o feudalismo, não precisaram ser abolidos neles para
que se firmasse o princípio das competições individuais. A frouxidão da estrutura
social, à falta de hierarquia organizada devem-se alguns dos episódios mais
singulares da história das nações hispânicas. Os elementos anárquicos sempre
frutificaram aqui facilmente, com a cumplicidade ou a indolência displicente das
instituições e costumes. As iniciativas, mesmo quando se quiseram construtivas,
foram de separar os homens e não de os unir. Os decretos dos governos nasceram
em primeiro lugar da necessidade de se conterem e de se refrearem as paixões
particulares momentâneas, só raras vezes da pretensão de se associarem
permanentemente as forças vivas (HOLANDA, 1995, p. 32).
Por fim, para completar o panorama geral da organização social da colônia, é
interessante compreender que algumas funções sociais, de caráter laboral e urbano, vão se
constituindo, conforme alguns centros urbanos vão se adensando. De uma forma ou outra,
emana dessas funções uma espécie de autoridade a ser exercida sob aqueles párias, que na
estrutura social da colônia não dispõem de nada, a não ser da sua força de trabalho. Essa
autoridade é direcionada à população de nível inferior na escala social, escravos, servos
disfarçados, ou trabalhadores livres empobrecidos, e em alguns casos, também dirigida aos
comerciantes.
Tratando sobre isto, Prado Júnior (2006, p. 293) afirma que,
Na medida da importância da aglomeração, a população fixa cresce. As funções se
tornam mais diferenciadas e exclusivas: o comerciante é só comerciante, e não
apenas nas horas disponíveis da lavoura; as artes e ofícios já começaram a se
destacar das atividades rurais, e aparecem nos centros urbanos os primeiros artífices
autônomos. Vão surgindo algumas autoridades fixas e permanentes, como o juiz que
não é mais o simples fazendeiro a exercer o cargo nas horas vagas: nos julgados
mais importantes, haverá um juiz letrado, que não é do lugar, que vem de fora;
donde sua designação. Haverá mais serventuários que se podem manter só com os
proventos do cargo: escrivães, meirinhos etc., e não precisam completar o orçamento
com outras ocupações.
De alguma forma, a diferenciação das funções, o surgimento de autoridades e o
grande destaque que sempre foi dado ao proprietário de terras e de pessoas (escravos), teria
colaborado para a instalação na colônia de um personalismo exagerado, associado ao
patrimonialismo, que já se constituíam como traços originais da metrópole.
Em relação à vida social e política da colônia, é interessante considerar o que Prado
Júnior (2006, p. 341) chama de “aglomerado heterogêneo de raças, que a colonização reuniu
aqui ao acaso, sem outro objetivo que realizar uma vasta empresa comercial, e para que
55
contribuíram, conforme as circunstâncias e as exigências, brancos europeus, negros africanos,
indígenas do continente”. Ora, tanto fica posto a intencionalidade de todo empreendimento da
metrópole na colônia, como o processo de junção das três raças – aspecto já discutido –, que
resulta na coexistência, na justaposição, mas não na coesão social que pudesse indicar a
formação social de um povo brasileiro, desde os primeiros séculos de ocupação lusitana.
Para o autor, um dos principais determinantes para a inexistência de coesão social é a
ausência de um nexo moral nas relações sociais. É notório que Prado Júnior está falando de
uma moralidade, segundo a visão de mundo de seu tempo, ou seja, por volta dos anos 1940,
quando escreve Formação do Brasil Contemporâneo – Colônia. Naquele contexto, a análise,
inclusive da sexualidade e da satisfação das necessidades sexuais no período da colônia,
apontava para a ausência de uma moralidade na perspectiva religiosa cristã.
Além disso, o traço ibérico da permeabilidade das classes sociais e a não rigidez na
formação da nobreza lusitana, a partir da classe tradicional, teria interferido de forma
determinante na formação social do Brasil. “A nobreza, por maior que fosse a sua
preponderância em certo tempo, jamais logrou constituir ali uma aristocracia fechada [...]
explica-o assaz a troca constante de indivíduos, de uns que se ilustram, de outros que voltam à
massa popular donde haviam saído”. Ora, “[...] mais vale a eminência própria do que a
herdada” (HOLANDA, 1995, p. 35-37).
Haveria assim, uma falta de coesão da vida social, que, em parte, seria resultado do
tipo de mobilidade ascendente entre as classes sociais e da consequente falta de identidade de
classe, que, portanto eliminaria os conflitos de classe. Além disto, prevalecendo o interesse
individual, representado principalmente no fato de ascender socialmente – ou tendo
ascendido, permanecer nesta classe –, tornar-se-iam dissolvidos, ou até inexistentes os
interesses coletivos que pudessem gerar uma organização política, a colaborar para a coesão
social.
Por outro lado, a falta de racionalização da vida fazia com que a organização social e
política fossem entregues a um terceiro, que no caso ibérico, eram os governos coloniais.
Como consequência, o único princípio unificador era dado por eles, configurando-se um tipo
de organização política artificial, sempre externa ao povo, e, no caso brasileiro, externo à
própria formação colonial.
Holanda (1995, p. 32) encontra nisto os determinantes para o que chama de “singular
tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e
ordenação entre esses povos”, razão que explicaria a frouxidão dos laços sociais, presentes –
na análise desta pesquisadora – ainda no novo milênio.
56
Não obstante as análises sobre a moralidade e a cordialidade no Brasil Colônia, feitas
por Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda, o que interessa para a discussão aqui
proposta é apontar que a vida social era, ao mesmo tempo, carregada de relações afetivas e
proximais – representadas na figura das amas de leite, por exemplo – e também carregadas de
violência, como aquela praticada contra os índios e os negros, na tentativa de domesticar e
escravizar os primeiros e, efetivamente, para escravizar e dominar os segundos. Reconhece-se
nisto a presença da dialética afeição-violência nas relações sociais que vão se construindo na
vida social do Brasil, desde a ocupação lusitana até a atualidade.
Da mesma forma, instala-se a dialética exclusão-inclusão dos indivíduos na vida
social da colônia, quando, por exemplo, um lavrador, que é compadre de um senhor de
engenho, é reconhecido como uma classe inferior na hierarquia social, marginalizada e
excluída de parte da vida social no engenho, mas que, todavia, não é expulso da propriedade,
justamente pelo respeito que o senhor lhe tem e que provêm das relações de compadrio.
Essas relações que parecem opostas e, até mesmo, numa análise linear, negativariamse uma à outra, na verdade se complementam dialeticamente, forçando a dinâmica da vida
social da época.
Na base dessas relações dialéticas, encontram-se a obediência, o respeito à
autoridade e a subordinação. É Holanda (1995, p. 39) quem aponta a obediência como
fundamento da disciplina, traço que foi herdado da cultura lusitana. Para o autor, ela
[...] aparece, algumas vezes, para os povos ibéricos, como virtude suprema entre
todas e não é estranhável que essa obediência tenha sido até agora, para eles, o único
princípio político verdadeiramente forte, [...] não existindo outra sorte de disciplina
perfeitamente concebível, além da que se funde na excessiva centralização do poder
e na obediência.
Mas atenção, pois muito embora, de forma geral, o que parece prevalecer é a harmonia
social proveniente da submissão das classes consideradas párias sociais, aos senhores de terras,
de escravos e do poder, o que se constata são processos de resistência e lutas. As práticas
religiosas africanas dentro das senzalas, ou mesmo as rodas de capoeira; a persistência do
posseiro que, ao ser expulso do canto de chão – que já seria seu pela ocupação e uso –, volta a
ocupar outro pedaço de terra e a reconstruir aí a sua vida, demonstram a presença de formas de
resistência discretas, que ora se evidenciam em revoltas ora em reordenamentos da vida social,
como foi o caso dos quilombos de negros escravos fugidos da dominação senhorial.
Destarte, o que ocorre, de fato, são disputas numa correlação de forças para
estabelecer a ordem social e política da colônia. É bem verdade que, nesta correlação de
forças, há poucos momentos de tensão social nos quatro primeiros séculos da história
57
brasileira oficial. Todavia, quando eles se fazem presentes, é de modo intenso e, porque não,
violento, chegando a abalar a estrutura social da colônia.
É o que ocorre com a Revolta de Beckmann, no Maranhão, ou com a Guerra dos
Mascates, em Pernambuco, ou ainda com os diversos quilombos e mocambos que vão se
constituindo, dos quais o Quilombo dos Palmares, nas terras das Alagoas, permanece como
referência histórica.
Para Prado Júnior (2006), seria também um traço da vida social da colônia a
existência de certa uniformidade de atitudes, que resultaria numa uniformidade cultural,
constituída por sentimentos, hábitos, usos, crenças e língua. Novamente aí se insere uma
relação contraditória e dialética, visto que em meio aos diferentes hábitos, crenças e línguas
das três raças originárias do povo brasileiro, a miscigenação desses elementos vai constituir
um traço cultural geral.
A indolência é outro elemento presente na vida social e política. Ela é tanto atribuída
ao modo de vida das populações indígenas, quanto um traço do branco que aqui chega e
repudia qualquer forma de trabalho, por considerar esta atividade não digna da superioridade
racial que se autoatribuía. Para o autor (2006, p. 347),
Somente num setor encontramos mais atividade: é no dos colonos recentes ainda não
contaminados pelo exemplo do país. Ávidos de ganho, dispostos a tudo e educados
numa escola de trabalho e ambição muito diferente da dos brasileiros, eles
representam, com os escravos, os únicos elementos verdadeiramente ativos da
colônia.
Há de se considerar também que a ascensão social apontada, ocorria a partir de
fatores diversos, e não como fruto do trabalho braçal. Assim, “o trabalho manual e mecânico,
tornava-se inimigo da personalidade”, visto que “uma digna ociosidade sempre pareceu mais
excelente, e até mais nobilitante, a um bom português, ou a um espanhol, do que a luta insana
pelo pão de cada dia” (HOLANDA, 1995, p. 29; 38).
Este último traço encontra relação direta com a estagnação que se caracteriza como
outro aspecto da vida social, segundo Prado Júnior (2006). A inatividade sistemática retiraria
até a energia de rir e folgar, causando-lhe certa apatia nas relações sociais, o que dirá, então,
para a junção de forças sociais que pudessem desencadear uma organização política do povo
da colônia, suficiente para causar sua independência política. Dessa forma, o que ocorrerá no
Brasil, na transição da ordem colonial para a imperial, será uma tímida ‘revolução dentro da
ordem’ (FERNANDES, 2005).
Voltar-se-á a este fato logo mais. No momento é importante evidenciar que todos os
principais traços da vida social da colônia provieram da cultura e da vida social da própria
58
metrópole, sendo transplantados pelo branco nas terras daqui, a despeito da cultura negra e
indígena que, contingencialmente, seriam predominantes.
Desta forma, do personalismo exagerado, da ausência de coesão social, da
irracionalidade da vida cotidiana, da desvalorização do trabalho e da obediência ao poder
central, emanaram os traços característicos da cultura brasileira (HOLANDA, 1995).
Certamente eles foram associados aos hábitos, tradições e valores dos povos indígenas e
africanos, mas sua base de edificação encontra-se no modo de vida e organização política e
cultural da metrópole, ainda nos idos do século XVI.
Mais interessante é pensar na herança rural que a colonização portuguesa concede à
colônia. Para Holanda (1995, p. 73), “não foi, à rigor [sic] uma civilização agrícola que os
portugueses instauraram no Brasil, foi, sem dúvida, uma civilização de raízes rurais”. Isto
porque o Brasil Colônia é, em sua totalidade, rural. Nem aqueles espaços de maior
urbanidade, considerados como cidades, tinham perfil predominantemente urbano. Outrossim,
figuravam muito mais como povoados rurais, que, no máximo, centralizavam alguns poucos
serviços – inclusive aqueles públicos, localizados nas maiores cidades ou cidades de
referência para o escoamento das produções – e, mais tarde, como passagem para o processo
de ocupação do interior da colônia. “É efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida
da colônia se concentra durante os séculos iniciais da ocupação europeia: as cidades são
virtualmente, se não de fato, simples dependências delas”.
Este Brasil rural reproduz os traços herdados da metrópole, dentre os quais a
obediência que aqui é prestada, sem nenhuma contestação, ao proprietário de terras. Dele
emana um poder político de ordem fundiária, que se transporta para todas as esferas e âmbitos
das relações sociais, desde a Casa-grande, às senzalas, às roças de cana, às minas, aos campos
do sertão – com suas especificidades – aos cartórios de Paz, às Camaras, enfim, à
administração política do lugar.
Do exercício deste poder político por muito poucos, resultava a subalternidade da
maioria, intensificada pelas próprias condições de vida da colônia. No entorno do proprietário
de terras, viviam contingentes significativos de subalternos: desde sua própria família; seus
escravos, serviçais, homens livres que lhe prestavam serviços, entre outros.
Ora, a desigualdade existente entre dominador e dominados é bastante objetiva,
ampliando-se gradualmente, conforme a hierarquia social vai sendo rebaixada, desde sua
família, até seus escravos, passando especialmente pela materialidade que dá sustento à vida.
Conforme Holanda (1995, p. 80), desenvolve-se “uma autarquia dos domínios rurais
brasileiros, [...] que estando as casas dos ricos providas de todo o necessário, porque têm
59
escravos, pescadores e caçadores que lhes trazem a carne e o peixe, pipas de vinho e azeite,
muitas vezes não se acha isto à venda” nos insípidos comércios das cidades e povoados.
Nesse Brasil rural dos senhores de terras e escravos, a família ocupa um lugar sacro,
como elemento que lhe aufere moralidade e justifica sua superioridade dominadora. Ora,
É o tipo de família organizada segundo as normas clássicas do velho direito romanocanônico, mantidas na península Ibérica através de inúmeras gerações, que prevalece
como base e centro de toda organização. Os escravos das plantações e das casas, e
não somente escravos, como os agregados, dilatam o círculo familiar e, com ele, a
autoridade imensa do pater-familias (HOLANDA, 1995, p. 81).
Contando com grande número de subalternos, os proprietários de terras e suas
famílias não precisavam operar nenhum trabalho físico, reservando-se, no máximo, o trabalho
intelectual de organização da exploração agrária.
Forma-se assim, um grupo social com características de comunidade doméstica, onde
mesmo o ‘público’ é exercido pelo ‘privado’ que se autodenomina como autoridade a
representar os demais, e onde, consequentemente, não há quaisquer relações políticas de
ordem participativa ou democrática, mas apenas de dominação e subalternidade. Nesse grupo,
o Estado é substituído pelo senhor das terras e sua família. Essa característica, reforçada no
contexto da colonização brasileira, tem origem na herança lusa anteriormente apontada,
especialmente nos traços da obediência a um poder central, do personalismo exagerado, do
patrimonialismo e da conquista e manutenção da nobilidade senhorial, através do não
envolvimento em trabalhos físicos.
Há de se considerar que este poder centralizado dos proprietários de terras, razão e
fruto da dominação sobre a população, é abalado com as modificações da nova forma de fazer
lavoura e com a instalação efetiva dos centros urbanos, que ocorre em concomitância com a
chegada da Corte portuguesa.
Não obstante a perda significativa de poder, os proprietários de terras permanecem
como classe dominante, cujos traços iniciais do exercício de poder continuam, dentre os quais
a tradição da família patriarcal ocupa centralidade na vida social e política da nação. Assim,
A família patriarcal fornece o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida
política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos. Uma
lei moral inflexível, superior a todos os cálculos e vontades dos homens, pode
regular a boa harmonia do corpo social, e, portanto deve ser rigorosamente
respeitada e cumprida (HOLANDA, 1995, p. 85).
Neste fragmento da obra Raízes do Brasil, encontra-se as motivações para o desfecho
das relações políticas entre a colônia e a metrópole, quando da independência do Brasil.
Seguindo a mesma análise, Prado Júnior, em Formação do Brasil Contemporâneo também
60
compreende que da dinâmica do Brasil Colônia, resulta o inexpressivo processo de sua
independência política. Dessa forma, a libertação de Portugal não poderia ter ocorrido de
outra forma, a não ser como um golpe do reino sobre si mesmo, tendo em vista que o modelo
de exploração agrária da colônia encontrava-se em vias de se exaurir 15.
Com efeito, a dispersão social causada pela própria dinâmica estratificada,
marginalizante e excludente que aqui se instalou com a ocupação lusitana, não poderia
confluir para outro resultado, que não para a independência política vivida como um fato
ausente da vida do povo (FERNANDES, 2005). Outrossim, a independência se faz presente
apenas nas telas e imagens que se reproduziriam, desde então, atestando, às margens do
Ipiranga, o grito de liberdade proferido pelo português Dom Pedro I, em relação à própria
coroa portuguesa.
Destarte, nada mudaria naquele mesmo século para o Brasil, a não ser o fato de sua
independência política e a passagem de sua dependência para o âmbito meramente
econômico, relativa tanto a Portugal, quanto a outros países europeus, dentre os quais se
destaca a Inglaterra.
Assim, mesmo com a independência política da metrópole lusa, a característica rural
predominante no Brasil colônia não se alteraria. Nem mesmo o foco de sua produção: agrárioexportador. Assim, as origens agrárias do Brasil Colônia corroborariam para a constituição de
um Estado agrário em suas origens, e em sua dinâmica econômica, política, social,
administrativa e cultural (IANNI, 1984).
Essas gentes do campo, cuja atividade de trabalho é ligada objetivamente à terra, de
onde retiram sua subsistência e a de outras tantas pessoas, permaneceriam sujeitas a um poder
central, não mais constituído pela coroa portuguesa, mas sim pelas oligarquias agrárias que
passariam a exercer, sorrateiramente, o comando do Estado autocrático brasileiro.
A exploração agrícola da terra, sua concentração nas mãos de poucos, bem como a
concentração da renda dela proveniente, continuariam adensando, cada vez mais, as
desigualdades no campo e na cidade.
A exploração da força de trabalho, até então praticada principalmente pela via da
escravidão, persistiria agora sob a forma do trabalho livre, que em verdade não gozava da
liberdade que a denominação lhe imputava.
15
Para melhor compreender os determinantes do esgotamento do modelo colonial lusitano, indica-se a leitura do
último capítulo da obra de Caio Prado Júnior, A Formação do Brasil Contemporâneo, em que o autor trata da
vida social da colônia.
61
As características rurais da colônia se tornariam características da nação. A grande
produção agrícola voltada para a exportação; a pequena produção dirigida para a subsistência
dos camponeses e da nação; a aparente harmonia social no campo, representada pelas
comunidades rurais; a religiosidade preponderante; as relações de vizinhança a sustentar a
inexistência de políticas de Estado que pudessem suprir as necessidades básicas da população
rural; as relações de compadrio; a submissão do trabalhador rural livre, do volante, do
arrendatário, do meeiro, do posseiro, do colono e, até mesmo, do pequeno proprietário e
produtor rural, em relação ao latifundiário; entre outras características do mundo rural, tudo
permaneceria intacto com a independência política do Brasil, feita de ‘alto para baixo’, a fim
de manter “a estabilidade de ordem senhorial agrária” (FERNANDES, 2005, p. 104).
Outrossim, a única transformação que começa ser notabilizada é o adensamento dos
centros urbanos e o surgimento de outros tantos, onde antes existia apenas a sede da
comunidade rural. Esta transformação deveu-se, principalmente, a nova organização políticoadministrativa exigida da nova nação. Como resultado – determinado também pela expulsão do
campo de contingentes significativos de escravos que foram substituídos pelos trabalhadores
livres provenientes das correntes migratórias européias –, reproduz-se nos centros urbanos, mais
especificamente nas periferias dos centros urbanos, o modo de vida rural, antes presente nos
engenhos, fazendas, pequenas propriedades e noutros tantos rincões rurais.
Enfim, o que se deve ter presente é o fato de que a formação social e política do
Brasil ocorreu a partir de sua ocupação colonial. Sendo esta totalmente direcionada para a
exploração de produtos primários, com um território medularmente rural, cujas relações
sociais, políticas e culturais – modo de vida, costumes e tradições – foram herdadas da
península ibérica e aqui transformadas segundo o contexto e conjuntura da colônia. O
resultado não poderia ser outro que não a consolidação das características rurais e da
economia de exploração agrária na vida brasileira.
Portanto, a ocupação colonial se deu por meio da exploração de grandes extensões de
terra, concedidos pela Coroa a poucos ‘fidalgos lusitanos’ que se tornaram donatários. Tem
origem no século XVI, neste processo de divisão territorial em capitanias hereditárias, a
concentração fundiária brasileira, que se solidifica com a instituição da ‘sesmaria’ ainda no
mesmo século.
Conforme a estratégia de ocupação do território, poucos detinham quase todo o
território colonial, poucos se ocupavam dos poucos serviços públicos de tributação e
administração da colônia, e muitos trabalhavam para produzir as riquezas a serem
transportadas para a metrópole, e por ela mercantilizadas.
62
Nesta dinâmica, distinguiam-se minimamente o meio rural do urbano. No último se
concentravam os serviços públicos, um comércio ainda insuficiente e toda sorte de desvalidos
e desqualificados para os trabalhos rurais. No primeiro corria toda a vida social decorrente da
exploração das riquezas naturais, que as terras conseguiam produzir.
Essa distinção entre povoamento ‘urbano 16’ e vida rural – resguardada quase que
‘somente’ aos conceitos – como os dois únicos espaços de sociabilidade, são explicados por
Holanda (1995, p. 88) ao afirmar que,
O resultado é que a distinção entre o meio urbano e a “fazenda” constitui no Brasil,
e pode dizer-se que em toda a América, o verdadeiro correspondente da distinção
clássica e tipicamente europeia entre a cidade e a aldeia. [...] E, por isso, com o
crescimento dos núcleos urbanos, o processo de absorção das populações rurais
encontra aqui menores resistências do que, por exemplo, nos países europeus,
sempre que não existam, a pequeno alcance, terras para desbravar e desbaratar.
Ora, nota-se que é também proveniente da dinâmica social do campo, ou melhor, da
expulsão de alguns segmentos pauperizados do campo, em favor dos grandes proprietários de
terra, é que vão se constituindo os poucos núcleos urbanos, que, por este mesmo motivo,
promovem a perpetuação das características rurais.
Da mesma forma, é interessante perceber que, ainda no período colonial, não há
quaisquer possibilidades do surgimento de pequenos ou médios fúndios. Ou se é proprietário
de grandes extensões, ou nada se tem, pois o latifúndio de exploração agrária expulsa as
populações camponesas expropriadas da terra e, também por isso, pauperizadas.
Esse Brasil de origens agrárias, de feições rurais, arrasta-se até o século XX, quando
o Estado remete suas ações para o desenvolvimento industrial e urbano da nação, promovendo
ações faraônicas e fragmentadas. A perspectiva desenvolvimentista muito colabora para o
resultado insuficiente deste processo de modernização – de ordem conservadora, segundo a
arguição de José Paulo Netto (1992) –, que visava o aceleramento econômico através da
industrialização intensiva no espaço urbano e da tecnificação e mecanização do campo.
E ainda que a industrialização tardia tenha ocorrido, ela se fez com base no Brasil
agrário, visto que foi ele que conferiu a força de trabalho livre, necessária para a exploração
industrial, bem como boa parte dos recursos de origem tributária que o Estado passa a investir
na industrialização e urbanização do país, durante o Estado Novo.
16
Distinto da urbanidade contemporânea.
63
CAPÍTULO 2
DAS ORIGENS AGRÁRIAS COLONIAIS, O CAPITALISMO NO ESPAÇO RURAL
CONTEMPORÂNEO
Ao discutir o Brasil rural, com especial atenção para a classe que nele vive do
trabalho rural e produz a subsistência sua, da família e da população do país – foco deste
estudo – algumas perguntas relativas à presença do capitalismo vem à tona. O capitalismo está
presente em todas as atividades rurais? Como se organiza o rural brasileiro em tempo de
capitalismo financeiro?
O ponto de partida para o debate das respostas é, inevitavelmente, o ponto de
chegada do primeiro item deste capítulo: a constatação de que o Brasil, em sua formação
histórica, constitui-se social, política, econômica e culturalmente com base na grande
propriedade agrária, voltada à monocultura e originalmente escravocrata.
Na discussão do rural contemporâneo, constata-se a presença marcante do latifúndio
– produtivo e improdutivo – em todas as regiões do país e, junto a ele, a média e pequena
produção agrícola, o campesinato e o proletariado rural.
Para Guimarães (1968) e Ianni (1984) o latifúndio tem origens coloniais e implica
em características atuais para a sociedade e para o Estado brasileiro. Além disso, será o
latifúndio que arregimenta a presença do capitalismo agroexportador no campo, como marca
da modernidade arcaica.
Guimarães (1968, p. 1) discute o sistema latifundiário brasileiro, desde o período da
ocupação colonial e nos quatro séculos que se seguiram, propondo-se a “estabelecer as
relações de causa e efeito que motivaram os avanços e os recuos, os êxitos e os insucessos
deste sistema”. Na verdade, o que se observa no texto do autor é a discussão sobre as
características agrárias do Brasil, a luta de classes no campo e a conceituação sobre quem é o
homem que vive e trabalha no campo, distinguindo o camponês do proletário rural, e estes do
proprietário rural.
Sua análise fundamenta-se no marxismo – ortodoxo, segundo Hirano (2008) –,
buscando em Marx os elementos para apontar a existência e o provável17 desaparecimento do
17
Identifica-se como ‘provável’ o desaparecimento do campesinato, pois, no período em que escreve sua obra, o autor não
constata que o campesinato desapareceu, pelo contrário, ele aponta ainda a sua existência, ao mesmo tempo em que afirma
que tal campesinato irá desaparecer do campo quando o capitalismo agroexportador se consolidar como modo de produção
agrícola, atingindo sua maturidade.
64
campesinato brasileiro. Neste sentido, observa-se que essa última discussão é justamente o
ponto mais polêmico de seu estudo, visto que produz nesta pesquisadora a concordância de
alguns aspectos e discordância de vários outros. De forma geral, a crítica que se faz ao autor,
remete ao reconhecimento de que faz uma leitura e análise marxista demasiado arraigada nos
escritos de Marx, sem, contudo, transferir a análise marxista para a conjuntura e
circunstâncias políticas, econômicas, sociais e culturais do lugar e período que analisa: o
Brasil dos anos 1960.
Guimarães (1968) separa a propriedade capitalista da propriedade camponesa,
situando esta distinção no século XIX, com a extinção do regime de sesmarias no Brasil. A
partir de então, a produção agrária mercantil passou a operar através do uso da força de
trabalho livre e assalariada. Após este período continuou se desenvolvendo a média e pequena
produção agrícola, que tinha como função a produção voltada ao abastecimento do mercado
interno, ou aquela voltada para a subsistência camponesa, com o uso predominante da mão de
obra do pequeno proprietário rural e de sua família.
Ianni (1984), numa análise também marxista, porém não ortodoxa, vai tratar de um
espaço rural que, dada a sua importância na formação do país, empresta suas características
agrárias ao Estado e à nação. Para ele, a principal questão não é a presença do capitalismo no
campo e nem em que período isto vai acontecer – muito embora sua análise não seja
descolada da discussão sobre o modo de produção que prevalece no campo, em cada período
histórico. Ora, para o autor, o campesinato surge ainda nos tempos de Brasil Colônia e se faz
presente na atualidade, configurando-se como um grupo político, que frequentemente agrega
forças ao proletariado rural, visto que vive situações semelhantes de exploração da sua força
de trabalho.
Nisto, Ianni (1984) se diferencia de Guimarães (1968). Enquanto o primeiro aponta
que o campesinato persiste no cenário contemporâneo, apesar das previsões de
desaparecimento, Guimarães afirma em suas análises que, principalmente o proletariado
substituirá o campesinato, mas que também o campesinato, numa diferenciação interna,
poderá se transformar no pequeno proprietário capitalista de terra.
Importa aqui sinalizar que, segundo as análises de Ianni, reconhece-se que o Brasil
rural é dinâmico e que vai se transformando conforme o movimento de quem nele trabalha,
reside e vive, construindo um modo de vida que se diferencia sutilmente daquele urbano.
Assim, o rural e a própria sociedade capitalista agrária vão se transformando, conforme as
classes sociais vão se configurando e segundo a dinâmica das disputas que elas travam entre
si. Este movimento não está descolado do capitalismo industrial, visto que ele se faz presente
65
tanto no espaço urbano, quanto no agrário, a exemplo do capital agroindustrial. Reside nestas
reflexões do autor a sua principal contribuição para este estudo: a diferenciação capitalista no
campo e a identificação das classes e disputas políticas, sociais e econômicas que vão
caracterizar o espaço rural e a sociedade hoje.
1.2.1 Propriedade, renda fundiária e capitalismo no campo
Neste breve item do capítulo tratar-se-á da definição da renda fundiária e o
reconhecimento do capitalismo e das formas de exploração da força de trabalho no campo. O
objetivo é ampliar a discussão sobre esses processos, de forma a colaborar para reconhecer
como eles ocorrem no Brasil.
Assume-se que, embora sob a pretensa leitura marxiana, busca-se os elementos para
esta breve discussão em duas autoras marxistas do Serviço Social brasileiro, que recentemente
dedicaram seus estudos para o assunto: Iamamoto (2008-a) e Engelbrecht (2011). Quiçá, elas
motivem para que o aprofundamento posterior dos apontamentos deste item seja feito
diretamente em Marx.
Para Iamamoto (2008-a), as relações de propriedade articulam-se diretamente às
relações de trabalho, como forma de subordinar o trabalho. Todavia, não é possível pensar
esta relação, de forma direta, quando se trata de propriedade fundiária, isto porque, embora a
propriedade fundiária seja um pressuposto histórico e fundamento constante do capitalismo,
ela também é comum a outros modos históricos de produção.
No capitalismo, a propriedade fundiária adquire sua forma puramente econômica,
assumindo forma de ‘capital’ através da renda fundiária capitalista. Mas, atenção, a terra não
seria em sua origem ‘capital’. Pelo contrário, a terra é um meio de produção fundamental no
cultivo agrícola, mas não é suscetível de ser reproduzido ao livre arbítrio do homem, como
são as máquinas ou os outros meios de produção e instrumentos de trabalho. Por isto mesmo,
a sua histórica apropriação privada ganha uma importância fundamental (ENGELBRECHT,
2011), pois significa a apropriação privada de um recurso que, pela sua natureza ‘não
reproduzível’, deveria ser propriedade coletiva.
Nessa expressão, encontram-se diametralmente opostos o proprietário – que por
algum motivo arrogou-se a propriedade da terra, ou arrogaram-lhe – e o trabalhador, a quem
foi retirada a possibilidade de ter propriedade da terra. Ao primeiro, garante-se o poder de
mando sobre a terra, podendo ele deliberar sobre tudo o que diz respeito a ela: se produzirá?
66
O que produzirá? E como produzirá? Ao segundo, garante-se a possibilidade de trabalhar na
terra, através de algum tipo de contrato – não se trata aqui objetivamente do contrato de
trabalho, não obstante este seja uma forma do contrato mencionado.
Aliás, nas sociedades não baseadas nos regimes de trabalho escravo ou servil,
assegura-se algum tipo de propriedade, mesmo àqueles indivíduos destituídos da propriedade
da terra, nem que seja apenas a propriedade da sua força de trabalho. É isto que acontece no
capitalismo. Neste modo de produzir, ambos proprietários – o da terra e o da força de trabalho
– são considerados iguais por gozarem de liberdade para decidir a forma como irão usar cada
um a sua propriedade.
É essa relação que possibilita o estabelecimento lícito de um contrato entre um e
outro sujeito, visto que juridicamente são iguais e livres. Isto porque “no capitalismo só é
possível ser igual quem troca, quem tem o que trocar e tem liberdade para fazê-lo, utilizando
assim o critério da utilidade” (ENGELBRECHT, 2011, p. 40), segundo os interesses de cada
qual na relação contratual.
Nesse tipo de relação, aparentemente entre iguais, produz-se resultados econômicos
que efetivamente são desiguais, uma vez que são concretizados através de pessoas desiguais,
fundamentalmente no que se refere à propriedade da terra e dos bens e instrumentos para nela
produzir. Tais resultados desiguais são, para Engelbrecht (2011), o salário e o lucro, a renda
de subsistência e a renda fundiária, e suas personificações são o trabalhador e o capitalista.
Assim, compreende-se que não sendo a terra capital, mesmo assim, pelo seu uso, ou
melhor, pela aplicação que nela se opera da força de trabalho e dos instrumentos que a
transformarão, esse bem natural, irreproduzível, pode produzir capital móvel, que é a renda
fundiária. Daí a necessidade e a importância para o homem de apropriar-se desse bem natural
e submetê-la, tanto quanto submete o trabalhador, a fim de lhe extrair renda.
Para Iamamoto (2008-a, p. 89, grifos da autora), “a renda da terra constitui parte da
mais-valia social, produzida no processo produtivo, que é apropriada pelos proprietários
fundiários, em decorrência do fato de disporem de um título jurídico da propriedade da terra”.
Por tudo isso, a renda da terra não pode ser calculada racionalmente, uma vez que a terra não
é capital e nem a renda é resultado objetivo da aplicação do processo de trabalho. Da mesma
forma, a capitalização da renda fundiária também seria algo irracional, uma vez que essa
capitalização é calculada através dos juros sobre o valor de compra ou do valor do solo, não
se explicando pelo produto do trabalho, que pode ou não ser aplicado nela no período que é
calculada a capitalização.
Nesse sentido, a mesma autora (2008-a, p. 90, grifo da autora) ainda afirma que
67
Na prática, aparece como renda fundiária tudo que é pago em forma de dinheiro de
arrendamento ao dono da terra, em troca da permissão do uso do solo, qualquer que
seja sua fonte e seus componentes. Tanto os juros do capital fixo incorporado ao
solo podem estar embutidos no dinheiro do arrendamento, como este pode esconder
também uma dedução do lucro médio ou do salário nominal. Porém,
economicamente falando, tais componentes não constituem renda fundiária, embora
na prática representem uma valorização econômica do monopólio do proprietário da
terra.
Ora, assim no jogo entre apropriação da terra – que pode ser posteriormente vendida,
ou trocada, ou arrendada – o que está em disputa é a possibilidade objetiva de produção de
capital, muito embora a terra, como ambas as autoras afirmam, não se constitui como
capital. Isso ocorre, porque, na lógica capitalista da acumulação de riquezas e da
transformação delas em capital contabilizado em dinheiro, quando este último é empregado na
compra de terras, ele passa a não mais representar capital (MARTINS, 1980 apud
IAMAMOTO, 2008-a, p. 91). Todavia, “no ato da venda da propriedade territorial, aquela
renda é inteiramente revertida em capital”.
Nesse sentido, é necessário considerar que antes da utilização da força de trabalho
livre no campo, passível de assalariamento, toda riqueza extraída da terra se consolidava
como renda fundiária primitiva, assim como o capital que, na prática, era extraído dela.
Grosso modo, esse capital primitivo é simplesmente riqueza extraída da exploração agrária da
terra, associada à exploração da força de trabalho escrava, ou arregimentada pela parceria, ou
meação, ou outro tipo de contratualização não assalariada. É o que ficou explícito no primeiro
capítulo desta seção, quando se afirmou a presença de um capitalismo originário – porquanto
fonte de acumulação primitiva –, mercantil, colonial, escravocrata e fundado no modelo da
plantagem.
Com o ingresso da força de trabalho livre no campo, o capitalismo se solidifica,
continuando a extrair renda fundiária, onde inexistem relações de trabalho assalariada, como
no caso dos arrendamentos feitos entre proprietários de terras e pequenos produtores
familiares, ou nas parcerias de meação, ou ainda nos trabalhos prestados pelos trabalhadores
volantes. Nas relações em que se instala o assalariamento na propriedade territorial, o
capitalismo passa a extrair diretamente a mais valia, utilizando a terra apenas como um meio
para aumentar ainda mais esse lucro e não como fonte originária dele.
Assim consolida-se a expansão da mentalidade capitalista no campo, em que “o
capital produz lucro, o trabalho produz salário e a terra produz renda” (ENGELBRECHT,
2011, p. 41, grifo da autora).
Por último, é preciso considerar que a expansão capitalista no campo – tanto quanto
ocorre na cidade – vai produzir, ao mesmo tempo, a riqueza e a pobreza, em polos
68
diametralmente opostos. Isto porque, de um lado, gera riqueza para o proprietário da terra, dos
meios e instrumentos de trabalho; e de outro, gera pobreza para o produtor das riquezas
cultivadas, seja ele proprietário apenas da sua força de trabalho livre, ou proprietário dos
instrumentos de trabalho, ou ainda proprietário de uma pequena parcela de terra.
Portanto, a instalação da propriedade capitalista no campo, associada à aplicação da
força de trabalho livre e assalariada, que juntos solidificam o capitalismo no espaço rural, vão
gerar riquezas e pobrezas, aprofundando exponencialmente as desigualdades no campo, as
disparidades sociais e, com elas, as manifestações da questão social.
1.2.2 A propriedade da terra e o desenvolvimento do capitalismo no Brasil
Tendo discutido o significado da propriedade da terra para a geração de renda e de
riquezas – igualmente interessantes para o capitalismo, que aos poucos vai se desenvolvendo
no Brasil –, é interessante buscar na formação sócio-histórica brasileira a origem da
propriedade da terra neste país.
Guimarães (1968) é o primeiro autor que contribui para a discussão, apontando para
a calmaria e tranquilidade que reinava sobre a vida nas terras brasileiras antes do começo da
sua história oficial, ou seja, antes da chegada do homem branco. Não se trata de uma visão
romântica do Brasil original constituído pelas tribos indígenas. Todavia, é necessário
reconhecer que, não obstante as disputas entre as tribos e grupos indígenas, a ausência da
propriedade da terra oferecia uma espécie de paz social ao enorme pedaço de chão que os
portugueses vêm se apossar e se apropriar, a partir do século XVI.
É fato que aí já existia uma idealização da vida social, que prevaleceria antes do
início dos registros oficiais da história de ocupação lusitana, mesmo que Guimarães (1968, p.
7) denomine que “o gentio vivia o estágio de desenvolvimento da barbárie”. Contudo, é
perfeitamente pactuado entre vários autores, que será a ocupação e colonização portuguesa a
instalar a propriedade privada em toda a região que hoje vem convencionar-se como Brasil.
Da mesma forma, a escravidão, nos moldes como a coroa portuguesa instalou no Brasil,
também era inexistente até a chegada do branco europeu por estas terras.
Dessas duas constatações iniciais, Guimarães (1968) retira os dois elementos centrais
que caracterizam a organização do Brasil Colônia no primeiro século de ocupação ibérica: a
apropriação privada da terra antes coletiva; e o uso da escravidão como estratégia de força de
trabalho para a produção de riquezas capitais para a metrópole e para os senhores de terra.
69
Para Guimarães (1968, p. 8), foi justamente o fato dos gentios viverem em estágio de
barbárie, que a escravidão entre as próprias tribos e povos indígenas não poderia existir antes
da chegada do português. Segundo o autor,
Que a escravidão penetrou na história da humanidade com a civilização, depois que
o homem passou a viver sedentariamente, a abandonar o canibalismo e a aproveitar
os prisioneiros de guerra como trabalhadores escravos, não padece dúvida. Seria,
porém, duvidoso que isso tivesse acontecido na pré-história brasileira, antes que as
comunidades indígenas houvessem atingido toda a plenitude de uma vida sedentária,
antes que praticassem a domesticação de animais e conhecessem o uso dos metais.
Importa perceber na análise do autor que, tanto a propriedade privada, quanto a
escravidão – características marcantes da colonização lusitana, também apontados como
elementos centrais deste processo por Prado Júnior (2006) –, não existiam nas sociedades
tribais indígenas desta região da América. Independente de qual modelo ou estágio de
sociedade estas vivessem – para Guimarães seria a barbárie –, foi com a ‘necessidade’ de
exploração da metrópole portuguesa que determinou as relações sociais que se estabeleceram
na colônia, donde emanava o poder político, fonte de dominação dos estamentos senhoriais
sobre os demais elementos humanos subalternizados.
O escambo com a população originária será, inicialmente, a forma de explorar as
riquezas naturais. Conforme as riquezas aparentes vão se escasseando e o escambo vai se
tornando mais difícil, a coerção violenta vai se instalando, a fim de conseguir extrair as
riquezas da colônia e apossar-se das terras indígenas, inicialmente na faixa litorânea, e depois
em toda sua extensão.
Aí tem origem o latifúndio. Na apropriação indevida – todavia oficializada – das
terras brasileiras pela coroa lusitana, que ocorre ainda no século XVI. Terras que antes já
possuíam dono: os povos indígenas, expulsos ou tornados escravos pelo branco português.
Assim, a propriedade da terra, donde nasce o latifúndio no Brasil, é fruto primeiro da
violência praticada pelo branco europeu contra os índios, donatários originais das terras
brasileiras. E este movimento de violência, submissão do indígena e apropriação indevida da
terra continua. É bem verdade que ainda não se está tratando da propriedade agrária
capitalista, mas logo se identifica como propriedade primitiva da terra.
Sobre essa submissão violenta, Guimarães (1968, p. 15-16) aponta que
No segundo século, faziam-se mais ferozes os apresamentos e mais encarniçados os
massacres. Só nas carnificinas levadas a efeito em 1619 por bento Maciel Parente na
região maranhense, segundo estimativa de Simão Estácio de Oliveira, passara de
500.000 o número de mortos e cativos. [...] A tal estado de coisas era preciso por
cobro, alcançar uma trégua para consolidar os êxitos da colonização, [...] impunha-
70
se uma nova política, que consistiria em substituir o ‘indolente’ escravo da terra
pelos negros importados da Guiné.
Até aquele momento não se tinha constituído efetivamente a propriedade privada dos
colonizadores em relação às terras que já lhes tinham sido distribuídas, conforme o princípio
das sesmarias. Mas logo isto passa a ser feito, através de ordenamentos reais, ainda antes de
findar o segundo século de ocupação portuguesa.
Neste longo período, que se estende até fins do século XVIII, a luta pela exploração
das riquezas da colônia deixa de ter foco na apropriação de terra dos nativos, passando a
ocorrer dentro da ordem jurídica instituída pela metrópole. “A começar do século XIX, a
propriedade privada continuará impondo-se a ferro e fogo, mas o que ela destrói e esmaga
pela força é a própria ordem jurídica instituída pelo homem civilizado” (GUIMARÃES, 1968,
p. 19).
A tese de Guimarães sobre a constituição do Brasil agrário, desde a ocupação
portuguesa, perpassa a ideia de que o modo de produção que a metrópole vivia foi
transplantado para o Brasil, tendo, no entanto, sido interrompida a transição que lá se fazia do
feudalismo para o capitalismo, pela via mercantilista. Assim, no Brasil teria ocorrido a
regressão a um colonialismo de base feudal18, com notável recuo em relação ao momento
vivido pela metrópole. As motivações para isto seriam, desde um saudosismo do feudalismo,
vivido pelos fidalgos portugueses, até a falta de condições para que, no Brasil, o
mercantilismo e, junto a ele, o capitalismo se instalasse. Sobre a segunda razão, poder-se-ia
reconhecê-la logo nas primeiras décadas da ocupação lusitana, entretanto, no período
seguinte, teria sido intencional o não desenvolvimento das condições necessárias para integrar
autonomamente o Brasil no circuito de capitalismo mercantil internacional.
O que importa reter, é que não tendo experimentado o amadurecimento e
consolidação efetiva do capitalismo, Portugal traz para a colônia uma forma de exploração
agrária baseada nas grandes propriedades, visando à produção de riquezas comercializáveis na
Europa. E, não dispondo de número suficiente de trabalhadores livres que pudessem trabalhar
essas terras – a terra como meio de produção e como forma de renda fundiária –, o modelo de
produção da colônia recorreria à escravidão em larga escala, dando passos atrás em relação ao
estágio de desenvolvimento da própria metrópole.
Mesmo com a instalação da escravidão como estratégia de utilização da força de
trabalho necessária para o cultivo de grandes extensões monoculturais de terra, também aqui
18
A perspectiva teórica de Guimarães sobre o desenvolvimento do feudalismo no Brasil colônia já foi
explicitado no primeiro capítulo desta seção.
71
se encontrava uma massa de trabalhadores ‘livres’, ou de agregados que eram utilizados nos
trabalhos domésticos, e/ou em atividades acessórias (GUIMARÃES, 1968), muito embora
também eles não fossem assalariados.
Vários seriam os elementos que justificariam para Guimarães (1968) a identificação
do regime colonial como feudal. Além do fato citado de ser a terra o principal meio de
produção, associa-se o coronelismo existente, ao mandonismo senhorial; a dominação
subjacente a essa condição de único senhor das terras e da maioria das pessoas que nela
viviam e trabalhavam; a dependência aos trustes internacionais da compra da produção
latifundiária; a ausência dos elementos técnicos e científicos, dos meios mecânicos de
trabalho, das máquinas, ou instrumentos de produção, das construções etc., que pudessem
indicar a presença de outros meios de produção, que não a própria terra a ser trabalhada pela
força de trabalho escrava. Há de se registrar – sugerindo ao leitor que aprofunde essa reflexão,
pois aqui não é possível desenvolvê-la plenamente – que Gorender (1978) vai rebater todas as
afirmações de Guimarães – seu antigo companheiro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) –
que justificariam o reconhecimento do feudalismo no Brasil Colônia.
Por conseguinte, em sua análise sobre a estrutura latifundiária estabelecida quatro
séculos após a colonização lusitana – na década de 1960 –, Guimarães (1968, p. 39)
continuará apontando que ainda persiste no Brasil a experiência de um pré-capitalismo
agrário. Assim, para o autor, embora tenham ocorrido mudanças significativas, como a
liberação da escravidão, a forma de produção latifundiária feudal permaneceria.
Tendo ficado intactos o monopólio feudal e colonial da terra e seu imenso poder de
coação extraeconômica, o latifúndio pode, mesmo desfalcado dos seus anteriores
recursos econômicos, prolongar pelo tempo a crueldade do tipo de exploração
semiescravista ou semisservil que era a única compatível com a sua estrutura. Catou
em todas as partes do mundo devastado pela miséria rural um tipo ‘inferior’ na
escala humana que viesse substituir o negro, tentou subjugar os imigrantes europeus
e acabou por convencer-se que seus melhores servos da gleba seriam os próprios
nativos, os caboclos que antes tanto desprezara. Para isto serviram a lei de locação
de serviços e os famigerados contratos de parceria, uma ardilosa recomposição legal.
Ora, discordando dos argumentos de Guimarães (1968) sobre a existência do
feudalismo no Brasil agrário, deve-se reconhecer que ele tem razão ao apontar que as origens
do sistema agrário brasileiro, sem dúvida, estariam na lavoura açucareira – latifundiária e
monocultural – e no seu aproveitamento pré-industrial, feito obrigatoriamente nos engenhos
locais, para que o produto pudesse ser exportado pela via marítima.
Além disso outra afirmação de Guimarães é importante. Assim como para Prado
Júnior (2006), também para Guimarães (1968, p. 49) outras atividades voltadas para a
subsistência surgiriam no entorno dos engenhos. Isso ocorreria tanto para garantir a
72
reprodução do engenho, quanto para a reprodução da vida nos centros urbanos mais próximos
a ele. Assim, “a agricultura dos mantimentos, apesar de reconhecidamente a coisa principal e
mais necessária da terra, continuaria a ser, pelos séculos a fora, subordinada ao poder
absorvente do açúcar, isto é, ao monopólio da terra, o que equivale a dizer, à monocultura”.
Apesar de sempre presente nos cantos de terras não utilizados pela monocultura, a
pequena e pouco rendosa produção de alimentos sempre sofreu com as barreiras interpostas
pelo latifúndio, pela coroa portuguesa e pelo, posterior, Estado brasileiro. Neste sentido,
entende-se que a ausência das políticas de incentivo ao seu desenvolvimento, contrapunha-se
intencionalmente aos incentivos produtivos existentes para as produções de larga escala,
especificamente caracterizadas pela monocultura agroexportadora.
Note-se que, através das sesmarias – marco originário do latifúndio brasileiro –, as
terras não tinham limites para quem tivesse o prestígio da nobreza ou do dinheiro. Mesmo as
sesmarias menores, concedidas àqueles homens de menor prestígio político ou de nobreza,
configuravam-se como enormes extensões se comparadas com as possibilidades de cultivo do
seu mandatário e de sua família. É bem verdade que algumas legislações tentavam coibir o
excessivo tamanho das propriedades, mas também elas logo foram dissolvidas, ou não o
sendo, simplesmente passava-se a não aplicá-las.
Confirmando isso Guimarães (1968, p. 54) indica que,
Numa tentativa para por termo aos excessos, várias cartas régias se expediam,
regulando o tamanho das sesmarias, entre as quais a de 27 de dezembro de 1695,
que recomendava não se concedessem a cada morador mais de quatro léguas de
comprimento e uma de largo, ‘é é o que comodamente pode povoar cada morador’,
segundo consta um manuscrito atribuído ao Marques de Aguiar.
Em contrapartida ao enriquecimento da metrópole e seu fortalecimento mercantil,
ocorre o fortalecimento do latifúndio no Brasil. Isso teria colaborado para sua permanência
até a atualidade, como instituição produtora, inclusive, de poder político e econômico, seja
local, regional ou nacional.
Mesmo com a transição entre os diversos ciclos produtivos, como do algodão, da
mineração, do tabaco, etc. – quando a produção canavieira que se instalou nos primeiros
tempos da exploração agrária não figurava como principal produção –, a grande propriedade
representada pelos engenhos de cana se reproduzia. Durante estas transições entre os ciclos
produtivos, surgia uma massa miserável que tinha que buscar trabalho nas regiões onde o
principal ciclo se instalava, ou, então, adaptar-se aos tempos de penúria e fome. Como efeito,
significativo contingente populacional de trabalhadores rurais – inclusive escravos, cuja
conveniência do senhor era libertar para não ter que alimentar – desaparecia na miséria.
73
Sobre a ocupação das terras ainda no período colonial, há de se considerar que
naqueles tempos muitas continuavam intactas e, portanto, devolutas, mesmo tendo algum
coronel como seu proprietário. Nesses pedaços de chão desocupados pela grande produção,
camponeses – arrendatários, meeiros, ou ex-escravos fugidos – expulsos das grandes
propriedades iam adentrando, ocupando e produzindo para a subsistência, até que a ganância
senhorial lhes retirasse novamente daquele espaço. É o que confirma Guimarães (1968, p. 58),
ao afirmar que,
Das faltas de medições nasceu a maior desordem, porque ciente ou incientemente
foram os posseiros entrando, e quando mais descobertas as regiões, foram melhor
conhecidas as localidades. E por essa mesma ignorância que tinha muitas vezes o
posseiro do que compreendia o concedido, novas concessões de sesmarias se
verificavam dentro das já concedidas. Desta marcha de coisas nasceram mais
demandas do que se deram sesmarias no Brasil; e se excetuarmos um ou outro
sesmeiro que mediu e realizou toda a terra que lhe fora dada, grande parte deixou
cair as sesmarias em comisso, e o maior número contentou-se com [sic] cultivar
apenas uma parte delas.
Em 1822, uma resolução imperial finda o regime das sesmarias, que não se
sustentava mais frente ao perigo de uma revolução, justamente pela ocupação das terras
devolutas pela população rural. Soma-se a situação de perigo para a estrutura fundiária, a
pobreza nas poucas cidades e no entorno dos engenhos, a qual é resultante da dinâmica de
modernização do latifúndio açucareiro – instalação dos banguês –, e o próprio endividamento
de alguns senhores de engenho junto aos comerciantes do reino.
Com a extinção das sesmarias, a ocupação das terras sertanejas, mais modestas em
termos de recursos naturais e, portanto, sem significativo interesse econômico que não aquele
da pecuária, começa a ser feita pelas camadas mais modestas da população. Mesmo assim,
também nos sertões, o latifúndio permanece como forma de ocupação e exploração pecuária
e, em menor grau, agrícola.
Em todos os ciclos produtivos, o latifúndio se fez, perpetuando-se até os dias atuais.
Assim ocorreu com a produção cafeeira, com a pecuária, o algodão, o tabaco, o cacau e,
principalmente, com a cana de açúcar. Desse modo, considerando que cada monocultura se
solidifica em uma região diferente do Brasil, compreende-se que a concentração da terra
como propriedade privada de poucos se instala em todo território, excetuando algumas poucas
regiões em que o relevo ou a necessidade de ocupação humana tenha requerido outra
dinâmica. Esse foi o caso do povoamento do litoral, das serras e, em menor intensidade, dos
planaltos catarinense e riograndense, no período colonial, através dos imigrantes açorianos
(PRADO JÚNIOR, 2006) e, após a independência, com os imigrantes europeus: italianos,
alemães, poloneses etc.
74
Mesmo com a alforria dos escravos, no século XIX, devido aos altos custos de sua
reprodução, a estrutura fundiária não se altera, continuando como elemento caracterizador do
Brasil agrário, conforme apontou Prado Júnior (2006).
Dentre os efeitos da libertação dos escravos e a ascensão do uso da força de trabalho
livre está o estabelecimento das condições objetivas para o desenvolvimento do capitalismo
no Brasil. Esta é uma das conclusões de Guimarães, embora o autor persista na afirmação de
que tal capitalismo não se desenvolverá de forma efetiva no espaço rural brasileiro. Mesmo
discordando deste raciocínio linear sobre a economia que se desenvolve no campo brasileiro,
concorda-se com o autor quando afirma que “uma das consequências dessa conjuntura é o
agravamento das contradições entre as forças sociais caducas e as novas forças sociais que
abriram caminhos diferentes para o progresso do país” (GUIMARÃES, 1968, p. 89).
Evidencia-se aqui a compreensão de Guimarães, sobre o surgimento do capitalismo
no Brasil, distinguindo seu pensamento em relação ao de Ianni (1984), para quem o modelo
de produção brasileiro, desde a ocupação colonial, foi significativamente híbrido em relação
ao que ocorria no restante do mundo – e das colônias europeias –, todavia nunca deixou de se
configurar como uma economia diretamente ligada à metrópole, adquirindo assim, a
caracterização desta: economia mercantil e capitalista, cuja exploração agrária tinha a
intencionalidade da acumulação de riquezas pela exploração da terra, via exploração da força
de trabalho.
Todavia tenha se registrado a polêmica e divergente compreensão entre os autores –
dever enquanto pesquisadora – o que interessa pontuar sobre o momento da libertação dos
escravos, e que ambos autores concordam, é que, com ela, consolida-se um tipo de exploração
da força de trabalho ainda presente na atualidade, muito utilizada pelos complexos
agroindustriais (CAIs), de norte a sul e de leste a oeste do país, sob a denominação de
‘sistema de integração agrícola19’: trata-se da ‘parceria’.
Este tipo de exploração da força de trabalho rural, através de contrato pactuado entre
as partes – com condições de produção provenientes do tipo de propriedade que possuem que
são evidentemente desiguais, diga-se de passagem –, é apontado por Prado Júnior (2006),
quando trata do encerramento do período colonial e da abolição da escravatura. Para
Guimarães (1968, p. 95),
Quando tudo faria supor que o latifúndio do café ou da cana de açúcar despenharia
no abismo, arrastado pela decomposição do regime escravista, e cederia lugar, sem
19
Tema abordado em pesquisa realizada no período de 2007/2008, em que se tratou do regime de integração
avícola em uma agroindústria catarinense (LUSA, 2008).
75
maiores resistências, ao estabelecimento da pequena propriedade, assistiu-se, ao
contrário, ao seu ressurgimento, à custa de uma solução astuciosa: a parceria. A esse
tipo de contrato de trabalho, que de nenhum modo se pode identificar com o
trabalho livre, viriam associar-se outras formas de transição para o salariado, sem
que deixasse o latifúndio de conservar o seu caráter essencial e seu tradicional poder
de coação sobre os trabalhadores nele engajados.
Assim, mesmo com a extinção de um dos três elementos fundantes da exploração
agrária, apontados por Prado Júnior (2006), o latifúndio, a escravidão e a monocultura, a base
agrária da economia brasileira sobreviveu, em sua fase concorrencial. Assim, sustentou-se
como principal fonte geradora de riquezas para o país, até que os monopólios internacionais
ocupassem a cena econômica – na segunda metade do século XX – e, logo após – no século
XXI – o capital financeiro.
Colaborou para a transição entre o predomínio do trabalho escravo e o uso da força
de trabalho assalariada, sem que fosse cogitada a possível via da reforma agrária, o fato de
que a população brasileira nem pensava e, menos ainda, articulava-se para que esta fosse a
solução para a crise da mão de obra, até então, escrava (GUIMARÃES, 1968).
Neste sentido, para Fernandes (2005), no Brasil a transição do capitalismo
concorrencial ao monopolista fugiu do modelo ‘universal’, perfilado pela democracia
burguesa. Aqui ela foi marcada por uma democracia restrita aos membros das classes
dominantes – a aristocracia rural, que teimava em resistir à derrocada, e a burguesia industrial
urbana e rural, em ascensão durante a industrialização tardia do país. Assim, para Iamamoto
(2008-b) a democracia teria transitado entre aquela ‘dos oligarcas’ e a do grande capital.
Como resultado, aprofunda-se os traços da formação colonial, quais sejam a
dependência do capital externo, a produção voltada quase que exclusivamente para o grande
capital internacional, e a manutenção da estrutura agrária brasileira, com aprofundamento das
desigualdades, das expressões da questão social e da exclusão de enormes contingentes de
trabalhadores.
Iamamoto (2007, p. 31) traça um perfil da atual estrutura do país, dizendo que
Permaneceu tanto a subordinação da produção agrícola aos interesses exportadores,
quanto os componentes não-capitalistas nas relações de produção e nas formas de
propriedade, que são redimensionados e incorporados à expansão capitalista. Essa,
gradualmente, moderniza a grande propriedade territorial que assume a face racional
de empresa capitalista, convivendo com as vantagens da apropriação fundiária. É
acompanhada da concentração da propriedade territorial e de uma ampla
expropriação de trabalhadores, cresce a massa de assalariados rurais e urbanos,
necessária à expansão do mercado interno, e às exigências de ampliação da produção
e produtividade. Esse mesmo desenvolvimento incorpora e recria a pequena
produção mercantil simples – parceiros, pequenos arrendatários, posseiros –
submetendo-os ao jugo do capital e à renda fundiária. Assalariados agrícolas e
pequenos produtores familiares experimentam uma permanente privação dos direitos
76
sociais, trabalhistas e políticos – especialmente o direito de voto –, aprofundando
sua exclusão do bloco do poder e dos pactos políticos.
O Brasil rural, no qual os “capitalistas se utilizam da propriedade da terra para obter
renda, para especular, para se apropriar da renda da terra” (STEDILE, 2005, p. 15) concorre
para a sustentação do capitalismo no Brasil. Esse Brasil rural, constituído pelo grande capital
agrário, pelo médio e pequeno empresariado rural e pelo campesinato – remediado,
pauperizado e pelo trabalhador rural destituído de terra –, foi e continua sendo a base da
formação econômica, política, social e cultural do país – note-se, por exemplo, que a
participação da agropecuária no PIB aumentou de forma crescente entre o final dos anos 1990
e os anos 2000 (BRUGNARO; BACHA, 2009).
No Brasil rural, a histórica e persistente “concentração da propriedade da terra é a
base das relações sociais injustas” (STEDILE, 2005, p. 15), sendo a sua eliminação condição
indispensável para a superação da ordem capitalista, geradora das mais diversas expressões da
questão social no campo, desde as mais estarrecedoras, como o trabalho escravo, ainda
presente de forma invisível aos olhos do Estado e da sociedade, quanto aquelas prontamente
naturalizadas, como a violência nas relações sociais.
Destarte, a propriedade privada da terra, concentrada nas mãos de poucos,
cristalizou-se na formação sócio-histórica brasileira, corroborando para o aprofundamento do
capitalismo, em seu cariz agrário, mas também urbano-industrial, de perfil extremamente
explorador, competitivo e gerador das mais diversas desigualdades. Logo, na instituição
formal da propriedade privada no Brasil, reconhece-se uma das bases fundantes das
expressões da questão social na atualidade, manifestas no campo e na cidade deste imenso
país.
1.2.3 Desaparecimento do campesinato ou recamponesação?
O que predominou no primeiro momento após a abolição da escravatura foi o regime
de parceria, de que Marx tratava. É Guimarães quem resgata a passagem de Marx, no terceiro
tomo d’O capital, para explicar que a parceria é uma dentre as formas de transição entre a
renda primitiva e aquela capitalista.
A parceria, ou sistema de exploração com partilha do produto, pode ser considerado
como uma forma de transição entre a forma primitiva da renda e a renda capitalista;
o explorador (parceiro) emprega, além de seu trabalho (próprio ou alheio), uma parte
do capital aplicado, e o proprietário, além do terreno, fornece a outra parte do capital
(por exemplo, o gado); o produto é repartido entre o parceiro e o proprietário em
proporções determinadas que variam segundo os países. Para uma exploração
inteiramente capitalista, falta ao parceiro. Nesse caso, capital suficiente. A
77
participação que cabe ao proprietário não constitui uma forma pura de renda. Pode
conter os juros do capital por ele adiantado, assim como uma renda excedente. Pode
também absorver todo o sobretrabalho do parceiro ou deixar a este uma parte mais
ou menos importante. O essencial, porém, é que a renda não aparece mais aqui como
a forma normal da mais-valia. Por um lado, o parceiro, seja com o trabalho próprio
ou alheio, pode pretender uma parte do produto não na qualidade de trabalhador,
mas de possuidor de uma parcela dos instrumentos de trabalho, por ser ele seu
próprio capitalista. Por outro lado, o proprietário da terra pode pretender a sua parte,
não somente por ser dono do terreno, mas por ser fornecedor do capital (MARX, s/d,
p.182 apud GUIMARÃES, 1968, p. 98).
Portanto, para Guimarães, mesmo com a abolição da escravatura, ainda não seria
possível afirmar que o Brasil se torna capitalista, visto que, não é apenas a presença da
escravidão – como forma de exploração da força de trabalho – que caracterizaria o que o autor
denomina como modo feudal e pré-capitalista de produção.
Ora, embora concorde-se com a explicação de Marx sobre o regime de parceria, não
é possível compreendê-lo da mesma forma como Guimarães, como um regime de acumulação
de renda primitiva de ordem feudal e pré-capitalista. Ora, que ele não ocorre no circuito
capitalista de produção de mais-valia através da exploração da força de trabalho assalariada, é
fato certo. Por isto, bem poderia se caracterizar como acumulação de renda produtiva, no
circuito da produção mercantil simples, todavia não dentro da ordem feudal, visto que não se
reconhece que a mesma foi instalada no Brasil, nem mesmo durante o período colonial.
Reflita-se! É necessário ter cuidado com a transposição direta das reflexões de Marx
para a análise das relações sociais de produção rural brasileiras, primeiramente por que Marx
estava discutindo um outro contexto de desenvolvimento do capitalismo. Ora, ele estava
tratando sobre o capitalismo na Europa, mais especificamente sobre a experiência inglesa,
num momento bastante inicial deste regime, caso sejam considerados o seu desenvolvimento
e suas transformações históricas. Em segundo lugar, note-se que, conforme a descrição de
Marx, inexiste uma desigualdade significativa entre os dois parceiros – aquele que detêm
parcela dos instrumentos e emprega com eles o trabalho (seu ou alheio); e aquele que detêm a
outra parte da propriedade, o capital substantivo, expresso na matéria-prima. De alguma
forma, pode-se reconhecer que ambos têm vantagens condizentes com as parcelas que
empregam no empreendimento, o que poderia indicar a conclusão que nem um e nem outro
explora ou é explorado. Terceiro, perceba que, no exemplo de Marx, há possibilidade de que a
renda da parceria para o proprietário (de terra) contenha ‘renda excedente’, mas isto não é
regra, e sim, possibilidade.
Agora, conjeture-se sobre os regimes de parceria agrícola encontrados no Brasil,
primeiramente naquele período de transição colonial. Já à época, os sujeitos viviam em
condições de desigualdade no que tange a propriedade dos bens, instrumentos de produção ou
78
força de trabalho empregadas, sendo permanentemente sobrepujados pela dominação política,
que era correlata à dominação econômica que começava a se instituir.
Lembre-se que a maioria dos trabalhadores parceiros dos grandes proprietários, nada
possuía além de sua força de trabalho e/ou de sua família, isto porque os instrumentos de
trabalho eram quase inexistentes e quando deles dispunha, eram propriedade privada dos
mesmos proprietários de terra. Quando muito, alguns trabalhadores rurais possuíam enxadões,
ou facões, ou foices, ainda bastante primitivos. Todavia, mesmo considerando que esses
trabalhadores possuíssem uma pequena parte dos instrumentos, o restante era proveniente do
grande proprietário da terra: sementes, adubos, outros instrumentos etc.
Além disto, na divisão do produto das tais parcerias, apenas uma pequena parte
ficava para o parceiro-trabalhador, que tinha tido como principal investimento na parceria o
empreendimento da sua força de trabalho. Assim, o que estaria posto no modelo de parceria
agrícola que se estabelece no Brasil é uma espécie de extração ‘disfarçada’ da mais-valia,
através do uso da força de trabalho do homem rural (e de sua família, geralmente), que é paga
com os próprios gêneros produzidos e não em dinheiro. Assim, nessas condições, podia-se
lhes extrair significativo valor sobre o trabalho que empregavam no cultivo da terra, o que
geraria renda fundiária ao senhor das terras.
Por conseguinte, mesmo não existindo um salário formal, pago em dinheiro, que
possa ser identificado como componente do processo de trabalho na agricultura, existe um
salário indireto que é pago com o próprio produto do trabalho e que corresponde a uma
parcela significativamente inferior àquela que permanece com o proprietário da terra e dos
bens de produção (em sua maior parcela), que é caracterizado como renda fundiária.
Ao tomar um exemplo mais recente de utilização de regime de parceria agrícola, que
é aquele empregado pelas agroindústrias de carne de Santa Catarina – Sadia e Perdigão,
fundidas na Brazilian Foods Alimentos; Seara; e Aurora – verificar-se-á que, embora o
produtor rural, avicultor ou suinocultor, disponha da propriedade e dos equipamentos para a
criação dos animais, além de sua força de trabalho e da família, o preço pago pela
agroindústria não corresponde à depreciação das benfeitorias, nem ao uso da propriedade e
dos equipamentos utilizados. Quando muito, o preço pago pelo quilo de animal entregue para
o abate, depois de descontados todos os insumos que a agroindústria coloca na propriedade,
não é suficiente para pagar o salário de todos os trabalhadores que dispensaram sua força de
trabalho no processo. Isto caracteriza, na atualidade, um tipo de exploração da força de
trabalho disfarçada em outras formas de contratualização, que não no contrato de trabalho
segundo a atual legislação trabalhista brasileira.
79
Esta estratégia é utilizada pela agroindústria, envolvida diretamente no circuito de
produção do capital, para ampliar a mais-valia – diria, relativa – extraída no processo de
produção de carnes para o mercado nacional e internacional. Todavia, a relação de parceria efetivada através do contrato de integração entre o produtor rural e a agroindústria – no
âmbito geral de análise do processo produtivo é, na maioria das vezes, considerada como
elemento externo ao circuito de produção agroindustrial. Ora, na leitura desta pesquisadora,
percebe-se um equívoco na análise de Guimarães (1968). Tanto que a agroindústria identifica
a propriedade do produtor rural com a sua logomarca, como se estivesse atestando que aquele
lugar é uma extensão dela própria, além do que a agroindústria vincula a produção do parceiro
diretamente a ela, proibindo-lhe de vender livremente o produto do seu trabalho no mercado
de carnes, o que fica devidamente registrado no contrato de parceria.
Assim, compreende-se que à medida que novas formas de capitalismo agrário vão se
instalando, ocorre uma crescente rearticulação das antigas formas de produção com a nova
estrutura econômica do país. O caso das ‘parcerias’ agrícolas ou, na atualidade, das parcerias
de integração agroindustrial, é apenas uma destas formas de rearticulação. Assim, as
categorias camponesas não desaparecem, mas se rearticulam sob novas formas, geralmente
subordinadas ao grande capital, conforme exemplificado.
Note-se que para Ianni (1984, p. 148),
Há vários mecanismos que fazem com que a produção camponesa, nesses casos,
esteja profundamente subordinada às exigências das empresas, do grande capital. No
entanto, o camponês tem a ilusão de que é autônomo, independente, trabalha a hora
que quer. Na verdade, está obrigado a trabalhar não só porque já está articulado com
a grande empresa, mas porque, se quiser comprar açúcar, sal, arroz e feijão, tem de
comprar com o dinheiro produzido pelo seu trabalho, da venda do seu produto à
agroindústria.
Este é o caso, antes referenciado, do pequeno produtor rural e sua família, integrado
às agroindústrias de carne, que produz segundo o ritmo e as normas expressas pela empresa
(LUSA, 2008). Portanto, a subordinação do atual camponês é fato concreto, que está além de
um problema quantitativo de produção.
Mesmo as populações indígenas, que estão em reservas, podem estar subordinadas
ao capital, produzir excedentes que são comercializados. Esse pequeno excedente,
que pode ser cerca de 5% da produção, já implica uma subordinação formal do
trabalho ao capital, na medida em que sem esses 5% o trabalhador não compra
açúcar, sal, sem os quais não vive. Portanto, está subordinado ao mercado (IANNI,
1984, p. 149).
Ainda há de se considerar que essa subordinação do camponês – pequeno produtor
rural – tem se acelerado com a atuação do Estado, através de algumas políticas de ordem
80
econômica. Ianni (1984) reconhecia, na década de 1980, a presença na agricultura do
PROTERRA, FUNAI, INCRA, Banco do Nordeste, Banco do Brasil, entre outros.
Hoje, alguns destes agentes do Estado continuam ainda presentes, enquanto outros
deram espaço para novos. São estes agentes que recolocam cotidianamente a subordinação do
campesinato ao grande capital agrário, através de programas, como por exemplo, o Programa
de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF.
Presente em todo território nacional, esse programa – voltado para a agricultura
familiar – vincula o financiamento da safra da pequena e média produção mercantil simples,
às exigências de produção do mercado, impondo, inclusive, os períodos de plantio – e
consequentemente de colheita – e os tipos de insumos a serem utilizados. Esses e outros
vários elementos do programa apontam o atrelamento do camponês – produtor mercantil
simples, na identificação conferida por Iamamoto (2007) – ao mercado, que necessitando
desse tipo de programa, obriga-se a consumir certo tipo de sementes, ou de defensivos
agrícolas, ou de insumos, ou ainda, a aplicar certas tecnologias à produção, a fim de não
perder a renovação do financiamento agrícola para a produção da safra seguinte.
Sem dúvida, a perspectiva destes agentes do Estado e programas governamentais
volta-se para o ‘desenvolvimento’ do campo, numa lógica condizente com o capitalismo
neoliberal. Destarte, o chamado desenvolvimentismo das décadas de 1950 e 1960, que
colaborou para a ‘revolução verde’ no campo – a partir da década de 1970 –, hoje se recoloca
com a denominação de ‘desenvolvimento sustentável’. Sob esta perspectiva, criam-se novas
estratégias de reprodução do capital no campo e recolocam-se outras tantas que colaboram
para a intensificação da exploração da força de trabalho e, portanto, para a ampliação do
capital agrário.
A nova onda da economia verde 20 é uma dessas expressões. Ela atua desde o
condicionamento da produção aos padrões específicos da agroecologia, até a dominação de
um mercado consumidor, direcionado especialmente para a classe média e alta – com
possibilidades financeiras para consumir esses produtos diferenciados –, mas também
operante junto à classe trabalhadora.
20
Sem adentrar na discussão específica deste conceito, aponta-se que ele surge após a Conferência Mundial de
Ecologia realizada em 1992 no Rio de Janeiro (ECO 92), no âmbito das Nações Unidas, direcionando-se para a
associação entre a melhoria do bem-estar humano, a redução das desigualdades sociais, a inclusão social e o
desenvolvimento econômico associado ao cuidado de preservação e conservação dos recursos ambientais.
Junto a ideia de economia verde, difunde-se a lógica de um ‘consumo verde’, voltado para a produção,
comercialização e consumo de produtos com reduzido índice de agressão aos ecossistemas naturais, tais como
os produtos agroecológicos. A dita ‘nova forma de produção e consumo verde’, apresentada como inovação
tecnológica, resgata boa parte das estratégias de produção e também de consumo que o campesinato brasileiro
utilizava até a chegada da revolução verde no campo, todavia isto não é reconhecido.
81
Conjuntamente com a expansão do capitalismo no campo, ocorre a constituição das
classes sociais no campo, ou melhor, sua solidificação. Esse processo conta com a
participação do Estado nos negócios agrícolas, através do financiamento desigual para as
diferentes classes sociais camponesas. “É o contexto da expansão intensiva e extensiva do
capitalismo no campo que mostra como se estão desenvolvendo as classes sociais” (IANNI,
1984, p. 150).
Para além de uma configuração ampla destas classes sociais e suas relações de
produção na sociedade capitalista, há uma diversidade, principalmente do campesinato, que
vai se configurando de forma diversa em cada região do país. Assim, o mesmo autor (1984, p.
151-152) afirma que,
As classes sociais se distinguem em várias regiões e há diferentes conotações. Mas à
guisa de síntese, eu diria que a burguesia é nacional e estrangeira. O capital
estrangeiro está no campo. Se não está o capital estrangeiro, está o estrangeiro
proprietário de terra, que desenvolve atividades agrícolas. Às vezes a burguesia
estrangeira está associada à burguesia nacional. Sem esquecer que frequentemente
os empresários agrícolas são empresários industriais, estão associados com grupos
econômicos industriais, comerciais, financeiros e agrícolas. De modo que é
complexa a burguesia agrária no Brasil [...] No que diz respeito ao campesinato: o
capitalismo, ao mesmo tempo que destrói ou modifica formas camponesas, recria
formas camponesas de organização do trabalho. [...] É inegável a persistência e, até,
o crescimento do campesinato rural [...] Cresce numa forma nova, articulada com a
produção mercantil, subordinada ao grande empreendimento econômico de
comercialização, ou de produção e comercialização, que predomina no conjunto da
agricultura.
Embora considerando a persistência do campesinato, entendendo que sua
caracterização enquanto produtor de subsistência não restringe sua produção ao consumo
doméstico, mas o coloca no circuito da produção mercantil simples, Ianni coloca em suspenso
a tese defendida por Guimarães (1968) sobre o fim do campesinato. Enquanto o segundo
aponta que o avanço do capitalismo agrário, que somado aos elementos próprios da vida
social brasileira, levaria ao desaparecimento do camponês, Ianni (1984, p. 107) afirma que,
Sob o ângulo que nos interessa aqui, é inegável que essa luta do sitiante e
arrendatário de tipo tradicional [...] exprime uma fase determinada do processo de
desorganização da economia natural, de subsistência, do bairro de vizinhança, ou
outras formas de utilização dos meios de produção e trabalho. As manifestações
desses agricultores, mesmo quando assumem formas estruturadas, talvez não passem
de expressões transitórias de um processo avassalador, que poderá eliminar certos
grupos de pequenos proprietários e formas menos ortodoxas de salariado. São
tensões que conduzirão à expulsão do colono, rendeiro, parceiro etc. do interior da
fazenda ou latifúndio, isto é, à sua proletarização. Como se vê, o mundo caipira, que
inegavelmente possui uma fisionomia própria, elaborada no decorrer de um longo
processo de formação iniciado com a colonização portuguesa, está sendo atingido
intensamente pela expansão do capitalismo no campo. [...] Trata-se da economia
natural, que subsiste ainda em muitas áreas do país, mas que em outras está sendo
progressivamente alcançada, modificada e destruída.
82
O que se evidencia aqui é a eliminação de uma economia natural, ligada à produção
de gêneros de subsistência que são consumidos pelas populações locais e que também chegam
aos centros urbanos através das trocas iniciadas pela vizinhança. É esta economia que seria
eliminada em algumas regiões mais atraentes ao capital agrário, mas que subsistiria em outras.
Junto à eliminação da economia natural em algumas regiões, observar-se-ia o
desaparecimento dos traços tradicionais da vida camponesa, arraigados a esta economia
natural, por exemplo, denominada de ‘caipira’, no interior de São Paulo. É o que apontam
Candido (2001) ao estudar o camponês paulista, por volta da década de 1950, e Martins
(2010) ao tratar da transformação das formas de sociabilidade do homem simples, morador ou
antigo morador das áreas rurais do Brasil.
Haveria, dessa forma, a incorporação progressiva do homem do campo à esfera da
cultura urbana, tanto para aqueles que permanecem morando e trabalhando no espaço rural,
quanto para aqueles que migram para as cidades. O esgotamento de alguns hábitos rurais,
motivado pelo surgimento de novas necessidades, levaria a transformação do antigo modo de
vida e valores, em novos (CANDIDO, 2001).
De alguma forma, a incorporação progressiva da cultura urbana de massa pelo
indivíduo rural apontaria para uma espécie de subordinação do campo à cidade. Todavia, essa
subordinação não pode ser compreendida de forma desconexa à subordinação do trabalhador
ao capital e do campesinato e do proletariado rural à burguesia industrial – urbana ou rural.
Sobre essa subordinação, alerta Ianni (1984, p. 247) que,
A rigor, o proprietário do capital, principalmente a burguesia industrial, beneficia-se
várias vezes da subordinação do campo à cidade, da agricultura à indústria.
Primeiro, pela garantia de suprimentos de gêneros alimentícios e matérias-primas.
Segundo, devido à administração de preços pelo poder público, de acordo com os
interesses da burguesia industrial; administração esta que se mescla com as políticas
governamentais de crédito e modernização tecnológica, quimificação e outras, em
favor da indústria. Terceiro, pela produção de divisas com as exportações de gêneros
e matérias-primas, exportações estas favorecidas pelo poder público; divisas estas
das quais se beneficiam bancos e indústrias, ou o grande capital financeiro. Quarto,
pela garantia de reservas de força de trabalho no mundo agrário, o que representa
sempre um manancial, tanto para a expansão da indústria, como para deprimir os
níveis de salários reais na cidade.
Portanto, as transformações apontadas ainda por Candido na década de 1950 não
alterariam apenas o modo de vida do homem simples caipira – objeto de estudo do autor. Tais
transformações afetariam a geografia humana do espaço rural, alterando a composição das
classes sociais no campo. Conforme Ianni (1984, p. 188), assim se define, em fins do século
XX, a configuração humana do campo: “a burguesia, o operário rural, ao lado de um
83
campesinato bem diversificado, constituem categorias sociais importantes no campo, na
relação do campo com a cidade”.
Segundo a perspectiva discutida, a transformação do campesinato tornar-se-ia motor
para a história. Isso aconteceria porque,
Também o campesinato se transforma, proletarizando-se; seguindo adiante, em
busca de outras terras; ou sendo recriado pelas exigências da produção mercantil.
Alargam-se as contradições de classes, no âmbito dos movimentos sociais e partidos
políticos. As mesmas relações de produção que realizam a subordinação do campo à
cidade, da agricultura à indústria, da terra ao capital, realizam o desenvolvimento
das classes sociais em escala nacional (IANNI, 1984, p. 190).
Se por um lado o campesinato seria motor para a história, ao buscar novas
alternativas de trabalho e de reprodução social, por outro lado, ele não estaria isento de uma
forte subordinação ao movimento do capital industrial. Isto ocorreria dada a relação existente
entre esse camponês – com ou sem meios de produção – e o circuito da acumulação
capitalista.
Nesse sentido, afirma Ianni (1984, p. 161) que,
Como fornecedor de força de trabalho, consumidor de produtos de origem industrial
e reserva de força de trabalho, o trabalhador rural é posto e reposto no circuito da
acumulação capitalista. Em muitos casos é proletarizado. Nesta alternativa, é
expropriado dos seus meios de produção, principalmente a terra. Em outros casos é
levado à recamponesação. Nesta alternativa, é reincorporado aos movimentos do
mercado, conforme as exigências do capital comercial, bancário e industrial.
Destarte, a recamponesação da economia agrícola ocorreria devido à existência de
excedentes agrícolas de força de trabalho, à inexistência de reforma agrária e à falta de
interesse da grande empresa agroindustrial por culturas e produções não beneficiadas pelos
apoios e favores governamentais. Isso resulta na sobra de uma parcela de mercado para os
gêneros e matérias-primas, que não oferecendo interesse produtivo ao capital, são reservados
para que os pequenos produtores mercantis simples – cuja produção tem caráter familiar –
possam suprir.
São exemplos desta produção camponesa na atualidade, os gêneros oferecidos nas
feiras da agricultura familiar – com outras denominações, a depender da região e da origem
dos produtos – que se espalham pelo país, nos grandes, médios e pequenos centros urbanos.
Conforme os casos, o camponês se envolve, inclusive, no circuito comercial, sendo a
operação de venda ao consumidor na feira dirigida por ele mesmo, ou pelos membros da sua
família, ou do seu grupo produtivo.
Ainda mais recente é o processo de produção da agricultura camponesa que se
destina aos programas governamentais de compra e distribuição de alimentos agrícolas. É o
84
caso do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), instituído em 2003 pelo governo
federal, através da Lei 10.696/2003. Apesar de uma política recente, muitos estudiosos tem se
dedicado a ela. Sem adentrar nas especificadas desse, ou de outros programas semelhantes,
voltados para a comercialização dos gêneros produzidos pela agricultura camponesa familiar,
o que aqui interessa registrar é que, apesar da manifesta intencionalidade em oferecer
estrutura de produção e comercialização para o campesinato, esses programas reforçam o
tratamento desigual da remuneração entre a produção agrícola de pequeno e grande porte.
Assim, garantem o escoamento da produção de pequeno porte, através da comercialização,
todavia auferem preços tão baixos que acabam não oferecendo condições estruturais para que
a agricultura familiar se consolide no mercado.
De uma ou de outra forma, é importante registrar que este é um exemplo atual do
processo de ‘recamponesação’ indicado por Ianni (1984) na década de 1980. Destarte,
trabalhadores rurais, pequenos proprietários de terra, arrendatários, parceiros etc.,
permanecem no cenário capitalista, ocupando, inclusive, um irrisório nicho de mercado. Isso
indica que o campesinato não teve o fim que muitos previam, apenas transformou-se,
acompanhando o movimento do capital, ou utilizando o termo empregado por Ianni:
recamponesou-se.
Nesse cenário contemporâneo, Martins (2010) aponta a permanência do modo de
vida camponês, que se transforma e reafirma no momento da recente transição de séculos. A
reflexão do autor assegura que os traços tradicionais do modo de vida rural não são totalmente
eliminados. Alguns deles desaparecem, sim. Todavia, outros permanecem presentes através
das formas de produção, da memória, das músicas, dos pratos típicos, das histórias, e de
outras estratégias de transmissão do modo de vida entre as gerações, mesmo quando já não
vivem e nem tem contato direto com o campo. Desse modo, também para Martins (2010), o
que ocorre é a transformação do modo de vida e de trabalho do camponês, mas não sua
eliminação total como sujeito constituinte da sociedade.
Historicamente, uma das marcas mais fortes que sinalizam o começo das
transformações do campesinato foi a passagem do uso da força de trabalho escravo para a
exploração do trabalho do parceiro rural e sua família, fato que acontece na transição do
Brasil colonial para o Brasil independente, por força das demandas produtivas da época.
Para Prado Júnior (1959), uma nova ordem internacional teria chegado ao Brasil na
fase final do século XIX, sinalizando o rompimento com os quadros conservadores da
monarquia, a consolidação do domínio financeiro internacional na vida econômica do país, a
85
eclosão de um novo espírito de negócios e de especulação mercantil, bem como a abolição da
escravatura e a instauração de novos regimes de trabalho.
Estes, entre outros significativos fatores, transformam as relações sociais e os
quadros políticos e econômicos do país, introduzindo a nação em um novo período de
desenvolvimento do modo capitalista de produção, em que ocorre – consecutivamente – a
expansão e crise da produção agrária. Em sua análise, datada na década de 1940, Prado Júnior
(1959, p. 231) sinalizava que,
Como no passado, a produção agrária continuará compartimentada e distribuída
pelas diferentes regiões do país, como um gênero para cada uma; e desenvolvendose cada qual independentemente das demais e voltada inteiramente para fora do país
[...]. Esta velha e tradicional estrutura da economia brasileira ainda permanecerá no
século XX. O que os aproxima e sintetiza é apenas o caráter fundamental de todos
eles, e que por isso também caracteriza a economia brasileira em conjunto: o fato de
serem produtos de exportação. Une-os também, embora dentro de grandes
diferenças particulares e ritmos diferentes de evolução, um mesmo destino que será
como que uma autoliquidação e perecimento deles todos em prazos mais ou menos
longos. Conjugam-se assim para resultar nesta crise geral do sistema econômico que
encontra seu apogeu e também sua fase de liquidação final na primeira metade do
século XX.
Mesmo discordando de Guimarães (1968), em relação à identificação feudal e précapitalista do campo brasileiro durante o período colonial, justamente pela inexistência de
relações contratuais trabalhistas, Prado Júnior vai afirmar que já no período da transição do
século XIX para o XX a produção capitalista é factual no Brasil agrário.
Todas aquelas formas de exploração agrícolas, que se utilizam do trabalho
assalariado, seja a exploração cafeeira, canavieira, cacaueira, ou mesmo pecuarista, passam a
se configurar como formas do capitalismo existentes no campo. O que é comum para a
maioria delas é a presença da grande propriedade territorial como fundamento da produção,
razão que interessa para a afirmação da tese de Guimarães sobre os quatro séculos da presença
hegemônica do latifúndio no Brasil. Junto a ela estará o campesinato, que não desaparece,
mas, sim, acompanha o desenvolvimento capitalista, participando do circuito produtivo,
enquanto produtor mercantil simples.
1.2.4 O trabalhador rural e a identidade camponesa
Como para esta tese o que interessa é a compreensão sobre a configuração do espaço
rural brasileiro e nele da classe proletária rural, e do pequeno produtor mercantil simples,
também identificado como camponês, passa-se a discutir a presença desses sujeitos no campo
e a formação de uma identidade camponesa.
86
Para isso, é interessante apontar algumas características do Brasil agrário, após o
momento de sua independência. Sobre aquele momento, Guimarães (1968, p. 105) diz que
Foram precisos três séculos de ásperas e contínuas lutas, sangrentas muitas delas,
sustentadas pelas populações pobres do campo contra os todo-poderosos senhores da
terra, para que, por fim, a despeito de tantos insucessos, despontassem na vida
brasileira os embriões da classe camponesa. Só no limiar do século XIX e, portanto,
há pouco mais de cem anos, começaram a surgir os frutos dessa irredutível e
prolongada batalha, abrindo-se as primeiras brechas nos flancos mais vulneráveis do
opressivo sistema latifundiário, com a implantação, principalmente ao Sul do
território nacional, e em bases estáveis, de outros tipos menos agigantados e mais
modestos de propriedade agrária.
O que figura neste fragmento da obra de Guimarães é a identificação dos embriões
da classe camponesa, representados pelos posseiros e pequenos proprietários de terras que
aparecem, principalmente, no sul do país. Não que este tipo de sujeito antes fosse inexistente,
pelo contrário, Holanda (2005) fala dele, identificando-o como um dos sujeitos que justificam
sua tese do ‘homem cordial’ brasileiro.
Prado Júnior (2006) se refere a ele como o sujeito que praticava a agricultura de
subsistência e que sustentava com ela as necessidades alimentares dos engenhos e dos
povoados urbanos. Ianni (1984) menciona, após a independência do Brasil, a presença de uma
classe trabalhadora camponesa, pré-existente à independência. Sendo ela agrária e produzindo
para a sua subsistência e de outros sujeitos, sempre tratou de garantir a subsistência da
sociedade, visto que a grande propriedade de exploração agrária, preponderantemente,
produzia a monocultura para a exportação, deixando a desejar a produção de gêneros para
alimentar as bocas e barrigas dos nacionais.
Enfim, o que se deve ater nesse momento é o apontamento para a existência de um
grupo social, com traços mais ou menos comuns, que pode ser identificado enquanto classe
social camponesa. A característica predominante é a falta da propriedade territorial – ou
então, a propriedade de uma pequena parcela de terra, suficiente, no mais das vezes, apenas
para o trabalho e a subsistência familiar –, mas detentora de força de trabalho livre, que
emprega cotidianamente para a obtenção dos meios necessários à sobrevivência no campo.
Na verdade, Guimarães (1968, p. 106) vai apontar para a classe trabalhadora, não
necessariamente como classe proletária rural, mas enquanto classe social cuja força de
trabalho representa uma reserva para o grande ou médio capital agrário, segundo as suas
necessidades. Neste sentido, “se lhes concediam pequenos tratos de terra para a agricultura
necessária ao seu sustento, era com a finalidade de mantê-las subjugadas, como mão de obra
de reserva, dentro ou às proximidades dos latifúndios”.
87
Quando empregado nas grandes propriedades, nas usinas ou, recentemente, nas
agroindústrias rurais, o trabalhador camponês, lavrador, parceiro, meeiro, volante, ou
arrendatário, torna-se efetivamente um trabalhador disfarçado para o capital agrário. Sua força
de trabalho passa a ser explorada no processo de trabalho, ou ainda, no processo produtivo, em
troca do salário indireto com o qual proverá seu sustento e de sua família. Frequentemente este
salário indireto/disfarçado será somado à produção de gêneros de subsistência, produzidos por
ele e por sua família em algum pequeno pedaço de chão próprio, arrendado, emprestado ou
ocupado. Dessa forma, o salário que recebe objetivamente quando é proletário formal do
capital, ou de forma disfarçada quando sua relação é contratualizada pela parceria rural, é
somado ao salário indireto que ganha como fruto do seu trabalho camponês e de sua família.
Interessante considerar que na dinâmica de incorporação da força de trabalho do
camponês ao capital agrário, o processo de politização e organização de classe irá acontecer
de forma bastante lenta e gradual, sendo historicamente marcado pela atuação das Ligas
Camponesas, que surgem no nordeste e logo se espalham para o sudeste do país, na passagem
do primeiro lustro do século XX.
Assim, a sindicalização rural foi o último acontecimento no processo de conversão
do lavrador em proletário. Entretanto, depois da fase excepcional marcada pela atuação das
Ligas, quando camponeses e operários rurais pareciam empenhados em definir um projeto
político mais próximo aos seus interesses, e a construção política da identidade de classe
parecia que se concretizaria, a sindicalização rural adquire o caráter de uma reação
moderadora.
A constatação desse fato não pode ser descolada do período histórico em que ele
ocorre: a instalação da ditadura militar. “Com ela se inicia uma fase de burocratização da vida
política do proletariado rural, ao vincular o trabalhador rural, o sindicato e o aparelho estatal,
com ou sem a mediação de partidos políticos” (IANNI, 1984, p. 129).
Finalizada a ditadura militar, os sindicatos rurais voltam a ter um caráter mais
politizado e contestador, todavia a constituição de uma identidade de classe entre proletariado
rural e pequenos camponeses – também trabalhadores rurais – não se efetiva. Esse assunto
voltará à discussão logo mais, contudo, agora o que interessa é compreender como ocorre o
processo de descoberta e produção, pelo camponês, da identidade de ‘trabalhador’.
Neste sentido, é importante perceber que, com a passagem do trabalho informal do
camponês – ligado precariamente ao capitalista rural através de algum contrato de parceria,
arrendamento, meação ou outros – para o trabalho formalizado – através do registro em
carteira de trabalho, celebrado mensalmente através do pagamento do salário – ocorre uma
88
transformação na identidade camponesa deste sujeito que antes era trabalhador informal – que
operava apenas no circuito da produção mercantil simples – e agora o é formalmente.
Ianni (1984, p.130-131, grifo nosso) aponta alguns elementos dessa identidade
camponesa que se transfigura em proletário rural.
Enquanto o lavrador, o trabalhador rural se encontra prática e ideologicamente
vinculado à fazenda, ao fazendeiro, aos meios de produção, aos outros trabalhadores
e suas famílias, à capela e à casa-grande. Ele se compreende como membro de um
nós fortemente carregado de valores e relações do tipo comunitário. [...] Nesse
ambiente predominam as relações face-a-face, características dos grupos primários.
Por isto é que o fazendeiro (ou mesmo o seu preposto) pode ser compadre do
lavrador. Em nível ideológico, aí está o reino do valor de uso. O lavrador é apenas
uma classe econômica, subalterna; vive na condição de uma classe-em-si.
Enquanto proletário, o trabalhador rural se encontra prática e ideologicamente
divorciado dos meios de produção, da fazenda, da casa-grande, da capela, do
fazendeiro ou seus prepostos. [...] Em nível ideológico, aí se generaliza o reino do
valor de troca. Isto é, as relações de produção passam a ser compreendidas e
avaliadas com maior clareza, como relações mercantilizadas ou mercantilizáveis.
Nesse contexto, o trabalhador aparece como uma classe política, elaborando
uma consciência política mais autônoma, como classe-para-si.
O emprego da sua força de trabalho na produção rural ele já o fazia informalmente,
todavia lhe faltava consciência e identidade política para se constituir, juntamente com outros
trabalhadores rurais, enquanto classe trabalhadora.
Note que, de alguma forma, esse camponês que se transformou em proletário rural
continua, durante o restante da sua vida, ou por boa parte dela, ligado ao campo e ao modo de
vida rural. Isso ocorre porque, quando ele se retira do campo e se fixa nas periferias urbanas,
persistem no seu imaginário as lembranças do campo, do modo de vida e trabalho rural, sendo
celebradas diariamente através das músicas, das orações ou da ‘contação de histórias’, como
discutido anteriormente.
Quando ele não se transfere para a cidade, permanecendo parcialmente no campo –
isto ocorre com frequência quando a família do trabalhador permanece residindo no campo e
só ele migra, temporária ou permanentemente, para trabalhar –, a reprodução da identidade
camponesa é ainda mais factual, mesmo quando as tecnologias presentes no espaço urbano
adentram o rural.
Ao tratar da história do trabalhador rural, Ianni (1984, p.120) aponta que,
A transformação do lavrador em operário não ocorre de uma só vez, de modo
rápido, igual e generalizado por toda a sociedade agrária. Esse é um processo às
vezes lento, e repleto de contradições. No âmbito das condições econômicas, a
gênese do proletariado rural depende da separação entre o produtor (o lavrador) e a
propriedade dos meios de produção.
89
Logo, a gênese do proletariado tem relação direta com a produção política da
identidade de classe, que só ocorre através de um processo histórico e gradual. O primeiro
sinal de sua ocorrência teria sido a ruptura entre a propriedade dos meios de produção e o
lavrador. Destarte, o momento em que o trabalhador agrícola se transforma em trabalhador
assalariado (tanto em sua prática, como em sua ideologia), então surge o proletário rural.
Simultaneamente e gradualmente, vão se diversificando tanto as relações de trabalho,
quanto os tipos de propriedades agrícolas. Com o tempo, essa diversidade vai se evidenciando
e, junto a ela, também as desigualdades vão se aprofundando, tanto no que se refere à
produção de riquezas, quanto à exploração da força de trabalho e à acumulação do capital.
Em relação ao tipo de propriedade, as transformações são relativas à apropriação e
uso da terra, sofrendo o trabalhador rural implicações diretas da concentração de terras e do
capital agrário. Neste sentido, na maioria das vezes, tais transformações implicam no aumento
das desigualdades no campo.
Segundo Ianni (1984, p. 168),
As transformações, às vezes profundas, não implicam crescente homogeneização das
relações de produção e forças produtivas, em termos de subsetores da agricultura, ou
regiões da economia rural. Ao contrário, criam-se e recriam-se as desigualdades e os
desequilíbrios. Assim é que persistem e repetem-se diferentes formas de organização
social e técnica da produção. São diversas as formas de subordinação do trabalho ao
capital. E isto envolve distintas modalidades de organização do processo produtivo.
As noções de latifúndio, unidade camponesa, unidade familiar produtora de
mercadoria e empresa agropecuária expressam formas particularmente importantes
de organização da produção.
Ora, nota-se que o avanço do capital no campo produz uma diferenciação agrícola
que tem mais significado de ‘desigualdades’ do que de ‘diversificação’. Destarte, com base
nos escritos do autor, aponta-se que o latifúndio – ou plantagem, conforme denomina
Gorender (2005) – é a grande propriedade, voltada para a produção comercial direcionada
predominantemente ao mercado externo, exploradas com força de trabalho assalariada e não
assalariada de forma pura, ou seja, é também aquela grande propriedade que faz uso da força
de trabalho proveniente das parcerias e/ou arrendamentos agrícolas.
As unidades camponesas são constituídas pelas explorações de pequenos proprietários,
arrendatários, parceiros ou posseiros, denominados de camponeses, através do trabalho familiar,
voltados basicamente para a produção mercantil simples, aplicada para a subsistência familiar e
para o consumo local (vizinhança e bairro), que poucas vezes é comercializada e noutras é
trocada como forma de reforço das relações de solidariedade com a vizinhança.
Já as unidades familiares produtoras de mercadorias, referem-se às pequenas e
médias propriedades familiares, arrendadas ou em regime de parceria agrícola, cuja produção
90
tem caráter comercial e é baseada fundamentalmente na força de trabalho familiar. Essas
unidades recorrem ao trabalho assalariado eventual, apenas com caráter suplementar.
Por último, a empresa agropecuária capitalista configura-se como aquela agricultura
totalmente transformada em empreendimento capitalista. Nela, as atividades agropecuárias
passam a ser reconhecidas e tratadas como uma área econômica igual a qualquer outra para
aplicação do capital. Ela deve produzir, pelo menos, lucratividade média para que se sustente
e se reproduza dentro da ordem do capital, pois sem acumulação financeira – lucratividade – e
sem crescimento, todo empreendimento capitalista se extingue.
Note que para Ianni (1984, p. 236), a diferenciação das propriedades rurais e a
coexistência delas, lado a lado, torna-se uma estratégia que confere sustentação para a
empresa agropecuária e para o latifúndio. É o que o autor procura explicitar, quando afirma
que,
Os próprios regimes de arrendamento, parceria, meação, troca pela forma e outras
modalidades de organização da produção subsistem e redefinem-se continuamente,
nos quadros da produção rural capitalista. Ao lado destes desenvolvimentos, no
entanto, expande-se a grande empresa. Mesmo porque ela recebe apoio e estímulo
econômico e político do poder estatal, por intermédio das empresas públicas.
Tanto quanto a permanência dos regimes de arrendamento, parceria e outros citados
pelo autor, também as modalidades de campesinato não assalariado ligados a eles subsistiriam
no campo. Isso ocorre à medida que o grande capital se expande, como resultado da
exploração indireta da força de trabalho desse mesmo campesinato. Além disso, a reprodução
do grande capital agrícola/agrário acontece, pois conta com maiores incentivos fiscais e de
financiamento da produção, praticamente inexistentes para o campesinato desprovido da
propriedade da terra, ou com terra insuficiente para produzir em larga escala para o capital.
Ora, evidencia-se no pensamento de Ianni (1984), que a diferenciação agrícola
colaboraria para o não desaparecimento do campesinato, ao mesmo tempo em que a
existência do campesinato colaboraria para que o capital agrário continuasse se reproduzindo.
Embora possa parecer contraditório, configurar-se-ia, desse modo, uma relação dialética de
reprodução entre o campesinato e o capitalista rural.
Contrapartida, simultaneamente à diversificação dos estabelecimentos agrícolas, vai
se construindo uma diversidade de relações de trabalho no campo. Neste sentido, Ianni (1984,
p. 111) assevera que,
Na atualidade [início dos anos 1980] o contingente de trabalhadores agrícolas se
distribui em diversas categorias. Em termos econômicos, cada grupo participa de
modo singular da apropriação dos bens produzidos, como ocorre com os colonos,
agregados, empreiteiros, peões, camaradas, vaqueiros etc. [...] Essas principais
91
categorias de trabalhadores rurais disseminados pelo território brasileiro são
incorporados, sob formas diversas, à economia de mercado; isto é, uma economia já
capitalista em algumas áreas ou em constituição como tal em outras.
Desse modo, a diversificação da agricultura ou da exploração agrícola – seja no que
se refere aos tipos de propriedades, ou no que tange ao sujeito que nela produz – significa a
produção de desigualdades no campo. Essa produção dos diferentes e das desigualdades é,
geralmente, agravada entre as regiões geográficas do país, tendo em vista a existência de
desigualdades regionais, produzidas pelo próprio desenvolvimento desigual e combinado
(FERNANDES, 2005), que caracteriza o modo de produção capitalista brasileiro.
Contudo, juntamente com a reprodução das desigualdades,
Paulatinamente, as relações e os antagonismos de classes generalizam-se, difundemse ao longo da sociedade, criam novas condições e perspectivas, tanto para a
burguesia como para a classe operária da cidade e do campo. O desenvolvimento
extensivo e intensivo do capitalismo no campo criou novas e surpreendentes
possibilidades de reivindicação de luta para operários e camponeses (IANNI, 1984,
p. 172).
Isto quer dizer que o campo, constituído pela classe trabalhadora camponesa e pelos
camponeses produtores familiares, é prenhe de possibilidades de transformação dessa
sociedade capitalista. Da mesma forma, o campo é o lugar da constante transformação das
relações de produção, do modo de vida e de trabalho, articulando-se constantemente com o
modo de vida da classe trabalhadora urbana.
Neste mesmo sentido da possibilidade de insurgência contra o modo capitalista de
produção, ao analisar a questão agrária e os blocos de poder instalados no Estado e na
sociedade brasileira, Ianni (1984, p. 253, grifo nosso) aponta que “todos os principais
aspectos da questão agrária revelam que, assim como a cidade vai ao campo, o campo vai à
cidade. O caminho de ida é sempre o caminho de volta; revolta”. Assim, se o campo for
pensado sob a perspectiva da sustentabilidade que sua produção confere ao capitalismo,
reconhecer-se-á como prenhe de possibilidades de revolta, revolução, pois “sob várias formas,
a indústria e a cidade sempre se apoiam no campo, como fonte de gêneros, matérias primas
[sic], força de trabalho, mercado de manufaturados, lucros etc”.
Prado Júnior (2006) também dizia que a chave da revolução está no campo. Ora, não
é o campo o produtor da subsistência da humanidade? Não é esse campo do camponês, do
trabalhador rural, do pequeno produtor de mercadorias simples que sustenta o capital
industrial urbano, o capital agroindustrial, as empresas de comercialização, os sistemas
bancários – através de seus empréstimos –, etc? Então, caso a classe trabalhadora do campo e
o campesinato se insurjam contra o Estado e o capital que lhe aprisionam e lhe exploram,
92
haverá grandes possibilidades de efetivação da transformação societária para outro modo de
produção, menos explorador e excludente.
Mas, para isto, ainda é necessário aprofundar a formação de quadros do proletariado
rural, aprofundando sua consciência política e o reconhecimento da classe-para-si. Para que
esse processo se consolide, é necessário fortalecer o segmento, agregando os indivíduos, e ao
mesmo tempo reconhecendo que a diversificação rural dificulta o processo de construção de
uma identidade coletiva de classe.
A fim de agregar esses segmentos de classe e colaborar na sua identificação
camponesa, aponta-se o reconhecimento de que compõe a classe camponesa também aqueles
pequenos proprietários rurais, produtores mercantis simples, camponeses de fato, que fazem
uso da sua força de trabalho e da sua família para produzir seu sustento, e que chegaram ao
Brasil incentivados pelos fluxos migratórios do século XIX, às vésperas do período da
independência política do país.
Para esses camponeses que migravam para o Brasil agrário para construir suas vidas,
não restava outra forma de sobrevivência, em alguns períodos do ano, ou durante todo ele,
que vender a sua força de trabalho nas propriedades maiores, cuja produção baseava-se na
mão de obra assalariada. Mesmo se constituindo como pequenos proprietários rurais, eles
geralmente tinham que empregar, no próprio campo ou na cidade, a força de trabalho de parte
da família para que fosse possível sustentá-la.
Essa classe camponesa vive em relação direta com a classe trabalhadora da cidade,
sendo-lhe explorada constantemente a força de trabalho, através do não pagamento do que
produz no processo de trabalho que realiza, independente de ser proprietária ou não de um
pequeno pedaço de chão, onde constrói sua vida.
Ianni (1984, p. 143), ao tratar das classes sociais no campo, afirma que
A história brasileira é a história da formação da sociedade das classes sociais no
campo e na cidade. As classes sociais se formam na cidade com algumas conotações
especiais: operários industriais, funcionários de escritórios de empresas ou
governamentais. Mas essas classes sociais urbanas têm articulação com as rurais;
não são independentes. [...] São economicamente articuladas, na medida em que o
nível de salário pago na indústria é, em boa parte, financiado pelo trabalhador rural,
cujo produto não é remunerado na mesma escala.
Ora, essas classes sociais articuladas no campo e na cidade possuem, enquanto
elemento comum, a propriedade de sua força de trabalho, podendo empregá-la livremente,
segundo as leis capitalistas do mercado. Todavia, na realidade, empregam-na segundo as
necessidades de subsistência, e conforme as determinações do capital urbano e agrário.
93
Colabora para que o livre emprego da força de trabalho não goze de tamanha
liberdade quanto indica a lei geral da acumulação capitalista, o fato da ausência de políticas
de Estado para a pequena produção agrícola, seja ela operada em terras próprias (pequenos
proprietários rurais), seja aquela operada em terras alheias, como no caso dos arrendatários,
ou ainda aquelas operadas em terras devolutas, ocupadas pelos trabalhadores rurais dos
movimentos sociais.
Com a ausência do Estado no espaço rural – ressalte-se que esta ausência se efetiva
apenas para o rural que se constitui da pequena propriedade, do proletário rural, do
trabalhador acampado em terras devolutas ou assentado pela reforma agrária – justamente em
um Estado de origens agrárias (IANNI, 1984), instala-se a contradição política de um país que
faz evidente opção pela classe capitalista, que domina o campo e a cidade.
Este Estado brasileiro, a serviço do capital, investe na grande produção rural,
representada pela monocultura, mas também pelas grandes agroindústrias, de modo a garantir
superavits na balança comercial exportadora, invisibilizando a produção camponesa,
predominantemente de base familiar, que na verdade configura-se como pilar de sustentação
do atual modelo de desenvolvimento econômico adotado.
O trabalhador rural é o elo mais fraco na cadeia do sistema produtivo, que começa
com a sua força de trabalho e termina no mercado internacional. Ele parece ser o vértice de
uma pirâmide invertida, no sentido em que o produto do seu trabalho se reparte por muitos,
sobrando-lhe pouco (IANNI, 1984).
Para Ianni (1984, p. 145), o significado da produção agrária é a manutenção do
modelo de desenvolvimento econômico. Nas suas palavras, “no campo, produzir é produzir
para manter e desenvolver o ‘modelo econômico’ adotado, eminentemente aberto à economia
internacional”. E conclui, “o modelo econômico adotado implica um desenvolvimento
intensivo e extensivo do capitalismo no campo”.
Aliás, é importante registrar que, na perspectiva de Guimarães (1968), a pequena
propriedade camponesa começa a surgir no Brasil quando começa a decomposição do rígido
sistema latifundiário, instalado a partir das sesmarias. Este início da decomposição do
latifúndio refere-se ao primeiro ciclo mais intenso de crise da grande lavoura monocultural,
que ocorre ainda no século XVIII. Em decorrência dela teria acontecido um movimento
migratório, que levou a implantação, nas terras próximas aos latifúndios, de lavouras menores
que produziam milho e outros gêneros de subsistência, incluindo também a criação de gado
em menor escala que a fazenda pecuária. Estes são sinais, sem dúvida, da presença da
agricultura de subsistência, que vai teimando em se fixar no território brasileiro, a contragosto
94
do Estado, da aristocracia rural e, posteriormente, da burguesia rural e urbana que se constitui
a partir do século XX.
Conforme Prado Júnior (2006), alguns fatores foram determinantes para o
surgimento da pequena propriedade de terra no Brasil. Foram eles: a colonização oficial;
àquela operada pelas agências privadas de colonização; a necessidade de trabalhadores livres
no entorno das grandes propriedades; a crise e decomposição de algumas grandes
propriedades – como foi o caso das fazendas de gado do sertão nordestino –; e a necessidade
de gêneros de subsistência nos poucos centros urbanos.
Quando se analisa tais fatores, percebe-se que, em algumas situações, todos eles
coexistiram para que a pequena propriedade surgisse. Noutros momentos, apenas um ou dois
foram suficientes para o seu aparecimento, tal como foi o caso, já citado, da colonização
açoriana incentivada pelo governo colonial, no litoral sul do país.
Na análise de Guimarães (1968, p. 151, grifo do autor), os elementos endógenos da
luta de classes que, segundo este autor, já existia durante a colonização do Brasil, teriam sido
suficientes para provocar os germes do surgimento da pequena propriedade.
Para nós, portanto, a pequena propriedade é um produto da luta de classes, travada
sempre em desigualdade de condições entre os camponeses sem terra e a classe
latifundiária. [...] O instrumento decisivo da vitória dos sem terra sobre o
privilegiado sistema latifundiário foi a posse, a ocupação extra-legal do território
conquistado na dura e continuada batalha contra os seus seculares monopolizadores.
Não se pode esquecer de registrar que a contribuição oficial do Estado para a
formação da pequena propriedade não ficou restrita apenas à colonização incentivada dos
açorianos ainda no século XVIII. O Estado brasileiro, gozando da independência política,
promove uma intensa política de ocupação das fronteiras oeste e sul do país, que começa
ainda na segunda metade do século XIX e se prolonga até a atualidade – alargamento da
fronteira oeste, com os incentivos de ocupação adentrando na região amazônica.
A estratégia desta política de ocupação foi repassar para empresas colonizadoras,
todas de caráter internacional, a concessão para comercializar as terras dessas fronteiras. Os
principais clientes das empresas colonizadoras foram os colonos imigrantes europeus, na sua
maioria agricultores empobrecidos nos seus países de origem, devido às grandes Guerras
Mundiais e à crise financeira de 1929 – são esses imigrantes europeus que hoje migram
internamente, fazendo avançar a fronteira agrícola na região amazônica.
Esses colonos migravam para o Brasil com a esperança de conquistar um pedaço de
chão para construir sua vida. Muitos destes, ao chegarem aqui, percebiam que as propagandas
sobre os incentivos do governo brasileiro eram falsas e que precisavam investir um valor que
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não possuíam para se tornarem pequenos proprietários e agricultores. Por consequência, como
a opção do regresso ao país de origem lhes era impossível, pois não possuíam divisas para
pagar a passagem de retorno, acabavam endividando-se para comprar pequenas propriedades,
geralmente em terrenos desfavoráveis para o plantio em escala comercial.
Através destes colonos imigrantes constitui-se um significativo contingente de
camponeses empobrecidos, cuja única riqueza é a força de trabalho sua e de sua família, com
a qual contam para subsistir no campo.
Todavia, esse processo de colonização das terras ainda não comercializadas
oficialmente no país não foi tranquilo. Pelo contrário, a política de expansão das fronteiras do
país indicava a colonização mesmo das terras ocupadas. E como o Estado promotor dessa
política não se faz presente nessas regiões, através dos governantes, nem as empresas
colonizadoras assumem mais do que a tarefa de vender lotes e expulsar antigos moradores,
instala-se diversos conflitos entre os antigos moradores – geralmente posseiros – e os novos
compradores – geralmente trabalhadores migrantes destituídos de bens, que investiam a única
sobra de economias na compra do chão para viver e trabalhar.
Esse é o momento em que o avanço do capital no campo se associa aos interesses
estatais de ocupação territorial e de constituição de uma identidade nacional. Nestas
circunstâncias, evidencia-se que
A terra se transforma em mercadoria, em algo que tem preço. Está sendo apropriada.
As várias tensões, as lutas que ocorrem entre posseiros e índios, entre posseiros,
índios e grileiros, latifundiários etc... são expressões desse processo de acumulação
primitiva que está em franco desenvolvimento em certas partes do Mato Grosso,
Goiás, Amazonas, Pará, territórios etc. A acumulação primitiva está chegando ao
fim no Brasil. Pouco a pouco expropriam-se os antigos proprietários, isto é, os
índios, sitiantes ou posseiros, os que não têm títulos; e as terras se transformam em
terras griladas ou tituladas (IANNI, 1984, p. 146).
Destarte, a terra que é bem natural, tratada desta forma pelas populações indígenas, é,
pouco a pouco, transformada em ‘reservas de valor’, reconhecida como propriedade privada,
sendo, por isso mesmo, monopolizada.
1.2.5 Luta pela terra, cidadania e latifúndio no Brasil contemporâneo: a presença de um
Estado ausente
Esta apropriação indevida, legalizada pelas estratégias do capital, vai empurrando a
fronteira agrícola do país, de forma a ocupá-lo integralmente de maneira intensiva ou
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extensiva – pela maquinização e quimificação, ou pela constituição de grandes fazendas,
empresas extrativistas ou agropecuárias, enfim, pelos latifúndios. Com a fronteira, são
empurrados também os conflitos de terra, que ora se adensam, ora se atenuam.
Todavia,
À medida que se esgotar essa margem de manobra oferecida pela fronteira,
pode ser que os problemas se tornem mais agudos, cruciais. Então os
governantes sejam obrigados a enfrentar e maneira direta e mais profunda os
problemas das áreas de tensão que a sociedade brasileira tem criado, recriado
e multiplicado ao longo das últimas décadas (IANNI, 1984, p.147).
Na verdade, os conflitos e disputas pela terra nada mais são que reflexos do processo
de apropriação indevida da terra nas mãos de poucos, e expropriação de muitos outros do uso
deste bem naturalmente coletivo. Mesmo com o esgotamento da fronteira e com a
permanência dos conflitos, não se acredita que o Estado se posicione de forma a executar uma
reforma agrária que contemple os interesses dos grupos destituídos da propriedade da terra e
do capital para nela produzir, uma vez que esse Estado opera em conivência com o capital
agrário.
Logo, mediando esta situação de disputas de terra e expansão das fronteiras
agrícolas, está o Estado brasileiro, porém sua ação é apenas de um sujeito que evita que a
disputa se acirre a ponto de lhe prejudicar de alguma forma. Para ele, tudo é possível para o
capital, enquanto o desenvolvimento econômico do país estiver com saldo positivo na balança
comercial das exportações, e seu poder político de Estado for mantido.
Assim, o que se reproduz no campo brasileiro – desde os tempos da colônia – é um
Estado que repassou a terra de forma concentrada e desigual para poucos, oficializando sua
apropriação privada e indevida. Esse mesmo Estado negou-se por longo período a fazer a
reforma agrária e, depois, quando a fez, foi de forma residual e mantendo as disparidades.
Hoje, fecha os olhos para as desigualdades produzidas pela apropriação indevida das terras e
das riquezas socialmente produzidas, e ainda diz ‘amém’ para a exploração da classe
trabalhadora – desde a escravidão, até sua consolidação como classe trabalhadora assalariada.
Dessa forma, os conflitos no campo têm sempre como pano de fundo – mais ou
menos explícito – a apropriação da terra, mesmo quando se referem a conflitos internos de
classe ou grupos sociais, conforme exemplifica Ianni (1984, p.174), ao dizer que,
O mesmo processo de apropriação da terra, polarizado entre uso e propriedade, ou
posse e domínio, compreende pendências e conflitos entre índios, posseiros,
grileiros e muitos outros. Com o desenvolvimento das relações capitalistas de
produção no campo, a terra se constitui como propriedade privada; para o capital ou
97
do próprio capital. Nesse processo, as diversas metamorfoses da terra compreendem
as diversas configurações do trabalho.
De alguma forma, no século XX assistiu-se a intensificação das lutas e conflitos
sociais no campo, insurgidos predominantemente devido à concentração de terras nas mãos de
poucos e à exclusão do seu acesso e propriedade para imenso contingente de cidadãos – a
maioria, trabalhadores rurais. É nesse século que se verificará a intensificação das discussões
e disputas no cenário político do país, inclusive no plano democrático, com grande
contribuição para os movimentos do campo.
Ao tratar sobre as relações políticas e sobre as lutas sociais no campo, no final da
década de 1970, Ianni (1984, p.155) aponta que,
No Brasil, a democracia nunca chegou ao campo, nem como ensaio; apenas como
promessa. O pouco que se fez, em favor da democracia, foi e continua a ser o
resultado das lutas de camponeses, operários rurais e índios. A burguesia agrária –
composta de latifundiários e empresários, nacionais e estrangeiros – sempre impôs o
seu mando de forma mais ou menos discricionária às populações camponesas,
assalariadas e indígenas. No campo, a ditadura tem sido muito mais persistente,
generalizada, congênita, do que na cidade. Os latifundiários e os empresários sempre
impuseram os seus interesses, de forma mais ou menos brutal.
O desenho político do campo, retratado por Ianni, é bastante atual para ilustrar as
relações sociais e políticas no Estado de Alagoas, espaço de realização da pesquisa de campo
com as assistentes sociais, cujo exercício profissional ocorre diretamente para o espaço rural.
Assim, em se tratando de democracia e de Serviço Social – área de estudos
relacionada a esta investigação -, não se pode deixar de registrar que no campo é ainda
insípido o exercício da cidadania, beirando, até mesmo, a sua ausência, principalmente no
que se refere à garantia de direitos. É o que aponta Ianni (1984, p. 246), quando evidencia
que,
Na escala da ‘cidadania’ – e no Brasil há uma larga escala de cidadãos de primeira,
segunda e diversas outras classes – o trabalhador rural está sempre nos últimos
lugares. Na medida em que a ideia de sociedade civil implica a de povo, cidadão,
opinião pública, sufrágio, representação etc., o camponês e operário rural continuam
sendo colocados nas lonjuras, à parte, como membros de uma espécie de segunda
sociedade.
Isto ocorre justamente pela invisibilidade que o camponês tem na sociedade,
primeiramente como produtor de riquezas e consumidor, portanto, sujeito econômico. Em
segunda medida, mas tão relevante quanto, a sua invisibilidade política. Para a sociedade,
parece que o trabalhador rural, pequeno proprietário e produtor mercantil simples sempre
deverão ser tutelados por uma classe política que ‘entende mais de sociedade e de política’
que eles. E numa terceira medida, a consideração de que o modo de vida e de trabalho se
98
configura como ‘atraso cultural’, fazendo com que a classe trabalhadora camponesa seja
colocada como sujeito social à margem da sociedade, como quem ainda espera pela
modernização. Em outras palavras, sob esta perspectiva, o indivíduo rural não existiria no
conjunto da sociedade como sujeito econômico, político, social e promotor de cultura.
Não obstante essa depreciação da classe trabalhadora rural e camponesa, Ianni (1984,
p. 158) chama a atenção para essas relações entre campo e cidade e afirma que, ao seu ver, o
peso econômico e político do campo é significativo e que,
A questão da democracia no Brasil não se resolve apenas na cidade. Implica o
campo, as classes sociais rurais. Mais do que isso, implica as relações e as
influências recíprocas entre a cidade e o campo. O peso econômico e político da
agricultura, na definição da fisionomia da formação social capitalista brasileira,
precisa ser avaliado, se queremos compreender as condições da criação de uma
democracia no Brasil. É essa realidade que cria as possibilidades de alianças de
classes urbanas e rurais.
O que se verificou a partir de fins da década de 1970 e início de 1980 foi o começo
da construção de alianças entre a classe trabalhadora urbana e rural. Isso ocorre num período
em que, politicamente, o Estado militar brasileiro se esgotava, traído pelo seu próprio
autoritarismo, violência, repressão e, inclusive, desgaste, no que tange a governabilidade
econômica dos vários consecutivos governos militares. Nesse contexto, a insurgência
organizada da classe trabalhadora se manifesta veementemente, e com ela, parte da burguesia
agrária e industrial, que já não estava mais contente com o regime que ajudou a construir.
É a partir desse período que os movimentos sociais no campo começam a ser
visibilizados e são reconhecidas – embora não bem quistas – as suas lutas sociais e políticas,
agregadas às lutas de toda uma sociedade. Em suas pautas específicas estão a reforma agrária,
a expansão dos direitos trabalhistas para os trabalhadores rurais, o reconhecimento dos
direitos sociais para aqueles que vivem e trabalham no campo e seu reconhecimento pela
sociedade como sujeitos políticos. É notório que a visibilidade aqui apontada, também
continua permeada pelas atribuições pejorativas da classe trabalhadora do campo. Para isso,
muito contribui a mídia manipuladora, que atua sob o jugo das classes dominantes.
Ao explicitar as contradições do Estado autocrático burguês, de origens agrárias, dáse um passo histórico significativo na direção de evidenciar a falência do sistema de produção
latifundiária no campo e a necessidade de uma reforma urgente.
Neste sentido, Guimarães (1968) já apontava que a desintegração do sistema
latifundiário brasileiro tinha começado ainda em fins do século XIX, aprofundando-se logo
após. Além dos elementos internos ao Brasil, aponta o autor que determinantes internacionais
colaboraram para que vivesse seu momento mais forte no início do século XX: os efeitos da I
99
Guerra Mundial, a Guerra Fria, a onda das revoluções socialistas e o perigo que emanava
delas e a crise de 1929.
Já naquele momento os efeitos aqui no Brasil foram a perda da competitividade dos
produtos agrícolas no mercado mundial; a diminuição do poder político e ideológico dos
grandes proprietários de terra na sociedade nacional; e a consequente diminuição da
influência nos aparelhos de Estado, que teve como contrapartida a ascensão da burguesia
urbana.
De forma geral, ainda no período apontado por Guimarães (1968), o Estado e a
burguesia brasileira compreendem que o sistema latifundiário tinha se tornado um obstáculo
para o desenvolvimento nacional, sendo necessária uma intervenção estatal. Assim o Estado
burguês viu-se obrigado a execução de um projeto de reforma agrária que, por este mesmo
motivo da obrigatoriedade, fez-se de cima para baixo, não causando transformações na
estrutura fundiária do país, que continuaria marcada pela presença do latifúndio.
Mas, atenção! Muito embora o Estado brasileiro tenha se obrigado a manifestar, já no
século XX, em relação à questão agrária, sua ação não foi despretensiosa para com o capital.
Neste sentido Ianni (1984, p.158) aponta que, naquele primeiro momento em que se instituía
uma proposta estatal de reforma agrária, a atuação do Estado junto às classes camponesas
evidenciou-se como estratégia para obstar a verdadeira reforma agrária. Mesmo promovendo
uma política de reforma agrária, o faz de forma a manter as históricas desigualdades no
campo. Para ele, “o próprio governo combate os posseiros, levando-os a proletarização e à
lumpenização; apenas uns poucos são transformados em colonos, nos núcleos de colonização
dirigida, oficial e particular, criados para obstar uma verdadeira reforma agrária”.
Historicamente, a luta pela terra e sua relação objetiva com a expansão do capital, no
Brasil, encontram-se articulados. Assim como a apropriação privada das terras comuns data
do início da configuração do Brasil enquanto colônia portuguesa, também “a luta pela terra,
no Brasil, vem de longe. E agrava-se em certas épocas. Há frequentes surtos mais ou menos
intensos de pendências e conflitos. Provavelmente têm relação com os surtos de expansão do
capital no campo” (IANNI, 1984, p. 177). É o que ocorre em fins dos anos 1970 e início de
1980, conforme apontado.
Nesse sentido, ao tratar sobre a luta pela terra e a reforma agrária, Ianni (1984, p.
183) reconhece que,
Em geral, a luta pela terra compreende diferentes modalidades de movimentos
sociais. As pendências, brigas, emboscadas, tocaias, enfrentamentos, conflitos
armados de maiores proporções baseiam-se, na maioria dos casos, em alguma reação
100
grupal ou coletiva mais ampla. Mobilizam forças, experiências, valores, ideais,
reivindicações de alguns ou muitos.
Por outro lado, as forças adversas aos que lutam pela conquista da terra também se
fazem presentes, constituindo-se como partes nos conflitos e pendências. O terceiro sujeito
nessas disputas, que é o Estado que, também se faz presente nesses momentos de
desintegração do sistema latifundiário brasileiro, todavia, sua presença se faz ausência. É o
que conclui Ianni (1984, p. 183), quando afirma que “tanto no nordeste como em outras
regiões do país, os governantes mudaram alguma coisa para nada modificar. Assim caminhou
a ‘reforma agrária’ conveniente e tolerável pelo bloco de poder”.
Assim se fez em todo o século XX. Mesmo com a presença organizada e incisiva da
classe trabalhadora rural, através dos movimentos sociais do campo, na década de 1980 e
seguintes, toda e quaisquer alterações no âmbito fundiário, operadas via reforma agrária, se
fizeram de forma marginal, sem alteração nenhuma da estrutura fundiária do país. É a tal
revolução (transformação) operada dentro da ordem, que aponta – em outras circunstâncias –
Fernandes (2005). Outrossim, essas alterações dentro da ordem foram impulsionadas pelas
pendências e conflitos, que embora não determinaram – ou determinam - a composição
fundiária brasileira, caracterizam-na justamente pela sua presença evidente e constante.
Por conseguinte, o que houve na história brasileira em termos de reforma agrária foi
um processo de continuidade e descontinuidades. Ianni (1984, p. 248) afirma que,
Naturalmente, uma reforma agrária que se realiza do ponto de vista dos interesses
predominantes na Monarquia, Estado Oligárquico da Primeira República, Estado
Novo, República Populista e Ditadura Militar. Há continuidade e descontinuidades,
surtos e retrocessos. Mas está sempre em marcha a reforma agrária dos blocos de
poder que prevalecem em cada época.
Isto significa que a questão agrária sempre foi resolvida de forma mais conveniente
para as classes dominantes, sejam elas rurais ou urbanas, sob operação do Estado burguês.
Isso é confirmado por Ianni (1984, p.250), quando aponta que “para os governantes do
passado e hoje, a questão agrária está sempre resolvida de modo conveniente. Para eles, há
mesmo uma reforma em curso, [...] uma reforma agrária que nunca põe em questão o
princípio da propriedade privada”.
Ora, se nem mesmo no período que Guimarães (1968) apontou como de crise do
sistema latifundiário, o Estado brasileiro se manifestou pela verdadeira distribuição de terras
para a classe trabalhadora que nela queria produzir, não se poderia esperar que o fizesse nos
momentos que se seguiram, quando da expansão da produção agrícola, através da revolução
verde, operada em fins dos 1960 e em todo decênio de 1970.
101
Não obstante seja importante capturar a intencionalidade e ação do Estado no
primeiro momento de crise latifundiária, também é necessário compreender que as décadas
marcadas pelo cenário internacional das grandes guerras mundiais e da crise econômica de
1929, foi, no Brasil, o momento propício para o surgimento de um novo sujeito político no
cenário agrário: a burguesia rural.
Esse foi um fator que muito colaborou para obstar uma verdadeira reforma agrária. A
ascensão de uma nova classe dominante no campo e na cidade, apenas modifica um pouco o
cenário de dominação do Estado brasileiro. Enquanto a aristocracia rural perde parte de seu
poder de mando objetivo na governabilidade da nação, uma nova classe em ascensão
econômica assume o poder e comando do Estado.
Ocorre que, com a crise agrária instalada pela liberação da força de trabalho escrava
e pela corrida industrial do país, alguns dos latifundiários que entraram em crise, obrigaram-se
a vender suas propriedades para a burguesia urbana que estava ascendendo rapidamente,
devido aos investimentos que intencionavam a industrialização e urbanização do país. Será
esta burguesia rural, mais adepta às ideias de inovação tecnológica, que vai colaborar para o
ingresso da tecnologia e para o aumento da proletarização do campo, por volta do segundo
lustro do século XX.
Esse será o contexto em que ocorrerá o que Guimarães (1968, p.176) denomina de
“tripartição da estrutura agrária nas atuais unidades típicas: a propriedade latifundiária; a
propriedade capitalista e a propriedade camponesa”.
Essa tipificação de Guimarães sobre as propriedades rurais no Brasil se diferencia
daquela proposta por Ianni (1984) - já apresentada – em dois pontos que são fundamentais: a
compreensão de produção para subsistência e o nível de comercialização dos produtos
oriundos dessas propriedades.
Sem polemizar a questão nesse momento, visto que o próprio leitor pode tecer suas
conclusões sobre as divergências dessas tipificações, cumpre observar que Guimarães não
diferencia a pequena e média produção rural capitalista. Ou seja, identifica de forma
exatamente igual, visto que insere num mesmo grupo, aquilo que hoje se conhece por
agricultura familiar - justamente por que usa o trabalho familiar como única ou principal força
de trabalho -, ou como propriedade camponesa, ou como propriedade capitalista, igualando
esta última às médias propriedades, que fazem uso exclusivo de força de trabalho assalariada.
Para Ianni, a diferenciação dos proprietários de terra passaria, inclusive, pelo
emprego ou não da sua força de trabalho na propriedade, quesito que é tratado apenas
subliminarmente por Guimarães (1968). Conforme Ianni (1984) esta diferenciação entre os
102
proprietários de terra dar-se-ia da seguinte forma: a) os proprietários de terra que não
trabalham nela para sobreviver, mas que vivem da renda fundiária e da mais valia extraída
através da exploração agrícola da força de trabalho; e b) aqueles que vivem do resultado da
aplicação da sua força de trabalho e de sua família.
Não obstante o rápido registro desta divergência teórica, o que se quer destacar como
contribuição de Guimarães (1984) é o fato dele explicitar que a instalação da propriedade
capitalista no campo, pouco a pouco, poderá ocasionar a destruição mais acentuada da
pequena propriedade rural, fato bastante notável na atualidade devido à ausência do Estado.
O que se visualiza no espaço rural do Brasil é a sua transformação intensiva, operada
segundo os interesses do capital, sob o gerenciamento do Estado brasileiro. Conforme Ianni
(1984, p. 242),
Pode-se dizer que o poder público tem sido levado a tomar decisões, criar órgãos,
desenvolver políticas que influenciam bastante a agricultura, segundo os interesses
da indústria, comércio e banco. A agricultura se desenvolve e se transforma segundo
os interesses do capital centrado na indústria, nacional e estrangeira. Ao longo da
história, o campo é subordinado à cidade em escala crescente. Há mesmo uma
industrialização do campo, seja em termos estritamente econômicos, seja em termos
sociais e culturais. No campo, o capitalismo se desenvolve de forma extensa e
intensa, conquistando e reconquistando fronteiras. E é essa dominação que garante a
influência da questão agrária no Estado.
Portanto, com a instalação da propriedade capitalista no campo e com a ampliação do
capital agrário, todas as formas tradicionais de organização da vida social rural vão sendo
pouco a pouco ameaçadas de destruição. Guimarães (1968, p.179) exemplifica com uma
situação bastante atual, embora remeta aos idos da década de 1960.
Ao espraiar pelos imensos territórios circunjacentes a obrigatória cultura da cana, a
usina não arrastou apenas os velhos latifúndios banguezeiros, mas varreu de suas
proximidades quantidades maciças de pequenos e médios proprietários, rendeiros e
foreiros, expulsando-os das suas lavouras, extinguindo uma variedade de culturas
indispensáveis ao abastecimento das populações vizinhas e reduzindo o âmbito e a
capacidade do próprio mercado consumidor.
Ora, um dos desastrosos efeitos desta expulsão é o acelerado empobrecimento das
populações rurais, que expulsa boa parte dela para as cidades. Como efeito nesta cadeia de
desastres previstos, ocorre o inchaço das cidades centrais e o agravamento das expressões da
questão social, agravando as precárias condições de vida, numa sociedade cujo Estado é
ausente da esfera social. Enormes contingentes populacionais tornam-se ainda mais famintos,
miseráveis e suscetíveis à atuação clientelista e politiqueira de grupos ideológicos que
intencionam o domínio político e econômico da sociedade.
103
Assim, produzem-se e reproduzem-se as desigualdades no campo e na cidade, as
quais estão umbilicalmente articuladas, através do sistema capitalista explorador e da ausência
de um Estado voltado para os interesses da classe trabalhadora.
Logo, o que ocorre no Brasil independente de Portugal é a manutenção da estrutura
agrária, do poder da classe dominante (agrária), da ausência do Estado no campo – e também
na cidade – e, como efeito, o aprofundamento das desigualdades.
O ingresso do Brasil no capitalismo industrial, à transição do mando político e
econômico da aristocracia para a burguesia rural, não alteram a hegemonia da classe
dominante, mas aprofundam a exploração da classe trabalhadora e agravam as manifestações
da questão social. Se essa situação precariza a vida daqueles que vivem do seu próprio
trabalho, por outro lado instala um processo histórico de esgotamento do modo de produção e
do próprio Estado capitalista.
Nas palavras de Mészáros (2011, p. 29), instala-se uma crise estrutural do
capitalismo, que tem como fundamento primeiro o seu sistema sociometabólico, o qual, por
não ter limites para sua expansão, acaba por converter-se numa processualidade incontrolável
e profundamente destrutiva, que não terá reversão, a partir dele mesmo. Forma-se uma crise
endêmica, cumulativa, crônica e permanente, sendo uma de suas características estruturais o
aumento avassalador das taxas de desemprego, associado à erosão do trabalho protegido e
regulamentado. “O que está fundamentalmente em causa hoje não é apenas uma crise
financeira maciça, mas o potencial de autodestruição da humanidade no atual momento do
desenvolvimento histórico, tanto militarmente, como por meio da destruição da natureza”.
Portanto, sendo uma crise estrutural do sistema, ela atinge campo e cidade em suas
estruturas. Assim, quiçá, vive-se o momento de maior esgotamento do sistema latifundiário de
‘cinco séculos’ no Brasil – parafraseando-se Guimarães (1968) -, em que é necessário um
profundo avivamento das lutas sociais e, em especial, da luta pela terra, pela democracia e
pela cidadania no campo.
Tornar efetivamente presente no campo um Estado que historicamente se esquivou
do reconhecimento das reais demandas da classe trabalhadora camponesa continuará sendo
um desafio para a superação do modelo de desenvolvimento capitalista. A classe trabalhadora
do campo e da cidade será capaz de ultrapassar esse desafio caso se una, organize-se e
empenhe-se conjuntamente nas lutas sociais e políticas deste novo milênio, dando prioridade
para a luta pela coletivização da terra, no campo e na cidade, e pela garantia das condições
necessárias para nela viver, trabalhar e produzir.
104
CAPÍTULO 3
O BRASIL RURAL EM ALAGOAS
Ao encerrar a primeira seção com este capítulo – propondo-se conhecer o ‘campo’ no
Estado de Alagoas – esclarece-se que os dados aqui apresentados apenas sinalizam alguns
traços do contexto rural alagoano. Ao fazer essa consideração, indica-se que a realidade, de
fato, contém muitos mais traços, do que aqueles que ora foram possíveis reconhecer e discutir.
Dessa forma, o que se entende ser possível discutir são os principais determinantes
do rural alagoano. São eles que devem ser considerados para a formação e exercício
profissional do Serviço Social, juntamente com aqueles tratados nos dois primeiros capítulos
da presente seção.
1.3.1 Fundamentos para a configuração das ruralidades em Alagoas: sua formação
econômica, social, política e cultural
A ocupação colonial da região teve como forte vetor, desde seu início, o cultivo da
cana-de-açúcar voltada para a exportação. Acompanhando o ritmo da exploração açucareira
que vinha acontecendo no Brasil colonial, eis que o território hoje identificado como Estado
de Alagoas é introduzido no cenário de cultivo canavieiro, como resultado da expansão do
cultivo nas terras pernambucanas e baianas.
Para Lindoso (2000, p. 34) – que distingue o território alagoano, para fins de
pesquisa, em duas partes, a Boreal e a Meridional –, “a Alagoas Boreal, assim no singular,
surge do projeto mundial de ocupação e conquista do mercantilismo europeu do século XVI e
XVII”. Neste período, “todo o vasto império de Felipe II estava em crise, e em consequência,
o vasto império português, que lhe era parte”. Assim, para o autor “a história das
comunidades e dos municípios que hoje formam a Alagoas Boreal não acaba na nossa beiramar. Ela é parte de uma história mais ampla: a história da conquista, ocupação e colonização
de Alagoas é parte da expansão mercantilista europeia” (2000, p. 33).
Com espírito totalmente conquistador e expansionista, o Reino Português indica ser
plenamente possível a exploração de riquezas naturais das suas colônias. Assim, cumprindo
os objetivos de explorar e mercantilizar, em nome da metrópole, os produtos da terra,
105
colonizando-a, a Corte Portuguesa adotou a monocultura da cana-de-açúcar como estratégia
para efetivar tanto a ocupação, quanto a exploração econômica da nova colônia.
Conforme Lira (2007, p. 10), “a partir de 1630, plantou-se cana em todas as
capitanias brasileiras. Porém, os grandes centros açucareiros da colônia foram Pernambuco,
Alagoas, Bahia e São Vicente, em São Paulo. Fatores climáticos, geográficos, políticos e
econômicos justificam essa localização”.
Logo, desde o início, a formação social de Alagoas foi, essencialmente, orientada
pelo monocultivo da cana-de-açúcar, em grandes extensões, que conformavam a grande
propriedade canavieira, com seus engenhos e a casa-grande. A ocupação populacional, a
instalação dos centros comerciais, a distribuição de poder entre as famílias mandatárias, a
disseminação de um tipo de cultura baseada na dominação e na violência das oligarquias
canavieiras tiveram como ponto determinante comum, a exploração canavieira.
A exploração da terra e dos trabalhadores, a dominação de classe e o uso da violência
como práxis nas relações sociais foram se transformando em características que, instaladas
desde esses primórdios, firmaram-se como marcas na identidade deste Estado. Desde o início
de ocupação territorial, a população que vivia da atividade agrícola, direta ou indiretamente,
foi submetida a esses jugos.
A violência caracterizava as relações sociais, trabalhistas, políticas, econômicas e,
até mesmo, culturais de todo território alagoano. Desde as terras da zona da mata – destinadas
a monocultura canavieira – até aquelas do sertão e do agreste – reservadas para a produção de
gado, e subsidiariamente para a produção de gêneros de subsistência – a violência mantinhase como elemento estruturante das relações sociais, que também eram políticas.
Edificada nela, estava a simples estratificação das classes sociais entre dominantes e
subalternos, que justificava o lugar de cada indivíduo na sociedade: a casa grande, a senzala,
ou o mocambo; a fazenda de gado, o insuficiente sítio embrenhado por entre as matas
sertanejas; ou a aldeia indígena. Assim, a violência, embora mais relatada nas descrições dos
engenhos de cana e nas casas-grandes, também predominava em todo o restante das terras
alagoanas, determinando sua formação social.
Originada contemporaneamente ‘da e na’ dominação senhorial, ela perpassava as
relações sociais de toda a população da região. Negros escravos, fugidos e poucos libertos;
índios tornados serviçais, ou aqueles livres; brancos empobrecidos, lavradores, pequenos
sitiantes, enfim, todos, de uma ou outra forma, eram submetidos aos jugos coronelistas.
Para Lindoso (2000), o domínium do senhor de engenho exigia a submissão de todas
essas categorias sociais. A violência era, pois, um produto do ‘não trabalho’ do senhor e o
106
grito, a sua forma de dar ordens e submeter a todos, o que fazia desde a varanda da casagrande ou do lombo de um cavalo de raça. Conforme o autor (2000, p. 168),
O domínium do senhor sobre suas terras agrícolas e alodiais se fazia por meio da
apropriação dos bens produzidos por escravos e pelo emprego sistemático da
violência social, em suas várias formas, sobre as categorias sociais subalternas –
moradores, lavradores, mestres-de-açúcar, agregados – e principalmente empregada
como forma de disciplinamento do trabalho escravo.
Mesmo considerando a existência de força de trabalho livre, deve-se salientar que ela
não foi suficiente para estabelecer outros tipos de relações sociais, que não a produção e
reprodução da dominação coronelista. Ora, fica objetivo que, mesmo com a forte presença
nessa região de uma massa de trabalhadores brancos, antigos colonos pobres vindos de
Portugal e que moravam aqui nos arraiais e povoados, a estrutura social do povoamento
alagoano em nada mudou em relação à violência e dominação senhorial. Instalava-se, assim,
“uma sociedade aristocrata, baseada no latifúndio agrícola, e escravocrata. Isto significava
uma sociedade mais rica e mais cruel” (LINDOSO, 2000, p. 37).
Colabora para a consolidação dessa estrutura, o fato de que a nobreza rural era
pacífica à ideia de que o poder
Devia exclusivamente ser compartilhado pelos senhores de terras e escravos e desse
poder deviam estar excluídos os escravos, os índios de servidão de aldeia, os
moradores, os lavradores e os bandos de brancos criminais. Aos senhores deviam ser
concedidos os privilégios de: possuir terras e escravos, ser donos de engenhos de
açúcar, possuir uma milícia rural e aplicar a justiça sesmeeira aprovada pelas
Ordenações do Reino e outros códigos de justiça (LINDOSO, 2000, p. 177).
Destarte, em todo território alagoano constituiu-se uma estrutura social
extremamente desigual e fundamentada na violência e na exploração da força de trabalho,
tendo em vista a produção açucareira para exportação, a ocupação da terra e o provimento das
condições de subsistência no local.
Outro determinante da formação social de Alagoas foi a presença da monocultura da
cana-de-açúcar. Ela predomina por séculos, nos grandes, médios e alguns pequenos engenhos
localizados principalmente na faixa litorânea, até a zona da mata, pouco avançando sobre o
agreste, cujo clima já não era favorável à atividade.
Junto à monocultura da cana, a pecuária se desenvolve, desde a região agrestina,
chegando ao sertão – onde predomina. Nessas regiões, a produção de gado é a atividade mais
rentável economicamente, dadas às condições climáticas, de relevo e da flora, sendo, por
esses motivos, propícia à exploração e à ocupação do território.
107
Confirma-se em Alagoas o apontamento de Prado Júnior (1959, p. 68), para quem
será a pecuária a atividade responsável “por completar a ocupação de todo o território
nordestino. Ocupação muito irregularmente distribuída”. Para ele, “à parte a pecuária,
reduzida é a atividade desta área extensa, sendo a agricultura praticada subsidiariamente e em
pequena escala para subsistência das próprias fazendas”.
Há regiões cujo contingente populacional é mais adensado, as quais têm como ponto
de referência o curso de rios, ou mesmo as ‘cacimbas’ (poços d’água) e os ‘olhos d’água’.
Não é novidade que a água, como bem natural, é escassa nesta região, sendo o foco de atração
para o surgimento de pequenos povoados, que posteriormente vão crescendo, a depender de
sua localização em relação aos caminhos traçados para a passagem das tropas de gado que
abastecerão a zona da mata e o litoral nordestino.
Nestas regiões em que o monocultivo da cana-de-açúcar não é propício, as atividades
econômicas – cuja pecuária é a atividade principal – passam por períodos de crises e de
apogeu com forte interferência do clima. Nos tempos em que as secas são ainda mais fortes e
prolongadas, a subsistência fica ainda mais difícil na região.
Nesse sentido, “em meados do século XVIII, o sertão do nordeste alcança o apogeu
de seu desenvolvimento”. Entretanto, em fins do mesmo século “sofrerá golpes severos, com
as secas prolongadas, que sempre foram aí periódicas, mas que se multiplicam e se estendem
ainda mais, dizimando consideravelmente os rebanhos que se tornarão de todo incapazes de
satisfazer as necessidades de seus mercados consumidores” (PRADO JUNIOR, 1959, p. 69).
A escravidão dos povos africanos trazidos para o Brasil também foi instaurada e se
consolidou nas terras alagoanas, principalmente na faixa litorânea e na zona da mata, visto
que era necessária para a produção açucareira. Nas regiões do agreste e do sertão, a
escravidão foi praticada em menor proporção. Nelas foi utilizada, predominantemente, a força
de trabalho livre para manutenção das fazendas de criação de gado, tendo em vista que a
atividade requisitava um contingente menor de trabalhadores e as condições de manutenção
dos escravos – e de toda a população que aí habitava e trabalhava – eram as mais escassas
possíveis, não sendo, portanto, viável economicamente.
Outro determinante na formação social de Alagoas é, sem dúvida, a presença
significativa de tribos e grupos indígenas, que aos poucos vão sendo dizimados, ou
empurrados para regiões sem interesse econômico. Durante os quase quatro séculos de
colonização portuguesa na região, pode-se dizer que ocorreu a dizimação quase total da
população indígena, beirando a sua extinção.
108
Tanto quanto a inserção do negro na região, para exploração da sua força de trabalho,
também a eliminação dos índios estava associada ao objetivo de produzir cada vez mais
açúcar para a exportação mercantil lusitana. O processo de extinção desses grupos foi
justificado pela indolência e rebeldia desses povos que, assim, não serviam como força de
trabalho escrava, visto que dificilmente se submetiam ao trabalho nos canaviais, engenhos e
casas-grandes. Em suma, não se submetiam à dominação europeia e a subjugavam.
Mesmo assim, há de se considerar que a força de trabalho indígena teve lugar na
região sertaneja, cuja atividade de pastoreio em campos sem cerca era preponderante, e o
contato com a natureza, ainda em seu estado selvagem, era constante.
Assim como ocorre em todo território da colônia, a escravidão negra em Alagoas foi
justificada pela necessidade da força de trabalho para o monocultivo da cana e sua
industrialização nos engenhos. Ela se instala na região quase contemporaneamente à instalação
do latifúndio canavieiro, logo após a breve tentativa de escravização dos povos nativos.
Destarte, seguindo o modelo utilizado em praticamente todo país, Alagoas impulsionava sua
ocupação territorial e sua produção econômica com a força de trabalho negra e escrava.
Esta população avolumara-se com o passar das décadas, tornando-se majoritária
durante todo o período colonial, encontrando seu ápice no século XIX.
Já em 1860, a população de Alagoas era de 249.704 habitantes. Desse total, 44.418
eram escravos, sendo que 88,5% desses estavam no meio rural e trabalhavam na
cana-de-açúcar. [...] A cana-de-açúcar e, associada a ela, o negro, foram
responsáveis por assegurar o povoamento da província (LIRA, 2007, p. 13).
Portanto, junto com a consolidação da exploração latifundiária e monocultural da
cana-de-açúcar em Alagoas, com a implantação da escravidão dos negros africanos e com o
processo de dizimação dos grupos e tribos indígenas da região, instalava-se silenciosamente
um profundo fosso de desigualdades entre as classes sociais locais, reproduzindo em Alagoas,
o retrato das relações sociais no Brasil.
Destarte, a formação de Alagoas é profundamente marcada por esta desigualdade,
originada na exploração e dominação da aristocracia rural e, logo após, da burguesia rural
sobre a população trabalhadora, constituída predominantemente por negros escravos, mas
também por trabalhadores livres e empobrecidos.
A dialética da dominação e subalternidade, apontada no segundo capítulo desta
seção, tornam-se marcas indeléveis das relações sociais também no Estado de Alagoas. Como
consequência, nos momentos de maior evidência da extrema exploração e miserabilidade da
massa trabalhadora, explicitam-se os conflitos de classe, tornando-se nítidos os divergentes
109
interesses de classe. Assim, acirram-se as disputas e lutas políticas e sociais, fortemente
marcadas na região pela violência.
Nesta dinâmica dos conflitos sociais, evidenciaram-se algumas revoltas populares na
região, as quais persistem até hoje, mesmo que numa configuração diversa. São exemplos os
conflitos de terra protagonizados principalmente pelo Movimento de Trabalhadores SemTerra (MST). Num exemplo histórico, que reporta a um passado um pouco mais distante, vêse que é especificamente no território alagoano que ocorre a Guerra dos Cabanos (1836), cujo
fim se dará apenas em 1850. Neste sentido, Manuel Correia de Andrade (2005, p. 15-16)
indica que a formação social alagoana e aquela brasileira, foram escritas em função dos
interesses da classe dominante e do eixo central do país. Ao tratar sobre a Guerra dos Cabanos
na atual região de Alagoas, afirma o autor que
A conclusão a que chegamos fora de que a Guerra dos Cabanos teria sido o
resultado da forte divisão da população do jovem Império, em classes sociais (ou
estamentos), bem diferenciados e da impossibilidade dos grupos socialmente
inferiores alcançarem o poder, os bens e as riquezas. Na realidade, a independência,
feita pela elite, de cima para baixo, com domínio dos proprietários de terra e dos
altos funcionários, não atendeu às aspirações e desejos da população pobre,
deixando-a frustrada. Não possibilitara, à maioria da população – negros, livres e
escravos, indígenas e mulatos, brancos pobres –, realizar seus sonhos, mantendo-a
na mesma situação em que se encontrava antes. Frustração que se repetiria com os
republicanos históricos, nos fins do século XIX, quando viram os militares e os
grandes proprietários de terra controlarem a República.
Por conseguinte, nas palavras do autor, evidencia-se que a marca da ocupação
territorial brasileira é reproduzida também em Alagoas: dominação política dos grandes
proprietários de terra e submissão da população trabalhadora e pobre aos domínios oligárquicos,
sem o atendimento de suas aspirações e, nem mesmo, necessidades humanas básicas.
Outro traço considerado como determinante na formação de Alagoas é sua notória
tendência agrícola utilizada para a ocupação econômica do Estado. Esse traço determinou,
inclusive, a constituição política e social do povo. Além do monocultivo da cana,
predominante na região, conforme apontado, desenvolve-se, nos lugares não propícios à cana,
o cultivo de gêneros básicos de subsistência.
Como toda ocupação territorial carrega consigo um contingente populacional que
necessita muito mais que açúcar para sobreviver, aos poucos vai sendo desenvolvido,
perifericamente, o cultivo de outros produtos voltados para o consumo no mercado local. Tais
cultivos eram feitos por moradores, foreiros, arrendatários e também por escravos, nas
próprias terras dos engenhos, que, rapidamente, vão se transformando e perpetuando como
símbolos do poder político que emana ‘ideologicamente’ da propriedade fundiária. Também
110
nas zonas agrestinas e sertanejas de pecuária, esta produção de gêneros de subsistência se
instala, solidificando a tendência agrícola da região.
Outro determinante para a formação de Alagoas é a concentração da propriedade da
terra nas mãos de poucas famílias e a exclusão de todo o restante da população deste bem
natural. A maioria da população rural desprovida da propriedade da terra tornava-se moradora
em terras alheias, geralmente do senhor de engenho, constituindo-se como trabalhadores das
fazendas de cana e de gado – fossem negros escravos ou libertos, fossem brancos pobres –
que se ocupavam, além do trabalho nos canaviais, engenhos e com o pastoreio, também do
cultivo de produtos que satisfizessem as necessidades de sobrevivência, recebendo, por isto, a
‘benesse’ de morar nas terras de seus senhores.
Em Alagoas, assim como na maioria dos estados da federação, mesmo com a
instituição da Lei de Terras em 1850, a ‘des-concentração’ da propriedade da terra e a
distribuição em pequenas unidades camponesas não ocorre. Como efeito, pouca ou nenhuma
transformação se efetiva no modelo latifundiário, capitalista e explorador instalado desde a
colonização pela Coroa Portuguesa. Essa característica colonial de Alagoas se perpetua entre
as gerações, persistindo até a atualidade.
Portanto, a formação social, política, cultural e econômica do território, que em 1817
fora constituído como território de Alagoas, tem traços fundamentais que determinam as
características do Estado hoje, e, portanto, caracterizam o rural contemporâneo em Alagoas: a
grande propriedade, a monocultura; da violência nas relações sociais e políticas, as
desigualdades de classe, os conflitos e lutas de classe e a marginalidade conferida à
agricultura de subsistência.
São estes os determinantes que conferem as principais características do espaço rural
de Alagoas, e se perpetuam desde o século XVI, quando começou sua ocupação.
1.3.2 O latifúndio, as terras de quilombos e de índio, a pequena agricultura e os
trabalhadores rurais no último século da história de Alagoas
Seguindo o processo nacional de transformação para uma nova ordem, também em
Alagoas, já no século XX, ocorre a última expansão açucareira. Conforme Lira (2007, p. 20),
Foi através da expansão das usinas nas terras dos tabuleiros, na primeira metade do
século XX, que Alagoas transformou-se no maior produtor de açúcar do Nordeste,
chegando a ocupar o segundo lugar no país. Essa forte expansão veio completar a
ocupação das terras de Alagoas. Assim, além de estender-se pelo Litoral, Zona da
111
Mata, Baixo do São Francisco, parte do sertão e Agreste, a atividade canavieira
passou também a ocupar o planalto alagoano, porque, plantada na forma de
monocultura, acarretava a eliminação dos produtos agrícolas de alimentos,
obrigando o Estado a importar a maioria dos produtos agrícolas de primeira
necessidade para a população faminta.
Dessa forma, chega-se no século XX sem grandes mudanças na estrutura fundiária
rural de Alagoas. Muito embora, timidamente algumas parcelas de camponeses foram se
fixando nas terras dos engenhos e nelas constituindo várias gerações da mesma família,
chega-se ao final da primeira metade do século XX com um cenário de expulsão desses
moradores, foreiros e arrendatários, no intuito de expandir as plantações de cana-de-açúcar e
aumentar o número de usinas – que subitamente substituíram os engenhos. Conforme
discutido, mesmo com a Lei de Terras (nº 601, de 18 de setembro de 1850), reconhecida
como a primeira regulamentação do Estado brasileiro que versou sobre a Reforma Agrária,
não ocorrem mudanças na estrutura fundiária da nação, tampouco de Alagoas.
Apesar disso, é preciso registrar que nesse período aconteceram levantes de
pequenos e médios produtores, que resistiam ao violento processo de expansão das grandes
extensões canavieiras. Nesse sentido, nota-se no nordeste e parte do sudeste o início da
atuação política das Ligas Camponesas e outras organizações de menor visibilidade, mas de
significativa importância na cena política do nordeste e do Brasil.
Considerando a revolta social dos camponeses e o perigo que isto representava para a
própria economia e para o poder político do Estado, o Governo editou algumas medidas como
o Estatuto da Lavoura Açucareira de 1941, o qual “tinha como objetivo principal fortalecer os
pequenos fornecedores e engenhos que ainda resistiam à expropriação” (LIRA, 2007, p. 21).
Logo, o cenário agrário a partir da segunda década do século XX foi fortemente marcado pela
presença desses levantes políticos camponeses e pelas medidas para atenuar as revoltas que
deles poderiam surgir.
Apesar disso, a segunda metade do século XX foi marcada pela constituição de
grandes grupos de usineiros, representados por suas famílias. Associadas à dominação
econômica, tais famílias exerciam a dominação política, perpetuando-se nos governos a cada
pleito eleitoral.
Também nessa época, o fluxo de expulsão da população agrícola intensifica seu
direcionamento para os centros urbanos e, dentre eles, especialmente para a capital.
Praticamente em todo o Estado a indústria açucareira opera o comando político, econômico e
social, fazendo com que Alagoas seja um produtor, quase que exclusivo, de cana-de-açúcar.
112
Embora a predominância seja da produção açucareira, nas regiões do agreste e do
sertão alagoanos encontra-se a produção de leite, o cultivo de frutas e de algumas oleaginosas
como o amendoim. O tipo de propriedade rural que predomina nessas regiões é de pequenos e
médios produtores. Ainda são produzidas culturas que oferecem sustentação para a produção
leiteira e de gado, como por exemplo, o cultivo da palma.
Destaca-se o fato do agreste e sertão alagoanos serem as regiões com a menor
incidência do latifúndio no Estado, o que não indica, contudo, que ele não se faça presente
também nesses lugares. Consequentemente, nessas regiões existe uma maior diversificação da
produção agrícola, comparativamente ao litoral e à zona da mata, onde predomina a
monocultura da cana.
Será também no agreste e sertão alagoanos que se encontra maior presença da
unidade camponesa de produção familiar, também em comparação com as demais regiões
onde a incidência é menor. Essa população camponesa que trabalha com a produção familiar é
potencialmente usuária de programas e serviços instituídos nas políticas sociais do governo
federal. Este é um dado significativo, que aponta que esta população possui baixa renda
familiar, não conseguindo extrair da agricultura os recursos necessários para a subsistência da
família.
Por este motivo, nota-se na população camponesa de Alagoas um forte fluxo
migratório para as regiões produtoras de cana-de-açúcar. Esse movimento acontece de forma
mais intensa nos períodos de safra, mas não se restringem a ele. Outro fluxo migratório forte
se dirige para a capital. Lá a população busca trabalho na área dos serviços, do turismo e,
mesmo, nos espaços informais.
Há de se considerar também que, embora dizimados, os povos indígenas ainda
ocupam pequenos territórios em Alagoas. O agreste é a região que mais possui aldeias
indígenas reconhecidas pela FUNAI, sendo o município de Palmeira dos Índios o território
com maior número de aldeias: seis no total.
Em menor número, mesmo assim presentes, estão os territórios quilombolas
reconhecidos pelo Estado21, outros em fase de reconhecimento22 e outros ainda reivindicando
por ele.
21
A exemplo da comunidade quilombola Pau d’Arco, atendida pelo Centro de Referência de Assistência Social
Rural (CRAS-Rural) de Batingas, município de Arapiraca-AL. Tal serviço de Assistência Social foi um dos
campos de realização da pesquisa empírica desta investigação de doutorado.
22
A exemplo da comunidade quilombola da Tabacaria, município de Palmeira dos Índios-AL, cujo atendimento
na área da política de Assistência Social é prestado pelos únicos Centro de Referência de Assistência Social
(CRAS) e Centro Especializado de Referência de Assistência Social (CREAS) do município, localizados e
identificados como ‘urbanos’. Por este motivo esse não foi campo para realização da pesquisa empírica.
113
A constatação da presença das populações indígenas e quilombolas em Alagoas
indica a permanente luta dessas comunidades pela posse e uso da terra, segundo os seus
princípios. Essa luta não se dá sem que haja conflitos com as populações locais e, nelas,
principalmente com os pequenos agricultores familiares, visto que estes últimos foram os
sujeitos finais numa cadeia de comercialização das terras que originalmente pertenciam aos
povos tradicionais. Também o Estado entra nessas disputas, geralmente deliberando em
prejuízo das comunidades tradicionais – indígenas e quilombolas.
Além disso, a existência das populações tradicionais em várias regiões do Estado de
Alagoas significa a presença de um modo de vida que se aproxima do camponês, no que se
refere à forma de cultivo da terra e dos seus produtos. Cada um destes grupos tradicionais
organiza e reforça traços próprios de sua cultura, recebida dos ancestrais e transmitidas para
as atuais gerações no cotidiano de vida e de trabalho e, principalmente, nos rituais indígenas e
quilombolas.
Nestes territórios tradicionais a ocupação das terras ocorre de forma comunal. A
produção é voltada para a subsistência familiar e comunitária e também para a pequena
comercialização nos mercados locais, cujo escoamento acontece, principalmente, através das
feiras semanais promovidas nos centros urbanos.
Outro elemento presente atualmente no território alagoano, no âmbito rural, refere-se
às ocupações de terras por camponeses organizados em movimentos sociais, dentre os quais
se destaca o Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Essa presença tem sido
constante em todo o território estadual, estendendo-se desde o litoral e a zona da mata,
passando pelo agreste e chegando ao sertão alagoano. Consequentemente, os conflitos
decorrentes das disputas de terra são frequentes, sendo, inclusive, marcados pela violência,
determinante comum nas relações sociais cotidianas (LIRA, 2007).
Em relação a este aspecto das lutas sociais no campo na atualidade, há de se registrar
em Alagoas a presença de uma associação de camponeses, surgida no ano de 2006 e que
desde abril de 2011 passou a se identificar como movimento social: o Movimento de
Trabalhadoras e Trabalhadores do Campo de Alagoas (MTC-AL). Antes reconhecido como
Associação dos Moradores do Agreste Alagoano (AMIGREAL), o MTC-AL volta suas ações
tanto para a educação do campo, quanto para a luta pela conquista da terra, utilizando a
mesma estratégia adotada por outros movimentos sociais camponeses, qual seja a ocupação de
terras consideradas, pelo movimento, como devolutas e improdutivas.
A partir desse panorama geral do Estado e, especificamente, do espaço rural
alagoano, é possível perceber a diversidade de organização econômica, política, social e
114
cultural aí presentes. Ora, num lugar cuja diversidade apontada perpassa desde o agronegócio
canavieiro até a produção camponesa – produção mercantil simples – das regiões de ocupação
de terras pelos movimentos sociais, torna-se evidente a produção de um vasto tecido de
desigualdades sociais, de pobreza e de miséria no campo.
Torna-se também evidente a presença de significativo contingente de camponeses
pauperizados e/ou em processo de pauperização, organizados social e politicamente ou
sedentos de organização, cujo acompanhamento, assessoria, diálogo e atendimento dos
profissionais da área do Serviço Social tornam-se indispensáveis e urgentes.
O campo constituído por tais populações é que se configura como produtor de
demandas para os serviços sociais previstos nas políticas sociais setoriais. Essa população
camponesa, que deveria, mas – frequentemente – não é atendida pelo Estado, colabora para
conformar um vasto contingente de cidadãos a quem são negados diversos dos direitos
sociais, de caráter universal.
O reconhecimento de que o espaço rural em Alagoas é constituído por homens e
mulheres, cidadãos brasileiros, trabalhadoras e trabalhadores excluídos de direitos e
explorados em sua força de trabalho pelo capital, é que aponta a premência da atuação
comprometida do Estado brasileiro nesse espaço.
Por último, a formação social de Alagoas não ocorreu de forma descolada daquela
brasileira. Aqui o latifúndio, a monocultura, a escravidão, a violência, as relações de
compadrio, as desigualdades sociais crescentes se tornaram marcas indeléveis na conformação
atual da sociedade e do Estado alagoanos.
Esses determinantes não podem ser invisibilizados quando se trata de mobilizar os
quadros políticos e sociais de resistência à exploração capitalista. E, principalmente, quando
se trata de organizar a classe trabalhadora para lutar pela transformação societária,
aproveitando os tempos de crise estrutural do capital.
II SEÇÃO
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL: TRAJETÓRIA DE
UM PASSADO AINDA EM CONSTRUÇÃO E QUESTÕES PRESENTES
PARA O FUTURO
[...] O processo curricular tem uma dinâmica
necessariamente aberta a novas arrumações,
aliás, como acontece no samba de breque,
onde a parada é sempre um recomeço.
Vicente de Paula Faleiros (2000, p. 163)
Compreendendo que a formação e o exercício profissional estão intrinsecamente
articulados, entendeu-se, desde o planejamento desta investigação, que era necessário
aprofundar a reflexão sobre a primeira, para compreender o segundo, especialmente quando
este ocorre em espaços sócio-ocupacionais rurais.
Após ter se debruçado sobre a formação sócio-histórica do Brasil na primeira seção,
desenvolve-se agora a discussão sobre a formação profissional do Serviço Social, desde sua
gênese até a atualidade, continuando a considerar como pano de fundo a relação entre o
Serviço Social e o rural brasileiro – que será tratado objetivamente no último capítulo desta
seção.
A finalidade desta seção é compreender como se desenvolveu a formação
profissional do Serviço Social no Brasil, principalmente através das propostas de ensino e dos
projetos de currículo, situando-os historicamente e refletindo sobre as perspectivas que os
orientaram e, portanto, orientaram também o exercício profissional, apontando, na atualidade,
as expectativas futuras.
É interessante registrar que a formação profissional, que é objeto de análise nesta
seção, refere-se àquela conferida pelas escolas brasileiras de Serviço Social em nível de
graduação. Muito embora, saliente-se que será discutida a articulação entre a graduação e a
pós-graduação, reconhecendo a segunda como formadora dos quadros docentes e produtora
de pesquisas e publicações que subsidiam a formação profissional em nível de graduação.
A seção está organizada em quatro capítulos, sendo que no primeiro discute-se a
formação profissional em sua concepção e trajetória histórica até a construção do ‘Currículo
116
Mínimo de 1982’, além de tratar do surgimento da pós-graduação em Serviço Social, na
década de 1970 e a consequente formação de docentes, imprimindo nova direção para a
formação profissional a partir dos anos 1980.
No segundo capítulo são tratados dois assuntos, por si só, articulados: os desafios
para a consolidação do Currículo Mínimo de 1982 e os apontamentos da categoria na
transição para os anos 1990, após processo sistemático de avaliação e revisão do Currículo
Mínimo.
No terceiro capítulo discute-se sobre as investidas neoliberais que começam a se
manifestar nos anos 1990 e a consequente mercantilização do ensino universitário, debatendo
suas implicações para a formação profissional no Serviço Social. Ainda neste capítulo
adentra-se na reflexão sobre a formação profissional, a partir das Diretrizes Curriculares de
1996, aprofundando a discussão sobre a proposta elaborada pela categoria, como fruto da
revisão do currículo anterior; sobre o desenho original das Diretrizes Curriculares; e,
finalmente, sobre os entraves governamentais que imediatamente foram postos à proposta
original da categoria profissional.
No quarto capítulo são discutidos os reflexos da formação profissional, após 1996,
no que tange o debate e a análise da realidade, observando que ela implica no reconhecimento
das demandas para a profissão, inclusive no espaço rural. Aborda-se também a articulação
entre a formação profissional e a consolidação do projeto ético-político profissional, a partir
da segunda metade da década de 1990.
Espera-se com essa discussão, subsidiar, posteriormente, o estudo sobre os projetos
de formação profissional das duas escolas de Serviço Social da Universidade Federal de
Alagoas – tarefa reservada para a terceira seção deste trabalho –, para então analisar como
esta formação profissional subsidia o exercício profissional em espaços sócio-ocupacionais
diretamente ligados ao campo, e/ou nele incide – que será a quarta e última seção.
117
CAPÍTULO 1
CONCEPÇÃO E TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
ATÉ 1980
2.1.1 A concepção de formação profissional
A concepção de formação profissional adotada neste estudo passa ao largo daquela
usualmente empregada pelo mercado de trabalho na sociedade capitalista, para tratar das mais
diversas profissões. Nesse sentido, uma das tarefas iniciais deste breve item será justamente
discutir essas diferenças entre a concepção ‘mercadológica’ sobre este tipo de formação e
aquela construída historicamente pelo Serviço Social, e que, portanto, orienta também este
trabalho.
Em primeiro lugar, é preciso dizer que não se tratará da formação profissional em seu
caráter eminentemente – e apenas – técnico, mas sim, sobre uma formação que ofereça
aportes teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos para o futuro exercício
profissional. Assim, deixa-se expressamente marcado que não será discutida a formação
voltada para cursos técnicos – como de panificação, mecânica, construção civil, manicure etc.
–, mas, sim, aquela dirigida para cursos que têm caráter eminentemente científico, que exigem
uma formação acadêmica habilitada para fornecer os aportes acima indicados.
Em segundo lugar, considera-se que também em nível universitário, onde é oferecido
esse segundo tipo de formação profissional, nota-se que nas últimas décadas não é incomum
encontrar um tipo de formação que se restringe apenas à oferta de conteúdos disciplinares,
visando à integralização da carga horária do discente e à consequente obtenção do diploma do
curso, sem relacionar o ensino com a pesquisa, a extensão e, muitas vezes, nem mesmo com o
ensino da prática profissional, todos necessários à construção de um saber articulado com a
realidade e habilitado para fazer análises da totalidade societária, na qual o futuro profissional
se inserirá. Ora, ambos os tipos de formação profissional – seja de nível técnico ou
universitário mercadológico – destinam-se apenas à produção de trabalhadores para o
mercado profissional, numa lógica competitiva e capitalista.
Na contracorrente desse modo mercadológico de conceber a formação profissional –
em quaisquer áreas profissionais –, a concepção adotada nesta tese parte do pressuposto que a
formação profissional é uma articulação de saberes, o que pressupõe o diálogo entre as áreas
118
de saber e entre os sujeitos que constroem este saber. Uma formação profissional com estas
bases confere subsídios para o futuro profissional pensar e agir de forma mais ampla, com
possibilidade de uma leitura totalizante dos processos sociais e de um posicionamento mais
crítico, como fruto desta leitura.
Todavia, este não é o tipo de formação que as classes dominantes e o Estado, no
Brasil, têm optado historicamente. Um dos exemplos evidentes é a reserva da universidade
apenas para a classe dominante. Outro é a apreensão das estruturas universitárias enquanto
aparelhos de controle ideológico, especialmente direcionados à contenção da classe
trabalhadora, e no mais das vezes configurados como aparelhos de coerção social da
sociedade civil, adestrando-a a viver segundo a lógica capitalista e, atualmente, neoliberal.
É o que confirma Ribeiro (2009, p. 88), ao tratar das ações do Estado brasileiro sobre
a educação superior, instalando a universidade tecnocrática, durante o milagre brasileiro. Para
a autora,
A reforma universitária de 1968 introduziu elementos que alteraram a organização
da educação superior, promovendo a sua fragmentação, principalmente no sentido
do fortalecimento da ditadura militar. O demérito dessa reforma pode ser visto sob
vários aspectos. Um deles é a desarticulação dos estudantes de um mesmo período
dos cursos, pois a instalação do regime de créditos desmembrou o estudante de sua
turma, inserindo-o em disciplinas organizadas para diferentes estudantes, de cursos e
períodos diversos. Outro aspecto foi o desmantelamento do movimento estudantil,
operado principalmente pela via da coerção.
Assim, entende-se que as ações de desestruturação, fragmentação e dispersão da
formação de nível superior neste país, constituem-se, desde o princípio da criação da
universidade brasileira, estratégias de dominação política, ideológica, social, econômica e
cultural utilizadas pelo Estado, em nome da defesa dos interesses da burguesia urbana e rural,
e da reprodução do capital.
Sempre estiveram presentes na formação da sociedade brasileira processos de
formação profissional aligeirados, fragmentados, que afunilam o saber – apenas técnico, como
outrora dito – num único objeto e foco. Esse tipo de formação prepara o indivíduo para ocupar
uma única vaga de trabalho, mas não o qualifica para viver, trabalhar, intervir e transformar a
sociedade.
Todavia, nas últimas décadas esse processo – que produz uma formação
desqualificada – foi intensificado, como estratégia do capital para aumentar o exército de
reserva e reduzir custos com a força de trabalho, tecnificando-a minimamente para suas
exigências de produção de riquezas materiais, ampliando as possibilidades de extração da
mais-valia relativa.
119
Em fins da década de 1990 eram perceptíveis, no que tange a formação profissional,
os reflexos da reforma da educação superior. Esse contexto de reforma universitária, segundo
os padrões de ajustes neoliberais, repercutia na formação do Serviço Social.
Para Cardoso (2000, p. 07), o momento de implantação das Diretrizes Curriculares –
após 1996 – “define-se num quadro sociopolítico em que o atual governo brasileiro 23
implementa uma política orientada por organismos internacionais (FMI e Banco Mundial),
com forte repercussão no espaço privilegiado da formação profissional, a universidade”. Para
a autora, naquele momento visualizava-se grande possibilidade de que, “a partir da reforma da
educação superior, a universidade se transformasse em organização social, ou seja, entidade
de direito privado sem fins lucrativos, financiada com recursos públicos”.
Especificamente desde 2003, o ensino superior tem crescido exponencialmente,
tendo sido assumido como meta do governo federal desde o primeiro mandato do presidente
Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006). Para cumprir a meta, criou-se o Programa
Universidade para Todos (PROUNI)24 e o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades Federais (REUNI)25, investindo-se, inclusive, no Ensino a
23
Na época, Fernando Henrique Cardoso estava em seu segundo mandato (1999-2002).
Compondo o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), voltado à expansão da rede federal de educação
profissional e tecnológica, o Programa Universidade para Todos (PROUNI) foi criado pelo governo federal em
2004, através da Lei nº 11.096, em 13 de janeiro de 2005. Segundo dados institucionais, sua finalidade é a
concessão de bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação
específica, em instituições privadas de educação superior. Em contrapartida, oferece isenção de alguns tributos
àquelas instituições de ensino que aderem ao Programa. Seu público-alvo são os estudantes egressos do ensino
médio da rede pública, ou da rede particular na condição de bolsistas integrais, com renda per capita familiar
máxima de três salários mínimos. A seleção dos candidatos ocorre através das notas obtidas no Exame
Nacional do Ensino Médio (ENEM), o que aponta que a inclusão ocorre segundo critério socioeconômico,
agregado ao mérito dos estudantes com melhores desempenhos acadêmicos. Estão associadas ao Programa
outras ações conjuntas, direcionadas ao incentivo e à permanência dos estudantes nas instituições, como a
concessão de Bolsa Permanência, os convênios de estágio MEC/CAIXA e MEC/FEBRABAN e o acesso ao
Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que possibilita ao bolsista parcial financiar até 100% da
mensalidade não coberta pela bolsa do programa (BRASIL-MEC, 2012, s/p). Sem adentrar no debate sobre
este programa educacional, registra-se o entendimento de que esta é uma medida que retira os investimentos
diretos das IES públicas, injetando-os nas instituições privadas. Desta forma, o Programa é mais um exemplo
das medidas neoliberais, de ‘desresponsabilização’ e retirada do Estado da esfera do atendimento público dos
direitos sociais, com repasse das responsabilidades para a sociedade civil e dos investimentos públicos para a
iniciativa privada.
25
A partir do plano de expansão do ensino superior, objetivado no Plano de Desenvolvimento da Educação
(PDE), lançado pelo governo federal em 2003, através do presidente da república Luís Inácio Lula da Silva,
criou-se em 2007 (Decreto nº 6.096/2007) o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI), tendo sua execução iniciado em 2008. Sob orientação neoliberal, a fim de
melhorar as metas do ensino superior no Brasil, o governo federal lançou este programa, voltado para as
Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, “que busca ampliar o acesso e a permanência na educação
superior. A meta é dobrar o número de alunos nos cursos de graduação em dez anos, a partir de 2008, e
permitir o ingresso de 680 mil alunos a mais nos cursos de graduação”. Ainda segundo informações do
Ministério da Educação, “para alcançar o objetivo, todas as universidades federais aderiram ao programa e
apresentaram, ao Ministério, planos de reestruturação, de acordo com a orientação do Reuni. As ações
preveem, além do aumento de vagas, medidas como a ampliação ou abertura de cursos noturnos, o aumento do
número de alunos por professor, a redução do custo por aluno, a flexibilização de currículos e o combate à
24
120
Distância (EaD), ofertado principalmente pelas Instituições de Ensino Superior (IES)
privadas, mas também públicas, através do modelo da Universidade Aberta do Brasil
(UAB) 26.
Os centros de formação profissionalizantes e as ‘UniEsquinas’ da vida aumentaram
contingencialmente o número de estabelecimentos. Segundo dados do Censo da Educação
Superior de 2010, publicado pelo INEP (2012, p. 29), o número de Instituições de Ensino
Superior (IES) subiu de 1.391, para 2.378, entre 2001 e 2010. Isso ocorre não apenas para
produzir força de trabalho minimamente tecnificada para o mercado, mas porque o próprio
ramo deste tipo de formação é rentável economicamente. Trata-se, portanto, de uma dupla
rentabilidade: para o capitalista em geral; e para o capitalista da ‘dita’ área educacional.
Para a ABEPSS (2009, p. 147),
evasão” (BRASIL-MEC, 2012, s/p). Sem pretensão de aprofundar o debate, mas entendendo que não é
possível apontar este programa de educação superior sem comentá-lo minimamente, salienta-se que este é um
dos maiores, se não o maior, programa de precarização da formação profissional de nível superior, oferecida
pelas IES públicas-federais do país. No próprio texto institucional do programa, evidencia-se dentre as ações o
aumento do número de alunos por professor, a redução do custo por aluno e a flexibilização de currículos.
Essas ações são as mais preocupantes, mas vêm associadas a outras que também concorrem para a precarização
do ensino superior. Ora, a redução do custo por aluno representa os cortes de gastos nos orçamentos das IES e
o aumento do número de alunos a serem atendidos pelos professores aponta para diminuição do
acompanhamento professor/estudante, o que traz efeitos nocivos diretos para o futuro profissional. Todavia,
dentre as ações, aquela que mais preocupa em termos da formação profissional é a flexibilização dos
currículos. Pouco adiantará as diretrizes curriculares para orientar a formação em Serviço Social se as
Universidades podem flexibilizar os currículos dos cursos. E, para finalizar este rápido apontamento, deve-se
salientar que o REUNI foi, praticamente, imposto a todas as IES, sob condição de não receberem recursos
orçamentários caso a adesão não fosse oficializada. Muitos debates apontando os riscos e prejuízos do
Programa foram feitos nas IES desde 2007, quando a proposta foi lançada, todavia a coerção do Estado,
através do corte financeiro total às IES que não aderissem ao REUNI, venceu e o Programa foi implantado,
completando neste ano de 2012 cinco anos de execução.
26
A Universidade Aberta do Brasil (UAB) é um sistema integrado por universidades públicas que oferece cursos
de nível superior para camadas da população que têm dificuldade de acesso à formação universitária, por meio
do uso da metodologia da educação a distância. O público em geral é atendido, mas os professores que atuam
na educação básica têm prioridade de formação, seguidos dos dirigentes, gestores e trabalhadores em educação
básica dos estados, municípios e do Distrito Federal. A UAB criada através do Decreto nº 5.800/2006, voltada
para "o desenvolvimento da modalidade de educação a distância, com a finalidade de expandir e interiorizar a
oferta de cursos e programas de educação superior no País". Pretensamente faz uso de metodologias
inovadoras de ensino superior respaldadas em tecnologias de informação e comunicação (BRASIL-CAPES,
2012, s/p). Fica evidente, na própria proposta do Programa, que ele se destina a uma população excluída do
circuito universitário, a quem são destinados apenas cursos nas áreas de educação, tendo como didática de
ensino o uso de ferramentas de comunicação em rede e com poucos – ou nenhum – encontros presenciais entre
docentes e discentes. Dessa forma, determina-se qual a área, que tipo de ensino superior e que tipo de
universidade podem ser alcançados por alguns segmentos majoritários da população. Como consequência,
isenta-se o Estado de oferecer o ensino presencial, público, gratuito e de qualidade. Outro dado que não pode
passar despercebido da análise, é o fato que a UAB está alocada junto à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (CAPES), que tradicionalmente se constitui como agência pública de fomento à
qualificação dos profissionais, em nível de pós-graduação. Esta alocação indica a intencionalidade do governo
federal em fazer da CAPES seu braço forte na expansão do ensino superior, transformando-a em instituição de
atendimento também em nível de graduação, todavia sem os requisitos para a qualificação necessária no
atendimento.
121
A expansão do ensino superior privado ligeiro presencial ou a distância, com o
suporte na LDB [Lei de Diretrizes de Base da Educação] e o forte apoio institucional
do Ministério da Educação, de FHC a Lula, ocorre para configurar os nichos de
valorização do capital médio, num período em que o capitalismo promove uma
intensa oligopolização do capital, com tendências de concentração e fusão de
capitais, e dificuldades de investimento produtivo e de valorização. [...] Estamos
denunciando o uso da tecnologia para a padronização, empobrecimento e
banalização da formação, além de meio de valorização do capital, transformando a
educação em mercadoria.
Destarte, as estratégias de ampliação da formação profissional em nível superior,
operadas, principalmente, nas últimas duas décadas, permitem afirmar que esta formação
encontra-se diretamente atrelada ao fluxo do capital. Consequentemente, ela se desvincula
objetivamente de uma formação profissional voltada para a melhoria das condições de vida e
de trabalho das mulheres e homens do país, e, mais ainda, de uma formação profissional que
contribua para a transformação societária. Assim, conforme indica Boschetti (2004, p. 22), a
educação em nível universitário “deixa de ter o caráter de política social e acaba assumindo o
caráter de mercadoria”.
Contrapondo-se a essa concepção voltada para o mercado, salienta-se que neste
estudo a formação profissional é compreendida como um conjunto de elementos que
constituem um processo, no qual o discente vai construindo a concepção sobre a profissão, o
contexto de seu desenvolvimento, sua trajetória histórica, seu objeto de trabalho, os processos
de trabalho, os sujeitos de sua ação, as implicações das relações sociais para a profissão e,
dialeticamente, as implicações do exercício profissional para as relações sociais da sociedade,
entre outros.
A formação profissional deve estar articulada intrinsecamente às demandas postas
para a profissão, sejam àquelas históricas, consideradas tradicionais – que requerem sempre
novas estratégias de enfrentamento –, sejam àquelas emergentes, que apontam para as novas
necessidades que vão surgindo com o aprofundamento e crise do capital.
Para tanto, a formação profissional necessita estar diretamente conectada à realidade
da sociedade e com o exercício profissional, sob o risco de incorrer no ostracismo, tornandose conservadora de si própria e das estruturas da sociedade com as quais trabalha. São
responsáveis por este processo, as instituições e unidades de ensino, com suas atribuições
específicas, mas também “todos os professores, supervisores, organizações da categoria e os
próprios alunos que fazem parte deste processo” (GENTILLI, 2000, p. 135).
Desse modo, tanto quanto o exercício profissional é considerado como parte do
trabalho coletivo, a formação profissional também se reveste de coletividade, não podendo ser
122
considerada em dimensões separadas e autônomas, cada uma operada por um sujeito do
processo.
Portanto, a formação profissional é construída de forma coletiva e permanente pelos
sujeitos diretamente ligados à área profissional – professores, estudantes, supervisores,
profissionais ligados aos espaços sócio-ocupacionais; entidades e associações representativas
da categoria profissional –, mas também por aqueles que, não sendo do Serviço Social,
compartilham seus processos – usuários dos serviços onde atuam os assistentes sociais,
lideranças e a própria população organizada, docentes e pesquisadores de outras áreas,
trabalhadores que operam nas funções técnicas das escolas e todo o corpo institucional, além
dos campos de estágio.
2.1.2 A formação profissional em Serviço Social e sua trajetória histórica até o Currículo
Mínimo de 1982
Considera-se que o processo de formação profissional em nível universitário ocorre
através da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e, no caso do Serviço Social,
atualmente seguindo as Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social no Brasil,
elaboradas pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS), em
1996. Além disso, é necessário considerar que o currículo não se restringe à grade curricular,
mas é perpassado pela visão de sociedade e pela proposta pedagógica que orienta a formação
profissional. Sendo também atravessado pela dinâmica da sociedade, ele se traduz como
espaço de luta, estando em permanente movimento, enquanto produz saberes intelectuais e
culturais (SILVA, 1993).
Neste sentido, confirma-se a concepção de formação profissional elaborada pelo
Centro Latinoamericano de Trabajo Social (CELATS, 1985, p. 37, grifo do autor), quando
aponta que,
O processo de formação profissional é algo mais que a oferta de cursos e diplomas
para satisfazer a uma demanda ocupacional indefinida. Colocamos a ênfase – ao
contrário – no processo formador da profissão, no qual interagem a preparação
científica dos quadros profissionais, a investigação e a produção de conhecimentos
sobre as determinações que a realidade impõe à atuação profissional e a
sistematização da prática profissional como matéria-prima a partir da qual se elabora
um corpo instrumental e técnico, bem como conceptual e teórico próprio do Serviço
Social, provendo a formação acadêmica dos seus principais conteúdos e
preocupações.
123
Esse processo de formação profissional inicia-se concomitantemente ao surgimento
da profissão, uma vez que a constituição dos quadros profissionais só se principia a partir da
criação das Escolas de Serviço Social. A primeira escola latino-americana foi criada em 1925
em Santiago do Chile por Alejandro Del Rio. No Brasil, a primeira escola de Serviço Social
surge em São Paulo, no ano de 1936, a qual se transforma posteriormente na Faculdade de
Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em seguida, surgem outras
escolas em todo Brasil, geralmente instaladas nas capitais de alguns estados da federação e
vinculadas à Igreja Católica que, por décadas, será a principal mantenedora dessas escolas.
À época, a formação profissional – antes inexistente – era uma necessidade de vários
segmentos da sociedade, mas, preponderantemente da burguesia urbana e rural, bem como da
igreja e do Estado, que investindo na modernização do país, vivia intensamente os efeitos do
crescimento urbano desenfreado, sem condições estruturais para aportar o grande contingente
de migrantes, principalmente rurais – trabalhadores, antigos posseiros, arrendatários, meeiros,
parceiros rurais e suas famílias, mas também regionais.
Conforme Iamamoto & Carvalho (2008, p. 184, grifo dos autores),
A necessidade de formação técnica especializada para a prática da assistência é
vista não apenas como uma necessidade particular do movimento católico. Tem-se
presente essa necessidade, enquanto necessidade social que não apenas envolve o
aparato religioso, mas também o Estado e o empresariado. A visão de possibilidade
de profissionalização do apostolado social é dado [sic] de forma sutil, na medida
em que se encarece a necessidade de colaboradores para as obras particulares e se
prevê a demanda de pessoal permanente para as instituições oficiais e patronais,
reconhecendo nessas duas instâncias as únicas socialmente habilitadas a possibilitar
esse empreendimento.
Ora, para suprir rapidamente a demanda social que começa a ser percebida pelos
diversos segmentos que, por assim dizer, gerenciam a sociedade aristocrático-burguesa
brasileira, nada mais prático do que a instalação de cursos profissionalizantes, com duração
variada, a depender das condições dos primeiros grupos de formadores e da demanda por
pessoal qualificado.
Assim, logo no início, a formação profissional em Serviço Social terá as
características técnicas apontadas no primeiro item do capítulo, compondo-se de uma
formação, geralmente, de média duração, voltada para o mercado profissional e com
predominância do caráter técnico, muito embora não se retire a atenção da formação moral,
doutrinária e, timidamente, científica, caracterizada por Iamamoto & Carvalho (2008) como
formação técnica especializada voltada para a prestação de assistência aos desamparados e
ao operariado e à instrução das famílias.
124
O que se observa nos primeiros anos da formação profissional, é uma tecnificação da
assistência, com a introdução de conceitos mais amplos sobre a população, a pobreza, o
proletariado, a ação social transformada em prática social e a funcionalidade da sociedade, do
Estado e do próprio capitalismo. Gradualmente passa-se a adotar uma nova metodologia,
pretensamente científica, associada à pesquisa social e à tecnificação da prática. “O projeto
teórico – e as práticas incipientes desenvolvidas – dos assistentes sociais orienta-se para a
intervenção na reprodução material do proletariado e para sua reprodução enquanto classe”
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 212).
Num contexto social de modernização conservadora, o Serviço Social segue o
mesmo fluxo, constituindo-se originalmente como uma profissão de caráter técnico e
doutrinário, eminentemente conservadora em seus pensamentos e ações profissionais. É o que
assevera Iamamoto (2007, p. 219), ao dizer que “o Serviço Social no Brasil nasce e se
desenvolve nos marcos do pensamento conservador, como um estilo de pensar e de agir na
sociedade capitalista, no bojo de um movimento reformista conservador”. Essa definição da
profissão em sua gênese permite perceber quais os direcionamentos da formação profissional
também naquele período: a compreensão doutrinária, conservadora, funcional e moralista dos
processos societários, conectada com a realidade social da burguesia, desconectada da
compreensão de totalidade da estrutura da sociedade brasileira, e voltada para a modificação
de algumas sequelas sociais da sociedade, através de práticas reformistas e, por isso mesmo,
sempre conservadoras.
Iamamoto (2007) ainda indica que esse tipo de ação profissional era sustentada na
articulação de elementos cognitivos e valorativos – de cunho moralista –, basicamente
fundamentados no pensamento doutrinário da Igreja Católica, representado pelo neotomismo,
que é associado ao moderno conservadorismo europeu e à sociologia funcionalista.
Conforme Faleiros (2000), no início da formação profissional, na década de 1930, o
currículo era fragmentado, centrado no disciplinamento da força de trabalho, através dos
valores cristãos e do controle paramédico e parajurídico, executado através das obras sociais,
de acordo com a doutrina social da igreja. Esse tipo de formação esteve estreitamente
conectado, no Brasil, aos representantes da oligarquia fundiária e da burguesia urbana, assunta
já no século XX, os quais possibilitaram seu surgimento, primeiro como prática social e
depois como profissão, no início da década de 1930.
Destarte, o Serviço Social se constitui como profissão pensando articuladamente com
as classes dominantes, o que imprime uma forma dominadora no trato com seu público-alvo,
125
que perpassa o modo de estudar, compreender e propor ações interventivas junto à classe
trabalhadora.
Já nas décadas de 1940 e 1950, reconhecidas como período pós-guerra, estava em
franca ascensão e começava-se a consolidar a proposta internacional – verdadeiramente
estadunidense – de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, através da metodologia de
trabalho com comunidades, a qual tem seu ápice a partir da segunda metade dos anos 1950,
com o ‘Desenvolvimento de Comunidades’ (DC).
Acompanhando esta dinâmica, o Serviço Social tem seu currículo centrado na
integração do indivíduo ao meio, com ênfase na família e nas instituições para a adaptação
social ou bem-estar social. As visões funcionalistas predominam, e dissemina-se na formação
profissional o estudo das metodologias de abordagens de ‘caso individual’, ‘grupo’ e
‘comunidade’, introduzindo também disciplinas de pesquisa, administração e dos campos de
ação (FALEIROS, 2000).
Sem adentrar nos meandros da história do Serviço Social – mesmo porque alguns
estudiosos já cumpriram muito bem esta tarefa 27 –, cabe reconhecer que no início da formação
profissional era praticamente inexistente uma unidade, tanto em nível nacional, quanto,
principalmente, em nível latino-americano. A única unidade existente era sua base
doutrinária, conferida pela Igreja Católica em, praticamente, todos os cursos ofertados, bem
como a perspectiva funcionalista que ia se consolidando.
Neste sentido, o CELATS (1985, p. 38) apontava que no início da formação
profissional “as diferenças explícitas no plano formal do título oferecido crescem e se
multiplicam quando se analisam os objetivos e os conteúdos de currículos correspondentes a
um mesmo grau acadêmico (até num só país)”. Tais diferenças resultavam tanto da
diversidade de realidades e do processo múltiplo e contraditório posto nas relações sociais de
cada lugar, como pela ausência de uma discussão mais ampla dos próprios profissionais em
exercício técnico e acadêmico. Além disso, a grande diversidade de tratamento das políticas
sociais, ainda não estruturadas e muito menos consolidadas, nos países latino-americanos nas
primeiras décadas de surgimento do Serviço Social, colaborava para a manutenção das
diferenças no plano da formação profissional.
Portanto, a diversidade da formação profissional resultava tanto de fatores externos
quanto internos à profissão, tendo grande interferência das instituições de ensino – e suas
concepções de ensino –, bem como das instituições em que posteriormente acontecia o
27
Para maior aprofundamento, indica-se consultar Manrinque Castro (1989); Iamamoto e Carvalho (1986); e
Martinelli (2007).
126
exercício profissional. Estas, quando não encomendavam cursos para seus trabalhadores, ao
menos interpelavam junto às escolas onde matriculavam tais trabalhadores, a fim de garantir,
posteriormente, um profissional enquadrado em certa ideologia e lógica de atuação
profissional, segundo os seus interesses. Isso vai ocorrer especialmente a partir da década de
1940, quando parte significativa dos estudantes das escolas de Serviço Social passaram a se
constituir
de
funcionários
das
grandes
instituições,
predominantemente
estatais
(IAMAMOTO; CARVALHO, 2008).
Todavia, a ausência de direção na formação profissional não pode ser atribuída
apenas à inexistência de um órgão que lhe conferisse direção, mas, principalmente, pela
realidade profissional ainda bastante dispersa e pela conjuntura econômica, política, social e
cultural da época.
Nota-se que, mesmo com o surgimento da Associação Brasileira de Escolas de
Serviço Social (ABESS), em 1946 28, no Brasil – e posteriormente do seu órgão dedicado às
pesquisas acadêmicas, o Centro de Documentação e Pesquisa em Serviço Social e Políticas
Sociais (CEDEPSS) –, o debate sobre a formação profissional ainda demorou alguns anos
para tomar uma direção convergente. Todavia, esta associação e o centro de documentação
instituíram-se enquanto espaços de discussão que, logo em seguida, possibilitaram a
elaboração dos conteúdos mínimos para a formação profissional. Destarte, cumpriam seu
objetivo enquanto entidade, qual era “definir e coordenar uma política de formação
profissional do Assistente Social no Brasil” (ABESS, 1991).
Em nível de América Latina este processo irá acontecer um pouco mais tarde, em
1965, com a criação da Associación Latinoamericana de Escuelas de Trabajo Social
(ALAETS)29, com objetivo de
Contribuir al desarrollo y consolidación de la formación universitaria del
Trabajador Social, procurando que esta ocurra de acuerdo con la realidad social y
la búsqueda de transformación social, formando un profesional capacitado
científica y humanamente para trabajar con los grupos y sectores sociales que
requieran de su acción profesional (ALAIETS, 2012, s/p).
Diferentemente do que ocorre com a ABESS, no âmbito nacional, a ALAETS não
faz sua discussão a partir dos conteúdos da formação profissional, mas sim aponta diretrizes
28
A Associação Brasileira de Ensino do Serviço Social (ABESS) foi fundada em 10 de outubro de 1946, sob
registro n. 142 / L-A / I (ABESS, 1991), sendo constituída pelas Unidades de Ensino do Serviço Social,
naquele momento ainda relativas ao ensino técnico profissionalizante. Com o ingresso do Serviço Social nas
Universidades, na década de 1960, a associação passa automaticamente a responder pelo ensino profissional
em nível de graduação e pós-graduação.
29
Entidade continental, voltada apenas para o ensino profissional, destituída em agosto de 2006, durante a
Assembleia Geral da ALAETS, ocorrida em Santiago, Chile, para dar lugar à Associação Latino-americana de
Ensino e Investigação em Serviço Social (ALAEITS).
127
gerais para a formação em Serviço Social na América Latina, com base no diálogo
estabelecido entre as escolas, a fim de cumprir o objetivo proposto.
Em 1975 a ALAETS, com base nas dificuldades que as escolas associadas sentiam
no que tange às produções e às cooperações acadêmicas entre elas, cria o Centro
Latinoamericano de Trabajo Social (CELATS). Conectado com aquele momento histórico,
seu objetivo era impulsionar a formação de assistentes sociais, a fim de que contribuíssem
para as lutas da classe trabalhadora e para o surgimento e consolidação dos movimentos
sociais em todo o continente.
No Brasil, enquanto profissão, o Serviço Social foi legitimado em 1957, através da
Lei nº 3.252, de 27 de agosto de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 994 de 15 de maio de
1962. Antes, a profissão obtém reconhecimento legal como profissão liberal pelo Ministério
do Trabalho pela portaria nº 35 de 19 de abril de 1949. Esse processo ocorreu sem a
participação da categoria profissional, que contingencialmente ainda era pequena.
Naquele momento o único organismo da profissão, criado e em funcionamento, era a
ABESS, voltada para a formação profissional. O Conselho Federal de Assistentes Sociais
(CFAS) vai surgir junto com a mesma Lei de regulamentação da profissão, em 1957, vivendo
na década de 1960 ainda uma etapa inicial de sua consolidação.
Em termos de organização política sindical da categoria, a primeira associação nacional
surgiria bastante tempo depois, entre as décadas de 1970 e 1980, no caldo do ‘novo sindicalismo’
brasileiro. Neste sentido, em 1979 observa-se a criação da Comissão Executiva Nacional das
Entidades Sindicais dos Assistentes Sociais (CENEAS), e em 1982 a constituição da Associação
Nacional dos Assistentes Sociais (ANAS) (TOJAL e DALARRUVERA, s/d, p. 1).
Certamente este início da organização da categoria, contextualizada num momento
de forte ingerência do Estado brasileiro, que veementemente governava a partir dos interesses
da burguesia, dificulta a ampliação da discussão sobre a formação profissional para toda a
categoria. Como consequência, está ausente dos registros históricos do Serviço Social a
discussão sobre a formação acadêmica até o período do Movimento de Reconceituação na
América Latina e do Processo de Renovação do Serviço Social brasileiro, quando as matrizes
teóricas tradicionais são questionadas, juntamente com a prática do Serviço Social.
Mas atenção, pois mesmo quando começou a ser estabelecido o debate sobre a
formação profissional, ele se restringia, praticamente, aos quadros dos docentes das escolas,
contando com uma participação em menor proporção dos Assistentes Sociais em exercício
técnico e, ainda menor dos estudantes.
128
Conforme Iamamoto (2007, p. 209, grifo da autora), durante o Movimento de
Reconceituação do Serviço Social Latino-americano, dentre os eixos de preocupações
fundamentais estava “a necessidade de se atribuir um ‘estatuto científico’ ao Serviço Social”,
razão que lança a profissão “no campo dos embates epistemológicos, metodológicos e das
ideologias”, colaborando para seu ingresso e consolidação dentro das universidades. Essa
preocupação, associada à “busca de compreensão dos rumos do desenvolvimento peculiar
latino-americano em sua relação de dependência com os países centrais”; à proposta de
“criação de um projeto profissional abrangente, atento às características latinoamericanas”; à necessidade de uma “explícita politização da ação profissional, solidária
com a ‘libertação dos oprimidos’ e comprometida com a ‘transformação social’”,
colaboravam para que se tornasse evidente a necessidade de “reestruturação da formação
profissional, articulando ensino, pesquisa e prática profissional”.
Há de se destacar que, embora estas preocupações sinalizassem um anseio da
categoria por mudanças nos rumos da profissão em todo o continente, as modificações
operadas naquele momento foram limitadas pelos próprios aportes teórico-metodológicos e
pelo amadurecimento e autonomia, ainda limitados, que a profissão tinha alcançado. Nota-se,
por exemplo, a presença ainda constante de raízes conservadoras no pensamento e produções
do Serviço Social, que se sustentavam, inclusive, pelo ecletismo teórico, confundido com o
respeito às diferentes ideias.
Além disso, a falta de amadurecimento em relação aos processos societários e à
atuação profissional voltada para a classe trabalhadora fazia com que a profissão incorresse
em alguns limites teórico-práticos, na ânsia de incitar e participar de processos sociais que
levassem à transformação da realidade.
Isto é confirmado nas análises de Iamamoto (2007, p. 213, grifo da autora), quando
afirma que
O movimento de reconceituação se viu, portanto, prisioneiro de uma antiga
contradição, já denunciada por Lukács: a coexistência de uma ética de esquerda e
uma epistemologia de direita [...]. Subjacente encontra-se ainda a ilusão de que a
consciência teórica resultaria direta e unilateralmente da luta de classes, movida pela
vontade política. Origina-se daí um duplo dilema até hoje presente na prática
profissional: o fatalismo e o messianismo, ambos cativos de uma análise da
prática profissional esvaziada de historicidade.
Nota-se, portanto, que um dos principais entraves para a consolidação de avanços na
formação profissional, naquele momento, foi a ausência de historicidade nas análises, nos
estudos, nas pesquisas, nas produções e na prática do Serviço Social, o que o condicionou a
uma leitura equivocada dos processos sociais.
129
Ora, ainda não se compreendia que “a prática profissional não se revela na sua
imediaticidade”, mas que são necessárias mediações para compreendê-la, dentre as quais, “a
exigência de apreender a formação econômico-social (capitalista) a sua totalidade concreta,
como reprodução, no pensamento, da realidade apreendida nas suas múltiplas determinações,
como unidade na diversidade” (IAMAMOTO, 2007, p. 228).
Isto porque só é possível compreender o homem, a sociedade e a prática profissional
– elementos da formação em Serviço Social – ao compreender as relações sociais e as
estruturas que mediam as forças produtivas, a divisão social do trabalho e as superestruturas
que atingem o homem na sua vida cotidiana. Ou seja, é imprescindível entender o homem na
história e preencher de historicidade as leituras e análises da realidade e dos processos sociais
que nela acontecem e que mobilizam as ações profissionais do Serviço Social.
Esse entrave da ausência de historicidade, ainda presente na formação profissional
atualmente – segundo Iamamoto (2007) –, colaborou para que pouco se avançasse, até a
década de 1970, na proposição de uma formação curricular que efetivamente rompesse com
as práticas e a formação tradicionais.
Além disto, existia outro limite que barrava os avanços na formação profissional até
a década de 1970: sua vinculação de origem com os interesses das classes dominantes,
conforme foi apontado acima. Neste sentido, as bases que possibilitaram as primeiras
mudanças na formação profissional foram dadas pelo Movimento de Reconceituação, que
tinha como orientação “a implementação da dialética e da vinculação do Serviço Social com
as lutas dos dominados” (FALEIROS, 2000, p. 163).
O Movimento de Reconceituação colabora para a erosão da formação profissional
tradicional, quando, através da perspectiva dialética e da busca de uma fundamentação teóricocrítica, rompe com a visão empiricista e pragmatista da profissão, passando a compreendê-la
como resultado das relações sociais e do processo de formação sócio-histórica da sociedade,
nas suas especificidades latino-americanas, inserida no jogo das lutas sociais de classe.
O redirecionamento de suas ações e intenções para a classe trabalhadora e para os
movimentos sociais mobiliza os assistentes sociais no âmbito do exercício profissional,
através da criação e fortalecimento de instâncias representativas, e também no âmbito da
formação profissional e da produção de conhecimento.
Segundo Faleiros (2000, p. 164),
A criação dos mestrados em São Paulo e no Rio de Janeiro, no início dos anos 70,
favoreceu a pesquisa e a consideração da área no âmbito científico. Nesse contexto é
que se definiu uma reforma curricular de 1979, que veio desbancar a divisão de
serviço social de casos, de grupo e de comunidade, e colocar o projeto de teoria,
130
metodologia e histórica do serviço social [sic], com ênfase nos movimentos sociais,
e na luta de classes.
Assim, na segunda metade da década de 1970, ocorre o ingresso de novos sujeitos na
academia, desenvolvendo e fortalecendo as discussões políticas e sociais, com base nas
perspectivas críticas, dentre as quais se destaca a perspectiva marxista. Isto afeta, inclusive, a
formação profissional do Serviço Social, conferindo-lhe novas características (IAMAMOTO,
2007) que, de modo gradual, vão se afirmando e consolidando academicamente. Mesmo
assim, ainda nota-se a carência de massa crítica acumulada, capaz de alavancar uma ruptura
dos rumos conservadores tradicionais.
Desde fins da década de 1970, a categoria profissional questionava os aportes
conservadores da formação profissional, que sustentavam a reprodução de uma prática
também conservadora, calcada em princípios e padrões morais da classe burguesa, fazendo
com que se ampliasse, cada vez mais, o distanciamento entre o Serviço Social e a classe
trabalhadora, sempre configurada como o público-alvo de suas ações profissionais.
Neste sentido, a partir da década de 1960, seguindo parte de um fluxo que ocorria nas
ciências sociais – direcionado ao pluralismo de ideias e, por consequência, à aproximação de
matrizes críticas ao tradicional funcionalismo-positivismo – o Serviço Social se aproxima
timidamente do marxismo, o que vai se adensar na segunda metade dos anos 1970. Naquele
primeiro momento, marcado pelo ingresso do Serviço Social no âmbito das universidades, a
referida aproximação deu-se de forma enviesada, simplificando e vulgarizando tais matrizes, a
partir da leitura de autores marxistas, mas não do próprio Marx.
Conforme Faleiros (2000), nos anos 1960 a formação profissional foi centrada na
solução (tratamento) de problemas individuais, no desenvolvimento e no planejamento social,
com ênfase na comunidade e nos valores cristãos. Como efeito, justamente pelo
desconhecimento do método e dos fundamentos marxistas objetivos, continuou-se por
algumas décadas com debates e produções que intencionavam a ruptura com o exercício e a
formação tradicionais do Serviço Social, sem de fato romper com elas.
Todavia, fundamentado na perspectiva marxista – um tanto equivocada, mas visando
sua criticidade –, o Serviço Social desenvolve entre os anos de 1975 e 1979 o primeiro processo
de revisão curricular, que dará origem ao, também primeiro, ‘Currículo Mínimo elaborado pela
própria categoria profissional, o qual conferirá conjunto à formação profissional brasileira.
A realização deste processo estava diretamente vinculada ao contexto social, político,
econômico e cultural que o Brasil vivia. Note-se que,
131
A conjuntura histórica do final dos anos 70 e início da década de 80 – pontuada por
uma ‘grave crise econômica, acompanhada de rearticulação política da sociedade
civil – colocou a revisão do currículo e da formação profissional como uma
necessidade histórica, contextualizada pela crise da ditadura, pela reorganização da
sociedade, pelas especificidades da universidade brasileira, deixando patente o
esforço de tratar o exercício profissional no interior da dinâmica da sociedade
brasileira nos anos 80 (ABEPSS/CEDEPSS, 1996, p. 145).
Esse primeiro processo de revisão curricular ocorre, porque a categoria apreende que
era necessário pensar e ensinar ‘o exercício profissional’ criticamente, a partir dos processos
sociais, políticos, econômicos e culturais que aconteciam, e não mais a partir da lógica que
gradualmente lhe tinha sido imputada, sem que tivesse ocorrido uma discussão coletiva por parte
da categoria profissional. Também se reconhecia a necessidade de pensar o Serviço Social
desvinculado das instituições e classe social da sociedade que, até então, tutelavam-lhe: a Igreja,
o Estado e a burguesia, situando-o a partir da fala dos sujeitos e da consideração das demandas
profissionais postas por eles. Entretanto, esses não eram limites fáceis de serem vencidos,
representando grandes desafios para a profissão, ainda durante o período final da ditadura militar.
Apesar do avanço na discussão da formação profissional, pretensamente crítica e
fundamentada no marxismo, a situação da presença de um marxismo sem Marx persistiu até
os anos 1980, quando pensadores do próprio Serviço Social reportaram-se diretamente a
Marx, aprendendo e elaborando saberes a partir do método em Marx. O marco histórico de
início dessas produções é a clássica obra de Marilda Villela Iamamoto e Raúl de Carvalho,
publicada em 1982, sob o título de Relações sociais e Serviço Social no Brasil.
Assim, começaram as construções teóricas marxianas no interior do Serviço Social,
isto é, tendo como base o seu exercício profissional, sua formação e suas produções teóricas,
num momento em que a profissão detinha reconhecimento científico enquanto área específica
do saber, vinculada às ciências sociais e humanas.
No que tange a formação profissional, esse processo já marcava as discussões de
elaboração do Currículo Mínimo, que fora aprovado em 1979. Assim, o primeiro currículo do
Serviço Social brasileiro, discutido e proposto pela categoria profissional, começa a ser
implementado apenas em 1982, ficando conhecido como Currículo Mínimo de 1982. Ele
resulta de um contexto de questionamentos ao Serviço Social tradicional, balizado na história
da profissão através do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina e
do Processo de Renovação do Serviço Social no Brasil.
No âmbito da formação profissional, para a ABESS, aquele momento – marcado na
história do Serviço Social brasileiro pelo III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (III
CBAS), ou Congresso da Virada, realizado em setembro de 1979 – “se traduziu nos projetos
132
de currículo de 1982 e depois nas Diretrizes Curriculares de 1996, no fortalecimento da
pesquisa e da pós-graduação, e na resistência às orientações do capital para a educação
superior brasileira” (ABEPSS, 2009, p. 144).
Numa retrospectiva sobre o período final dos anos 1970 e início dos 1980, Iamamoto
(1993) aponta três preocupações que polarizavam a produção acadêmica e o debate em torno
da formação profissional. A primeira é o proeminente destaque que as interpretações
histórico-críticas assumiam naquele período, as quais eram tributárias das lutas sociais que se
gestavam e surgiam, levando o Serviço Social a afinar sua atuação no sentido de incorporar
interesses e necessidades dos segmentos populacionais subalternizados, configurados desde o
surgimento da profissão como seu público usuário dos serviços.
A segunda constatação remete ao reconhecimento dos importantes passos que se
tinha dado até aquele momento na direção de avançar de uma visão familiar, doméstica,
tradicional e consensual das relações profissionais. Tinha-se constituído uma profissão
essencialmente crítica, tanto no tocante à explicação da sociedade, quanto da prática
profissional. “Tal processo se desdobrou em uma crítica marxista dos próprios ‘marxismos’
do Serviço Social, a partir de suas incorporações pelo movimento de reconceituação.
Contestam-se os dogmatismos, a apologética no trato das teorias, através da busca de
aprofundamento das fontes originais” (IAMAMOTO, 1993, p. 105).
A terceira tensão que polarizava os debates era o reconhecimento de que a necessária
aproximação do Serviço Social com as fontes clássicas e contemporâneas do pensamento
social na modernidade ainda estava incompleta. Este reconhecimento motivou, à época, um
esforço intelectual na busca de referenciais teórico-metodológicos de distintas matrizes,
sempre com a preocupação de incorporar as contribuições de Marx, atualizadas por meio das
investigações sobre a realidade histórica brasileira, criadora de particularidades, a fim de que
pudessem apontar perspectivas para o exercício profissional cotidiano, frente às expressões da
questão social evidenciadas no Brasil.
Referindo-se a este período, Silva (1992, p. 47) afirmava que,
O Serviço Social inaugurou recentemente e está tentando consolidar uma tradição de
pesquisa, de construção de um acervo teórico, de construções teóricas. E, ao fazer
isso, ele dá conta de forma muitas vezes equivocada, apressada, vulgarizada,
doutrinarizada, forma pela qual se apropriou e se aproximou das chamadas matrizes
do pensamento social moderno e contemporâneo, os parâmetros do pensamento
social na sociedade do século passado para cá e, principalmente, neste final de
século.
Naquele momento, um marco interessante para a formação profissional latinoamericana foi a realização, através do CELATS, do Seminário ‘Serviço Social na América
133
Latina: balanços e perspectivas’, em Lima, Peru, entre os dias 31 de outubro e 07 de
novembro de 1982. Nele discutiu-se o novo momento que a profissão estava vivendo, que
muito colaboraria para a transformação da matriz teórica de análise da profissão. Tendo
tratado sobre os desafios e perspectivas tanto para o exercício profissional, quanto para a
formação, concluiu-se em seu encerramento que era imprescindível assumir a tarefa de
“pensar a categoria profissional de forma ampla, não como um bloco monolítico, mas como
uma coletividade diferenciada e penetrada por tensões e conflitos, instaurando-se o direito à
discrepância e ao pluralismo, [...] sugerindo a ultrapassagem das limitações profissionalistas
[sic]” (CELATS, 1985, p. 79).
O que ocorre com o Serviço Social, como resultado deste longo processo de tentativa
de ruptura com seus traços tradicionais – conforme identificou Netto (2008) em seu livro
Ditadura e Serviço Social, uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64 – é que a profissão
não mais consegue compreender sua razão de ser, senão como fruto das relações sociais
capitalistas, tensionada pelos interesses da classe burguesa, mas – a partir daquele momento –
direcionada à defesa intransigente dos interesses da classe trabalhadora.
Neste sentido, não era mais possível compreender a formação profissional descolada
da perspectiva crítica que tinha se instalado com o processo de renovação do Serviço Social
brasileiro. Se aquele parecia um caminho sem volta, justamente pela sua criticidade, dele
também resultavam ações, debates, produções insubordinadas à razão e às relações sociais
instituídas pela ordem burguesa.
Assim, a formação profissional impregnava-se de contestações e reproduzia esta
rebeldia crítica, voraz contra a ordem burguesa, o que fica expresso no eloquente discurso de
Ademir Alves da Silva, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP), numa mesa promovida pela Associação Brasileira de Ensino em Serviço Social
(ABESS), durante o Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, realizado em
Recife no ano de 1992. Para Silva (1992, p. 49),
Não temos alternativas fora da razão crítica, fora de uma razão que chamo de
insurgente, inconformada em face do establishment, em face do status quo. Esse é
um traço da nossa tradição no Serviço Social, na comunidade profissional. Eu acho
que nós podemos falar com todo orgulho e sem qualquer leviandade que já temos
uma sólida tradição em nossa área, uma tradição até bastante respeitável, no sentido
de formulações, indagações e construções de reflexão nesse âmbito do que estou
chamando aqui de uma razão insurgente, de um pensamento social absolutamente
inconformado, e de uma luta sem tréguas para demonstrar, para desfazer os mitos,
para desfazer estas armadilhas que o pensamento conservador insiste em nos impor e
pregar.
134
A formação profissional direcionava-se concretamente para uma perspectiva crítica.
Seu olhar para sua própria trajetória histórica, no que tange o exercício, a formação e a
investigação em Serviço Social, apontava a necessidade de realizar um processo de revisão
curricular, de forma a garantir que a criticidade se encontrasse realmente com a profissão e
constituíssem, juntos, uma relação firme e duradoura.
Portanto, chega-se em 1982 ao fim do processo de discussão do projeto acadêmico e
curricular do Serviço Social, iniciado em 1975. Dele resultou a elaboração da proposta de
Currículo Mínimo ainda em 1979, durante a Convenção Nacional de Ensino, realizada na
cidade de Natal (ABESS, 1991). Essa proposta, aprovada pelo Conselho Federal de Educação
em agosto de 1982, foi implantada entre 1982 e 1985 e passou a orientar os cursos de Serviço
Social no Brasil, até a transição para o século XXI.
2.1.3 A pós-graduação e a formação de docentes: solidificação e direcionamento da
formação profissional a partir dos anos 1980
A preocupação com o aprimoramento teórico-científico dos quadros docentes dos
cursos de Serviço Social em todo Brasil, bem como o interesse pelo desenvolvimento da
produção e publicação na área do Serviço Social remontam ainda a década de 1970, quando
se inicia o primeiro curso de pós-graduação em Serviço Social do Brasil, na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Em 1971 inicia, naquela instituição, o curso
de mestrado e, em 1981, o primeiro curso de doutorado em Serviço Social da América Latina.
Ainda na década de 1970, outros cursos de mestrado são criados em todo o país:
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, em 1972; Universidade Federal do Rio de
Janeiro, em 1976; Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, em 1977;
Universidade Federal da Paraíba, em 1978; Universidade Federal de Pernambuco, em 1979; e,
Universidade Nacional de Brasília, no primeiro ano da década de 1990. Esse processo de
surgimento da pós-graduação em Serviço Social, sem dúvida, colabora para o
aprofundamento e amadurecimento do processo de formação profissional, através do
aprimoramento dos corpos docentes das escolas de Serviço Social em todo Brasil.
Para Baptista e Rodrigues (1992, p. 112, grifo das autoras),
Não foi por acaso que os programas de pós-graduação strictu senso [sic] em Serviço
Social se organizaram no Brasil, na década de 1970, como uma das primeiras áreas a
responder à política nacional de modernização das Universidades brasileiras
iniciada na década anterior: estava em jogo aí o seu acesso a um estatuto no mundo
135
acadêmico que o levava a investir com força na formação científica não apenas de
seus professores, mas também de um corpo de pesquisadores que contribuíssem para
a construção de conhecimentos, com legitimidade científica, na área.
Até 2012, segundo dados da CAPES 30, outros 31 cursos em nível de mestrado e 14
em nível de doutorado foram instalados em todo Brasil, sendo oferecidos através de 31
Programas de Pós-Graduação em Serviço Social (17 oferecem apenas mestrado e 14 oferecem
mestrado e doutorado através do mesmo Programa. Nenhum deles oferece mestrado
profissional), seja em instituições de ensino superior (IES) públicas, privadas ou comunitárias.
A instalação destes cursos muito colaborou para a ampliação das produções na área
de Serviço Social, tendo sido decisivo para o processo que o Serviço Social desenvolveu em
fins da década de 1970 e nas décadas de 1980 e 1990, qual seja o questionamento às matrizes
teórico-metodológicas, técnico-operativas e ético-políticas da profissão que ainda continham
fortes traços conservadores. O processo de desenvolvimento da pós-graduação foi um dos
principais responsáveis por aferir traços objetivos à formação profissional, desde meados da
reabertura democrática do país – quando objetiva-se o processo de ruptura com o Serviço
Social tradicional – até a atualidade.
Durante o período de surgimento e consolidação da pós-graduação em Serviço
Social, evidenciou-se a preocupação da categoria no Brasil pela concretização de um processo
de formação profissional conectado com a realidade, que oferecesse aportes para pensar e
intervir criticamente, segundo a perspectiva da totalidade, operando, inclusive, na construção
de um projeto profissional diferenciado, que apontasse para a transformação da estrutura
societária. Logo naquele momento os programas de pós-graduação buscavam uma formação
profissional dos quadros de docentes e pesquisadores do Serviço Social baseada no pluralismo
teórico-metodológico e na multidisciplinaridade da abordagem teórica. Estas se configuravam
como estratégias de ação para combater a homogenização das diferentes posições, a dimensão
liberalizante dos processos sociais e políticos, o ecletismo que revestia as produções e debates
teóricos, bem como o dogmatismo que ainda teimava em se fazer presente na profissão.
Para Carvalho & Silva e Silva (2005, p. 135), é naquele contexto de efervescência
política que se coloca a possibilidade de
Ampliação e amadurecimento da Pós-Graduação stricto sensu no Serviço Social
brasileiro, mediante um processo que se iniciou na década de 1970, impulsionada
por professores e profissionais motivados pelo ideal de desenvolver a vida
acadêmica e a produção científica, com pesquisa qualificada, significando,
30
Atualizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em 19 de
setembro de 2012, e dispostos na Relação de Programas e Cursos de Pós-Graduação de mestrados e doutorados
reconhecidos, segundo grande área das ciências sociais aplicadas.
136
essencialmente, romper com a postura positivista de separação entre as esferas do
pensar e do agir, que durante muito tempo prevaleceu no campo profissional.
Desde então, o desenvolvimento da pós-graduação vem acompanhando de perto as
transformações da sociedade e da profissão, instigando, muitas vezes, essas mudanças, através
da formação dos quadros de docentes, de pesquisadores e de assistentes sociais.
Destarte, é interessante perceber que, durante as primeiras duas décadas de
constituição dos cursos de pós-graduação – especialmente nos anos 1980 –, o quadro discente
constituía-se predominantemente pelos docentes das escolas de graduação, o que reforça a
articulação entre a pós-graduação e o processo de formação profissional. Até a década de
1980, os objetos de pesquisa versavam 71,7% sobre algum tema correlato às demandas da
formação profissional, evidenciando esta articulação. Kameyama (1989 apud BAPTISTA;
RODRIGUES, 1992, p. 124) aponta que, naquele primeiro período, do total das produções
provenientes dos programas de pós-graduação brasileiros, “32,5% discutiam a análise das
‘metodologias’ e/ou instrumentos de intervenção; 15,4% sobre o estudo de objetos e
processos sociais; 13,0% sobre a formação profissional e o ensino do serviço social; 9,0%
sobre teoria e método em Serviço Social; e 1,8% sobre a história do serviço social”.
Para Yazbek & Silva e Silva (2005), a pós-graduação em Serviço Social foi se
constituindo historicamente enquanto espaço privilegiado para a construção do conhecimento
e para a formação de professores e pesquisadores. Nesse sentido, a pós-graduação do Serviço
Social brasileiro foi contribuindo para a produção do conhecimento social contemporâneo,
com ênfase em sua própria área. Sem dúvida, o campo das pós-graduações se configura como
espaço profícuo para a investigação e esta, por sua vez, colabora para o amadurecimento tanto
da formação profissional, quanto do exercício profissional. Além disso, a pós-graduação, pela
sua característica intrínseca de permanente processo de investigação, tornou-se uma das
principais responsáveis pela atualização dos cenários profissionais. A partir dela são
apontadas as demandas emergentes e as tendências das transformações societárias. Assim, a
pós-graduação coloca cotidianamente, para a formação e para o exercício profissionais, uma
agenda diversa de questões emergentes em cada período histórico.
Recentemente Iamamoto (2008, p. 452) ressaltou
A centralidade da investigação na formação e no exercício profissionais: na
atualização docente, na formação de novas gerações de pesquisadores e na
qualificação profissional. Ela possibilita uma fecunda integração entre o ensino de
graduação e a pós-graduação e contribui para imprimir padrões de excelência
acadêmica [...], que não podem ser reduzidas à transmissão de conhecimentos e à
formação de mão-de-obra especializada para o mercado de trabalho.
137
Ora, para além da formação de quadros acadêmicos, a pós-graduação em Serviço
Social, inaugurada na década de 1970, tem contribuído historicamente na formação de
quadros de profissionais sintonizados com as demandas profissionais, consolidadas e
emergentes. Este tipo de ensino, que articula a formação profissional, a investigação e o
exercício profissional, muito tem contribuído para a proposição de respostas efetivas às
expressões da questão social, direcionadas à garantia dos direitos sociais e à emancipação
política dos indivíduos com os quais o Serviço Social trabalha.
Yazbek & Silva e Silva (2005, p. 30) apontam que esse processo possibilitou
Um acúmulo teórico que institui no âmbito do Serviço Social uma massa crítica e
um amplo e qualificado debate que vai favorecer a construção de um projeto
profissional. Essa expansão da pós-graduação vem expressando-se em significativa
produção teórica do Serviço Social brasileiro que vem gerando uma bibliografia
própria, publicada em livros, revistas e cadernos em todo o país e no exterior.
Outrossim, é preciso atentar para a articulação entre a formação profissional em nível
de pós-graduação e o exercício profissional – seja na carreira técnica junto às instituições de
atendimento das políticas públicas, seja a carreira docente ou de investigação –, pois a maioria
dos profissionais em exercício nas instituições – senão a sua totalidade – fez ou fará curso(s)
de pós-graduação, frequentemente latu sensu, como forma de atualizar seus conhecimentos
profissionais. Já dentre aqueles que seguem a carreira acadêmica e de pesquisa, torna-se
condição sine qua non cursar a pós-graduação, na modalidade strictu sensu.
Decorre também desse fato a necessidade de pensar articuladamente a formação
profissional em nível de graduação e pós-graduação, pois, em qualquer tempo histórico, os
docentes das escolas de Serviço Social de amanhã, são hoje os discentes de graduação. Neste
sentido, compreende-se que a formação profissional de amanhã e, consequentemente, a
direção ético-política da profissão, decorrem da formação em nível de pós-graduação, que no
Serviço Social brasileiro está sendo consolidada desde a década de 1980. Portanto, a
manutenção e o aprofundamento de um referencial teórico-metodológico crítico, iniciado
desde a graduação, são fundamentais para assegurar a continuidade do projeto ético-político
atual, que aponta para o compromisso de defesa dos interesses da classe trabalhadora, numa
perspectiva anticapitalista e, consequentemente, na direção da transformação societária.
Portanto, o desenvolvimento da pós-graduação articula-se umbilicalmente à
formação profissional. Isto porque “a pós-graduação na área de Serviço Social tem se
destacado na busca de renovação e de aprofundamento das dimensões organizativa,
interventiva e acadêmica da profissão, contribuindo para a formação de pesquisadores e
138
docentes capazes de fazer avançar a formação profissional em Serviço Social” (CARVALHO;
SILVA e SILVA, 2005, p. 135).
139
CAPÍTULO 2
OS ANOS 1980 E O CURRÍCULO MÍNIMO
2.2.1 A formação profissional nos anos 1980: desafios para a consolidação do Currículo
Mínimo
A realidade brasileira na década de 1980 foi de intensas mobilizações, agitações e
lutas populares. O esgotamento do Estado ditatorial militar era evidente, contando com o forte
agravante do esgotamento do ‘milagre econômico’. Contestando esses modelos, a sociedade
fazia fervilhar os âmbitos social e político do país, exigindo transformações urgentes.
O Serviço Social – compreendida a organização profissional da categoria nas
dimensões da investigação, da formação e do exercício técnico profissional – reforça as
críticas que vinha fazendo desde a década de 1970. Ele questiona as estruturas de Estado, o
autoritarismo e a repressão militar e, acima de tudo, tece, a partir das bases marxistas, a crítica
ao capitalismo, que passava de sua fase monopolista para aquela da internacionalização e
financeirização do capital.
Realiza-se na década de 1980 um debate profissional voltado para a análise da realidade
e da própria profissão, compreendida como “atividade inscrita na divisão social do trabalho,
historicamente determinada pelo modo como se organiza a sociedade e como resultado da
atuação da categoria profissional, isto é, dos posicionamentos e respostas por ela impressos às
demandas sociais de diferentes grupos e classes sociais” (ABESS/CEDEPSS, 1996, p. 145).
Este foi o grande marco identitário nas transformações profissionais da década de 1980:
o significado que passa a ser dado ao Serviço Social, como especialização do trabalho coletivo,
inserido na divisão sócio-técnica do trabalho, que intervém diretamente na produção e
reprodução da vida social, especialmente da classe trabalhadora. Ainda compõem este
marco, o reconhecimento de que a profissão operou historicamente segundo os interesses da
classe dominante e que, desde a década de 1970, estava imprimindo novo direcionamento,
articulando-se com a classe trabalhadora, na defesa de seus interesses e direitos sociais.
Para a Professora Maria Ozanira da Silva e Silva (1993, p. 80), naquele momento
constatava-se que, na sociedade brasileira, estava se constituindo
140
Uma proposta de prática profissional em cujo interior se identificam tendências
diversas, articuladas por uma base comum: busca romper com a função de mediação
entre o capital e o trabalho, e de colocar a ação profissional na perspectiva dos
interesses e das necessidades da clientela do Serviço Social.
É com esta perspectiva de atuação do Serviço Social que as instâncias de formação
profissional reforçam a crítica ao modelo de Estado e sociedade, sem, contudo, esquecer de
analisar, criticar e propor significativas mudanças às próprias bases e à organização da
formação profissional.
Para todo o Serviço Social, o grande marco histórico que deu início àquele momento
tinha sido o III Congresso Brasileiro de Serviço Social, conhecido como o Congresso da
Virada, por ter apontado efetivamente um novo direcionamento para a profissão. No âmbito
da formação profissional, foi a partir daquele momento que a discussão sobre a construção de
um currículo mínimo para o Serviço Social, iniciado em 1975, ganhou vulto, resultando na
aprovação da proposta pelo Conselho Nacional de Educação em 1982, na implantação do
Currículo Mínimo (ABEPSS, 2009).
Uma análise do âmbito político da sociedade aponta que no início dos anos 1980
vivia-se o esgotamento do regime militar. Os tensionamentos populares para a reabertura
política e pela consolidação da democracia no Brasil se espalhavam em todo o território,
conferindo visibilidade para o processo de redemocratização do país. No âmbito econômico, o
momento era de crise, com uma alta inflacionária atingindo recordes.
Todo este contexto apontava para a necessidade de uma mudança significativa na
estrutura do Estado, o que não ocorreria sem a intensa participação popular nas lutas sociais,
através dos sindicatos de trabalhadores, dos movimentos sociais, dos partidos políticos –
principalmente aqueles de esquerda, a exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT) – das
organizações profissionais e da população, de forma geral. Como resultado objetivo,
conquista-se a promulgação da Constituição Federal de 1988, que representa um significativo
avanço na Ordem Social, especialmente no que se refere à Seguridade Social.
Fora nesse contexto que ocorrera, como dito acima, a aproximação efetiva do
Serviço Social com a obra marxiana, reforçando a necessidade da profissão repensar suas
produções teóricas e sua formação profissional.
Analisando este processo, Iamamoto (1993, p. 108) aponta que naquele momento
dedicava-se maior atenção às “grandes determinações da realidade”, sem conseguir “elucidar
a vida social cotidiana na sua historicidade”, havendo a necessidade da aproximação mais
rigorosa com os clássicos, para que as análises não fossem esvaziadas da dimensão de
universalidade que
141
acoplada à pesquisa das particularidades históricas de nosso tempo, permite-nos
incorporar as sugestões contidas naquelas fontes para iluminar a análise de
processos sociais no presente e vislumbrar as possibilidades de ação neles inscritas,
transformando-as em projetos sociais e/ou profissionais.
Logo, fica expresso que, a partir daquele momento, a análise e compreensão da
realidade social, política, econômica e cultural colocavam-se como requisitos para a formação
e para o exercício profissional. Juntamente com a atenção à realidade, aponta-se a
imprescindibilidade de pensar a sociedade brasileira capitalista em sua dinamicidade,
historicidade e, por consequência como produtora e produto das relações sociais. Também se
faz necessário compreender a profissão como causa e efeito destas relações sociais
capitalistas.
No âmbito da dimensão técnica-operativa do ensino em Serviço Social, verificava-se
avanços quanto ao aprofundamento do debate sobre o papel do Serviço Social no atendimento
e consolidação dos direitos sociais, bem como seu papel nas instituições e as repercussões de
seu exercício para a luta de classes, porém era preciso avançar mais. Sem maior rigor nesse
debate, corria-se o risco – e em muitos casos este risco se concretizou – de que as mediações
do Serviço Social transitassem pelo “burocratismo, basismo, espontaneísmo, reformismo,
entre outros dilemas clássicos da prática política que se expressam no cotidiano profissional”
(IAMAMOTO, 1993, p. 109).
Deve-se considerar que as diretrizes para a formação profissional da década de 1980
conferiam centralidade à análise da sociedade brasileira, tendo como direção social a luta
pelos
interesses
da
classe
trabalhadora,
conforme
aponta
o
estudo
feito
pela
ABESS/CEDEPSS (1996, p. 146).
A direção social é tratada, pois, a partir das demandas postas pelo movimento da
sociedade brasileira, visando promover uma rearticulação efetiva com um projeto
das classes subalternas em suas relações com as forças atualmente dominantes, o
que implica a consolidação de uma legitimidade junto à clientela, constituída
basicamente pela classe trabalhadora e em um compromisso real e efetivo com os
seus interesses coletivos, em articulação teórico-prática com a construção de uma
nova hegemonia na relação entre as classes sociais.
Conforme proposto, avançou-se na análise da realidade e na aproximação aos
interesses de classe, demarcando ideológica e politicamente a ruptura com o Serviço Social
tradicional, proposta no processo de renovação da profissão. Todavia, naquele momento, a
profissão ainda teve dificuldades para traduzir este direcionamento social no cotidiano
profissional, ou seja, em seu projeto profissional. Como consequência, incorporou-se uma
leitura e análise da realidade, segundo o método crítico-dialético, sem que isto se
materializasse cotidianamente no seu projeto profissional. Veja-se como exemplo o Código de
142
Ética de 1982, que retrata avanços significativos em relação aos anteriores, porém ainda não
assume o significado político da profissão na sociedade capitalista, nem aponta as necessárias
especificidades éticas – compromissos e valores – para que este direcionamento social se
efetivasse naquele momento.
O Currículo Mínimo de 1982 também tomou como aspecto central a nova
compreensão da profissão, inscrita no jogo dialético das lutas de classe, reconhecendo as
contradições de origem da profissão e as implicações que elas produziram até aquele
momento. Para afirmar este aspecto, novamente foi necessário assumir o novo direcionamento
social, traduzido em explicações teóricas, as quais indicavam um novo tempo, tanto para a
formação, quanto para a investigação e para o exercício profissional.
Num olhar histórico para a década de 1980, nota-se significativos avanços no campo
das produções teóricas, com a abordagem de temas antes invisibilizados, com a discussão e
afirmação da nova direção social e, principalmente com a incorporação de categorias
fundamentais para desenvolvimento do método crítico-dialético e da perspectiva marxista.
Práxis, trabalho, relações sociais, dimensões genérica e particular do indivíduo, indivíduo
social e classes, luta de classes, jogo de forças sociais, entre outras categorias do pensamento
marxista pululam nas produções teóricas daquela década.
Contudo, deve-se ressaltar que ainda havia necessidade de apreender o método
crítico-dialético em sua totalidade, visto que as categorias, muitas vezes, eram tratadas de
forma fragmentada, contrapondo-se ao próprio fundamento do método, que requer totalidade.
Então, era imprescindível aprofundar a apreensão das categorias críticas, na realidade
brasileira daquele momento e na formação sócio-histórica do país. Assim, era preciso conferir
materialidade às categorias teóricas, o que só se daria pela efetiva análise do real, processo
que é lançado na década de 1980 e concretizado nos anos 1990.
Destarte, para Silva (1993, p. 50), era urgente contextualizar a formação profissional,
a partir do real, em sua totalidade. Todavia, realizar esse processo era desafiador. Para a
autora,
O desafio, nessa perspectiva, é saber o que se passa, é buscar explicar a realidade do
nosso tempo. É fazer um cotejo permanente entre as nossas produções, as nossas
leituras e o que se passa bem perto dos nossos olhos. O desafio é precisamente esse:
fazer esse cotejo, essa aferição permanente, esse embate sem tréguas entre os nossos
referenciais, as nossas leituras, as nossas reflexões a partir mesmo dessa nossa
realidade conjuntural e estrutural. Pensar no real para dar conta do concreto, pensar
no real, sem qualquer risco, conforme alertado pela Ana Quiroga, de cair de novo no
empirismo ou cair na chamada razão instrumental, razão burocrática, na razão
utilitarista.
143
Ora, um dos maiores desafios certamente era aportar-se na realidade para pensar a
formação profissional e, a partir dela, discutir, propor e planejar o exercício profissional. Não
era mais possível pensar a formação profissional descolada da realidade social, econômica,
política e cultural. Porém, quais os aportes que a formação profissional propiciava para a
elaboração de uma leitura efetiva da realidade em sua historicidade? Esta era uma das buscas
da profissão durante a década de 1980, que posteriormente determinou alguns
encaminhamentos para a revisão curricular que seria operada na década de 1990, como a
organização da formação profissional, segundo os três eixos de fundamentos 31.
Da mesma forma, compreendia-se que não era possível pensar a Universidade –
cursos, faculdades e departamentos – isolada deste chão cotidiano que a alimenta e recria.
Entendia-se que, tanto a formação profissional, quanto as instituições de ensino e, porque não,
de pesquisa em Serviço Social faziam parte desta sociedade capitalista, numa relação de causa
e efeito nas dinâmicas sociais. Destarte, elas não estavam isentas dos embates políticos, dos
reflexos das crises econômicas, dos rebatimentos sociais e culturais causados pelo modo de
produção capitalista, que já vivia, desde a década de 1970, sua crise estrutural, conforme
apontado por Mészáros (2011).
Para Silva (1993, p. 52), naquele momento era necessário
Buscar formas de articulação mais estreitas entre a universidade e a sociedade. Sem
exagero, gostaria de dizer que é até uma questão de sobrevivência: a universidade,
em alguns casos bastante conhecidos, se não tomar cuidado, corre o risco até de
obsolescência, de absoluto descompasso com a realidade de seu tempo.
É verdade que, ainda durante fins da década de 1970 e nos anos 1980, buscava-se
associar a formação profissional às vivências na realidade cotidiana, utilizando como recurso
a inserção dos estudantes e professores nas periferias urbanas, locus de morada da população
usuárias dos serviços operados pelos assistentes sociais.
Essas experiências resultaram numa aproximação factual da formação profissional
com o cotidiano de vida da classe trabalhadora, na década de 1980, o que produziu avanços
quanto ao reconhecimento da realidade social por parte da academia. Todavia, por estarem
carregadas de sentimentos e emoções – tais como as indignações – próprias da militância
social e política, e ainda experimentarem limites quanto aos aportes teórico-metodológicos,
técnico-operativos e ético-políticos efetivamente críticos, essas experiências de ensino não
conseguiram avançar para além de compreender os limites de vida, nos quais aquela
população estava constantemente submetida. Como efeito, frequentemente confundiam seu
31
A discussão sobre os três eixos de fundamentos da formação profissional, segundo as Diretrizes Curriculares
de 1996, será posteriormente explorada no item 2.3.1.1 desta seção.
144
papel profissional com aquele dos próprios indivíduos, grupos e comunidades, no que se
refere à luta contra a estrutura capitalista, que os submete em nome da produção de riquezas.
Portanto, mesmo reconhecendo as limitações dessas experiências, um dos principais
avanços na formação profissional trazidos por elas, ainda na década de 1980, foi o início de
uma relação mais objetiva entre a profissão e a realidade, em seus processos sociais, políticos,
econômicos e culturais. Esse avanço foi operado tanto por iniciativa da profissão, ao afinar os
fundamentos da formação profissional com a perspectiva crítica marxista, mas também como
resultado da própria realidade brasileira, em que efervesciam os movimentos sociais, políticos
e culturais, resultantes da crise econômica e do Estado brasileiro.
Há de se considerar, no tocante à relação entre formação profissional, academia e
sociedade, que, ao avaliar a formação do assistente social brasileiro após a consolidação do
novo currículo de 1982, apontava-se ainda o privilégio para o âmbito do ensino, contando
com um desenvolvimento ainda incipiente da pesquisa e da extensão (ABESS, 1991).
É interessante salientar que naquela década, o tripé ensino-pesquisa-extensão ainda
estava em fase de consolidação na formação acadêmica, não sendo o caso do Serviço Social
um fato isolado. Mesmo com o privilégio do ensino sob as demais áreas da formação, vivia
uma dinâmica intensa, fruto, inclusive, do contexto social e político da sociedade brasileira,
conforme apontado.
Para a ABESS (1991, p. 120. Grifos no original), “a formação profissional constitui
uma das temáticas prioritárias, cuja relevância fica ainda mais destacada se acrescermos o
número de investigações sobre o eixo central do currículo de Serviço Social: história, teoria e
metodologia do Serviço Social”. Especificando o olhar para a extensão, o relatório preliminar
de avaliação da formação profissional na década de 1980 indicava que “vê-se com clareza o
destaque da atividade de prestação de serviço e a menor incidência do trabalho de assessoria a
grupos e movimentos sociais”. Trabalhos na área da capacitação 32 também aconteciam,
ficando, porém, num plano intermediário.
Para compreender a intensa dinâmica no âmbito da formação profissional nos anos
1980, é necessário atentar para as particularidades vivenciadas naquele momento (presente),
mas também discutir a formação sócio-histórica do Estado e da sociedade brasileira. Neste
sentido, naquele momento, não era possível deixar de analisar os processos históricos
mundiais, latino-americanos e, principalmente, da sociedade brasileira, reconhecendo neles a
própria atuação do Serviço Social.
32
O relatório preliminar publicado pela ABESS (1991) não especifica em que áreas aconteciam as atividades de
capacitação, vinculadas à extensão universitária.
145
Naquele momento de profundas modificações no Estado e na sociedade, florescia um
intenso processo de lutas democráticas, as quais só começaram a aparecer no cenário nacional
em fins dos anos de 1970, muito embora há algumas décadas já se fizessem presentes, todavia
em estado de latência, devido à repressão ditatorial militar.
Se nos anos 1980 a profissão tinha obtido conquistas no que tange a formação
profissional, com o projeto de Currículo Mínimo de 1982, nos anos 1990 já se avaliava a
necessidade de revisão. É o que apontava Iamamoto (1993, p. 101), numa Conferência
proferida durante o Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, ocorrido em
dezembro de 1992, em Recife. Para a professora, “há que lembrar que em 1992 completou-se
um decênio da aprovação do currículo mínimo vigente para o curso de Serviço Social, já
havendo indicações da necessidade de sua reformulação”, sendo necessário a indicação de
uma pauta de debates que pudessem subsidiar uma rigorosa avaliação do currículo vigente e a
proposição de um novo.
Também a professora Silva e Silva (1993, p. 80), tratando sobre o debate interno que
o Serviço Social fazia sobre sua formação profissional, afirmava:
Constata-se que na sociedade brasileira vem se constituindo uma proposta de prática
profissional em cujo interior se identificam tendências diversas, articuladas por uma
base comum: busca romper com a função de mediação entre o capital e o trabalho, e
de colocar a ação profissional na perspectiva dos interesses e das necessidades da
clientela do Serviço Social. [...] Considera-se, portanto, um fato histórico o esforço
de construção de alternativas de prática profissional por setores da categoria dos
assistentes sociais, buscando estabelecer “vínculo”, “compromisso” com os
interesses e necessidades das classes populares. Tratam-se [sic] de esforços
concretos, embora possam se apresentar frágeis e inconsistentes na sua estrutura
teórico-metodológica e não homogêneos no seu conteúdo.
Os rumos assumidos pela profissão em fins da década de 1970 e início de 1980
incitaram o início de grandes modificações na formação profissional, inclusive aquelas que
emergiram da avaliação da formação profissional até 1979, com a proposição do currículo
mínimo. Nesse processo, as transformações gestadas desde o processo de renovação do
Serviço Social começam a se efetivar nas discussões sobre a construção do currículo mínimo
do curso, que vão resultar no currículo aprovado pela ABESS em 1979, que passa a ser
implantado em 1982 e, após, em sua revisão. As discussões apontavam a necessidade de
modificar a formação, a fim de que viesse a produzir um profissional com “competência
teórico-crítica”, reveladora “dos fundamentos da produção e reprodução da questão social”,
comprometido “com valores ético-humanistas” e com “uma prática profissional envolvida
com a construção de uma nova cidadania coletiva, capaz de abranger as dimensões
146
econômicas, políticas e culturais da vida dos produtores de riqueza, do conjunto das classes
subalternas” (IAMAMOTO, 2007, p. 185).
Novas questões se colocavam para o cenário do Serviço Social na década de 1980 e
na entrada dos 1990, “seja no âmbito da municipalização das políticas públicas, seja no
âmbito das políticas e estratégias empresariais, das alterações tecnológicas e organizacionais
nos processos de trabalho e das respostas dos movimentos sindical e operário”
(IAMAMOTO, 1993, p. 102). Essas questões, aos poucos, iam sendo colocadas como
demandas para a formação profissional, desafiando as escolas e seus docentes a abordá-las.
Como resultado, começa-se a construir conhecimento sobre os espaços sócio-ocupacionais,
muito embora a discussão predominante ainda continue versando sobre a história, teoria e
metodologia do Serviço Social.
Neste sentido, Iamamoto (1993) afirmava ainda que tais questões, embora
expressassem processos sociais que tinham lugar na vida social da profissão e da sociedade,
não causavam uma refração imediata e automática, no mesmo ritmo temporal, na órbita da
produção acadêmico-profissional.
Destarte, para a categoria e, especialmente para os profissionais envolvidos com a
formação, naquele primeiro momento em que todas as escolas de Serviço Social foram
envolvidas na discussão sobre a formação profissional, os principais limites pareciam
provenientes dos fundamentos teóricos da formação, que poderiam ser visualizados através da
análise histórica e das práticas do Serviço Social.
Para Faleiros (2000, p. 164), eram necessários “esforços de superação de traços
teoricistas, que não raras vezes impregnaram o debate profissional dos anos 80. Era necessário
apontar caminhos para ultrapassar o distanciamento entre o labor teórico-intelectual e o
exercício profissional cotidiano”.
Ora, outra vez há de se considerar que a centralidade da formação profissional era
conferida para a história, teoria e metodologia do Serviço Social e para o estágio
supervisionado, considerados como matérias formadoras do eixo básico do Currículo Mínimo
de 1982. Tais matérias, antes mesmo de 1982, eram consideradas essenciais na formação
profissional, e assim continuaram a ser posteriormente, mesmo com a aprovação das
Diretrizes Curriculares de 1996. Todavia, o que deve ser ressaltado sobre a organização
dessas diretrizes, até a vigência do Currículo Mínimo, é que se encontravam dissociadas, sem
uma articulação que possibilitasse apreender a unidade entre os fundamentos históricos,
teóricos e metodológicos da formação profissional.
147
Conforme a ABESS (1991), durante a década de 1980, essas matérias estavam
organizadas da seguinte forma 33: a matéria ‘história do Serviço Social compreendia carga
horária entre 60 e 120 horas de ensino, e dividia-se em, até, duas disciplinas; a matéria Teoria
do Serviço Social compreendia carga horária entre 180 e 240 horas/aula, sendo oferecida em
até quatro disciplinas. Quanto à matéria Metodologia do Serviço Social, era oferecida com
carga horária que variava entre 210 a 390 horas/aula, organizada entre três e cinco disciplinas,
o que evidencia uma ênfase nesta última matéria. Em relação ao Estágio Supervisionado,
apontava-se que era oferecida, pela maioria das Escolas, com carga horária superior à 240
horas, sendo a matéria organizada entre duas e quatro disciplinas.
A grande questão, sem dúvida, era a fragmentação entre história, teoria e
metodologia do Serviço Social, que era agravada por não existir articulação entre elas e o
estágio supervisionado, cuja carga horária era significativamente menor do que passou a ser
indicado nas Diretrizes Curriculares de 1996, qual seja o mínimo de 15% da carga horária
total do curso. Confirma-se a partir dessa reflexão, que teoria e prática profissionais eram
tratadas objetivamente como questões separadas e independentes, o que tinha como efeito as
dificuldades de inserção dos discentes nos espaços sócio-ocupacionais, seja como estagiários,
seja como profissionais graduados.
Além disso, essa era a razão também para o distanciamento entre profissionais e a
academia; formação e intervenção profissional, apontados em vários fóruns e relatórios de
avaliação da formação daquele período. Portanto, o discurso teórico-metodológico utilizado
hegemonicamente até aquele período, deixava lacunas na intervenção na realidade, seja no
âmbito do aparato institucional do Estado, seja no âmbito das empresas privadas e dos
movimentos sociais (SILVA e SILVA, 1993).
Enquanto o debate crítico ia sendo construído, também surgiam questionamentos às
novas práticas que se colocavam no momento: como se poderia adensar o debate político, sem
cair na armadilha do militantismo? Como conferir importância à prática social, representada
pelo exercício profissional, sem correr o risco de promover e reforçar a ação social e o
voluntarismo? Como trabalhar no contexto das mediações entre os interesses de classe e,
mesmo assim, contribuir para a transformação societária?
33
Pesquisa da ABESS (1991) realizada durante o ano de 1989 com todas as escolas de Serviço Social do
território nacional. Responderam a esta pesquisa 38 Unidades de Ensino de Serviço Social (UESS). Para
conhecer outros dados da investigação, sugere-se consultar o texto integral de publicação dos resultados, no
Cadernos ABESS – Revista da Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social, n. 4, publicado pela Editora
Cortez, em maio de 1991.
148
Além destes desafios, um outro ainda ganhava destaque pela sua importância para
consolidar o Serviço Social no chão da realidade cotidiana: o reconhecimento dos segmentos
da população com os quais se trabalhava.
Em meio à afirmação de que a profissão articulava, desde a década de 1970, seu
exercício profissional à defesa dos interesses da classe trabalhadora, ainda era desafiadora a
tarefa de fazer uma leitura da realidade e dos processos sociais, políticos, econômicos e
culturais que permitissem avançar, para além do senso comum, sobre a realidade cotidiana e o
modo de vida da classe trabalhadora. Neste sentido, a categoria reconhecia que era preciso
superar as leituras e análises da realidade que fazia, fundamentadas na crítica-histórica da
sociedade e das relações sociais estabelecidas a partir do modo de produção capitalista, para
que se pudesse efetivamente reconhecer as demandas reais da população usuária dos serviços,
suas aspirações e suas potencialidades enquanto forças sociais capazes de protagonizar a
transformação societária que a profissão almejava.
Nesse sentido, Iamamoto (1993, p. 113) reconhecia que
É rarefeita a produção acadêmica sobre o que tradicionalmente se denominava
“clientela” do Serviço Social. Pouco se sabe, para mais além do senso comum, sobre
os segmentos populacionais com os quais se trabalha: os modos de trabalho e as
formas sociais que assumem; as experiências, aspirações e suas conformações em
termos político-culturais. Os assistentes sociais têm uma possibilidade de contato
direto extremamente privilegiada, com a vida cotidiana das classes subalternas, na
sua diferencialidade. Mas esta possibilidade pouco tem se revertido em provocação
para a pesquisa, que atente para as diferenças internas dos vários segmentos das
classes trabalhadoras e pra a apreensão das formas distintas de subalternidade;
formas estas que vão implicar em encaminhamentos também distintos das ações
profissionais.
Na análise preliminar para a avaliação da formação profissional naquele período, a
ABESS ilustra com dados sobre a produção acadêmica, a constatação feita pela professora
Iamamoto. No último ano de 1980, a entidade identificava 290 produções acadêmicas dos
docentes de Serviço Social, incluindo livros, dissertações, artigos, trabalhos apresentados em
congressos, seminários, encontros e outras atividades de socialização de conhecimento.
Destas, 65% eram oriundas de docentes de escolas públicas e 33% das escolas privadas –
dentre as últimas, a maior produção era oriunda das escolas vinculadas às Universidades, a
exemplo das Pontifícias Universidades Católicas espalhadas pelo Brasil.
Dentre as produções, as temáticas abordadas distribuíam-se em:
a) prática profissional do assistente social, abordada em 18,3% das publicações; b)
questões teórico-metodológicas do Serviço Social, abordadas em 13,4% das
publicações; c) formação profissional, abordado em 16,9% das publicações; d)
Estado e políticas sociais, tratado em 12,1% das publicações; e) movimentos sociais,
discutido em 15,5% das publicações; f) Assistência Social, tratado em 4,1% das
149
publicações; g) pesquisa em Serviço Social, abordado em 5,2% das publicações; e h)
outros temas diversos tratados nas produções teóricas, correspondiam 14,5% das
publicações (ABESS, 1991, p. 121).
Observando os dados das publicações da época, apreende-se do pensamento de
Iamamoto (1993) que era necessário, ainda naquele momento, superar a visão, praticamente,
endógena do Serviço Social e dedicar-se ao reconhecimento da população com quem
trabalham os assistentes sociais, passando do discurso generalista de defesa dos interesses da
classe trabalhadora, para avançar na realização de um processo de reconhecimento das
diversidades e especificidades dessa população. Isso remetia a uma formação aportada em
processos macroscópicos, a qual permitisse, ainda nos anos 1990, o reconhecimento das
dimensões particulares e singulares dos processos – e dos próprios sujeitos – que envolvem a
sociedade, os grupos e indivíduos sociais, principalmente aqueles que são o foco da profissão.
Portanto, ainda era necessário avançar para uma formação generalista e totalizante,
que garantisse aportes para fazer a leitura sobre quem é o principal sujeito da ação
profissional, reconhecendo suas especificidades em meio à genericidade que o identifica
como classe trabalhadora.
Além disso, começa-se a perceber que este tipo de formação possibilitaria
compreender que a profissão está envolta em determinantes sociais, políticos, econômicos e
culturais que ultrapassam as vontades individuais dos profissionais (IAMAMOTO, 1993),
visto que a profissão é fruto da sociedade, do seu coletivo profissional e do coletivo de
usuários envolvidos em seu trabalho. Destarte, era preciso apreender a dinâmica desses
determinantes e ouvir, acima de tudo, os sujeitos da ação profissional, a fim de reconhecer a
direção apontada, tanto para a formação, quanto para o exercício profissional.
A partir do reconhecimento dessa demanda para a formação profissional, conseguiuse avançar gradualmente no sentido de dar vez e voz ao seu coletivo profissional e aos
usuários de seus serviços, sujeitos de direito, segundo a Constituição Federal de 1988.
Todavia, ainda se fazia necessário aprofundar as análises sobre quem eram os sujeitos
daquelas vozes e o que elas queriam comunicar. Para tanto, era necessário continuar
avançando na perspectiva marxista, aprofundando a compreensão das suas categorias teóricas,
a fim de conseguir, a partir delas, fazer a leitura da realidade cotidiana em sua totalidade,
descobrindo estratégias para a atuação profissional com caráter de transformação social.
Enfim, como efeito das experiências vividas pelo Serviço Social nas décadas de
1980, tanto no que tange o exercício, quanto à formação e à investigação profissional, a
150
profissão conseguiu lidar com os desafios que se colocavam, amadurecendo de forma
articulada, gradual e permanente.
Resultado deste amadurecimento, no âmbito interno da profissão, foram os novos
marcos regulatórios aprovados na década de 1990, que apontavam as diretrizes para o
exercício profissional, expressos pela Lei que regulamenta a profissão, Lei nº 8.662 de junho
de 1993, e pelo Código de Ética Profissional, aprovado em 13 de março de 199334.
No âmbito da formação profissional o exemplo mais significativo, indubitavelmente,
foi o processo de revisão curricular e a aprovação da proposta de currículo pela Assembleia
Geral Extraordinária da ABESS, de 8 de novembro de 1996, que deu base para as Diretrizes
Curriculares para o Curso de Serviço Social aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação,
em 2001.
2.2.2 Dos 1980 para os 1990: apontamentos para a revisão do Currículo Mínimo
A revisão curricular, operada pela categoria na década de 1990, pode ser considerada
como a segunda realizada pelo Serviço Social brasileiro, depois de quase seis décadas de
formação profissional. Ela “significou a afirmação de uma nova direção social hegemônica no
seio acadêmico-profissional, o que se consolidou com a elaboração das Diretrizes
Curriculares para o Curso de Serviço Social, aprovada pela categoria em 1996 e aprimorada
pela Comissão de Especialistas em 1999” (ABEPSS, s/d, s/p).
O Encontro Nacional de Ensino e Pesquisa em Serviço Social, realizado entre 09 e
12 de dezembro de 1992, na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), propôs um elenco
de indagações e apontamentos que deveriam ser considerados, para que se fizesse a revisão
curricular identificada como necessária a partir dos debates que foram realizados nesse
evento.
Algumas dessas indagações e apontamentos continuam presentes nas discussões
atuais sobre a formação profissional, indicando que ainda é necessário avançar. Outras foram
ressignificadas pelo novo currículo, com a aprovação das Diretrizes Curriculares de 1996.
Outras ainda foram resolvidas durante o próprio processo de revisão curricular dos anos 1990.
A seguir são balizados, com base no documento final35 daquele encontro, alguns
apontamentos e indagações relevantes, tanto para apreender a direção da revisão curricular
34
35
Com alterações posteriores introduzidas pelas Resoluções CFESS nº 290/94, 293/94 e 333/96.
Recomenda-se a leitura do documento final, publicado na íntegra nos Cadernos ABESS, nº 6, “Produção
científica e formação profissional”, de setembro de 1993.
151
dos anos 1990, quanto para repor o debate na atualidade, avaliando as diretrizes curriculares
vigentes. Diziam os participantes daquele encontro de 1992, na UFPE:
O currículo deve contemplar referências teóricas capazes de explorar, tanto
questões gerais, como questões particulares, objeto de intervenção do Serviço
Social;
Há necessidade de que o ensino reflita sobre as demandas postas pelo cotidiano da
ação profissional;
Deve-se superar o distanciamento entre a reflexão teórica e propostas de ação;
O currículo deve considerar as especificidades regionais e as diversas estruturas
organizacionais das instituições.
Nos apontamentos para a necessária revisão curricular, aqui destacados, o pano de
fundo presente em todos os itens é o diálogo com a realidade. Seja quando se trata da reflexão
teórica, dizendo que ela deve estar conectada com as generalidades e as particularidades do
objeto de intervenção, seja quando se aponta para as demandas profissionais, para as
propostas de ação, ou ainda para o reconhecimento das especificidades regionais e das
estruturas institucionais.
O Serviço Social, ao compreender a importância de fundamentar a formação
profissional na própria realidade que o futuro profissional encontraria no seu cotidiano de
trabalho, pontua tal fundamentação como um dos requisitos que deveriam ser tratados na
revisão curricular da década de 1990.
É bem verdade que esse reclamo sobre a realidade aparecia desde a década de
1980, todavia, a chamada de atenção para ele, indicava que ainda era um dos pontos frágeis na
formação profissional que acontecia no início dos anos 1990.
Para compreender este reclamo, é necessário considerar que desde meados de 1975 –
com a emergência de uma mobilização crítica ao Estado ditatorial militar – o Serviço Social
se direcionava para efetivar uma maior aproximação da profissão com a realidade. Isso fica
expresso na emergente participação dos profissionais na vida social e política do país, pelo
surgimento das associações sindicais no âmbito profissional e pelo marco político
profissional, que foi o Congresso da Virada, que contou com a participação da sociedade civil,
inclusive. Todavia, mesmo com este direcionamento, ainda continuou existindo a demanda
por uma aproximação contundente com a realidade, que retorna aos debates profissionais na
década de 1990.
152
Logo, embora a profissão, desde a segunda metade da década de 1970, estava
conseguindo captar os elementos da realidade, propondo ações a partir dela, ainda operava
margeando os perigos do militantismo, messianismo e fatalismo – todos resultantes de uma
leitura e relação equivocada com a realidade.
Neste sentido, os elementos da realidade se faziam mais próximos da realidade
cotidiana do exercício profissional, todavia não estariam chegando à formação profissional,
ou se chegavam, não estavam sendo tratados como fontes de conhecimento, passíveis de
serem trabalhados dialeticamente.
Fazendo esta avaliação, entendeu-se a premência de articular a realidade à
formação profissional, resultando em propostas para as Diretrizes Curriculares de 1996,
quando a realidade passa a transversalizar o currículo dos cursos, ou até mesmo aparecer
como disciplina curricular.
Lídia Maria Monteiro Rodrigues da Silva, em um trabalho apresentado no XIV
Seminário Latino-americano de Trabalho Social, realizado em 1992 na Argentina, publicado
nos Cadernos ABESS, nº 6, apontava que o conhecimento é determinado socialmente e,
“como práxis, constituído na e constituinte da realidade”. Enquanto pensamento político e
social deveria refletir o enquadramento social dos homens, especialmente no que se refere ao
lugar que ocupam no mundo da produção, visto que ela é a expressão básica da sua
localização social (SILVA, 1993, p. 160, grifo da autora). Para a estudiosa, a necessidade de
situar a formação e o exercício profissional vai além da simples leitura da realidade. É
imperativo aprofundar também as análises, compreendendo o papel dos homens e mulheres na
sociedade, com os quais o Serviço Social trabalha. É igualmente necessário compreender esta
população em sua realidade cotidiana, através do reconhecimento da sua práxis e do seu papel
na transformação da sociedade almejada pela profissão.
A mesma autora indicava também que era preciso considerar o conhecimento
profissional enquanto resultado das condições sócio-históricas determinadas pelo modo de
produção capitalista e que, portanto, também ele se modifica e transforma-se, tanto em função
de fatores internos quanto externos à profissão (SILVA, 1993). É nesta dinâmica que
ocorreriam continuidades e rupturas, acréscimos e omissões no campo das estratégias
profissionais e da própria formação em Serviço Social, devendo a categoria estar atenta a
esses processos, de forma a evitar perdas e garantir avanços.
Além disso, era necessário que na revisão do currículo mínimo consolidado na
década de 1980 fosse considerado que
153
A consciência teórica, que implica a apropriação de um conhecimento acumulado
historicamente, significa, no caso do Serviço Social, a ultrapassagem das
perspectivas imediatistas da prática e sua inserção nos quadros complexos que
constituem a totalidade da vida social, compreendendo a sua prática e estendendo-se
no conjunto da vida social. [...] como decorrência, temos que o conhecimento
profissional é constituído no próprio processo através do qual o Serviço Social vai se
constituindo como profissão (SILVA, 1993, p. 164).
Por isto, com a consolidação do currículo mínimo do Serviço Social de 1982 e a
constatação da necessidade de sua revisão, destaca-se a premência em articular a produção do
conhecimento e a história, tanto no que tange a formação sócio-histórica do Brasil, quanto da
própria profissão. Logo, indicava-se a necessidade de garantir a indissociabilidade entre
formação e produção teórica profissional e a história, numa perspectiva de totalidade dos
processos sociais, políticos, econômicos e culturais, nos quais o Serviço Social se envolve.
Outro elemento para a revisão era a necessidade de relacionar a produção da vida
material com a atuação do Serviço Social, visto que se passa a compreender que a profissão
participa diretamente do âmbito da reprodução da vida social. Também era necessário
apreender o homem no quadro das relações sociais e da sua genericidade – o que não elimina
as suas especificidades.
A dialética entre o genérico e o particular se colocava como questão demandante de
atenção. No campo profissional, por exemplo, apontava-se que as especificidades dos
problemas concretos muitas vezes retiravam o caráter generalista que deveria estar presente
nas análises da realidade e na intervenção. Gentilli (2000, p. 135), às vésperas da implantação
das Diretrizes Curriculares, apontava que “existe hoje, na prática, uma gama muito variada de
focos de atenção dos assistentes sociais em relação aos problemas concretos cotidianos, que
estão completamente dispersos, sem uma boa articulação com os conteúdos mais genéricos da
formação profissional”.
O papel do educador, agente ativo no processo de formação profissional, também
precisava ser aprofundado, de forma que pudesse ser reconhecido não apenas como
profissional do ensino, mas também como promotor de pesquisas, da prática junto à sociedade
através da extensão e da supervisão acadêmica e de campo, enfim, como produtor de
conhecimento científico na área das ciências sociais. Embora o reconhecimento do papel do
educador já começasse a ser transformado na dinâmica das transformações profissionais que
resultaram, entre outros, no currículo mínimo de 1982, ainda era necessário avançar. “A
íntima conexão entre conhecimento e tempo histórico, impõe a permanente atualização”. Isto
implica “numa posição ativa e vigilante, para captar os processos sociais, re-traduzindo-os em
154
formulações analíticas que os desvendem, mais além das aparências fenomênicas com que se
expressam” (IAMAMOTO, 2007, p. 190).
No momento da discussão promovida na década de 1980, compreendia-se a
necessidade de não dissociar história, teoria e metodologia do Serviço Social, o que faz com
que a profissão aponte durante a revisão curricular a criação dos fundamentos históricos,
teóricos e metodológicos do Serviço Social, enquanto matéria da formação profissional.
Segundo Iamamoto (2007, p. 191), além deste, “outro nódulo problemático [era] a
distância constatada entre o tratamento teórico-sistemático das matrizes teóricometodológicas e a cotidianidade da prática profissional”. A afirmação desse limite na
formação profissional, reportando-se ao período de vigência do currículo mínimo de 1982, é a
constatação de um dos maiores desafios pelos quais passou a formação profissional durante a
transição entre a formação tradicional – que passou por transformações, as quais, porém, não
possibilitaram a ruptura com as matrizes funcionalistas –, operada até a década de 1970, para
a formação que se coloca pós ‘Congresso da Virada’, quando o Serviço Social volta-se com
afinco para o aprofundamento do ‘marxismo de Marx’.
As análises desse período – de pouco mais de uma década – de vigência do Currículo
Mínimo de 1982, imputavam à categoria a imprescindibilidade de superar este distanciamento
entre teoria e prática, sob o risco de comprometer a hegemonia que, aos poucos, a perspectiva
crítica marxista estava assumindo para a profissão. Esta era a tarefa, principalmente, para os
quadros docentes, muito embora se admitisse que ela seria cumprida apenas se articulada aos
esforços conjuntos dos profissionais em exercício nas instituições de atendimento.
Igualmente apontava-se a necessidade de refletir sobre a relação entre a perspectiva
marxista e as demais vertentes teóricas, apreendendo suas contribuições e, acima de tudo,
respeitando-as a partir do pluralismo de ideias, questão ainda bastante polêmica naquele
momento. Em outras palavras, era necessário aprender como o Serviço Social, reforçando sua
perspectiva marxista, dialogaria com outras correntes, sem cair no ecletismo de ideias, comum
nas décadas de 1960 e 1970.
Conectado a este limite, também no âmbito da formação profissional, havia outro a ser
superado: o vazio no que tange aos estudos, as discussões e ao ensino das “estratégias, táticas e
o arsenal de instrumentalização para o agir profissional, reiteradamente denunciado pela
categoria profissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 192). Este vazio referente à instrumentalização
colaborou para ampliar o distanciamento entre ‘ensino’ e ‘prática’ profissional, imprimindo
caráter significativamente distinto entre um e outro. Era, então, urgente superar tal vazio, sendo
uma das possibilidades para isso a realização do debate sobre as mediações profissionais
155
operadas pelos assistentes sociais através do recurso ao arsenal de instrumentais técnicooperativos e, ao mesmo tempo, imprimir caráter crítico a esses instrumentais existentes.
Notava-se que o ensino teórico da dimensão técnica-operativa vinha, há tempos,
descompassando de uma didática de ensino que possibilitasse ao discente compreender a
relação de unidade entre teoria e prática. Esta questão é evidenciada por Gentili (2000, p.
135), ao afirmar que “recentemente a profissão retornou ao debate teórico da metodologia, da
prática e da instrumentalização profissionais. Entretanto, o debate ainda é restrito e se realiza
com certa dificuldade pedagógica, dificultando sua apropriação na graduação e o diálogo com
os supervisores nos ‘campos de estágio’”. Ora, evidencia-se a urgência que se tinha em
aprofundar o debate sobre a supervisão de estágio na formação profissional, bem como
aproximar estes âmbitos considerados indissociáveis na formação em Serviço Social.
Essa urgência se fazia, inclusive, porque era evidente naquele momento que o
distanciamento entre teoria e prática também implicasse na produção de dois tempos
diferentes: aquele vivido na academia, durante a formação profissional e aquele vivido nas
instituições, no chão cotidiano de atendimento da população usuária dos serviços. Como
consequência, as dimensões da formação e do exercício profissional desarticulavam-se. Este
distanciamento objetivava-se durante o estágio curricular, quando a formação da sala de aula
e àquela da instituição de oferta do campo de estágio seguiam, geralmente, desconexas. Neste
sentido, afirmava Gentilli (2000, p. 135) que era preciso que todas as instituições responsáveis
pela formação afinassem o passo, avançando para assegurar a formação profissional em todos
os espaços. Para a autora,
Muito tem se discutido sobre a relação teoria/prática, mas as pesquisas sobre
supervisão e estágio têm apontado que muito ainda temos a construir nas Unidades
de Ensino e nas organizações que funcionam como “campo de estágio”. Esse passo é
fundamental para que fiquem assegurados na formação do aluno, as reflexões sobre
a finalidade da profissão na sociedade, os produtos da ação profissional em meio aos
objetivos das organizações e o lugar da ética na profissão.
A partir dessas últimas constatações, notava-se a existência de um gargalo entre a
formação e o exercício profissional – identificado à época como ‘prática profissional’.
Enquanto o primeiro tinha avançado mais sobre os fundamentos teóricos e metodológicos,
fundamentado na perspectiva marxista, o segundo ainda não conseguia traduzir este avanço
em sua operatividade.
Estudos recentes sobre supervisão, estágios e práticas profissionais demonstram que
é, sobretudo, no espaço das supervisões de estágio que a imediaticidade do fazer
profissional se manifesta plenamente e, a ela associado, são reveladas as formas
operativas da profissão, geralmente relegadas ao plano secundário nos debates
156
teóricos, porém de fundamental importância para serem desencadeados os processos
de relação teoria/prática no ato do fazer cotidiano profissional (GENTILLI, 2000, p.
140).
O reconhecimento desses limites a serem superados indicava, à época, a necessidade:
de um amadurecimento do método em Marx; da articulação entre formação e exercício
profissional; da compreensão sobre a unidade entre os fundamentos históricos e teóricometodológicos, técnico-operativos e ético-políticos do Serviço Social; bem como a urgência
em assumir o aprofundamento do debate sobre o exercício profissional, operado após 1979.
Sintetizando os limites que precisavam ser superados, Iamamoto (2007, p. 192, grifo
da autora) assevera que
Alguns dos nós górdios da formação profissional estão nas políticas de
estágio/pesquisa, no ‘ensino da prática’, no precário desenvolvimento de
relações acadêmicas entre os centros de formação e as instituições do mercado
de trabalho, que oferecem campos de treinamento profissional, na rede de
intercâmbios entre universidade e o meio profissional.
Ora, era importante analisar a necessidade de imprimir maior exigência no
tratamento das matrizes teóricas incidentes na formação profissional, especialmente sob a
perspectiva marxista, visto que este maior rigor teórico pode afastar a formação da mera
reprodução de conceitos e aproximá-la das análises que permitam apreender as explicações da
vida social. Notava-se ainda a necessidade de atentar para um tratamento mais qualificado do
movimento histórico da profissão e da sociedade, a fim de que fosse possível subsidiar as
análises que incidiriam sobre a prática profissional presente. Isto requeria tomar as análises da
realidade como elemento central da formação e exercício profissionais, conectadas aos
exames estruturais e conjunturais da sociedade, visto que elas ainda estavam aparecendo
como mero pano de fundo das ações e da formação profissional, sem que se percebesse a
profunda relação existente. Ainda era necessário assumir a pesquisa sobre os desafios da
prática profissional, a fim de fundamentar tanto o ensino quanto o próprio exercício
profissional.
Em
outras
palavras,
era
preciso
observar,
compreender,
analisar
permanentemente a prática profissional, em sua cotidianidade, com o objetivo de conhecer a
realidade particular em que atua o assistente social e, com base neste conhecimento, planejar,
coordenar e efetivar a formação profissional, garantindo sua conectividade com os processos
micro e macroscópicos que criam e recriam as demandas para o Serviço Social.
Assim, na análise da formação profissional realizada na década de 1990,
compreendia-se que os conteúdos do currículo demandavam articulação entre si para que as
temáticas fundamentais para a formação profissional pudessem transversalizar todas as
157
disciplinas. Assim, questão social, realidade social, políticas sociais e ação profissional se
tornavam temáticas fundamentais, que deveriam transversalizar todas as disciplinas.
Neste sentido, ainda no início dos anos 1990, apontava-se a premência de revisar o
currículo do curso de Serviço Social, afirmando que ele não poderia ser um mero elenco de
temáticas, ou de conteúdos justapostos. Outrossim, o conjunto das matérias expressos no
currículo deveria assegurar uma unidade político-pedagógica, que presidiria sua formulação,
implantação, desenvolvimento e avaliação, sob pena de cair num ecletismo amorfo, ou num
pragmatismo incontrolável, que pudesse levar a prejuízos sérios para a profissão, para a
população atendida e para a sociedade (SILVA et al., 1993).
Destarte, analisando a formação profissional durante a década de 1980, fruto das
diretrizes conferidas através do Currículo Mínimo de 1982, apontava-se a necessidade de que
o processo de análise curricular, que se iniciava, conferisse historicidade para os processos
sociais, considerando para a análise da realidade a sociedade civil, a articulação das categorias
teóricas marxistas e, consequentemente, objetivação de suas reflexões no plano do exercício
profissional. Uma das saídas para responder a essas necessidades estava no aprimoramento do
plano da formação profissional, de modo a garantir articulação entre teoria e
operacionalidade, produção teórico-metodológica e prática profissional, perpassadas pela
dimensão ético-política. A chave para isso, certamente, estava no aprofundamento dos
fundamentos técnico-operativos e ético-políticos e na articulação destes aos fundamentos
teórico-metodológicos e à história e à realidade da vida social.
Em síntese, os desafios que deveriam ser considerados para a análise da formação
profissional naquele momento apontavam para a imprescindibilidade de efetivar ‘a real’
articulação entre ela e: a) a realidade da sociedade em seus diversos âmbitos: econômico,
social, político e cultural; internacional, nacional, regional e local; b) a história, especialmente
no tocante a formação sócio-histórica brasileira; e c) o exercício técnico profissional nas
instituições. Por fim, devia-se atentar para o nível de exigência do processo de formação em
Serviço Social, em termos de complexidade e aprofundamento dos estudos. A manifestação
dessa preocupação significava o reconhecimento de que era condição sine qua non avançar no
ensino, pesquisa e extensão, em sala de aula ou fora dela, para que fosse possível uma
intervenção crítica e consciente na sociedade brasileira, almejada pela profissão e pela própria
população naquele momento (ABESS, 1991).
Tais desafios foram assumidos durante a revisão curricular da década de 1990 e
resultaram em um desenho que procurou articular as diversas áreas de estudos da formação
profissional. Como resultado, propôs-se agregar os fundamentos do Serviço Social –
158
históricos, teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos –; conceder relevância
para as particularidades da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, através da
condensação de matérias em um núcleo de fundamentos da formação sócio-histórica
brasileira; e, por fim, assegurar o aprofundamento teórico-metodológico das categorias que
dão suporte para a análise da vida social, com base numa perspectiva analítico-crítica,
fundada no pluralismo de ideias, criando o núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da
vida social, a partir das Diretrizes Curriculares de 1996.
Assim, já no início da análise da formação profissional realizada na década de 1990,
compreendia-se que os conteúdos do currículo demandavam articulação entre si para que as
temáticas fundamentais para a formação profissional pudessem transversalizar todas as
disciplinas. Assim, verificava-se a imprescindibilidade de estabelecer, no novo currículo a ser
elaborado, que a abordagem das temáticas ‘questão social’, ‘realidade social’, ‘políticas
sociais’ e ‘ação profissional’ fossem consideradas como temas fundamentais para a formação
profissional, devendo transversalizar todo processo de formação profissional.
Hoje, trinta anos após a formulação do Currículo Mínimo, e quinze anos depois de
aprovada as Diretrizes Curriculares, alguns dos desafios apontados no início dos anos 1990
foram superados, outros teimaram em permanecer, e outros, ainda, recolocaram-se sob novas
roupagens. Isto quer dizer que o fruto da revisão do Currículo Mínimo de 1982, qual seja as
Diretrizes Curriculares de 1996, continuou sendo analisado e avaliado, de forma a aprofundar
a conexão do Serviço Social com a realidade e a história, bem como a conexão entre a
formação e o exercício profissional.
Deste modo, o primeiro processo de revisão curricular operado pelo Serviço Social
desde 1975, que culminou no Currículo Mínimo de 1982, nunca foi encerrado, sendo que nas
décadas de 1980 e 1990 esse processo resultou na aprovação, em 1996, das Diretrizes
Curriculares para os Cursos de Serviço Social, vigentes até o momento. A formação
profissional continuou como objeto permanente de avaliação, o que leva a compreender que a
revisão das Diretrizes Curriculares está em curso. Possivelmente, aproxima-se o momento em
que ela seja discutida nacionalmente, sistematizada e organizada, incorporando as
transformações acontecidas no novo milênio 36.
36
Apenas a título de registro, aponta-se o projeto de oficinas de discussão sobre a formação profissional,
promovido pela ABEPSS (Gestão 2011-2012) neste ano de 2012, denominado “ABEPSS Itinerante”, que foi
desenvolvido em todas as regionais desta associação. Para maiores informações, indica-se consultar o site
institucional da ABEPSS (www.abepss.org.br).
159
CAPÍTULO 3
MERCANTILIZAÇÃO DO ENSINO E DIRETRIZES CURRICULARES DE 1996
2.3.1 A formação profissional nas Diretrizes Curriculares de 1996
2.3.1.1 A formação profissional, segundo a proposta da categoria
Com o acúmulo de mais de uma década de formação e exercício profissional sob as
bases teórico-metodológicas marxistas e com respeito ao pluralismo de ideias, o Serviço
Social avança pela segunda metade da década de 1990, inaugurando um novo momento na
formação profissional: a implantação e consolidação das Diretrizes Curriculares de 1996,
aprovada através da Resolução nº 15, da Câmara de Educação Superior do Ministério da
Educação, de 13 de março de 200237.
As Diretrizes Curriculares expressam novos pressupostos para a formação
profissional dos assistentes sociais, que indicavam um determinado desenho da profissão:
“particularizam o Serviço Social no conjunto das relações de produção e reprodução da vida
social, como uma profissão de caráter interventivo, cujo sujeito – o assistente social –
intervém no âmbito da questão social” (CARDOSO, 2000, p. 09).
Para Koike (2009, p. 212), as Diretrizes Curriculares de 1996 são “portadoras de uma
direção intelectual e ideopolítica, componente imperativo do projeto profissional”. Elas
expressam a concepção da profissão e da realidade, bem como o devir, que aponta para a
transformação societária, como fruto das lutas da classe trabalhadora, a quem se articula o
Serviço Social. Além disso, para a autora, as diretrizes curriculares constituem-se enquanto
bases para os projetos pedagógicos dos cursos, sendo pautadas em princípios “que na presente
quadra histórica indicam os fundamentos para uma formação profissional desenvolvida com
flexibilidade; rigor teórico, histórico e metodológico no trato da realidade e do Serviço Social”.
Sua proposta foi inovadora, ao apontar que a formação profissional perpassaria um
conjunto de conhecimentos considerados indissociáveis, articulados entre si e organizados em
três núcleos de formação: a) o núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social;
37
Esta Resolução estabelece as Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social, conforme disposto na
Lei nº 9.131, de 25 de novembro de 1995, e seguindo os pareceres nº CNE/CES 492/2001 e CNE/CES nº
1.363/2001. No próximo item deste capítulo serão tratados os entraves governamentais à proposta original.
160
b) o núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade
brasileira; e c) o núcleo de fundamentos do trabalho profissional.
Essa proposta expressava a compreensão da categoria profissional de que era
necessário superar a fragmentação e o isolamento dos conteúdos, antes organizados em matérias
e disciplinas independes entre si. A anterior organização, parcelada em compartimentos,
apontava indiretamente o estabelecimento de uma hierarquia de conhecimentos que perpassava
do maior para o menor grau de importância, desde as matérias básicas para a formação
profissional, até aquelas consideradas opcionais ou eletivas na grade curricular.
A partir dessa organização curricular, previa-se alcançar uma formação generalista,
sem desconsiderar as particularidades e singularidades da formação histórica, da realidade
social, política, econômica e cultural, e do exercício profissional em diferentes espaços sócioocupacionais, com os diversos e distintos sujeitos da ação do assistente social. Em
decorrência, para Cardoso (2000, p. 16), “articulam-se conhecimentos e habilidades, que se
especificam em matérias, enquanto áreas de conhecimento indispensáveis à formação do
Assistente Social com um perfil determinado”.
Sem dúvida esta foi a maior e mais significativa inovação dos currículos dos cursos
brasileiros,
desde
a
gênese
do
Serviço
Social.
Considerada
sua
importância,
proporcionalmente reconhecia-se os desafios para consolidar essa inovação nos currículos das
escolas e, posteriormente, no cotidiano das salas de aula.
Ao mesmo tempo que esta inovação era promissora, também era desafiadora, uma
vez que as Diretrizes Curriculares, ao transformarem a formação profissional, requeriam uma
dinâmica permanente de acompanhamento das transformações históricas da sociedade. Para
Koike (2009), isso ocorre ao indicar que sua estrutura lógica e sua proposta pedagógica
devem assentar-se, necessariamente, no ‘ensino-aprendizado’ da dinâmica da vida social,
posicionando o profissional no contexto socioinstitucional e na realidade societária. Ora, isto
não se efetivaria sem o acompanhamento indicado.
Mas, ainda existiam outros desafios a serem enfrentados. Dessa forma, desde a
implantação até a consolidação das Diretrizes Curriculares, previam-se árduos esforços a fim
de resolver os desafios que surgiriam com a transição dos currículos, conteúdos e
conhecimentos que passariam a vigorar. Tais desafios atingiriam não apenas os discentes, que
necessitavam compreender o processo de mudança do currículo e dos conteúdos, mas também
os docentes e os profissionais em exercício técnico. Era necessário que todos participassem do
processo de transição, compreendendo sua complexidade, para que as mudanças propostas se
161
concretizassem, a partir das Diretrizes Curriculares, sem incorrer num possível engessamento
da formação e, consequentemente, do exercício profissional.
Naquele momento de transição, Gentilli (2000, p. 144) indicava que,
Para se viabilizar um movimento emancipatório, simultaneamente ao processo de
implantação da reforma curricular, e que contemple conteúdos, procedimentos e
regras de condutas para todos, torna-se importante que o novo projeto articule
dinamicamente os projetos pedagógicos das diversas unidades de ensino,
observando as particularidades regionais.
Na afirmação da autora, nota-se o indicativo para evitar rupturas severas com a
formação profissional vigente até aquele momento, partindo dela para reestruturar os projetos
pedagógicos dos cursos, a fim de que se pudesse adensar as Diretrizes Curriculares com as
particularidades da formação social e política regional e local. Em verdade, estava posto como
pano de fundo na indicação de Gentilli o reconhecimento da realidade histórica dos cursos e da
sociedade naquele momento de transição da matriz curricular, como condição para que se
confirmassem os avanços propostos para a formação profissional. Essa consideração da autora
reproduz a avaliação feita pela categoria entre as décadas de 1980 e 1990, conforme já apontado.
Destarte, aportada nas novas diretrizes, tornava-se tarefa para a profissão cuidar para
que sua formação estivesse sempre transversalizada pela realidade cotidiana, visto que
O fundamento da formação profissional é a realidade social, compreendida
criticamente em seu movimento contraditório, considerando a realidade do mercado
de trabalho, as condições objetivas do exercício profissional e o jogo de forças
presentes numa dada sociedade, tendo em vista as demandas e exigências sociais
emergentes em face do processo histórico da sociedade brasileira (ABEPSS, 1996,
p. 146).
Para tanto, era necessário atualizar permanentemente os quadros das transformações
sociais, a fim de que o Serviço Social pudesse sustentar cada vez mais suas ações na própria
realidade, e, principalmente, que a formação profissional oferecesse suportes para detectar o
movimento da realidade, antecipando estratégias de intervenção profissional, que pudessem
conferir respostas às novas demandas que surgiam diariamente no exercício profissional.
Ainda no início da implantação das Diretrizes Curriculares, Iamamoto (2007, p. 195,
grifos da autora) salientava que era necessária
Uma qualidade de formação que, sendo culta e atenta ao nosso tempo, seja capaz
de antecipar problemáticas concernentes à prática profissional e de fomentar a
formulação de propostas profissionais, que vislumbrem alternativas de políticas
calcadas no protagonismo de sujeitos sociais, porque atenta à vida presente e a
seus desdobramentos. Um projeto de formação profissional que aposte nas lutas
sociais, na capacidade dos agentes históricos de construírem novos padrões de
sociabilidade para a vida social.
162
É interessante considerar a fala da autora, visto que ela trata de um momento em que
ainda se colocavam ‘perspectivas’ para a formação profissional a partir das novas diretrizes
curriculares, sem, contudo, saber os efeitos desta formação profissional, sob novos princípios
e orientações. Ao mesmo tempo, nota-se na afirmação da autora a indicação de perspectivas
propositivas para a formação profissional que se inaugurava, confirmando a avaliação de que
o Serviço Social ainda precisava galgar conquistas nesse âmbito, no momento de transição de
milênios.
Para Faleiros (2000, p. 167; 173),
No momento em que o capitalismo se manifesta sem laços e nem peias, pelo mundo
afora, principalmente pela mundialização financeira, as diretrizes curriculares
definem um projeto totalmente anticapitalista, devendo ‘formular respostas
profissionais para o enfrentamento da questão social’, numa ‘teoria social crítica’.
Mas é preciso considerar que o pensamento crítico se forja num movimento de
enfrentamento das questões concretas de forma abstrata para se entender e enfrentar
a dinâmica real do real. [...] A formação para o Serviço Social deve se inscrever
nesse contexto de profunda rearticulação do capitalismo e dos processos de trabalho
e de suas superações, agindo nele sem se submeter a ele.
As análises dos dois autores estavam bastante conectadas ao momento presente da
sociedade brasileira nos anos 1980 e 1990, no qual se salienta a efervescência política e social
da sociedade civil. ‘Novos sujeitos haviam entrado em cena’ naquele período, principalmente
no âmbito dos movimentos sociais e da organização da classe trabalhadora (SADER, 2001), e
outros continuavam a ingressar no cenário das lutas sociais diariamente.
Era importante estabelecer um diálogo permanente com esses sujeitos, tanto no
sentido de participar e reforçar as lutas sociais, mas também no sentido de captar demandas e
propostas de intervenção profissional. Seguramente, esse diálogo atualizaria as demandas para
a formação profissional, exigindo-lhe conferir atenção e visibilidade, dedicar estudos e
formular e executar pesquisas sobre a realidade, reconhecendo esses sujeitos sociais na
dinâmica da sociedade e articulando com eles parcerias.
Além disso, era preciso compreender profundamente a dinâmica capitalista do
momento, em seus processos de mundialização e financeirização, para que se pudesse intervir,
pensar e posicionar, conforme o projeto ético-político orientava, ou seja, criticamente ao
capitalismo.
Aliás, é necessário salientar que o projeto ético-político profissional demarcou, em
diferentes contextos e épocas, os rumos do processo de formação e do exercício profissional,
não podendo ser ladeado ao analisar a formação profissional. Neste sentido, por exemplo,
mesmo sem registros objetivos das propostas de formação durante os primeiros anos da
163
profissão, pode-se compreender seu direcionamento, ao apreender a dinâmica da ação
profissional e sua proposta ético-política nas décadas de 1940 a 1960.
Por conseguinte, atentando para a direção apontada no projeto ético-político que
orienta a profissão desde a década de 1990, nota-se a necessidade de que o projeto de
formação profissional proposto no mesmo período pudesse estimular permanentemente a
aproximação dos assistentes sociais com a vida cotidiana das classes populares, com seu
modo de vida, suas estratégias de sobrevivência, e suas formas de luta para assegurar sua
reprodução na sociedade (IAMAMOTO, 2007).
Neste sentido, apontava-se já durante a implantação das diretrizes curriculares, a
necessidade do Serviço Social olhar para cada espaço e para os sujeitos que compõem a vida
social brasileira, desde os rincões mais remotos, até os maiores centros urbanos do país, para,
ao mesmo tempo, detectar nos processos de vida, as demandas e as possibilidades para o
exercício profissional, mas principalmente para estabelecer parcerias com a classe
trabalhadora, protagonista da vida social, potencializando as lutas na direção impressa no
projeto ético-político da profissão: a transformação societária.
Além disso, indicava-se a necessária ruptura com as práticas tuteladoras da
população usuária dos serviços, a qual teimava em persistir como traço da prática profissional,
mesmo com o amadurecimento crítico vivido pelo Serviço Social desde fins da década de
1970. Isso fica confirmado no fragmento de Iamamoto (2007, p. 198, grifo da autora), que
apontava a necessária “ruptura com o papel tutelar, por vezes escondido em um discurso de
sua negação – que demarca as ações burocratizadas, tecnicistas e tradicionais do Assistente
Social, em que o profissional dispõe de uma relação de estranhamento com a população
usuária dos serviços prestados”. A contestação dessas teimosas práticas tuteladoras, apontava
para o estabelecimento de relações democráticas e de participação da população usuária dos
serviços, a exemplo dos reclamos que a sociedade civil fazia em relação à sua participação
política no estabelecimento das políticas sociais e no controle social do Estado.
Neste sentido, confirma-se novamente que a profissão sintoniza suas reflexões e
manifestações com os processos ideopolíticos e culturais do tempo presente, ou seja, procura
estar em sintonia com o movimento da sociedade, reconhecendo o jogo dialético das forças e
posicionando-se ao lado da classe trabalhadora, signatária de suas ações profissionais.
Todavia, o evidente posicionamento junto à classe trabalhadora, não significava que
o Serviço Social tomasse o campo da sociedade civil como preocupação e, especialmente,
como lugar de produção de forças contra-hegemônicas ao capital. Para Iamamoto (2007, p.
246), mesmo na década de 1990 havia certa “secundarização da sociedade civil do campo das
164
preocupações do Serviço Social”, o que significava “o alheamento do Serviço Social do
processo histórico de transformação das classes sociais na sociedade brasileira nas últimas
décadas [do século XX], sejam os que ingressam no palco do Serviço Social como
demandantes da ação profissional ou como alvo dos serviços”.
A análise da ABEPSS (1996, p. 150), ao publicar a ‘Proposta Básica para o Projeto
de Formação Profissional’, também confirma a secundarização dos processos da sociedade, ao
apontar que até meados da década de 1990,
O privilégio da análise da profissão ocorreu em detrimento da análise da própria
realidade social. É possível afirmar-se [sic] que a preocupação com a capacitação
teórico-metodológica, tendo em vista a renovação da prática profissional, não foi
suficientemente acompanhada do mesmo investimento na pesquisa sobre a questão
social e suas manifestações particulares na realidade brasileira.
Como efeito das análises daquele momento, provocadas pelo processo de conquista
de direitos sociais e de institucionalização das políticas públicas, com redefinição do papel do
Estado, o Serviço Social – inclusive a formação profissional –, conferiu-se foco para o debate
do Estado e das políticas sociais, afastando-se da dinâmica da sociedade civil. A consequência
disto, nas décadas seguintes, foi a compreensão das questões e demandas posteriores como
‘novas questões’ e ‘novas demandas’, invisibilizando suas determinações históricas e, com
isto, dificultando o processo de enfrentamento profissional.
Logo, a partir das Diretrizes Curriculares de 1996, era urgente conferir historicidade
à formação profissional, possibilitando uma leitura totalizante da realidade e dos processos de
trabalho do Serviço Social, que historicamente foram sendo desenvolvidos pela profissão.
Nota-se, assim, que a ausência de historicidade, reclamada durante a primeira avaliação da
formação profissional, ainda persistia como traço do ensino em Serviço Social.
Neste sentido, reforçava-se a urgência em superar este limite, perspectiva que se
colocava para as Diretrizes Curriculares, principalmente a partir da abordagem do núcleo de
fundamentos teórico-metodológicos da vida social e do núcleo de fundamentos da formação
sócio-histórica da sociedade brasileira.
Igualmente, era necessário consolidar a ruptura, iniciada na década de 1980, com as
heranças do passado tradicional e conservador, reforçando a perspectiva crítica marxista e o
pluralismo que orientam o projeto ético-político profissional, formulado durante as décadas de
1980 e 1990, e que já se apresentava hegemônico para o Serviço Social brasileiro quando as
Diretrizes Curriculares foram implantadas.
É interessante notar que ainda no início da implantação as Diretrizes Curriculares
indicava-se que, estrategicamente, era importante e plenamente possível aventar uma
165
formação profissional que respondesse às reais demandas da sociedade. Isto se expressa no
fragmento de Iamamoto (2007, p. 200), quando a autora afirma que,
O Serviço Social, em sua prática, dispõe de condições potencialmente privilegiadas,
pela proximidade que tem ao dia a dia das classes subalternas, de recriar aquela
prática profissional nos rumos aventados, exigindo que a formação universitária
possa dotar os assistentes sociais de subsídios teóricos, éticos e políticos que lhe
permitam – se assim o desejarem – contribuir, de mãos dadas, para o trajeto
histórico rumo a novos tempos.
Sem dúvida, para responder às reais demandas da sociedade, ao mesmo tempo em
que colaborar para seu direcionamento para outra ordem e novos tempos não era desafio fácil
de ser enfrentado. Sabia-se desde aquele momento que a base para operar este enfrentamento
era fundamentar o trabalho profissional na realidade e, nela, no chão cotidiano da classe
trabalhadora. Para isto, não bastavam mais ações profissionais de manutenção da ordem, nos
tempos da gênese e institucionalização profissional. Pelo contrário, era necessário imprimir
caráter efetivo à atuação profissional, reafirmando seu reconhecimento na divisão sóciotécnica do trabalho, enquanto profissão que realiza processos de trabalho e produz trabalho,
mesmo que este seja considerado improdutivo para o capital.
Neste sentido, a ABESS (1996, p. 145) demarcava esta concepção, afirmando na
proposta básica para o projeto de formação profissional que
O Serviço Social como atividade inscrita na divisão social do trabalho [...]
historicamente determinada pela forma como se organiza a sociedade e, ao mesmo
tempo, como resultado da atuação da categoria profissional, isto é, dos
posicionamentos e respostas por ela imprimidos às demandas sociais dos diferentes
grupos e classes sociais.
Assim, fica evidente na proposta da ABESS que embasou as discussões de origem
das Diretrizes Curriculares de 1996, que a ‘prática profissional’ – é compreendida ‘como
trabalho’ – e o ‘exercício profissional – inscrito em processos de trabalho’ –, devem aventarse na aproximação efetiva da dinâmica societária, especialmente da classe trabalhadora, foco
de atuação do Serviço Social.
Além disso, essas afirmações denotam a compreensão do Serviço Social
desvinculado do seu conceito original de ‘prática social’ como caridade, da profissão com
papel de apaziguar os conflitos sociais e enquadrar ou reenquadrar a classe trabalhadora nos
moldes do capitalismo. Seu reconhecimento como trabalho significa a compreensão de que,
enquanto profissão, atua no âmbito da produção e reprodução da vida social e, nela, na
produção de riquezas no circuito de modo de produção capitalista.
166
Na formação profissional, a prática anterior do Serviço Social perde sua
característica imediatista, reduzida à ação instrumental, a modelos de atuação e se transforma
em matéria, no plano do exercício profissional amplo, inserido na esfera produtiva da
sociedade, através da intervenção direta nos processos sociais, políticos, econômicos e
culturais de reprodução da classe trabalhadora.
Ora, a partir das Diretrizes Curriculares, o ‘ensino da prática’ não está, de forma
nenhuma, desvinculado dos processos de trabalho operados pelo Serviço Social, em suas
particularidades e, nem mesmo, da apreensão sobre a configuração que o exercício
profissional vai assumindo historicamente, nas dimensões de sua instrumentalidade,
operatividade, fundamentação teórico-metodológica e ético-política. Neste sentido, Cassab
(2000, p. 128) assevera que “o ensino da prática supõe o conhecimento da matéria do Serviço
Social, dos meios e instrumentos necessários na produção dos resultados e ainda um
conhecimento acerca das condições que potencializam ou dificultam seu fazer, além do
horizonte ético-político construído pela categoria profissional”.
Evidencia-se na afirmação da autora que os elementos do ‘ensino da prática’ do
Serviço Social estão intrinsecamente articulados entre si. Essa dimensão da articulação da
formação, constituindo-se no processo a sua totalidade, era inexistente nos projetos
pedagógicos e nos currículos dos cursos antes da consolidação das Diretrizes Curriculares.
Para Guerra (2000, p. 154), a grande diferença entre o ensino da prática antes e
depois das Diretrizes Curriculares é que,
A prática social passa a ser compreendido como atividade racional e social dos
homens na transformação da natureza e da sociedade, como práxis – conjunto das
objetivações dos homens – o que supõe a realização de atividades produtivas,
sociais, políticas e científicas. O exercício profissional, por sua vez, é concebido
como uma particularidade da prática social mais ampla, com suas dimensões
produtiva/instrumental, teórico-intelectual, ético-política e formativa.
Ora, fica evidente que a nova compreensão sobre o exercício profissional, gestada
desde a década de 1970, discutida nos 1980 e afirmada nos 1990, aponta para uma
compreensão mais ampla da prática profissional que antes. O exercício profissional, nos mais
diversos espaços sócio-ocupacionais, passa a se configurar como práxis, enquanto atividade
humana que realiza processo de trabalho, que transforma a sociedade, e está inserida na
realidade histórica do país e na divisão social e técnica do trabalho. Sua matéria – a questão
social em suas múltiplas expressões – transforma-se cotidianamente, e seu exercício
profissional é efeito e causa das relações sociais. Atuando a partir da totalidade, gera
‘atividades’ tanto ‘produtivas’, quanto ‘sociais’, ‘políticas’, ‘culturais’ e ‘científicas’,
167
interferindo, portanto, no âmbito da reprodução social. Koike (2009, p. 210) confirma esta
concepção, ao dizer que “o fazer profissional referencia-se no domínio intelectual do
instrumental técnico. A prática é concebida como uma totalidade social, dadas as múltiplas
dimensões envolvidas na ação profissional e não apenas as produtivas”.
As afirmações das autoras manifestam a nova concepção sobre o exercício
profissional que foi sendo desenvolvido a partir dos anos 1970, e que encontra relação direta
com o âmbito da formação profissional, visto que esta nova forma de compreender e
identificar a profissão para a sociedade demanda um novo perfil também para a formação. Ela
“supõe uma formação profissional que imprima um perfil crítico, fundado em rigorosa
capacidade teórica, ético-política e técnico-prática voltada ao conhecimento e transformação
da realidade” (KOIKE, 2009, p. 211).
Destarte, compreende-se que, conexo à compreensão do Serviço Social como
trabalho e do exercício profissional como processo de trabalho, encontra-se a exigência de
que a formação profissional aborde a totalidade da dinâmica da sociedade, habilitando o
graduando para atuar junto às diversas expressões da questão social, que se transformam
cotidianamente, segundo o movimento histórico da sociedade.
Segundo Faleiros (2000, p. 176), é preciso uma formação profissional que prepare
assistentes sociais cuja “habilidade essencial seja renovar a competência sempre, capacitandose para enfrentar qualquer desafio e mantendo-se sempre à frente deles”. O autor ainda afirma
que “a reconstrução do conhecimento, com qualidade formal e política, é o signo central da
competência desse profissional, tanto para agir como cidadão, quanto para atuar no mercado”.
Isso deve ser feito considerando que o exercício profissional implica diretamente nas
formas de produção e reprodução da vida social. Destarte, é necessário que a formação
profissional propicie ao graduando compreender a totalidade que constitui a vida em
sociedade. Isso requisita o desenvolvimento de certas competências e habilidades, bem como
valores e princípios ético-políticos que sustentem o exercício profissional, ligado
objetivamente à produção e reprodução da vida da classe trabalhadora.
Compreende-se que apenas uma formação profissional assim, de caráter generalista,
com
reconhecimento
das
particularidades
e
respeito
às
singularidades,
permite
construir/desenvolver, no e com o graduando, tais competências e habilidades. Logo, a
formação generalista torna-se condição sine qua non para que a proposta de exercício
profissional, construída coletivamente a partir da década de 1980, efetive-se.
A necessidade de uma formação generalista evidencia-se nas Diretrizes Curriculares,
através da
168
Clara tendência de superação da perspectiva restrita das especializações, afirmandose a preferência por um profissional competente em sua área de desempenho, mas
generalista em sua formação intelectual e cultural, munindo de um acervo amplo de
informações em um mundo cada vez mais globalizado, capaz de apresentar
propostas criativas e inovadoras (IAMAMOTO, 2007, p. 265).
Além da formação generalista, e da compreensão do exercício profissional como
trabalho, aponta-se nas Diretrizes Curriculares, como eixo central, a compreensão de que a
matéria do exercício profissional é a questão social, sendo ela fundamento histórico-social da
profissão. Os diferentes processos de trabalho articulam-se às suas diversas expressões, o que
reforça, novamente, a necessidade de uma formação generalista, que possibilite ao futuro
profissional atuar nas diferentes manifestações da questão social.
Para referenciar este eixo da formação, Cardoso (2000, p. 10) indicava que,
Por questão social, entendemos o conjunto das expressões das desigualdades sociais,
materializadas nos problemas sociais, econômicos, políticos, que se acirram no
curso da constituição da sociedade capitalista, e nas formas de enfrentamento e de
resistência desencadeadas pelo Estado e pelos diversos segmentos da sociedade
civil, sobretudo pelos setores subalternos que vivenciam essas problemáticas
historicamente no cotidiano.
Há de se atentar para o fato de que as Diretrizes Curriculares de 1996 procuraram
conferir importância e reprocidade entre a produção teórica e a prática profissional no
processo de formação. Neste sentido, as análises da implementação do Currículo Mínimo de
1982 apontavam que o ensino da prática profissional era considerado como aspecto de menor
valor durante a formação profissional. Como consequência, geralmente no estágio – mas
também no restante da formação – operava-se a simples observação, desprendida da reflexão,
imprimindo à ação do discente uma prática sem direção, condicionada apenas aos
procedimentos da instituição, o que implicava na dificuldade de reconhecer a matéria
profissional. Assim, com a implantação e consolidação das Diretrizes Curriculares, era
imprescindível reverter esta consideração, conferindo o verdadeiro valor para a formação em
seu âmbito técnico-operativo, especialmente através do estágio supervisionado.
Para Cassab (1996, p. 122), um dos efeitos da atribuição de menor valor ao processo
de ensino-aprendizagem, que acontecia junto aos espaços sócio-ocupacionais, era
compreender o estágio como um processo naturalizado, onde a partir de uma ideação a ação
se automatizasse, como um artifício meramente mecânico. Para a autora, era “como se a
simples presença física do aluno o levasse a observar, como se realizar alguns instrumentos o
levasse a compreender a complexa rede de relações que envolve o trabalho do assistente
social. Em síntese, que o fazer se desse ‘naturalmente’”.
169
Para reverter este quadro, a partir das Diretrizes Curriculares de 1996, propunha-se
articular a qualificação teórica com a formação técnica-operativa, antes descoladas. Neste
sentido, a proposta reuniu os fundamentos da vida profissional em um único núcleo de
matérias, onde são trabalhados, de forma articulada, os fundamentos teórico-metodológicos,
técnico-operativos e ético-políticos. Também o estágio curricular obrigatório foi alocado neste
núcleo, evidenciando que é parte fundamental da formação sobre a vida profissional.
Nesse núcleo o estudo dos fundamentos ético-profissionais ganha espaço profícuo,
inclusive como disciplina, todavia a formação ética deva transversalizar todos os conteúdos
curriculares. Brites e Barroco (2000, p. 27), exemplificando esta transversalidade, falam do
aprendizado sobre a ética profissional, presente nos estágios.
No processo de formação profissional, os campos de estágio constituem um espaço
fértil para a reflexão ética, pois se trata de uma experiência em que o aluno encontra,
ao mesmo tempo, possibilidades de objetivação dos valores éticos que orientam sua
formação e de confronto com projetos ético-políticos diferentes ou até antagônicos.
Dessa forma, a ética também recebe centralidade na formação profissional e deve ser
assumida por todo o corpo docente, de forma a transversalizar todos os conteúdos, sem que se
retire do currículo o oferecimento de uma disciplina específica sobre ética profissional,
também articulada no núcleo de fundamentos da vida profissional. Além disto, evidencia-se a
partir da reflexão das autoras que o estágio curricular não se encontra desvinculado do
restante da formação profissional, pelo contrário, é parte articulada e fundamental do processo
de ensino-aprendizagem, com o qual se vinculam todos os demais conteúdos da formação.
Assim, passa-se a compreender que, para conhecer a realidade e nela intervir, é
necessário habilitar o estudante para investigar e produzir conhecimentos sobre a realidade,
tomando como base os próprios processos sociais nos quais ocorre o exercício profissional.
Daí a redobrada importância do estágio curricular, enquanto espaço de produção do
conhecimento sobre a realidade social, e sobre o processo de trabalho do Serviço Social
naquele determinado campo de estágio. Para que esta proposta das Diretrizes se confirme, é
necessário articular, desde as matérias que antecedem ao estágio curricular, o ensino teóricoprático, aproximando o estudante dos espaços sócio-ocupacionais nos momentos de reflexão
teórica dos fundamentos da vida social, da formação sócio-histórica da sociedade brasileira e,
especialmente, da vida profissional.
Logo, a partir das Diretrizes Curriculares de 1996 foi imprescindível compreender que
“o domínio teórico-metodológico só se atualiza e adquire eficácia quando aliado à pesquisa da
realidade, isto é, dos fenômenos históricos particulares que são objetos do conhecimento e da
170
ação do assistente social” (IAMAMOTO, 2007, p. 273). Eis aqui a expressão da articulação
entre os três eixos de fundamentos que constituem a formação profissional.
Portanto, desde 1996 é esta articulação o motor da formação profissional. Sem ela, os
fundamentos, embora descritos nas Diretrizes Curriculares, não se objetivam na formação
profissional. O esforço para ativar esta articulação de saberes deve ser assumido
cotidianamente e coletivamente por todos os sujeitos do processo de formação profissional.
2.3.1.2 As Diretrizes Curriculares [por elas mesmas]
Neste item do capítulo serão apontados os principais elementos que compõem as
Diretrizes Curriculares para o Curso de Serviço Social, segundo a proposta aprovada na
Assembleia Geral Extraordinária da ABESS, realizada no Rio de Janeiro, em 08 de novembro
de 1996. A partir dele, poder-se-á compreender melhor as modificações posteriores a este
documento, feitas pelo governo, através do Conselho Nacional de Educação. Especificamente
nesta tese, os elementos aqui apresentados subsidiarão, na sequência desta seção, o
conhecimento e análise da formação profissional oferecida pela Universidade Federal de
Alagoas, em seus dois cursos de Serviço Social.
Assim, começa-se apontando que o primeiro quesito que identifica das Diretrizes
Curriculares é que resulta do amplo processo de discussão, iniciado pela categoria em fins dos
anos 1980 e intensificado a partir de 1994, quando a ABESS juntamente com o CEDEPSS,
promoveram e coordenaram um amplo e sistemático debate. Logo, tais diretrizes configuramse como fruto dos trabalhos da categoria profissional, principalmente professores e estudantes
das escolas associadas à ABESS, mas também de professores de outras áreas das ciências
sociais, que compartilham disciplinas nos cursos de Serviço Social, dos supervisores de
campo e dos assistentes sociais em exercício profissional nas instituições de atendimento aos
sujeitos de direitos sociais.
Até chegar ao documento final, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária,
segundo a ABESS (1996), foram realizadas, entre os anos de 1994 a 1996, aproximadamente
200 oficinas locais, nas 67 escolas de Serviço Social, 25 oficinas regionais e 02 nacionais.
Em 1995, como resultado do diagnóstico da formação profissional, elaborado nos
primeiros anos da avaliação, divulgou-se o primeiro documento deste processo, qual seja a
‘Proposta Básica para o Projeto de Formação Profissional’, publicado na Revista Serviço
Social & Sociedade, nº 50, em abril de 1996.
171
Ainda em 1996, a partir da assessoria de uma equipe de consultores, publicou-se o
segundo documento, sob o título de ‘Proposta Básica para o Projeto de Formação
Profissional: novos subsídios para o debate’, que foi reencaminhada para discussão das
unidades de ensino. Na sequência, ainda naquele mesmo ano, as proposições das bases foram
sistematizadas em seis documentos, resultantes das oficinas regionais, “a partir dos quais a
Diretoria da ABESS, a representação da ENESSO e do CFESS, o Grupo de consultores de
Serviço Social e a Consultoria pedagógica elaboraram a Proposta Nacional de Currículo
Mínimo para o Curso de Serviço Social” (ABEPSS, 1996, s/p, grifo do autor), que finalmente
foi submetido à Assembleia e aprovado em novembro de 1996.
Imediatamente na sequência, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB), que indicava que se fizesse a normatização e definição de diretrizes para a
formação profissional de cada área, a ABESS e os demais protagonistas deste processo de
revisão curricular, adequaram o nome do documento, publicando-o como ‘Diretrizes Gerais
para o Curso de Serviço Social’.
Já durante o processo de revisão, entendia-se que
O conjunto de diretrizes estabelecem uma base comum, no plano nacional, para os
cursos de graduação em Serviço Social, a partir da qual cada Instituição de Ensino
Superior (IES) elabora seu Currículo Pleno. Aquela base está pautada por um
projeto de formação profissional, coletivamente construído ao longo dos anos 80 e
90, sob a coordenação da ABESS (ABESS, 1996, s/p, grifo do autor).
Assim, as Diretrizes Curriculares passam a imprimir unidade à formação em Serviço
Social, assegurando às escolas autonomia para inserir a abordagem de conteúdos que
tratassem das regionalidades, fazendo a necessária articulação entre a totalidade da formação
em nível de Brasil e as particularidades da formação e do exercício profissional nos contextos
regional e local de cada escola.
Segundo a tendência dos debates dos anos 1980, o significado social da profissão nas
Diretrizes remete à especialização do trabalho coletivo, inserido na divisão social e técnica do
trabalho, construída no movimento histórico da sociedade e, por isso, compreendida em sua
historicidade, como resultado das relações sociais capitalistas.
São quatro os pressupostos norteadores da concepção de formação profissional: 1)
particulariza-se, enquanto profissão, no âmbito das relações sociais, intervindo objetivamente
no âmbito das expressões da questão social; 2) a relação do Serviço Social com a questão
social é mediatizada por um conjunto de processos sócio-históricos e teórico-metodológicos,
constitutivos do seu processo de trabalho; 3) o agravamento das manifestações da questão
social determina uma inflexão no campo profissional; 4) o processo de trabalho do Serviço
172
Social é determinado pelas configurações estruturais e conjunturais da questão social e pelas
formas históricas de seu enfrentamento, permeada pela ação dos trabalhadores, do capital e do
Estado, através das políticas e lutas sociais (ABESS, 1996).
Os princípios que fundamentam a formação profissional são:
a) A flexibilidade de organização dos currículos plenos das escolas, possibilitando a
dinamicidade do currículo e o atendimento às demandas da formação, postas pela
realidade local e regional;
b) O rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade e do Serviço
Social, feito de forma articulada, a fim de possibilitar a compreensão dos problemas
e desafios com os quais os profissionais se defrontam no cotidiano do exercício
profissional;
c) A adoção de uma teoria social crítica, que possibilite a apreensão da totalidade da
dinâmica da sociedade, em sua universalidade, particularidade e singularidade;
d) A superação da fragmentação e a implantação da articulação de conteúdos na
organização curricular;
e) A afirmação das dimensões investigativa e interventiva como princípios
formativos;
f) A orientação para que cursos diurnos e noturnos sigam os mesmos padrões de
desempenho e qualidade acadêmica;
g) A garantia do caráter interdisciplinar;
h) A afirmação da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão;
i) O exercício do pluralismo na vida acadêmica e profissional;
j) A ética como princípio formativo a perpassar toda a formação curricular; e
k) A reiteração da indissociabilidade entre estágio, supervisão acadêmica e
profissional.
A formação profissional passa a ter como objetivos a apreensão crítica do processo
histórico em sua totalidade, o que requer uma efetiva investigação sobre a formação histórica
e os processos sociais contemporâneos, que conformam a sociedade brasileira, a fim de
apreender as particularidades da formação e desenvolvimento do capitalismo e da profissão
no Brasil; a apreensão do significado social da profissão; a apreensão das demandas
consolidadas e emergentes para o Serviço Social; e a apreensão da profissão, segundo as
competências e atribuições previstas na Legislação profissional em vigor.
173
As Diretrizes Curriculares de 1996 inauguram uma nova lógica na organização
curricular, a partir de três núcleos de fundamentação constitutivos da formação profissional. A
partir dessa lógica, compreende-se que a formação em Serviço Social abrange uma totalidade
de conhecimentos, expressos nesses três núcleos, articulados historicamente e manifestos em
sua particularidade. São eles:
Núcleo de Fundamentos teórico-metodológicos da vida social: em que é
abordado o ser social em sua totalidade histórica, a partir da apreensão dos
componentes
fundamentais
da
vida
social,
que
articuladamente
são
particularizados nos núcleos de fundamentos da realidade brasileira e da vida
profissional. Ainda nesse núcleo “o trabalho é assumido como eixo central do
processo de reprodução da vida social, sendo tratado como práxis, o que implica
no desenvolvimento da sociabilidade, da consciência, da universalidade e da
capacidade de criar valores, escolhas e novas necessidades” (ABESS, 1996, s/p).
Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-histórica da Sociedade
Brasileira: a partir dele, é tratada a formação sócio-histórica do país, em sua
constituição econômica, social, política e cultural, numa configuração de nação
dependente, com características recentes urbano-industrial, em suas diversidades
locais e regionais, articuladas à análise e à compreensão da questão agrária e
agrícola, considerando a particularidade da formação sócio-histórica brasileira.
“Os conteúdos deste núcleo requerem constante e atenta análise conjuntural da
sociedade brasileira, em sua inserção internacional, voltada ao acompanhamento
dos processos sociais em curso, geradores das múltiplas manifestações da questão
social” (ABESS, 1996, s/p).
Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional: nele são estudadas as
dimensões constitutivas do fazer profissional, articuladas aos elementos
fundamentais de todo e qualquer processo de trabalho, quais sejam: o objeto ou a
matéria sob a qual incide sua ação transformadora; a atividade do sujeito a partir
de sua intencionalidade, ou seja, seu trabalho; o produto do trabalho profissional
em suas implicações materiais, ideopolíticas e econômicas; as condições e
relações sociais historicamente estabelecidas, as quais condicionam o trabalho do
assistente social. Trata-se também do conjunto de características que demarcam a
174
institucionalização e desenvolvimento da profissão, compreendendo suas
particularidades como especialização do trabalho coletivo. Este núcleo remete à
compreensão de que o Serviço Social tem como base para seu desenvolvimento a
“história da sociedade, donde emanam as requisições profissionais, os
condicionantes do seu trabalho e as respostas possíveis de serem formuladas pelos
profissionais” (ABESS, 1996, s/p). São abordadas as competências teóricometodológica, técnico-operativa e ético-política como bases fundamentais para a
apreensão do processo de trabalho. Trata-se da profissão em seu caráter
interventivo, permeada de uma postura investigativa e historicamente construída.
Esses três núcleos são trabalhados a partir de matérias, que se desdobram em
disciplinas, seminários temáticos, oficinas / laboratórios, atividades complementares e outros
componentes curriculares, a serem organizados e distribuídos no currículo pleno dos cursos,
conforme avaliação das equipes docentes das escolas de Serviço Social.
Nas Diretrizes Curriculares de 1996 são descritas as matérias básicas para os
currículos dos cursos e também apontados os seus conteúdos básicos38. As matérias são:
a) Sociologia;
b) Teoria política;
c) Economia política;
d) Filosofia;
e) Antropologia;
f) Psicologia;
g) Formação sócio-histórica do Brasil;
h) Direito e legislação social;
i) Política social;
j) Desenvolvimento capitalista e questão social;
k) Classes e movimentos sociais;
l) Fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social;
m) Trabalho e sociabilidade;
n) Serviço Social e processos de trabalho;
38
A fim de conhecer os conteúdos básicos apontados, indica-se recorrer ao texto original das Diretrizes
Curriculares, aprovado na Assembleia Geral Extraordinária da ABESS em novembro de 1996, disponível no
site da ABEPSS, no endereço <www.abepss.org.br.>.
175
o) Administração e planejamento em Serviço Social;
p) Pesquisa em Serviço Social; e
q) Ética profissional.
O estágio supervisionado configura-se como uma atividade curricular obrigatória,
que objetiva capacitar o estudante para o exercício do trabalho profissional, o que pressupõe a
supervisão sistemática acadêmica e profissional. Sua carga horária mínima será de 15% sobre
as 2.700 horas/aula, previstas até aquele momento como mínimo para oferecimento das
disciplinas. Assim, as Diretrizes Curriculares ressaltam que a carga horária do estágio será
computada a partir das 2.700 horas mínimas, que perfaz no mínimo 405 horas/aula de estágio
supervisionado.
Também se configura como atividade curricular obrigatória, o Trabalho de
Conclusão de Curso, compreendido como “momento de síntese e expressão da totalidade da
formação profissional [...], realizada dentro de padrões e exigências metodológicas e
acadêmico-científicas, [...] constituindo-se como monografia científica, elaborada sob
orientação de um professor e avaliada por banca examinadora” (ABESS, 1996, s/p).
As atividades complementares devem corresponder aos 5% da carga horária total do
currículo pleno, podendo ser consideradas “a monitoria, visitas monitoradas, iniciação
científica, projetos de extensão, participação em seminários e outras atividades de cunho
científico e profissional, publicação de produção científica e outras atividades definidas no
plano acadêmico do curso” (ABESS, 1996, s/p).
Nas orientações gerais, as Diretrizes Curriculares definem que a carga horária
mínima para integralização do curso é de 2.700 horas aula, acrescidas das horas de estágio
supervisionado. O tempo mínimo para a integralização é de sete semestres e o máximo é de
50% sobre a duração do curso.
Recomenda-se
que
os
currículos
plenos
expressem
os
mecanismos
de
aproveitamento de estudos realizados em cursos sequenciais, de graduação ou pós-graduação,
já realizados pelo discente. Também se recomenda garantir a maior carga horária para as
disciplinas de Serviço Social, configuradas especialmente no terceiro núcleo de fundamentos
da formação profissional.
Essas diretrizes para a formação profissional expressam os anseios e perspectivas da
categoria profissional, manifestados nas discussões da década de 1990 e aprovados pela
Assembleia Geral da ABESS em 1996. Todavia, nos anos seguintes à sua aprovação ocorreu
um processo discreto, mas efetivo, de modificação abrupta da proposta original, que foi
176
aprovada pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) apenas em 2001 e publicada como
Decreto Oficial em 2002. Tais modificações foram fundamentadas na perspectiva neoliberal,
instalada nos governos brasileiros desde fins da década de 1980, imprimindo às Diretrizes
Curriculares para os Cursos de Serviço Social o mesmo caráter da política de ‘expansão do
ensino superior’, tema que será tratado a seguir.
Sem dúvida, o desfecho para a aprovação das Diretrizes Curriculares pelo CNE foi
uma afronta à autonomia das instâncias de acompanhamento e orientação da formação
profissional, bem como ao processo democrático instalado pela categoria para a avaliação do
Currículo Mínimo de 1982.
Para isto, a estratégia utilizada pelo governo foi o reforço de uma instância que
constitucionalmente teria como papel exercer o controle social sobre o Estado e garantir a
participação da sociedade civil nas deliberações referentes à política nacional de educação,
mas que efetivamente age cooptada pela classe dominante e coadunada com o governo.
Através dessa instância – o CNE – o Estado agiu, emitindo pareceres que justificavam a
modificação dos fundamentos das Diretrizes aprovadas pela ABESS.
Assim, o Estado brasileiro conseguiu seu intento de travestir as Diretrizes
Curriculares do Serviço Social – originalmente de caráter crítico e combativo à
mercantilização do ensino superior –, conferindo a elas o caráter de uma formação técnica,
profissionalizante, formadora de força de trabalho para o mercado, e totalmente disponível
para ser explorada como produto pelo mercado privado da educação universitária.
2.3.1.3 Entraves governamentais à proposta original
Na contracorrente ao processo democrático e amplo de discussão e revisão das
diretrizes para a formação profissional, expressas no Currículo Mínimo de 1982, o Conselho
Nacional de Educação (CNE), em 2001, aprova as novas diretrizes curriculares para o Serviço
Social, esvaziadas das concepções contidas na proposta original da categoria.
Com modificações aparentemente sutis, mas fundamentais e, porque não, ofensivas,
o governo propõe o texto legal que foi aprovado pelo CNE, com base nos Pareceres
CNE/CES nº 492/2001 e nº 1.363/2001, resultando na Resolução CNE/CES nº 15, de 13 de
março de 2002.
Essas severas modificações nas Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço
Social não foram despretensiosas, e nem se encontram desconectadas da política de educação
177
que vem sendo desenvolvida no país, nos últimos vinte anos, que será discutida no próximo
item do capítulo.
Era necessário que as novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social,
que tinham resultado de um amplo processo de avaliação, debate e análise do Currículo
Mínimo de 1982, entendido como necessário pela categoria profissional, fosse adequado pelo
governo à perspectiva neoliberal e à lógica do mercado. Neste sentido, a tarefa realizada pelo
Estado, através das equipes técnicas do Ministério da Educação, foi alterar a proposta
original, garantindo a presença de recursos, no próprio texto legal das Diretrizes, que
possibilitassem a flexibilização dos currículos para os cursos de Serviço Social.
Assim, as Diretrizes Curriculares aprovadas na Assembleia Geral Extraordinária de 8
de novembro de 1996, discutidas pela Comissão de Especialistas de Ensino em Serviço Social
nos anos seguintes, que propôs em 26 de fevereiro de 1999 o texto final para o documento,
que deveria ter sido aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, foram modificadas. Com
os significativos cortes feitos no texto, possibilitou-se a simplificação dos currículos dos
cursos, favorecendo a implantação de cursos que atendem às demandas do mercado, por uma
formação profissional aligeirada e, também por isso, rentável para o capital.
Conforme Iamamoto (2008, p. 445, grifo da autora), “a proposta original sofreu uma
forte descaracterização no que se refere à direção social da formação profissional, aos
conhecimentos e habilidades preconizados e considerados essenciais ao desempenho do
assistente social”.
Para Boschetti (2004, p. 22) o que ocorreu foi uma ‘desconfiguração’ das Diretrizes
Curriculares pelo Conselho Nacional de Educação. “Os pareceres e a resolução do CNE [...]
reduziram drasticamente o projeto pedagógico que constava nas Diretrizes Curriculares da
própria ABEPSS”. E a autora continua, afirmando que “não devemos entender essa redução
drástica como mera simplificação e mera formatação padrão de todos os cursos. Por trás dessa
simplificação está um projeto de formação conflitante com a proposta de formação
profissional do Serviço Social, construído coletivamente”.
O primeiro ponto de afronta, segundo a mesma autora, foi a não aprovação da carga
horária mínima, que constava de 2.700 horas, computando sobre este total os 15% para
desenvolvimento do estágio curricular obrigatório (405 horas). A não especificação da carga
horária mínima fez com que surgissem, posteriormente a 2002, diversos cursos contendo até
2.700 horas, incluindo o estágio curricular, o que faz com que seja possível integralizar o
curso em até três anos e meio (42 meses).
178
Após a aprovação das Diretrizes Curriculares pelo CNE em 2001, reconhecendo esse
corte fundamental no texto original, e não detendo recursos legais para barrar a autorização e
aprovação destes cursos aligeirados, a estratégia da categoria foi intensificar campanhas sobre
a formação profissional com qualidade, conferindo indicações para docentes e discentes,
principalmente desses tipos de curso. Especialmente para os estudantes, indica-se para que
eles mesmos requeiram das instituições a modificação dos currículos e a ampliação da carga
horária, garantindo a ampliação de seus cursos39.
Conforme Boschetti (2004), outra significativa alteração foi a supressão dos
conteúdos de matérias e disciplinas, indicando abreviadamente os tópicos que devem
estruturar os projetos pedagógicos dos cursos. Com isso, os projetos pedagógicos têm sido
bastante simplificados, ficando aberta a possibilidade de construção dos conteúdos
programáticos segundo a perspectiva de quem irá formular tais projetos. Esta abertura na
construção dos conteúdos programáticos é bastante grave, pois a partir desta janela é possível
inserir conteúdos com ausência da perspectiva crítica marxista, hegemônica na profissão
desde a década de 1990. Além disso, deixa-se margem também para retirar conteúdos
fundamentais, alterando, igualmente, a perspectiva teórica.
A diversificação é outro elemento decorrente desta supressão. Minimamente, são
explicitados: o perfil dos formandos; as competências e habilidades gerais e específicas a
serem desenvolvidas durante a formação profissional; a forma como se organiza o curso; seus
conteúdos curriculares; o formato do estágio curricular supervisionado e do Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) e, por fim, a explicitação das atividades complementares do curso
(BRASIL, 2002).
Também em decorrência da supressão dos conteúdos das matérias e disciplinas,
observa-se que a proposta de organização e articulação da formação profissional nos três
núcleos de fundamentos da formação tem encontrado dificuldades para se efetivar. O que ocorre
é que, considerando que cada Unidade de Formação Acadêmica (UFA) é responsável por
descrever os conteúdos, as matérias e disciplinas continuam desarticuladas – consequentemente
os núcleos de fundamentos também. Além disso, frequentemente, alguns de seus conteúdos são
sobrepostos, enquanto outros não são tratados durante toda a formação profissional.
39
Isso foi o que aconteceu, por exemplo, com a Universidade Nove de Julho, uma instituição privada de ensino
superior que oferecia, até o início de 2012, cinco cursos em São Paulo, principalmente na capital (dado
atualizado no 1º semestre de 2012). Essa instituição, em 2009, revisou seu projeto pedagógico e sua grade
curricular, ampliando sua formação profissional em Serviço Social, prevista inicialmente para ser ofertada em
três anos e que teve que passar para três anos e meio. Essa modificação ocorreu ainda durante a formação das
primeiras turmas de discentes, e foi provocada pela organização do movimento estudantil, que moveu recurso
junto ao Ministério Público. A fonte dessa informação é a própria autora, que à época exercia a docência nesta
instituição.
179
Boschetti (2004) alerta ainda para outro problema decorrente do esvaziamento das
Diretrizes Curriculares. A desarticulação entre os princípios que estruturam as Diretrizes –
contidos no item ‘organização do currículo’ – e sua aplicação mecânica nos projetos
pedagógicos, sem a construção de nexos lógicos que ofereceriam forma e conteúdo ao projeto de
formação. Como efeito, os princípios ficam invisibilizados, ou até mesmo ausentes, dos projetos
pedagógicos, e, quando presentes, frequentemente não cumprem a função de orientar e
organizar, através da explicitação de valores, o conjunto dos elementos da formação profissional.
Iamamoto40 (2008, p. 445-446, grifo da autora) também aponta diversas alterações
no texto original. Dentre seus apontamentos, destaca-se:
No perfil do bacharel em Serviço Social constava “profissional comprometido
com os valores e princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social”, o
que foi retirado e substituído por “utilização dos recursos de informática”. Na
definição de competências e habilidades, a definição do direcionamento teóricometodológico e histórico para a análise dos processos sociais e da sociedade
brasileira foi suprimida. [...] Alguns dos objetivos apresentados foram,
simplesmente, eliminados do texto legal. E os tópicos de estudo foram totalmente
banidos do texto oficial em todas as especialidades. [...] Esse corte significa, na
prática, a impossibilidade de garantir um conteúdo básico comum à formação
profissional no país, mais além dos três núcleos organizadores da estrutura
curricular.
Tais modificações, aparentemente inocentes, têm dificultado o acompanhamento e a
avaliação das solicitações de abertura, registro e reconhecimento dos novos cursos de
graduação. Isso ocorre porque as equipes de avaliadores passam a ter que fundamentar suas
análises num documento legal que permite a precarização da formação profissional, e sua
objetivação como mais um produto para o mercado de serviços privados, passível de consumo
pela classe trabalhadora.
Essa situação é preocupante especialmente porque o processo de aprovação para
abertura e funcionamento e, posteriormente, o reconhecimento dos cursos – para efeitos de
emissão dos diplomas de bacharel em Serviço Social – passam a ser de responsabilidade
exclusiva do MEC, sem previsão de qualquer interlocução com as entidades representativas
da categoria – principalmente em nível de ensino, como a ABEPSS e a ENESSO, e àquelas de
fiscalização do exercício profissional, qual seja o conjunto CRESS-CFESS.
Assim, através do Estado cooptado pelo capital, o mercado educacional – fortemente
representado no Conselho Nacional de Educação – garante certa margem de autonomia para
40
Foi membro da equipe de consultores que participaram do processo de avaliação do antigo currículo, propondo
os documentos básicos; membro da equipe de consultores que apresentou o texto preliminar das Diretrizes
Curriculares para a Assembleia Geral Extraordinária da ABESS, em 1996; e, posteriormente, membro da
Comissão de Especialistas de Ensino em Serviço Social, que acompanhou a elaboração dos pareceres pelo
Conselho Nacional de Educação, antes da aprovação final das Diretrizes por este conselho, em 2001.
180
apresentar um contingente significativo de novos cursos de Serviço Social, sem quaisquer
compromissos com a qualidade da formação oferecida.
Uma das estratégias que a ABEPSS tem utilizado, em conjunto com a ENESSO e o
conjunto CRESS/CFESS, tem sido a orientação para que as equipes pedagógicas que estão
formulando os novos cursos para as instituições de ensino – das quais fazem parte docentes de
Serviço Social ou assistentes sociais em exercício técnico – sigam o texto original das
Diretrizes Curriculares aprovadas pela categoria em 1996, bem como as orientações
posteriores emitidas pela Comissão de Especialistas de Ensino em Serviço Social e não o
texto legal, aprovado em 2001 pelo CNE.
Além disso, recomenda-se que os projetos curriculares sigam os valores e princípios
do projeto ético-político profissional, materializados na Lei de Regulamentação da Profissão
de Assistente Social (Lei nº 8.662, de 7 de junho de 1993) e no Código de Ética Profissional
(Resolução CFESS nº 273, de 13 de março de 1993).
Essas recomendações, quando seguidas, têm diminuído os efeitos do esvaziamento
das Diretrizes Curriculares promovido pelo CNE, todavia não impedem que as instituições
exclusivamente voltadas para o mercado educacional ofereçam cursos de baixa qualidade e
sem suportes para uma formação crítica e comprometida com a transformação societária.
Enfim, é imprescindível mobilizar ‘a vontade da categoria’ na direção da defesa das
Diretrizes Curriculares aprovadas em 1996, a fim de salvaguardar as conquistas que elas
representam para a formação, mas também para o exercício profissional. Logo, o desafio é
resistir à ofensiva neoliberal feita contra a formação profissional, reiterando a legitimidade do
texto original das Diretrizes, para reforçar, inclusive, o projeto ético-político profissional.
2.3.2 Mercantilização do ensino universitário e Serviço Social: aprofundamento da
precarização desde a década de 1990
Numa perspectiva aligeirada e mercadológica da formação universitária, os preceitos
neoliberais advindos das agências multilaterais passaram a orientar a política nacional de
educação, desde meados dos anos 1990. Esta orientação está alinhada com a defesa do
capitalismo e volta-se para criar e replicar medidas, nas mais diversas áreas da sociedade, que
possam conferir sustentação para que o modo de produção capitalista saia da sua crise
estrutural.
181
O novo gerenciamento das políticas sociais – e nelas, a política nacional de educação
– torna-se uma excelente estratégia dos governos para favorecer a esfera financeira e o capital.
Para Iamamoto (2008), o capital outra vez captura o Estado, que passa a agir ainda mais em
detrimento do conjunto da classe trabalhadora, a qual assume o ônus da crise do capital,
inclusive quando o Estado se desresponsabiliza pela efetivação – financiamento e execução –
das políticas públicas. Nesse processo de retirada do Estado e de ofensiva do capital, que
juntos operam para a ‘ilusória’ superação da crise, está a raiz do atual perfil assumido pela
questão social, que se agudiza dia a dia, tornando-se muito mais do que expressões de miséria,
pobreza e marginalização da classe trabalhadora.
Ora, considerando que a crise por que passa a sociedade capitalista é, segundo
Mészáros (2011), uma crise estrutural, gerada e anunciada antes ainda da década de 1970, a
qual somente será superada através da transformação societária para o socialismo, percebe-se
a evidente tendência de aprofundar, cada vez mais, as medidas de retirada do Estado da área
social e a mercantilização das políticas sociais, agravando – no caso do objeto de análise desta
seção do trabalho – continuamente a precarização da educação em seus diversos níveis, até
que o sistema capitalista chegue à insustentabilidade plena.
Enquanto não ocorrer a implosão deste modo de produção, o Estado – operando
como comitê da classe dominante – promoverá constantemente medidas para tentar recuperar
e/ou aprimorar a rentabilidade do capital. Essas medidas serão operadas pela via das políticas
de incentivos financeiros ao grande capital, de aceleração do consumo, de qualificação
profissional dos trabalhadores – objetivando a diminuição de custos para o capital produtivo e
o aumento da mais-valia relativa – e, finalmente, pelas políticas focalizadas e residuais de
atenuação da pobreza e extrema pobreza, destinadas àqueles que não conseguem prover sua
reprodução a partir de sua força de trabalho e da sua família.
O problema – ou a solução – é que esta é uma crise estrutural e, portanto, por mais que
o Estado promova políticas de reforma e contrarreforma, interferindo objetivamente nas políticas
públicas – econômicas, políticas e sociais –, não haverá saída dentro deste modelo de sociedade.
Isso porque a crise atual tem como fundamento, primeiro, o seu sistema
sociometabólico que, por não ter limites para sua expansão, acaba por converter-se numa
processualidade incontrolável e profundamente destrutiva, que não terá reversão, a partir dele
mesmo. Assim, forma-se uma crise endêmica, cumulativa, crônica e permanente, sendo uma
de suas características estruturais o aumento avassalador das taxas de desemprego, associado
à erosão do trabalho protegido e regulamentado. “O que está fundamentalmente em causa
hoje não é apenas uma crise financeira maciça, mas o potencial de autodestruição da
182
humanidade no atual momento do desenvolvimento histórico, tanto militarmente, como por
meio da destruição da natureza” (MÉSZÁROS, 2011, p. 29).
Neste contexto, a tendência anunciada por Boschetti (2004) de massificação da
formação profissional – pela via da mercantilização do ensino universitário – e da sua
precarização – inclusive, pela via da flexibilização das diretrizes dos cursos – tende a se
agravar, desqualificando todos os processos de educação, desde o ensino fundamental, até os
diversos níveis de pós-graduação.
Para Castro (2008, p. 245),
A redução do gasto público na educação, preconizada pelo ideário neoliberal,
norteia, a partir da década de 1990, no Brasil, a formulação e gestão das políticas
sociais. Os princípios da descentralização e da focalização passam a orientar estas
políticas cada vez mais negligenciadas pelo poder público. No âmbito das políticas
sociais, um novo paradigma retoma a relevância da formação do capital humano,
considerado fundamental para a competitividade do mundo globalizado. Nesse
paradigma a focalização é estratégia para se obter eficácia na aplicação de recursos
escassos.
Seguindo estas estratégias neoliberais de enfrentamento da crise, os últimos governos
brasileiros41 têm realizado reformas, inclusive na educação, incluindo a educação básica, o
ensino fundamental e médio e o ensino superior, todas sintonizadas com a lógica das
‘contrarreformas do Estado’.
Conforme a ABEPSS (2009, p. 146),
As medidas desencadeadas pela aprovação da LDB – exame nacional de cursos,
mestrados profissionalizantes, substituição dos currículos mínimos por diretrizes
curriculares, cursos sequenciais, ensino à distância em todos os níveis – seguem
orientações dos organismos internacionais no sentido de privatização das políticas
sociais, de favorecimento da expansão dos serviços privados, de diversificação e
massificação do ensino e de reconfiguração das profissões.
Evidencia-se que a educação, em todos os seus níveis, mas principalmente naquele
universitário, passa a vincular-se diretamente ao fluxo do capital, com propósito de agregar
medidas para ampliar a produção de riquezas e colaborar para a superação da crise – o que é
uma ilusão, na avaliação desta autora.
Logo, evidencia-se que a expansão do ensino superior, principalmente privado,
justifica-se tão somente para a manutenção do capitalismo. Behring (2009, p. 50) avalia que
essa expansão “está assentada num fenômeno que Mandel caracterizava como
supercapitalização e alguns chamam hoje de comoditificação”. A autora explica que este seria
41
Itamar Franco (1992-1994); Fernando Henrique Cardoso (1995-1998; 1999-2002) Luís Inácio Lula da Silva
(2003-2006; 2007-2010); e a atual presidenta da República, Dilma Rousseff (2011- com vigência prevista para
2014).
183
um fenômeno do capitalismo maduro, que “busca nichos de valorização em todos os espaços,
inclusive na educação, em seus vários níveis. Se não é exatamente um processo novo, ele
adquire maior densidade nesse contexto de crise do capital e persistência ‘heroica’ do
capitalismo por sua perenidade”.
Destarte, a lógica mundial de privatização das políticas sociais passa a ser empregada
na educação brasileira, erodindo as bases públicas do ensino, universitário, por exemplo. As
estratégias são os cortes ou a redução dos gastos das universidades públicas, sejam federais,
estaduais ou municipais, pressionando para a captação de recursos financeiros de agências
vinculadas ao mercado, ou até mesmo, das próprias indústrias e empresas. Estas, como uma
forma de ‘escambo’, passam a imprimir características na realização do ensino, das pesquisas
e das ações de extensão, segundo os seus interesses.
Desde o primeiro governo do presidente Lula, a privatização da educação superior
brasileira foi operada de forma travestida como ‘expansão do ensino superior’, previsto no
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).
O uso de ferramentas de ensino a distância; a disseminação de cursos – mesmo
presenciais – em universidades privadas; o arrocho dos orçamentos das universidades
públicas, inclusive com a diminuição do número de docentes e o aumento do número de
discentes; a diminuição dos recursos para pesquisa e extensão; além da expansão das
universidades para as cidades do interior do país, sem oferecimento das condições estruturais
para que tais universidades possam se sustentar nesses locais, configuram-se como estratégias
do governo para operar esta expansão da formação universitária.
Como efeito, no Serviço Social ampliou-se o número de cursos, predominantemente
em instituições de caráter privado, as quais iniciaram um processo intenso de flexibilização
dos currículos, a fim de ofertar cursos de menor duração e, portanto, mais baratos para os
estudantes e mais rentáveis para o mercado educacional.
Para a ABEPSS (2009) os dados da ampliação da formação superior em Serviço
Social e, especificamente, os dados dos cursos ofertados através do ensino a distância (EAD)
são estarrecedores e preocupantes, inclusive porque o número de cursos deste tipo aumenta
exponencialmente de ano em ano.
Conforme Behring (2009, p. 50), “a descoberta do Serviço Social pelo empresariado
da educação no início do século XXI tem relação também com a expansão do mercado de
trabalho para a profissão”. Neste sentido, aponta a autora que ocorreram modificações nas
formas de enfrentamento da questão social, visto que suas manifestações se tornaram mais
contundentes, com o agravamento do desemprego e da violência.
184
Para ilustrar este aumento na oferta de cursos, aponta-se uma sequência de dados
computados, levantados ou analisados por pesquisadores do Serviço Social, pelos Conselhos
Regionais de Serviço Social (CRESS) e pela Associação Brasileira de Ensino a Distância
(ABED).
O primeiro dado ilustra o contexto inicial de criação dos cursos de Serviço Social
através do EAD. No ano de 2006 foi realizado por 15 Conselhos Regionais de Serviço Social
(CRESS) um levantamento, a fim de construir um mapeamento dos cursos de graduação a
distância. Foram computados os seguintes dados: São Paulo – oferecimento de cursos em 127
municípios; Maranhão – oferecimento de cursos em 79 municípios; Pará – oferecimento de
cursos em 80 municípios; Ceará – oferecimento de 03 cursos; Minas Gerais – oferecimento de
cursos em 180 centros associados às Instituições que oferecem os cursos no Brasil; Rio
Grande do Sul – oferecimento de 24 cursos; Paraná – oferecimento de 45 cursos, em 35
municípios; Espírito Santo – oferecimento de 55 cursos; Amapá – oferecimento de 01 curso;
Goiás – oferecimento de 14 cursos; Rio de Janeiro, Paraíba, Santa Catarina e a regional
Amazonas/Roraima – afirmam a presença de cursos de Serviço Social - EAD, todavia não
apresenta dados quantitativos (CFESS, s/d).
Apesar de considerar que esses dados já foram superados, aprofundando a
precarização da formação profissional – infelizmente –, mesmo porque os dados a seguir
comprovam o aumento da oferta de cursos no sistema EAD, eles servem para evidenciar o
ímpeto e a força desses cursos no momento inicial de instalação desse tipo de ensino no
Serviço Social.
A partir da instalação desse processo, precarizou-se ainda mais, a formação
profissional em Serviço Social, ‘jogando’ no mercado de trabalho profissionais que não
puderam se apropriar nem dos fundamentos básicos para o exercício profissional, que dirá
sobre a possibilidade de terem tido acesso a uma formação ampla, qualificada e com garantia
de uma leitura e análise totalizantes dos processos e relações sociais na sociedade capitalista.
Em 2007, no seu livro Serviço Social em tempo de capital fetiche, Iamamoto (2008,
p. 439) afirmava que em dois anos de funcionamento (2006 e 2007) “o EAD já era
responsável por 30% do total de vagas ofertadas no Brasil, perfazendo 9.760 vagas
informadas, oferecidas através de 6 instituições de ensino”.
No início de 2009, a ABEPSS (2009, p. 146) anunciava a presença de “06
instituições de EAD no país, responsáveis pela oferta de 27.156 vagas, em 202 instituições
que implementam os cursos”.
185
Hoje, o mais recente dado publicado no último Censo do EAD no Brasil/2010
(divulgado em 2011), indica que existiam cinco42 instituições que ofertavam o curso de
Serviço Social através do EAD, representando um percentual de 1,23% dentre a oferta total de
EAD no território nacional naquele ano, computando 31.115 estudantes matriculados.
Em relação aos últimos dados apresentados, deve-se considerar a presença de
imprecisões – dentre as quais, o registro de cinco instituições que oferecem curso e o
reconhecimento nominal de oito. Todavia, tais dados permitem indicar que a oferta do curso
de Serviço Social através do EAD, em 2010, tinha superado a marca de 25,36% dos discentes
que estavam cursando Serviço Social no mesmo período de 2010 – quando também foi
realizado o Censo do EAD –, que totalizavam 122.67043 (INEP, 2012).
O sistema ‘E-mec’, que disponibiliza dados do Cadastro E-MEC (Cadastro da
Educação Superior) sobre o registro e a avaliação dos cursos de ensino superior registra, em
2012, 419 (quatrocentos e dezenove) cursos de Serviço Social em todo Brasil, dos quais 403
são presenciais e 16 são de EAD. Do total destes cursos, 67 estão em instituições públicas e
336 em instituições privadas. Atualmente, dentre as 16 instituições que oferecem cursos na
modalidade EAD, todas são privadas (BRASIL, 2012).
Destarte, os dados indicam que a maioria dos cursos são presenciais e oferecidos por
instituições privadas – certamente com currículo flexibilizado e operando segundo as
orientações do mercado. Entretanto, deve-se ter cuidado ao analisar os dados discentes, pois
considerando a proporcionalidade entre as instituições que oferecem os cursos e a modalidade
deste ensino, nota-se o elevado número de estudantes de Serviço Social matriculados nas
poucas – 16 no total – instituições de ensino a distância.
Isso confirma a ideia de que as instituições de ensino na modalidade EAD funcionam
como ‘escolões’, onde não há interação objetiva – a não ser virtual – entre os discentes e os
docentes, entre os discentes e a instituição de ensino e entre os próprios discentes. Esta
ausência de interação objetiva causa grande preocupação em relação ao ensino da prática, ou
seja, no que tange a realização do estágio curricular supervisionado, uma vez que será muito
42
Apesar de indicar o número total de cinco instituições que ofertavam o curso de Serviço Social em 2007, ao
mencionar nominalmente as instituições, computa-se o número de oito. São elas: Universidade de Uberaba
(Uniube) – MG; Centro Universitário da Grande Dourados (Unigran) e Universidade para o Desenvolvimento
da Região do Pantanal (Uniderp) – MS; Universidade Norte do Paraná (Unopar) – PR; Universidade Luterana
do Brasil (Ulbra) – RS; Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi) e Universidade do Vale do Itajaí
(Univali)- SC; Universidade Tiradentes (Unit) – SE; Universidade de Santo Amaro (Unisa) – SP; Universidade
Paulista (Unip) – SP; Universidade do Tocantins (UNITINS) – TO.
43
Segundo dados extraídos do Censo da Educação Superior de 2010 (INEP, 2012) em relação ao número total de
estudantes de Serviço Social em instituições de ensino superior no Brasil, independente da modalidade de
ensino – presencial ou EAD.
186
mais desafiador o estabelecimento da articulação entre os discentes e as instituições de
estágio, sendo este apenas um dos inúmeros problemas que este tipo de ensino gera.
Também é preciso denunciar que todos esses cursos, com currículo flexibilizado, são
ofertados por instituições privadas44, cujos interesses são, preponderantemente, de geração de
riquezas pela venda de serviços educacionais, ou seja, objetivos mercadológicos.
Segundo os dados levantados, nota-se que entre 2007 e 2010 o percentual de
estudantes matriculados na modalidade EAD – em relação ao número total de estudantes
cursando Serviço Social no Brasil – diminuiu de 30% para 25,36%. O grave problema é que
esta diminuição não foi causada pela diminuição do número absoluto de estudantes
matriculados nesta modalidade de ensino – que pelo contrário, aumentou estrondosamente de
9.760 para 31.115 –, mas porque praticamente quadruplicou o número das vagas totais de
Serviço Social oferecidas no país, passando da ordem de 32.500 45 em 2007, para 122.670 em
2010, segundo o registro do INEP.
É verdade que foram criados novos cursos em IES públicas, todavia a razão deste
aumento ‘quádruplo’ foi a ampliação do número de cursos em IES privadas, indicando que o
curso passou a ser interessante para o mercado educacional, como fonte de renda. Dessa
forma, evidencia-se que a mercantilização do ensino superior brasileiro incidiu diretamente no
Serviço Social, ameaçando seu projeto de formação profissional, uma vez que esta
mercantilização foi acompanhada pela flexibilização dessa formação.
As informações acima evidenciam ainda que é preciso conferir atenção ao perfil dos
profissionais que constituirão a futura geração de assistentes sociais, visto que a educação a
distância “realiza, no máximo, adestramento, mas jamais formação profissional digna deste
nome, como tem denunciado a ABEPSS, o CFESS e a ENESSO em suas notas públicas”
(ABEPSS, 2009, p. 146).
Aliás, os efeitos da expansão da educação de nível superior, da mercantilização da
formação profissional e do aumento exponencial dos cursos de Serviço Social atingem não
apenas os futuros profissionais formados no ‘ensino a distância’, mas toda a categoria
profissional, podendo implicar, inclusive, na fragmentação e no redirecionamento do projeto
ético-político profissional.
44
Dentre as instituições de ensino superior que operam o EAD, citadas na nota anterior, a única Universidade
pública é a UNITINS. Todavia, por pressão das entidades representativas da categoria, ABEPSS, ENESSO e
CFESS, o curso de Serviço Social – EAD ofertado pela UNITINS foi descredenciado pelo MEC em 19 de
agosto de 2009.
45
Estimativa feita sobre o percentual apontado por Iamamoto (2007).
187
Ora, já na atualidade, a profissão sente as ameaças ao seu projeto ético-político,
expressas também pela formação profissional precarizada e, frequentemente, fragmentada.
Para Iamamoto (2008, p. 441),
Esse panorama do ensino universitário compromete a direção social do projeto
profissional que se propõe hegemônica, estimulando a reação conservadora e
regressiva no universo acadêmico e profissional do Serviço Social brasileiro, com
repercussões políticas no processo de organização dessa categoria.
Portanto, a fala da autora ressoa como uma denúncia de um dos graves efeitos dessa
expansão desenfreada de cursos de Serviço Social, que é a mudança na direção da profissão,
ameaçando diretamente o projeto ético-político profissional, que aponta para o compromisso
com a classe trabalhadora, tendo por horizonte a transformação societária e a superação do
capitalismo.
Outro dos graves efeitos da expansão dos cursos é a configuração dos projetos
pedagógicos dos cursos que estão surgindo. Justamente por estarem ausentes do processo
histórico e coletivo de elaboração e implementação das Diretrizes Curriculares, as equipes que
estão propondo tais projetos acabam fragmentando a formação profissional, desenhando-a
simplesmente como uma sequencia mecânica de conteúdos, muitas vezes justapostos, sem
garantir a articulação necessária entre as matérias e a inter-relação e complementação entre os
núcleos de fundamentos da formação profissional. Também a indissociabilidade entre
pesquisa, ensino e extensão, bem como a indissociabilidade entre estágio e supervisão
acadêmica e profissional são comprometidas nos projetos pedagógicos dos cursos novos
(IAMAMOTO, 2008).
Assim sendo, é necessário considerar que as Diretrizes Curriculares para os Cursos
de Serviço Social, aprovadas pela categoria em 1996, surgem num momento em que são
reforçadas, pelo Estado neoliberal, as barreiras para o ensino profissional com qualidade e,
preferencialmente, público e gratuito.
Essas adversidades, que, de alguma forma, sempre estiveram presentes na política de
educação universitária no Brasil, mas que se consolidaram a partir dos anos 1970,
intensificando-se nas primeiras duas décadas do século XXI, sob a perspectiva neoliberal,
dificultaram ainda mais a efetivação das Diretrizes propostas pela categoria, ameaçando-as
em sua consolidação. Tais adversidades articulam-se diretamente ao Plano de Expansão do
Ensino Superior, à precarização e privatização do ensino público, à proposta do ensino à
distância e aos incentivos para a mercantilização do ensino, também através dos cursos
presenciais oferecidos pelas instituições privadas.
188
Conforme Koike (2009, p. 214),
Nesse quadro de ofensividade, o ataque “em ato” ocorre com a mercantilização da
educação superior, empresariamento da universidade pública, proliferação de cursos
presenciais privados, graduação virtual, massificação como democratização do
acesso, entre outras práticas. O “iminente” se dá com a efetivação do REUNI e a reestruturação acadêmica a que aderiram as instâncias diretivas das universidades
federais. Processos que ferem a formação nas diversas áreas e níveis e
comprometem o desenvolvimento científico e cultural das novas gerações,
aumentando as tendências de aprofundamento da subalternização econômica e
política do país.
Nesse sentido, para além de problematizar o EAD, cumpre apontar que também a
qualidade do ensino presencial oferecido nas faculdades, centros de ensino e universidades,
tem decrescido consideravelmente. Isto ocorre principalmente nas instituições privadas, mas
não apenas, razão que corrobora para instalar as ameaças ao direcionamento político da
profissão, uma vez que essa formação precarizada pode se consolidar no quadro geral da
formação profissional.
Nas universidades públicas, desde a década de 1990, verifica-se o aumento do número
de estudantes nas turmas e a diminuição do número de docentes, processo intensificado com a
implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), em 2003, e do REUNI, em
2008. Como resultado, aumenta a carga de atividades dos docentes, tanto em sala de aula,
quanto fora dela, nas supervisões acadêmicas de estágio, nas orientações de pesquisa, de
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), de monitoria, nos projetos de extensão e outras tantas.
Devem ser somadas a isto, as exigências de produtividade na carreira docente, feitas tanto pelas
gestões das universidades, quanto pelas agências de fomento à pesquisa e ao aperfeiçoamento
profissional, que vêm acompanhadas da necessidade de atuação, inclusive, no âmbito da gestão
universitária. Tudo, enfim, precariza as condições de trabalho docente, implicando no
decréscimo evidente do processo de acompanhamento de cada estudante pelos professores.
Nas IES privadas, a precarização fundamental está na sala de aula: o número elevado
de discentes para cada professor, o uso de material didático no formato de apostilas para o
ensino dos conteúdos, substituindo a leitura de livros, a introdução de formas de avaliação
objetiva e, em algumas vezes com o uso de ferramentas eletrônicas, e a redução objetiva do
número de disciplinas que compõem a grade curricular dos cursos, objetivando o
‘aligeiramento’ da formação profissional, são algumas das evidências dessa precarização.
Outrossim, ao afirmar que a precarização fundamental ocorre na sala de aula, apontase também o fato que na maioria das instituições privadas o docente é contratado apenas para
as atividades de ensino, ficando totalmente ausente o desenvolvimento de atividades de
pesquisa e de extensão. Como efeito, ocorre a dissociação do tripé ensino-pesquisa-extensão,
189
contribuindo para uma formação fragmentada, porquanto seus elementos estruturantes são
dissociados, mas acessível a todos os cidadãos pela via da oferta barata – mas nem sempre –
no mercado de serviços educacionais, confirmando a lógica mercadológica da educação.
Para Iamamoto (2008, p. 437), como consequência disso “compromete-se, no ensino
graduado, a formação de quadros acadêmicos e profissionais dotados de competência crítica e
compromisso público com os impasses do desenvolvimento da sociedade nacional em suas
implicações para a maioria dos trabalhadores brasileiros”.
Assim, este tipo de educação passa a produzir ‘profissionais para o mercado’ e ‘com
as características do mercado’. Produtor de valores em moeda, e não mais de valores
imprescindíveis para a sociabilidade humana. Que atenda às demandas e aos interesses do
capital e da classe dominante, e não mais da classe trabalhadora. Que reforce a focalização e
residualidade no atendimento das demandas sociais, e não fortaleça a luta pela efetivação e
ampliação de direitos, colaborando para consolidar a ideia de que o Estado é incapaz de
responder às demandas sociais, devendo retirar-se dessa esfera de atendimento, visto que o
mercado é suficiente capaz de oferecer produtos e serviços sociais para todos os segmentos da
população. Enfim, este tipo de educação passa a produzir profissionais competentes para
fragmentar a classe trabalhadora, exaurindo-a em suas possibilidades de se objetivar como
força social e política promotora de transformação.
No contexto da ação ofensiva do Estado e das classes dominantes – inclusive através
da educação – visando à superação da crise estrutural do capitalismo, é essencial fortalecer a
formação profissional do Serviço Social, formando quadros profissionais críticos ao sistema e
à lógica neoliberal perversa dos organismos internacionais, do Estado e do capital.
Portanto, considerando esse contexto de ameaças à educação de nível superior,
pública e com qualidade, é imprescindível reforçar a proposta das Diretrizes Curriculares de
1996. Da mesma forma é urgente que as escolas de Serviço Social produzam continuamente
assistentes sociais competentes para a organização de uma cultura de classe, crítica ao
capitalismo, direcionada para a emancipação política – e quiçá humana – da classe
trabalhadora.
Para isto, faz-se necessária a afirmação cotidiana, dentro e fora das salas de aula, do
projeto ético-político, estando consciente das ameaças colocadas pelo capital à sua
efetividade, conforme apontado por Braz (2007) e também por Netto (2007, p. 40), o qual
problematiza a conversão desse projeto profissional “em processo real de qualificação do
serviço social” e desafia a profissão à sua efetividade, ao dizer que “o seu enfrentamento
supõe mais vontade política organizada e menos ilusões otimistas”.
190
CAPÍTULO 4
FORMAÇÃO, PROJETO PROFISSIONAL E REALIDADE
2.4.1 O projeto profissional e o debate sobre a realidade após a aprovação das Diretrizes
Curriculares para o Serviço Social (1996)
Tratando sobre o ensino em Serviço Social e a construção de um projeto profissional
das décadas de 1980 e 1990, Iamamoto (2007, p. 50) afirma que, naquele momento,
A categoria foi sendo questionada pela prática política de diversos segmentos da
sociedade civil. E os Assistentes Sociais não ficaram a reboque desses
acontecimentos. Pelo contrário, tornaram-se um dos seus co-autores, coparticipantes desse processo de lutas democráticas na sociedade brasileira. Encontrase aí a base social de reorientação da profissão nos anos 1980.
Isto implica dizer que o grande salto profissional para o novo projeto gestado na
década de 1980 e consolidado através dos novos documentos legais de 1990, teve como ponto
determinante – a base para a reorientação profissional – o processo de lutas democráticas na
sociedade, seja pela reabertura política, pela participação popular, pela conquista de direitos
na Constituição Federal de 1988, ou pelo estabelecimento de um efetivo controle social do
Estado pela sociedade civil.
Nesse processo político, social e cultural de mudanças da sociedade e do próprio
Serviço Social, a profissão conquistou avanços, no que tange sua autoqualificação na
sociedade, recebendo reconhecimento enquanto profissão detentora de um projeto profisisonal
crítico, que opera não só no âmbito da intervenção social, mas também na formação de
quadros políticos e como produtora de saber científico reconhecido.
Para Iamamoto (2007, p. 51) os elementos que atestaram esta autoqualificação foram
“o adensamento do mercado editorial e da produção acadêmica”; seu reconhecimento pelas
agências de fomento como “categoria pesquisadora”; o amadurecimento de “suas formas de
representação político-organizativas”; “o amplo debate em torno das políticas sociais” no
âmbito das relações entre o Estado e a sociedade civil, razão que contribui para “adensar o
debate sobre sua identidade profissional e para o fortalecimento do seu auto-reconhecimento”.
Assim, mantêm-se as conquistas das décadas de 1970 e 1980, amadurecendo e
solidificando o processo de formação profissional que é histórico e, segundo a autora (2007,
191
p. 51) é de “continuidade e ruptura”. Continuidade que ocorre através do reconhecimento e
debate sobre os limites e avanços da formação profissional, que provoca o amadurecimento da
categoria nesse processo histórico, ao assumir os impasses e desafios que ainda precisavam
ser superados. E ruptura, quando se manifesta contra o pragmatismo, o conservadorismo, o
clientelismo e o assistencialismo, rompendo com tais elementos que conferiam cariz
funcionalista e conservador à profissão.
Com o amadurecimento profissional, reconhecia-se que, dentre os diversos impasses
a serem superados, o primeiro correspondia ao distanciamento existente entre o trabalho
intelectual, acadêmico e o exercício profissional (SILVA, 1993; SILVA e SILVA, 1993). O
segundo aponta para o necessário aprofundamento “das mediações entre as bases teóricas já
acumuladas e a operatividade do trabalho profissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 52).
Tornava-se evidente que o ponto fulcral de ambos os impasses era a relação entre a
profissão e a realidade. Ora, o reconhecimento e análise da realidade e, junto dela, do
movimento histórico da sociedade e da profissão, inclusive no tempo presente, tornavam-se
essenciais para superar os impasses que se colocam para a profissão, especialmente no âmbito
da formação. Além disso, deve-se dizer que, mesmo após o estabelecimento e consolidação
do Currículo Mínimo de 1982, que já apontava para a limitação que a profissão e a formação
profissional tinham no trato com e da realidade, ainda avaliava-se que pouco tinha se
avançado na superação desse desafio e, por conseguinte, muito se tinha para avançar.
Esses impasses, reconhecidos pela ABESS durante a Assembleia Geral
Extraordinária, em novembro de 1996, traduziam-se nas armadilhas do teoricismo, do
politicismo e do tecnicismo. Para Iamamoto (2007, p. 53), “cada elemento original contido
naquelas afirmativas – o teórico-metodológico, o ético-político e o técnico-operativo – são
fundamentais e complementares entre si. Porém, se aprisionados em si mesmos, transformamse em limites”, quais sejam as armadilhas já sinalizadas pela ABESS.
Destarte, novamente era preciso apontar que o elemento relacional entre tais
armadilhas é o trato do Serviço Social com a realidade histórica e presente. O aprofundamento
teórico-metodológico, desvinculado das bases reais da vida cotidiana, possivelmente se torna
teoricismo. Da mesma forma, o aprofundamento ético-político, desarticulado das bases
filosóficas e dos aspectos históricos, presentes e, também, futuros da sociabilidade humana,
torna-se politicismo e militantismo, ou seja, torna-se ação – indignada e revoltosa – pela ação,
sem que seja fundamentada em princípios e valores que lhe possam orientar para o devir,
projetando-a para a construção de uma nova sociabilidade, diferente da atual. Por último, o
desenvolvimento e debate das técnicas profissionais do Serviço Social, quando presas apenas
192
ao ‘como fazer’ nos diferentes processos de trabalho, torna-se mera composição de um
receituário técnico profissional, caindo-se na armadilha identificada de tecnicismo.
Portanto, há de se atentar para o fato de que o aprofundamento teórico feito
isoladamente dos demais fundamentos da profissão não confere bases para pensar novas
perspectivas para a profissão, nem mesmo apenas o engajamento político, e tampouco o
desenvolvimento do instrumental operativo
isolado alcançam tal intento quando
desarticulados às demais dimensões da formação e do exercício profissionais.
Sem dúvida, a chave para articular tais dimensões, fundamentando-as no movimento
da sociedade, é o trato efetivo da realidade. Para tanto, era necessário considerar a formação
sócio-histórica do Brasil e, através dela, compreender a gênese e desenvolvimento da
profissão, suas bases de atuação, seus princípios e valores, suas alianças de classe, suas
inquietações, enfrentamentos e acomodações, para enfim, compreender a realidade e a
profissão no tempo presente, projetando-a para o ‘devir profissional’.
Assim, para que ocorresse o fortalecimento e consolidação do projeto profissional,
almejados pela profissão, após uma década de autoavaliação da formação e do exercício
profissionais, dois campos objetivos precisavam ainda ser superados: a efetiva articulação
entre os fundamentos profissionais e a superação da dicotomia entre a profissão e a realidade.
Neste sentido, Iamamoto (2007, p. 55, grifo da autora) é enfática ao dizer que “articular a
profissão à realidade é um dos maiores desafios, pois se entende que o Serviço Social não atua
apenas sobre a realidade, mas atua na realidade”.
A condição imprescindível para que a profissão possa mergulhar, reconhecer e
trabalhar a partir da realidade e na realidade é garantir permanentemente, nas suas ações, as
dimensões da investigação e do levantamento constante de indagações. Isto quer dizer
concretizar a dimensão da investigação no plano do exercício profissional, seja em funções
técnicas, seja naquelas acadêmicas, ou propriamente investigativas.
Nesse sentido, na década de 1990 apontava-se que a pesquisa ainda não se
encontrava articulada totalmente ao exercício profissional técnico, restringindo-se
frequentemente ao âmbito da formação e das investigações e produções teóricas ligadas à
academia. Na prática, isto se traduz no reconhecimento de um duplo desafio (IAMAMOTO,
2007, p. 56):
Entender a gênese da questão social e as situações particulares e fenômenos
singulares com os quais o Assistente Social se defronta no mercado de trabalho,
como, por exemplo, a criança e o adolescente, a terceira idade, a questão da
propriedade da terra, a saúde etc., supõe pesquisas para o acompanhamento da
dinâmica dos processos sociais que envolvem essas realidades.
193
Ora, compreender o Serviço Social em seus diversos e diferentes espaços sócioocupacionais requeria apreender a gênese da matéria profissional e a dinâmica que envolve os
processos sociais brasileiros – articulados aos processos econômicos, políticos e culturais. Na
raiz desse duplo desafio novamente será encontrado o tratamento da realidade no tempo
presente, mas também em seu passado e futuro.
Ainda em fins da década de 1990, após a aprovação das Diretrizes Curriculares,
apostava-se que a superação de todos esses desafios – intrinsecamente ligados ao debate da
realidade na formação profissional – fortaleceria o projeto profissional. Assim, ele seria
consolidado em sua perspectiva crítica, com base numa formação profissional fundamentada
em aportes também críticos, históricos, dialéticos e totalizantes, e expressaria o compromisso
com a classe trabalhadora e com suas lutas sociais e políticas, na direção da emancipação
política e da transformação societária, para, quiçá, alcançar a emancipação humana.
Esses desafios – impasses profissionais, no dizer de alguns autores – a serem
superados, requeriam atenção e cuidado quanto à implementação das Diretrizes Curriculares
de 1996, a fim de que sua consolidação fortalecesse, efetivamente, o projeto profissional.
Assim ocorreu. Decorridos aproximadamente 15 anos desde o começo da
implementação das Diretrizes, observa-se que sua implantação ocorreu num processo gradual
e, muitas vezes, em médio prazo. É evidente que a discussão desenvolvida na década de 1990
já começou a dar frutos para a formação profissional ainda naquele período. Todavia, o
processo de modificação oficial dos currículos de muitas escolas ocorreu num processo mais
lento, se comparado àquele de implantação e consolidação do Currículo Mínimo de 1982.
Uma das causas disso, certamente, foi a demora na aprovação final, pelo CNE, das
Diretrizes Curriculares, bem como a alteração de elementos fundamentais do texto final
aprovado pela categoria na Assembleia Geral da ABESS, conforme tratado anteriormente.
Outro motivo foi o contexto de expansão neoliberal do ensino superior e a precarização que o
acompanhou, acarretando perda de autonomia das escolas e a necessidade de enfrentar a
flexibilização da formação, que se evidenciava a partir daquele momento.
Mesmo diante do contexto, na contracorrente da avassaladora perspectiva neoliberal,
procurou-se garantir nos novos currículos das escolas de Serviço Social o sólido tratamento da
realidade em sua totalidade; o tratamento da formação sócio-histórica da sociedade e da
profissão; e a indissociabilidade entre os três núcleos de fundamentos da formação
profissional, bem como a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
Sem dúvida, as atenções e esforços para garantir este tratamento nos currículos
tiveram de ser redobrados. Todavia, a tarefa foi assumida coletivamente pela categoria,
194
representando o compromisso premente do Serviço Social com a sociedade, em sua
articulação na e com a realidade, com base nos princípios e valores do projeto ético-político
profissional consolidado na década de 1990.
Portanto, o processo de avaliação da formação profissional operado na década de
1990, e a aprovação e consolidação das Diretrizes Curriculares representaram a compromisso
da profissão com o debate sobre a realidade e com o fortalecimento de seu projeto
profissional, visíveis na entrada do século XXI.
2.4.2 A análise da realidade, o reconhecimento das demandas para a profissão e a
atenção ao espaço rural na formação profissional
Neste item do capítulo serão abordadas as demandas que têm surgido para a
profissão, também resultantes das relações estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil.
Essas demandas, originalmente causadas pelo agravamento da questão social no estágio em
que o capitalismo financeiro vive sua crise estrutural, sofrem interferência contínua do
Estado, que deliberadamente – sob forte jugo do capital – escolhe aquelas que serão atendidas
por ele e aquelas que deverão ser resolvidas pela população, através da compra e venda de
serviços sociais, diretamente no mercado.
No exercício de reconhecimento dessas demandas profissionais, discute-se a atenção
que o Serviço Social concede aos processos sociais ocorridos ou decorrentes do espaço rural,
deixando em suspenso o reconhecimento, pelos assistentes sociais, das expressões da questão
social recorrentes no campo brasileiro, desde o período colonial.
Percebe-se que continua sendo desafiador para a categoria profissional – mesmo a
partir dos aportes críticos que foi construindo desde os anos 1970 – reconhecer os processos
históricos da sociedade em sua totalidade e, neles, as demandas profissionais provenientes da
classe trabalhadora. Assim, há grande possibilidade de que a profissão – e a formação
profissional – persista na análise parcial e fragmentada da realidade, evitando a discussão
sobre os determinantes sociais e as articulações dialéticas entre eles. Esta seria uma das
possíveis razões da dificuldade encontrada pelos profissionais no reconhecimento de algumas
das demandas profissionais, dentre as quais aquelas provenientes do espaço rural.
Assim, continuar-se-ia não cumprindo a tarefa de casa quanto à leitura e análise da
realidade, que a categoria tinha destacado nos anos 1990 como condição essencial para
desenvolver o exercício profissional segundo o projeto ético-político. Apesar das Diretrizes
195
Curriculares de 1996 terem chamado à atenção da categoria profissional para a necessária
leitura histórica e totalizante da realidade, haveria ainda impedimentos para que ela dê conta
dos processos sociais em sua totalidade. Mas, qual seria a origem de tais impedimentos? A
formação profissional?
Se é originária da formação profissional ou não, o que é certo é que esta limitação lhe
causa implicações, uma vez que tais processos históricos estariam sendo apreendidos desde a
graduação de forma fragmentada. Referindo-se a essa forma fragmentada de apreensão do real,
frequentemente presente nas análises profissionais, Iamamoto (2007, p. 150) assevera que uma
das premissas para apreensão crítica da realidade em sua totalidade é considerar que “a prática
profissional só adquire inteligibilidade e sentido na história da sociedade, da qual é parte e
expressão”. Para a autora, a segunda premissa que deve orientar a leitura da realidade – e que
ainda encontra-se ausente – é o reconhecimento do “papel fundamental da produção da vida
real, da produção de indivíduos sociais, que têm, no trabalho, a atividade fundante”. E o terceiro
pressuposto, que pode evitar a fragmentação do olhar profissional na leitura da realidade, é “o
privilégio da história, por ser ela fonte de nossos problemas e a chave para suas soluções”.
Ora, o alerta de Iamamoto (2007) acaba indicando que a profissão, mesmo após a
implantação das Diretrizes Curriculares, continuaria deixando lacunas na leitura da realidade.
Uma das possíveis causas disto seria o fato de que a formação profissional, mesmo seguindo
os princípios e orientações das Diretrizes, não estaria conseguindo dar conta dessa tarefa, o
que sugeriria que as Diretrizes ainda estariam deixando lacunas. Outra possível causa, que
correria numa contrária, seria que as Diretrizes não teriam sido implantadas conforme a
categoria profissional as desenhou em 1996.
Neste sentido, não tendo recursos para compreender, em nível brasileiro, se uma ou
outra probabilidade é a mais acertada, resta a possibilidade de tentar compreender esta
situação localmente, quando da análise dos currículos dos cursos de Serviço Social da UFAL
e das entrevistas com as assistentes sociais formadas naqueles cursos e cuja atuação se dá no
espaço rural.
O que seguramente deverá ser considerado nesta análise é a compreensão de que a
profissão concede significativa atenção para os processos sociais e políticos que determinam a
atuação do Estado no âmbito das políticas públicas, e isto não é ruim, pelo contrário, é
necessário como parte da leitura e análise da realidade. Todavia, possivelmente, pelo próprio
envolvimento da profissão nos processos que traçaram o desenho institucional das políticas
sociais públicas, houve certa predominância do olhar para o Estado e suas relações,
descuidando-se das demais determinações que compõem o quadro da realidade. Enfim, o
196
próprio movimento histórico do período facilitou a proeminência das análises do Estado
quando da leitura da realidade brasileira na qual o Serviço Social intervinha, dificultando o
reconhecimento real das demandas profissionais.
Uma possibilidade para suprir as lacunas ainda presentes na análise da realidade é
prestar a atenção ao que tem ocorrido nos espaços sócio-ocupacionais, visto que eles podem
auxiliar no reconhecimento de demandas profissionais e da realidade antes ausente, uma vez
que não aparecia em outros espaços de trabalho. É o que indica Iamamoto (2007, p. 152),
quando sugere atentar para “os processos de trabalho constituídos pelo Serviço Social e o
mercado nacional para a força de trabalho”, a fim de fazer uma leitura efetiva da realidade.
Levando em conta este aspecto, é interessante perceber que desde os anos 1980 têm
ocorrido significativas mudanças nos processos de trabalho profissional e já nos anos 2000
essas transformações no mercado de trabalho têm se intensificado. Um dos principais elementos
que desencadearam tais transformações, certamente, foi a ofensiva neoliberal, posta pelas
agências multilaterais e assumida pelos governos brasileiros desde o início dos anos 1990.
Como efeito, tem-se a retirada quase total do Estado como ente responsável pela
garantia dos direitos da ordem social, que gradualmente vêm sendo entregues ao mercado, ao
terceiro setor e à esfera público-privada, representada pelas fundações estatais de direito
privado. Tais modificações provocam efeitos tanto nos processos de trabalho, quanto no próprio
mercado de trabalho, ameaçando a autonomia profissional – relativa, segundo Iamamoto (2007)
– e diminuindo os postos de trabalho no serviço público, enquanto aumenta no âmbito do
terceiro setor, do mercado e, em menor proporção, na esfera das fundações estatais.
Para Iamamoto (2007, p. 152), outra questão que estava oculta nas décadas de 1980 e
1990 no reconhecimento das demandas profissionais era a realização de uma análise política
da realidade, muitas vezes confundida com a “análise politicista”, visto que a “análise política
realizada, muitas vezes, se descola das determinações econômicas”.
A razão para isso é certamente a fragmentação do olhar nos processos sociais,
associado àquilo que também foi apontado em parágrafos anteriores por outros autores, que é
a dificuldade de compreender que as categorias teóricas não devem ficar apenas no plano da
academia e da intelectualidade. Outrossim, elas permitem reconhecer as estruturas da
sociedade, resultantes do modo de produção capitalistas e perceber que elas são responsáveis
pela produção das desigualdades, pela exploração da força de trabalho, pela concentração de
riquezas e de pobreza em razão exponencial e em polos diametralmente opostos, enfim, pela
gênese e acirramento da questão social.
197
Por último, Iamamoto (2007, p. 152) identifica um último dilema no reconhecimento
das demandas profissionais, que particularmente interessa para esta investigação, pois aponta
diretamente para o seu objeto de estudos: o espaço rural e as demandas postas por ele à
profissão. Para a autora, trata-se da “tendência a considerar a sociedade brasileira numa ótica
meramente urbana. Dificilmente, em nossos debates, os processos sociais agrários aparecem
articulados à questão urbana, correndo o perigo de reincidirmos no velho dualismo ruralurbano”. Ora, a fala de Iamamoto aponta certo distanciamento do Serviço Social com os
processos que vão ocorrendo no espaço rural, o que levava ao perigo de invisibilizar as
demandas profissionais provenientes daquele espaço.
Além disto, a principal denúncia da autora remete à compreensão do rural como um
lugar isolado do restante da sociedade, o que traz por consequência uma compreensão
desarticulada dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade, que
resultariam na distinção objetiva entre a questão urbana e questão agrária/rural, sendo apenas
a primeira reconhecida como questão social.
Novamente depara-se com a fragmentação no reconhecimento e análise da realidade
complexa e totalizante que envolve a sociedade capitalista, agora expressa na distinção entre
as questões evidenciadas no espaço urbano e naquele rural.
É notório, ao observar o desenvolvimento das ciências sociais nos anos 1960 e 1970,
especialmente a sociologia rural, que esta fragmentação entre campo e cidade não se
configurou como traço do pensamento apenas do Serviço Social. Outrossim, devido ao
próprio processo de formação profissional do Serviço Social até o início dos anos 1980 – que
na ausência de um campo próprio de investigação e produção teórica bebia do pensamento
das ciências sociais – era predominante a compreensão dicotômica e dualista entre rural e
urbano, cujo exemplo bastante evidente são as análises de Solari (1986), Mannheim (1986),
Nisbet (1986) e Lefebvre (1986)46.
No que toca o reconhecimento das demandas profissionais para o Serviço Social, é
interessante registrar as considerações de Iamamoto (2007), chamando a atenção para certa
invisibilidade das demandas provenientes do espaço rural, ou decorrentes dos processos
econômicos, sociais e políticos que ocorrem naquele espaço e que repercutem na sociedade de
forma geral.
46
Este tema foi aprofundado por esta autora em pesquisa realizada entre 2008 e 2009 e encontra-se publicado no
primeiro capítulo do livro “Lutas sociais no campo e políticas públicas: do cotidiano, a construção de
identidades e a conquista de direitos pelas mulheres camponesas” (LUSA, 2011).
198
A invisibilidade seria decorrente de uma ‘visão fragmentada’ da sociedade, visto que,
ao compreender que seu foco são as expressões da questão social, fruto do capitalismo, da
qual uma das expressões é a urbanização acelerada, ela privilegia o espaço urbano como locus
de suas atenções e do seu exercício profissional. Neste sentido, afirma Iamamoto (2007, p.
155, grifo da autora) que,
Buscando ultrapassar uma visão fragmentada, porquanto exclusivamente urbana –
que, frequentemente, tende a nortear a leitura da sociedade feita por nós, assistentes
sociais – há que ressaltar a decisiva intervenção que o Estado efetuou na
agricultura, nos últimos vinte anos, submetendo-a aos interesses do grande
capital. Tal intervenção deu-se por meio do estímulo aos grandes projetos
agropecuários, financiados, nos anos 1970, a juros negativos; seja via incentivos
técnicos, políticos e creditícios que alteraram as relações agricultura/indústria,
mediante a formação do complexo agroindustrial. Acelerou-se não só a
industrialização de produtos, equipamentos e insumos para a agricultura, mas a
industrialização da agricultura, isto é, o processamento industrial dos produtos dela
derivados. O apoio estatal à grande agricultura de exportação foi também
estimulado, em detrimento da pequena produção de alimentos.
Evidencia-se na afirmação da autora, quando aponta a necessidade de “ultrapassar uma
visão fragmentada, porquanto exclusivamente urbana” que o Serviço Social, além de
invisibilizar o rural em sua leitura de realidade, também poderia estar desconsiderando este
espaço no que toca seu reconhecimento no conjunto da formação sócio-histórica brasileira.
Como efeito, parece que o espaço rural, os indivíduos e os processos sociais que lá ocorrem são
externos à própria conjuntura da sociedade onde se insere e trabalha o Serviço Social. Se isto
estiver ocorrendo de fato, será urgente romper com esta fragmentação, a fim de que seja
possível compreender que a realidade rural também implica demandas profissionais para os
assistentes sociais.
Nesse sentido, indica-se que a profissão pode estar colocando em segundo plano a
defesa dos direitos e a proposição, planejamento e execução de políticas sociais para parcela da
população potencialmente usuária de seus serviços, que vive e/ou trabalha no campo. Entendese que esta questão é significativamente grave, devendo ser assumida pela categoria em seus
debates profissionais. A fragmentação na leitura da realidade, que resulta na separação entre
campo e cidade, na centralidade dos processos societários urbanos e na invisibilidade rural pode
alimentar um ciclo vicioso entre a formação e o exercício profissional.
Assim, sem querer apontar qual seria o início e a ponta desse iceberg, entende-se
que, por um lado, a ausência do exercício profissional no espaço rural não imprime ao mesmo
caráter de demanda para a formação profissional, e, por outro lado, não sendo tratado o
assunto durante a formação profissional a consequência para o exercício profissional pode ser
199
o comprometimento na leitura das demandas provenientes do rural. Sendo efeito ou causa, o
resultado é que se aprofunda, cada vez mais, o distanciamento entre a profissão e o rural.
Ora, a formação profissional deve estar conectada com a realidade, justamente
porque é alimentada pela leitura e análise da realidade da sociedade, sendo esta a base para
seus processos de reflexão e compreensão sobre o exercício profissional. Ao considerar que a
leitura de realidade é fragmentada, acaba-se indicando que a formação profissional também
pode ser, ou estar se tornando fragmentada, e o contrário da mesma forma pode acontecer,
uma vez que a relação entre formação e exercício profissional é dialética.
Enfim, o fato é que o rural margeia, mas não integra a formação e o exercício
profissional, sendo invisibilizado como parte fundamental da dinâmica capitalista E, se isso já
não fosse um grande limite para a formação e exercício profissional, ainda podem ser
acrescentados outros: o não reconhecimento dos indivíduos sociais que vivem e/ou trabalham
no espaço rural como sujeitos ativos na dinâmica econômica, social, política e cultural do
capitalismo; e o não reconhecimento das potencialidades que detêm estes indivíduos para
subverter a ordem societária, ou do contrário, habilitados para colaborar para o
aprofundamento do capitalismo, mesmo num momento de crise estrutural do sistema.
Outrossim, para reconhecer a realidade da sociedade de forma totalizante, é necessário
notar e analisar a intervenção que o Estado vem operando na agricultura desde os anos 1970.
Esta intervenção estaria aprofundando as desigualdades no campo, quando aprofunda as formas
de exploração da força de trabalho e, numa proporção exponencialmente inversa, a
concentração de riquezas nas mãos de poucos latifundiários e empresários agroindustriais.
Para Iamamoto (2007, p. 156, grifo da autora),
Um dos resultados desses processos tem sido a expropriação dos trabalhadores da
terra, redundando tanto na crescente mercantilização da força de trabalho,
como na recriação contraditória de formas de trabalho não assalariadas; formas
essas expressas nas figuras do posseiro, do pequeno produtor mercantil simples e até
em formas escravas de trabalho na agricultura. A contrapartida é a profunda
violência no campo, a intensificação das lutas pela terra, a expulsão de pequenos
lavradores, o crescimento das formas de organização dos assalariados rurais.
Resultou ainda num massivo êxodo rural, ocorrido nos últimos vinte anos [...], que
derivou no inchaço da população dos grandes centros urbanos e, em consequência,
num incremento crescente da demanda dos serviços sociais públicos, por parte da
população pauperizada.
Esses processos aligeiram o agravamento das expressões da questão social, objeto de
trabalho dos assistentes sociais. Logo, a instalação e manutenção de tais processos muito
contribuem para a produção e reprodução das demandas profissionais, tanto aquelas
200
provenientes diretamente do espaço rural, quanto aquelas instaladas no espaço urbano, mas
que guardam relação com o rural.
Portanto, é fato que a fragmentação na leitura e análise da realidade estaria
implicando também no reconhecimento, da mesma forma fragmentada, das demandas
profissionais, retirando do Serviço Social parte de sua efetividade enquanto profissão que se
propõe colaborar para a transformação societária.
Além disso, esses e outros processos sociais decorrentes do aprofundamento do
capitalismo, com a anuência e apoio do Estado, modificaram os modos de vida, as relações
sociais, as formas de trabalho e de garantir a subsistência da classe trabalhadora. Migrações
urbanas, regionais e, até mesmo, internacionais; agravamento do desemprego de um lado e de
outro, insegurança e precarização no trabalho; subcontratações no campo e na cidade;
aumento da informalidade tanto no espaço rural quanto no urbano; transformação das relações
sociais, inclusive no que tange as relações pessoais e familiares; responsabilização do
indivíduo e da família pela resolução de problemas de ordem estrutural da sociedade; enfim, a
modificação dos hábitos, costumes e valores tradicionais de vida dos sujeitos estariam
aprofundando as sequelas da questão social, e o Serviço Social estaria chegando apenas para
amenizar a situação quando ela já estivesse instalada, sem, contudo, atuar na raiz da questão:
o capitalismo que se desenvolve no campo e na cidade.
Assim, também as transformações no modo de vida da classe trabalhadora, implicam
na modificação das demandas profissionais do Serviço Social, uma vez que com o
agravamento desses processos e, consequentemente, da questão social, amplia-se os
segmentos de usuários que contingenciam demandas para a profissão. Portanto, é premente
que a categoria se aproprie de tais processos, a fim de perceber quem são os diversos
segmentos que a procuram, em suas diversas especificidades.
Iamamoto (2007, p. 159) salienta tal necessidade, ao dizer que
A decifração dessa problemática parece-me crucial para que o assistente social
compreenda o universo da população usuária dos serviços em que atua, rompendo o
discurso monolítico sobre ‘a classe trabalhadora’, para apreender as distinções e
particularidades de seus vários segmentos.
Problematizando a formação profissional no momento de revisão do currículo
mínimo de 1982 e de formulação das diretrizes curriculares de 1996, Iamamoto (2007, p. 169)
indagava quais eram os desafios, as conquistas e os limites que a sociedade, naquele
momento, colocava para a formação profissional, considerando o debate acumulado na década
de 1980 pela profissão?
201
Naquele período evidenciava-se a necessidade de sintonia da nova proposta
curricular que surgia, com o tempo presente, a fim de que o “novo currículo não nascesse
velho”. Hoje, quando as discussões internas das equipes de formação profissional das escolas
de Serviço Social apontam para a necessidade de analisar a formação profissional pósDiretrizes Curriculares de 1996, quer se saber se há desafios daquele momento que ainda
persistem e quais são eles? Quais os novos desafios que se recolocam para a formação
profissional?
Decorridos 16 anos desde a aprovação das Diretrizes Curriculares para os Cursos de
Serviço Social (1996), considerando que os processos sociais, políticos, econômicos e
culturais na sociedade têm se transformado com fugacidade, são reconhecidas modificações
em parte das demandas profissionais. Essas mudanças causam, principalmente, a
transformação do mercado profissional para os assistentes sociais.
Infelizmente, hoje esse mercado – mais do que profissionais com competências para
captar o movimento da realidade e a partir dele agir objetivamente na estrutura societária,
intervindo diretamente nas expressões da questão social – requer um profissional que saiba
escrever projetos e captar recursos de financiamentos – públicos, privados ou filantrópicos –,
atuar de modo focalizado nas expressões mais acirradas à questão social, no intuito de incluir
os excluídos socialmente da sociedade de consumo, sem atuar nas estruturas edificadoras da
sociedade capitalista, que vive um processo de crise estrutural.
Destarte, fica evidente a necessidade de repensar a formação profissional, não para
que ela responda à ‘lógica mercadológica’ e fragmentada, mas justamente para contrapor-se a
ela, reafirmando o Serviço Social, segundo os princípios e valores do projeto ético-político
profissional. Logo, num momento de investidas do mercado capitalista e do Estado neoliberal
contra o Serviço Social, sente-se a necessidade de avaliar e discutir a formação profissional,
na direção da reafirmação da sua criticidade, construída historicamente.
Assim, o momento atual parece exigir mais uma espécie de ‘resistência’ – que não
deixa de ser enfrentamento – às afrontas de um modo de produção que vive sua crise
estrutural. Esse processo não é simples, é igualmente permeado de armadilhas que levam ao
engessamento da formação profissional e ao seu encantamento – pelo canto da sereia chamada
de ‘capitalismo’ – como profissão capaz de conter a miséria, a marginalização e a exclusão
social. Dentre as armadilhas está a conferência de invisibilidade a alguns processos sociais, na
intenção de amortecer alguns processos potencialmente transformadores das estruturas
societárias, como por exemplo, as lutas sociais dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
202
Neste sentido, um alerta que Iamamoto (2007, p. 169) já fazia na década de 1990, e
que também hoje deve ser considerado, é que
Para se gestar um novo projeto de formação profissional, há que estar atento aos
[sic] “silêncios”, aos “vazios” do debate contemporâneo do Serviço Social, para
antecipar problemáticas e propostas, preenchendo lacunas e somando forças para o
enfrentamento da voga neoliberal em suas características conservadoras e
privatistas, que reduzem o cidadão à figura do consumidor ao erigir o mercado como
eixo regulador da vida social, obscurecendo as funções públicas do Estado a favor
de sua privatização.
Outra questão que merece destaque no que tange a formação profissional, remete a
uma visão ainda bastante endógena do Serviço Social. Historicamente, a formação
profissional foi perpassada por um caráter endógeno muito forte, tanto na formação
profissional, quanto nas produções teóricas. Esta foi uma das críticas apontadas por Netto
(1991) ao fazer uma análise do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América
Latina e do Processo de Renovação da profissão ocorrido no Brasil. Netto (2008) já apontava
que um dos eixos do debate naquele momento (1960-1970) era a necessária quebra da
endogenia do Serviço Social, que foi facilitado, em partes, pelo ingresso das escolas no
âmbito das universidades e, consequentemente, das ciências sociais.
Mesmo com os avanços proporcionados pelo Movimento de Reconceituação e pelo
Processo de Renovação do Serviço Social na Brasil, chega-se à década de 1980 ainda com a
presença de uma visão endógena do Serviço Social, que naquele período estava associada à
visão endógena das próprias universidades, que dificilmente conseguiam superar os muros de
suas instalações.
De forma semelhante, adentra-se a década de 1990 ainda com a urgência em romper
com esta endogenia – transmutada a cada década – visto que a formação profissional, embora
tivesse transformado significativamente sua perspectiva de análise, continuava circunscrita
aos processos que ocorrem dentro das universidades. Uma das condições apontadas para as
Diretrizes Curriculares de 1996 era “alargar os horizontes, voltados para a história da
sociedade brasileira nos quadros do novo reordenamento mundial para aí melhor apreender as
particularidades profissionais em suas múltiplas relações e determinações, densas de conteúdo
histórico” (IAMAMOTO, 2007, p. 170).
Neste sentido, a partir das Diretrizes Curriculares para o Serviço Social de 1996
organizou-se a formação profissional em três grandes eixos, considerados núcleos da
formação profissional, a partir dos quais eram apontadas as matérias e conteúdos do ensino
profissional. Previu-se a abordagem da história da sociedade brasileira como estratégia para
compreender os processos de formação da sociedade, que resultaram na configuração da
203
sociedade atual, especificamente no ‘Núcleo de fundamentos da particularidade da formação
sócio-histórica brasileira’. A compreensão da categoria naquele período era de que “o desafio
[era] historicizar o debate, rompendo as análises teoricamente estéreis, porque descoladas da
realidade, assim como as visões intimistas e empiristas do Serviço Social” (IAMAMOTO,
2007, p. 171, grifo da autora).
Destarte, já na década de 1990 o Serviço Social brasileiro compreendia que era
imprescindível elucidar, através dos aportes históricos, a realidade atual, para que se pudesse
descobrir nela as demandas profissionais e as estratégias de atuação, que deveriam orientar a
formação profissional, a fim de que efetivamente a profissão cumprisse seus compromissos,
expressos no projeto ético-político, o qual se volta para a transformação societária. Assim, as
Diretrizes Curriculares de 1996 já propunham que as escolas e as equipes de formação
profissional estivessem em constante alerta, a fim de articular a formação profissional à
realidade, e às exigências do mercado de trabalho.
A atenção e articulação da formação profissional ao mercado de trabalho não
significava responder aos interesses do mercado capitalista, mas sim reconhecer, analisar e
intervir no âmbito das expressões da questão social e dos direitos sociais, segundo os
princípios de igualdade, de justiça social, de universalidade dos direitos, cobrando do Estado a
execução dos serviços de atendimento através das políticas sociais públicas. Em
conformidade com esta orientação, o Serviço Social participou dos processos de configuração
das diretrizes de algumas das Políticas Sociais, dentre as quais a Política Nacional de
Assistência Social, que foi regulamentada apenas em 2004.
Para Iamamoto (2007, p. 172, grifo da autora),
A sintonia da formação profissional com o mercado de trabalho é condição para se
preservar a própria sobrevivência do Serviço Social. Como qualquer profissão,
inscrita na divisão social e técnica do trabalho, sua reprodução depende de sua
utilidade social, isto é, de que seja capaz de responder às necessidades sociais, que
são a fonte de sua demanda. Sendo o assistente social um trabalhador assalariado,
depende da venda de sua força de trabalho especializada no mercado
profissional de trabalho. Para que ela tenha valor de troca, expresso
monetariamente no seu preço, é necessário que confirme o seu valor de uso no
mercado.
Além disto, há de se considerar as modificações no mercado de trabalho,
compreendendo tais transformações de forma ampla e totalizante. As alterações não apenas no
mercado de trabalho dos assistentes sociais, mas de toda classe trabalhadora, traz implicações
nas demandas de qualificação profissional.
Conforme Iamamoto (2007, p. 180, grifo da autora),
204
O processo de transformações, que vem ocorrendo no “mundo do trabalho”, altera
substancialmente a demanda de qualificação de profissionais de Serviço Social,
tornando necessário que adquiram uma centralidade no processo de formação
profissional, porque têm uma centralidade na contemporaneidade da vida social.
Exige que a formação profissional possibilite aos assistentes sociais compreender
criticamente as tendências do atual estágio da expansão capitalista e suas
repercussões na alteração das funções tradicionalmente atribuídas à profissão e no
tipo de capacitação requerida pela “modernização” da produção e pelas novas
formar de gestão da força de trabalho.
Seriam três os eixos das transformações operadas na sociedade desde a última década
do século XX, que trazem mudanças para a profissão e para sua formação profissional, uma
vez que alteram as demandas profissionais: as mudanças na vida social; as mudanças na
esfera do Estado e das políticas sociais; e as mudanças relativas ao campo cultural e de
produção do conhecimento (IAMAMOTO, 2007).
Em relação ao primeiro eixo de mudanças, indubitavelmente a crise estrutural do
capitalismo é o elemento determinante dessas mudanças. Ela tem recaído, de forma ainda
mais forte, sobre a classe trabalhadora, conforme apontado acima. Esta mesma população, é
duplamente afetada, uma vez que as mudanças na esfera do Estado lhe atingem diretamente,
ou seja, as modificações do segundo eixo.
Diante do quadro, o Estado, alegando os efeitos da crise econômica, tem adotado
padrões neoliberais como forma de enfrentamento. Deste modo, opera voltado para a
desregulamentação dos direitos sociais e para a retirada do Estado do âmbito do atendimento
das políticas sociais, que passa a ser relegado ao mercado e à esfera do terceiro setor, cunhado
pela refilantropização das políticas sociais e pelo discurso de responsabilidade e solidariedade
social.
Sob este discurso, o Estado passa a operar de forma residual e focalizada,
direcionando-se para os segmentos que se encontram fora do circuito capitalista de consumo,
com objetivo de torná-los minimamente consumidores. As políticas públicas são privatizadas,
com a inserção da filantropia como um eixo bastante rentável e promissor no mercado capital
de atendimento dos direitos sociais.
Destarte, o atendimento dos direitos sociais, através das políticas sociais, sofre uma
grande modificação, passando a ser organizada segundo os segmentos de consumo. Passa-se a
ter, por exemplo, escola privada para vários segmentos distintos das classes sociais,
identificados pelo mercado como classe A, B e C, que pagarão e receberão os serviços
correspondentes às suas possibilidades financeiras. Gradualmente, o mercado também começa
a produzir serviços sociais de educação também para a classe D, que sofridamente passa a
comprar serviços de baixa qualidade, por não conseguir atendimento na esfera do Estado. E,
205
enfim, a escola pública passa a atender apenas aos segmentos mais pauperizados da classe
trabalhadora, considerados pelo mercado como classe D e E, a quem são destinadas
instituições com condições precarizadas de atendimento, com equipes de professores com
baixa remuneração, sem incentivos para a qualificação contínua e tendo que atender a uma
demanda bastante superior em relação aos seus pares das escolas privadas.
O mesmo ocorre com a saúde, a habitação, a previdência, a cultura, o esporte e lazer,
entre outras áreas dos direitos sociais. A única área que continua sendo resguardada para
investimentos prioritários do Estado, é a Assistência Social, que, mesmo assim, é
frequentemente executada por instituições filantrópicas e de assistência social.
O resultado tem sido, no âmbito das políticas sociais, a destruição e a
desorganização das instituições e serviços públicos, fruto do direcionamento do
fundo público para o financiamento do capital em detrimento da reprodução da força
de trabalho, transferindo os mecanismos de proteção do Estado aos oligopólios. O
cidadão é reduzido à condição de consumidor e o fetichismo do mercado – isto é, do
dinheiro e da mercadoria – parece adquirir a sua plenitude (IAMAMOTO, 2007, p.
181).
Por outro lado, há algo que não se modifica: a invisibilidade conferida pelo Estado e
pelas classes dominantes aos processos sociais que ocorrem no espaço rural, do modo de vida
e de trabalho dos indivíduos do campo e, principalmente, das suas demandas.
Aliás, deve-se admitir que o rural passa a ser objeto das políticas públicas,
especialmente nas últimas décadas. Todavia, tais políticas direcionam-se para o atendimento,
inclusive assistencial – realizado pelo Estado não sob a perspectiva do direito à assistência
social, mas sob a concepção conservadora de tutela e amenização das mais graves expressões
da questão social – e, quando muito, para as políticas de aceleração da produção e do
consumo, totalmente favoráveis à expansão capitalista.
Infelizmente, o Serviço Social participa desse processo de insivibilidade do rural,
quando realiza uma leitura fragmentada da realidade brasileira, não apontando para as
demandas sociais da população camponesa – predominantemente componente da classe
trabalhadora – e, por isso, colaborando para a violação dos direitos sociais, que ocorre através
do não atendimento dos serviços sociais.
Enfim, tanto as transformações quanto as permanências causam refrações para o
exercício profissional e, consequentemente, para a formação. Novas demandas profissionais
surgem como resultado delas, o que requer uma formação sólida que possibilite aos futuros
profissionais conhecimento da conjuntura total que envolve tais modificações, a fim de
decifrar antecipadamente e de forma crítica esses processos, para que possa enfrentar este
cenário, segundo o princípio da defesa intransigente dos direitos sociais.
206
Assim, é preciso reconhecer hoje que as mudanças no campo cultural e do
conhecimento, apontadas em fins da década de 1990 por Iamamoto (2007), tem se adensado,
indicando transformações significativas nas demandas profissionais. O avanço da pósmodernidade causa inflexões na formação profissional, uma vez que a crítica aos fundamentos
marxistas são colocados a partir de matrizes de ordem neo-conservadora, conferindo leituras
sistêmicas da sociedade, da crise capitalista e do próprio Estado.
Nesse contexto, a hegemonia do projeto profissional marxista passa a ser
questionada, muito embora não perca sua centralidade – hegemonia, como bem dito – na
formação profissional. Essa última ameaça ganha força no contexto de expansão do ensino
superior e de afronta neoliberal à formação pública, gratuita e de qualidade – conforme foi
tratado no item ‘2.3.2’ desta seção. Tudo isso é adensado pelo contexto de crise estrutural do
capital (MÉSZÁROS, 2011), requerendo do Serviço Social uma atenção redobrada em
relação aos currículos dos cursos, na perspectiva da defesa de uma formação crítica, embasada
nos princípios e valores do projeto ético-político profissional.
Deste modo, o desafio para o Serviço Social, no que tange a formação profissional, é
avaliar como a profissão está operando as Diretrizes Curriculares no presente, reforçando os
pressupostos críticos que conferem aportes para a reafirmação do projeto profissional
construído coletivamente nas décadas de 1980 e 1990, fortalecendo as lutas sociais, voltadas
para a transformação societária.
À guisa de encerramento da seção: questionamentos para a formação profissional na
atualidade
Iamamoto (1993) apontava que nos anos 1980 o Serviço Social tinha se reencontrado
com sua história, estabelecendo alicerces mais sólidos para a elucidação das suas
particularidades históricas, na trama das relações entre o Estado e a sociedade civil,
especialmente no âmbito das políticas sociais.
Isto seria reflexo, inclusive, do movimento dialético das lutas pela reabertura
democrática e pela conquista de direitos sociais. Mesmo reconhecendo que essas lutas não se
davam de forma isenta da interferência dos coronelismos e populismos, a profissão enfrentava
estas questões, reconhecendo-as como desafios a serem superados, inclusive culturalmente,
para que a ‘esperada’ transformação societária ocorresse.
207
Reconhecendo que a perspectiva apontada por Iamamoto foi oficialmente assumida
pela profissão nas décadas de 1980 e 1990, ficando registrada, inclusive, nas Diretrizes
Curriculares de 1996, pergunta-se se o Serviço Social conseguiu efetivá-la em sua totalidade?
Se sim, como foram trabalhadas as particularidades históricas das relações sociais e o que o
desvendamento delas revelou no que se refere a um olhar sobre as relações e processos sociais
que ocorrem no campo? De que forma o Serviço Social agiu em relação à superação dos
corenelismos e dos populismos, que tão fortemente impregnam, inclusive, o espaço rural
brasileiro?
Decorridos quase vinte anos da análise da formação profissional realizada nas
décadas de 1980 e 1990, a formação decorrente desse processo ofereceu aportes para que o
Serviço Social se consolidasse efetivamente como uma profissão crítica, promotora e
participante dos processos sociais, os quais possibilitam a emancipação política e contribuem
para a transformação societária?
Reportando-se à história recente, construída desde aquele período, é importante
reconhecer e apontar que o Serviço Social teve participação intensa na elaboração do desenho
institucional das políticas sociais, pós-Constituição Federal de 1988. Através das
contribuições profissionais, conseguiu-se avançar na garantia de universalidade de acesso aos
serviços, como diretriz principal da seguridade social, por exemplo. Também se apontou a
necessidade do reconhecimento das especificidades que compõem a realidade social em cada
pedaço de chão brasileiro, apontando para a instituição e consolidação dos serviços de
atendimento com garantia do respeito à territorialidade. E, acima de tudo, muito se colaborou
no processo de resistência à destituição dos direitos sociais e à desregulamentação das
políticas sociais, configurada como uma ameaça neoliberal iniciada logo após as conquistas
constitucionais de 1988.
Todavia, no tocante ao espaço rural, como o Serviço Social colaborou e colabora
para a garantia de universalidade no acesso aos serviços e benefícios sociais? Como contribui
para a garantia da territorialidade, com respeito, por exemplo, às especificidades do modo de
vida e de trabalho rurais? Reconheceu ou reconhece como as ameaças neoliberais atingem o
atendimento de direitos dos sujeitos camponeses?
É necessário assegurar a contemporaneidade do Serviço Social, fato que não se dará
sem a articulação entre a história passada e aquela presente. É preciso, a partir da articulação
entre elas, decifrar as demandas postas para o Serviço Social, sejam elas provenientes
diretamente do âmbito do exercício profissional, sejam provenientes das investigações e dos
processos de formação profissional.
208
Ousa-se dizer que é preciso que o Serviço Social se reconcilie com ‘a realidade rural
do país’. É necessário que ele confira maior atenção – proporcionalmente ao que tem feito –
aos processos sociais, políticos, econômicos e culturais deste Brasil que, historicamente,
teima em ser agrário.
Por tempos o Serviço Social delegou ao segundo plano suas análises para a questão
agrária brasileira. A principal razão disto, quiçá, tenha sido um olhar fragmentado para a
formação sócio-histórica do país. Olhava-se – e por vezes continua-se olhando – para o Brasil
Colônia, como uma terra de um vice-reinado que produzia culturas agrárias de exportação,
mas que não produzia processos sociais, que gradualmente consolidavam as características do
Estado brasileiro. Assim, perdia-se a dimensão do Brasil rural presente desde a ocupação
europeia.
A partir da independência ‘ausente de povo’ (FERNANDES, 2005), visualiza-se um
Brasil que se aligeira na industrialização, aprofundando o desenvolvimento urbano sem
estrutura social, e promovendo um significativo esvaziamento do campo. Consequentemente,
acirra-se a questão social, e isto é facilmente reconhecido pelos estudantes de graduação
desde os primeiros períodos ou anos de formação na graduação. Todavia, o que se
desconhece, é que este acirramento guarda profundas raízes na questão agrária, questão rural.
De uma forma ou outra, parece que os núcleos de fundamentos, especialmente da
particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira, não estariam dando conta
de produzir saberes que possibilitem aos estudantes e, futuramente, aos profissionais,
reconhecerem as implicações das relações sociais no campo – que acima de tudo são
capitalistas, hoje mais do que ontem – da dinâmica societária no espaço rural e,
consequentemente, das demandas sociais da classe trabalhadora que lá vive e produz.
Este cenário de dificuldade no reconhecimento da articulação entre rural e urbano, na
sociedade capitalista em tempos de crise estrutural do capital, desafia o Serviço Social no que
toca o reconhecimento das demandas emergentes no espaço rural. Neste sentido, corre-se o
risco de que seja o Estado ou a classe burguesa a apontar, sob o seu ponto de vista, as
demandas emergentes para o Serviço Social no campo, o que adensaria o perigo de que a
intervenção profissional respondesse aos interesses do Estado e da burguesia rural e urbana, e
não aos interesses da classe trabalhadora camponesa.
Concorda-se com Gentilli (2000, p. 147), quando afirma que
Considera-se que o ensino profissional necessita, não só se estruturar para uma
formação plena, capaz de habilitar os assistentes sociais no desempenho de suas
atribuições técnico-funcionais por meio do exercício da crítica teórica e de uma
prática responsavelmente desenvolvida, mas também necessita investir no
209
desenvolvimento de uma identidade profissional fortemente centrada nos valores
veiculados pelas instituições regulamentadoras da profissão e que realmente
ancorem toda esta diversidade e inovações emergentes.
É imprescindível se posicionar em defesa da universidade democrática, aberta à
sociedade e acessível a todos os cidadãos – por isto a defesa da universidade pública, gratuita
e de qualidade –, e de uma formação profissional crítica, situada historicamente, concatenada
com os processos sociais, políticos, econômicos e culturais, que conformam a realidade e
implicam traços da vida cotidiana dos brasileiros. Enfim, é preciso se posicionar a favor de
uma formação profissional capaz de operar mudanças no cotidiano profissional, contribuindo
para a transformação societária desejada pelo Serviço Social, conforme afirmação em seu
projeto ético-político profissional.
Para tanto, criticamente, deve-se ter os pés fincados na realidade do ensino superior
proposto pelos últimos governos, o qual segue o receituário neoliberal das agências
multilaterais. É preciso, então, reconhecer que,
As características do processo atual são nitidamente mais destrutivas e ameaçadoras
para os que veem a educação como direito e não como mercadoria e a querem
pública, gratuita e de qualidade, quando se quebra a articulação entre ensino,
pesquisa e extensão, inclusive no setor público. É a requisição estrutural de uma
tecnocracia limitada ao preenchimento de cadastros e a realização de metas
quantitativas em detrimento da qualidade do atendimento aos usuários. Tal
requisição é elevada à enésima potência e respondida por uma universidade
operacional, como diz Marilena Chauí, sem qualquer autonomia relativa em relação
à dinâmica do mercado (ABEPSS, 2009, p. 150).
Negar que o quadro de precarização e mercantilização da educação está posto, não
resolve a situação. Admiti-la como normal, aceitá-la e incorporá-la em nossa vida, tampouco.
É preciso denunciar que a educação como mercadoria, sem qualidade, só é compatível com a
lógica do capital em crise, que já não vê novas saídas para sua ‘crise estrutural’ que não seja a
recriação de produtos, conferindo aos serviços sociais – em sua totalidade – valor e marca no
mercado, segundo os segmentos de classe que puderem consumir tais serviços.
É preciso manifestar que o Serviço Social, enquanto profissão crítica, situada teórica,
metodológica, técnica, ética e politicamente contra o capitalismo e direcionada para a
transformação societária, em defesa dos interesses da classe trabalhadora, não aceita
condicionar sua formação profissional pelo mercado.
“No Contexto da economia neoliberal, muita vezes o conhecimento é visto como
mercadoria”. É preciso negar esta lógica. É preciso também dizer que não se aceita que a
formação profissional seja “uma simples preparação de técnicos ou colaboradores para o
mercado”. É imprescindível denunciar as práticas que tratam estudantes “como meros
210
clientes, as instituições de ensino como empresas e a educação como produto”. É preciso,
pois, subverter esta ordem da ‘educação’, e junto dela, subverter a ordem do capital, pois “a
educação deve ser, antes de tudo, o processo de fortalecimento dos princípios e dos valores
que regem a cidadania, a democracia e a emancipação social” (BENINCÁ, 2011, p. 58).
Em respeito a sua trajetória histórica profissional, reconhecendo que o Serviço Social
soube se posicionar criticamente e romper com uma formação tradicional, que lhe imputava
cariz conservador, é preciso creditar à categoria profissional apostas na superação das
condições de precarização do ensino universitário. Será esta categoria a contribuir para a
resistência à precarização e à privatização das universidades públicas. Será ela a se posicionar
enfaticamente contra a redução da formação profissional ao ‘mínimo dos mínimos’ exigidos
pelas Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social. Será esta a categoria
profissional a denunciar e combater a mercantilização do ensino, em seus diversos níveis.
Para tanto, talvez, um bom começo será afinar os discursos que apontam para a
necessidade de uma nova revisão curricular, agora das Diretrizes Curriculares de 1996. Quiçá,
desta vez – assistentes sociais, docentes e discentes de Serviço Social –, seja possível aprovar
e consolidar legalmente a proposta da categoria, publicando-a como texto de Lei, sem
quaisquer modificações neoliberais. Quem sabe ainda, a partir desse novo processo de
discussão e avaliação da implantação das Diretrizes Curriculares de 1996 seja possível barrar
a ampliação do ensino a distância e a precarização e mercantilização do ensino presencial. E,
finalmente, talvez o Brasil rural apareça na formação profissional!
III SEÇÃO
A FORMAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE
ALAGOAS: DOIS CURSOS, DOIS MOMENTOS E UMA HISTÓRIA
Afinal, quem semeou este solo fértil?
Essa estrutura que tanto nos fala,
que tanto nos honra e
que tanto nos credencia,
vem diretamente da história,
do passado que ao longo do tempo
se funde com o presente.
Ana Maria Ávila Mendonça (2008, p. 24)
Esta seção será dedicada ao tratamento da formação profissional em Serviço Social no
Estado de Alagoas, especificamente no âmbito da Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
que se inicia em 1972, com a incorporação do curso da antiga Escola de Serviço Social Padre
Anchieta, e se recria recentemente, em 2006, com a instituição de um novo curso de Serviço
Social no interior do Estado, na cidade de Palmeira dos Índios, Agreste Alagoano.
O objetivo será traçar os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos que
constituíram os cursos de Serviço Social nessa Universidade – tarefa certamente desafiadora,
que talvez fique no âmbito da pretensão, mas que deve ser, pelo menos, assumida –,
possibilitando compreender como a formação profissional instituiu-se e se consolidou
historicamente e como ela se desenha na atualidade.
Para cumprir tal intento trabalhou-se com a pesquisa documental, estudando e
analisando os currículos e projetos pedagógicos dos cursos, bem como os planos de
disciplinas dos períodos imediatamente posteriores às mudanças curriculares que aconteceram
desde o surgimento dos cursos. Os aportes bibliográficos também foram encontrados no livro
em comemoração aos 50 Anos do Curso de Serviço Social em Alagoas, publicado pela
Editora da UFAL (EDUFAL) em 2008, e em artigos publicados em revistas e anais de
eventos, que trataram sobre a formação profissional de ambos os cursos. Devido ao tipo de
pesquisa realizada e ao material utilizado, possivelmente será observada uma abordagem mais
descritiva e histórica, que não deixará de ser analítica, diferenciando-se parcialmente das duas
primeiras seções da tese.
212
Para fazer a discussão pretendida, organizou-se a seção em dois capítulos, sendo um
referente à formação profissional oferecida pela Faculdade de Serviço Social do Campus A.
C. Simões, e outro sobre a formação oferecida pelo Curso de Serviço Social da Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios, no Campus Arapiraca.
Espera-se, com esta seção, trazer subsídios para refletir posteriormente – na IV seção
– a articulação entre a formação e o exercício profissional do Serviço Social, no que tange aos
suportes teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos que o curso com caráter
generalista oferece para a construção do conhecimento profissional necessário, a fim de que
os Assistentes Sociais possam trabalhar com as generalidades e singularidades do espaço
rural, dos modos de vida e de trabalho dos indivíduos rurais.
213
CAPÍTULO 1
O SERVIÇO SOCIAL NO CAMPUS DA UFAL EM MACEIÓ
Para tratar sobre a escola de Serviço Social do Campus A. C. Simões, atualmente
denominada de Faculdade de Serviço Social (FSSO) da UFAL, necessita-se voltar algumas
décadas no tempo e falar dos primórdios dessa escola, ainda em sua ligação original com a
Igreja Católica, quando era a Escola de Serviço Social Padre Anchieta. Esta é a tarefa do
primeiro – do total de cinco – item do capítulo.
Na sequência, passa-se a discutir a formação profissional oferecida já no âmbito da
UFAL, através dos currículos do curso de Serviço Social, sendo o primeiro datado no início
da década de 1970, quando o curso da Escola de Serviço Social Padre Anchieta foi
incorporado à instituição pública. Ao todo serão quatro currículos diferentes, que imprimirão
características distintas para a formação profissional, em quatro períodos diversos: as décadas
de 1970, 1980, 1990 e os anos 2000, cada um discutido em um item do capítulo.
Nesta discussão, volta-se a frisar, o foco de análise é o tratamento que é oferecido ao
rural – numa formação que, pretensamente, nas últimas três décadas, afirma-se generalista –,
através dos estudos e discussões das disciplinas do curso. Procura-se compreender de que
forma as matérias, disciplinas, tópicos de estudo e conteúdos programáticos conferiram
aportes para que os profissionais formados pudessem atuar em espaços sócio-ocupacionais
diretamente ligados ao rural alagoano.
3.1.1 A Escola de Serviço Social Padre Anchieta: o início de uma longa história
A Escola de Serviço Social Padre Anchieta de Alagoas surge em 15 de agosto de
1956, tendo sido criada enquanto estabelecimento de ensino superior, no âmbito privado e
com caráter filantrópico. Sua mantenedora é a Arquidiocese de Maceió, através da Fundação
Arquidiocesana de Assistência Social, tendo sido Dom Adelmo Machado o arcebispo
coadjutor que fundou a Escola.
A autorização para seu funcionamento ocorrerá no ano seguinte, através do Decreto
Estadual nº 41.160, de 18 de março de 1957, e seu reconhecimento enquanto curso de
formação de Serviço Social, em nível superior, ocorrerá em 29 de dezembro de 1959, através
do Decreto nº 47.533/59–AL.
214
Desde sua origem, a direção da Escola de Serviço Social é assumida pela
Congregação das Missionárias de Jesus Crucificado, que se fazia representar por uma equipe
supervisionada pelas Assistentes Sociais, a Madre Superiora Zilda Galrão Leite e a Irmã
Lourdes Mafra (NOLASCO et al., 2008).
Seu surgimento, diretamente ligado ao seio da Igreja Católica, não diverge do que
ocorreu com as primeiras Escolas de Serviço Social, criadas em todo Brasil até meados da
metade do século XX. O mais significativo exemplo é a Escola de Serviço Social de São
Paulo, primeira escola de Serviço Social brasileira, criada em 1936, ligada ao Centro de
Estudos da Ação Social da Arquidiocese de São Paulo e que mais tarde será incorporada à
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Assim, também ocorre nas capitais
do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Sergipe entre outras.
A primeira turma começa suas aulas em 1957, depois da realização do primeiro
processo seletivo, em que participaram 40 candidatos, tendo sido aprovados 19 ingressantes,
todas mulheres, dentre as quais 10 se formaram.
Tanto o perfil requisitado para o ingresso, quanto a organização da escola e do
ensino, e o tipo de formação oferecida na Escola Padre Anchieta também eram similares aos
encontrados nas demais escolas de Serviço Social brasileiras. O cunho doutrinário e moral da
formação profissional perpassava, inclusive, o funcionamento e a burocracia institucionais.
Neste sentido, nota-se que o perfil das ingressantes no curso tinha um forte traço
entendido como necessário para ‘a conservação da moral e dos bons costumes’ requeridos
pela sociedade da época. Segundo Nolasco et al. (2008, p. 96), “para ingresso na Escola,
colocavam-se as seguintes exigências: a idade mínima de 18 anos e a máxima de 40 anos;
apresentação de atestado de bons antecedentes e de sanidade mental; certificado de conclusão
de curso secundário”.
O mesmo traço pode ser notado na formação profissional, relatada pelos mesmos
autores, que indicam as disciplinas contidas na primeira grade curricular.
O ensino do Serviço Social era organizado considerando-se duas dimensões: a
teórica e a prática. A teórica compreendia o estudo das seguintes matérias básicas:
Serviço Social de Caso, Serviço Social de Grupo, Desenvolvimento e Organização
de Comunidade, Administração em Serviço Social, Psicologia, Sociologia, Pesquisa
Social e Estatística, Economia Social, Direito, Ética, Higiene e Medicina Social. O
currículo ainda incluía as seguintes matérias obrigatórias: Introdução à Filosofia,
Doutrina Social da Igreja, Cultura Religiosa, Política Social e Higiene Mental e
Psiquiatria (NOLASCO et al., 2008, p. 97).
O próprio curso de Serviço Social da UFAL, em documento institucional de 2007,
identifica que a “formação profissional articula, inicialmente, os princípios doutrinários de
215
base confessional com os fundamentos teórico-metodológicos das Ciências Sociais”
(UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 6).
Além do perfil doutrinário e moral da formação, é interessante perceber que desde o
início da formação profissional conferia-se significativo destaque para a formação prática, sob
a perspectiva funcionalista das ciências sociais. Este caráter prático da formação perpassava
os conteúdos das disciplinas como ‘Teoria Setorial do Menor’ e ‘Teoria Setorial de Saúde’, ou
mesmo nas disciplinas de ‘Serviço Social de Caso’, ‘Serviço Social de Grupo’ e ‘Serviço
Social de Comunidade’, que reservavam em seus programas unidades inteiras para a
‘intervenção técnica’.
Além das disciplinas que mesclavam unidades de ensino com conteúdos teóricos e
interventivos, eram realizadas quatro etapas de Estágio Supervisionado, cujas atividades de
campo eram acompanhadas diretamente pelas docentes do curso. Neste sentido, tratando
sobre a dimensão prática da formação profissional, Nolasco et al. (2008, p. 97) indicam que
A formação prática dos alunos do Curso era desenvolvida através de estágios
supervisionados, inicialmente nas periferias de Maceió, nos centros comunitários,
nas associações de moradores e em entidades assistenciais. Posteriormente, essa
formação passou a ser também desenvolvida em comunidades rurais. Esses estágios
tinham duração de um ano e subsidiavam a elaboração de Trabalhos de Conclusão
de Curso dos alunos.
Dado o seu intercâmbio com outras escolas de Serviço Social no Brasil, facilitada
especialmente pelos contatos entre as congregações religiosas que dirigiam tais escolas, a
Padre Anchieta sintonizava os conteúdos e as atividades do curso oferecido com as tendências
de estudos predominantes em todo país, muito embora, à época, ainda não existisse um
currículo mínimo comum.
O ensino de Serviço Social na Escola padre Anchieta naturalmente primava pela
formação cristã, estando apoiado na Ética Tomista. Referenciava-se também nas
Ciências Sociais, em particular, na psicologia para análise e intervenção sobre os
problemas dos indivíduos na sociedade. O estudo da Questão Social e seu
desenvolvimento aparecem como objeto de ensino, o que não é de estranhar tendo
em vista que as encíclicas papais Rerum Novarum, e Quadragésimo Anno
referências básicas na ação social católica versavam particularmente sobre a
condição dos operários e dos conflitos sociais. Matérias como sociologia, economia,
entre outras, contêm no programa de ensino da Escola o problema da desigualdade e
das condições de vida dos nordestinos na cidade e no campo retratado em trabalhos
acadêmicos dos alunos [sic] (COSTA; SOUZA, 2008, p. 16).
Como visto, desde o seu surgimento, a Escola de Serviço Social irá desenvolver as
abordagens de ‘Caso Individual’, ‘Grupo’ e ‘Comunidade’, realizando atividades,
especialmente da dimensão prática, condizentes com a perspectiva do ‘Desenvolvimento de
Comunidade’ (DC), mesclando tais abordagens com a Doutrina Social da Igreja. Isto ocorrerá,
216
pois seu surgimento acontece na segunda metade da década de 1950, quando a corrente do
Serviço Social norteamericano preponderava sobre a europeia, na formação e no exercício
profissional brasileiros, muito embora a última mantivesse parte de sua influência original.
Note-se, inclusive, que a partir do segundo lustro da década de 1950 o DC encontra
espaço profícuo para sua expansão no Brasil e na região nordeste, considerando a política
desenvolvimentista operada pelos governos federais e estaduais, fomentada pelas agências
internacionais que agiam diretamente sob ordens estadunidenses.
Apesar do forte impulso desenvolvimentista daquele primeiro período na década de
1950, será mais particularmente nos anos 60 que o DC é aprofundado enquanto abordagem no
interior da profissão no Brasil, sob forte inspiração norte-americana – donde também eram
oriundas as abordagens de Caso, Grupo e Comunidade – por meio da cooperação viabilizada
pelas agências internacionais.
Esse tipo de ação profissional em que participava o Serviço Social buscava o
desenvolvimento para as regiões consideradas atrasadas. Assim, tanto o Brasil era um país
foco das ações internacionais, quanto o nordeste dentre as regiões brasileiras e o espaço rural
como lugar social. A focalização das ações de DC nestes lugares evidencia a leitura
funcionalista, apregoando o ‘atraso’ a estas regiões em relação ao restante do território.
Neste sentido, uma das intenções dirigia-se para a modernização da agricultura
brasileira, tendo por estratégia a Educação de Adultos. Confirmando este objetivo no Estado
de Alagoas, a Escola de Serviço Social Padre Anchieta
Desempenhava um importante papel junto ao Serviço de Assistência Rural (SAR),
vinculado à Igreja. Além desses movimentos, registrava-se a presença junto ao
Movimento de Educação de Base (MEB), dirigido pelas Irmãs de Fátima, que
desenvolveu [sic] um programa radiofônico de educação de jovens e adultos, através
da Rádio Palmares, nas periferias de Maceió e em várias cidades interioranas
(NOLASCO et al., 2008, p. 97).
A sintonia da Escola Padre Anchieta não era apenas com o Serviço Social brasileiro
e com a perspectiva desenvolvimentista nacional. A formação profissional estava sintonizada
também com a conjuntura política do Estado brasileiro, que na década de 1960 é tomada de
assalto pelo Golpe Militar, que traz consigo a instalação de um regime militar totalitário e
coercitivo, de caráter repressivo e violento. Em nome das classes dominantes, o Estado militar
agia para coibir toda e qualquer ameaça ao capitalismo brasileiro, instalando a perseguição,
inclusive, em relação à organização estudantil.
A Igreja Católica e, junto dela, o Serviço Social, através da propagação da Doutrina
Social da Igreja em seus cursos, também operavam para combater ‘o perigo do comunismo’,
217
criticando ainda o capitalismo liberal, enquanto pregavam a promoção do comunitarismo
cristão como uma terceira via e a organização do povo para seu próprio desenvolvimento –
moral, inclusive (IAMAMOTO, CARVALHO, 2008; NETTO, 2008; AMMANN, 2009).
Todavia, a parcela da Igreja ligada à Ação Social e à Ação Católica Especializada –
considerada mais progressista dentro do quadro teórico e político da própria Igreja, e que
tinha colaborado para o surgimento do Serviço Social – ainda conseguia manter certa
liberdade de organização e discussão do quadro estudantil dos cursos, resguardando para si o
controle ideológico, a fim de assegurar que tais discussões não enveredassem pela via do
comunismo / socialismo.
Neste sentido, apesar dos fundamentos conservadores e anticomunistas que
perpassavam a formação profissional, a Escola de Serviço Social Padre Anchieta se
transforma em referência para as lutas estudantis de resistência à força e às ordens militares.
Assim como em outras escolas de Serviço Social brasileiras, a ‘Padre Anchieta’ tornou-se
referência em Maceió enquanto espaço de debate nesta conjuntura de dificuldade, quando o
Diretório Acadêmico Arthur Ramos (DA), com apoio da direção da escola, “decidiu não se
submeter à Lei Suplicy de Lacerda, quando outros DAs de Maceió já haviam se adequado à
referida lei, a qual transformava os Diretórios Acadêmicos em meras agremiações culturais,
recreativas e assistenciais” (NOLASCO et al., 2008, p. 98).
Portanto, mesmo numa conjuntura adversa e tendo uma formação de caráter
conservador desde a sua origem, o Serviço Social da Escola Padre Anchieta configurava-se
como um curso que, desde a década de 1960 assumia nas suas discussões a defesa das lutas
em favor da liberdade e da democracia, contra a repressão militar e pelo estabelecimento de
relações sociais de diálogo entre as classes – o que confirma, certamente, o seu caráter
funcionalista da harmonia entre as classes e da busca da paz social. Assim, a Escola de
Serviço Social Padre Anchieta funciona durante quase 15 anos, sendo incorporada aos cursos
da UFAL apenas no ano de 1972, quando começam suas aulas.
Porém o processo de incorporação da Escola pela UFAL não foi rápido e fácil.
Enquanto alguns cursos, como o de Direito, já tinham sido incorporados à UFAL desde a
criação da instituição, no ano de 1961, o Serviço Social apenas conseguiria adentrar uma
década depois. Nolasco et al. (2008, p. 98) registram que “fora do circuito universitário,
alunos e professores da referida Escola iniciaram um processo de mobilização e luta, visando
à integração do Curso à Universidade, o que se arrastou durante nove anos, sendo finalmente
concretizada a incorporação em 1972”.
218
Com a Incorporação da Escola à UFAL, o Curso de Serviço Social é agregado ao já
existente Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), criando-se nele o Departamento
de Serviço Social (DSS), que a partir de 1973 é transferido para o Centro de Ciências Sociais
Aplicadas (CCSA), onde permanece até 2006, quando se transforma em Faculdade de Serviço
Social.
Com a criação do Departamento de Serviço Social, parte do corpo docente da Escola
Padre Anchieta também é incorporado a ele, ocorrendo modificação da outra parcela do
quadro docente, concomitantemente ao reordenamento da grade curricular.
Com o modelo departamental, disciplinas do curso básico passaram a ser ofertadas
por áreas afins. Houve a dispersão para outros departamentos de alguns docentes
que lecionaram na Escola Padre Anchieta, enquanto outros responsáveis por
disciplinas específicas foram sendo incorporados ao departamento de Serviço Social,
alguns como colaboradores por tempo determinado e em certos casos foram
submetidos a concurso para composição do quadro permanente (COSTA; SOUZA,
2008, p. 16).
O curso passa a funcionar inicialmente na Faculdade de Direito, no centro da cidade,
e logo em seguida no Campus Tamandaré, localizado na região do litoral sul de Maceió, no
Pontal da Barra. Quando este Campus é desativado, o curso é transferido para o Campus
Aristóteles Calazans Simões (A. C. Simões), onde ainda funciona atualmente.
No processo de incorporação, todos os discentes da escola de Serviço Social da
Escola Padre Anchieta são inseridos no quadro discente da UFAL, inclusive aqueles que
tinham prestado processo seletivo em 1971. Neste sentido, Costa & Souza (2008, p. 16)
apontam que “a primeira turma na transição do Curso para a Universidade, ainda
remanescente do vestibular de 1971, na escola Padre Anchieta, foi formada pela UFAL em
1974. O primeiro vestibular para o curso na nossa universidade ocorreu em 1972, concluindo
a primeira turma em 1975”.
Ainda na Escola Padre Anchieta, a abordagem de conteúdos articulados à realidade
rural acontecia através do debate sobre as questões encontradas durante a realização de ações
objetivas junto à população rural. Tanto essas discussões, quanto a intervenção planejada no
âmbito do ensino em Serviço Social, tinham como perspectiva o desenvolvimento do rural
alagoano e dos indivíduos que lá viviam, considerando a perspectiva desenvolvimentista que
apontava que tal espaço era um lugar de atraso social, econômico, político e cultural. Ora,
neste sentido, a intervenção deveria dirigir-se necessariamente para a promoção do
desenvolvimento rural, devendo o Serviço Social operar principalmente para que este
ocorresse no âmbito social.
219
Seguindo o fluxo das discussões das ciências sociais, a construção do conhecimento
do Serviço Social sobre o Brasil rural não poderia ser outro. Conforme apontado na primeira
seção deste trabalho, por volta dos anos 1960 e 1970 a sociologia rural se fortalece no âmbito
das Ciências Sociais, reproduzindo veementemente a defesa do dualismo entre campo e
cidade e a atribuição de atraso ao primeiro, que causaria problemas à segunda, por impedirlhe o franco desenvolvimento industrial. Antonio Candido (1954), fazendo uma leitura
histórica da sociedade e dos processos e relações sociais, sendo considerado ainda hoje como
um autor clássico que trata da formação do Brasil agrário, é um exemplo do pensamento sobre
o espaço rural que preponderava na época: o sujeito simples do campo era o caipira, atrasado
em relação à vida social que se reproduzia na maior parte do território. Este sujeito, que em
São Paulo, para Candido, era denominado de caipira, nas terras das Alagoas era conhecido
como tabaréu, foco de atendimento do Serviço Social, em articulação com o Serviço de
Assistência Rural (SAR).
Por último, deve-se salientar que após a saída do curso do seio da Igreja Católica a
grade curricular sofre modificações, retirando-se as disciplinas relativas à Doutrina Social da
Igreja. Mesmo com esta significativa mudança no início da década de 1970, o caráter
conservador e o forte enfoque moral sobre os processos e as relações sociais são mantidos, o
que reitera a sintonia do Curso de Serviço Social de Alagoas com o movimento preponderante
na formação e no exercício profissionais em nível de Brasil.
Portanto, a Escola de Serviço Social Padre Anchieta foi, sem dúvida, um embrião
com bastante vitalidade do Serviço Social que se consolida posteriormente em Alagoas. Das
primeiras turmas formadas surgiram várias docentes, algumas das quais ainda em exercício na
Faculdade de Serviço Social da UFAL, no Campus A. C. Simões. Outras tantas são as
assistentes sociais que ainda continuam em exercício profissional nas instituições de
atendimento de direitos sociais de Alagoas.
Neste sentido, finaliza-se este item dedicado à memória da Escola de Serviço Social
Padre Anchieta, concordando com a Professora Ana Maria Ávila Mendonça, quando afirma
que esta história de um passado recente continua se fundindo com o tempo presente do
Serviço Social em Alagoas. Para a Professora Ana Ávila (2008, p. 24), Diretora da Faculdade
de Serviço Social na ocasião da comemoração dos 50 anos do Curso em Alagoas, a sólida
estrutura do curso “vem da história do passado que ao longo do tempo se funde com o
presente”.
220
3.1.2 A formação profissional na década de 1970: a incorporação à UFAL
A estruturação do ‘currículo de um curso’ expressa as bases que sustentam a
formação profissional e o desenho prospectivo da profissão a que se refere, no dado momento
histórico em que esteve vigente. Neste sentido, para compreendê-lo exige-se uma análise
histórica, o que significa que não se pode ponderá-lo de forma descolada dos processos
sociais, políticos, econômicos e culturais da sociedade, que caracterizam a realidade em que
se insere.
Assim, abraça-se a tarefa de explicitar algumas considerações sobre a formação
profissional do Curso de Serviço Social, a partir da conjuntura política, social e acadêmica
quando da sua incorporação à UFAL. Tais considerações provêm da leitura apurada
(pretensamente analítica) do Currículo do Curso de Serviço Social da UFAL, datado
oficialmente em 1974, e dos programas das disciplinas oferecidas pelo curso, a partir de
197247. Isto se faz com o objetivo de compreender a formação profissional naquele período
estendido entre a década de 1970 e início dos 1980, buscando reconhecer os aportes
importantes para o exercício profissional em espaços sócio-ocupacionais ligados ao campo.
O primeiro eixo de análise é o reconhecimento que este Currículo demarca a
desvinculação do curso com os grupos da Igreja Católica – que até então dirigiam a Escola de
Serviço Social Padre Anchieta –, e o início de sua história nos quadros de uma universidade
pública, a Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Muito embora tenha ocorrido esta
desvinculação, ela não se efetiva plenamente como uma ‘ruptura’, visto que parte das
disciplinas e do próprio quadro docente da antiga Escola acompanha a incorporação. Também
por isso, seus conteúdos ainda recebem influência dos princípios e valores da moral religiosa
da época.
Sua base de fundamentação legal é o Currículo Mínimo vigente em todo Brasil,
aprovado em 1970 (Parecer nº 242/70 e Resolução de 13 de março de 1970 do Conselho
Federal de Educação). A característica central deste Currículo é a abordagem de Caso, Grupo
e Comunidade, e o enfoque psicossocial dos estudos para a compreensão da realidade e dos
problemas sociais brasileiros – usando uma terminologia da época. Logo, é notória a
47
O documento ‘Currículo do Curso de Serviço Social’ é datado em julho de 1974 e nele constam os objetivos
gerais do curso e o Currículo Pleno, entre outros dados. Tanto ele, quanto os programas das disciplinas, são
provenientes dos arquivos históricos da Faculdade de Serviço Social. Foram tomados como referência, além do
‘Currículo’, alguns programas das disciplinas do período de 1972, outros de 1973 e, preponderantemente os
programas de ensino utilizados em 1974. Registra-se que durante a pesquisa documental verificou-se que, até o
ano de 1977, poucas – ou nenhuma – foram as modificações realizadas nos planos, o que possibilitou o estudo
dos conteúdos em diferentes anos, entre 1972 e 1974.
221
predominância do pensamento norte-americano na concepção da profissão, sua teoria e
prática, que começa a ser permeado – mesmo que timidamente – pelo pensamento
proveniente do Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina.
É nesta conjuntura acadêmica – de transição da formação de uma instituição religiosa
para a universidade, com interferência do pensamento norte-americano e com os reflexos da
Reconceituação Latino Americana do Serviço Social – que o curso passa da Escola Padre
Anchieta para o âmbito acadêmico-científico da Universidade Federal de Alagoas.
Esta passagem, denominada nos registros históricos do curso como ‘processo de
incorporação do curso’, ocorreu no momento de acirramento da ditadura militar e do controle
do Estado autoritário sobre a sociedade, especialmente sobre os setores que poderiam
provocar sublevações – contexto anteriormente apontado. As universidades, com seu corpo
técnico e, especialmente, o corpo docente e discente, eram consideradas espaços em que o
controle deveria ser exercido de forma rígida, muito embora disfarçada, através do controle da
formação – e das ideologias – ensinada. Isto para que não se formassem e fortalecessem
espaços e grupos de contestação política e social contra a ordem burguesa instituída através
do regime militar. Destarte, tanto o processo de incorporação do Curso de Serviço Social à
UFAL, quanto o próprio desenho institucional da sua formação – expresso pelo currículo –
precisam ser entendidos como constitutivos de um momento histórico que, nacionalmente, era
de contenção de um saber que inspirasse ações de transformação.
Nesse contexto de repressão do Estado ditatorial militar, o Serviço Social brasileiro
vivia
um
momento
de
encontro
com
diversas
vertentes
teóricas,
efetivado,
predominantemente, pela via do ecletismo. Esse processo interno da profissão estava
provocando fissuras na formação, na investigação e no exercício profissional, que
possibilitariam ainda naquela década a erosão do Serviço Social tradicional no Brasil.
Neste quadro, o Curso passa a ser caracterizado como um ensino voltado para a
formação de bacharéis em Serviço Social, que preparava os discentes para o futuro exercício
das atividades profissionais nos setores públicos e privados (UFAL/DSS, 1974).
A formação estava organizada em dois ciclos de caráter obrigatório, sendo o primeiro
voltado para a área de humanidades, denominado de ciclo básico; e o segundo, voltado para a
formação específica em Serviço Social, chamado de ciclo profissionalizante.
A maioria das disciplinas do ciclo profissionalizante era oferecida pelo
Departamento de Serviço Social (DSS), totalizando o número de 45 créditos. Todavia,
agregava-se a elas as disciplinas da formação básica na área de humanidades, que
computavam mais 24 créditos; as disciplinas obrigatórias do ciclo profissionalizante,
222
oferecidas por outros Departamentos – Departamento de Economia, Contabilidade e
Administração e Departamento de Estudos Sociais –, que encerravam 39 créditos; as
disciplinas optativas do próprio DSS, que finalizavam 26 créditos – dos quais 04 referiam-se
ao trabalho de Conclusão de Curso e 4 créditos relacionados com a habilitação pretendida
individualmente pelos estudantes –; e 24 créditos referentes às disciplinas formativas e
culturais, oferecidas em outros departamentos (UFAL/DSS, 1974).
É importante registrar que a formação profissional possibilitava ao estudante
escolher até duas habilitações específicas, dentre o seguinte quadro das “Teorias Setoriais do
Serviço Social: Serviço Social aplicado à Saúde; Serviço Social aplicado ao Menor; Serviço
Social aplicado à Educação; Serviço Social aplicado ao Trabalho; e Serviço Social aplicado à
Família” (UFAL/DSS, 1974, p. 6-7).
Os objetivos gerais do curso direcionavam-se para quatro diferentes sujeitos do
processo, quais sejam: a profissão, a sociedade, o aluno e a universidade. Em relação ao
primeiro, buscava-se “formar profissionais [...] com os conhecimentos necessários à
compreensão dos múltiplos fatores que interferem no contexto social e aptos a intervenção
profissional” (UFAL/DSS, 1974, p. 9). Em relação à sociedade, visava-se preparar Assistentes
Sociais aptos a colaborar para o desenvolvimento global do país e da região, contribuindo na
área de sua formação específica. Além disso, objetivava-se preparar profissionais conscientes
e responsáveis para atender às necessidades e responder às exigências do contexto social. No
que tange ao aluno, pretendia-se uma formação integral e enriquecedora de sua personalidade,
desenvolvendo nele a criatividade e o hábito da pesquisa, não somente durante a formação
profissional, mas como prática constante de aperfeiçoamento. Finalmente, em relação à
universidade, tinha-se por objetivo orientar o ensino, adequando seus objetivos à realidade
social do país e da região, promovendo e estimulando a pesquisa no campo social e
estabelecendo uma efetiva integração em relação a outros cursos e à comunidade geral de
Alagoas (UFAL/DSS, 1974).
Numa análise geral das disciplinas relativas ao ciclo profissionalizante 48, percebe-se
que eram oferecidas muitas disciplinas que forneciam aportes para a leitura da realidade e dos
processos sociais. É bem verdade que, dado o contexto histórico da sociedade e a maturação
das ciências sociais e do próprio Serviço Social no período, as lentes desta leitura da realidade
48
Configuravam-se como disciplinas obrigatórias deste ciclo: Teoria do Serviço Social I e II; Serviço Social de
Caso I e II, Serviço Social de Grupo I e II, Serviço Social de Comunidade I e II; Ética Profissional; Estágio
Supervisionado I, II e III; Política Social; Sociologia I; Introdução à Psicologia Geral e Experimental;
Psicologia Social; Psicologia da Personalidade; Elementos de Economia I e II; Direito e Legislação Social;
Patologia Social; Estudo de Problemas Brasileiros I e II; e Educação Física.
223
ofuscavam alguns processos sociais, políticos e econômicos, dificultando a compreensão
sobre as origens das expressões sociais que se tornavam objeto de intervenção profissional.
Muito colaborava para este ofuscamento a presença, bastante forte, da matriz norteamericana, que imprimia um traço ‘psicologizante’ à profissão. A partir dela, identificava-se
que toda ordem de expressões da questão social poderiam ser resolvida com base na
compreensão e intervenção nos processos psicológicos individuais, grupais e comunitários.
Outrossim, mesmo considerando as lentes acríticas na leitura dos processos sociais,
tinha-se maior contato, durante a formação, com a sociedade, seu movimento histórico e com
a realidade daquele momento. Tanto nas disciplinas de caráter teórico, quanto naquelas
consideradas de caráter prático, o enfoque era a análise – entendida como diagnóstico – e
intervenção na realidade. Então, tinha-se, por exemplo, em sala de aula disciplinas como
“Estudo dos Problemas Brasileiros I e II” e “Patologia Social” que possibilitavam “uma
análise científica dos problemas característicos da desorganização social e a busca de soluções
e planejamento para os diversos problemas na nossa realidade sociais” e, posteriormente, nas
instituições, na disciplina de “Estágio Supervisionado III”, a tarefa de fazer “diagnóstico da
realidade social” (UFAL/DSS, 1974, p. 14; 29).
Deve-se considerar que o elenco das disciplinas consideradas optativas 49 era
significativamente amplo, visto que nelas incluíam-se todas as disciplinas necessárias para
que o estudante adquirisse uma ou duas habilitações profissionais. Neste sentido, poder-se-ia
apontar um maior grau de aprofundamento sobre as realidades específicas, todavia, o que
efetivamente ocorria era a intensificação da fragmentação na formação profissional.
O início da luta contra esta fragmentação instalada no processo de formação ocorrerá
a partir de 1977, com a instalação do processo de avaliação curricular no Departamento de
Serviço Social da UFAL. Decorrente das discussões nacionais que objetivavam a avaliação do
currículo vigente e a preparação do Currículo Mínimo que seria aprovado em 1982, instalavase no curso de Serviço Social da UFAL o debate sobre a necessidade de uma formação de
caráter generalista.
49
Serviço Social de Comunidade III; Técnicas Auxiliares de Dinâmica de Grupo; Administração em Serviço
Social; Teoria Setorial I (Saúde), II (Menor), III (Trabalho), IV (Educação) e V (Família); Estágio Setorial;
Trabalho de Conclusão de Curso I e II; Programas de Bem Estar Social; Métodos e Técnicas de Pesquisa
Social I e II; Elementos de Estatística; Elementos de Filosofia; Ética I e II; Filosofia Social I; Filosofia da
História; Filosofia da Cultura; Atualidades Históricas; História da Cultura Alagoana; História do Nordeste;
Sociologia do Desenvolvimento; Sociologia da Comunicação; Sociologia Urbana; Sociologia Rural;
Psicopatologia; Introdução à Antropologia Cultural; Antropologia do Brasil I e II; Folclore I e II; Métodos e
Técnicas da Educação do Excepcional; Técnicas Audiovisuais em Educação; Estrutura e Funcionamento do
Ensino do 1º Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino do 2º Grau; Estudo de Saúde Coletiva I; Língua
Inglesa II; Língua Francesa II; Teoria Geral da Administração I e Teoria do Conhecimento I (UFAL/DSS,
1974, p. 23, grifo nosso).
224
A posterior avaliação do currículo, que hora apresentou-se, implicou, certamente, no
amadurecimento da formação em Serviço Social, que ocorreu concomitantemente ao
amadurecimento da própria profissão e seu direcionamento para a perspectiva crítica na
leitura e apreensão da realidade social e da formação sócio-histórica brasileira.
Há de se registrar que na análise da matriz curricular e das ementas e programas das
disciplinas, até este período da formação profissional na década de 1970, o Curso de Serviço
Social da UFAL oferecia disciplinas que abordavam diretamente a realidade rural. Disciplinas
como Teoria Setorial V (Família), Estágio Supervisionado I, Sociologia do Desenvolvimento
e, especialmente, Sociologia Rural, discutiam o modo de vida e de trabalho, os indivíduos e
suas condições de vida no espaço rural, tendo como vertente bastante evidente a perspectiva
do ‘Desenvolvimento de Comunidades (DC)’ e da alfabetização de jovens e adultos.
Em decorrência deste panorama da formação e do fato de que os governos, em seus
diferentes níveis, promoviam naquela época significativo número de programas sociais
voltados para o espaço rural, oferecia-se a possibilidade de realização do estágio curricular
obrigatório na área rural, através do Centro Rural de Treinamento e Ação Comunitária
(CRUTAC).
Deve-se considerar também que, embora as diversas disciplinas de cunho religioso –
com resquícios da Doutrina Social da Igreja – não mais estivessem presentes no Currículo de
1974, a herança moralista ainda margeava o processo de formação. Nesse sentido, tal herança
diluía-se nos conteúdos de disciplinas como ‘Estudo dos Problemas Brasileiros’, ‘Teoria do
Serviço Social’, ‘Serviço Social de Caso’ e, especialmente, ‘Ética Profissional’.
Nesta última, por exemplo, a ementa indicava que seus conteúdos – dentre os quais
“a pessoa humana como sujeito à ética, ato humano e valores; [...] caráter histórico da moral
profissional e a moral profissional na época atual” – visavam “dar ao profissional em
formação, normas e padrões de condutas que os inspirem nos preceitos gerais da Ética e os
ajustem às circunstâncias peculiares em que se realiza o exercício profissional” (UFAL/DSS,
1974, p. 33).
Logo, muito embora neste período a profissão buscasse o caminho da ruptura efetiva
com a herança conservadora do Serviço Social tradicional, “o currículo mínimo vigente
[ainda] não considerava o esforço da reconceituação do Serviço Social, movimento
deflagrado na América Latina na década de [19]60” (UFAL/Coordenação do Curso de
Serviço Social, 1987, p. 04).
Em síntese, o que se oferecia no ensino de Serviço Social, durante a primeira década
de incorporação do Curso à UFAL, era uma formação de caráter ‘ainda bastante
225
funcionalista’, com forte presença dos estudos de psicologia, que imprimiam ao exercício
profissional um acento psicologizante na leitura da realidade e dos processos sociais que
envolviam os usuários do atendimento profissional, denominados de clientes.
Além disso, a formação era compartimentada em setores de especialização, que
tinham como um dos efeitos fragmentar a formação profissional, ao invés de agregar
conhecimentos sobre a totalidade da vida e da organização da sociedade, em suas dimensões
social, econômica, política e cultural.
A abordagem do rural era efetiva durante o processo de formação, todavia se fazia
fortemente sob a perspectiva desenvolvimentista do DC e sob interferência dos estudos da
sociologia rural, que, à época, dualizavam a sociedade entre o rural e o urbano, enquanto
espaços diferentes e separados da mesma sociedade.
A transição do seio da Igreja para os braços da Universidade teve como pano de
fundo o regime ditatorial militar e as estratégias de controle da população, especialmente dos
jovens, através do caráter da formação que era repassada nas universidades. Certamente este
foi um dos fatores que fez com que o caráter moral, que perpassava a formação profissional,
não desaparecesse em sua totalidade.
Os traços aqui sintetizados passam a ser os elementos de transição para o novo
currículo. Eles são tomados como pontos fundamentais na avaliação que se instala no Curso
de Serviço Social da UFAL, marcadamente a partir da XX Convenção Nacional da
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social, realizada no ano de 1977, em Belo
Horizonte (MG). Essa avaliação levará a formulação do novo currículo do curso, que passa a
ser implantado a partir de 1984.
3.1.3 A formação profissional na década de 1980: o Currículo Mínimo de 1984
O Serviço Social brasileiro transformava-se nos anos de 1980. Os processos
iniciados nas décadas de 1960 e 1970, a partir do Movimento de Reconceituação do Serviço
Social na América Latina e do Processo de Renovação do Serviço Social no Brasil
reverberavam no âmbito da formação profissional, através do movimento de revisão do
currículo mínimo.
Este processo de avaliação, iniciado por volta de 1977, culmina com a aprovação
pela categoria profissional da proposta de reformulação do Currículo Mínimo durante a XXI
Convenção da ABESS, realizada em Natal (RN), em 1979. Depois de enviada ao Conselho
226
Federal de Educação, onde é aprovada em sua integralidade, através do Parecer nº 412/82, do
referido Conselho, em 5 de agosto de 1982, passa a ser implantada nos Cursos de Serviço
Social a partir de 1983.
Acompanhando este movimento nacional, o Curso de Serviço Social da UFAL,
entendendo que “a formação profissional está [estava] pautada numa visão fragmentada da
realidade, cuja prática dividia-se nos estudos de caso, grupo e comunidade, dando uma
percepção irreal da sociedade” (UFAL/Coordenação do Curso de Serviço Social, 1987, p, 3),
realiza uma profunda reflexão sobre a necessária mudança curricular.
Esse processo de revisão curricular foi realizado de forma ampla, buscando a
participação dos três segmentos que compõem o curso, especialmente do corpo docente e dos
discentes. “A partir da proposta do currículo mínimo efetivaram-se vários encontros entre
professores e alunos, permitindo um estudo detalhado através de acirradas discussões o que
possibilitou a elaboração do currículo pleno” (UFAL/Coordenação do Curso de Serviço
Social, 1987, p. 5).
Como resultado, a proposta do Currículo Pleno é aprovada em 1984, tanto pelo
colegiado de curso quanto pela plenária departamental, que condicionam a sua implantação a
um amplo processo de reciclagem do corpo docente e ao apoio aos eventos e aos programas
de pesquisa e extensão a serem promovidos pelo Curso (UFAL/Coordenação do Curso de
Serviço Social, 1987).
Desta forma,
O novo currículo do Curso de Serviço Social da UFAL foi implantado no segundo
período letivo do ano de 1984, fruto do esforço coletivo de docentes, discentes e
profissionais envolvidos com a formação profissional. Para tanto, a Comissão de
Currículo, procurando assegurar a continuidade do processo em pauta, coordenou
um conjunto de atividades, ultrapassando os limites dos momentos de elaboração
[...] (UFAL/Comissão de avaliação Curricular, 1993, p. 1).
O curso continua sendo ofertado com duração mínima de 3 (três) anos e máxima de 7
(sete) anos, sendo organizado em oito períodos, cada um relativo a um semestre letivo. A
carga horária total do Currículo Pleno ficava estabelecida em 3.060 horas, condizentes a 204
créditos de disciplinas. Desta carga horária total, as disciplinas correspondentes ao currículo
mínimo totalizavam 2.700 horas, o Estágio Supervisionado computava 270 horas – seguindo a
Resolução nº 06/82 do Conselho Federal de Educação (CFE), que fixava os conteúdos
mínimos e a duração do Curso de Serviço Social –, o TCC correspondia a 30 horas, assim
como as disciplinas obrigatórias extra-curriculares de Estudos Brasileiros e Educação Física,
cada uma igualmente com 30 horas.
227
Naquela reforma curricular, significativas mudanças foram operadas no quadro das
disciplinas que compunham a matriz curricular. Algumas delas foram extintas, enquanto
outras foram reformuladas em seus conteúdos e carga horária. Houve ainda algumas
disciplinas cuja ementa, carga horária, designação e conteúdo programático permaneceram
inalterados. Também ocorreu a criação de novas disciplinas, a fim de inserir – também novas
– abordagens consideradas importantes para a formação profissional, antes inexistentes. Ou
ainda, inserir novas abordagens, a fim de suprir disciplinas extintas. Enfim, a formação
profissional se renova.
No ciclo básico, a principal modificação referiu-se as matérias de sociologia e
psicologia. A primeira, antes organizada em sete disciplinas 50, passa a ser ofertada em três
disciplinas: Sociologia I, II e III. Especificamente nesta mudança, a discussão sobre o espaço
rural antes inserida na disciplina de Sociologia Rural passa a ser realizada em Sociologia III,
perdendo parte de sua carga horária, o que modificou seu conteúdo programático. Como
efeito, aos poucos, a discussão sobre o rural foi desaparecendo desta matéria de forma
objetiva, visto que ela passou a abordar os processos sociológicos de forma pretensamente
genérica, não contemplando mais discussões específicas dos processos sociais. A passagem
do específico para o nível mais amplo da abordagem, todavia, não significou o início de uma
abordagem totalizante dos processos sociais, na perspectiva sociológica.
Assim,
possivelmente esta modificação, em termos da abordagem sobre o rural na formação
profissional, passa a ser, na prática, um limite mais do que um avanço.
Em relação à matéria de psicologia, também houve uma significativa alteração, visto
que também era oferecida em sete disciplinas 51 e agora passa a constar de duas, quais sejam:
Introdução à Psicologia e Psicologia Social. Especificamente neste caso, a modificação,
resultante de um longo processo de amadurecimento e ruptura com a perspectiva
psicologizante da profissão significou a mudança da leitura dos processos sociais e da
sociedade. Assim, o foco deixava de ser o indivíduo – e os processos psicológicos, inclusive
de formação da personalidade, que o envolviam enquanto sujeito constituinte da sociedade –,
e passava a ser a estrutura da sociedade e seu modo de produção e reprodução.
A matéria de economia também se transformava, sendo extinta a disciplina de
Economia do Desenvolvimento e criadas as disciplinas de Economia Política I e II, seguindo
os parâmetros nacionais indicados no Currículo Mínimo para os Cursos de Serviço Social.
50
Sociologia Geral; Sociologia dos Problemas Sociais; Teoria Sociológica I; Sociologia do Desenvolvimento;
Sociologia Rural; Sociologia Urbana; e Sociologia Aplicada à Administração.
51
Introdução à psicologia; Psicologia Social; Psicologia da Personalidade; Psicopatologia; Psicologia da
Educação I; Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia Aplicada à Administração.
228
De forma semelhante, amplia-se de uma para duas as disciplinas da matéria de
Formação Social, Econômica e Política do Brasil, ganhando maior carga horária e a
ampliação dos conteúdos programáticos, o que se reconhece como um dos maiores avanços
do novo currículo do curso.
A matéria de Antropologia, antes ofertada como Antropologia Cultural e
Antropologia do Brasil I e II, passa a constar numa única disciplina de mesmo nome de sua
matéria. São criadas as disciplinas de Filosofia I e II e, finalmente, as disciplinas de Língua
Portuguesa I e Elementos de Estatística permanecem totalmente inalteradas.
Em relação ao ciclo profissionalizante, sem dúvida, a mais significativa modificação
realizou-se no eixo histórico, teórico e metodológico do Serviço Social. Cria-se a disciplina de
‘História do Serviço Social’, altera-se as ementas e os conteúdos programáticos das
disciplinas de Teoria do Serviço Social I e II; e extingue-se as disciplinas de Serviço Social de
Caso I e II; Serviço Social de Grupo I e II e Serviço Social de Comunidade I e II. Em lugar
das últimas, cria-se as disciplinas de Metodologia do Serviço Social I, II e III.
Mas, atenção! Mesmo com a extinção da abordagem de caso, grupo e comunidade, a
discussão específica sobre ‘desenvolvimento de comunidade’ não foi abandonada, o que
demonstra certa afinação com o debate nacional, visto que nele o ‘desenvolvimento de
comunidade’ continuou sendo feito, agora sob as nuances decorrentes da aproximação com o
marxismo de Marx52. No novo Currículo do curso da UFAL ela aparece nas novas disciplinas
criadas de Desenvolvimento de Comunidade I e II.
A disciplina de Política Social desdobra-se em duas novas disciplinas, ampliando
também sua carga horária, conteúdo programático, a abordagem e concepção sobre as
políticas sociais.
Os conteúdos da Disciplina de Métodos e Técnicas de Pesquisa Social I e II passam a
ser oferecidos em três novas disciplinas, que incorporam a nova discussão sobre a pesquisa
em Serviço Social, quais sejam: Pesquisa Social I e II e Pesquisa em Serviço Social. O grupo
das disciplinas Introdução à Metodologia Científica e Trabalho de Conclusão de Curso I e II,
passa a ser organizado em Metodologia do Trabalho Científico I e II e Trabalho de Conclusão
de Curso.
A matéria de Planejamento Social, que antes era oferecida em uma disciplina
obrigatória e outra optativa, é reorganizada em seus conteúdos e passa a constar como duas
52
A publicação da tese da Profa. Mariângela Belfiore-Wanderley, em 1992, abordando as metamorfoses do
desenvolvimento da comunidade em suas relações com o Serviço Social, é exemplo da permanência do debate
no Serviço Social, ora sob uma perspectiva crítica.
229
disciplinas de caráter obrigatório. De forma semelhante, a disciplina de Cooperativismo, antes
optativa, é revisada em sua ementa e conteúdo programático, passando a figurar como
disciplina obrigatória. Enquanto as disciplinas de Ética Profissional, Administração em
Serviço Social e Técnicas Auxiliares de Dinâmica de Grupo têm apenas suas ementas e
conteúdos revisados.
Outra grande modificação no ciclo da formação profissional ocorre no âmbito do
ensino da prática – como era definido. Extingue-se as disciplinas de Estágio Setorial de
Saúde, Estágio Setorial do Menor, Estágio Setorial de Educação, Estágio Setorial de Trabalho
e Estágio Setorial de Família. Essa extinção decorre da transformação na concepção da
formação profissional setorializada para àquela generalista, conforme as discussões feitas pela
categoria em nível nacional.
Com esta extinção, surgem as disciplinas de ‘Seminário de Prática I, II, III e IV’, e
‘Seminário de Temas Sociais’. Tais disciplinas deveriam acompanhar o exercício acadêmico
do estágio supervisionado, devendo ser cursadas concomitantemente ao Estágio
Supervisionado, sendo que ‘Seminário de Prática I’ antecedia em um período o início do
‘Estágio Supervisionado’, já que nele apresentava-se e discutia-se a realidade dos campos de
estágio.
Por fim, cria-se a disciplina de Educação de Base e Movimento Popular, enquanto
extingue-se o amplo elenco de disciplinas optativas 53. Neste sentido, expressa-se com
destaque que “no Novo Currículo todas as disciplinas são Obrigatórias” (UFAL/Coordenação
do Curso de Serviço Social, 1987, p. 20).
Neste conjunto de modificações evidencia-se uma grande transformação entre a
formação profissional oferecida na década de 1970 e aquela que passa a vigorar a partir de
1984. Mais do que a mudança no elenco das disciplinas, em suas cargas horárias, ementas e
conteúdos programáticos, ocorre a transformação nos princípios da formação, que agora
pretensamente passa a uma abordagem crítica da sociedade, dos processos sociais, visando,
inclusive, formas de intervenção política na realidade.
Além disto, o mais evidente salto no amadurecimento da formação profissional no
período está na ruptura do modelo de formação que preparava o estudante para a atuação em
setores, referentes às especialidades profissionais, assumindo o seu lugar uma formação que,
53
Saúde Coletiva e Programa de Saúde; Métodos e Técnicas do Excepcional; Estrutura e Funcionamento do
Ensino de 1º Grau; Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau; Francês Técnico I e II; Inglês Técnico I e
II; Introdução à Filosofia; Filosofia Social; teoria Geral da Administração I; Programa do Bem Estar Social;
Teoria Setorial da Saúde; Teoria Setorial do Menor; Teoria Setorial da Educação; Teoria Setorial do Trabalho
e Teoria Setorial da Família.
230
gradualmente se tornava generalista. Objetivamente isto vai figurar com a extinção do grande
número de disciplinas optativas, e no aumento expressivo da carga horária e do número de
disciplinas obrigatórias. Como efeito, o que se observa é a ausência de disciplinas optativas –
hoje denominadas de disciplinas eletivas –, sendo consideradas as disciplinas de Estudos
Brasileiro I e II e Educação Física, como extracurriculares obrigatórias.
Destarte, a formação profissional oferecida no Curso de Serviço Social da UFAL, do
Campus A. C. Simões, acompanha o movimento nacional da categoria, iniciado ainda em
meados da década de 1970, que redireciona a formação e o exercício profissional
efetivamente a partir da década de 1980. A construção do projeto ético-político profissional e
dos aparatos legais expressos pelos Códigos de Ética de 1987 e de 1993, bem como pela Lei
que Regulamenta a Profissão de 1993, materializam o redirecionamento dos princípios
profissionais, na direção da defesa dos interesses e direitos da classe trabalhadora, tendo em
vista a emancipação política e a transformação societária.
Portanto, considera-se o Novo Currículo do Curso de Serviço Social de 1984 como
um marco histórico para a formação profissional em Alagoas. Essa formação, gradualmente,
vai amadurecendo ao trazer para si a responsabilidade de fornecer objetivamente os
fundamentos necessários ao trato da realidade nacional e regional, a fim de caminhar na
direção do projeto de formação profissional vigente.
3.1.4 Os anos 1990: modificações institucionais na UFAL levam o curso de Serviço Social
a propor o Projeto Pedagógico de 1993
Fins dos anos 1980 e início dos 1990: o novo currículo mínimo para os cursos de
Serviço Social no Brasil, implantado, começa a ser revisado, num processo gradual e
constante que irá culminar nas Diretrizes Curriculares de 1996.
Em nível regional, o Curso de Serviço Social acompanhava este processo de revisão.
Todavia, é atravessado – e interpelado – pelo processo interno da UFAL, de construção do seu
Projeto Pedagógico Global, coincidindo com a implantação do regime seriado para todos os
cursos da Universidade.
Segundo a equipe de trabalho responsável pelo Projeto Pedagógico do Curso
(UFAL/Comissão de avaliação Curricular, 1993, s/p),
Sua elaboração constitui um Projeto Indicativo, porque sua realização implicou na
interceptação do processo de avaliação curricular em desenvolvimento no curso, e
231
ainda precedeu o movimento nacional de discussão sobre a revisão do currículo
mínimo, indicado pelo conjunto da categoria comprometida com a formação
profissional do Assistente Social.
Isto ocorre porque, a partir de 1988, começa a ser desenvolvido, no âmbito interno da
UFAL, a construção coletiva de um projeto pedagógico que abrangeria todos os cursos da
Universidade, em suas atividades de pesquisa, ensino e extensão. Observando-se os registros
históricos do período, nota-se que,
Em 1988, a Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) da UFAL, assumiu o desafio
de propor a elaboração de um Projeto Pedagógico Global da Universidade
(PPG/UFAL), procurando criar as condições político-pedagógicas para a busca de
uma Identidade Institucional, a partir dos seguintes objetivos: dotar a UFAL de uma
política acadêmica globalizadora e claramente explicitada nas interrelações [sic]
Ensino, Pesquisa e Extensão; elaborar um projeto pedagógico para cada curso e/ou
área, tendo como referência os compromissos de uma Universidade Pública; e
analisar o Sistema Acadêmico vigente e optar por um modelo adequado ao Projeto
Pedagógico (UFAL/Comissão de avaliação Curricular, 1993, p. 1).
Neste contexto, adiantando algumas modificações, levantadas e discutidas pela
categoria profissional, mas que apenas seriam objetivadas nas Diretrizes Curriculares de 1996,
o Curso de Serviço Social – através de uma equipe de trabalho composta pelos membros do
Colegiado de Curso, por uma Comissão de Avaliação Curricular, pelo Diretório Acadêmico e
por uma equipe de apoio – constrói uma nova proposta curricular, expressa no Projeto
Pedagógico. Este é aprovado em agosto de 1993 e começa a ser implantado em 1994,
passando a conferir as orientações e diretrizes para a formação profissional até o ano de 2006,
quando é aprovado o segundo Projeto Pedagógico do Curso, vigente até este momento.
A base para a revisão curricular foi aportada na análise histórica do processo de
formação que estava sendo oferecido pelo Curso de Serviço Social da UFAL, desde os
primeiros anos da década de 1970. Juntamente com esta análise histórica, os trabalhos tiveram
por base a avaliação do antigo projeto, que resultou na formulação do novo Projeto
Pedagógico54.
Este processo foi ancorado em outros dois tipos de marcos: o marco referencial e o
conceitual. Retirados da análise dos aspectos da conjuntura nacional e regional; da concepção
de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, bem como do papel da Universidade
e, finalmente, da concepção sobre a profissão do Serviço Social, bem como das exigências à
formação profissional, esses marcos passam a orientar a reorganização da matriz curricular,
propondo modificações ao Currículo de 1984.
54
Nota-se que a nomenclatura ‘Projeto Pedagógico’ é inserida no contexto da UFAL a partir da construção do
Projeto Pedagógico Global da UFAL, no início dos anos 1990. Antes disto, o documento de diretrizes da
formação oferecida pelo Curso denominava-se ‘Currículo Pleno’.
232
Vários encontros de estudos foram realizados, tal como havia acontecido durante o
processo de elaboração do currículo anterior. Nestes encontros, discutiu-se sobre a ‘concepção
de profissão’, ‘a relação teoria e prática’, ‘a concepção de homem e sociedade’, ‘a concepção
de universidade e formação profissional’, ‘demandas reais e potenciais para o serviço Social’
e ‘atuação profissional frente à realidade local, regional e nacional’ entre outras questões.
Em 14 de dezembro de 1992, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão emite a
Resolução nº 83/1992 que “estabeleceu a implantação do regime seriado anual nos Cursos de
Graduação, a partir de 1993, determinando como prazo máximo o ano letivo de 1994”
(UFAL/Comissão de Avaliação Curricular, 1993, p. 4).
Considerando o curto prazo para fazer a revisão – cuja conclusão antecederia a
finalização da revisão nacional do Currículo Mínimo de 1982 –, a Comissão de Avaliação
Curricular deixava registrada a necessidade de maior aprofundamento e sistematização sobre
os referenciais, conteúdos programáticos, metodologia e sistema de avaliação das disciplinas
da matriz curricular (UFAL/Comissão de Avaliação Curricular, 1993).
Com este intuito, a Comissão Curricular assumiu a tarefa de coordenar o processo de
revisão, que se materializou em encontros, reuniões de estudo, elaboração provisória de
propostas de disciplinas e conteúdos, apreciações coletivas da comunidade acadêmica do
curso, entre outras atividades. Como efeito, na metade do ano de 1993 é aprovada a proposta
final do Projeto Pedagógico pelo Colegiado de Curso e sequencialmente encaminhada para a
PROGRAD, onde o processo é concluído, com a oficialização do Projeto Pedagógico de
1993, que passa a ser implantado em 1994 e fica conhecido como Novo Currículo de 1994.
Destaca-se que, durante todo o momento da revisão, considerou-se como pano de fundo
a conjuntura mundial, nacional e regional. Nela, eram ponderados os processos de transformação
das ciências e dos serviços, ambos impactados pelo processo de reestruturação produtiva, bem
como o forte acento que se colocava na década de 1990 sobre os processos de informatização,
entendendo que eles atingiriam diretamente a formação e o exercício profissional.
Além disso, notava-se a forte inflexão na economia e política mundiais, alteradas pela
disputa entre capitalismo e socialismo a partir do fim do socialismo no leste europeu. Neste
sentido, evidenciava-se a polarização do mundo entre dois blocos econômicos, formados pelo
sul subdesenvolvido e pelo norte desenvolvido, estando o Brasil excluído do segundo.
Ainda considerava-se a existência de significativas disparidades internas no Brasil e
o forte cenário de retração do Estado do âmbito social, ameaçando a efetividade dos direitos
sociais que tinham sido recém-conquistados pela sociedade civil em fins da década de 1980 e
que foram promulgados na Constituição Federal de 1988.
233
Enfim, percebia-se a necessidade de fortalecer a capacidade organizativa e as lutas da
sociedade civil, o que se apresentava como uma das tarefas do Serviço Social, especialmente
no tocante às dimensões sócio-educativa e político-organizativa da profissão.
Neste quadro conjuntural, compreendia-se que a Universidade tinha um papel muito
importante frente ao contexto, especialmente no tocante a sua “dimensão política e sua
presença no processo histórico”. Neste sentido, era premente repensar a Universidade,
considerando que ela deveria “constituir-se num espaço de ampliação do patrimônio do saber,
que sendo construído pela humanidade, deve ser colocado a seu serviço, formando
profissionais comprometidos, capazes de compreender e transformar a realidade”
(UFAL/Comissão de Avaliação Curricular, 1993, p. 11).
Mas, para que a Universidade cumprisse este seu papel, era necessário firmar e
fortalecer o tripé do ensino, pesquisa e extensão na formação profissional em Serviço Social,
a fim de aprofundar o debate sobre a questão social e as possíveis respostas às demandas da
realidade, postas pela classe trabalhadora.
Por último, era imprescindível considerar a concepção sobre o exercício profissional,
expressa pela categoria com base nos debates realizados até os primeiros anos da década de
1990. Neste sentido, na elaboração do Projeto Pedagógico do Curso, considerava-se que
(UFAL/Comissão de Avaliação Curricular, 1993, p. 13),
Com atribuições ligadas à problemática do cotidiano de frações da população
submetidas à condição de subordinação social, a ação dos assistentes sociais
vincula-se a busca de alternativas de solução às necessidades, mais imediatas dessa
categoria de sujeitos sociais. Neste sentido os assistentes sociais constituem-se em
interlocutores no exercício da mediação entre esses sujeitos e o Estado, com suas
políticas sociais e a prestação de serviços sociais – assistência. Assim, o Serviço
Social reproduz contraditoriamente interesses sociais antagônicos demandados pelos
setores que os contratam e pelos setores que se utilizam dos serviços.
Segundo esta concepção, a formação profissional deveria preparar para uma atuação
que surtisse mudanças na realidade, através das respostas às demandas dos usuários, o que
significa um exercício profissional imbricado na realidade brasileira e alagoana. Assim,
requeria-se uma formação profissional que formasse profissionais com capacidade de
prospecção do exercício profissional, a fim de antecipar possíveis respostas às demandas
apresentadas, operando segundo o devir social, sempre vinculado à realidade institucional e
sócio-histórica nacional e regional.
No que tange as características estruturais do curso, a Comissão Curricular
considerou as normas estabelecidas nas Resoluções nº 025/90, 01/93 do CEPE/UFAL e as
recomendações do Anteprojeto de Reforma Curricular do Curso de Serviço Social,
234
encaminhado pelo Conselho Federal de Educação, através do parecer nº 412/92. Assim, a
formação profissional foi distribuída ao longo de 4 (quatro) anos letivos, perfazendo carga
horária total do Currículo Pleno de 3.360 horas/aula. O tempo mínimo para integralização do
curso ficou estabelecido em 4 (quatro) anos e o máximo em 7 (sete) anos.
Na distribuição da carga horária, observa-se que o projeto pedagógico distribuía
2.760 horas/aula para as ‘matérias do currículo mínimo e àquelas complementares à
formação’, 60 horas para ‘Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)’, 360 horas para a
realização do ‘Estágio Supervisionado Obrigatório’, 30 horas para a disciplina de ‘Educação
Física’ – que juntamente com TCC e Estágio são consideradas como disciplinas
complementares obrigatórias do currículo mínimo – e 150 horas/aula da ‘Parte Flexível
Obrigatória’.
Há de se apontar que o Projeto Pedagógico de 1994 antecipa a inserção de duas
disciplinas que apareceriam apenas nas Diretrizes Curriculares de 1996, o que demonstra que
as discussões estabelecidas pela Comissão estavam bastante concatenadas com o debate
nacional sobre a revisão do Currículo Mínimo de 1982. Uma das disciplinas é ‘Teoria Social’,
que vem somar à disciplina de ‘Política Social’. A outra, que recebe destaque, é a criação da
disciplina de ‘Fundamentos Históricos e Teórico-metodológicos do Serviço Social’ (FHTM),
que vem substituir as disciplinas de ‘História do Serviço Social’, ‘Teoria do Serviço Social’ e
‘Metodologia do Serviço Social’ (FHTM), antes distribuídas em seis disciplinas. Com esta
modificação, considerando o regime seriado anual que passa a ser oferecido em todos os
cursos da UFAL, são organizadas quatro disciplinas de FHTM, distribuídas desde o primeiro
até o último ano da formação profissional, perfazendo a carga horária total de 540 horas/aula.
Em relação às disciplinas da chamada ‘Área Básica’ da formação, verificar-se-á a
reorganização das disciplinas e das cargas horárias segundo o regime seriado anual. Com
efeito, disciplinas antes divididas em dois semestres, com denominações de I e II, passam a
ser uma disciplina única, oferecida durante todo o período anual. Por exemplo: ‘Formação
Social, Econômica e Política do Brasil I e II’, torna-se apenas uma disciplina, que congrega os
conteúdos programáticos e a carga horária das duas disciplinas anteriores à reforma curricular.
No que se refere às disciplinas da ‘Área Profissional’, além da grande modificação
que ocorre com a criação da disciplina de FHTM, verificar-se-á o surgimento da disciplina
‘Movimentos Sociais e Educação Popular’, que vem substituir a disciplina de ‘Educação de
Base e Movimentos Populares’. A partir da mudança na nomenclatura da disciplina, nota-se a
modificação dos conceitos estudados, com a inserção da categoria de ‘movimentos sociais’,
235
seguindo o fluxo social e político da sociedade civil em meados da década de 1980 e início
dos 1990.
Extingue-se também a disciplina de ‘Técnicas Auxiliares de Dinâmica de Grupo’,
sendo que apenas uma pequena parte dos seus conteúdos passa a ser oferecida na disciplina de
FHTM I. De forma semelhante, elimina-se a disciplina de ‘Língua Portuguesa I’, cuja parte
dos conteúdos passa a figurar na disciplina de ‘Introdução à Metodologia do trabalho
Científico’. Também a disciplina de ‘Elementos de Estatística’ desaparece, sendo parte de
seus conteúdos ofertados em ‘Pesquisa Social’, o que igualmente antecipa as orientações das
Diretrizes Curriculares de 1996. As quatro disciplinas de Seminário de Prática (I, II, III e IV)
transformam-se em uma única disciplina denominada ‘Introdução à Prática de Serviço
Social’, conservando-se a equivalência de carga horária e conteúdos programáticos.
A disciplina de ‘Seminário de Temas Sociais’ também é extinta, e parte de seus
conteúdos passa a ser abordado em ‘Introdução à Metodologia do Trabalho Científico’ e
‘Metodologia do Trabalho Científico’, nas quais o discente fazia as discussões preliminares
para o TCC.
Por fim, a disciplina de ‘Cooperativismo’ também desaparece, sendo seus conteúdos
parcialmente abordados em ‘Desenvolvimento de Comunidade’ que ainda é mantida no
quadro das disciplinas obrigatórias. É interessante o registro da relação entre as duas
disciplinas, no sentido de sinalizar que, a partir da análise das ementas de ambas, nos
conteúdos programáticos delas previa-se, mesmo que minimamente, a abordagem sobre o
espaço rural.
Na análise do ‘ementário das disciplinas’, nota-se o desaparecimento da abordagem
específica sobre o rural, que antes figurava nas disciplinas de Sociologia. Neste sentido, não
mais se encontrará a abordagem objetiva sobre o ‘Brasil agrário, ou agrícola, ou rural’. Assim,
o que se perceberá é uma abordagem ainda mais ampla dos processos sociais, com prejuízo às
discussões sobre algumas das particularidades/singularidades da realidade do Brasil, como a
especificidade rural. Mesmo fazendo esta observação, há de se considerar que há
possibilidades de que o assunto seja abordado nas disciplinas de ‘Economia Política’,
‘Formação Social, Econômica e Política do Brasil’ e ‘Desenvolvimento de Comunidade’,
referida acima.
Deve-se atentar para o fato de que ainda não está previsto neste Projeto Pedagógico a
oferta de disciplinas optativas – ou eletivas. Tais disciplinas irão aparecer no Projeto
Pedagógico seguinte, ou seja, no Projeto Pedagógico de 2006.
236
De forma geral, tanto nas disciplinas da ‘Área Básica’, quanto da ‘Área Profissional’,
o que aparentemente acontecerá é uma simplificação positiva do Currículo do Curso, uma vez
que ele passa a oferecer menos disciplinas, todavia elas tenham maior carga horária e
abranjam conteúdos antes dispersos em duas ou mais disciplinas.
Certamente a implantação do Projeto Pedagógico de 1994 trouxe avanços na formação
profissional, especificamente na área de FHTM, com a criação das disciplinas ligadas a essa
matéria e a extinção de algumas outras. Todavia, a manutenção ainda de disciplinas como
‘Desenvolvimento de Comunidades’, demonstra ainda a presença de traços da formação
profissional das décadas anteriores, que gradual e, apenas, lentamente iam sendo rompidos.
Por fim, há de se registrar que entre os Currículos de 1984 e 1994 operou-se um
gradual desparecimento da abordagem sobre rural. Esta observação é feita a título de
indicativo – alerta – e não como uma afirmação definitiva e encerrada em si mesma. Este
alerta aponta uma tarefa para último capítulo, onde, a partir da análise das entrevistas com as
Assistentes Sociais em exercício profissional diretamente no espaço rural, procurar-se-á
apreender melhor se as abordagens sobre o rural, a partir destas duas décadas, estiveram ou
não presentes na formação profissional.
Com este perfil pedagógico o curso de Serviço Social da UFAL, Campus A. C.
Simões avança mais uma década na formação de Assistentes Sociais, o qual passará por um
período de revisão curricular mais intenso apenas em meados dos anos 2000, a qual resultará
no Projeto Pedagógico de 2006, objeto de discussão de próximo item deste capítulo.
3.1.5 A formação profissional no novo milênio: a operacionalização das Diretrizes
Curriculares no Projeto Pedagógico de 2006
Dois são os elementos indispensáveis para compreender o novo momento que se
instala no Curso de Serviço Social do Campus A. C. Simões da UFAL a partir dos anos 2000:
a proposição das novas Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social, aprovadas
pela ABESS em 1996 e pelo CNE em 2002; e a conjuntura interna da UFAL.
A última é efeito das Políticas de Educação Superior operadas pelos governos
federais, cujo marco inicial é a década de 1990, durante o governo de Fernando Henrique
Cardoso, e os marcos de intensificação e expansão da rede – principalmente privada – são os
governos de Luís Inácio Lula da Silva e, hoje, de Dilma Rousseff, com seus Planos de
237
Expansão do Ensino Superior. Com perspectiva neoliberal, essas políticas têm afrontado
diariamente as universidades públicas, precarizando-as.
Para Koike (2011, p. 347), diante da conjuntura, era premente refletir sobre a
formação profissional, fundamentando a discussão nas condições do exercício profissional e
no quadro de crise e das formas de enfrentamento utilizadas pelos diferentes grupos sociais.
Assim, assevera a autora que
Nesse contexto, a condição de repensar criticamente a formação profissional, a
universidade, a educação superior, as políticas sociais públicas, a concepção e o
papel do Estado, as condições de trabalho, o Serviço Social e as demandas que o
mercado de trabalho apresenta como expressão da Questão Social punha como
necessário ponto de partida compreender criticamente a gênese, desdobramentos e as
formas de enfrentamento da crise utilizadas pelas classes sociais e pelo Estado.
Será neste quadro do Serviço Social brasileiro e das universidades públicas do país,
que o curso adentra o novo milênio, passando por diversas transformações, que requisitaram
do seu corpo docente, discente e de servidores técnico-administrativos muita atenção para que
se garantissem os avanços desejados, evitando, ao máximo, as perdas de autonomia, da
qualidade da formação profissional e das condições necessárias de trabalho e estudo.
Na verdade essa conjuntura inicia-se ainda na década de 1990. Naquele período, o
Serviço Social brasileiro desencadeava o processo de revisão do Currículo Mínimo de 1982,
propondo as novas Diretrizes Curriculares, conforme se discutiu na segunda seção deste
trabalho. Os anos 1990 também foram marcados na esfera política como um período em que o
assalto neoliberal aos direitos de cidadania se alastrava em todas as esferas e níveis de
governo, partindo, especialmente, do executivo federal que, coadunado e submisso às
agências internacionais – multilaterais –, empenha-se para a retirada do Estado do âmbito da
garantia de direitos sociais, através das políticas sociais públicas.
A conjuntura brasileira desse período também apontava para a transformação dos
padrões de produção através da reestruturação produtiva, da modificação dos índices
econômicos – controle inflacionário, com aumento das desigualdades e da concentração de
renda – e do agravamento dos indicadores sociais, evidenciados pela crise provocada pelo
desemprego e pelo aumento da informalidade no mercado de trabalho. Enfim, o quadro
conjuntural é de aumento exponencial da questão social e de aprofundamento da crise
estrutural do capital.
Este contexto faz com que a dinâmica interna da UFAL e do Curso de Serviço Social
se intensifique, provocando mudanças, por vezes rápidas e noutras mais graduais. A revisão
238
curricular foi um exemplo dessas mudanças. Para o Curso de Serviço Social (2007, p. 8),
naquele momento, o processo de revisão curricular vinha
[...] atender as novas exigências para a formação dos Assistentes Sociais propostas
pela ABEPSS, [as quais têm] por determinação traços da conjuntura brasileira nos
últimos anos, pondo novos desafios às atividades profissionais e o próprio
desenvolvimento histórico profissional, requerendo revisão no processo de formação
existente frente às mudanças na realidade social.
Deve-se considerar, todavia, que ainda em 1992 – e nos anos que se seguiram –, a
dinâmica interna da UFAL tinha sido de implantação – em todos os cursos – do regime
seriado. Neste sentido, parte da revisão curricular discutida pela categoria profissional, em
nível nacional, na década de 1990 tinha já se consolidado localmente no Currículo de 1994.
Como efeito, o processo de revisão pós-Diretrizes Curriculares de 1996 aconteceu na
UFAL de forma mais gradual que nas demais escolas de Serviço Social brasileiras. Naquele
momento a revisão curricular teve de ser mais lenta, pois associado ao fato de já ter operado
uma reforma curricular no início dos 1990 e de ter implantado o novo currículo em 1994, o
curso também “[...] vivia um intenso processo de capacitação de pessoal docente do
departamento de Serviço Social em nível de pós-graduação – mestrado e doutorado –
envolvendo 10 professores” (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 10).
Assim, instituiu-se ainda em 24 de abril de 1997 a Comissão de Avaliação Curricular
do Curso de Serviço Social (CACSS/UFAL), constituída por docentes, discentes,
representantes do Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/AL) e do Sindicato dos
Assistentes Sociais de Alagoas (SASEAL). A composição desta Comissão também buscou
garantir a representação dos setores de ensino de Fundamentos do Serviço Social e Estágio
Curricular, tendo por objetivo final a proposição de um projeto de currículo pleno, segundo as
Diretrizes propostas nacionalmente para os cursos de Serviço Social.
A dinâmica dos trabalhos foi realizada tanto com atividades internas da Comissão,
quanto através de oficinas locais e da participação nas oficinas regionais e nacionais de
implementação das Diretrizes Curriculares de 1996. Neste sentido, percebeu-se que durante o
período foram realizadas uma ou duas atividades amplas de estudos por semestre, além das
atividades internas da Comissão.
Recorrendo aos registros da dinâmica instalada no período, percebe-se que uma das
preocupações centrais que tensionavam o debate local na UFAL era a compreensão, contida
nas Diretrizes Curriculares de 1996, do Serviço Social como especialização do trabalho
coletivo e do exercício profissional enquanto processo de trabalho. Neste sentido, o Curso de
Serviço Social assume com responsabilidade esse debate, tomando como pressuposto “a nova
239
lógica curricular proposta nas Diretrizes Curriculares que comporta o trabalho como categoria
histórica decisiva na apreensão da totalidade social e do Serviço Social como profissão”
(UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 13).
Dentre as diversas atividades realizadas, chama a atenção nos documentos daquele
período que na ‘Oficina Local’, ocorrida em 11 de setembro de 1998, levanta-se a possível
presença de imprecisões no eixo do novo projeto pedagógico proposto, especificamente
quando se trata da identificação do exercício profissional como uma especialização do
trabalho coletivo e sobre a concepção do Serviço Social como processo de trabalho. Sobre
isto, afirma-se “a necessidade de aprofundamento teórico sobre alguns conceitos e sua relação
com a realidade social e profissional para os quais existiria [...] carência de especulações”
(UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 14). Reconhecendo que a discussão sobre ‘processo
de trabalho’ e Serviço Social era polêmica e que era necessário debruçar-se sobre o
levantamento de imprecisões conceituais, o tema continuou sendo objeto de algumas oficinas
nos anos que se seguiram.
Assim, durante todo o processo de revisão curricular ganha destaque o forte empenho
da CACSS/UFAL na discussão sobre a concepção de Serviço Social como processo de
trabalho, pois ela implicará alguns traços no Projeto Pedagógico aprovado em 2006 e
implantado a partir de 2007 na Faculdade de Serviço Social. Por exemplo, a definição do
“Serviço Social como trabalho coletivo, inserido na divisão social e técnica do trabalho”, bem
como o reconhecimento de que a profissão realiza “processo de trabalho”, apresentados nas
Diretrizes Curriculares de 1996 como “pressupostos norteadores da concepção de formação
profissional” e como “marco na redefinição do projeto profissional dos anos 1980” (ABESS,
1996, p. 5), não vão aparecer posteriormente no Projeto Pedagógico do Curso.
A seguir poder-se-á perceber que, com o amadurecimento das discussões prévias à
formulação do Projeto Pedagógico, mesmo que o conceito das Diretrizes Curriculares não
apareça de forma explícita nos objetivos e princípios da formação profissional do referido
Projeto, o estudo de ‘processo de trabalho no Serviço Social’ irá constar na grade curricular
em disciplinas como ‘Serviço Social e Processo de Trabalho I’ e ‘Serviço Social e Processo
de Trabalho II’, ofertadas no 3º e 4º semestres da formação profissional.
Mas, para além dessa discussão, durante o período de revisão do Currículo de 1994 e
formulação do novo Projeto Pedagógico discutiu-se também a educação em nível superior, a
partir da conjuntura neoliberal das políticas públicas, tendo por referência a regulamentação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e as próprias Diretrizes Curriculares do
240
Serviço Social (1996), defendendo o projeto de autonomia universitária frente à Política de
Ensino Superior.
Especificamente a partir de 2000, a CACSS/UFAL começa as atividades de
organização do novo projeto pedagógico, com base nas discussões dos diversos setores de
estudo do Departamento de Serviço Social. Como ponto central deste processo, marcava-se a
compreensão de que,
Formar Bacharéis em Serviço Social, com o perfil definido pelo projeto profissional,
ou seja, que atuem nas expressões da questão social, no âmbito das políticas sociais
com capacitação teórico-metodológica e ético-política, em termos de competências e
habilidades no exercício do fazer profissional, requer um efetivo exercício da
postura investigativa e da dimensão pluralista quanto aos fundamentos da vida social
e das particularidades da profissão. Requer ainda, que a análise da vida social e dos
objetos da prática profissional assegurem a sua função como profissional que age
nas expressões da questão social, com competências e habilidades no exercício de
atividades técnico-operativas, uma atuação competente e crítica como intermediador
do acesso da coletividade aos serviços sociais (UFAL/Curso de Serviço Social,
2007, p. 16).
Ainda foram consideradas as tendências do mercado profissional em Alagoas,
reconhecendo que também localmente o maior empregador é o setor público, seguindo a
tendência nacional, e que os setores que concentram maior número de profissionais são as
políticas de saúde e de assistência social.
Por fim, a proposta do novo projeto pedagógico não foi formulada sem a discussão
sobre a realidade social, política, econômica e cultural do Estado, considerando a formação
sócio-histórica e as práticas políticas e culturais que se perpetuam no território estadual, com
forte interferência do clientelismo, através do coronelismo e dos mandonismos políticos e
institucionais ainda presentes.
Feita a revisão curricular, aprovada pelo colegiado departamental em 2006 e
implantada a partir de 2007, passava a ser objetivo do curso
Formar Assistente Social capaz de apreender o significado social e histórico da
profissão e intervir de forma crítica e qualificada, nos espaços de atuação
profissional, com fundamentação teórico-metodológica e posicionamento éticopolítico de acordo com a Regulamentação da Profissão (Lei nº 8.662/93) e com o
Código de Ética do Assistente Social (Resolução CFESS nº 273/93) (UFAL/Curso
de Serviço Social, 2007, p. 16).
Neste sentido, percebe-se objetivamente a presença do perfil apontado nas Diretrizes
Curriculares, no tocante as características que se espera desenvolver nos discentes. Para que
se tenha este perfil como resultado, requere-se uma formação profissional fundamentada
numa perspectiva crítica, calcada na realidade da sociedade e, nela, dos espaços sócioocupacionais e instituições em que ocorre o exercício profissional, além de aportada nos
241
aparatos jurídico-legais. A formação profissional que já era oferecida no curso direcionava-se
para este perfil, que passa a ser consolidado e fortalecido.
Em relação aos princípios que fundamentam a formação profissional, foram
destacados no Projeto Pedagógico cinco dos onze princípios contidos nas Diretrizes
Curriculares de 1996, objetivando em cada um deles a compreensão do seu significado. São
princípios da formação nos dois cursos – diurno e noturno – da Faculdade de Serviço Social
da UFAL: 1) a flexibilidade na organização do currículo pleno; 2) o rigoroso trato, histórico e
metodológico da realidade social e do Serviço Social; 3) a adoção de uma teoria crítica que
possibilite a apreensão da totalidade social em suas dimensões de universalidade,
particularidade e singularidade; 4) o exercício do pluralismo como elemento próprio da vida
acadêmica e profissional; e 5) a compreensão ética como princípio que perpassa toda a
formação profissional.
Em relação ao destaque feito no Projeto Pedagógico do curso para cinco dentre os
doze princípios das Diretrizes, entende-se que alguns deles, mesmo não referenciados
enquanto ‘princípios’ e nem descritos explicitamente no texto do Projeto Pedagógico, tornamse visíveis na análise, como por exemplo, a garantia de “padrões idênticos para cursos diurnos
e noturnos, com máximo de quatro horas/aulas diárias de atividades nestes últimos” (ABESS,
1996, p. 6).
Outros princípios ainda, embora não elencados separadamente, foram inclusos no
texto descritivo de algum dos cinco princípios que foram elencados, tais como a
“indissociabilidade nas dimensões do ensino, pesquisa e extensão” (ABESS, 1996, p. 6). Ele
aparece junto à discussão do terceiro princípio [adoção de uma teoria crítica que possibilite a
apreensão da totalidade social em suas dimensões de universalidade, particularidade e
singularidade], quando se registra que a formação profissional deve “proporcionar o exercício
da investigação nas oficinas de pesquisa, na prática de estágio e extensão (núcleos temáticos)
desde o início da formação acadêmica” (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p.18).
Além disto, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão também será
discutida no Projeto Pedagógico, enquanto uma dentre as ‘Linhas Básicas de Atuação’, na
efetivação dos cursos diurno e noturno da Faculdade. Afirma-se que para uma formação
profissional que prepare assistentes sociais para o exercício competente, com atitudes
investigativa e interventiva constantes e articuladas, é preciso propiciar projetos de pesquisa e
projetos de extensão, que se articulem aos conteúdos oferecidos em sala de aula, nas
disciplinas curriculares.
242
Contudo, na visão desta pesquisadora, seria necessário que alguns dos seis princípios
que não foram elencados objetivamente o fossem, deixando de constar nas entrelinhas ou
junto da explicação de um dos cinco princípios explicitados. Isto porque a compreensão – da
equipe que discutiu e elaborou o Projeto Pedagógico –, vigente no momento de sua
aprovação, de que tais princípios mencionados nas Diretrizes Curriculares estariam tácitos no
Projeto do Curso, não significa que novos docentes, que venham entrar na equipe de ensino
posteriormente, também reconheçam tal subscrição.
Neste sentido, aponta-se como um dos princípios que deveria ser mencionado,
descrito e explicado é aquele que trata do “estabelecimento das dimensões investigativa e
interventiva como princípios formativos e condição central da formação profissional, e da
relação teoria e realidade” (ABESS, 1996, p. 6). Pela importância e centralidade deste
princípio no processo formativo, ele é um dentre aqueles que deveriam ter sido demarcados
no Projeto Pedagógico, e não apenas na explicação sobre os cuidados para materializar a
formação profissional.
Note-se que a relação entre teoria e realidade, ou seja, formação profissional,
realidade social, histórica e institucional é um dos principais elementos que fornecem os
suportes para pensar e materializar, em ações, o exercício profissional.
Assim, sem prejuízos para o ensino da prática profissional, observou-se através da
análise das ementas e bibliografias dos componentes curriculares que o caráter teórico e
investigativo da formação profissional é fortalecido, em comparação com a dimensão
interventiva. Nota-se, por exemplo, que a carga horária de ‘Estágio Curricular Obrigatório’,
constante de 400 horas, beira o mínimo indicado legalmente à época da aprovação do Projeto
Pedagógico de 2006. Isto porque nas Diretrizes Curriculares consta “como carga horária
mínima para estágio 15% sobre a carga horária mínima do curso”, que na época da aprovação
das Diretrizes pelo CNE, em 2001, era de 2.700 horas, perfazendo o mínimo de 405 horas.
Atualmente ainda deve ser considerado que houve uma alteração legal da carga horária
mínima do curso, que desde 18 de junho de 2007 passou a ser de 3.000 horas, através da
Resolução nº 02/2007 do CNE, o que indica o mínimo de 450 horas para cumprimento da
‘Atividade de Estágio Supervisionado Curricular Obrigatório’.
Outra observação em relação aos princípios da formação contidos no Projeto
Pedagógico do Curso, é que na explicação de dois deles fica confusa a compreensão de
aspectos importantes para a formação profissional.
O primeiro alerta da análise realizada foi em relação à compreensão sobre o que se
concebe como ‘trato histórico e metodológico da realidade e da profissão’. Isto porque, ao
243
especificar o segundo princípio da formação profissional contido nas Diretrizes Curriculares
de 199655, a descrição de seu significado na sequência parece ressaltar a análise dos processos
sócio-históricos atuais, não indicando explicitamente o trato da formação social brasileira e,
nela, do Serviço Social. Salienta-se que os estudos e análises do processo de formação sóciohistórica do Brasil e da profissão são fundamentais para compreender a sociedade capitalista e
o Serviço Social na sua atualidade. Apurando a análise para as ementas e também para a
bibliografia das disciplinas que potencialmente abordariam a realidade, por exemplo, notou-se
indicativos de que as disciplinas ‘Desenvolvimento Capitalista e Questão Social’ e ‘Formação
Sócio-Histórica do Brasil’ poderiam garantir essa abordagem ao longo do processo formativo.
Registra-se, novamente, que está não é uma observação fechada, todavia serve de alerta para
que se verifique posteriormente como este ‘rigoroso trato histórico e metodológico da
realidade e da profissão’ constam na formação profissional.
O segundo alerta refere-se ao terceiro princípio do Projeto Pedagógico, que remete à
“adoção de uma teoria crítica que possibilite a apreensão da totalidade social em suas
dimensões de universalidade, particularidade e singularidade”. Especificando este princípio,
descreve-se no Projeto Pedagógico do curso que a
Apreensão de que este projeto esta fundamentado no acervo intelectual, herdado das
grandes matrizes do pensamento social e suas expressões no campo das Ciências
Humanas, reconhecendo-se a teoria social de Marx como necessária para análise da
realidade segundo uma perspectiva de totalidade e historicidade [...] (UFAL/Curso
de Serviço Social, 2007, p. 18).
Diante da descrição desse princípio, e relacionando-o ao quarto que resguarda “o
exercício do pluralismo como elemento próprio da vida acadêmica”, sugere-se que a
indicação da adoção da teoria social de Marx, como necessária para a análise da realidade
poderia ferir o pluralismo da vida acadêmica. Apesar de considerar que as Diretrizes
Curriculares de 1996 referendam uma formação profissional com base no projeto éticopolítico profissional, o qual tem caráter crítico – com aportes do materialismo históricodialético –, entende-se que não há orientação específica sobre a adoção exclusiva da teoria
social marxista, ao contrário, orienta-se a garantia do pluralismo. Neste sentido, entende-se
que a fundamentação marxista deveria constar – e consta efetivamente – nas ementas e
programas dos componentes curriculares, entretanto, pode não ser interessante constá-la como
princípio formativo, sob a ameaça de cercear o próprio princípio do pluralismo acadêmico.
55
“Rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do Serviço Social, que possibilite a
compreensão dos problemas e desafios com os quais o profissional se defronta no universo da produção; e
reprodução da vida social” (ABESS, 1996, p. 6).
244
O alerta, aqui, não é de que a formação profissional desta escola esteja sendo
redirecionada para um caminho não previsto nas Diretrizes Curriculares. Pelo contrário, a
teoria-crítica marxista consta como fundamento teórico-metodológico hegemônico do Serviço
Social na atualidade. Todavia, a preocupação é que a colocando como princípio formativo,
pode-se estar depondo automaticamente o princípio da defesa do pluralismo. Concluindo este
alerta, salienta-se que outro efeito negativo para a formação profissional, sem dúvida, pode
ser o engessamento dos componentes curriculares, a partir do uso da teoria marxista como
referência exclusiva – visto que consta na explicitação dos princípios.
Entretanto, disto tudo, evidencia-se que é preferível que na matriz teórica do curso
explicite-se a presença da teoria social marxista, ao risco de ter uma formação profissional
fragmentada e fragilizada em sua direção social e política, o que de fato ocorre em muitos
outros projetos pedagógicos de cursos de Serviço Social, especialmente das escolas privadas e
naquelas que oferecem o curso na modalidade de EAD.
Em relação à nova lógica curricular inaugurada pelas Diretrizes Curriculares de
1996, observa-se que houve um cuidado especial da CACSS/UFAL no trato da matéria
‘trabalho’, no seu sentido genérico humano, e em relação ao Serviço Social, especificamente.
Este cuidado, certamente decorreu do debate realizado entre 1997 e 2006, que conferiu
centralidade a este tema, conforme já exposto.
O que se observa na afirmação dos Núcleos da Fundamentação da Formação
Profissional é o tratamento do conceito de trabalho no sentido ontológico, no ‘Núcleo de
Fundamentos Teórico-metodológicos da Vida Social’. Todavia, no Núcleo do Trabalho
Profissional, pode estar ocorrendo divergência em relação às Diretrizes Curriculares, ao tratar
o Serviço Social como “ação profissional” (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 20) e
não como “especialização do trabalho coletivo” e seu exercício como “processo de trabalho”
(ABESS, 1996, p. 4; 5). Continuando a análise, percebe-se que o exercício profissional tornase sempre referenciado como “atividade do assistente social”, ou como “atividade ou prática
profissional” (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 23 et seq.), mas nunca como
realização de trabalho coletivo. Registra-se mais este ponto que merece atenção, juntamente
com os dois que antecederam a sua análise.
Redirecionando a discussão para a Matriz Curricular, nota-se que na sua descrição
são explicitados todos os componentes curriculares da formação, sejam eles obrigatórios ou
complementares, destacando-se o ordenamento correspondente aos três núcleos de formação.
Neste sentido, registra-se que a carga horária dos Componentes Curriculares Obrigatórios
totaliza 2.480 h/a, das quais 2.300 h/a referem-se às disciplinas obrigatórias pré-determinadas
245
para que todos os discentes as cursem, e 180 h/a referem-se às disciplinas eletivas, que,
embora seu número de horas/aula seja obrigatório, confere-se a cada discente a possibilidade
de escolher aquelas que mais lhe instigam o conhecimento.
Os Componentes Curriculares Obrigatórios são organizados prevendo as seguintes
disciplinas, conforme o Projeto Pedagógico (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 23-25):
a) Componentes Curriculares do Núcleo de Fundamentos Teórico-metodológicos da
Vida Social
− Antropologia (80h)
− Economia Política (80h)
− Filosofia (80h)
− Psicologia (80h)
− Sociologia (80h)
− Teoria Política (80h)
− Trabalho e Sociabilidade (80h)
b) Componentes Curriculares do Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-histórica
da Sociedade Brasileira
− Classes Sociais e Movimentos Sociais (80h)
− Desenvolvimento Capitalista e Questão Social (80h)
− Direito e Legislação Social (80h)
− Formação Sócio-histórica do Brasil (80h)
− Política Social (80h)
− Seminário Temático de Políticas Sociais (80h)
c) Componentes Curriculares do Núcleo de Fundamentos do Trabalho Profissional
− Administração e Planejamento Social I (60h)
− Administração e Planejamento Social II (60h)
− Ética em Serviço Social (80h)
− Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social I (60h)
− Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social II (60h)
− Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social III (60h)
246
− Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social IV (60h)
− Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social V (60h)
− Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social VI (60h)
− Metodologia Científica (80h)
− Pesquisa em Serviço Social I (60h)
− Pesquisa em Serviço Social II (60h)
− Oficina de Estágio em Serviço Social I (60h)
− Oficina de Estágio em Serviço Social II (60h)
− Oficina de Pesquisa em Serviço Social (60h)
− Oficina Técnico-operativa do Serviço Social I (60h)
− Oficina Técnico-operativa do Serviço Social II (60h)
− Serviço Social e Processo de Trabalho I (60h)
− Serviço Social e Processo de Trabalho II (60h)
− Seminário Temático em Serviço Social (80h)
d) Componentes Curriculares Eletivos
− Gestão, Controle Social e Financiamento das Políticas Públicas (60h)
− Gênero e Serviço Social (60h)
− Oficina de Leitura e Produção de Textos (60h)
− Saúde Mental e Serviço Social (60h)
− Terceiro Setor e Serviço Social (60h)
− Trabalho na Contemporaneidade (60h)
− Formação Sócio-histórica das Sociedades Ocidentais (60h)
No elenco das disciplinas que constam os componentes curriculares obrigatórios,
nota-se a importância reservada para a abordagem dos ‘Fundamentos Históricos, Teóricometodológicos do Serviço Social’, que totalizam 360 horas/aula, do total de 2.300 horas/aula
das disciplinas obrigatórias, ou seja, 15,65% do total. O Núcleo de Fundamentos do Trabalho
Profissional é o maior dentre os três núcleos, totalizando 1.260 horas/aula, ou 54,78% do
total, confirmando as orientações das Diretrizes Curriculares de 1996.
Relativamente ao objeto de investigação desta tese, qual seja o exercício e a
formação profissional correlatos ao espaço rural brasileiro, nota-se a presença de disciplinas
que podem oferecer aportes para a compreensão do significado do Brasil rural, Brasil agrário,
247
ou Brasil agrícola, bem como dos indivíduos rurais – em suas identidades, inclusive –, de seus
modos de vida e de trabalho e, principalmente, das demandas que eles apresentam para o
Serviço Social. São as disciplinas de ‘Trabalho e Sociabilidade’, ‘Classes Sociais e
Movimentos Sociais’, ‘Desenvolvimento Capitalista e Questão Social’, ‘Direito e Legislação
Social’, ‘Política Social’, ‘Seminário Temático de Políticas Sociais’, ‘Oficina de Estágio em
Serviço Social I e II’, ‘Oficina Técnico-operativa do Serviço Social I e II’, ‘Serviço Social e
Processo de Trabalho I e II’, ‘Seminário Temático em Serviço Social’, além das disciplinas de
‘Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do Serviço Social’ e, principalmente,
Formação Sócio-histórica do Brasil.
Ao apontar este elenco de disciplinas, salienta-se a compreensão de que a abordagem
sobre o ‘rural brasileiro’ deveria constar na formação profissional de forma transversal, numa
abordagem totalizante da formação sócio-histórica, dos processos sociais, dos direitos sociais,
das políticas públicas e do exercício profissional.
Tal como lembrou Iamamoto (2007) – discussão estabelecida na segunda seção deste
trabalho –, é condição indispensável ao ensino e ao exercício profissionais que a formação
sócio-histórica da realidade e da sociedade seja tratada em sua totalidade, sem a separação entre
rural e urbano, campo e cidade, como se fossem espaços distintos, com processos sociais,
políticos, econômicos e culturais também distintos, todavia dentro de uma mesma sociedade.
Esta abordagem totalizante dos processos e da realidade sócio-histórica,
possibilitando a transversalidade da abordagem do ‘rural’ em todos componentes curriculares,
não impede que o tema seja também tratado em disciplinas específicas, a serem oferecidas nos
Componentes Curriculares Eletivos, ou mesmo através dos núcleos e grupos de estudos,
pesquisa e extensão.
Neste sentido, identifica-se que nos Componentes Curriculares Eletivos do Projeto
Pedagógico dos cursos da Faculdade de Serviço Social da UFAL, prevê-se a oferta da
disciplina ‘Formação Sócio-histórica das Sociedades Ocidentais’, que poderia, em seu
conteúdo programático, discutir o ‘espaço rural’, já que sua ementa prevê abordar a
“formação da Sociedade Liberal. A Revolução Industrial e o Liberalismo. Transformação
políticas, econômicas e sociais a partir da segunda metade do século XIX [...]” (UFAL/Curso
de Serviço Social, 2007, p. 53).
Embora se identifique a possibilidade de que esta disciplina eletiva faça a abordagem
do rural, deve-se ressaltar que não há, dentre o elenco dos componentes curriculares eletivos,
a previsão de oferta de uma disciplina específica sobre o rural e sua correlação com o
exercício profissional do Serviço Social.
248
Ainda sobre a matriz curricular, percebe-se a identificação conferida ao estágio em
Serviço Social como atividade curricular obrigatória, que “possibilita o exercício da relação
teoria x prática a partir da inserção do aluno em espaços sócio-ocupacionais na realidade
social” (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 22). As práticas de estágio curricular
supervisionado estão previstas em duas etapas de iguais duração, durante o 5º e o 6º semestres
letivos, com 200 horas cada, totalizando 400 horas – que, ao que tudo indica, estaria abaixo da
determinação legal atual (Resolução nº 02/2007 do CNE), conforme já exposto.
Além do ‘Estágio Supervisionado’, na matriz curricular aponta-se como
componentes curriculares que complementam os componentes obrigatórios (2.300h/a) a
realização do ‘Trabalho de Conclusão de Curso’, que corresponde à carga horária de 160
horas; o cumprimento de disciplinas eletivas, consideradas como “Componentes Curriculares
Eletivos”, que correspondem a 180 horas/aula; e a efetivação de 160 horas de “Atividade
Complementar Obrigatória”, que “poderá ser desenvolvida nas áreas de: pesquisa, iniciação
científica, extensão, monitoria, estágio curricular não-obrigatório, cursos, oficinas, palestras,
seminários, simpósios, eventos profissionais e culturais” (UFAL/Curso de Serviço Social,
2007, p. 25; 98).
A totalização da matriz curricular, em sua carga horária total, é de 3.200 h/a, que
pode ser integralizada no mínimo em 4 (quatro) anos e no máximo em 7 (sete) anos, tanto
para o curso diurno, quanto para o curso noturno.
Convém registrar que, considerando que o curso noturno pode oferecer diariamente
no máximo 4 horas/aula, no Projeto Pedagógico prevê-se a distribuição diferenciada das
disciplinas, do curso diurno e noturno, durante os semestres letivos, sem que se perca a
equivalência de conteúdos e da carga horária total entre ambos os cursos. Isto indica o
cumprimento do princípio da equivalência entre cursos diurnos e noturnos, explicitado nas
Diretrizes Curriculares de 1996, conforme já apontado.
É indispensável registrar que os cursos da Faculdade de Serviço Social contam com
dois Núcleos Temáticos e seis Grupos de Pesquisa e/ou Extensão, identificados no Projeto
Pedagógico como componentes das ‘linhas básicas de atuação’ da Faculdade. A existência
destes núcleos e grupos representa, efetivamente, a dedicação de esforços acadêmicos na
direção de alguns temas, considerados pela comunidade acadêmica como importantes, tanto
para a formação oferecida, quanto para subsidiar o exercício profissional no Estado de Alagoas.
Os dois Núcleos Temáticos são ‘da Assistência’ e ‘da Criança e do Adolescente’. E
os Grupos e Núcleos de Pesquisa e/ou Extensão são: o ‘Grupo de Pesquisa Gênero e
Emancipação Humana’; o ‘Grupo de Pesquisa Mercado de Trabalho e Serviço Social’; o
249
‘Grupo de Pesquisa Trabalho e Reprodução’; ‘Grupo de Pesquisa Cultura, Identidade e
Movimentos Sociais’; o ‘Grupo de Estudos, Projetos e Pesquisa Sóciojuridica – GEPSOJUR’;
e o ‘Grupo de Pesquisa Serviço Social, Trabalho e Direitos Sociais’.
Por último, é importante apreender que no Projeto Pedagógico implantado a partir de
2007 na Faculdade de Serviço Social, previa-se a realização de algumas avaliações, dentre as
quais, a avaliação do próprio Projeto Pedagógico. Neste sentido, entendia-se, desde a
proposição e aprovação do referido Projeto, que
O Processo de Avaliação deve ser permanente e cotidiano, uma vez que é no
cotidiano que o projeto pedagógico ao ser implementado ira apontar os limites e as
possibilidades de sua concretização. Sendo assim, se faz necessário conhecer estes
limites para então superá-los, bem como fortalecer as potencialidades que
transformam as diretrizes curriculares em um projeto profissional concreto e
dinâmico (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 104).
Por isto, indicava-se a composição de uma Comissão de Avaliação do Projeto
Pedagógico, com caráter permanente, constituída por treze membros, dentre os quais estariam
docentes, discentes e um profissional técnico que coordene Estágio. Essa Comissão assumia
as tarefas de elaborar os instrumentos de avaliação, bem como de implantar esse processo,
segundo as orientações pedagógicas da ABEPSS. Previa-se também que a construção dos
instrumentais de avaliação deveria ser feita por toda comunidade acadêmica envolvida na
formação profissional oferecida pela Faculdade de Serviço Social, ou seja, por docentes,
discentes, técnico-administrativos, profissionais e representantes das entidades da categoria
profissional (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007).
Conforme informações da Coordenação do Colegiado de Curso 56, esta Comissão
ainda não foi instituída. O indicativo para que a constituição desta Comissão não tenha se
efetivado é a sobrecarga de atividades dos sujeitos que participariam dela, especialmente dos
docentes. Não se aprofundará este assunto, mesmo porque, conforme registrado, a razão
apontada configura-se apenas como indicativo. Todavia, observa-se que o indicativo confirma
o fluxo que tem sido dado às atividades docentes nas universidades federais, qual seja o
aumento de atividades para comprovar uma ‘requerida’ produtividade acadêmica e científica.
Ao contrário de proporcionar avanços na área da produção do conhecimento, a corrida pela
produtividade está fazendo com que se executem tarefas com fim na própria tarefa e não no
avanço científico necessário. Assim, a não instituição da Comissão de Avaliação do Projeto
56
Informação proferida em contato pessoal com a atual coordenadora do curso (2012), Professora Dra. Márcia
Iara Costa da Silva, durante a realização da pesquisa documental, que ofereceu os aportes para a escrita desta
seção.
250
Pedagógico deve ser considerada como o último alerta feito na análise do atual Projeto, ao
que se sugere à comunidade acadêmica do curso a necessária atenção.
Enfim, finalizando os registros da discussão sobre o atual Projeto Pedagógico que
orienta a formação profissional oferecida pela Faculdade de Serviço Social da UFAL –
Campus A. C. Simões, ressalta-se que a mesma segue a direção geral prevista nas Diretrizes
Curriculares de 1996. Faz-se esta afirmação, mesmo tendo apontado pontos de alerta no
Projeto, por compreender que eles não comprometem a formação profissional crítica, e a
garantia da direção estabelecida no projeto ético-político da profissão, todavia fazem com que
seja necessária uma atenção redobrada na efetivação do Projeto Pedagógico do curso.
251
CAPÍTULO 2
O SERVIÇO SOCIAL NO CAMPUS ARAPIRACA DA UFAL, EM PALMEIRA DOS
ÍNDIOS
Este capítulo é reservado para a reflexão sobre o processo de formação profissional
oferecido pelo Curso de Serviço Social, do Campus Arapiraca, Unidade Educacional (U.E.)
de Palmeira dos Índios, que é ofertado na cidade que empresta nome à Unidade.
Os procedimentos metodológicos para sua elaboração foram os mesmos adotados
para construção de toda a terceira seção da tese, qual seja a pesquisa documental no Projeto
Pedagógico do Curso57, nos planos das disciplinas oferecidas e em outros documentos de
registro legal do curso. Todavia, ao investigar seu Projeto Pedagógico do Curso de Serviço
Social, percebeu-se a necessidade de recorrer a outros documentos institucionais, como o
Projeto Pedagógico Institucional em vigência na UFAL (2008) e o Projeto de Interiorização
da UFAL (2005). Foi o que se fez.
No registro escrito do capítulo, percebeu-se outra necessidade: que o curso fosse
apresentado em dois momentos distintos: antes do seu funcionamento, quando o projeto
pedagógico constava de uma proposta elaborada pelo Departamento de Serviço Social da
Faculdade, também de Serviço Social, do Campus A. C. Simões; e depois do começo de suas
atividades, quando o corpo docente, discente e de servidores técnico-administrativos começou
a se constituir, dando origem ao primeiro Colegiado de Curso.
Além disso, percebeu-se a importância de conhecer, em breves apontamentos, o
contexto em que a UFAL se interiorizou, bem como a própria proposta e o processo de
interiorização. Dessa forma, organizou-se o capítulo em três itens. No primeiro trata-se sobre
o processo de interiorização, para que no segundo item seja possível acompanhar a lógica e a
perspectiva que orientaram a elaboração da primeira proposta de Projeto Pedagógico, a qual
foi implantada quando da criação do curso. Essa proposta foi elaborada por uma equipe
composta por docentes e uma servidora do quadro técnico-administrativo, principalmente, do
Departamento de Serviço Social do Campus A. C. Simões. Por último, no terceiro item do
capítulo, são discutidas as duas subsequentes modificações no Projeto Pedagógico original,
57
Em suas três versões: 1) original; 2) revisão aprovada em outubro de 2007; e c) revisão aprovada em
novembro de 2008.
252
operadas pela própria comunidade acadêmica do Curso de Serviço Social da U.E. de Palmeira
dos Índios.
3.2.1 O processo de interiorização da UFAL e a criação do Curso de Serviço Social
A recente história do Curso tem início com o reconhecimento, pela gestão da UFAL
– Reitorias e Conselho Universitário (CONSUNI/UFAL), de que era necessário sair dos
limites da capital e, de fato, atuar na totalidade do território estadual, expandindo-se para o
seu interior através da instalação de novos Campi e Unidades Educacionais 58.
Segundo o projeto de interiorização, naquele momento,
A UFAL, enquanto instituição federal, encontra-se diante de um desafio particular;
exercer plenamente a sua importância estadual – tornar-se efetivamente “de
Alagoas” – e definir sua missão social, exprimindo-se enquanto importante agente
de desenvolvimento, em seu contexto periférico, de grandes limitações e
precariedades, de grandes contrastes e contradições. Este desafio é evidenciado por
indicadores sociais e econômicos desfavoráveis que fazem de Alagoas o Estado com
menos desenvolvimento social59 (UFAL/Comissão de Estudos sobre Interiorização,
2005, p. 4).
Diante do contexto social do Estado, agravado pela alta concentração de renda, pelas
práticas coronelistas e de mandonismo político nas relações sociais, pelo aumento da
violência e, ainda, considerando a crescente concentração populacional do Estado na capital –
58
Inicialmente, desde o momento da criação do Projeto de Interiorização da UFAL, as Unidades Educacionais
vinculadas aos Campi foram denominadas de Polos [de Ensino]. A partir do final de 2010 e início de 2011, a
gestão central da Universidade e as direções dos Campi orientam para uma nova nomenclatura: Unidade
Educacional. É assim que passam a ser identificadas as Unidades Educacionais de Palmeira dos Índios,
Penedo e Viçosa, ligadas ao Campus Arapiraca, e a Unidade Educacional de Santana do Ipanema, ligada ao
Campus do Sertão, sediado na cidade de Delmiro Gouveia. Registra-se, por último, a existência, naquele
mesmo momento entre 2010 e 2011, de uma breve polêmica sobre os motivos pelos quais não se passava a
considerar essas Unidades Educacionais como Unidades Acadêmicas, o que lhe conferiria maior autonomia na
gestão e na execução das atividades educacionais. Para justificar a nomenclatura orientada entre 2010 e 2011, a
gestão central atribuiu ao fato de que tais unidades não possuíam atividades em nível de pós-graduação,
vinculadas a ela, e que seu corpo docente ainda era restrito em número e em titulação, visto que composto
principalmente por mestres – o que, factualmente, dificulta a consolidação da pós-graduação. A síntese da
polêmica, para esta pesquisadora, é a explicitação da intencionalidade da ‘interiorização da UFAL’, que se
coaduna com a intencionalidade da Política Nacional de Expansão do Ensino Superior: levar o ensino
universitário para as cidades periféricas às Universidades Federais já consolidadas, todavia descolar este ensino
da extensão e da pesquisa, quebrando com a indissociabilidade deste tripé. O efeito é a fragmentação do saber.
59
A Comissão de Estudos sobre a Interiorização (2005, p. 4) ainda fez constar no Projeto alguns indicadores
sociais que, à época, atestavam a ‘o menor desenvolvimento social’ dentre os Estados brasileiros. São eles:
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH): 24ª posição no Brasil; Renda per capita; US$1.482 (IBGE-PNAD,
2002); Miserabilidade: 47% da população sobrevivem com renda abaixo de R$ 88,00 por pessoa (O Jornal,
28/05/2004, dados da FGV, Mapa do fim da Fome em Alagoas, 2003); Mortalidade infantil: 45,9 mortes para
cada 1000 nascidos vivos (SEE/AL, 2004); Trabalho infantil não remunerado: 71,9% do total de crianças em
trabalho, de 5 a 7 anos (IBGE-PNAD, 2001); Analfabetismo: 47% e analfabetismo funcional: 50% (IBGE,
2000); Insuficiente formação/qualificação docente da rede pública municipal e estadual: atinge cerca de 20.000
professores (Conselho Estadual de Educação/Gazeta de Alagoas, 22/02/2004); Exclusão digital: mais de 97%
da população – cerca de 2,7 milhões de pessoas (Gazeta de Alagoas, 29/03/2004 – FGV, abril de 2003).
253
fruto, inclusive, da expansão da cana-de-açúcar desde o litoral, passando pela zona da mata,
chegando até a região agreste, e do latifúndio pecuário no agreste e sertão – a UFAL,
reconhecendo sua responsabilidade social, política e cultural entende que é imprescindível
sair dos muros do seu Campus Central (A. C. Simões).
Conforme Oliveira & Nascimento (2008-a, p. 134),
Naquele momento, deu-se início, conforme o discurso político vigente, a um
processo “necessário” [sic] e irreversível, voltado a ampliar a inclusão social das
populações tradicionalmente marginalizadas – porque até então confinadas ao meio
rural, provinciano, pouco desenvolvido – no ensino superior público e gratuito.
Evidenciava-se, por um lado, a função social da Universidade, que até então se
restringia aos muros do Campus Central, ou no entorno próximo à capital. Aí eram atendidos,
nos cursos de educação superior, os estudantes que moravam ou vinham morar em Maceió,
bem como as populações desta cidade e daquelas circunvizinhas a ela, através de projetos de
pesquisa e extensão e de alguns equipamentos, como o Hospital Universitário e o Fórum de
Justiça, instalados no Campus Central.
Por outro lado, notabilizava-se o olhar que a UFAL, incorporando ‘o discurso
político vigente’, tinha em relação ao interior de Alagoas: populações marginalizadas, rurais,
provincianas e, portanto, imersas num espaço atrasado cultural e tecnologicamente, e,
portanto, carente de desenvolvimento.
Ora, não se poderia deixar de problematizar a compreensão de que ‘o interior’ do
Estado é ‘rural’, e, sendo rural, é também ‘carente de desenvolvimento e modernidade’.
Tampouco se poderia deixar de questionar a concepção de que a extensão do Ensino Superior
para todo o território do Estado seria possível pela criação de novos campi e que esta
inovação, por si só, resolveria a marginalização de um contingente elevado da população.
Portanto, não é possível concordar com a ideia, subentendida, de que a instalação de novos
campi da UFAL seria ferramenta de inclusão social e desenvolvimento regional.
Acima de tudo, o que estava posto no projeto de interiorização da UFAL era a
possibilidade de criação de um nicho de mercado, o ensino universitário, em regiões onde
antes ele era inexistente, especificamente pela via pública e gratuita. Como pano de fundo
tinha-se a intenção de desenvolver a economia – modificada e intensificada com a instalação
de regiões universitárias onde antes se tinha instalada apenas as tradicionais agricultura e
pecuária, bem como o pequeno comércio regional – criando novas possibilidades de consumo,
agora mais diversificadas.
254
É o que compreendem Oliveira & Nascimento (2008-a, p. 134-135), ao afirmarem
que
As pequenas cidades com tradição na terra, na agricultura, na pecuária, de pequeno
ou médio porte, foram [estavam], então, progressivamente se urbanizando,
comercializando-se, industrializando-se, transformando-se em polos de
agronegócios (agrobusiness) e de serviços, enfim, tornando-se redutos de consumo.
A mercantilização da educação não fugiu à regra.
Nesse contexto e segundo essa concepção de desenvolvimento, bem como do papel
da universidade brasileira, deu-se início a construção da universidade pública federal no
interior de Alagoas, ação que não se restringe apenas a este Estado, instalando-se em
praticamente todas as regiões do país. Antes de tudo, a interiorização das universidades
públicas – mas também privadas, comunitárias e filantrópicas – no Brasil significava uma
estratégia de enfrentamento da crise estrutural do capitalismo, que segundo Mészáros (2011),
atingia o mundo e a economia internacional desde 1970. Diante da situação de
“refuncionalização do Estado (‘mínimo’) em favor do capital internacional”, as universidades
“se veem compelidas a atender às demandas econômicas, sociais, políticas e culturais daí
originadas” (OLIVEIRA; NASCIMENTO, 2008-a, p. 135).
Destarte, o processo de interiorização da UFAL ocorre em sintonia com as
perspectivas neoliberais para o sistema educacional brasileiro, e concomitante ao Plano de
Expansão do Ensino Superior (2003), instalado no primeiro ano do governo do Presidente
Luís Inácio Lula da Silva.
Como efeito, foram realizados estudos para a expansão universitária no interior do
território estadual. O Projeto de Interiorização da UFAL é proposto ainda em 2005. Sua
aprovação pelo CONSUNI/UFAL ocorreu em 01 de agosto de 2005, através da Resolução nº
20/2005, começando a ser implantado ainda no mesmo ano e iniciando as atividades
acadêmicas com as primeiras turmas no ano seguinte, em agosto de 2006.
É necessário salientar que inicialmente o processo de interiorização da UFAL não
ocorre vinculado ao Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (REUNI)60. Os primeiros cursos vinculados diretamente ao REUNI
são criados em 2009 e implementados em 2010 no Campus Sertão – sediado no município de
Delmiro Gouveia e com uma Unidade Educacional no município de Santana do Ipanema – e,
posteriormente, no Campus Arapiraca, são criados no ano de 2011 e passam a funcionar em
2012, na Unidade Educacional sede do Campus.
60
Contextualizado na nota de rodapé nº 25, p. 119.
255
Todavia, mesmo não sendo vinculados originalmente ao REUNI, os cursos do
Projeto de Interiorização da UFAL sofrem com a mesma precarização aplicada a todo ensino
superior no país, a partir daquele período, especialmente nas áreas de estudos das
humanidades e das ciências sociais, tendo por diferencial a inexistência de estrutura
universitária anterior.
Assim, é notável que as diretrizes do REUNI interferem objetivamente no processo
de interiorização, mesmo que originalmente este processo não tenha sido vinculado ao
referido Programa. Verifica-se, por exemplo, que a partir de 2008 os cursos já instalados têm
seu número de vagas aumentado, a fim de poder continuar recebendo recursos para sua
consolidação, os quais ‘ou’ seriam oriundos do REUNI, ‘ou simplesmente não existiriam’.
Por isso, verifica-se em 2008 o aumento na oferta de vagas para o curso de Serviço Social, de
40 (quarenta) para 50 (cinquenta). Logo, mesmo não fazendo parte do “famigerado” REUNI,
o surgimento do Curso de Serviço Social no Campus Arapiraca, Unidade Educacional de
Palmeira dos Índios, também ocorre num contexto de precarização aguçada.
As primeiras docentes do curso, que tomaram posse cerca de um mês antes do início
das primeiras aulas, ao serem ‘colocadas para dentro da interiorização’, tiveram que apreender
de forma rápida os meandros daquele contexto a fim de se tornarem conjuntamente
responsáveis pelo processo. Assumindo esta tarefa criticamente, já foram apresentando
indagações quanto ao modelo e processo de interiorização, desde o momento da capacitação
inicial para os primeiros docentes. Segundo elas,
Naquela ocasião, adquiriu especial relevância nos aproximarmos do conhecimento
sobre a realidade regional, assim como do inovador projeto pedagógico a ser
executado, com vistas a contribuir para o desenvolvimento local sustentável. A
partir daí foram emergindo algumas inquietações quanto à nossa participação nesse
imbróglio. Indagávamos, então, e ao mesmo tempo tentávamos respostas ante os
apologéticos e eloquentes, porém, em certa medida, silentes discursos próinteriorização que se colocavam diante de nós. Queríamos saber mais, por exemplo,
sobre os reticentes critérios de elegibilidade dos municípios e dos cursos a serem
instalados no Campus; quais as reais demandas reformistas por trás dessas escolhas;
[...] quais as perspectivas para um futuro próximo quanto à realização de atividades
de pesquisa e extensão, indissociáveis do ensino; quais as garantias de qualidade da
formação profissional, no que concerne às condições objetivas de oferta dos
diferentes cursos, em termos, no mínimo, de infraestrurura (local adequado e
equipamentos necessários para o bom funcionamento das atividades acadêmicas e
para o conforto e bem-estar da comunidade universitária, com biblioteca,
laboratórios e salas especiais devidamente instalados) e de pessoal docente e
técnico-administrativo qualificado e em quantidade suficiente; que políticas
institucionais estariam sendo gestadas no sentido de assegurar o acesso e
permanência dos estudantes originários de diferentes municípios e com condições
socioeconômicas as mais heterogêneas possíveis (OLIVEIRA; NASCIMENTO,
2008-a, p. 136).
256
É interessante perceber o quanto saltava aos olhos daquelas docentes, recémchegadas à instituição, que o processo de interiorização era precarizado desde a sua origem,
dadas às próprias diretrizes do Ministério da Educação para a expansão do ensino superior
brasileiro. O que estava implícito nas indagações das primeiras docentes era a pergunta sobre
que tipo de universidade se queria construir e para que tipo de público.
Mesmo naquele momento – mas principalmente hoje, quando já se passaram seis
anos da implantação do Projeto de Interiorização da UFAL – notava-se que as Universidades
Federais brasileiras começavam a ter dois perfis: um mais acadêmico-científico, voltado para
o desenvolvimento de pesquisas, especialmente nas áreas tecnológicas; outro essencialmente
acadêmico-técnico, destinado à formação de profissionais para o mercado de trabalho.
Para o primeiro perfil destinava-se uma gama de recursos, a fim de estruturar centros
de pesquisa e laboratórios com tecnologia de ponta, de modo que a pesquisa brasileira
começasse a ocupar lugar internacionalmente na produção científica. Esse perfil passava a ser
centralizado nos campi centrais das universidades, recebendo inclusive benefícios quanto à
localização, já que estavam instalados, geralmente, nas capitais dos Estados.
Enquanto isto, nas ‘periferias’ das universidades, instalava-se o segundo perfil de
universidade. Entendendo-se que aí deviam funcionar cursos meramente técnicos, e mesmo
sendo de nível superior, não se reconhecia a necessidade de instalação de laboratórios e
bibliotecas de fato equipadas, bem como dos demais equipamentos indispensáveis ao ensino
articulado à pesquisa e à extensão. Nesses “cursos de periferia”, também não era necessário
um corpo docente com o grau de formação exigido para o desenvolvimento da pesquisa, o
doutorado. Por isso mesmo, os concursos para a constituição dos novos quadros docentes
passaram a exigir obrigatoriamente apenas o mestrado, ficando relegada à vontade e esforços
pessoais de cada novo docente a qualificação em nível de doutorado e pós-doutorado.
Diante deste quadro conjuntural da interiorização da UFAL, a garantia das condições
para o funcionamento passa a depender, em grande parte, das lutas da comunidade acadêmica,
para que a gestão da Universidade e o governo federal – através do Ministério da Educação –
garantam as condições básicas de funcionamento dos cursos de graduação.
Algumas dessas lutas resultaram na conquista parcial da necessária estrutura de
ensino nas Unidades Educacionais, outras ainda não conseguiram efetivamente alcançar esta
estrutura básica. Dentre as comunidades acadêmicas que obtiveram conquistas significativas,
257
está a Unidade de Palmeira dos Índios, que desde sua implantação, em 2006, pressionou a
gestão central da Universidade para a construção da sua sede própria 61.
Hoje, esta Unidade Educacional – que oferece os cursos de Serviço Social e
Psicologia – possui infraestrutura de salas de aula e de multimeios, salas de professores, uma
sala para a representação estudantil dos dois cursos, laboratório de informática, alguns
laboratórios de psicologia, uma clínica de psicologia em espaço ‘arranjado’, biblioteca, ala
administrativa e uma pequena área de convivência. Entretanto, faltam mais salas de aula, salas
para os setores acadêmico-administrativos, salas para os núcleos temáticos e grupos de
pesquisa e/ou de extensão, sala própria para a instalação da biblioteca com condições
adequadas para o desenvolvimento das atividades que lhe competem, uma estrutura específica
para a instalação efetiva da clínica de psicologia, alguns laboratórios também para o curso de
psicologia, auditório, restaurante universitário, áreas de convívio e lazer amplas e moradia
estudantil. Mesmo diante do quadro de necessidades, esta Unidade Educacional é a que possui
estrutura física melhor equipada, comparativamente à demanda dos dois cursos que oferece.
Contrastando fortemente com as conquistas dessa Unidade, verifica-se a situação da
Unidade Educacional de Viçosa, que oferece o Curso de Medicina Veterinária, mas que não
possui em sua estrutura, por exemplo, o Hospital Veterinário Universitário, indispensável
ferramenta de formação para a profissão. Ou ainda, a Unidade Educacional de Santana do
Ipanema, pertencente ao Campus do Sertão, que funciona até este momento em um espaço
alugado, em uma escola comunitária.
Sem dúvida, independente de fazer parte do REUNI, o projeto de interiorização da
UFAL veio acompanhado de todo o processo de precarização da educação de nível superior,
que atingiu todas as Universidades Públicas Federais desde os anos 1990, com a ampliação da
perspectiva neoliberal nas políticas públicas do país.
Tendo por objetivo, “atender a forte demanda aí caracterizada – representada por
elevado número de estudantes egressos do ensino médio, pobres e com baixa ou mesmo nula
capacidade de deslocamento ou transferência para Maceió –, ao tempo em que reafirma o
papel da UFAL enquanto importante instrumento de desenvolvimento estadual e regional”
(UFAL/Comissão de Estudos sobre interiorização, 2005, p. 6), a UFAL se interioriza, levando
a proposta de ensino – que desde o início deveria ser associada à extensão e à pesquisa
61
A Unidade Educacional foi operacionalizada primeiramente no Centro de Atenção Integral à Criança (CAIC)
de Palmeira dos Índios, onde os cursos funcionaram nos três primeiros anos. A partir do segundo semestre de
2009, as aulas e todas as demais atividades acadêmicas e administrativas da Unidade Educacional passam a ser
executadas na sede própria, localizada no Bairro Eucalipto, sempre no município de Palmeira dos Índios.
258
universitária – para dezesseis cursos de graduação no Campus Arapiraca, já em 2006 e,
posteriormente, para outros oito cursos no Campus do Sertão, a partir de 2010.
Neste momento, o que interessa sinalizar sobre o processo decorrente do Projeto de
Interiorização da UFAL, é que em agosto de 2006 o Curso de Serviço Social é instalado na
cidade de Palmeira dos Índios, juntamente com o curso de Psicologia, consolidando a
Unidade Educacional que os abriga, a qual referencia a oferta de cursos do eixo de
humanidades no Campus Arapiraca.
Segundo consta no Projeto de Interiorização, o novo Curso de Serviço Social
formaria Assistentes Sociais com o seguinte perfil:
Profissional que atua nas expressões da questão social, formulando e implementando
propostas para seu enfrentamento, por meio de políticas sociais públicas,
empresariais, de organizações da sociedade civil e movimentos sociais; Profissional
[sic] dotado de formação intelectual e cultural generalista crítica, competente em sua
área de desempenho, com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto
das relações sociais e no mercado de trabalho; Profissional [sic] comprometido com
os valores e princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social, [cujo]
campo de trabalho [constitui-se dos] órgãos da administração pública, empresas e
organizações da sociedade civil (UFAL/Comissão de Estudos sobre Interiorização,
2005, p. 25).
Com este perfil, que, grosso modo, estaria consoante com as Diretrizes Curriculares
para os Cursos de Serviço Social no Brasil e com a Lei nº 8.662/93, que regulamenta a
profissão, cria-se o curso de Serviço Social da Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.
O início das suas atividades acadêmico-administrativas ocorre em agosto de 2006,
com a chegada dos primeiros docentes de seu quadro, conforme já apontado. Já o início das
atividades discentes, marcando as primeiras aulas do curso, ocorre com a aula inaugural do
Campus Arapiraca, proferida no dia 18 de setembro de 2006. A partir daqueles momentos,
inicia-se uma nova história para o Serviço Social da UFAL: a formação profissional pública,
gratuita e pretensamente – pela comunidade universitária – de qualidade.
3.2.2 O projeto inicial: contribuições da Faculdade de Serviço Social da UFAL para o
Projeto de Interiorização
A contemporânea história do Curso de Serviço Social do Campus Arapiraca não
diminui sua importante presença no interior de Alagoas. Pelo contrário, em pouco mais de
seis anos de existência, conquistou o reconhecimento acadêmico e da sociedade, enquanto um
curso de qualidade, com caráter crítico, e com perfil dinâmico, dado as suas lutas pela
259
melhoria da educação universitária pública, frente aos desafios que cotidianamente lhe são
colocados.
Seu primeiro Projeto Pedagógico foi elaborado pelo Departamento de Serviço Social,
do Campus A. C. Simões62. Nele, aponta-se que o Curso forma bacharéis em Serviço Social,
com carga horária de 3.450 horas, com duração de quatro a sete anos, oferecendo 40 vagas no
turno diurno, sendo suas aulas basicamente ministradas no período vespertino.
A equipe que o propôs seguiu a lógica de estruturação da grade de ensino indicada no
Projeto de Interiorização da UFAL, qual seja, a composição por três ‘troncos de ensino’.
O inicial, que é comum a todos os cursos interiorizados e tem duração estabelecida
para um semestre letivo de 400 horas/aulas. O tronco intermediário, de conteúdo
comum ao eixo das humanidades, do qual participam os cursos de Serviço Social e
Psicologia; também planejado para um semestre letivo de 400 horas/aula.
Finalmente, apresenta-se o tronco profissionalizante, composto conforme as
diretrizes curriculares que orientam a formação profissional de assistentes sociais no
Brasil. Nesta proposta observam-se também as orientações da Associação Brasileira
de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS e as definições contidas na Lei
8.662, de 1993 – Lei de Regulamentação da Profissão (UFAL/Departamento de
Serviço Social, 2005, p. 4).
Essa organização da grade de disciplinas segue um modelo discutido entre as
universidades públicas brasileiras no início do século XXI, e remete ao oferecimento de uma
formação básica do ensino superior, comum a todos os cursos universitários, para
posteriormente especificar a formação em cada área particular de profissionalização. A
especificação da formação profissional começaria pelo oferecimento de disciplinas comuns
aos cursos agrupados em uma mesma área de estudos – no caso do Serviço Social, segundo a
proposta de interiorização, seria o eixo de humanidades, e não à área de ciências sociais
aplicadas, tal como classifica a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) –, seguidas, finalmente, pelas disciplinas específicas do curso.
Se por um lado este modelo de formação universitária possibilita a todos discentes de
graduação a apropriação de referenciais comuns, independente da área de atuação
profissional, como por exemplo, as especificidades do estado e da região, por outro lado ela
interfere na proposta curricular regulamentada para cada área do saber, retirando certa
margem de autonomia para a proposição de disciplinas pelas equipes de cada curso. Os
reflexos dessa proposta poderão ser observados logo adiante, quando for tratado sobre os
componentes da matriz curricular.
62
Participaram diretamente da elaboração do projeto: Janne Alves Rocha e Margarida M. S. dos Santos,
Professoras do Departamento de Serviço Social, exercendo a última a função de coordenadora da equipe; Nívia
dos Santos Fragoso, Assistente em Administração do Departamento de Serviço Social; e Rodrigo Barros
Gewehr, Professor do Departamento de Psicologia.
260
Segundo o Projeto Pedagógico do Curso de Serviço Social (UFAL/Departamento de
Serviço Social, 2005, p. 5, grifo nosso),
A formação profissional deve viabilizar uma capacidade [sic] teórico-metodológica
e ético-política, como requisito fundamental para o exercício de atividades técnicooperativas, com vistas à: a) apreensão profissional crítica dos processos sociais
numa perspectiva de totalidade; b) análise do movimento histórico da sociedade
brasileira, apreendendo as particularidades do desenvolvimento do capitalismo no
país; c) compreensão do significado social da profissão e de seu desenvolvimento
sócio-histórico, nos cenários internacional e nacional, desvelando as possibilidades
de ação contidas na realidade; e d) identificação das demandas presentes na
sociedade, visando formular respostas profissionais para o enfrentamento da questão
social, considerando as novas articulações entre o público e o privado.
Percebe-se neste fragmento, a consonância com as Diretrizes Curriculares de 1996,
garantindo que a formação profissional seja oferecida conforme as diretrizes definidas pela
categoria profissional na década de 1990 (ABESS, 1996). Neste sentido, foi apontado pela
equipe de elaboração do Projeto, especialmente, o oferecimento de uma formação profissional
que capacite os discentes teórico-metodologicamente, ético-politicamente e técnicooperativamente para a análise e apreensão crítica da realidade, numa perspectiva histórica e de
totalidade, que possibilite a identificação das demandas profissionais e a proposição de ações
de enfrentamento das manifestações da questão social, considerada matéria profissional.
Considera-se esse projeto inicial bastante ‘conciso’, visto que não explicita, tal como
recomendado nas Diretrizes Curriculares (1996), os pressupostos da formação profissional,
seus princípios, e, principalmente, a lógica curricular estabelecida a partir dos três núcleos da
formação, quais sejam, o núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; o
núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da sociedade brasileira
e o núcleo de fundamentos do trabalho profissional.
A formatação sintética do Projeto implica na propensa fragilidade na organização e
oferecimento dos componentes curriculares, o que comprometeria a apreensão dos conteúdos
necessários à formação profissional, conforme a orientação impressa das Diretrizes
Curriculares. Outrossim, a ausência dos elementos acima apontados, transmite a
responsabilidade do cumprimento das Diretrizes ao corpo docente do curso, que pode ou não
garanti-los, uma vez que o Projeto Pedagógico não imprime tal direcionamento como diretriz
oficial. Neste sentido, esta pesquisadora, considerando o conhecimento adquirido como
docente do quadro efetivo do curso, desde o primeiro semestre de 2010, salienta o empenho e
dedicação dos docentes para que as diretrizes, mesmo não explicitadas no projeto pedagógico,
orientem cotidianamente a formação profissional no curso.
261
Em relação a não explicitação dos núcleos constitutivos da formação profissional,
considera-se uma das lacunas mais graves, uma vez que através dela é objetivado / garantido,
o oferecimento das disciplinas básicas para a formação profissional, na matriz curricular.
Todavia, entende-se que, possivelmente, a não explicitação dos três núcleos tenha
ocorrido como ‘efeito’ do ordenamento curricular proposto no projeto de interiorização,
através dos troncos inicial, intermediário e profissionalizante. Ou seja, a organização
curricular em três troncos – conforme provavelmente foi encomendado para a Comissão de
Elaboração do Projeto – dificultou à equipe a visualização e explicitação dos três núcleos
componentes da formação profissional do Serviço Social.
Neste sentido, é premente asseverar que não se pode confundir a organização dos três
troncos de ensino do Projeto de Interiorização, com os componentes dos três núcleos da
formação profissional. Ou seja, ressalta-se que cada tronco não corresponde a um dos núcleos
da formação profissional e, por pressuposto, não podem ser assim considerados pela
comunidade acadêmica.
Assim, as disciplinas que compõem o tronco inicial e o intermediário podem até
oferecer conhecimentos previstos nos dois primeiros núcleos da formação, conforme as
Diretrizes Curriculares de 1996, no entanto, ‘certa garantia’ – pode-se ler como ‘autonomia
para propor disciplinas específicas da formação profissional’ – do oferecimento de conteúdos
próprios à formação profissional seria possível apenas no tronco profissionalizante.
Por isto, a desvinculação – no Projeto Pedagógico – da organização da formação em
Serviço Social com as Diretrizes Curriculares para os Cursos (1996), segundo seus três núcleos
constitutivos, pode ser considerada como um dos efeitos negativos da lógica proposta no
Projeto de Interiorização da UFAL para a organização curricular do Curso de Serviço Social.
Em consequência disso, o que se observa é que, na prática, a equipe propositora do
projeto original e, posteriormente, o Colegiado de Curso procuraram assegurar que os
componentes curriculares dos três núcleos da formação profissional em Serviço Social
aparecessem nas ementas e conteúdos programáticos das disciplinas, amenizando, de alguma
forma, essa significativa ausência do Projeto Pedagógico. Deve-se considerar, porém, que este
foi um mérito, principalmente, da equipe de docentes de Serviço Social da UFAL responsável
pelo projeto inicial e pela primeira revisão 63.
63
Devem ser referenciadas, no que tange ao primeiro Projeto Pedagógico, as Professoras Janne Alves Rocha e
Margarida Maria Silva dos Santos e, em relação à primeira revisão deste mesmo Projeto, as Professoras Joelma
Rodrigues da Silva, Martha Daniella Tenório de Oliveira e Sueli Maria do Nascimento.
262
Neste sentido, a estrutura e conteúdo curriculares constantes no Projeto Pedagógico
do Curso, estão organizados como segue.
A – Tronco inicial: agrega as seguintes disciplinas
1 – Sociedade, natureza e desenvolvimento: relações locais e globais;
2 – Produção do conhecimento: ciência e não-ciência;
3 – Lógica, informática e comunicação; e
4 – Seminário integrador I;
B – Tronco intermediário: agrega as seguintes disciplinas
1 – Introdução à Filosofia;
2 – Introdução à Psicologia;
3 – Pesquisa em Ciências Sociais;
4 – Trabalho e Sociabilidade; e
5 – Seminário Integrador II.
C – Tronco profissionalizante: agrega as seguintes disciplinas
1 – Fundamentos do Serviço Social I;
2 – Desenvolvimento Capitalista e Questão Social;
3 – Teoria Política;
4 – Fundamentos de Economia;
5 – Seminário Integrador III;
6 – Fundamentos do Serviço Social II;
7 – Política Social;
8 – Ética em Serviço Social;
9 – Serviço Social e Processo de Trabalho;
10 – Seminário Temático e Políticas Sociais I e II;
11 – Fundamentos do Serviço Social III;
12 – Classes Sociais e Movimentos Sociais;
13– Administração e Planejamento Social;
14 – Oficina de Estágio em Serviço Social I;
263
15 – Fundamentos do Serviço Social IV;
16 – Oficina de Estágio em Serviço Social II;
17 – Seminário de Estágio em Serviço Social II;
18 – Direito e Legislação Social;
19 – Fundamentos do Serviço Social V;
20 – Oficina de Estágio em Serviço Social III;
21 – Seminário de Estágio em Serviço Social III;
22 – Oficina de Pesquisa em Serviço Social;
23 – Trabalho de Conclusão de Curso;
24 – Seminário de TCC.
Ao observar em linhas gerais a estrutura curricular do curso, nota-se a presença de
disciplinas não previstas na formação em Serviço Social, tais como ‘Sociedade, natureza e
desenvolvimento: relações locais e globais’, ‘Produção do conhecimento: ciência e nãociência’, e ‘Lógica, informática e comunicação’, constantes no tronco inicial, ofertada no
primeiro período do curso e ‘Pesquisa em Ciências Sociais’, que compõe o quadro das
disciplinas do tronco intermediário, oferecida no segundo período da formação.
Dentre esse elenco de disciplinas, nota-se, na análise das ementas e conteúdos
programáticos, que a disciplina ‘Sociedade, natureza e desenvolvimento: relações locais e
globais’ aborda minimamente os conteúdos que deveriam ser tratados na disciplina básica de
‘Antropologia’, conforme as Diretrizes Curriculares (1996). Já a disciplina ‘Pesquisa em
Ciências Sociais’ colabora para a consolidação de conteúdos previstos nas Diretrizes, na
disciplina básica de ‘Pesquisa em Serviço Social’.
Além destas disciplinas, o Projeto Pedagógico inicial do Curso previa a oferta de
Seminário Integrador, organizado em quatro etapas (I, II, III e IV) e oferecido nos três
primeiros semestres e no quinto da formação profissional. Deve-se atentar para o fato de que
esse seminário não possui ementa e que seu conteúdo está expressamente aberto, a fim de ser
definido pelo colegiado de curso, que no momento da proposição do Projeto Pedagógico
original, ainda não tinha sido constituído. Na posterior operacionalização da grade curricular, o
que aconteceu nestas quatro disciplinas foi a realização da discussão articulada dos conteúdos
das disciplinas oferecidas dos respectivos semestres em que cada Seminário Integrador era
oferecido. Assim, por exemplo, ‘Seminário Integrador I’ discutia a articulação dos conteúdos
das disciplinas ‘Sociedade, natureza e desenvolvimento: relações locais e globais’, ‘Produção
do conhecimento: ciência e não-ciência’ e ‘Lógica, informática e comunicação’.
264
Observando as ementas e conteúdos das disciplinas e do seminário constantes
especificamente no tronco inicial, ofertadas todas no primeiro semestre letivo, percebe-se que
a equipe propositora do Projeto Pedagógico procurou fazer a relação dos conteúdos com a
área de humanidades, todavia, com exceção de alguns conteúdos da disciplina ‘Sociedade,
natureza e desenvolvimento: relações locais e globais’, os demais conteúdos oferecidos não
são indicados pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS).
Numa análise retilínea, poderia-se afirmar que os discentes do curso ganhariam com
os conteúdos oferecidos em um semestre de 400 horas/aula de estudos, tendo uma formação
‘para além’ daquela indicada pela ABEPSS. Todavia, deve-se considerar que tais disciplinas
foram planejadas com abordagem condizente para todos os cursos do Projeto de
Interiorização da UFAL, tais como para a área das ciências exatas, das ciências sociais
aplicadas (Administração e Economia), das ciências da saúde, das ciências da educação e das
tecnológicas, o que faz com que a generalização dos conteúdos seja bastante elevada,
desconsiderando a abordagem e perspectiva específica de cada curso.
De forma semelhante, verifica-se que há certa autonomia da equipe docente
vinculados ao Tronco Inicial, quanto à elaboração dos planos de ensino das disciplinas, o que
não garante a vinculação destes – embora deixe a possibilidade – aos projetos pedagógicos
dos cursos e, no caso do Serviço Social, em especial às Diretrizes Curriculares de 1996.
Salienta-se que, ao fazer esta crítica, não se está contestando a qualificação dos docentes
vinculados a este Tronco de Ensino, nem apontando que eles não seguem o ementário
proposto. Pelo contrário, o problema fulcral é a própria proposta pedagógica do Projeto de
Interiorização da UFAL, no que toca a organização da matriz curricular dos cursos, que
procura congregar nestas disciplinas do Tronco Inicial uma grande variedade – diversa – de
propostas pedagógicas, generalizando os conteúdos e colocando-os numa ‘tabula rasa’, a fim
de que possam ser trabalhados em quaisquer áreas do conhecimento. Assim, entende-se que o
problema está no fato de que a proposta de ensino do Projeto de Interiorização tenta ‘conciliar
aquilo que muitas vezes é inconciliável’ na produção do conhecimento acadêmico, remetendo
aos docentes do tronco inicial – mas, também do intermediário – o desafio de contemplar num
mesmo ementário de disciplina as diversidades contidas nas diferentes áreas de conhecimento
envolvidas, na realidade social de cada região e na realidade institucional dos campi de
interiorização da UFAL.
Disto decorrem três constatações: primeiro, o fato de que a oferta de tais conteúdos
pode receber interferência de perspectivas não necessariamente críticas. Segundo, que se torna
difícil assegurar a transversalidade do debate que o Serviço Social faz sobre as matérias
265
básicas indicadas nas Diretrizes Curriculares de 1996, prejudicando a mediação do
conhecimento entre elas e a apreensão dos conteúdos numa perspectiva totalizante. Terceiro,
que a proposta pode se constituir em um 'misto de intencionalidades pedagógicas’64
possivelmente inconciliáveis.
Para agravar ainda mais a situação, com o oferecimento das 400 horas/aula destas
disciplinas e do seminário integrador, adensa-se a grade curricular, retirando – praticamente –
um semestre da formação profissional destinada à abordagem de conteúdos previstos nas
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Serviço Social.
Isto é percebido objetivamente pelos discentes, que chegam ao final do primeiro
período letivo com quase nenhuma aproximação com a profissão. Como efeito, vê-se
frequentemente a desmotivação com o curso – formação profissional – escolhido, podendo
ocorrer, até mesmo, a evasão escolar para outros cursos da universidade ou, até mesmo, para
fora da UFAL.
Observando já as disciplinas oferecidas no segundo período letivo, constantes no
Tronco Intermediário, a situação é amenizada, uma vez que nela estão previstas disciplinas
que abordam, em seus conteúdos, alguns dos tópicos de estudo necessários para a formação
profissional em Serviço Social, tais como ‘Introdução à Filosofia’, ‘Introdução à Psicologia’,
‘Pesquisa em Ciências Sociais’ e ‘Trabalho e Sociabilidade’.
Por serem direcionados à formação na área de humanidades, os conteúdos oferecidos
tornam-se mais próximos da formação em Serviço Social. Todavia, mesmo assim, deve-se
considerar que a autonomia na definição dos conteúdos ainda não é total, o que faz com que
muitos conteúdos sejam oferecidos sob a perspectiva do Curso de Psicologia, que compartilha
com o Curso de Serviço Social as mesmas disciplinas e o Seminário Integrador II. Exemplo
disso é o conteúdo programático da disciplina ‘Introdução à Psicologia’, em que está prevista
a abordagem sobre os “métodos utilizados na investigação psicológica; seu objeto de estudo
e principais áreas de atuação dos psicólogos; [os] teóricos relevantes na construção e
exercício da Psicologia como Ciência” (UFAL/Departamento de Serviço Social, 2005, p. 5,
grifo nosso). Portanto, no mínimo, o que vai ocorrer é a abordagem bastante genérica dos
conteúdos, ou até mesmo específica de outras áreas de formação, sem, contudo, ocorrer uma
aproximação efetiva com o Serviço Social.
64
Expressão cunhada pela colega docente Lígia dos Santos Ferreira, da Faculdade de Letras do Campus A. C.
Simões da UFAL, em conversa pessoal sobre sua experiência na docência no Tronco Inicial dos Campi de
interiorização da UFAL, no período de 2006 a 2010.
266
De forma geral, analisando as ementas e conteúdos programáticos, tomando como
referência as matérias básicas determinadas nas Diretrizes Curriculares de 1996, observa-se
que a Sociologia, Antropologia e Formação Sócio-Histórica do Brasil não constam como
disciplinas na matriz curricular do Curso.
Analisando cada um dos tópicos de estudo, percebe-se a seguinte situação. Mesmo
que os conteúdos previstos na matéria básica de Antropologia aparecem minimamente na
disciplina ‘Sociedade, natureza e desenvolvimento: relações locais e globais’, como já
afirmado, considera-se que não são oferecidos os conteúdos antropológicos necessários à
formação profissional.
No que se refere à matéria básica de Sociologia, nota-se que seus conteúdos
aparecem parcialmente na disciplina ‘Teoria Política’, constante no eixo profissionalizante, e
oferecida no terceiro semestre da formação profissional. De forma semelhante ao que
acontece com a matéria de Antropologia, percebe-se que alguns dos conteúdos básicos de
Sociologia ficam ausentes no processo de formação profissional.
A situação mais grave, certamente, está na ausência da matéria básica sobre
Formação Sócio-Histórica do Brasil, que não consta em nenhuma das disciplinas
obrigatórias da estrutura curricular do Curso65. Considera-se esta ausência a mais
preocupante, visto que os conteúdos previstos neste tópico de estudos – segundo as Diretrizes
Curriculares – conferem aportes significativos para a leitura e análise da realidade brasileira,
em seus processos históricos e contemporâneos, necessários tanto para a compreensão da
formação sócio-histórica do país, quanto para a apreensão dos processos constitutivos do
Serviço Social como profissão.
Com a ausência desta matéria básica, compromete-se a garantia do segundo princípio
que fundamenta a formação profissional, conforme as Diretrizes Curriculares (ABESS, 1996,
p. 6), qual seja o “rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do
Serviço Social, que possibilite a compreensão dos problemas e desafios com os quais o
profissional se defronta no universo da produção e reprodução da vida social”. Além disso,
fragiliza-se a oferta de conteúdos de outras matérias básicas, como por exemplo,
65
Desde já, registra-se que, para evitar maiores danos à formação profissional, provocados pela ausência da
abordagem desta matéria, o Colegiado do Curso aprovou em 2009 o oferecimento da disciplina de “Formação
Social e Histórica do Nordeste e de Alagoas”, com carga horária de 40 horas/aula, inserida nos Componentes
Curriculares Eletivos, que poderia ser cursada pelo discente, a depender de seu interesse de estudo. Na
concepção desta pesquisadora, esta inserção no quadro das disciplinas eletivas diminui, mas não evita possíveis
danos à formação profissional, uma vez que a disciplina não será cursada por todos os discentes, uma vez que
ela tem caráter eletivo e não é oferecida sistematicamente. Além disso, sua abordagem é primordialmente
voltada para o nordeste brasileiro e para o Estado de Alagoas, deixando, de alguma forma, descoberto os
estudos sobre a formação sócio-histórica do Brasil.
267
‘Desenvolvimento Capitalista e Questão Social’. Especificamente, no que tange o objeto de
estudos desta investigação – a relação Serviço Social e questão rural –, nota-se um grave
comprometimento do reconhecimento das bases agrárias do Estado e da sociedade brasileira.
Conforme se discutiu na primeira seção deste estudo, a compreensão da realidade
brasileira em sua totalidade, numa perspectiva histórica e atual, e o reconhecimento dos
processos sociais e políticos que acontecem no espaço rural brasileiro, requerem a apreensão
crítica da formação sócio-histórica da sociedade. Por sua vez, essa apreensão requisita o
reconhecimento e reflexão dos processos ocorridos desde o período da ocupação colonial do
Brasil, com características fundamentalmente agrárias, tanto no que tange a sua economia
agroexportadora, quanto às relações sociais e aos processos políticos que conformavam o
Brasil Colônia. Demanda também o reconhecimento da sociedade na sua totalidade, sem que
se caia no perigo de uma leitura fragmentada, tanto da sociedade, quanto da realidade. Isto
porque há sempre o perigo de uma leitura dualista dos processos sociais, a qual separa o rural
e o urbano, como dois espaços distintos e desarticulados – e, porque não, isolados.
Enfim, compreende-se que a ausência dessa matéria básica pode comprometer
gravemente o trato da realidade durante a formação e, posteriormente durante o exercício
profissional, visto que fragiliza o processo de reconhecimento das determinações que esta
mesma realidade impõe para o trabalho profissional, comprometendo a identificação das
demandas profissionais.
Neste sentido, pode-se estar recolocando, através do Projeto Pedagógico, uma das
preocupações que a categoria profissional levantou e discutiu na década de 1990, e que
procurou solucionar no novo desenho da formação profissional, impresso nas Diretrizes
Curriculares de 1996: a fragilidade da análise sócio-histórica da realidade e dos processos
sociais nela inseridos.
Esse fato aponta que a preocupação no trato dos processos sociais e no
reconhecimento da realidade em sua totalidade, manifestada por Iamamoto (2007) – e também
por outros estudiosos, conforme já discutido na segunda seção –, ainda está presente na
formação profissional, pelo menos dos dois cursos de Serviço Social da UFAL, analisados
nesta pesquisa. No caso específico do Curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios, da UFAL, evidencia-se essa preocupação, quando na
estrutura curricular confere-se invisibilidade à matéria básica Formação Sócio-Histórica do
Brasil.
É evidente que esta reflexão se faz em nível de ‘alerta’, não sendo possível afirmar
totalmente – somente pela análise do Projeto Pedagógico do curso – que esta abordagem
268
esteja ausente da formação profissional. Ou ainda, que durante a formação profissional não se
consiga oferecer os aportes necessários à análise e apreensão da realidade e das demandas
profissionais colocadas para o Serviço Social. Possivelmente, as entrevistas com as assistentes
sociais formadas nesta escola de Serviço Social da UFAL permitirão aprofundar esta análise –
tarefa reservada para a quarta seção deste trabalho.
Ainda há que se atentar para o de que – seguindo um processo semelhante ao que
ocorre no Projeto Pedagógico do curso de Serviço Social oferecido no Campus A. C. Simões
– a ementa e o conteúdo programático da disciplina Serviço Social e Processo de Trabalho
diferem da matéria básica proposta nas Diretrizes Curriculares de 1996, quando a abordagem
do Serviço Social não aparece “como especialização do trabalho coletivo” (ABESS, 1996, p.
18), mas sim, por vezes, consta como “ação profissional”, ou como “prática profissional”, ou
ainda como “processo interventivo” (UFAL/Departamento de Serviço Social, 2005, p. 11).
Compreende-se que a definição subliminar de que o Serviço Social não é trabalho, e
que o exercício profissional não se dá a partir de processos de trabalho, não ocorre de forma
desavisada ou sem intencionalidade. Ora, deve-se considerar que este Projeto Pedagógico, em
sua versão original, foi elaborado por uma equipe composta por docentes e uma servidora
técnico-administrativa do Departamento de Serviço Social – com a participação de um
docente do Departamento de Psicologia. Conforme apontado anteriormente, àquele
Departamento tinha discutido durante fins da década de 1990 e na primeira metade dos 2000,
a definição da profissão como trabalho coletivo, afirmando que reconhecia possíveis
imprecisões teóricas nesta definição.
Destarte, pode-se considerar que a definição subliminar de que o Serviço Social não
é uma especialização do trabalho coletivo, constante tanto no Projeto Pedagógico do Curso de
Serviço Social do Campus Arapiraca, quanto naquele do Curso oferecido no Campus A. C.
Simões, tem origem nessa discussão feita pela comunidade acadêmica do Departamento de
Serviço Social da UFAL, na capital de Alagoas. Resta perceber se essa definição continuará a
aparecer no Projeto Pedagógico do Curso do Campus Arapiraca, mesmo depois das duas
modificações que foram feitas e que serão discutidas na sequência.
A seguir são apontadas breves ressalvas em relação a outras características bastante
importantes do Curso de Serviço Social da Unidade Educacional de Palmeira dos Índios,
conforme a análise do seu primeiro Projeto Pedagógico. A primeira é que a formação
profissional comporta 2.330 horas/aula de disciplinas curriculares obrigatórias, 320 horas/aula
de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), 160 horas/aula de disciplinas eletivas, 150 horas
269
de atividades complementares, 450 horas de estágio supervisionado curricular obrigatório,
integralizando a estrutura curricular com 3.450 horas/aula de formação profissional.
Confere-se destaque na formação profissional para a matéria básica de
Fundamentos Históricos e Teórico-metodológicos do Serviço Social, denominada no
Projeto Pedagógico de Fundamentos do Serviço Social, responsável por 440 horas/aula da
estrutura curricular, o que corresponde a 18,88% do total das disciplinas obrigatórias do
curso. Esta matéria é organizada em cinco disciplinas, as quais são oferecidas durante cinco
períodos, iniciando no 3º e concluindo no 7º período do Curso.
Também tem destaque o ensino da matéria Política Social, oferecida em três
disciplinas, quais sejam ‘Política Social’ e ‘Seminário Temático de Políticas Sociais I e II’,
durante o 4º e o 5º períodos do Curso. Salienta-se que essa matéria é a única que apresenta a
discussão objetiva de temas relativos ao espaço rural. Notoriamente, seguindo o objetivo da
matéria, a discussão prevista – em linhas amplas – refere-se às políticas sociais agrária,
agrícola e fundiária, bem como aos elementos que se articulam a ela, conforme pode ser
observado no fragmento do Projeto Pedagógico apontado a seguir, que trata do conteúdo
programático das disciplinas ‘Seminário Temático de Políticas Sociais I e II’.
[...] Política Agrária. Breve percurso: do Código Rural ao Estatuto da Terra.
Características, impactos e limitações do Estatuto da Terra. O tema da Reforma
Agrária na Assembléia Nacional constituinte [sic]. Aspectos das políticas agrícola
e fundiária. A dinâmica dos movimentos sociais rurais. A particularidade do
MST. Aspectos dos assentamentos rurais (UFAL/Departamento de Serviço Social,
2005, p. 12, grifo nosso).
Para integralização do Estágio Supervisionado em Serviço Social são requisitadas
450 horas de desenvolvimento de atividades teórico-práticas nas instituições que oferecem
campo de estágio regulamentado. A carga horária deve ser cumprida em três semestres letivos,
cada um contendo 150 horas, iniciando no 5º semestre e finalizando no 7º semestre. Desse
modo, a carga horária prevista para a realização do Estágio Supervisionado segue a orientação
das Diretrizes Curriculares, que indica o cumprimento de “15% sobre a carga horária mínima do
curso”, que, por sua vez, é estabelecida na Resolução nº 02/2007, do CNE, com 3.000 horas. O
acompanhamento do Estágio Supervisionado, que é atividade curricular obrigatória, é feito nas
disciplinas Oficina de Estágio I, II e III. Consequentemente, os docentes responsáveis por
estas disciplinas atuam também como supervisores acadêmicos de estágio.
Segundo o Projeto Pedagógico, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é realizado
no 8º período, tendo carga horária de 320 horas/aula. Sua elaboração reporta à sistematização
do conhecimento resultante de indagações, preferencialmente geradas a partir da experiência
270
de estágio vivenciada pelo aluno, mas também de projetos de pesquisa e de extensão, bem
como indagações teóricas sobre o objeto profissional, o exercício e a formação acadêmica. No
Projeto Pedagógico, apenas se fazem apontamentos gerais sobre o TCC, delegando-se ao
Colegiado de Curso a regulamentação interna de TCC.
Todo discente deve ainda cumprir obrigatoriamente, pelo menos, 160 horas/aula em
disciplinas eletivas, sendo sugerido o oferecimento das seguintes disciplinas: “Terceiro setor e
Serviço Social; Gestão, controle e financiamento das políticas públicas; Oficina de leitura e
produção de texto; Tópicos especiais do pensamento social; e Relações de gênero e Serviço
Social” (UFAL/Departamento de Serviço Social, 2005, p. 18).
A normatização das Atividades Complementares cumpre a recomendação das
Diretrizes Curriculares de 1996, visto que consta que deve “corresponder a 5% da carga
horária total do currículo pleno” (UFAL/Departamento de Serviço Social, 2005, p. 19).
Por fim, a última característica que cumpre destacar, é que o Projeto Pedagógico do
Curso, em sua versão original, indica que deve ser estabelecido um monitoramento
sistemático da implantação do Curso e de seu Projeto Pedagógico, tarefa necessária por
considerar a inovação do projeto de interiorização. Indica-se que este monitoramento deve ser
desenvolvido pela Pró-Reitoria de Graduação da UFAL (PROGRAD/UFAL), a fim de
garantir qualidade na formação profissional oferecida para os discentes (UFAL/Departamento
de Serviço Social, 2005).
Além desse monitoramento, aponta-se que “a avaliação dos discentes obedeça à
normatização da UFAL, aplicada a todos os seus cursos e que o processo de avaliação do
Projeto
Pedagógico
deve
ser
operacionalizado
pelo
Colegiado
de
Curso”
(UFAL/Departamento de Serviço Social, 2005, grifo nosso).
Em cumprimento a esta recomendação, os primeiros membros da comunidade
acadêmica do Curso de Serviço Social da Unidade Educacional de Palmeira dos Índios
procederam o monitoramento e a avaliação do Projeto em tela, percebendo, já no primeiro ano
de sua execução – no dia a dia da formação profissional –, as inovações e avanços, contidos
nessa proposta, que começou a ser oferecida em 18 de setembro de 200666. Todavia, eles
também observaram os desafios e algumas limitações da proposta, o que motivou sua
imediata revisão, que se iniciou com apenas 12 meses do começo do funcionamento do curso.
66
A aula inaugural do Curso foi realizada em 13 de setembro de 2006, na sede do Campus Arapiraca, tendo se
caracterizado como aula inaugural coletiva para todos os 16 cursos do Campus. A primeira aula do curso, na
sede da Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, à época instalada no CAIC, ocorreu no dia 18 de
setembro do mesmo ano.
271
Como resultado, nos dois anos que seguiram a sua implantação (2007; 2008), foram
realizados dois processos de análise e modificação deste Projeto Pedagógico original, que ora
foi apresentado. O efeito destes dois processos, sem dúvida, foi o início da construção de um
perfil próprio do Curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, que, dado a sua recente
história, seguramente ainda encontra-se em construção.
3.2.3 A formação profissional do Curso de Serviço Social de Palmeira dos Índios,
segundo os primeiros membros da comunidade acadêmica
Com o ingresso das primeiras docentes responsáveis pelo eixo profissionalizante, e
também dos servidores técnico-administrativos ligados ao curso, bem como de seu corpo
discente, o Curso de Serviço Social da Unidade de Palmeira dos Índios constitui o seu
Colegiado de Curso e começa a discutir sua estrutura e matriz curricular, com vistas a
imprimir características próprias ao processo de formação.
O primeiro ano de oferta das disciplinas colaborou para isto. Todavia, a experiência
profissional anterior, inclusive na docência, das três primeiras docentes do Curso permitiulhes avaliar e modificar alguns elementos da estrutura e conteúdo curricular de disciplinas que
ainda não tinham sido ofertadas, evitando possíveis ausências ou equívocos na formação
profissional.
Dessa forma, dois processos de avaliação e de modificações foram realizados, em
dois momentos distintos, sempre tendo como responsável o Colegiado de Curso de Serviço
Social da Unidade.
3.2.3.1 Primeira versão modificada: a revisão de algumas ausências e o salto qualitativo na
formação profissional
No primeiro processo de avaliação e modificação, ainda no ano de 2007, cerca de um
ano após o ingresso da primeira turma, significativas mudanças foram propostas na estrutura
do Projeto Pedagógico. À época, participavam do Colegiado de Curso as três docentes do eixo
profissionalizante67, dois servidores técnico-administrativos68 e dois discentes69.
67
As três docentes eram Sueli Maria do Nascimento e Martha Daniella Tenório de Oliveira, respectivamente
coordenadora e vice-coordenadora de curso e Joelma Rodrigues da Silva. Todas as três eram membros titulares
do colegiado, e não dispunham de suplentes, visto que o corpo docente reduzia-se a elas.
272
Segundo Oliveira & Nascimento (2008-b, p. 06),
Em setembro de 2007 o PPC [Projeto Pedagógico do Curso] foi revisado, tendo
como referência e subsídios as Diretrizes Curriculares Nacionais específicas, a Lei
[nº] 8.662/93 que regulamenta a profissão, o Código de Ética do Assistente Social
(Resolução CFESS nº 273/93), como também o Projeto Pedagógico do Curso de
Serviço Social da UFAL / Campus A. C. Simões (Maceió), em vigor desde março de
2007.
Dentre as modificações, considera-se que a mais significativa foi a descrição dos
Setores de Estudo, que passaram a organizar a matriz curricular, podendo ser identificados os
componentes curriculares correspondentes aos três núcleos da formação profissional,
constantes nas Diretrizes Curriculares de 1996.
Neste sentido, o Colegiado de Curso (UFAL/Colegiado do Curso de Graduação em
Serviço Social, 2007, p. 8-9) afirmava que
A proposta curricular do Curso de Serviço Social, com fulcro nas Diretrizes
Curriculares Nacionais, sustenta-se no tripé dos conhecimentos constituídos em três
núcleos de fundamentação da formação profissional. [...] Esses três núcleos, que são
denominados aqui de setores de estudo, são considerados eixos articuladores da
formação profissional, porque congregam uma totalidade de conteúdos necessários a
apreensão da particularidade da atividade profissional na realidade. Estes conteúdos
se desdobram em disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios, atividades
complementares e outros componentes curriculares.
Como efeito, o que se percebe é um novo desenho da grade curricular, contando
inclusive com a inserção de disciplinas não previstas no Projeto Pedagógico original, como a
disciplina de ‘Introdução à sociologia’.
Na matriz curricular são descritas, primeiramente, as disciplinas do tronco inicial,
não identificadas como setor de estudos da formação em Serviço Social, conforme proposto
nas Diretrizes Curriculares de 1996, sob a denominação de núcleos de fundamentos da
formação profissional. Essas disciplinas não sofrem nenhuma modificação, visto que não
correspondem apenas ao Curso de Serviço Social, o que dificulta quaisquer modificações. Em
seguida, passam a ser elencadas as disciplinas que compõem os setores de estudo, conforme
segue (UFAL/Colegiado do Curso de Graduação em Serviço Social, 2007, p. 9-10).
A - Componentes curriculares do Setor de Fundamentos Teórico-metodológicos
da Vida Social
1. Introdução a Filosofia (80 h/a)
68
69
Lidiane Ramos da Silva – Titular – e Everaldo Bezerra de Albuquerque – Suplente.
Felipe Leonardo Barros Farias –Titular – e Rafael Cardoso de Oliveira – Suplente.
273
2. Introdução a Antropologia (60 h/a)
3. Introdução a Sociologia (60 h/a)
4. Introdução a Psicologia (80 h/a)
5. Trabalho e Sociabilidade (80 h/a)
6. Desenvolvimento Capitalista e Questão Social (80 h/a)
7. Teoria Política (80 h/a)
8. Fundamentos de Economia (80 h/a)
9. Política Social (80 h/a)
10. Seminário Integrador 2 (40 h)
B - Componentes curriculares do Setor de Fundamentos da Particularidade da
Formação Sócio-histórica da Sociedade Brasileira
1. Seminário Temático de Políticas Sociais 1 (40 h/a)
2. Seminário Temático de Políticas Sociais 2 (80 h/a)
3. Classes Sociais e Movimentos Sociais (60 h/a)
4. Direito e Legislação Social (40 h/a)
C - Componentes curriculares do Setor de Fundamentos do Trabalho
Profissional
1.
Pesquisa em Ciências Sociais (120 h/a)
2.
Fundamentos do Serviço Social 1 (120 h/a)
3.
Fundamentos do Serviço Social 2 (80 h/a)
4.
Fundamentos do Serviço Social 3 (80 h/a)
5.
Fundamentos do Serviço Social 4 (80 h/a)
6.
Fundamentos do Serviço Social 5 (80 h/a)
7.
Ética em Serviço Social (80 h/a)
8.
Serviço Social e Processo de Trabalho (80 h/a)
9.
Administração e Planejamento Social (80 h/a)
10. Oficina de Estágio em Serviço Social 1 (60 h/a)
11. Oficina de Estágio em Serviço Social 2 (80 h/a)
12. Oficina de Estágio em Serviço Social 3 (80 h/a)
13. Seminário de Estágio em Serviço Social 1 (40 h/a)
14. Seminário de Estágio em Serviço Social 2 (40 h/a)
274
15. Oficina de Pesquisa em Serviço Social (80 h/a)
16. Estágio em Serviço Social 1 (150 h/a)
17. Estágio em Serviço Social 2 (150 h/a)
18. Estágio em Serviço Social 3 (150 h/a)
19. Seminário de TCC (40 h/a)
20. TCC (280 h/a)
D - Componentes Curriculares Eletivos
1. Gestão, controle e financiamento das políticas públicas (40 h/s)
2. Oficina de leitura e produção de texto (40 h/s)
3. Tópicos Especiais do Pensamento Social: Etnia e relações sociais; Questão agrária
e desenvolvimento social (40 h/s)
4. Tópicos Especiais de Prática Profissional: Relações de gênero, família e Serviço
Social; Terceiro setor e Serviço Social; Serviço Social na Área Jurídica; Serviço
Social em Empresa (40 h/s)
5. Tópicos Especiais em Educação: Libras – Língua Brasileira de Sinais; Braille (80
h/s)
Ao analisar o elenco dos componentes de ensino na nova versão do Projeto, observase que as principais mudanças foram: a inserção, além da disciplina de Introdução à
Sociologia, conforme já apontado, também da disciplina de Introdução à Antropologia; o
aumento da carga horária da Disciplina Seminário de Políticas Sociais II, de 40 h/a para 80
h/a; o desaparecimento das disciplinas Seminário Integrador III e IV; e a diminuição da
carga horária reservada para TCC, da ordem 320 h/a, para 280 h/a, o que é compensado pela
introdução de uma nova disciplina, denominada Seminário de TCC, que compreende
exatamente as 40 h/a que foram retiradas do TCC.
Além disso, destaca-se a modificação realizada no elenco de disciplinas sugeridas
como ‘componentes curriculares eletivos’. Além do acréscimo de disciplinas, houve a
modificação de algumas que já existiam, a fim de contemplar a abordagem de temas antes
ausentes. Por exemplo, a disciplina eletiva que antes abordava as relações de gênero,
identificada por ‘Relações de gênero e Serviço Social’, passa a ser identificada como ‘Tópicos
Especiais de Prática Profissional’, podendo ser oferecida com as seguintes especificidades
275
temáticas: Relações de gênero, família e Serviço Social; Terceiro setor e Serviço Social;
Serviço Social na Área Jurídica; Serviço Social em Empresa.
Outro significativo avanço, sem dúvida – considerando o objeto de análise deste
estudo –, foi a proposição de uma disciplina de caráter eletivo que aborda, entre outros temas,
‘a questão agrária’. Essa disciplina faz relação do tema com o ‘pensamento social’,
relacionando-a com a questão étnica, com as relações sociais e com os padrões de
desenvolvimento social, sendo denominada de ‘Tópicos Especiais do Pensamento Social:
Etnia e relações sociais; Questão agrária e desenvolvimento social’.
Há de se salientar que as ementas das disciplinas são revisadas, segundo o que indica
das Diretrizes Curriculares de 1996 para as matérias básicas da formação profissional, o que
também aponta um significativo avanço, já que faz com que o Projeto Pedagógico entre em
sintonia com as orientações da ABEPSS, especialmente com as Diretrizes Curriculares.
Todavia, deve-se também registrar que, apesar de todas essas modificações que
somam para a melhoria da formação profissional proposta, infelizmente a abordagem sobre a
Formação Sócio-Histórica do Brasil ainda não é contemplada na matriz curricular.
Com a modificação no quadro geral das disciplinas obrigatórias, há um aumento de
150 horas/aula na carga horária final do curso. Assim, têm-se a mudança de 3.450 horas/aula,
para 3.600 horas/aula – mesmo considerando a diminuição da carga horária reservada para o
TCC, conforme foi apontado acima.
Articulando este dado com a análise realizada acima, pode-se afirmar que houve um
salto qualitativo da formação profissional, possibilitando aos discentes do curso a ampliação
dos conhecimentos que lhe prepararão para o exercício profissional.
Deve-se registrar também que as cargas horárias reservadas para o cumprimento do
Estágio Supervisionado Curricular Obrigatório (450 h), para as disciplinas eletivas (160
h/a) e para a Atividade Complementar Obrigatória (150 h) não foram modificadas, em
relação o Projeto Pedagógico original.
Por último, modificou-se a concepção sobre o perfil do egresso do Curso de Serviço
Social, que passou a ser definido como:
Profissional com formação intelectual e cultural generalista crítica, referenciada
no conhecimento das ciências sociais e da teoria social de Marx, habilitado teórica,
metodológica e politicamente para atuar nas múltiplas expressões da questão social,
com capacidade de inserção criativa e propositiva no conjunto das relações sociais e
no mercado de trabalho, e competência para analisar, decifrar e responder as
demandas sócio-históricas dos usuários dos serviços sociais. Profissional
comprometido com o projeto ético-político profissional balizado pelos valores e
princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social, pelas atribuições
particulares e privativas do(a) assistente social, conforme regulamenta a Lei nº
276
8.662 de 7 de junho de 1993, assim como pelas orientações da Associação
Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS (UFAL/Colegiado
do Curso de Graduação em Serviço Social, 2007, p. 7-8, grifo nosso).
Essa modificação foi, aparentemente mínima, todavia conferiu destaque para a
formação generalista crítica, que passou a ser elencada como primeira característica do
egresso; acrescentou a competência para analisar, decifrar e responder às demandas
sócio-históricas dos usuários, o que diz respeito também à competência para tratar a
realidade social. E, finalmente, referenciou o compromisso com o projeto ético-político
profissional, ampliando a definição anterior, que fazia referência apenas aos princípios e
valores do Código de Ética Profissional.
Observa-se, portanto, que houve uma ampliação da definição do perfil profissional
proposto pela Comissão de Especialistas de Ensino em Serviço Social (BRASIL, 1999, p. 1),
proposta para constar no texto final da Resolução que, em 2001, regulamentaria ‘as novas
Diretrizes Curriculares para os Cursos de Serviço Social no Brasil’. Essa ampliação foi
realizada sem que houvesse perdas conceituais e de princípios na definição do perfil original,
logo, certamente, veio somar à definição anterior.
3.2.3.2 Segunda versão modificada: a preparação para a avaliação de reconhecimento do
curso
Dois anos depois de iniciadas as atividades acadêmicas do curso e um ano após a
primeira revisão do Projeto Pedagógico original, eis que o Colegiado de Curso novamente
discute e avalia a formação profissional em Serviço Social, expressa na versão já modificada
em 2007 do Projeto Pedagógico.
Entre a primeira e a segunda revisão do Projeto, o perfil do Colegiado de Curso já
tinha se modificado significativamente, tendo em vista, principalmente, a ampliação do
quadro docente. Com efeito, são efetivadas mudanças qualitativas na matriz curricular,
embora em menor quantidade que aquelas operadas na primeira revisão. De forma geral,
inserem-se no projeto elementos importantes para compreender a articulação entre as
disciplinas, tais como o registro das ‘sequências e requisitos’ e das bibliografias das
disciplinas.
Especialmente com a descrição da bibliografia das disciplinas, permite-se visualizar
o diálogo entre elas, evitando, de um lado, a sobreposição de conteúdos e, de outro, a ausência
de discussões sobre temas importantes para cumprimento das ementas propostas. Para fins
277
deste trabalho, a descrição da bibliografia possibilitou analisar com maior precisão como são
abordados os conteúdos programáticos, reconhecendo os referenciais teóricos utilizados para
o ensino das disciplinas.
Considerando que se tinha percebido a ausência de uma matéria básica, que muito
preocupava esta pesquisadora, conforme já apontado, fez-se uma busca pelas bibliografias de
toda matriz curricular a fim de perceber se a matéria básica sobre ‘a formação sócio-histórica
do Brasil’, definida pela ABEPSS (1996) ainda se constituía como ‘matéria básica ausente’ da
formação profissional. Infelizmente, não foi possível detectar o estudo de conteúdos que
reportam objetivamente a formação sócio-histórica do país. Aliás, deve-se dizer que mesmo
na segunda modificação do Projeto Pedagógico do Curso a disciplina citada continuava a ser a
única matéria básica, expressa nas Diretrizes Curriculares de 1996, que ainda estava ausente
na Matriz Curricular do curso.
Ainda no plano da análise sobre as disciplinas, foram percebidas três importantes
alterações. Seminário Integrador I e II, oferecidos no primeiro e segundo semestres letivos,
continuam com o objetivo de integrar os saberes acumulados nos respectivos períodos,
articulando os conteúdos das disciplinas estudadas. Todavia, ambos os seminários passam a
ser ministrados sob a perspectiva do Serviço Social.
Neste sentido, esses Seminários continuam sendo atividades compartilhadas entre os
professores que lecionam as disciplinas em cada semestre, tendo para isto o acompanhamento
de uma das docentes responsáveis pelo eixo profissionalizante do curso de Serviço Social.
Com isso, mesmo que não sejam oferecidas aos discentes disciplinas específicas da formação
em Serviço Social – especialmente no primeiro período – durante os dois primeiros períodos,
os conteúdos e discussões profissionais começam a aparecer, a partir da articulação de
conteúdos que é feita pela docente do eixo profissionalizante, responsável pela oferta de
Seminário Integrador I e II.
As disciplinas de ‘Fundamentos do Serviço Social I, II, III, IV, e V’ são
reorganizadas, mantendo-se a mesma carga horária, o seu número de cinco disciplinas e o
oferecimento em cinco semestres letivos. Todavia, são redistribuídos internamente os seus
conteúdos programáticos, o que requisitou também a modificação das ementas. Da mesma
forma como as demais disciplinas, passou-se a elencar a bibliografia utilizada para o
cumprimento da disciplina, evitando a sobreposição de conteúdos entre elas. Em linhas gerais,
essa modificação buscou garantir o espaço de tempo de um semestre letivo destinado
especificamente para o aprofundamento sobre a perspectiva crítica marxista, segundo a
abordagem feita pelo Serviço Social a partir da década de 1980.
278
Outra modificação significativa na matriz curricular foi o acréscimo da disciplina de
‘Oficina de Pesquisa em Serviço Social II’, com carga horária de 60 horas/aula, ao mesmo
tempo em que se diminuiu a carga horária de Oficina de Pesquisa em Serviço Social I – que
anteriormente era oferecida de forma única –, que passa de 80 para 40 horas/aula. Totalizando
a carga horária das duas disciplinas, passa-se a oferecer 100 horas/aula de ensino, ganhandose com isto 20h/a no estudo da matéria básica sobre Pesquisa em Serviço Social.
Compensando essa ampliação da carga horária em Pesquisa em Serviço Social,
diminui-se a carga horária da Disciplina de Oficina de Estágio em Serviço Social II, que antes
era de 80 horas/aula e passa a constar de 60 horas/aula, equilibrando-se em termos de
conteúdo e carga horária com a Oficina de Estágio em Serviço Social I e III, que já
dispunham, cada uma, de 60 horas/aula de ensino.
Cumpre dizer que após essa modificação do Projeto Pedagógico feita pelo Colegiado
de Curso em novembro de 2008, ocorreram ainda pequenas alterações pontuais, mas de
fundamental importância, no quadro das disciplinas eletivas, realizadas através da aprovação
do Colegiado de Curso. Essas alterações referiram-se à inserção de novas disciplinas nos
componentes curriculares eletivos, cujo registro oficial foi feito em Ata, todavia não tenha
sido publicado novo documento.
Dentre as disciplinas eletivas que foram introduzidas no currículo do curso, estão as
disciplinas de ‘Serviço Social: identidade e cotidiano profissional’ e ‘Formação sóciohistórica do Nordeste e de Alagoas’. No conteúdo programático da primeira, prevê-se, numa
das unidades de estudo, a abordagem sobre ‘a formação sócio-histórica do Brasil’, a fim de
encontrar nela as raízes da questão social. Já a segunda disciplina, foi proposta justamente
para amenizar as perdas provocadas pela ausência da abordagem da matéria Formação social
e histórica do Brasil nos componentes curriculares obrigatórios, o que já tinha sido detectado
pelo Colegiado de Curso. Entretanto, deve-se considerar que, apesar desta disciplina discutir a
formação sócio-histórica, o faz de forma regionalizada, especificamente no nordeste e no
Estado de Alagoas, o que, de alguma forma, não responde à projeção feita nas Diretrizes
Curriculares.
Além disso, especificamente tratando sobre a disciplina eletiva ‘Formação sóciohistórica do Nordeste e de Alagoas’, deve-se considerar duas implicações que não
possibilitam afirmar que ela vem preencher a lacuna já apontada. A primeira refere-se ao fato
de que, sendo opção do discente fazê-la ou não, não pode ser considerada como matéria
efetivamente dada para todos os discentes, porque muitos podem decidir não fazê-la. A
segunda, refere-se ao fato de que sendo eletiva, será ofertada por algum docente do quadro,
279
caso haja disponibilidade de tempo para ministrá-la. Porém, deve-se considerar que, com o
reduzido quadro de docentes do curso, muitas vezes cada docente apenas consegue ministrar
as disciplinas dos componentes obrigatórios, não restando possibilidade para ministrar
disciplinas eletivas.
Outra significativa alteração realizada após a última revisão do Currículo (2008),
bastante significativa na estrutura do curso – o que não quer dizer positiva em termos da
melhora na qualidade da formação profissional –, foi a ampliação do número de discentes que
ingressa em cada turma do curso, passando de 40 para 50 novos discentes, por ano.
Ora, esta alteração foi, deveras, preocupante! Além do aumento dos discentes em
sala de aula e, com isto, o aumento das tarefas didático-docentes, ocorreu o aumento das
demandas provenientes do Estágio Curricular Obrigatório (supervisão e abertura de novos
campos de estágio) e do Trabalho de Conclusão de Curso, que passou a requisitar mais
professores para orientação, e na ausência deles, passou a elevar o número de discentes sob
supervisão de estágio e sob orientação de TCC de cada docente do curso.
Embora se tenha registrado anteriormente que esta alteração resultou da
contrapartida exigida pela gestão da UFAL, a fim de que os recursos provenientes do REUNI
também pudessem ser utilizados pelo Curso, que não foi criado inicialmente dentro deste
Programa, e também que ela representou o agravamento da precarização do ensino e das
condições de trabalho docente, cumpre novamente reforçar a análise, salientando que tal
Programa de Reestruturação das Universidades Públicas atingiu objetivamente o curso. Ao
que tudo indica, o dano causado em termos das precarizações apontadas é irreversível, ao
menos no presente momento. Isto porque, em primeiro lugar, não há perspectiva de
ampliação, em um curto prazo de tempo, do número de campos de estágio para cumprimento
do ‘estágio curricular supervisionado obrigatório’. Em segundo lugar, porque a gestão da
UFAL afirma não dispor de vagas para contratação de docentes, nem no quadro de professor
temporário e muito menos no quadro de professor efetivo.
O reconhecimento da irreversibilidade desta situação no presente momento não
indica uma reflexão fatalista desta pesquisadora. Pelo contrário, entende-se que esta situação
poderá ser revertida, num prazo não muito longo de tempo, através da mobilização e luta da
comunidade acadêmica do curso. Tanto quanto foi possível alcançar melhorias na estrutura de
ensino da U.E. em períodos anteriores, é possível que novamente se operem conquistas.
Todavia, a realização de quaisquer mobilizações neste sentido apenas ganharão efetividade se
realizadas coletivamente e se forem desencadeadas através de processos participativos e
280
democráticos que possam envolver também a comunidade do município de Palmeira dos
Índios e região circunvizinha.
Por fim, esta é a versão do Projeto Pedagógico de Curso que orienta a formação
profissional em Serviço Social desde fins de 2008, tendo sido registrada junto ao MEC como
requisito de análise para reconhecimento do Curso de Serviço Social. Logo, mesmo contando
com as pequenas alterações em termos das disciplinas eletivas, esse é o Projeto que referencia
a formação profissional do Curso no momento presente.
Deve-se considerar que os primeiros dois anos ainda foram referenciados pela versão
original e pela primeira versão modificada. Todavia, a partir de 2009 – considerando que a
segunda modificação aconteceu quase no final do semestre letivo de 2008 – é esta a matriz
curricular que confere aportes para o exercício profissional dos bacharéis formados pelo
Curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.
As duas revisões consecutivas, em pouco mais de dois anos de efetivação do
currículo e as inserções posteriores de novas disciplinas eletivas, indicam que está sendo
realizado o monitoramento e a avaliação contínuos da formação profissional descrita no
Projeto Pedagógico do Curso, passo imprescindível para que seja possível ajustar as arestas da
formação em Serviço Social, oferecida na Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.
Neste sentido, Oliveira & Nascimento (2008-b, p. 09) afirmam que
A avaliação contínua do processo de implantação do Curso de Serviço Social,
ofertado pela UFAL no município interiorano de Palmeira dos Índios deverá, pois,
ser um esforço a se tornar sistemático, no sentido de permanentemente reiterado,
com vistas à defesa e à crescente qualificação do ensino superior público e gratuito
e, em particular, objetivando uma formação ético-profissional dos futuros assistentes
sociais originários do agreste alagoano, como nos instiga Abreu e Lopes (2007),
referenciada nas demandas das classes subalternas, no âmbito da direção social
estratégica de fortalecimento das lutas sociais e conquistas democráticas e
emancipatórias da sociedade.
Destarte, o movimento de discussão do Projeto Pedagógico do curso, que nasce de
forma intensa, indica que sua realização se dá num processo de monitoramento e de avaliação
contínuos da formação profissional. Sua importância não está apenas no fato de proporcionar
os ajustes necessários, mas no próprio movimento de reflexão permanente sobre que tipo de
formação profissional se está ofertando e a qualidade que se está reservando para ela.
Ainda segundo Oliveira & Nascimento (2008, p. 9) “esse cuidado implicará,
portanto, na resistência contra a mercantilização e expansão aleatória do acesso à educação
superior ao custo do favorecimento à acumulação e concentração de riqueza e do crescimento
das desigualdades sociais”.
281
Portanto, se o processo de implantação do curso, através do Projeto de Interiorização
da UFAL propunha um curso articulado apenas parcialmente às Diretrizes Curriculares, o
processo de acompanhamento da implantação em curto, médio e longo prazos, realizados pela
comunidade acadêmica até a consolidação do curso em meados de 2011 70, provocou o
casamento entre a formação profissional oferecida na Unidade Educacional de Palmeira dos
Índios e as Diretrizes Curriculares de 1996.
Mesmo que se tenha avançado muito nos dois momentos de modificação do Projeto
Pedagógico, especialmente em atenção às Diretrizes Nacionais para os Cursos de Serviço
Social, o caminho ainda continua longo para quem deseja consolidar – efetivamente – a luta
pela ampliação da universidade, com estrutura física e funcional que lhe assegurem a
qualidade da formação profissional.
A garantia do acesso ao curso pelas populações residentes no interior do Estado de
Alagoas e, especialmente, no município de Palmeira dos índios e região circunvizinha,
melhorou, no que tange ao acesso aos cursos de Serviço Social e aos outros 15 cursos
ofertados pelo Campus Arapiraca. Entretanto, este acesso ainda fica restrito para muitas
outras áreas profissionais, cujos cursos ainda funcionam apenas na capital.
Isto indica que há necessidade de articular as lutas internas que a comunidade
acadêmica já vem realizando, com aquelas das populações dos municípios do interior
alagoano. Neste sentido, entende-se que as lutas sociais pela educação se sobrepõem aos
muros das Universidades. Elas devem ter em suas pautas tanto a ampliação dos cursos
oferecidos, quanto a garantia das condições estruturais físicas de funcionamento para cada
curso e, inclusive, a garantia de um quadro docente em quantidade e com a qualificação
suficiente para a demanda que lhe chega, o qual volte-se, no caso do Serviço Social, ao
reconhecimento e respeito aos preceitos e princípios das Diretrizes Curriculares de 1996.
Neste sentido, ‘que se siga em frente’ realizando o processo crítico e permanente de
monitoramento e avaliação da formação profissional oferecida pelo curso e orientada em seu
Projeto Pedagógico.
À guisa de encerramento da seção: a lição de uma avaliação contínua
70
Entende-se por ‘consolidação do curso’ o processo que vai ocorrer durante a formação ofertada paras as
turmas iniciais de ingressos, até a formatura da primeira turma (primeiro semestre de 2011) e, sobretudo,
durante a preparação e a realização da visita de reconhecimento final de funcionamento do Curso, realizada por
uma das Comissões de Avaliadores do MEC durante o segundo semestre de 2011.
282
Certamente não é fácil estar numa instituição de ensino superior gerida por
religiosos, ou por grupos da burguesia. Entretanto, tampouco foi fácil assumir o controle do
projeto de formação profissional, tão necessário para que se garantisse uma formação
profissional crítica. Esse foi um processo gradual e histórico, construído com o esforço de
docentes, discentes e servidores técnico-administrativos que passaram pelos Cursos de
Serviço Social da UFAL num primeiro ciclo, desde o início dos anos 1970 e, agora,
recentemente, inaugurando uma nova história, desde 2006.
Ambos os cursos de Serviço Social enfrentaram tais dificuldades para se
consolidarem enquanto cursos de qualidade e com um ensino crítico, de modo a garantir uma
formação profissional sintonizada com as Diretrizes Nacionais para os Cursos de Serviço
Social em cada período histórico.
Este desafio foi aceito pelas comunidades acadêmicas dos dois cursos que,
organizadamente, nas últimas décadas, souberam administrar a situação de resistência às
Diretrizes Curriculares de 1996, operada pelos governos federais através do Plano Nacional
de Expansão Universitária.
Isto não quer dizer que foram esquecidos ou invisibilizados os problemas
encontrados no processo de oferta do curso da capital – que já existia à época – e de
implantação e consolidação do curso ligado ao Projeto de Interiorização da UFAL. Pelo
contrário, eles foram enfrentados com os conhecimentos produzidos criticamente pela
comunidade acadêmica, em cada período em que se desenvolveu. O reconhecimento de que
existem problemas que precisam ser superados sempre foi a chave para o enfrentamento e
para o consequente amadurecimento da formação profissional.
Os desafios postos, especialmente nas últimas duas décadas de sérias investidas
neoliberais ao ensino universitário no Brasil não são exclusividade dos cursos de Serviço
Social da UFAL. Outrossim, acometem a maioria dos cursos em todo Brasil, que igualmente
fundamentados nas Diretrizes Curriculares de 1996, no projeto ético-político profissional, no
aparato Legal da profissão e, imbuídos da vontade de não se deixar levar pelas armadilhas da
expansão do ensino universitário, mas de lutar pela formação profissional que coletivamente
se acredita, continuam enfrentando os desafios e construindo a história do Serviço Social
brasileiro.
Ora, a tarefa nunca pode se voltar para invisibilizar as dificuldades e problemas que
vão surgindo no processo de formação profissional. Neste sentido, para Koike (2011, p. 348)
é necessário reconhecer que existem problemas, sim, no processo de formação implantado e
consolidado com as Diretrizes Curriculares de 1996.
283
Há carência, sobretudo, de ênfase na pesquisa acerca dos processos da formação
acadêmico-profissional e das demandas ao Serviço Social face à realidade do país.
Igualmente é necessário desenvolver processos e mecanismos que favoreçam a
efetiva articulação entre a graduação e a pós-graduação. Sabe-se que para detectar os
problemas, lacunas, impasses e também avanços, bastaria ouvir as unidades de
formação acadêmica: docentes, estudantes, supervisores e, igualmente, as
instituições empregadoras e os usuários do trabalho profissional dos assistentes
sociais.
São desafios que hoje se colocam ainda mais fortes, diante do quadro de expansão do
ensino superior, operado principalmente pelas vias da privatização e do Ensino a Distância.
Nele, banaliza-se a formação profissional, reforçando a lógica do empreendedorismo
educacional, o que “reflete na formação e no exercício profissional, nos espaços laborais e nas
relações dentro da categoria profissional, agora mais numerosa e com segmentos
malformados. Isto é, oferece-se uma formação massiva de pouca qualidade, desencadeando
acirrada competição entre os pares” (KOIKE, 2011, p. 349).
A história da formação profissional em Serviço Social da UFAL, iniciada em 1972,
une, através dos desafios e das conquistas históricas, o passado e o presente dos dois cursos.
Muitos passos dessa história ainda estão por vir. Novos sujeitos estão para chegar. Quiçá com
eles e com aqueles que já estão – e que todos os dias continuam fazendo a história dos cursos
– ocorra o desencadeamento de um novo processo de avaliação da formação profissional, a
fim de ajustar os limites que ainda existem.
A continuidade dos processos de monitoramento e avaliação permanente da
formação profissional oferecida, se cumprir seu papel, propiciará significativos avanços para
o exercício profissional, tendo como solo a realidade do país, em sua formação sóciohistórica, e da profissão. Este é o desafio: prosseguir avançando. Mas, para isto é
imprescindível, “ter clareza quanto à relação histórica da formação e do exercício profissional
com a sociedade” (KOIKE, 2011, p. 345), para que seja possível continuar construindo os
dois cursos, que surgiram em dois momentos distintos, mas que souberam juntos construir
uma só história do Serviço Social nestas terras das Alagoas.
IV SEÇÃO
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SUA CORRELAÇÃO COM O
EXERCÍCIO PROFISSIONAL DO SERVIÇO SOCIAL EM ESPAÇOS SÓCIOOCUPACIONAIS RURAIS
Manter o processo da formação profissional
sob permanente e crítica atualização torna‐se,
cada vez mais, uma necessidade
nos diferentes campos profissionais.
KOIKE (2009, p. 202)
Esta seção será dedicada à interlocução com os Assistentes Sociais que exercem a
profissão em espaços sócio-ocupacionais rurais, trabalhando com os sujeitos, seus modos de
vida e de trabalho e buscando responder as suas demandas sociais. Seu objetivo é discutir os
nexos entre o processo de formação em nível de graduação e a aquisição dos fundamentos
teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos para a atuação em espaços sócioocupacionais rurais em Alagoas, a partir dos cursos oferecidos pela Universidade Federal de
Alagoas – UFAL.
O material que embasou sua elaboração foi a pesquisa empírica realizada com treze
assistentes sociais em exercício profissional em quatro instituições diferentes, cujo
atendimento ocorre diretamente no espaço rural, no Estado de Alagoas. Dentre as instituições,
duas implementam a Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004), uma a Política de
Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER/2004) e uma está ligada à execução do Plano
Nacional de Reforma Agrária (PNRA/2006).
As duas instituições ligadas à PNAS/2004 executam seus serviços em dois
municípios diferentes da região agreste de Alagoas, sendo os únicos equipamentos de atenção
básica de Assistência Social instalados no espaço rural do Estado. São elas:
a) o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Rural de Batingas,
localizado no distrito rural que lhe confere o nome, Batingas, no município de Arapiraca. Este
foi o primeiro CRAS-Rural instalado no Estado de Alagoas, tendo sido criado pela Secretaria
Municipal de Assistência Social (SEMAS) de Arapiraca no ano de 2007. Referencia 11 (onze)
povoados rurais, dos quais um é território quilombola reconhecido oficialmente. Nele
285
trabalham atualmente três assistentes sociais, tendo sido entrevistadas duas delas 71.
Especialmente nesta instituição, considerando a experiência profissional das duas primeiras
assistentes sociais que acompanharam a instalação e a execução do serviço por cerca de cinco
anos, foram entrevistadas também, mesmo considerando que desde o início de 2012 ambas
foram transferidas, uma para outra unidade de CRAS localizada no perímetro urbano e outra
para um setor interno de atendimento da SEMAS de Arapiraca. Das quatro profissionais
vinculadas nesta pesquisa ao CRAS Rural de Batingas, três formaram-se no Curso de Serviço
Social da UFAL, Campus A. C. Simões e uma no Curso do Campus Arapiraca, Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios. No decorrer da seção elas serão identificadas
sequencialmente como ‘assistente social 1, 2, 3 e 4’, representadas pela sigla A. S. sucedida
do número equivalente, entre parênteses.
b) o Centro de Referência de Assistência Social – CRAS Rural de Alagoinha,
localizado no município de Coité do Nóia. Este equipamento é mais recente, tendo sido
instalado no ano de 2010. Uma das características que o torna diferente, mesmo no âmbito da
execução da Política de Assistência, é que é o único serviço de Assistência Social do
município. Ele foi instalado justamente na zona rural, pela caracterização do município cuja
maior parte de sua área geográfica e também a maior parte de seu contingente populacional
encontram-se na zona rural, sendo o distrito rural de Alagoinha um dos maiores, nestes
termos, dentre os povoados rurais. Este serviço é responsável também por atender a demanda
urbana do município, já que referencia toda a extensão municipal de Coité do Nóia. Apesar
disto, a demanda predominante provém notoriamente do espaço rural. Neste serviço trabalha
apenas uma assistente social, que exerce a função de técnica de Serviço Social e,
concomitantemente, a função de gestora do CRAS Rural. Esta profissional foi formada no
Curso de Serviço Social da UFAL, Campus A. C. Simões e será identificada no decorrer desta
seção como Assistente Social 5.
A terceira instituição está diretamente ligada à política de reforma agrária, cuja
execução está prevista no Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA/20016), lançado em
2006 pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), durante o governo do presidente
Luís Inácio Lula da Silva. Atua em nível estadual e sua vinculação ao PNRA/2006 ocorre
através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária de Alagoas (INCRA/AL),
71
Uma das profissionais que atuam nesta instituição atualmente assumiu o cargo como profissional efetivo do
quadro da SEMAS-Arapiraca no mês de junho de 2012 e já no mês de agosto foi transferida para outro
equipamento urbano, tendo sido considerada ainda inicial a sua experiência profissional de apenas dois meses
neste espaço sócio-ocupacional. Da mesma forma, foi considerada inicial a experiência da terceira profissional
que assumiu o cargo a partir de setembro de 2012.
286
por meio de convênio de assistência técnica. Não obstante a sua vinculação ao INCRA/AL, a
instituição tem caráter não governamental, constituindo-se enquanto entidade associativa
voltada para a capacitação profissional de agricultores assentados pela reforma agrária de todo
o território estadual, que são ligados ao Movimento de Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST/AL), sendo denominada de Centro de Capacitação Zumbi dos Palmares. A instituição
também faz referência para os acampamentos de reforma agrária em Alagoas, o que expressa
o caráter eminentemente político da instituição, ligado operacionalmente à luta pela terra no
Estado. Estão ligadas a ela três assistentes sociais 72, tendo sido entrevistadas duas delas, que
atuam nos assentamentos e acampamentos da região agreste, da zona da mata e do litoral de
Alagoas. A terceira assistente social, que atua na região do sertão alagoano, não foi
entrevistada, uma vez que sua formação profissional em Serviço Social foi realizada na
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) de Franca (SP). Neste
sentido, informa-se que ambas as assistentes sociais entrevistadas se formaram no Curso de
Serviço Social da UFAL, Campus A. C. Simões, sendo identificadas nesta seção como
‘assistente social 6 e 7’.
A quarta instituição tem caráter governamental, ligada ao Governo Estadual de
Alagoas através da Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGRI). Esta instituição constituise na Empresa de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) de Alagoas,
que atua em todas as dez microrregiões do Estado73. Trabalham nesta instituição
aproximadamente trinta e nove assistentes sociais 74, com vínculo de trabalho através de bolsa
de trabalho para agente com nível superior, como Agente de ATER (extensionista rural) com
formação em Serviço Social. Destas, foram entrevistadas cinco, além de mais uma assistente
social que atua como gestora, na função de superintendente de pesquisa e ATER. No
desenvolvimento da seção, sequencialmente identifica-se estas seis profissionais como
72
Apesar de considerar para fins desta pesquisa a relação profissional destas três assistentes sociais, registra-se
que desde o início de 2012 até outubro de 2012 elas não possuíam vínculo empregatício com a instituição,
devido ao fato do projeto de assistência técnica ter encerrado sua vigência em dezembro de 2011. Mesmo sem
vínculo trabalhista, as três assistentes sociais continuam atuando junto aos assentamentos de reforma agrária,
motivadas pelo compromisso político-profissional, que se associa à militância na luta pela terra. No mês de
outubro de 2012, a equipe técnica da qual faziam parte estava trabalhando para a formalização de um novo
convênio junto ao INCRA/AL, cuja submissão do novo projeto ocorreu em fins do mês de setembro deste
mesmo ano. Ainda não há resultado desta chamada pública para convênio com o INCRA/AL.
73
Alto Sertão; Médio Sertão; Agreste; Baixo São Francisco; Litoral Norte; Vale do Paraíba (Mata); Litoral Sul;
Grande Maceió; Zumbi e Bacia Leiteira.
74
Informação conferida pela Superintendente de Pesquisa e ATER, em abril de 2012. Do quadro dos 39
assistentes sociais em atuação como Agentes de ATER (extensionistas rurais) com formação em Serviço
Social, foram selecionados inicialmente dez profissionais, seguindo a ordem de um profissional em cada uma
das 10 microrregionais de atendimento da EMATER-AL, para quem se fez o convite para participar da
pesquisa. Responderam ao convite oito dos dez profissionais contatados, sendo que três foram eliminados por
terem se formado em outras escolas de Serviço Social do Estado de Alagoas, ou mesmo de outros Estados da
Federação.
287
‘assistente social 8, 9, 10, 11, 12 e 13’, sendo que três destas foram formadas no Curso de
Serviço Social da UFAL, no Campus A. C. Simões e três no Curso do Campus Arapiraca,
Unidade Educacional de Palmeira dos Índios.
De forma geral, as treze assistentes sociais são mulheres, sendo que o único
assistente social do sexo masculino, encontrado como profissional vinculado a EMATER-AL,
foi convidado para compor o grupo de informantes da pesquisa, porém não respondeu ao
convite. Isto apenas confirma a tendência nacional de que a categoria profissional é composta
predominantemente por mulheres (CFESS, 2005; IAMAMOTO, 2008).
Em relação à faixa etária, quatro possuem até 25 anos, sete encontram-se na faixa
entre 26 e 35 anos, uma possui entre 36 e 45 anos e uma possui entre 56 e 65 anos.
No que se refere ao tempo de exercício profissional, todas indicam ter ingressado na
carreira no mesmo ano ou no ano seguinte à conclusão do curso. Neste sentido, uma delas se
formou em meados de 1976 (36 anos de carreira profissional), quando estava vigente o
primeiro currículo do Curso de Serviço Social, após a incorporação do antigo Curso da Escola
Padre Anchieta à UFAL. Outra concluiu o curso no início dos anos 1990, especificamente no
ano 1994 (18 anos atuando como assistente social), durante a vigência do Currículo
implantado no ano de 1984, que seguia as orientações do Currículo Mínimo de 1982, para os
Cursos de Serviço Social no Brasil. Cinco das entrevistadas formaram-se entre os anos de
2000 e 2009 (2003, duas em 2006, 2008 e 2009), durante a vigência do Projeto Pedagógico
implantado no Curso de Serviço Social da UFAL do Campus A. C. Simões no ano de 1994,
que tinha por base o Currículo Mínimo de 1982, mas já incorporava algumas das discussões
feitas pela categoria, através da ABESS, em preparação à elaboração das Diretrizes
Curriculares de 1996, e possuem entre 9 e 3 anos de exercício profissional como assistentes
sociais. E, finalmente, seis delas se formaram após 2010 (3 em 2010 e 3 em 2011 –
sequencialmente com 2 e 1 ano de experiência no exercício profissional), quando tanto no
novo Curso oferecido no Campus Arapiraca, quanto no curso oferecido no Campus A. C.
Simões, a matriz curricular oferecida orientava-se pelos Projetos Pedagógicos de 2006 e 2007,
respectivamente, ambos referenciados nas Diretrizes Curriculares de 1996.
Por último, para identificar o perfil geral das entrevistadas, registra-se que seis
profissionais possuem dois vínculos de trabalho, sempre na área do Serviço Social, um dois
quais relacionado à instituição que presta atendimento no espaço urbano. Enquanto sete delas
possuem apenas um vínculo de trabalho, sendo ele apenas relacionado ao espaço rural. Das
treze assistentes sociais, cinco são concursadas e pertencem ao quadro efetivo das instituições
cujo atendimento está ligado diretamente ao espaço rural e as outras oito possuem vínculo
288
temporário com as instituições de atendimento. Dentre as oito, para quatro, o vínculo se
objetiva como ‘bolsista com nível superior’, na área de Serviço Social.
Depois de apresentadas as interlocutoras desta seção, apresenta-se brevemente como
está organizada, a partir de dois capítulos. No primeiro discute-se o exercício profissional em
espaços sócio-ocupacionais, cujos serviços são diretamente executados no campo. Procura-se
identificar como o rural é caracterizado pelas profissionais e também os sujeitos do atendimento
profissional. Busca-se entender igualmente como é a instituição de trabalho e o tipo de
atendimento que ela presta, bem como as demandas e ações profissionais nestes espaços.
No segundo capítulo da seção, discute-se especificamente a formação profissional
que as assistentes sociais tiveram durante sua graduação em um dos dois cursos de Serviço
Social oferecidos pela UFAL, tomando como referência as disciplinas cursadas e a relação
com as demandas profissionais que surgem da realidade rural, fazendo o mesmo debate em
relação ao Estágio Supervisionado Obrigatório e ao Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC). Discute-se ainda sobre a formação generalista do Serviço Social e, para aquelas
assistentes sociais formadas segundo os projetos pedagógicos que já incorporaram as
Diretrizes Curriculares de 1996, dialogou-se também sobre os três núcleos da formação
profissional e sua articulação com a formação de caráter generalista, totalizante e crítica.
289
CAPÍTULO 1
O EXERCÍCIO PROFISSIONAL NO ESPAÇO RURAL
4.1.1 O espaço rural em Alagoas, segundo o Serviço Social
Na primeira seção desta tese, visualizou-se o espaço rural brasileiro como um lugar de
singularidades e particularidades, construídas historicamente, que contribuem para conformar a
generalidade da sociedade brasileira. Ora foi uma sociedade colonial, escravocrata e de um
capitalismo mercantil, ou de plantagem – pré-capitalista, considerando que nela operava-se a
acumulação primitiva e original do capital –, ora foi uma sociedade capitalista agrária e préindustrial em alguns lugares e industrial em outros, cuja exploração agrária e/ou agrícola da
força de trabalho já se fundara na presença do trabalhador livre, semiassalariado, ou
assalariado. Até que na formação sócio-histórica do Brasil foi chegando a industrialização e a
urbanização incentivadas, a partir da instalação gradual e definitiva da ordem competitiva e,
assim, o capitalismo se consolidava no chão brasileiro, no campo e na cidade.
Assim, as bases agrárias originais da sociedade brasileira não tinham ficado para trás,
pelo contrário, a antiga aristocracia rural dava lugar à nova burguesia agrária e industrial, que
frequentemente unidas governavam o Estado brasileiro, reiteradamente de origens agrárias. O
rural da ocupação e da plantagem colonial nunca saiu do cenário econômico e político
brasileiro. Transformou-se, tornando-se tão ou mais rentável à economia nacional como o era
no período da exploração mercantil de Portugal. Sua rentabilidade agora vinha da
diversificação da produção brasileira, que, em termos de territorialização da produção, nunca
deixou de sem monocultural. Unia-se a esta exploração, a força de trabalho do proletariado
rural, que se ampliava na mesma proporção em que a fronteira agrícola se expandia,
juntamente com a ocupação do interior do território brasileiro.
Os sujeitos sociais camponeses acompanhavam o desenvolvimento e instalação do
capitalismo agrário-industrial brasileiro e a modernização do campo e do Estado. ‘Vez em
sempre’ proletarizavam-se, podendo ou não ser empurrados para as periferias urbanas, ou
então eram expulsos das terras e impelidos para outros cantos não interessantes ao capital. Da
sua produção de subsistência – daqueles que conseguiam permanecer no campo – ofereciam
para o mercado a parte dos alimentos não necessários para saciar as suas necessidades e da
sua família. Neste processo, uns poucos remediavam-se, enquanto outros tantos se tornavam
290
ainda mais pauperizados pela exploração do capital. Parceiros, meeiros, arrendatários,
proletários rurais, pequenos camponeses familiares, todos tinham função para o capital, uma
vez que, ou através da sua força de trabalho lhe emprestavam as bases de sustentação da
exploração agrária e agrícola, ou sustentavam as bocas da classe trabalhadora urbanoindustrial, ou, pelo menos, lhe serviam como exército de trabalhadores de reserva.
Esse rural, das origens agrárias do Estado e do capitalismo brasileiro, persiste no
cenário da sociedade capitalista na atualidade. Transformadas as formas de produção,
persistem as formas originais de dominação política, ainda mais evidenciadas pela dominação
econômica, fortalecida desde a consolidação capitalista.
É nesse rural que atuam os profissionais de Serviço Social, para quem o rural é “um
espaço em constante desenvolvimento” (A. S. 11), cuja “economia é movida, principalmente,
por atividades agrícolas e pecuárias” (A. S. 8), “divididos em latifúndios, que são
caracterizados por serem grandes espaços territoriais, constituídos por grandes propriedades
agropecuárias, e em minifúndios formados pelas pequenas propriedades, onde se encontra a
agricultura familiar” (A. S. 12).
O rural é ainda um modo de vida, sendo constituído
[...] por uma população, animado por relações sociais e de produção, que se torna
rural por usos diversos, que vão além das atividades agrícolas e não agrícolas.
Engloba formas de produção, de consumo, novas tecnologias, infraestrutura e outros
serviços. O espaço rural, a partir de uma nova perspectiva, revela um novo rural,
com novas relações de trabalho, de atividades, de padrões de produção e novas
estratégias de sobrevivência (A. S. 13).
Ora, note-se que para uma das Assistentes Sociais entrevistadas, este é um rural
bastante conexo ao capitalismo atual, visto que é um espaço produtivo, onde o novo aparece,
tanto nas ‘novas formas de produzir’, quanto nas ‘novas relações de trabalho’ e,
indiretamente, de consumo. Com o acesso às novas tecnologias e padrões de consumo, esse
rural se faz ‘novo’, mesmo que animado por um modo de vida diverso do espaço urbano.
Assim, no rural caminham lado a lado o modo de vida peculiar, tradicional, que anima das
relações sociais, e a reestruturação produtiva, que afeta, inclusive, os padrões de consumo,
modernizando-o.
Para outra profissional, é “um lugar com uma grande riqueza cultural e social”, mas
que, por vezes, é esquecido pela sociedade e pelo Estado, que desconsideram suas
especificidades75 e “não lhe conferem o devido valor. Este mesmo espaço traz consigo uma
75
Explicita-se que todas as vezes que o termo ‘especificidades’ for utilizado, ele deve ser compreendido, na
perspectiva do método crítico dialético, segundo a lógica da mediação entre singularidade – universalidade –
particularidade.
291
realidade marcada por correlações de forças políticas totalitárias, as quais geram um alto nível
de desigualdade social” (A. S. 9).
Segundo a profissional, no rural manifestam-se as relações de dominação e
submissão, operadas, de modo especial, no jogo de forças políticas. Para a assistente social, é
este tipo de relação social que dá origem, ou pelo menos, sustenta a maioria das desigualdades
sociais no campo, separando aqueles proprietários de terra e de poder, daqueles com pouca ou
nenhuma terra e apenas detentores da sua força de trabalho.
Neste sentido, enquanto as riquezas sociais e culturais são invisibilizadas, aquelas
econômicas são tolhidas, através do jugo político, que também é econômico. Assim, de
alguma forma, no rural das desigualdades sociais, quem tem poder político também tem poder
econômico e, por isto, tem lugar no plano social; quem não o tem, torna-se invisível.
As duas profissionais levantam aspectos diferentes da mesma realidade rural
alagoana e, de uma forma ou de outra, do modo de vida que caracteriza o rural, diferenciandoo da cidade. Ambas apontam que este modo de vida vai além das relações produtivas,
operando nos aspectos social e cultural.
Todavia, tratando do mesmo rural, suas falas diferenciam-se, não apenas porque
destacam características variadas para tratar do modo de vida rural – uma trata do novo
tecnológico, das novas formas de trabalho e de consumo etc; outra trata da teimosa
permanência do domínio político –, mas porque para uma o rural está inserido objetivamente
na sociedade, enquanto para outra ele permanece invisibilizado. Não obstante saiba-se que
cada profissional fala de um lugar profissional – uma na gestão e outra na execução de
serviços sociais –, ambas tratam do tradicional que se funde ao novo do rural na atualidade,
conformando neste misto o modo de vida que identifica o campo e quem nele vive e produz.
Outras profissionais caracterizam o rural a partir da sua relação com o Estado,
trazendo para a discussão um aspecto que não poderia passar longe do olhar do Serviço
Social, qual seja o atendimento na área das políticas públicas. Assim, o rural se apresenta
como um espaço que “é em grande parte carente no que se refere à efetivação de direitos
básicos, de políticas públicas” (A. S. 12), ou ainda, como
Um espaço no qual se percebe uma imensa necessidade de políticas públicas que
atendam às demandas dos agricultores de forma qualitativa e não apenas pontual ou
mesmo emergencial. Pois este espaço se configura como refração da questão social,
compreendido como uma das problemáticas sociais que tem como uma de suas
causas a ausência de comprometimento governamental (A. S. 10).
Ora, as profissionais apontam a ausência de políticas públicas e do próprio Estado
para caracterizar o rural. Nota-se que esta ausência de atendimento torna-se como uma das
292
especificidades da vida no campo, especialmente para aqueles que dependem quase
totalmente das políticas públicas para assegurar sua reprodução social. Neste sentido, é
preciso dizer que estas duas considerações não são isoladas, mas retratam os apontamentos de
onze das treze profissionais entrevistadas na pesquisa, razão que indica a sua veracidade.
Uma das assistentes sociais faz uma consideração interessante sobre este aspecto do
atendimento público dos serviços e equipamentos pelo Estado. Note que, para ela, a ausência
no atendimento do Estado se daria por não ser o rural ainda urbanizado. Conforme a assistente
social 5,
[...] O rural ainda possui algumas particularidades, por não ser um espaço
urbanizado, alguns serviços não existem e outros funcionam de forma precária como
é o caso da iluminação pública, da ausência de saneamento básico e de água
encanada. Os equipamentos sociais como escolas e postos de saúde, para algumas
famílias, se apresentam também de difícil acesso pela distância que existe entre as
propriedades rurais e tais equipamentos.
Assim, a profissional parte – inicialmente – do pressuposto que a urbanização vem
acompanhada dos serviços públicos, todavia o que está posto é que o Estado ainda não se faz
presente no campo, conformando e fortalecendo a invisibilidade conferida ao rural como um
espaço do atraso, da ausência de recursos, do difícil acesso aos bens sociais e culturais. Em
sua fala, nota-se a ausência – manifesta em praticamente todo território rural brasileiro – de
serviços básicos de saúde e segurança, como o abastecimento de água, o saneamento básico e
a iluminação pública. Indica-se ainda a ausência ou o funcionamento precário dos
equipamentos básicos de saúde e educação e também de algo que seria essencial num lugar de
ausências, onde todos os serviços sociais – e também comerciais – devem ser buscados fora: o
acesso à cidade pelas estradas de rodagem. Sua problemática infraestrutura de acessibilidade
soma-se ao inexistente ou precário sistema de transporte público, apontado por outra
profissional que relata “deficiência no acesso ao transporte coletivo” (A. S. 3).
Esta realidade de ‘ausências’ de serviços e equipamentos públicos é comum nos
povoados rurais em todas as regiões do Estado de Alagoas. Alguns um pouco maiores em seu
contingente populacional e estratégicos em sua localização são atendidos com escolas de
ensino fundamental, que passam a receber as crianças dos demais povoados circunvizinhos a
ele. Alguns ainda dispõem de Unidade Básica de Saúde (UBS), com a presença da equipe
mínima de saúde, qual seja os Agentes Comunitários de Saúde (ACS), a equipe de
enfermagem – geralmente restrita a um técnico de enfermagem e um enfermeiro, e um clínico
geral – que frequentemente ‘visita a UBS apenas uma vez por semana’.
293
Neste mesmo sentido, para outra profissional o rural seria fruto de um esquecimento
histórico do Estado e da sociedade, sendo esta, inclusive, uma de suas especificidades.
Segundo ela,
Enquanto área de território apresenta especificidades próprias de uma área
distanciada do meio urbano e historicamente esquecida, que por muito, ficou a
margem do desenvolvimento de políticas públicas e serviços essenciais, ao mesmo
tempo em que atualmente exibe as problemáticas “típicas” da cidade, como
desemprego, drogadição, violência, trabalho infantil e etc. (A. S. 2).
Ora, ao mesmo tempo o campo é distante da cidade pela ausência de serviços, mas
interligado a ela, justamente porque os processos sociais que ocorrem num lugar, também
implicam no outro, o que indica que campo e cidade, rural e urbano são espaços em
permanente articulação, que pela soma das suas singularidades e particularidades, conformam
a totalidade da sociedade capitalista.
Infelizmente, observando as falas daquelas assistentes sociais que trabalham no
campo fica evidente que também no campo são manifestas as refrações da questão social
produzidas pelo capitalismo mundial. Não obstante esse cenário, para aqueles que entendem o
rural brasileiro como espaço da luta cotidiana pela vida, é preciso acreditar que o campo é
“um espaço com muitas potencialidades, especificidades e, mesmo que, por vezes, esquecido
– com poucos projetos e programas específicos para o meio rural – é forte e persistente em
seu modo de vida” (A. S. 1).
Em síntese,
O espaço rural é lugar um marcado principalmente pelo trabalho na agricultura e\ou
pecuária. Como nos demais espaços da sociedade, é um espaço também de produção
e reprodução das contradições sociais que refletem o avanço e a intensificação do
capitalismo no campo e os movimentos de resistência a esse processo. O espaço
rural é composto por diversos sujeitos e atores sociais, como trabalhadores\as rurais
em diferentes “modalidades” – trabalhadores\as assalariados, os “sem-terras”
acampados, os “sem-terras” assentados, sitiantes, ocupantes, empresários rurais,
fazendeiros, pequenos\as agricultores\as em geral, desempregados\as, conformando
um campo social de demandas diversas particulares ao meio rural – ou seja, em
relação principalmente vinculadas às atividades com a terra – e outras semelhantes
aos espaços urbanos (A. S. 6).
O campo, com suas especificidades, articula-se com a cidade, principalmente
buscando nela aquilo que precisa, mas não possui: serviços e equipamentos públicos, além
das condições financeiras de subsistência, quando a pauperização se faz presente. Sua
dinâmica lhe caracteriza, assim como os sujeitos rurais que a constituem e seus modos de
vida. Todavia, o rural não se isola da sociedade. Pelo contrário, deseja participar e, de fato,
faz-se participante dela. Este é o rural dos trabalhadores diretos e indiretos do capital. Este é o
294
campo do Estado ausente, especialmente nas políticas públicas de recorte social. É nele que o
Serviço Social se faz necessário, a fim de que se eliminem as mencionadas ausências, bem
como todas as formas de exploração do capital e de dominação política.
4.1.2 Os sujeitos do atendimento do Serviço Social no campo
Neste item do capítulo as assistentes sociais falam sobre os sujeitos que buscam
atendimento do Serviço Social no espaço rural, através das quatro instituições em que as
profissionais trabalham. Considerando que há três públicos diferenciados nestas quatro
instituições, segundo a execução de três políticas públicas diferentes – a saber: a PNAS/2004,
a PNATER/2004 e o PNRA/2006 – a apresentação dele será primeiramente organizada
conforme os três tipos de políticas públicas em execução, para posteriormente dialogar com as
treze assistentes sociais as características gerais – compartilhadas – da população.
Os primeiros sujeitos rurais apresentados são aqueles que procuram o Serviço Social
para serem inseridos e atendidos pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004).
A característica inicial que chama a atenção é que, numa análise preliminar, esta população
rural não se diferencia daquela urbana que também acessa a mesma política. É o que afirma a
assistente social 3, ao apontar que são “mulheres, crianças, idosos, adolescentes, famílias
inseridas no Bolsa Família” [sic]. Nota-se que os usuários do CRAS Rural, segundo a
profissional, são justamente aqueles previstos na PNAS/2004 para receberem a atenção básica
da Assistência Social.
A assistente social 4 confirma a identificação destes usuários, ao dizer que “são
famílias em vulnerabilidade e/ou risco social, em sua maioria, trabalhadores rurais que se
sustentam através da agricultura, em que toda a família participa de alguma fase do plantio”.
Então, começam a aparecer as especificidades do público rural: são trabalhadores rurais da
agricultura de base familiar, visto que toda a família colabora em alguma fase do processo de
produção, para que seja possível a subsistência através do próprio trabalho.
Outra profissional confirma esta identificação ao dizer que são “trabalhadores rurais
em atividade, de ambos os sexos, bem como trabalhadores rurais aposentados, também de
ambos os sexos, além de adolescentes e crianças oriundas dessas famílias” (A. S. 5).
Saindo da análise preliminar, o que se percebe é que estes trabalhadores buscam
garantir a sua reprodução social através da agricultura familiar, todavia, pela baixa
rentabilidade da atividade, acabam se configurando como público de baixa-renda, identificado
295
por este, mas também por outros motivos, como ‘famílias em vulnerabilidade e/ou risco
social’, segundo a PNAS/2004. Isto tão somente indica que a pobreza e a miséria marcam a
vida de uma significativa parcela da população rural, o que os faz associar a única renda fixa
mensal aos benefícios residuais e focalizados, geralmente vinculados à Assistência Social.
Neste sentido, continua a profissional dizendo que
[...] muitos são usuários do programa Bolsa Família e residem cerca de 2 famílias
em um mesmo espaço (propriedade)”. No meu ponto de vista casam-se mais
tardiamente, possuem todos documentos civis. Infelizmente, são vítimas da
violência e das drogas como no espaço urbano e são participantes assíduos das
atividades que participam em virtude do compromisso que assumem com grupo (A.
S. 4).
Ao completar sua resposta são confirmados outros motivos que os caracterizam
como público-alvo da Política de Assistência Social – a violência e o envolvimento com
entorpecentes. Na fala também aparecem novos elementos que caracterizam o público rural
atendido pela profissional: casam-se mais tardiamente, em comparação com os e as jovens das
periferias urbanas; possuem documentação civil completa e participam de atividades
coletivas, demonstrando responsabilidade e compromisso com o grupo.
Ora, o que está posto nesta identificação são os valores de sociabilidade cultivados entre
os usuários rurais, em que aparece o casamento oficial, segundo os padrões tradicionais – e por
isso, não na adolescência, como tem se tornado habitual nas áreas urbanas dos municípios de
Alagoas –, a regularização da documentação civil, guardada de forma cuidadosa e responsável, e
a existência da solidariedade, do compromisso e da responsabilidade grupal, que caracterizam a
coesão dos laços familiares – note que a profissional indica que residem, frequentemente, duas
famílias na mesma propriedade rural – e comunitários, já apontados por Lusa (2011).
Outra assistente social, fala também de característica que aponta a tradicionalidade
presente na vida cotidiana dos usuários rurais. Segundo ela, o Serviço Social atende “a
comunidade como um todo. Contudo, a maioria dos atendimentos são de mulheres de 18 a 60
anos, cerca de 75% do total” (A. S. 1). Isto porque nos laços familiares tradicionais é a mulher
quem vai resolver questões pertinentes ao atendimento social da família (LUSA, 2008), seja
no âmbito da educação, da saúde, ou, neste caso, da assistência social.
Por fim, uma das profissionais que operam a atenção básica da assistência social,
através do CRAS Rural, aponta uma definição do público, com base na perspectiva do direito
social e do atendimento conferido pelo Estado. Para ela,
São sujeitos que apresentam as marcas do descaso político, apresentam uma cultura
com traços bem marcados, com crenças e um folclore tradicionalista. Mas, em
contrapartida um grande número de analfabetos ou semianalfabetos, caracterizados
296
pelo desgaste do trabalho braçal. Mas, ainda assim se sobressaem como sujeitos de
direitos (A. S. 2).
Esta identificação do público usuário sintetiza o que já foi apresentado. Parte da
ausência do Estado e da consequente violação de direitos, tradicionalmente reproduzida pelo
‘descaso político’. Fala do modo de vida tradicional, que inclui o cultivo de crenças, do
folclore e das tradições do campo, que depõem a violação do direito à educação, tendo em
vista que grande parte dos sujeitos rurais atendidos tem baixo nível escolar, inclusive com o
registro do analfabetismo e semianalfabetismo. Indica que são sujeitos que vivem do seu
trabalho, predominantemente de ordem braçal e, por isto mesmo, sofrem o desgaste de uma
vida laborativa no sol e na chuva, no calor e no frio, sem que isto seja identificado
oficialmente como insalubridade no trabalho. E, por fim, confirma a visão da assistente social
4, quando indica que, apesar das adversidades, são sujeitos que buscam se informar sobre seus
direitos, participando da vida em sociedade.
Outro público que chega para o Serviço Social é aquele atendido pela Política
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER/2004) 76. Segundo uma das
entrevistadas que tem seu exercício profissional ligado a esta política,
76
Considerando que esta não é uma política de atendimento do Serviço Social habitualmente reconhecida pela
profissão, são apontadas algumas das características que a identificam, segundo dados resultantes da pesquisa
desenvolvida no âmbito do Observatório da Questão Rural, que se constitui como Grupo de Estudos, Pesquisa
e Extensão da UFAL, Unidade Educacional de Palmeira dos Índios. Para maior aprofundamento, inclusive da
interface da PNATER/2004 com o Serviço Social, recomenda-se a leitura de Lusa et al. (2012). Segundo os
pesquisadores, a Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) teve sua origem na década de 1950, nos
marcos do desenvolvimentismo operado pelas agências multilaterais e foi extinta no início dos anos 1990, pelo
governo federal. Em 2003, a partir do governo de Luís Inácio Lula da Silva, o Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA) reassumiu a responsabilidade pela ATER e, então, voltou a instituí-la como política pública de
caráter nacional, designada de Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER). Lançada
em 2004, a PNATER, considerada mais participativa e democrática, propicia a elaboração do Programa
Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PRONATER/2005). Propondo-se romper com as práticas
difusionistas, reducionistas, entrópicas e hierárquicas, baseadas em propostas desenvolvimentistas e voltadas
para um viés econômico, a nova Política de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER) pretensamente
aponta para um modelo de participação e democratização para a Assistência Técnica e Extensão Rural,
propondo novas metodologias e ações mais compatíveis com o modo de vida, de trabalho e de produção da
agricultura, especialmente àquela de caráter familiar, baseada na troca de saberes entre o conhecimento
científico e popular e o uso de práticas rurais sustentáveis, orientadas pelos princípios da Agroecologia. A nova
PNATER, firmada através da Lei nº 12.188/2010, pressupõe contribuir para uma ação institucional capaz de
implantar e consolidar estratégias de desenvolvimento rural sustentável estimulando a geração de renda,
potencializando atividades produtivas agrícolas voltadas, principalmente, à oferta de alimentos ‘ditos puros’,
por não possuírem maiores quantidades de agrotóxicos, auxiliando em estratégias de comercialização desses
produtos. Dentre as características da nova política está a possibilidade de desenvolvimento da autonomia do
agricultor nos processos de deliberação sobre a forma de produzir e o que produzir, bem como sobre os
processos de comercialização. Com efeito, nota-se o incentivo à participação social e política destes sujeitos
(famílias) na sociedade, fortalecendo-os para assumir suas demandas publicamente, manifestá-las e participar
das decisões que envolvem os encaminhamentos junto ao Estado e à própria sociedade. As ações com
intencionalidade de fortalecimento e desenvolvimento dos povoados e das populações do campo assumem
também a intencionalidade de diminuir e eliminar a miséria e o abandono do campo, aumentando a qualidade
de vida. Esta última é explicitada no objetivo da PNATER de “aumentar a renda do público beneficiário e
agregar valor a sua produção” (BRASIL, 2010), a fim de extinguir a histórica ‘não rentabilidade’ da agricultura
297
O público beneficiário da ação de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER,
atendido pelo profissional de Serviço Social, é prioritariamente, aquele estabelecido
na legislação federal concernente à agricultura familiar. Neste sentido, destacam-se
pela sua importância no Estado, as categorias abaixo relacionadas, levando em
consideração a distribuição geográfica, as condições [dos] agroecossistemas e o
estabelecimento de prioridades: Agricultores Familiares; Mulheres Rurais;
Indígenas; Quilombolas; Pescador Artesanal; e Jovem Rural (A. S. 13).
Essa política está voltada especialmente para o acompanhamento produtivo das
famílias rurais, que trabalham com um ou mais produtos da agricultura e/ou pecuária.
Juntamente ao âmbito produtivo, historicamente a ATER apontava um olhar para os processos
sociais, políticos e culturais que se desenvolviam com seu público, embora seja inegável que
o carro-chefe das ações executadas com as famílias rurais tinha como finalidade o
desenvolvimento produtivo do campo – da agricultura de médio e pequeno porte.
Neste sentido, observa-se que, mesmo com o novo desenho da PNATER/2004 as
ações continuam com foco nos públicos potencialmente produtivos: agricultores familiares e
pescadores artesanais – compreendendo as famílias de agricultores e de pescadores –;
mulheres e jovens do campo; e as comunidades tradicionais, que geralmente operam a
produção camponesa de subsistência. Note-se que, ao contrário da PNAS/2004, a
PNATER/2004 não se direciona para crianças, ou idosos, ou pessoas com algum tipo de
deficiência, as quais – todas – encontram-se fora do ciclo produtivo.
O tipo de público da PNATER/2004 é confirmado por outra profissional, quando
indica que os sujeitos do seu atendimento profissional são as “associações comunitárias e de
produtores(as) de leite, grupos de mulheres, agricultores(as) familiares cadastrados(as) no
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), beneficiários do PAA, assentados e demais
comunidades adscritas [sic]” (A. S. 8).
Ao apontar que a razão fundamental de atendimento da Política é o desenvolvimento
produtivo, por um lado, sugere-se que o Serviço Social não opere apenas neste âmbito do
atendimento e, por outro, que ao atuar com o desenvolvimento produtivo estaria
redirecionando seu foco da garantia de acesso aos direitos sociais para a produção econômica.
O que se percebe é que, a partir do público da PNATER/2004 – geralmente excluído
indiretamente da sociedade, pela exclusão direta do mercado de produção e comercialização
de seus produtos –, o Serviço Social opera no âmbito das relações sociais, da socialização dos
direitos e de sua efetivação. É o que explicita a assistente social 10, ao dizer que os sujeitos
familiar, ocasionada pelo próprio modelo capitalista. Segundo os ditames do capital – inclusive aquele de
ordem agrária – a geração exponencial de renda é permitida apenas para o grande – e no máximo, médio –
capital, deixando para a produção rural de pequeno porte o ônus da sustentabilidade da economia agrícola
necessária para garantir alimentos para toda a população brasileira.
298
“são os agricultores familiares do município, que se encontram em situação de
vulnerabilidade social, como também aqueles que já se encontram num patamar de
desenvolvimento de sua autonomia”. Ela é complementada por uma de suas colegas, que
aponta que ‘são famílias de baixa renda: [...] assentados da reforma agrária, quilombolas,
grupo de adolescentes do Pro-Jovem e dependentes químicos” (A. S. 11).
Assim, dentro do público-alvo da própria PNATER/2004, o Serviço Social
desenvolve suas atividades voltadas para a garantia de direitos sociais, especialmente para
aqueles que são contingencialmente deixados à margem da sociedade capitalista de produção
e consumo. Os profissionais operam através de trabalhos coletivos com as comunidades –
povoados – rurais, para a construção da consciência crítica e na participação social, política e
econômica dos sujeitos no espaço em que trabalham e vivem, buscando construir sua
autonomia no âmbito das relações sociais.
Por último, as profissionais que trabalham na execução do PNRA/2006 junto aos
assentamentos de reforma agrária vinculados ao MST/AL, indicam que seu público de
atendimento é bastante amplo, não se diferenciando em relação aos sujeitos que o Serviço
Social atende no espaço urbano, a não ser por que originalmente esse público é excluído do
acesso à terra e, politicamente, passa a se vincular às organizações coletivas que empreendem
as lutas pela terra, para nela viver e trabalhar.
Assim, sua singularidade é relativa à reforma agrária popular. Estes sujeitos, tanto os
assentados, quanto os trabalhadores rurais ainda acampados, participam, através da
mobilização e da organização de lutas sociais e do processo político voltado a pleitear o
direito de posse e propriedade da terra. Neste sentido, uma das assistentes sociais afirma que
os sujeitos do exercício profissional são “homens e mulheres, adultos, jovens, crianças e
idosos agricultores ou familiares de agricultores, residentes no campo, sejam pequenos
agricultores, todos assentados da reforma agrária ou acampados sem-terra” (A. S. 7, grifo
nosso).
Por assim dizer, estes sujeitos que chegam para o Serviço Social neste espaço sócioocupacional são indivíduos envolvidos na militância social e política da luta pela terra, cuja
construção da consciência crítica está em processo, ou começa a ser desencadeada.
Excetuando esse quesito que particulariza este público do Serviço Social, os demais
aspectos coincidem entre os demais sujeitos rurais que chegam para o atendimento dos
assistentes sociais. De forma geral, estes indivíduos do campo se diferenciam daqueles
urbanos pelo seu modo de vida e de trabalho, dificultados pela já discutida ‘ausência’ de
299
serviços e equipamentos públicos, bem como pela difícil acessibilidade aos lugares onde
poderiam encontrá-los. Conforme uma das profissionais entrevistadas,
Considero que, no sentido amplo, os sujeitos do Serviço Social no espaço rural são
os mesmos dos espaços urbanos – homens, mulheres, crianças, jovens, adultos,
idosos. Contudo, estes sujeitos expressam as particularidades locais de viverem no
meio rural – o que em geral supõe as dificuldades como distância, escassez e
precariedade na implementação de equipamentos, serviços e programas sociais para
estes sujeitos do meio rural e no meio rural (como reflexo da prioridade que se dá
aos espaços urbanos em detrimento dos espaços rurais, considerados equivocamente
por muitos como lugar do atraso) (A. S. 6).
E, finalmente, o último aspecto que identifica a totalidade dos sujeitos atendidos pelo
Serviço Social no espaço rural é que são vítimas objetivas das determinações estruturais da
sociedade que assolam o campo, o que os marginalizam em relação ao acesso aos bens e
serviços. Tais determinações são, em sua maioria, expressões da questão social produzida pela
ordem capitalista operante no campo e na cidade, as quais se constituem como objeto da
intervenção profissional. Assim, para uma das assistentes sociais entrevistadas,
As pesquisas apontam que no campo apresenta os piores índices em pobreza [sic],
analfabetismo, habitações inadequadas, falta de saneamento, acesso limitado às
tecnologias de comunicação e informática, energia elétrica, água potável e etc. Ou
seja, no campo das políticas sociais, os sujeitos do espaço rural tem os mesmos
direitos, mas a maior parcela da população rural – predominantemente os\as
trabalhadores\as – tendem a apresentar situações de maior vulnerabilidade social
como reflexo das condições sociais e econômicas do meio rural (A. S. 6).
Portanto, os sujeitos rurais que procuram pelo Serviço Social no espaço rural,
embora também sejam portadores de direitos, chegam para o profissional especialmente com
os direitos sociais violados. Neste sentido, é necessário um atendimento voltado para a
socialização da informação, para o cerceamento da violação e para os encaminhamentos
necessários a garantia dos direitos. Também por este motivo é imprescindível desenvolver
com os indivíduos do campo processos mobilizatórios e de organização coletiva, a fim de
eliminar as situações de desigualdades e assegurar condições de vida e de trabalho no campo,
com respeito ao modo de vida e à cultura camponesa.
4.1.3 As instituições e o atendimento prestado por elas, segundo uma análise crítica das
assistentes sociais
Depois de ter discutido com as profissionais entrevistadas sobre como definem o
espaço rural e os sujeitos do atendimento, propôs-se conversar com elas sobre a instituição
300
com a qual mantêm vínculo de trabalho. O objetivo era compreender como essas profissionais
caracterizam a instituição em que trabalham e o atendimento prestado aos usuários de seus
serviços.
A primeira questão que suscitou esta necessidade foi o fato de perceber, desde o
início do diálogo com as profissionais entrevistadas, que o desenho das políticas sociais e das
instituições estava interferindo na forma pela qual as assistentes sociais identificavam o
espaço rural, os sujeitos rurais e sobre como falavam do seu exercício no espaço rural. Assim,
notava-se que situavam o exercício profissional e o contexto total em que ele ocorria a partir
das diretrizes da política ou da instituição a que se vinculam profissionalmente. Logo, ao falar
dos sujeitos do atendimento do Serviço Social no espaço rural, o faziam segundo o público
que procurava pelos serviços institucionais. É evidente que em algum momento, algumas
alcançavam fazer a distinção pretendida por esta pesquisadora, entre o exercício profissional e
a dinâmica institucional, todavia a maioria reconhecia como uma questão única, como se o
Serviço Social fosse a própria política ou a própria instituição e, portanto, como se tivessem a
mesma natureza.
Destarte, era necessário lidar com a articulação que faziam – possivelmente baseada
na fusão inexistente – entre: Estado, direitos sociais, políticas públicas e Serviço Social.
Todavia, caso esta confusa articulação de fato estivesse acontecendo, não seria uma novidade
resultante do exercício profissional apenas no espaço rural, ou da formação profissional
oferecida pelos cursos de Serviço Social da UFAL.
Ora, esta confusa articulação é uma imprecisão recorrente que muitos profissionais
comentem. Neste sentido, o mesmo alerta – de que a dinâmica institucional e política do
Estado poderia estar se sobrepondo às demais determinações no reconhecimento das
demandas profissionais – tinha sido feito, de alguma forma, na década de 1990, quando
Iamamoto (2007) indicava que a profissão estaria incorrendo no equívoco de pensar as
demandas, o processo de trabalho e a ação profissional mais pela via do Estado e das políticas
sociais instituídas, do que pela dinâmica da sociedade, pelo jogo das relações sociais, pelas
disputas e lutas das classes sociais e pelas determinações econômicas.
Quase quinze anos depois do alerta da autora e transcorridos quase vinte e cinco anos
da promulgação da Constituição Federal que originou – embora não determinou – o desenho
das políticas públicas em curso, é imprescindível considerar o cenário atual, para
compreender as possíveis causas da sobreposição institucional e política do Estado sobre o
exercício profissional e a dinâmica da sociedade.
301
Neste sentido, num apanhado sintético sobre o plano econômico na atualidade, é
imprescindível considerar que o capitalismo aprofundou sua crise estrutural e para buscar
saídas liberalizou ainda mais o mercado, inclusive no âmbito financeiro, mundializando com a
economia, também os seus prejuízos; flexibilizou as relações e direitos trabalhistas,
precarizou ainda mais as condições de trabalho e agravou o desemprego sob justificativa dos
avanços tecnológicos e informacionais; e, na mesma lógica da ampliação da produção das
riquezas, reeditou as antigas relações de parcerias entre desiguais, operando no campo com a
integração agrícola, associada à crescente proletarização camponesa, e na cidade operou a
fragmentação do processo produtivo, cujas parcelas menos rentáveis passaram a ser
terceirizadas para os ‘novos micro-empresários’ – cooptados ideologicamente quando
passaram a pensar que tinham se transformado em classe burguesa capitalista.
No plano político o Estado neoliberal agiu de forma implacável, alterando o desenho
institucional das políticas públicas, flexibilizando a garantia dos direitos constitucionais e
focalizando o atendimento nas expressões mais vis da questão social, ao assumir
objetivamente o atendimento residual das políticas sociais. Este Estado burguês e neoliberal
cooptou as forças sociais e políticas construídas nas décadas de 1970 e 1980, as quais
significavam o contraponto necessário no jogo dialético das forças sociais. Pouco a pouco,
desde os anos 1990 e marcadamente nos 2000, o Estado brasileiro mudou seu perfil aparente
de burguês, tornando-se um governo dos trabalhadores, mas continuou reiterando em suas
ações a ordem capitalista e a lógica burguesa, sob perspectiva neoliberal.
No plano social e cultural a sociedade civil foi aterrorizada pelas transformações e
recorrentes crises estruturais do capitalismo, que trouxeram consigo a cultura do
individualismo, da competitividade e do consumismo desenfreado, como motores para as
relações sociais. O voluntariado ressurgiu juntamente com a ampliação do terceiro setor. As
organizações da sociedade civil e os movimentos sociais não deixaram de existir – como
alguns previam –, entretanto, rediscutiram e redefiniram as suas pautas e as suas estratégias de
lutas. As mobilizações, manifestações e mesmo os confrontos políticos, em parte, foram
redirecionados para o plano ideocultural, agregando e explicitando demandas antes
invisibilizadas pelo tradicionalismo da sociedade. Mas, também continuaram denunciando os
eixos fundantes do capitalismo: a concentração de terras e a renda fundiária, a exploração da
força de trabalho e a concentração privada das riquezas produzidas coletivamente.
É neste cenário que o Serviço Social é demandado para trabalhar nas instituições que
executam as políticas públicas – especialmente sociais –, enquanto força de trabalho
especializada para tratar das expressões da questão social, que aviltam os indivíduos sociais
302
nas suas relações sociais, impedindo-os, até mesmo, de se configurarem como contingente de
trabalhadores de reserva para o capitalismo.
Nele, as políticas públicas impulsionadas pela universalização dos direitos sociais em
fins da década de 1980, são novamente refreadas pela residualidade e focalização do
atendimento. Posicionando-se criticamente, com base em seu projeto coletivo, os assistentes
sociais persistem na defesa intransigente dos direitos sociais e na promoção de processos de
construção de autonomia e emancipação política dos indivíduos sociais.
Assim, decorrida aproximadamente uma década e meia depois do momento em que
Iamamoto (2007) fez o alerta acerca da sobreposição institucional do exercício profissional, o
cenário torna-se ainda mais estarrecedor em relação à afronta aos direitos sociais e às
instituições que executam as políticas que lhes viabilizam. Por isto, os profissionais de
Serviço Social, fundamentados no arcabouço teórico-metodológico, técnico-operativo e éticopolítico construído durante a formação profissional, talvez estejam operando com uma
“relativa autonomia” (IAMAMOTO, 2007, 2008, 2009) ainda mais relativa, na defesa dos
direitos dos usuários e na contralógica do capital.
As instituições em que estão inseridas as treze assistentes sociais entrevistadas nesta
pesquisa inserem-se nesse cenário. É nele que as políticas públicas residuais são operadas,
inclusive pelo Serviço Social. E como, apesar de se constituir como profissão liberal, segundo
a Lei que regulamenta a profissão (Lei nº 8.662/93), o exercício profissional ocorre –
historicamente – nos espaços de gestão, planejamento, implementação, execução e avaliação
de políticas públicas, o Serviço Social pode acabar incorrendo no equívoco de considerar o
desenho e a dinâmica institucionais como se fossem da própria profissão.
É notório que o cenário atual apresentado toca o Serviço Social, porém não lhe toca
porque o Serviço Social é a política, ou porque a profissão incorporou a instituição em que
atua. Toca-lhe porque os seus profissionais trabalham segundo as múltiplas determinações
deste cenário, inseridos nas instituições que operacionalizam políticas públicas, que, por sua
vez, deveriam garantir direitos a partir da execução de seus serviços, mas, frequentemente,
não o fazem.
Porquanto se percebeu a possível ‘junção demasiada’ entre o exercício profissional e
as instituições de atendimento, entendeu-se que era necessário ajustar o diálogo com as
entrevistadas, buscando compreender as instituições e políticas em que o exercício
profissional estava vinculado, dando atenção aos seus objetivos e funcionamento – segundo as
próprias trabalhadoras –, para entender, posteriormente, as demandas e ações profissionais
303
que configuram os diferentes processos de trabalho em cada um dos espaços sócioocupacionais correlatos ao rural alagoano.
Ao rever o diálogo travado – e numa análise preliminar – nota-se que as instituições
são apresentadas predominantemente em suas potencialidades, como lugares em que é
possível consolidar o projeto profissional, objetivamente articulado à garantia dos direitos
sociais. São reconhecidas as limitações e possibilidades institucionais, mas no computo geral
prevalecem as possibilidades, especialmente em relação ao atendimento das demandas do
público-alvo das ações do Serviço Social. Esse retrato preliminar fundamentado nas
possibilidades, com o amadurecimento do diálogo se reverte, sendo apontadas as condições
precárias de estruturação e de execução dos serviços no espaço rural.
Assim, no âmbito da Política de Assistência Social, as duas instituições em que
ocorre o exercício profissional consolidam-se na área da atenção básica oferecida no espaço
rural de dois municípios de diferentes portes. Um deles, Arapiraca, localizado no centro de
Alagoas, na região agreste, configura-se como o segundo maior município do Estado, em
termos da sua extensão territorial e do seu contingente populacional. É polo de
desenvolvimento regional e estadual, atuando nas áreas da indústria, comércio, serviços
públicos, universidades e obtendo destaque econômico pela sua produção agrícola e pecuária.
O outro, Coité do Nóia, é de pequeno porte, também localizado na região agreste de Alagoas,
com um contingente populacional de 10.926 pessoas (IBGE, 2011) e uma economia
totalmente voltada para a agricultura e pecuária leiteira.
Em Arapiraca o CRAS Rural de Batingas foi instalado em 2007, dentre um rol inicial
de duas unidades de atenção básica de assistência social – em 2012 já existem sete unidades
instaladas. Este serviço básico de assistência social volta-se para atender à demanda proveniente
do território rural mais populoso e com indicadores sociais mais graves, que fica na região do
entorno do povoado de Batingas. Já em Coité do Nóia, o CRAS Rural foi o primeiro e único
equipamento de assistência social instalado no município, no ano de 2010, tendo sido localizado
no espaço rural em reconhecimento ao perfil do município, conforme já enunciado.
Ambas as instituições operam segundo as diretrizes da PNAS/2004, que produziu
significativos avanços no âmbito do reconhecimento da assistência social como direito social,
de caráter universal. É o que aponta uma das profissionais, ao dizer que
A Instituição possui uma organização das ações de acordo com as mudanças
ocorridas na Política Nacional de Assistência Social, que passa a ser oferecida como
direito social, ampliando o acesso da população, juntamente com a ampliação dos
programas e projetos direcionados para os diferentes públicos [...] (A. S. 3).
304
Todavia, a mesma profissional complementa sua resposta, apontando que ainda é
necessário estruturar melhor o atendimento do serviço, investindo em toda rede da Política,
inclusive nos demais níveis de atendimento. Segundo ela,
[...] acredito na necessidade de maior investimento nas ações de média
complexidade para dar suporte às demandas originadas nos atendimentos realizados
no CRAS Rural. É uma instituição pública com as deficiências que infelizmente o
setor público oferece, necessitando de maiores investimentos na oferta de ações
sócio-assistenciais à comunidade, principalmente em projetos e programas de
qualificação/geração de emprego e renda (A. S. 3).
A questão que está posta na fala da assistente social é que o CRAS Rural funciona
como porta de entrada para o atendimento da política, todavia alguns deles não podem ser
resolvidos neste serviço e precisam ser referenciados na rede no nível da atenção especial de
média ou de alta complexidade. Logo, a estruturação do serviço – instituição CRAS Rural –
guarda relação direta com a estruturação de toda a rede de atendimento social no município e
estado de referência.
A necessidade de continuidade nos investimentos é também confirmada por outra
profissional da mesma instituição.
Atualmente o CRAS de Batingas dispõe de uma equipe técnica formada por
assistentes sociais, psicólogas, auxiliar administrativo, serviços gerais, motorista e
orientadores sociais. Porém, o espaço físico, por não ser um espaço próprio, não
proporciona condições para que as atividades sejam desenvolvidas com um público
maior que 10 pessoas adultas. Contudo, detém equipamentos e materiais para o
desenvolvimento das ações e atividades (A. S. 4).
Associando a fala das duas assistentes sociais, nota-se que os principais limites do
serviço têm sido a estruturação do restante da rede e a estrutura física do próprio CRAS Rural.
Há de se dizer que este equipamento funciona em espaço alugado pela Secretaria Municipal de
Assistência Social, onde antes era uma residência familiar. Pelas características próprias da
região rural, as instalações já construídas e passíveis de alienação se constituem apenas de
antigas residências. Neste sentido, este limite do serviço somente será superado quando for
planejada a construção de uma sede própria, segundo as demandas de atendimento do serviço77.
Contrapartida, a partir ainda da fala da mesma profissional, notou-se que não foram
apontados limites em relação à composição da equipe mínima de atendimento. Fato que
77
Segundo informações da SEMAS/Arapiraca, foi inaugurado em 2012 um novo CRAS (urbano) no município,
cujas instalações foram planejadas segundo as demandas institucionais deste tipo de equipamento. A
SEMAS/Arapiraca está trabalhando com a ideia de que o projeto arquitetônico deste CRAS funcione como
‘projeto-piloto’ para a posterior construção das sedes próprias dos outros seis CRAS instalados no município,
um dos quais o CRAS Rural de Batingas.
305
geralmente é recorrente em outros municípios, como posteriormente será apontado pela
profissional do CRAS Rural de Alagoinha.
Logo que foram consultadas sobre como caracterizam o atendimento do CRAS Rural
de Batingas, as profissionais que trabalham no serviço, de forma geral, consideraram que é
um bom atendimento, humanizado e de qualidade, todavia consideraram algumas
insuficiências estruturais que dificultam o atendimento das demandas ou a efetivação dos
objetivos institucionais. A próxima sequência de falas retrata a consideração das profissionais.
“Considero um bom atendimento, mas que por vezes fica prejudicado pela falta de recursos
ou materiais essenciais para o serviço” (A. S. 1), ou “o atendimento se aproxima de um
atendimento [sic] humanizado, porém, ainda insuficiente de acordo com a quantidade de
família que necessitam de acompanhamento sistemático [sic], por conta de sua situação de
vulnerabilidade social” (A. S. 2). “Caracterizo como sendo de qualidade e humanizado,
podendo perceber a totalidade do sujeito” (A. S. 4), todavia “insuficiente de recursos para
prover o atendimento de algumas demandas [...] (A. S. 3).
Destarte, o que se quer salientar é que as profissionais do CRAS Rural de Batingas
trabalham em um equipamento em que há possibilidades de atender – mas também limites, o
que impõem desafios profissionais –, na perspectiva da garantia dos direitos de assistência
social, os segmentos que se configuram como público-alvo segundo as diretrizes desta
política, visto que todas as ações, os programas e os projetos previstos na configuração
nacional da política são replicados neste equipamento. Considera-se também importante que a
constituição da equipe básica de atendimento esteja completa, o que muito colabora para a
execução das ações deste serviço. Ainda é necessário ressaltar a busca da qualidade e a
humanização no atendimento operado pela equipe multiprofissional.
Todavia, é necessário sinalizar as três limitações mais evidentes nas falas das
assistentes sociais: a incompletude da rede de atendimento, dificultando a referência e
contrarreferência; a limitação da estrutura física do equipamento onde está instalado o
serviço; e a capacidade de atendimento que ainda parece estar aquém das demandas do
território que o CRAS Rural de Batingas atende.
Voltando agora a atenção para o CRAS Rural de Alagoinha, nota-se que a
profissional, ao analisar o significado da recente instalação deste equipamento, afirma que
O surgimento do CRAS Rural foi um grande avanço no âmbito da política de
assistência social, por sua atuação descentralizada, bem como por estar localizado
em áreas de vulnerabilidade social e trabalhar direcionado ao fortalecimento de
vínculos familiares e comunitários, na perspectiva da garantia de direitos (A. S. 5).
306
Ora, evidencia-se que a instituição se caracteriza como um instrumento de
viabilização dos direitos sociais dos cidadãos, tarefa que cumpre seguindo as diretrizes da
PNAS/2004 que apontam a matricialidade familiar como um dos eixos ordenadores das ações
de atenção desta política. No relato da assistente social, os vínculos familiares (seu
fortalecimento) são associados aos comunitários, o que ganha razão particular no que tange a
sociabilidade camponesa, cujas relações sociais ampliam-se entre as famílias do mesmo
povoado, que operam trocas de favores, ajudas, produtos, caracterizando um dos aspectos do
modo de vida rural. Logo, parece merecer destaque a articulação entre as diretrizes da
Política, um dos traços culturais e de sociabilidade rural e a perspectiva do projeto
profissional do Serviço Social.
A assistente social continua sua análise, apontando a importância da instalação de um
equipamento de política social no espaço rural.
O CRAS Alagoinha por estar localizado numa área rural onde as pessoas,
normalmente, tem um nível de instrução menor e o acesso a serviços fundamentais
algumas vezes ocorre de forma precarizada, ele se caracteriza como grande
articulador nesse processo de acesso a direitos e serviços, bem como no
desenvolvimento de potencialidades dos indivíduos e da comunidade como um todo
(A. S. 5).
Ora, é justamente a precariedade das condições de vida no campo, para a classe que
neste espaço vive do seu trabalho e de sua família, que pode levar à violação objetiva dos
direitos destes cidadãos, e, portanto, justifica a necessidade e importância da instalação de
equipamentos de políticas públicas, que possam desenvolver a autonomia dos indivíduos
sociais e da ‘pequena sociedade’ que ele faz parte, envolvendo-o na participação mais efetiva
na ‘sociedade mais ampla’, seja o município, a região, o estado, o país.
Por outro lado, a mesma profissional, quando solicitada para caracterizar o
atendimento, passou a elencar mais objetivamente os limites estruturais do serviço. O
primeiro diz respeito à composição da equipe básica de atendimento. Conforme fica explícito
na sua fala,
No tocante ao atendimento que prestamos existem algumas inadequações não só do
ponto de vista estrutural, como em relação a recursos humanos, que deveriam ser
observadas pelo Gestor Municipal e que a devida adequação já foi solicitada pelos
técnicos, tanto com objetivo de aperfeiçoar o trabalho da equipe quanto garantir um
serviço de melhor qualidade à comunidade. No CRAS Alagoinha não existe a
equipe mínima exigida para os CRAS de pequeno porte. Atualmente contamos com
02 técnicos, 01 assistente social, que se faz às vezes de técnico e de coordenadora, e
01 psicóloga, a pessoa que ocupa a vaga de assistente administrativo não está
capacitada para tal, o que por sua vez sobrecarrega os técnicos com trabalhos de
natureza burocrática, como digitar um simples ofício, por exemplo. Existe a
necessidade também de uma equipe volante, uma vez que na área urbana não existe
CRAS e acabamos tendo que dar um suporte quando surge a necessidade (A. S. 5).
307
A primeira consideração a fazer remete às diferenças estruturais na implementação
do serviço, entre o CRAS Rural de Batingas e este de Alagoinha. Se no primeiro a equipe
básica está completa – contando, inclusive, com três assistentes sociais com carga horária de
20 horas cada – e possui transporte para se deslocar a fim de fazer o atendimento volante nas
comunidades em que faz referência, no segundo equipamento, o CRAS Rural de Alagoinha,
além de a equipe estar incompleta e desqualificada, não conta com infraestrutura para atender
às demandas de todo município, que institucionalmente deveria referenciar.
Este dado deve ser considerado com bastante cuidado, visto que ele indica as
precárias condições técnicas a que está submetida a profissional de Serviço Social, juntamente
com a incompleta equipe básica. As apelações profissionais junto à gestão municipal da
política, relatadas pela assistente social, indicam que tais limitações estruturais do serviço não
foram aceitas, mas pelo contrário, são alvos de permanente denúncia e de requisições
institucionais. O que se deve ater disto tudo é que, embora a PNAS/2004 e a Norma de
Operacionalização Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS) apontem as
diretrizes para implantação e operacionalização dos serviços e equipamentos desta política,
cumpre às gestões municipais a responsabilidade de definir o desenho do serviço que
garantirá a efetividade do atendimento ao direito à assistência social. Isto não quer dizer que a
garantia desse direito social passa a depender da vontade política, mas que é na direção da
gestão municipal que devem ser encaminhadas as ações coletivas de cobrança desta
responsabilidade, realizando o controle social do Estado por parte da sociedade civil. Para
isto, é importante o desenvolvimento de atividades de socialização dos direitos dos usuários,
segundo a Política de Assistência Social, promovendo a participação democrática e consciente
dos usuários, que possibilita operar, com eles, o controle social da municipalidade.
A assistente social continua no relato das limitações institucionais, afirmando que
A estrutura do Prédio do CRAS também compromete o desenvolvimento de um
atendimento de qualidade, a sala de atendimento individual por ser construída com
divisórias de madeira não possui isolamento acústico, o que inviabiliza o sigilo
profissional adequado, e o espaço físico como todo é pequeno para o
desenvolvimento de atividades coletivas. Apesar do comprometimento da equipe
técnica em desenvolver um atendimento de qualidade, diante das situações expostas
acima nem sempre conseguimos garantir um atendimento de qualidade (A. S. 5).
É importante o reconhecimento e a denúncia da profissional de que as condições
estruturais estão afetando a qualidade dos serviços prestados. Esse, seguramente é um dos
passos para viabilizar as ações apontadas acima, de organização coletiva dos usuários para
que fortaleçam os pleitos que a equipe profissional tem operado junto à gestão municipal.
Considerando a gravidade da possível violação de um compromisso ético-profissional – qual
308
seja o sigilo profissional – devido à precarização da estrutura física do serviço, outra
possibilidade de encaminhamento da situação é buscar junto à seccional do CRESS de
Alagoas a articulação de ações no âmbito da fiscalização do exercício profissional, que
possam coincidir para obrigar legalmente a gestão a cumprir sua responsabilidade na garantia
da operacionalidade, com qualidade, do serviço de assistência social.
Por último, aponta-se que a limitação estrutural do equipamento, em termos de um
espaço físico inadequado para o atendimento proposto, não é característica exclusiva do
CRAS Rural de Alagoinha. A mesma situação foi apontada pelas profissionais do CRAS
Rural de Batingas e, possivelmente, será apontada, em breve pelas profissionais que executam
outras políticas no espaço rural. Deve-se anotar este traço dos equipamentos de
operacionalização das políticas no campo, observando a reincidência ou não, a fim de
compreender a relação entre a precarização dos serviços e a sua instalação no espaço rural.
Por hora, faz-se apenas o registro desta ressalva, para poder partir para a apresentação da
seguinte instituição em que se inserem as assistentes sociais entrevistadas nesta pesquisa.
No âmbito da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural
(PNATER/2004) operada em Alagoas, de forma geral, as assistentes sociais apontaram que a
instituição volta-se fundamentalmente para a inclusão produtiva das famílias rurais.
Conforme uma das entrevistadas, a EMATER/AL caracteriza-se enquanto
Espaço Institucional do Governo de Alagoas que faz interlocução e execução de
políticas públicas voltadas para a inclusão social e produtiva de famílias rurais. Na
EMATER, além da capilaridade e efetividade dos serviços de Pesquisa, Assistência
Técnica e Extensão Rural, as ações são orientadas por procedimentos metodológicos
capazes de promover a geração de trabalho e renda com sustentabilidade através da
dinamização da produção de alimentos, no âmbito da agricultura familiar (A. S. 13).
Outra profissional caracteriza a instituição como um serviço de execução de uma
política fundamentada nos paradigmas da produtividade rural, onde também é possível operar
seguindo a perspectiva da garantia dos direitos sociais, através da socialização das
informações. Para ela, “[...] é uma instituição que possui objetivos relevantes para seu público,
em relação ao fortalecimento produtivo da agricultura familiar, mas que consegue operar na
socialização das informações sobre os direitos sociais e as políticas públicas” (A. S. 8).
A maioria das assistentes sociais entrevistadas, que trabalham na execução e gestão
da PNATER/2004, apontou o desenvolvimento do trabalho em equipes multiprofissional
como uma característica importante da política e da instituição, visto que viabiliza – no que se
refere à produção da agricultura familiar – uma visão mais ampla das ações que podem ser
desenvolvidas no campo, seguindo a perspectiva interdisciplinar. Esta característica foi
309
identificada como uma das possibilidades propositivas dentro da atuação profissional do
Serviço Social, pois colaboraria para que as informações sobre os direitos não fossem
descoladas das orientações técnicas voltadas para o âmbito produtivo da agricultura, nem dos
processos de organização e participação dos indivíduos e famílias nos espaços de deliberação
dos grupos e das comunidades atendidas.
Embora tenha se registrado na fala das profissionais entrevistadas uma avaliação
positiva das diversas possibilidades no âmbito da execução da PNATER/2004, por outro lado,
a EMATER/AL foi a instituição – dentre as três pesquisadas – em que as entrevistadas mais
apontaram desafios institucionais. Eles não são de difícil compreensão, pelo contrário.
Considerando que a PNATER/2004 foi reestruturada em nível federal no último decênio, os
serviços de ATER oferecidos em Alagoas começaram a ser reorganizados apenas agora. Em
fins de 2011, a ‘nova’ EMATER foi recriada em Alagoas, enquanto Empresa Pública ligada à
Secretaria de Estado da Agricultura (SEAGRI) 78, através de Lei aprovada pela Assembleia
Legislativa do Estado e sancionada pelo Governador Teotônio Vilela em 01 de dezembro de
2011, pois tinha sido extinta durante a década de 1990, seguindo os preceitos neoliberais dos
governos federais do período.
Nesse processo, essa instituição vive um momento de reestruturação interna no
Estado de Alagoas, inclusive do corpo técnico que atualmente ainda é contratado por prazo
determinado, na condição de bolsista de trabalho de nível superior. Esta condição de
precariedade na vinculação dos técnicos que atendem aos agricultores tem causado uma série
de limites no trabalho dos profissionais, como a descrença na continuidade dos projetos
iniciados, por exemplo. É o que fica expresso na fala de uma das assistentes sociais que atuam
na execução da PNATER/2004, em um dos escritórios municipais da EMATER/AL.
[...] Contudo, a forma de contratação dos profissionais através de bolsas com
validade de um ano – podendo ser prorrogável por mais um – impede esses
profissionais de planejar projetos em longo prazo, além de deixar os agricultores (as)
familiares assistidos desacreditados (as), pois a mudança de agentes de Ater que os
assistem é constante (A. S. 8).
Sem dúvidas este é um limite institucional dos mais relevantes na execução desta
Política, visto que interpõe anualmente uma barreira técnica às ações profissionais
desenvolvidas, quebrando seu caráter de continuidade no acompanhamento do público
atendido. Assim, mesmo que as diretrizes da política continuem e que os projetos que a
instituição operacionaliza também sejam mantidos em execução, a simples quebra das
78
Exatamente por este motivo, muitas das assistentes sociais entrevistadas não se identificam como profissionais
da EMATER/AL, mas sim da SEAGRI/AL.
310
relações estabelecidas entre a equipe técnica e os sujeitos do atendimento dificulta a
efetivação das ações profissionais, comprometendo, inclusive, a efetividade dos objetivos
propostos pela política.
Ao serem indagadas sobre como caracterizam o atendimento, das seis profissionais
entrevistadas que executam a PNATER/2004 em Alagoas, apenas uma sinalizou
satisfatoriamente, ao dizer “caracterizo como um atendimento de qualidade, diante das
possibilidades encontradas no que diz respeito às ações referenciadas” (A. S. 10). As demais
causaram preocupações a esta pesquisadora, uma vez que indicaram que a precarização da
estrutura institucional vai além da extrema precarização dos vínculos de trabalho, tornando o
serviço “ineficiente e imediato” (A. S. 8), ou “precário e ineficaz” (A. S. 11).
Os motivos para isto vão desde a, já mencionada, precarização dos vínculos de
trabalho, a falta de estrutura física para o corpo técnico desenvolver seu trabalho, a falta de
transporte para as equipes, a restrição dos trabalhos à metodologia participativa e ao
atendimento de alguns programas, a burocratização demasiada do acesso aos serviços, e o
reconhecimento do público-alvo de que os serviços oferecidos direcionam-se apenas para
acessar as linhas de créditos rurais (A. S. 8; A. S. 9; A. S. 11; A. S. 12).
Aponta-se a fala de uma destas assistentes sociais, a fim de retratar a síntese
compartilhada pelas colegas. Segundo ela
Como falado no item [anterior da entrevista], a forma de contratação precária de
profissionais, através de bolsas, enfraquece um pouco o atendimento prestado. Além
disso, a pouca estrutura do escritório, especialmente no que se refere à falta de
transporte para fazer visitas às comunidades, torna difícil a atuação dos
profissionais. Destaco ainda a ideia que os agricultores têm a respeito da assistência
técnica e extensão rural como meio para conseguir créditos rurais, e a relevância que
a instituição dá ao cumprimento de metas e números, o que torna o atendimento
imediatista. Porém, a promessa de reabilitação da EMATER traz a tona também a
promessa de profissionais efetivos, dando fim a atual contratação precária, além de
melhorar a estrutura dos escritórios, o que fará melhorar o atendimento da
instituição, trazendo de volta sua credibilidade e reconquistando, assim, a confiança
de seu público-alvo (A. S. 12).
Ora, nota-se que mesmo diante de um quadro de total precarização das condições de
atendimento profissional das equipes multiprofissionais de ATER, a assistente social ainda
consegue tecer uma prospectiva satisfatória para o serviço, apostando na importância da
execução da política, com base na proposta anunciada pelo governo estadual de reestruturação
da EMATER em Alagoas.
Para finalizar os apontamentos desta Política, reservou-se por último, a consideração
sobre o atendimento da EMATER/AL feita pela assistente social que responde pela
311
superintendência estadual de Pesquisa e ATER. Segundo ela, o atendimento prestado pela
instituição aos usuários do serviço
Deixa a desejar. Entretanto, um conjunto de limites e desafios precisam ser
enfrentados para que possamos avaliar como satisfatório o atendimento prestado
pela Instituição aos beneficiários dos serviços de Pesquisa e ATER, com destaque
para: a) Ampliação do quadro técnico, através da realização de concurso público
para garantir Assistência Técnica com quantidade, qualidade e continuidade aos
agricultores familiares do Estado. b) Necessidade de um “novo profissional”. Os
profissionais que saem das instituições de ensino, em geral, não tiveram a
oportunidade de compreender as atividades agrícolas, além de sua função de
produzir bens. Não compreendem que esse processo implica numa relação entre o
homem e o ecossistema onde vive e trabalha. c) Capacitação dos agentes de ATER Para que a EMATER possa atender à demanda do seu público beneficiário, precisa
ter profissionais capacitados para olhar a realidade rural com as lentes de um novo
paradigma e atuar a partir de uma compreensão multidisciplinar e humanista. [E
finaliza:] Só assim, será possível levar adiante os propósitos de implementação de
um novo serviço de Pesquisa e ATER no nosso Estado. Um serviço que se destina a
fortalecer a agricultura familiar e construir um modelo de desenvolvimento rural
sustentável, com inclusão social e produtiva, com respeito ao meio ambiente e
voltada para a produção de alimentos sadios e acessíveis para todos.
Entende-se que esta profissional, por desenvolver função de gestão da política, mas
também porque é a única profissional entrevistada que compõem o quadro de servidores
públicos efetivos da instituição, trabalhando nela desde o ano de 1977, aponta elementos
concretos de uma análise prospectiva do atendimento da instituição 79. Nota-se que ela parte
do reconhecimento de que há limitações, mas consegue também apontar a direção desejada
para o atendimento das famílias de agricultores, assumida a partir da visão profissional sobre
o que é possível operacionalizar em curto e médio prazos para assegurar a efetividade do
serviço oferecido pela instituição EMATER/AL.
Na fala da assistente social estão elencados aqueles que deveriam ser os
compromissos urgentes da direção da EMATER/AL no que tange a execução da pesquisa e da
assistência técnica e extensão rural para os agricultores familiares de Alagoas. Porém, assim
como se indicou na análise feita em relação à luta que deve ser travada no CRAS Rural de
Alagoinha, a fim de eliminar as condições precárias de funcionamento do serviço – que
reverberam no atendimento institucional prestado – ressalta-se também no que toca a
execução da PNATER/2004 em Alagoas, que será preciso mobilizar as forças sociais que
constituem o público-alvo do atendimento desta política. Apenas a partir desta articulação e
mobilização popular ter-se-á garantia de maior efetividade ao pleito recém-relatado pela
assistente social, vez que se operacionalizará o Estado pela via do controle social.
79
Por não ser objeto de análise desta tese, abstrai-se – neste momento de debate sobre as instituições de
atendimento dos sujeitos rurais – a discussão sobre as perspectivas do novo paradigma sobre o rural e do
desenvolvimento rural sustentável, referenciados na fala da profissional entrevistada.
312
Passando para a discussão no âmbito da execução do Plano Nacional de Reforma
Agrária, a instituição é apresentada pelas duas profissionais, que com ela mantêm vínculo de
trabalho, através da característica principal que determinará o perfil da atuação profissional:
sua conexão objetiva com um movimento social que luta pela reforma agrária.
Para uma das assistentes sociais, o Centro de Capacitação Zumbi dos Palmares
É uma instituição sem fins lucrativos, que tem uma afinidade com as lutas pela
Reforma Agrária popular, assim como com o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra do Estado de Alagoas, que desenvolve seu trabalho num caráter
multidisciplinar com uma equipe técnica comprometida e engajada, tanto com o
trabalho realizado, quanto com a luta pela defesa dos direitos dos trabalhadores
rurais sem-terra no estado (A. S. 6).
Sua colega assistente social também corrobora esta apresentação, inserindo mais
elementos que possibilitam compreender as possibilidades e limites institucionais, que
poderão implicar no exercício profissional do Serviço Social. Para esta profissional,
O Centro Zumbi é uma instituição que busca dar suporte e operacionalizar ações
vinculadas às linhas e definições políticas do MST para o desenvolvimento dos
assentamentos rurais, buscando viabilizar as condições necessárias através da
implantação dos serviços públicos de direito da população “assentada” como
habitação, saneamento, energia elétrica, abastecimento de água potável, educação
formal para crianças, jovens e adultos, geração de trabalho e renda, Ater, etc.
Segundo as duas profissionais, além da forte vinculação ao MST, o que caracteriza a
instituição é sua finalidade de acompanhar os assentamentos rurais, viabilizando as condições
estruturais de manutenção da população rural nos terrenos da reforma agrária, que devem ser
feitas pelo Estado, através dos serviços e equipamentos públicos.
Assim, a terceira instituição apresentada pelas assistentes sociais entrevistadas chama
a atenção porque não opera um equipamento ou serviço social específico de uma ou outra
política pública. Mas, opera no espaço rural articulando as demandas sociais dos assentados –
acompanhados pelo MST em Alagoas –, com base nos seus direitos sociais, apontando – e
posteriormente fiscalizando – para o Estado os serviços necessários, que devem ser
implantados para garantir a viabilidade dos projetos de reforma agrária.
Ao caracterizar o atendimento prestado pela instituição dos serviços oferecidos ao
público, uma das assistentes sociais indica que
É um atendimento comprometido, pois a equipe técnica da instituição, mesmo diante
do fato da instituição não possuir uma estabilidade financeira – tendo em vista que é
sem fins lucrativos e seus recursos advém [sic] de convênios e parcerias firmadas
com entes públicos (na maioria das vezes) – tem compromisso com os trabalhadores
rurais sem terra do estado, que são prioritariamente os usuários dos serviços
prestados pela instituição. E, mesmo em condições financeiras adversas, dá
313
continuidade aos serviços necessários, inclusive desenvolvendo estratégias para
superar as limitações postas.
Há de se registrar que na caracterização da instituição, mais especialmente na
caracterização do atendimento prestado, a profissional deixa implícita a relação de militância
social e política da equipe técnica da instituição, na perspectiva das lutas populares.
Considerando o caráter da instituição, não governamental, de cunho eminentemente
político-social, que operacionaliza a formação política para trabalhadores assentados da
reforma agrária, a relação de militância não está ‘fora de lugar’ no que tange à direção da
instituição ou a outros trabalhadores que conferem suporte para que o Centro Zumbi possa
operar suas lutas.
Contudo, em relação ao desempenho das funções técnicas do Serviço Social, é
necessário ter cuidado para não comprometer as competências profissionais ao colocar a
comunhão dos ideários políticos da luta como condição fundamental ao exercício profissional.
A garantia da dimensão política no exercício profissional não requer necessariamente o
engajamento em movimentos sociais ou partidos políticos ligados à defesa dos interesses
dessas classes. Ao contrário, é o reconhecimento do jogo de forças sociais da sociedade e o
desenvolvimento de ações articuladas aos interesses das classes populares que apontam sinais
da dimensão política presente na profissão.
Dessa forma, reitera-se a consideração de alguns pensadores do Serviço Social, que
ainda na década de 1990 alertaram para os cuidados que o Serviço Social deve ter em espaços
sócio-ocupacionais de eminente cunho político-organizativo, especialmente aqueles
vinculados à classe trabalhadora, evitando o perigo que cair no politicismo profissional
(IAMAMOTO, 2007) ou no militantismo da profissão (NETTO, 1994). O cuidado é
necessário para que se possa assegurar o estabelecimento de relações profissionais
tecnicamente atualizadas e comprometidas com a população atendida, com base na
apropriação teórico-metodológica sólida das teorias sociais críticas e nos preceitos legais da
profissão, a fim – justamente – de reforçar as suas lutas, operacionalizando ações políticoorganizativas, que se articulam à função pedagógica do Serviço Social em sua perspectiva
emancipatória junto à classe trabalhadora (ABREU, 2008), sem comprometer a ética das
ações profissionais.
Ainda sobre o Centro Zumbi, referindo-se a mesma questão, a colega de instituição
indica que
É um atendimento que visa garantir de fato o direito dos sujeitos usuários, e que tem
observado a necessidade de qualificar ainda mais o seu trabalho. Pela vinculação
314
com um movimento social, este atendimento se dá na perspectiva do direito
conquistado, sendo base de formação política e ideológica dos “usuários”, que em
geral, participam diretamente nas discussões, planejamentos e deliberações sobre as
ações da Instituição (A. S. 6).
Ora, o que se percebe pela fala da profissional é que o atendimento ocorre a partir da
atenção aos preceitos democráticos e participativos, buscando garantir que os “usuários” dos
serviços manifestem-se sobre os rumos das ações institucionais, impulsionando práticas
voltadas para o desenvolvimento da autonomia.
Destaca-se também a consideração de que a perspectiva do direito que orienta o
atendimento oferecido remete ‘as conquistas’ sociais e políticas da sociedade, contrapondo-se
a ideia frequentemente difundida nas instituições de execução de políticas públicas de que ‘os
direitos dos usuários foram concedidos pelo Estado’.
Mesmo considerando que o atendimento da instituição se aproxima da direção
política impressa no projeto profissional do Serviço Social, a assistente social não se furta a
registrar que a instituição sabe da necessidade de qualificar ainda mais o seu atendimento.
Esta característica é importante, pois indica que a instituição está em movimento de
atualização – espera-se permanente – do atendimento prestado ao público-alvo das suas ações,
o que pressupõem, igualmente, o incentivo à atualização constante dos assistentes sociais que
compõem o seu quadro (são três, neste momento).
Certamente esta foi a instituição em que, conforme o depoimento das duas assistentes
sociais, menos apareceram limites na execução dos serviços. Apesar disso, não se está
considerando que eles não existam. Pelo contrário, justamente por ser uma instituição
vinculada objetivamente a um movimento social constituído pela classe trabalhadora, que
operacionaliza suas ações através de recursos oriundos da parceria com o Estado – através do
INCRA/AL – entende-se que há limites orçamentários que desafiam o exercício profissional.
Todavia, como as relações que articulam e unem o movimento são de identidade entre iguais
da classe trabalhadora, que têm em comum a expropriação da terra que naturalmente seria
propriedade coletiva e um interesse, qual seja a conquista do direito a terra, formam-se
alianças de solidariedade para suprir as necessidades encontradas para efetivar a luta política e
social. Possivelmente essas alianças de solidariedade, internas ao movimento, é que oferecem
a base estrutural para a execução dos serviços da instituição. Por isto, entende-se que foram
denotados menos limites institucionais para a execução das ações do Centro Zumbi.
Enfim, depois de caracterizadas as instituições e o atendimento por elas prestado para
os usuários dos seus serviços, compreendeu-se que:
315
1) A vinculação das demandas e ações profissionais do Serviço Social às demandas e
ao atendimento das instituições que oferecem os serviços de execução de políticas
públicas é ainda um equívoco reiterado na definição – que deveria pela própria
natureza ser distinta – entre ‘instituição’ e ‘profissão’;
2) As instituições, apesar de seguir as diretrizes das Políticas Nacionais – da área do
direito social a que estão vinculadas –, têm suas estruturas precarizadas, o que
acarreta na consequente precarização do atendimento à população;
3) As condições de trabalho dos assistentes sociais sofrem as decorrências da mesma
precarização, chegando a causar, inclusive, possíveis violações dos preceitos
éticos da profissão;
4) Foram reconhecidos indicativos de que a precarização dos serviços oferecidos no
espaço rural e para os indivíduos e famílias que vivem e/ou trabalham no campo é
mais recorrente do que no espaço urbano;
5) As instituições estão voltadas para o atendimento do ‘homem simples’ –
parafraseando José de Souza Martins (2010) – do campo, seja aquele trabalhador
rural, seja o camponês também identificado como agricultor familiar, ou
assentado da reforma agrária, bem como suas famílias. Todos os homens e as
mulheres e suas famílias vinculam-se à terra, onde trabalham e vivem com suas
famílias, e de onde retiram seu sustento. Nas situações frequentes em que o
trabalho familiar não é suficiente para garantir a subsistência, estes homens e
mulheres simples acionam as instituições em questão – especialmente aquelas que
operacionalizam a PNAS/2004 –, sendo inseridos em programas de transferência
de renda, ou outros programas e projetos sociais que contribuam para a
subsistência. Isto indica que todas as três instituições têm – com maior ou menor
ênfase – liames com a população rural de baixa renda, atendendo segundo as
expressões da questão social que atingem esta significativa parcela da população
rural.
Por fim, é imprescindível que os assistentes sociais estabeleçam nas instituições –
serviços e equipamentos de políticas públicas – o espaço para operar a execução dos direitos,
316
retirando delas a solidez característica de espaços já institucionalizados e imprimindo-lhes
traços de espaços públicos em constante construção, segundo os interesses da classe
trabalhadora. Esse tem sido um dos desafios profissionais enfrentados pelo Serviço Social,
reconhecido neste estudo através das falas das treze profissionais.
Levar a frente este desafio requer, ao mesmo tempo, um competente posicionamento
teórico-metodológico para reconhecer as determinações que originam as demandas
profissionais, mas também habilitado técnico-operativamente para articular as ações
profissionais segundo a perspectiva da defesa intransigente dos direitos. E, por fim com
posição ideo-política marcada, segundo o projeto coletivo da profissão, no sentido de afirmar
a defesa da liberdade e da igualdade como valores centrais na ação profissional, bem como
instituir e/ou fortalecer o desenvolvimento de processos participativos e democráticos, que
possibilitem o envolvimento ativo do usuário dos serviços, na lógica da construção da sua
autonomia e emancipação política, para, quiçá, contribuir para a inversão da ordem societária.
Neste sentido, evidencia-se a necessidade de uma formação profissional que
efetivamente confira os aportes de conhecimentos necessários para operar no contexto das
instituições, serviços e equipamentos existentes – embora insipidamente – no espaço rural, as
quais também se configuram como parte da realidade social do campo.
4.1.4 As demandas e ações do Serviço Social nos espaços sócio-ocupacionais rurais
Antes de iniciar esta discussão, entende-se ser necessário objetivar a diversidade dos
processos de trabalho que caracterizam distintamente os três espaços sócio-ocupacionais
tratados na pesquisa empírica, pois é esta diversidade que confere base às seguintes
discussões.
Neste sentido, do que já foi possível perceber até este momento, as diferenças entre
um e outro espaço sócio-ocupacional se efetivam muito mais pelo tipo de política nele
operacionalizada, ou pelas diretrizes da instituição empregadora, que pelos sujeitos sociais do
atendimento. Estes sujeitos predominantemente são as famílias – e nelas, alguns segmentos
com maior prioridade de atenção – de trabalhadores da agricultura e da pecuária de pequeno
porte, que se configuram como pequenos proprietários de terra, ou ocupantes, arrendatários,
proletários rurais, camponeses atendidos pela reforma agrária ou trabalhadores rurais semterra acampados, trabalhadores rurais aposentados ou beneficiários de programas sociais.
317
Tais sujeitos trazem suas demandas para o Serviço Social tendo em vista,
prioritariamente, os tipos de respostas que a instituição pode lhe dar, muito embora o processo
de trabalho do assistente social – para prover seu atendimento – seja-lhe um dado
fundamental, que determinará a confiança para buscar ou não pelo seu atendimento
profissional.
Isto porque, conforme Iamamoto (2008, p. 421, grifo da autora),
O assistente social ingressa nas instituições empregadoras como parte de um
coletivo de trabalhadores que implementa as ações institucionais, cujo resultado
final é fruto de um trabalho combinado ou cooperativo, que assume perfis
diferenciados nos vários espaços ocupacionais. Também a relação que o profissional
estabelece com o objeto de seu trabalho – as múltiplas expressões da questão social,
tal como se expressam na vida dos sujeitos com os quais trabalha –, dependem do
prévio recorte das políticas definidas pelos organismos empregadores, que
estabelecem demandas e prioridades a serem atendidas.
Assim, o pressuposto para discutir as demandas e ações profissionais atendidas pelos
assistentes sociais nos espaços ocupacionais rurais é compreender que elas estão inseridas no
conjunto das ações do Estado e – por consequência – do capital para a manutenção da ordem
capitalista e finalmente, nela, da reprodução da força de trabalho, em processos sociais
urbanos e rurais. Além disto, é imprescindível que a análise considere a relação mediada entre
as demandas urbanas e rurais, bem como o seu atendimento, visto que ambas concorrem para
a reprodução social da sociedade brasileira.
Por outro lado, não podem ser desconsideradas as especificidades – que devem ser
compreendidas a partir da mediação entre singularidade/universalidade – do modo de vida e
de trabalho rurais, bem como os bens e serviços oferecidos para a classe trabalhadora – aqui
considerados também os produtores mercantis simples, constituídos pelos camponeses
agricultores
familiares,
pescadores artesanais,
populações tradicionais,
camponeses
assentados nos projetos de reforma agrária e trabalhadores sem-terra acampados –, já
identificada pelas assistentes sociais entrevistadas.
Ora, o processo de agudização da questão social, provocando ainda mais a
pauperização e miserabilidade dos sujeitos, afetará o desenho das demandas sociais do campo
e da cidade, que passam a ser desenhadas pelo Estado na perspectiva da sua retirada como
agente público responsável pela garantia do atendimento dos direitos dos indivíduos sociais.
Assim, as demandas passam a ser reconhecidas, predominantemente, pela possibilidade desta
ou daquela política de responder às necessidades humanas dos sujeitos. Por isto, nestes
tempos de desresponsabilização estatal e de precarização ainda mais intensiva das políticas,
programas e serviços sociais, infelizmente inverte-se a ordem das coisas: as demandas
318
apresentadas pelos sujeitos não se relacionam objetivamente às suas necessidades, mas sim às
possibilidades de respostas que podem encontrar nas instituições de atendimento.
Atendendo à lógica da ‘inversão da ordem das coisas no reconhecimento das
demandas para o Serviço Social’, as assistentes sociais indicam a existência de demandas no
campo que já vem com o prospecto do desenho institucional das políticas sociais. De tal
modo, aquelas que operam a Política Nacional de Assistência Social, nas duas instituições de
atenção básica pesquisadas, dizem que a maioria plena das demandas recebidas são
direcionadas previamente pelo usuário para a inclusão, ou acompanhamento em determinado
programa ou benefício de assistência social. Aliás, para todas as entrevistadas desta Política, a
demanda preponderante diz respeito ao atendimento do Programa Bolsa Família. A fala de
uma das profissionais ilustra este tipo de demanda, quando afirma: “[...] eu diria que a maioria
das demandas são [sic] de usuários beneficiários do programa Bolsa Família, que buscam o
CRAS Rural para a inclusão, o desbloqueio de benefício e a atualização cadastral. Diria que
são 70% do total de atendimentos” (A. S. 1).
Uma de suas colegas justifica a preponderância desta demanda, quando diz que o
público rural “na maioria das vezes depende majoritariamente da bolsa para compor a renda
familiar” (A. S. 2), o que indica objetivamente a situação de pobreza e miserabilidade que
assola as famílias que vivem no campo. Essa mesma assistente social ao continuar relatando a
demanda que lhe chega, aponta a busca por outros benefícios previdenciários, ou mesmo
assistenciais de transferência de renda, cujo atendimento pode garantir uma renda fixa mensal
– mesmo que seja pequena –, enquanto perdurar o atendimento. Para ela, “também observo
demandas para requisitar salário-maternidade, aposentadoria-rural e BPC” (A. S. 2). Outra
colega completa o elenco das demandas provenientes dos programas nacionais, estaduais ou
municipais que fornecem benefícios pecuniários, relatando que é procurada pelas
[...] gestantes para inclusão no Programa de cestas nutricionais e enxovais,
promovido pelo Governo do Estado; adolescentes para inclusão e acompanhamento
no Projovem Adolescente; deficientes para inclusão no Cad Único [sic] e
encaminhamento para o Beneficio de Prestação Continuada- BPC [...] (A. S. 5).
Nos serviços de execução da PNAS/2004, além deste tipo de demanda por benefícios
pecuniários, são identificados outros três tipos de demandas por benefícios ou programas, que
têm naturezas distintas entre si. O primeiro refere-se à participação em grupos de convívio
social, para fortalecimento dos vínculos de convivência, ou até mesmo com intenção de
inserção produtiva. É o que continua relatando a mesma assistente social, ao citar que há
demandas de
319
[...] idosos em grupos de convivência e atendimentos individualizados; mulheres em
grupos de convivência, grupos de geração de emprego [sic] e renda e atendimentos
individualizados; crianças para participação em grupos de convivência, como a
brinquedoteca, por exemplo; e adolescentes para inclusão em grupos de convivência
(grupo de música), e atendimentos individualizados (A. S. 5).
O segundo tipo de demanda que aparece para o Serviço Social direciona-se para a
solicitação de documentos – emissão de originais ou de segunda via –, ou para promover a
acessibilidade aos serviços de justiça, conforme é descrito a seguir: “[...] buscam os serviços de
encaminhamentos para a defensoria pública (pensão e separação), além de busca de originais e
2ª via de documentação básica (RG, CPF e Registro Civil e de Casamento)” (A. S. 1).
Por último, nos serviços de atenção básica de assistência social há demandas que
chegam para o Serviço Social provenientes de situações objetivas de violação de direitos,
frequentemente correlatas às situações de violência, principalmente no âmbito familiar. É o
que fica registrado na fala de duas profissionais, quando uma assevera que lhe chegam
demandas oriundas de “[...] maus-tratos, abuso sexual e negligência no cuidado
principalmente de idosos” (A. S. 3), e outra aponta que no CRAS Rural
[...] realizei atendimento com famílias com situação de evasão escolar, em
decorrência, muitas vezes, para buscar meios de realizar desejos de consumo, seja
através de trabalho na roça ou por meio do crime. Situação de trabalho infantil ainda
existe com evidência, tendo um forte impulsionador cultural, conforme observava
em algumas falas durante atendimentos (A. S. 2).
Porquanto as demandas apresentadas, até o momento, são comuns à política de
assistência social operada fundamentalmente em equipamentos urbanos, percebe-se que se há
necessidade da instalação de serviços e equipamentos nas áreas urbanas, justificados pela
constatação das ditas demandas, também há a mesma necessidade no espaço rural, uma vez que
tais demandas se fazem expressas também neste lugar. Todavia, infelizmente, o Estado tem
operado para invisibilizar estas demandas, ou, no máximo, deslocá-las para os centros urbanos.
Aliás, algumas dessas demandas marcam presença de forma ainda mais contundente
no espaço rural, seja pelo agravamento da crise de produção agrícola e pela dependência
econômica dos preços do mercado de produtos agropecuários, cada vez mais aviltantes, que
faz acrescer a necessidade de acesso aos programas de transferência de renda; seja pela
cultura tradicional de dominação e violência ainda presentes no campo, que implicam na
violência intrafamiliar; ou mesmo pelo modo de vida e de trabalho no campo, que reproduzem
a violação dos direitos de crianças e adolescentes – sem a consciência de que isto seja
violação de direitos –, expressa no trabalho infantil.
320
Diante deste quadro de demandas, as assistentes sociais indicam realizar ações
pertinentes ao processo de trabalho do Serviço Social, que é realizado de forma geral no
atendimento da política de assistência social. Por isto, algumas delas, em princípio, não
reconhecem as especificidades nas ações profissionais da atenção básica de assistência social
no campo. Todavia, as próprias profissionais, aprofundando a reflexão durante o diálogo com
esta pesquisadora, encontram as particularidades da demanda, especialmente no que diz
respeito ao modo de vida rural e às singularidades culturais dos indivíduos do campo. É o que
se
percebe
no
seguinte
relato:
“realizo
atendimento
ao
público,
orientações,
encaminhamentos, palestras, grupos socioeducativos, articulação com a rede local,
valorização da cultura local e fortalecimento comunitário” (A. S. 1).
Outra assistente social, ao descrever suas ações no CRAS Rural, também é sutil ao
apontar a atenção às especificidades rurais. Para ela, seu processo de trabalho
Consiste em realizar um trabalho de caráter continuado que visa fortalecer a função
protetiva das famílias do campo, prevenindo a ruptura de vínculos, promovendo o
acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da qualidade de
vida, respeitando a cultura preexistente no espaço rural. Faço isto através das
ações como entrevista individual; triagem; registro diário de atividades; visita
domiciliar e elaboração de relatórios de visitas domiciliares; relatório social; parecer
social; pesquisa documental; reuniões; encaminhamentos; contatos institucionais,
entre outros (A. S. 5, grifo nosso).
Ora, o que se percebe no caso da execução da PNAS/2004 é que o desenho
institucional da política é fator determinante no desenvolvimento dos serviços assistenciais,
interferindo tanto no reconhecimento das demandas profissionais, quanto das ações a serem
desenvolvidas no processo de trabalho profissional – reporta-se especialmente aos
profissionais de Serviço Social, estudados nesta pesquisa.
Por um lado, isso garante a uniformidade no atendimento nacional, antes inexistente
na área da assistência social e que era bastante reclamada pela profissão. Por outro, indica que
o reconhecimento às especificidades do território – leia-se também ‘as especificidades da
realidade, das demandas e do tipo de organização do serviço e do atendimento necessários’ –,
apontado como diretriz na PNAS/2004, não está acontecendo, pelo menos de forma a
respeitar as singularidades/particularidades da territorialização dos serviços da política.
Contudo, se as demandas que aparecem para o Serviço Social e as ações por ele
operacionalizadas no espaço rural ao executar uma política – assistência social – que
comumente é operada no espaço urbano guardam relação com as demandas urbanas, o mesmo
não ocorre no atendimento da Política de Assistência Técnica e Extensão Rural
(PNATER/2004). Isto porque esta política tem caráter eminentemente rural e agrícola, voltada
321
para a pequena e, quando muito, média produção agrícola e pecuária. Assim, as demandas que
chegam para o Serviço Social, anunciadas pelo próprio desenho institucional da
PNATER/2004, voltam-se direta ou indiretamente para o âmbito da produção rural. Serão os
profissionais que, balizados nas suas competências teórico-metodológicas, técnico-operativas
e ético-políticas, e nos parâmetros legais que objetivam o exercício profissional, buscarão
reconhecer as necessidades sociais e aspirações dos sujeitos que se constituem como públicoalvo do seu atendimento, configurando, desta forma, as demandas profissionais que lhe
chegam no âmbito da Assistência Técnica e Extensão Rural.
Destarte, as primeiras demandas manifestadas pelas profissionais atendem
diretamente as demandas desenhadas na PNATER/2004. O relato de uma das profissionais em
sua entrevista ilustra este fato. Segundo ela, constituem-se como demandas para o Serviço
Social no espaço rural,
Construção e consolidação de formas associativas que, além de criar melhores
formas de competitividade, fortalecem os laços de solidariedade e participação;
capacitação de agricultores (as) familiares, proporcionando-lhes a inclusão nas
cadeias produtivas, trabalhadas pela ATER, de forma organizada e competitiva;
informações de como conhecer e acessar as políticas públicas da agricultura
familiar, voltadas à inclusão social e produtiva, a agregação de valor e mercado, a
exemplo: Programa de Aquisição de Alimentos – PAA, Programa Nacional de
Alimentação Escolar – PNAE, Agricultura Urbana e Periurbana, Desenvolvimento
de Capacidades Locais – Banco Comunitário de Sementes; construção de espaços
educativos para os grupos de mulheres rurais, criando oportunidades de
expressão individual e coletiva, de troca de saberes e experiências de afirmação
de identidade e construção das bases de um projeto coletivo (A. S. 13, grifo nosso).
Ora, o que está posto, em verdade, são as demandas desenhadas pela instituição, que
tocam aos profissionais de Serviço Social, assim como tocam também a outros profissionais
da equipe multidisciplinar. Elas são confirmadas por outra assistente social, quando aponta
que
As demandas apresentadas em nosso cotidiano de trabalho estão voltadas ao
atendimento dos agricultores familiares através da inserção dos mesmos no
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE), como também a formação de grupo de mulheres rurais, para
promover o desenvolvimento rural, a partir da geração de renda e promoção da
autonomia e protagonismo feminino no espaço rural (A. S. 10).
Considerando que tais demandas são desenhadas – atribuídas – pela política que
orienta o atendimento profissional, e que elas produzem expectativas na equipe
multiprofissional, é necessário habilidade profissional para que se possa, gradual e
permanentemente, apontar as demandas profissionais que emergem das necessidades dos
usuários do atendimento do assistente social. Neste sentido, uma das profissionais indica que
322
as demandas construídas pelo Serviço Social no atendimento da PNATER/2004 remetem à
“mobilização dos agricultores, socialização e disseminação de informações sobre direitos
sociais e políticas públicas, além de organizar e acompanhar as associações de produtores de
leite da região” (A. S. 12).
Ora, nota-se já o redirecionamento das demandas institucionais, segundo as
necessidades percebidas no cotidiano de atendimento dos usuários. É a partir da possibilidade
de redirecionar tais demandas institucionais, que a profissão vai criando brechas para dar
visibilidade às demandas reais do público atendido.
Pode parecer singela esta ação, mas ela é fundamental, pois a partir dela o Serviço
Social vai se afirmando dentro da Política, construindo seu espaço e exigindo reconhecimento
profissional. E, sobretudo, vai evidenciando que uma política voltada para o desenvolvimento
rural não conseguirá atingir plenamente seu objetivo enquanto não atender articuladamente as
demandas sociais presentes no cotidiano rural, mesmo porque tais demandas sociais implicam
objetivamente na produção econômica e na participação política dos indivíduos rurais.
Dirigir a ação profissional também para a organização e mobilização social do
público-alvo é fundamental no exercício profissional, visto que é a partir disso que é possível
fortalecer os processos participativos dos sujeitos, no apontamento das ações políticas que
venham responder efetivamente as suas demandas. Este tipo de ação profissional reforça a
construção da esfera pública das políticas sociais, quando aponta que a atuação do Estado –
através das instituições de gestão e execução das políticas públicas – deve ser acompanhada
pelo público usuário dos seus serviços, que se constitui como sociedade civil.
É o que indica Iamamoto (2009), ao reforçar as indicações de Raichelis sobre a
importância de reforçar, através da mobilização dos sujeitos atendidos pela profissão, o
controle do público-alvo sobre as ações públicas operadas pelo Estado. Para a autora (2009, p.
36),
É necessário ter a clareza que a qualidade da participação nesses espaços públicos
não está definida a priori. Mas eles podem, como sugere Raichellis (2006, p. 73),
abrigar experiências coletivas que estimulem a partilha de poder e a intervenção de
diversos sujeitos (representantes do governo, da sociedade civil, dos trabalhadores e
dos usuários das políticas), em processos políticos decisórios, estimulando a
interlocução pública nas relações políticas entre governos e cidadãos. E impulsionar
a “construção de esferas públicas autônomas e democráticas no campo das decisões
políticas”, que propiciem o controle socializado das ações e deliberações de
governo.
É só porque já foi possível para algumas assistentes sociais criar essas brechas no
atendimento profissional ligado à PNATER/2004, reconhecendo as demandas reais dos
usuários dessa política e mobilizando-os a partir delas, que hoje tais profissionais indicam que
323
“as demandas mais acentuadas no espaço rural para o Serviço Social concentram-se no âmbito
da assistência social, saúde, educação, previdência, além da política agrícola” (A. S. 9). Ou
ainda, que “as demandas que devem ser evidenciadas são muitas: a falta de assistência técnica
e de financiamento para os camponeses mais aviltados das condições de produção, de
políticas públicas sociais no campo, de água – muitas vezes até para beber –, de educação etc”
(A. S. 11).
Decorrente das demandas apontadas institucionalmente e daquelas reconhecidas
profissionalmente, a maioria das assistentes sociais que trabalham operando a PNATER/2004
indicam que suas ações profissionais remetem à “realização de reuniões, visitas, palestras,
oficinas e capacitações, utilizando metodologias participativas, tendo como tema as políticas
públicas e os direitos sociais dos agricultores familiares” (A. S. 12). Este relato é confirmado
por outra colega, que indica que suas ações profissionais estão voltadas para a
Elaboração de Projeto Técnico do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA);
Formação e acompanhamento de grupos de mulheres rurais; Realização de
Diagnóstico Rural Participativo no grupo de mulheres; Estímulo a formação e
reestruturação de organizações sociais (Associações); Acompanhamento e
Monitoramento do PAA e PNAE; Articulação com as instituições públicas e
privadas (Secretaria Municipal de Educação, Assistência Social, Secretaria de
Saúde, SEBRAE e SENAR) (A. S. 10).
Em ambos os elencos de ações indicadas pelas assistentes sociais, percebe-se que a
atuação voltada para o sujeito rural ocorre através de atividades diferenciadas dentro do
mesmo processo de trabalho. Tanto são realizadas ações diretas com os indivíduos do campo
e/ou suas famílias, no âmbito individual e coletivo; quanto as atividades de caráter coletivo
proeminente, como aquelas de organização e mobilização social dirigidas para a participação
ativa dos agricultores na sociedade; ou ainda no âmbito interno das equipes de trabalho –
como o monitoramento e avaliação dos programas –, ou no nível interinstitucional,
articulando a rede de atendimento aos agricultores familiares.
E se o elenco de ações parece bastante diversificado, há ainda aquelas profissionais
que ampliam as possibilidades de atuação, na direção política da profissão, quando
evidenciam a perspectiva que orienta suas ações e priorizam atividades de socialização de
informações sobre direitos e de mobilização social. Elas comprovam que, mesmo que o
desenho institucional da política que executam deixa objetivo a intencionalidade do
desenvolvimento econômico do campo, na perspectiva capitalista da produção, é possível
operar noutra direção. É o que aponta uma das profissionais de ATER, quando afirma que
“desenvolvemos ações de fortalecimento das organizações e movimentos sociais; orientações
324
referentes aos direitos e às políticas públicas; utilização de metodologias participativas na
perspectiva da emancipação política e humana” (A. S. 9).
Há de se registrar, na execução da PNATER/2004 pelo Serviço Social, que foi
encontrado um processo de trabalho que se diferencia nitidamente das assistentes sociais que
estão na execução final da política, isto porque a profissional opera no âmbito da gestão da
mesma política, em nível estadual. Para tal profissional, as ações desenvolvidas em seu
processo de trabalho ampliam-se no âmbito territorial e interinstitucional. Segundo ela, ao
responder pela Superintendência de Pesquisa e Assistência Técnica e Extensão Rural,
desenvolve:
a) Interlocução com o Governo Federal – EMBRAPA, Ministério do
Desenvolvimento Agrário – MDA na captação de recursos para Projetos de Pesquisa
e ATER para o Estado de Alagoas; b) Assessoramento aos escritórios regionais e
locais na Elaboração do Planejamento das Ações e no Sistema de Monitoramento da
EMATER; c) Mobilização de parcerias (municípios) para efetivação de acordo de
cooperação, para o desenvolvimento dos programas e projetos voltados para
agricultura familiar, na área de pesquisa e extensão rural; d) Assessoramento e
acompanhamento na elaboração dos programas, projetos e convênios firmados entre
a instituição (EMATER) e os Governos Federal e Estadual (A. S. 13).
É necessário destacar a presença do Serviço Social operando a gestão estadual de
uma política de atendimento da agricultura familiar. Primeiramente, isso indica que as
possibilidades de intervenção da profissão no âmbito da PNATER/2004, no Estado de
Alagoas, podem ocorrer desde o âmbito da gestão até aquele da execução final da Política.
Em uma segunda análise, fundamental para indicar as possibilidades do exercício profissional,
nota-se que tanto a interlocução com as instâncias federais na assessoria técnica para
elaboração dos programas, projetos etc., e na captação de recursos, quanto o assessoramento
aos escritórios regionais e locais no planejamento de suas ações, se efetivados na direção
assumida coletivamente pela profissão – a promoção do protagonismo dos sujeitos, através da
democracia, da participação e do pluralismo, e a defesa da liberdade como valor central, na
construção da emancipação política – possibilitarão as condições necessárias para que a
execução da PNATER/2004 siga a mesma direção política do Serviço Social.
O relato da entrevistada também confirma que “os assistentes sociais estão sendo
chamados a atuar na esfera da formulação e avaliação de políticas e do planejamento,
gestão e monitoramento, inscritos em equipes multiprofissionais” (IAMAMOTO, 2009, p.
367, grifo da autora).
A mesma autora também indica que novas requisições para o exercício profissional
vão surgindo, em decorrência da ampliação dos espaços sócio-ocupacionais neste âmbito da
gestão. Para ela,
325
Tais inserções são acompanhadas de novas exigências de qualificação, tais como: o
domínio de conhecimentos para realizar diagnósticos socioeconômicos de
municípios, para a leitura e análise dos orçamentos públicos, identificando seus
alvos e compromissos, assim como os recursos disponíveis para projetar ações; o
domínio do processo de planejamento; a competência no gerenciamento e avaliação
de programas e projetos sociais; a capacidade de negociação, o conhecimento e o
know-how na área de recursos humanos e relações no trabalho, entre outros. [...]
Registram-se, ainda, requisições no campo da pesquisa, de estudos e planejamento,
entre inúmeras outras funções (IAMAMOTO, 2009, p. 367).
Destarte, é preciso preparar-se, acima de tudo, para o reconhecimento da realidade
social – inclusive rural – e, nela, dos processos sociais e das demandas dos indivíduos que a
constituem. Embora em um outro âmbito do exercício profissional – a gestão das políticas – a
ação fundamental do Serviço Social continua sendo no âmbito da leitura e análise da
conjuntura social, política, econômica e cultural, numa perspectiva histórica, a fim de apontar
a direção das políticas sociais, propondo e planejando programas, projetos e ações que
viabilizem o atendimento dos direitos sociais da população.
Assim, tal como anteriormente foi reconhecida que as profissionais que operam a
execução da PNATER/2004 souberam construir uma brecha institucional para a apresentação
de demandas pelo Serviço Social – que não apenas aquelas postas institucionalmente pela
política –, entende-se que desde o âmbito da gestão da PNATER/2004 podem ser criadas
igualmente brechas para que a política confira maior atenção ao âmbito social e político da
vida no campo. Assim, é possível operar muito mais nos processos de mobilização política da
população – quiçá de resistência ao desenvolvimentismo e produtivismo capitalistas –
operando a construção de outras possibilidades de produção no campo.
Este caminho de construir brechas dentro das demandas reguladas pelo Estado
também foi – e continua – sendo percorrido pelas profissionais que atuam no âmbito da
reforma agrária. Segundo uma das assistentes sociais que está vinculada ao acompanhamento
da política de reforma agrária, através do Centro de Capacitação Zumbi dos Palmares, as
demandas para o Serviço Social no espaço rural
[...] são as mais diversas, como a execução de serviços sociais nas áreas de
habitação, educação, direitos das crianças e mulheres, saúde, assistência social,
assessoramento social nas equipes de Ater, segurança alimentar, benefícios sociais
do INSS, assessoramento em gestão social, como associativismo e cooperatismo,
autogestão etc. (A. S. 6).
Pela própria característica da instituição, apontada pela mesma profissional [busca
viabilizar as condições necessárias através da implantação dos serviços públicos de direito da
população “assentada”], com forte perspectiva crítica, voltada para a militância política e para
as lutas sociais, o Serviço Social encontrou menos barreiras institucionais para
326
operacionalizar seu exercício profissional, embasado nas demandas oriundas da própria
população.
Assim, nesta instituição, as profissionais afirmam que no seu processo de trabalho
realizam ações como:
Pesquisa de campo, a partir da aplicação de técnicas e ferramentas, fundamentadas
em metodologias populares, para realização de diagnóstico sócio-econômico das
áreas de assentamento rural, tendo em vista a elaboração de Planos de
Desenvolvimento (para novos assentamentos) e de Recuperação de Assentamentos
(para antigos); Educação Ambiental (pontualmente); Ações de mobilização social e
formação política, no campo da luta pela terra, reforma agrária e conquista de
direitos sociais; Orientação social sobre benefícios da previdência\INSS; Articulação
de programas e serviços sociais junto a instituições governamentais e não
governamentais para viabilização destes programas e serviços sociais nas áreas de
assentamento; Coordenação de equipes interdisciplinares de assistência técnica e
extensão rural; Assessoramento na área de planejamento participativo; Elaboração
de projetos (obs: neste ano 2012, pela interrupção do convenio de ATES, esta foi
nossa ação principal) (A. S. 6).
Nota-se um amplo elenco de ações profissionais realizadas pelas três assistentes
sociais vinculadas à instituição. Algumas destas ações são reforçadas pela colega, quando esta
destaca a realização de assessoria técnica junto a
Equipe multidisciplinar de elaboração de Planos de Desenvolvimento e de
Recuperação dos Assentamentos – PDA/PRA, através do diagnóstico social das
áreas de assentamentos, [...] e a tarefa de colaborar na elaboração de projetos para
captação de recurso para a realização de ações, sejam na área social, produtiva ou
cultural, para as áreas de assentamentos e acampamentos do MST (A. S. 7).
Assim, das experiências profissionais relatadas nas quatro instituições, no âmbito das
três políticas operacionalizadas pelas entrevistadas, ratifica-se que
[...] o espaço profissional não pode ser tratado exclusivamente na ótica das
demandas já consolidadas socialmente, sendo necessário, a partir de um
distanciamento crítico do panorama ocupacional, apropriar-se das demandas
potenciais que se abrem historicamente à profissão no curso da realidade
(IAMAMOTO, 2009, p. 344, grifo da autora).
Portanto, outra vez evidencia-se a necessidade de aportar o exercício profissional na
realidade social e, nela, nas particularidades do público usuário dos serviços, reconhecendo as
especificidades de suas demandas, mas também as especificidades das instituições em que
ocorre o exercício profissional. Logo, o exercício profissional não se consolidará de forma a
responder às demandas profissionais sem que antes o profissional indague-se sobre qual é a
política de atendimento que operacionaliza em seu exercício profissional? Qual sua
intencionalidade? Qual seu público-alvo? Qual é o caráter da instituição que a operacionaliza?
327
De que forma ela contribui para aprofundar o caráter capitalista da sociedade e quais as
possibilidades de, desde dentro da política e da instituição, operá-la em outra direção?
É a partir das respostas a essas e outras perguntas que o profissional conseguirá
construir as brechas institucionais, direcionando as ações profissionais segundo as
necessidades e interesses das classes populares, no campo e na cidade.
A formação profissional deve ser capaz de produzir habilidades profissionais que
permitam o levantamento constante dessas e de outras indagações. Destarte, deve apontar para
o futuro profissional que a realidade está em permanente construção – daí seu caráter histórico
– o que requer a feitura de uma leitura e análise permanente, de forma crítica e totalizante.
328
CAPÍTULO 2
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM SERVIÇO SOCIAL E A REALIDADE RURAL
Neste capítulo da seção discute-se especificamente sobre a formação profissional que
as treze profissionais receberam de um dos dois cursos de Serviço Social oferecidos pela
UFAL. Entendendo que a formação acadêmica é fruto de um projeto coletivo do Serviço
Social, que se transforma segundo o movimento dialético da sociedade – exigindo novos
debates, novos posicionamentos profissionais, novas práticas e novos saberes –, salienta-se
que a discussão que segue está intimamente ligada às seções e ao capítulo que a antecede. Em
especial, este debate só é possível se aportado na segunda seção, em que se tratou sobre a
formação profissional do Serviço Social brasileiro, e na terceira seção, onde se resgatou
analiticamente os Currículos e Projetos Pedagógicos dos dois cursos da UFAL.
Ao tratar sobre a formação profissional recebida pelas assistentes sociais, buscar-se-á
compreender os aportes que ela ofereceu para o exercício profissional em espaços sócioocupacionais correlatos ao rural alagoano. Desse modo, não se pretende especificar cada um
dos projetos de formação profissional oferecidos, e nem mesmo esmiuçar a proposta de um ou
outro curso – mesmo porque eles guardam relação profissional e institucional objetiva –, mas
sim compreender as interlocuções e mediações entre a ‘formação profissional’ e o ‘exercício
profissional’, e entre elas e ‘o rural’, numa perspectiva de totalidade entre os dois cursos.
Para facilitar a compreensão das discussões, recorda-se brevemente que das treze
assistentes sociais entrevistadas, nove formaram-se no curso de Serviço Social oferecido no
Campus A. C. Simões, localizado na capital Maceió, e quatro formaram-se no curso
recentemente oferecido no Campus Arapiraca, na Unidade de Palmeira dos Índios. Das nove,
uma teve sua formação orientada pelo Currículo de 1974, uma pelo Currículo de 1984, cinco
pelo Novo Currículo de 1994 e duas pelo Projeto Pedagógico de 2006. As quatro profissionais
formadas no curso do Campus Arapiraca tiveram sua formação orientada pelo Projeto
Pedagógico original do curso, datado de 2005 e modificado em 2007 e 2008.
4.2.1 A memória profissional sobre as disciplinas cursadas
Partindo da definição da ABESS (1996, p. 14) de que as ‘disciplinas’
329
[...] constituem-se como particularidades das áreas de conhecimento que enfatizam
determinados conteúdos priorizando um conjunto de estudos e atividades
correspondentes a determinada temática, desenvolvida em um período com uma
carga horária pré-fixada.
E compreendendo que, conforme as Diretrizes Curriculares de 1996, elas se
configuram como unidades de estudo organizadas de forma didático-pedagógica, com a
finalidade de desenvolver os conteúdos referenciados nas matérias básicas, indicadas pela
categoria profissional como necessárias para a apreensão generalista, totalizante e crítica do
exercício profissional. E ainda, que as ‘matérias básicas 80’, segundo a ABESS (1996, p. 14)
“são expressões de áreas de conhecimento necessárias à formação profissional”, buscou-se
discutir com as assistentes sociais, durante as entrevistas, quais as disciplinas que elas
lembravam-se ter cursado durante a formação profissional, a fim de remeter o diálogo ao
processo de ensino vivido, segundo as marcas das suas memórias acadêmicas e profissionais.
Em suas respostas, as assistentes sociais apontaram disciplinas diversas dos
componentes curriculares obrigatórios básicos da formação profissional em Serviço Social –
tratadas como componentes ‘da formação básica na área de humanidades’, conforme apontado
no Currículo de 1974, ou do ‘Ciclo Básico’, segundo o Currículo de 1984, ou ‘Área Básica da
Formação’, pelo Novo Currículo de 1994, ou finalmente nos ‘Núcleos de Fundamentos Teóricometodológicos da Vida Social e Fundamentos da Formação Sócio-histórica da Sociedade
Brasileira’, conforme os dois Projetos Pedagógicos vigentes em cada curso da UFAL. Foram elas:
Quadro 1 – Componentes básicos da formação profissional em Serviço Social
Disciplina citada [variações de nomenclatura]
Psicologia [Introdução a Psicologia; Psicologia Social]
Políticas Sociais [Política Social; Seminário Temático de Políticas Sociais]
Economia [Economia Política; Elementos de Economia]
Sociologia [Introdução à Sociologia]
Filosofia
Direito e Legislação Social [Direito e Legislação]
Antropologia [Elementos de Antropologia]
Movimentos Sociais [Classes Sociais e Movimentos Sociais]
Formação Sócio-histórica do Brasil [Formação Sócio-econômica do Brasil]
Sociologia Urbana, Rural e Familiar
Lógica e Informática
Sociedade, natureza e desenvolvimento da realidade
Ocorrências
9
9
6
4
4
4
3
3
2
1
1
1
Fonte: Entrevistas (2012).
80
As matérias básicas, conforme as Diretrizes Curriculares vigentes para os Cursos de Serviço Social no Brasil
(ABESS, 1996) podem ser oferecidas através de disciplinas, seminários temáticos, oficinas/laboratórios,
atividades complementares e outros componentes curriculares. Tais matérias básicas podem se desdobrar em
uma ou mais das atividades curriculares elencadas, devendo seus conteúdos estar necessariamente articulados
entre si.
330
Foram referenciadas pelas entrevistadas também várias disciplinas dos componentes
específicos da formação profissional em Serviço Social – denominadas de ‘Ciclo
Profissionalizante’, segundo os Currículos de 1974 e de 1984, ou ‘Área Profissional da
Formação’, pelo Novo Currículo de 1994, ou ainda no ‘Núcleo de Fundamentos do Trabalho
Profissional’, conforme os dois Projetos Pedagógicos atuais. São elas:
Quadro 2 – Componentes específicos da formação profissional em Serviço Social
Disciplina citada [variações de nomenclatura]
Fundamentos do Serviço Social [Fundamentos Teórico-metodológicos do Serviço
Social; Fundamentos I, II e III; Fundamentos sócio-históricos do Serviço Social;
Fundamentos I e II]
Ética [Ética Profissional; Ética em Serviço Social; Ética no Serviço Social; Ética e
direitos Humanos]
Noções de Administração [Administração em Serviço Social; Administração e
Planejamento em Serviço Social; Administração e Planejamento Social;
Planejamento Social]
Serviço Social e Processos de Trabalho I e II [Processo de Trabalho]
Oficina Técnico-operativa [Instrumentalidade do Serviço Social; Instrumental
Técnico do Serviço Social]
Estágio [Estágio Supervisionado; Estágio em Serviço Social I e II]
Questão Social e Serviço Social [Desenvolvimento Capitalista]
Teoria do Serviço Social
Metodologia do Serviço Social
História do Serviço Social
Trabalho e Sociabilidade
Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade
Pesquisa Social
Cooperativismo
Terceiro Setor (Eletiva)
Gestão, Financiamento e Controle de Políticas Públicas (Eletiva)
Seminário de Prática
TCC
Ocorrências
9
7
6
3
3
3
2
2
2
2
2
1
1
1
1
1
1
1
Fonte: Entrevistas (2012).
Analisando o elenco das disciplinas, a primeira observação é que algumas
profissionais anuíram, predominantemente, aquelas referentes aos componentes básicos da
formação, enquanto outras assistentes sociais fizeram considerações àquelas dos componentes
específicos à formação em Serviço Social. É notório que são mais citadas as disciplinas dos
componentes específicos, todavia não se pode atribuir pesos iguais aos dois componentes,
mesmo porque o número de disciplinas entre um e outro é diferenciado, inclusive entre os
diversos currículos operados por ambos os cursos.
Todavia, no cômputo geral, o que chama a atenção é que, ao contrário do que a
lógica de pensamento poderia supor, de que as disciplinas dos componentes específicos
331
seriam as mais lembradas pelas profissionais, visto que se relacionariam de forma mais
contundente com o exercício profissional, o que ocorreu foi uma indicação ampla e geral dos
componentes básicos da formação, tanto quanto aqueles específicos do Serviço Social. Tais
componentes básicos não deixaram de figurar em nenhum dos elencos das entrevistadas, o
que indica que, de fato, contribuíram e, por isto, foram importantes para a construção dos
fundamentos teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos necessários para
desenvolver os diferentes processos de trabalho que o Serviço Social executa nas diferentes
instituições, áreas temáticas de políticas e âmbitos de atuação.
Esta constatação é especialmente interessante, se caso analisarmos a proposta de
formação generalista que passou a figurar nos debates profissionais a partir de fins dos anos
1970 e que determinou mudanças nos currículos da formação já nos 1980, após a implantação
do Currículo Mínimo de 1982. A defesa que se fazia versava sobre a eliminação de uma
formação profissional fragmentada, compartimentada tanto nas especialidades profissionais,
quanto nas áreas de saber.
Ora, toma-se como exemplo a resposta de uma das entrevistadas, entendendo que ela
consegue expressar esta articulação entre as diversas disciplinas dos componentes aqui
tratados por ‘básicos’ e ‘específicos’ 81. Segundo a assistente social, “lembro-me de todas as
disciplinas e do conceito de cada uma, no entanto, posso destacar como fundamentais para a
atuação profissional: Ética e Serviço Social, Movimentos Sociais e Instrumental Técnico do
Serviço Social” (A. S. 11).
Muito embora as nomenclaturas das disciplinas citadas tenham variações conforme o
Projeto Pedagógico vigente na época em que ela as cursou, é interessante analisar que em seu
exercício profissional, possivelmente, as áreas temáticas abordadas nessas disciplinas devem
lhe apontar os mais significativos desafios no cotidiano do exercício profissional. Dessa
forma, se for considerada a precarização das condições de trabalho nas instituições, que
repercutem, inclusive, no exercício profissional, entender-se-á o destaque feito pela
profissional para a ‘ética’ como temática fundamental. O mesmo ocorrerá ao relacionar a
constatação sobre o desafio que as profissionais demonstraram encontrar no âmbito da
organização e mobilização coletiva dos grupos e movimentos sociais, compreender-se-á
importância da abordagem sobre os movimentos sociais durante a formação profissional. E
por fim, entende-se que o conjunto dos instrumentos técnicos do exercício profissional
81
Utiliza-se esta denominação simplificada, para facilitar a menção aos diferentes títulos dados aos componentes
básicos e específicos da formação em Serviço Social, que aparecem em cada um dos currículos ou projetos
pedagógicos dos dois cursos.
332
desafiam o profissional permanentemente, a saber, qual utilizará e porque, segundo cada
situação que se deparar.
É também necessário refletir especificamente sobre as disciplinas citadas em cada
um dos componentes da formação. Inicia-se o debate pelos componentes básicos da formação,
apresentados na primeira tabela. Destaca-se a expressividade da disciplina ligada à matéria de
‘psicologia’, apontada por nove das treze profissionais entrevistadas. Esta matéria apenas
igualou-se em menções, com as matérias de ‘política social’ e ‘Fundamentos do Serviço
Social’. Não se está apontando problema com a lembrança desta disciplina e muito menos
com a oferta. Todavia, o que chama a atenção é que a matéria básica ‘Psicologia’ (09) é
mencionada tantas vezes quanto, juntas, foram relembradas, por exemplo, as matérias de
Sociologia, Classes e Movimentos Sociais e Formação Sócio-histórica da Sociedade
Brasileira (09), todas dentro dos componentes básicos da formação, ou seja, no mesmo âmbito
da formação.
Ora, o processo de construção do Currículo Mínimo de 1982 apontava o tratamento
crítico que deveriam receber os processos societários em contraponto às reflexões que antes
seguiam a perspectiva psicologizante. A avaliação deste Currículo e a construção das
Diretrizes Curriculares de 1996 reforçaram a importância de discutir criticamente a sociedade,
em sua estrutura econômica capitalista, sua formação sócio-histórica, nos processos políticos
e na correlação de forças sociais que conformam a sociedade civil, retratada nas disputas entre
as classes sociais fundamentais, ou seja, a realidade social.
Entende-se que as três disciplinas acima sinalizadas são importantes para a apreensão
da realidade, no seu processo histórico e no tempo presente, especialmente no que tange a
dinâmica política, social e econômica da sociedade brasileira, sendo preocupante o fato de que
nenhuma das três marcou a formação profissional de, pelo menos, quatro profissionais.
Assim, considerando que apenas uma das profissionais entrevistadas formou-se antes da
indicação pela categoria profissional sobre a importância do debate de tais conteúdos na
formação profissional, reconhece-se a necessidade de que o corpo docente das duas escolas,
em interlocução com a ABEPSS, possa refletir com maior profundidade esta questão, já que
aqui é apenas possível sinalizar o alerta.
Correlato a esta questão, está o baixo índice de menção à matéria identificada pelas
entrevistadas como ‘Formação Sócio-histórica do Brasil’. A principal razão pode estar no fato
de que esta matéria básica indicada nas Diretrizes Curriculares de 1996 está ausente no
Projeto Pedagógico do curso de Serviço Social oferecido no Campus Arapiraca. Todavia,
mesmo tomando por amostragem apenas as nove profissionais formadas no curso do Campus
333
A. C. Simões, o índice de duas indicações é bastante baixo, o que aponta a necessidade de
avaliar como esta matéria está compondo a formação profissional oferecida pelo curso.
Especialmente sobre esta matéria, é imprescindível reconhecer que a sua baixa
expressividade na amostra desta pesquisa confirma a hipótese levantada inicialmente de que,
no processo de formação profissional, haveria uma fragilidade em relação ao reconhecimento
da formação sócio-histórica brasileira, o que implicaria diretamente na dificuldade de leitura e
análise da realidade social do país e do exercício profissional, na perspectiva da historicidade.
Sem impregnar as discussões, reflexões e análises, já durante a formação
profissional, da substância histórica dos processos sociais e das relações sociais que
ocorreram e ocorrem, segundo as particularidades brasileira, regionais e locais, é impossível
decifrar a realidade e, nela, os processos de desenvolvimento e amadurecimento profissionais
do Serviço Social, expressamente correlatos ao exercício profissional na atualidade.
Nesse sentido, é necessário reconhecer que este é um ponto fulcral de fragilidade na
formação oferecida nos dois cursos. Esse desconhecimento – que pode ser parcial – da
historicidade brasileira e profissional, impossibilita, certamente, a construção de um
conhecimento generalista, crítico e totalizante dos processos sociais, da realidade e da
profissão. Como efeito, são invisibilizados processos e sujeitos sociais – em seus modos de
vida e de trabalho – fragmentando a realidade e, por conseguinte, retirando a materialidade
histórica para pensar o exercício profissional, segundo os sujeitos que justificam sua
existência.
Destarte, parece que continua acontecendo aquilo que Iamamoto (2007) apontava ser
um limite da formação profissional desde a década de 1980, e que se manteve nas duas
décadas seguintes. Ora, ainda naquele primeiro período a autora alertava que a carência da
historicidade no debate teórico-metodológico estava comprometendo a apreensão das
particularidades prático-interventivas do Serviço Social. Iamamoto (2008) recentemente
reforçou este alerta, afirmando que “o legado já acumulado pelo pensamento social crítico
brasileiro sobre a interpretação do Brasil necessita ser apropriado e atualizado para, a partir
dele, pensar as particularidades dos processos sociais que conformam o Brasil
contemporâneo”. As considerações da autora, em dois tempos históricos distintos, indicam
que a formação profissional não deu conta de eliminar a carência de historicidade, que se
tornou um gargalo – também histórico – para o exercício profissional, dificultando-o, quando
não lhe retirando as possibilidades de efetivação na direção política que coletivamente
convencionou-se: a defesa intransigente dos direitos e das conquistas da classe trabalhadora e
334
a construção da emancipação política através dos processos participativos, segundo os valores
da liberdade e da democracia.
Portanto, um primeiro apontamento conclusivo é o reconhecimento da urgência em
garantir atenções em relação a como a formação sócio-histórica do Brasil e, regionalmente, do
nordeste e de Alagoas vem sendo tratada na formação profissional dos dois cursos e, sobre
tudo, como poderá adensar a matriz curricular.
Para finalizar a análise do primeiro quadro, sinaliza-se positivamente a discussão que
os cursos teriam realizado durante a formação profissional sobre a matéria de política social,
entendida como arena principal onde ocorre o exercício profissional. Sua presença na
memória sobre a formação da maioria das entrevistadas apontou tanto sua imprescindibilidade
no processo formativo, quanto seu aproveitamento dentro dos dois cursos de Serviço Social
ofertados pela UFAL e sua atualidade no exercício profissional de cada assistente social
entrevistada. Além dela, nota-se a visibilidade conferida à matéria básica de ‘economia
política’, que pensada criticamente, conforme as ementas e os conteúdos programáticos
analisados nos dois cursos, confere elementos para compreender o modo de produção
capitalista e a economia mundial e brasileira na atualidade.
Já em relação ao quadro dos ‘componentes específicos’ da formação profissional em
Serviço Social, foram apontadas com relevância as disciplinas da área de Fundamentos do
Serviço Social e Ética Profissional.
Em relação à primeira, é interessante perceber a transformação histórica desta
disciplina. Na menção das duas profissionais que se formaram segundo os dois primeiros
Currículos da UFAL (Campus A. C. Simões), ela aparece como três disciplinas dissociadas –
‘História do Serviço Social’, ‘Teoria do Serviço Social’ e ‘Metodologia do Serviço Social’,
além de ‘Serviço Social de Caso, Grupo e Comunidade’. Já para as outras nove profissionais,
é citada como uma única disciplina. A significativa transformação aconteceu, em nível
nacional, na passagem do Currículo Mínimo de 1982 para as Diretrizes Curriculares de 1996,
e objetivamente significou que os fundamentos históricos, teóricos e metodológicos passavam
a ser estudados de forma articulada, constituindo um conjunto de saberes sobre os
fundamentos profissionais. No âmbito interno da UFAL, a transformação chegou com o Novo
Currículo de 1994, apontando que o Curso ofertado no Campus A. C. Simões já tinha
incorporado àquela época algumas das sinalizações resultantes da avaliação da formação
curricular que a categoria profissional estava realizando. Em síntese, esta foi a matéria que
recebeu o maior número de menções, sendo citada por onze das treze entrevistadas, o que
confirma a sua centralidade no processo de formação profissional.
335
No que toca o destaque conferido à matéria sobre ‘Ética profissional’, entende-se que
seus conteúdos se materializam desde o cotidiano da formação profissional, seja nos
processos didático-pedagógicos em sala de aula, entre discentes e docentes, seja nos campos
de estágio, no ensino da prática profissional. Tais conteúdos se materializam, inclusive, como
elementos objetivos do exercício profissional, balizando este exercício segundo o
compromisso com o público-alvo do seu atendimento, mas também apontando para o
reconhecimento dos limites das instituições e das políticas públicas, que quando não
comprometem os preceitos éticos – e até causam violações –, dificultam o seu cumprimento.
Por isto, entende-se que o destaque dessa matéria básica retrata a transversalidade dos seus
conteúdos que atravessa a formação e o exercício profissionais.
Partindo para outra esfera do diálogo com as entrevistadas, direcionou-se a conversa
especificamente para a abordagem da realidade rural durante a formação profissional. Depois
de indagadas sobre quais as disciplinas cursadas lembravam-se, perguntou-se para as
entrevistadas se tinham cursado alguma disciplina que tratou sobre a realidade rural.
Em suas respostas, sete das treze entrevistadas – 54% – disseram não ter cursado
disciplinas com abordagem sobre o rural, o que sugere que as matérias da formação
profissional podem não estar conseguindo fazer a relação entre o rural e o urbano, enquanto
espaços indissociáveis na sociedade brasileira.
Deve-se registrar, aqui, a compreensão de que a realidade rural conforma a realidade
social e histórica brasileira, não podendo ser tratada de forma descolada dos processos sociais
e profissionais em suas totalidades. Igualmente não pode ser desconsiderada enquanto espaço
constituinte dos modos de vida e de trabalho dos indivíduos sociais, logo, também de suas
identidades. Por isso mesmo, entende-se que deveria aparecer de forma transversal na
abordagem da maioria das matérias básicas que tratam da vida social, da formação sóciohistórica do Brasil e da vida profissional do Serviço Social.
E se sua ausência sinalizava a necessidade de refletir sobre sua transversalidade na
formação, por outro lado, a resposta afirmativa da minoria das entrevistadas apontava que há
um processo em curso na formação profissional, que toca – mesmo que subliminarmente – a
realidade rural. Então, perguntou-se para as profissionais cuja resposta foi afirmativa, quais
foram – ou qual foi – as disciplinas e se elas se constituíam como disciplinas obrigatórias ou
eletivas. Nas respostas, foi identificado o seguinte elenco de disciplinas:
a) Obrigatórias: Sociologia rural, urbana e familiar; Psicologia Social; e Classes
sociais e movimentos sociais, sendo que apenas a última foi citada por três
entrevistadas;
336
b) Eletiva: Questão Agrária e Desenvolvimento Social, citada por duas entrevistadas.
Ora, a primeira constatação é que o elenco é bastante reduzido, mesmo somando-se
disciplinas obrigatórias e eletivas, o que reafirma que a temática não está perpassando os
conteúdos da formação profissional.
Na sequência observa-se que no primeiro grupo das disciplinas de caráter
obrigatório, salienta-se a presença de uma disciplina que compunha o Currículo de 1974 do
Curso de Serviço Social do Campus A. C. Simões, quando a formação profissional ainda
recebia forte influência da perspectiva do Desenvolvimento de Comunidades (DC) e quando o
exercício profissional poderia ocorrer no âmbito do Serviço Social Rural (SSR). Mesmo
considerando que a formação profissional era oferecida segundo a ‘setorialização do Serviço
Social’, não existia uma formação específica em Serviço Social Rural, e, dessa forma, tal
disciplina compunha o quadro dos componentes obrigatórios na formação profissional.
Na sequência deste Currículo, conforme analisado na terceira seção desta tese, a
partir do Currículo de 1984 do Curso da UFAL no Campus A. C. Simões, a abordagem sobre
o rural passou a ser trabalhada, com menor ênfase, na disciplina de Sociologia III e no Novo
Currículo de 1994 ela foi eliminada dos conteúdos de Sociologia, que passou a ser oferecida
num único módulo de disciplina, conforme se registrou na terceira seção desta tese.
Além dessa, outra disciplina que recebe relevância neste primeiro grupo é ‘Classes e
Movimentos Sociais’. Tal disciplina foi inserida nos componentes obrigatórios dos cursos de
Serviço Social no Brasil a partir das Diretrizes Curriculares de 1996. Nos cursos de Serviço
Social da UFAL esta disciplina começa a ser ofertada a partir de 2006, no Campus Arapiraca
– através da implantação do primeiro Projeto Pedagógico deste curso –, e em 2007, no
Campus A. C. Simões – através do Projeto Pedagógico de 2006. É necessário registrar que, no
curso oferecido no Campus A. C. Simões, antes da criação desta disciplina, seus conteúdos já
eram parcialmente ministrados na disciplina ‘Movimentos Sociais e Educação Popular’, desde
o Novo Currículo de 1994. Nela, a abordagem sobre ‘o rural’ aparece a partir das discussões
sobre o principal movimento social do campo, o MST, que tinha despontado no cenário
brasileiro na década de 1980 e já na década de 1990 construía sua história como o maior
movimento social organizado e atuante da América Latina. É o que confirma uma das
assistentes sociais entrevistadas, quando afirma que a realidade rural era tratada, “[...] mas de
forma bem sutil, na disciplina “Movimentos Sociais”, que tratou do movimento MST” (A. S.
1).
337
No âmbito das disciplinas eletivas o ‘rural’ vai aparecer como tema tratado na
formação profissional oferecida no curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios. Por ter caráter eletivo, esta disciplina não é cursada por
todos os discentes que fazem o curso nesta Unidade Educacional, razão que explica o fato de
que apenas duas das quatro assistentes sociais formadas neste mesmo curso – num intervalo
de dois anos entre a formatura da primeira e da última profissional que concluiu o curso nesta
Unidade Educacional – afirmaram ter cursado esta disciplina.
Embora sejam reconhecidos os limites dessa abordagem aparecer numa disciplina
eletiva – discussão também realizada na terceira seção deste trabalho –, salienta-se a
importância do seu oferecimento no quadro da formação profissional, abordando
especificamente o tema da ‘questão agrária’ em correlação com o ‘desenvolvimento social’.
Por outro lado, há um alerta feito por uma das duas entrevistadas, quando diz que
“[...] tratou sobre a realidade rural, contudo, acredito que, faltou o olhar do Serviço Social
sobre essa realidade” (A. S. 8). O primeiro registro em relação à fala da entrevistada se refere
ao fato de que esta disciplina eletiva foi lecionada por um docente do ‘tronco intermediário’ 82
do curso, com formação em história e sociologia, o que explica, por si só, a ausência do “olhar
do Serviço Social” mencionada pela entrevistada.
Não obstante isso possa ocorrer, visto a importância do olhar de outras áreas
profissionais a dialogar com o Serviço Social durante a formação profissional, nota-se a
significativa pertinência do registro da profissional para a discussão desta tese, pois a reflexão
aqui construída tem como enfoque a relação entre o Serviço Social e o espaço rural,
resguardando o fato de que há espaços sócio-ocupacionais em funcionamento diretamente no
campo, no Estado de Alagoas. Assim, sendo uma das propostas analisar como dialogam o
exercício e a formação profissional, parece imprescindível salientar que a abordagem sobre o
rural, quando aparece na formação profissional, não resguarda a perspectiva do Serviço
Social, nem toma como exemplo – objeto de discussão – o exercício profissional que está
sendo desenvolvido nos espaços sócio-ocupacionais rurais.
Destarte, a posição aqui assumida é que, ao contrário do que vem acontecendo no
âmbito da formação profissional, é imprescindível tratar sobre a realidade rural desde o
campo de atuação da própria profissão, isto tanto nos componentes básicos quanto específicos
82
A explicação sobre o ‘tronco intermediário’ já constou na terceira seção da tese, quando se debateu sobre a
proposta, dita inovadora, de organização da matriz curricular dos cursos inseridos no Projeto de Interiorização
da UFAL, a partir de três troncos de ensino, a saber: tronco inicial; tronco intermediário; e tronco
profissionalizante.
338
da formação profissional, pois é a mediação entre eles que constitui a visão de totalidade, e o
caráter generalista e de historicidade proposto nas Diretrizes Curriculares de 1996.
De forma geral, no que se refere às disciplinas dos atuais Projetos Pedagógicos dos
dois cursos, percebe-se que a abordagem sobre o rural poderia se consolidar em várias delas,
uma vez que – conforme foi discutido na primeira seção da tese – entende-se que o rural, em
seus diversos aspectos, faz parte da história passada e presente da sociedade brasileira, visto
que conforma esta sociedade capitalista. Sem ele, não é possível compreender a formação
sócio-histórica do Brasil e o seu significado no que tange a dinâmica capitalista na atualidade
e as relações sociais (e políticas) nela inscritas. Sem a discussão sobre o rural, corre-se o risco
de fragmentar a formação profissional, pois se está correndo o risco também de fragmentar a
própria realidade social que é o eixo central da formação profissional e deve ser tratada na sua
historicidade e totalidade.
Por isto, é hora, quem sabe, de discutir e avaliar os conteúdos programáticos e as
bibliografias das disciplinas, a fim de perceber possíveis ausências onde o rural deveria estar
presente, como nas disciplinas da matéria de ‘Política Social’, ‘Trabalho e Sociabilidade’,
‘Desenvolvimento Capitalista e Questão Social’, ‘Direito e Legislação Social’, ‘Serviço
Social e Processo de Trabalho’, além de ‘Fundamentos Históricos, Teórico-metodológicos do
Serviço Social’ e, principalmente, ‘Formação Sócio-histórica do Brasil’, entre outras. Aliás,
quiçá seja hora também para avaliar os Projetos Pedagógicos dos dois cursos, revisando as
disciplinas obrigatórias ou eletivas, ou até mesmo propondo novas disciplinas, que tratem de
forma transversal sobre a realidade rural e o exercício profissional que a ela está ligado.
Neste sentido, para finalizar as análises deste item do capítulo, registra-se a urgência
de que na avaliação e revisão do Projeto Pedagógico do Curso de Serviço Social do Campus
Arapiraca, seja inserida na matriz curricular disciplina(s) que aborde(m) a matéria básica
sobre Formação Sócio-histórica do Brasil, constante nas Diretrizes Curriculares de 1996,
pelas razões defendidas no decurso deste item do estudo.
O rural deve começar a aparecer na formação profissional, se não pela razão de que
compõe a realidade social, compreendida em sua totalidade, pelo menos porque se configura
como lugar de referência para espaços sócio-ocupacionais que ressurgiram para a profissão em
Alagoas, como aquele ligado à execução da PNATER/2004, ou então como aqueles que
surgiram desde os anos 1990, pela via dos movimentos sociais, ou mais recentemente na segunda
metade dos anos 2000, no âmbito da execução da atenção básica prevista na PNAS/2004.
Por conseguinte, é o exercício profissional que está demandando – e até mesmo
exigindo – que a formação profissional revise a abordagem sobre a realidade social, sobre a
339
sua carência de historicidade, e sobre a discussão objetiva, de forma transversalizada, sobre o
rural nas matérias básicas da formação profissional, e de forma objetiva nas disciplinas
desenvolvidas nos componentes eletivos da formação profissional. Não é mais possível
permanecer invisibilizando o rural na formação profissional, quando ele se manifesta
incisivamente no exercício profissional.
4.2.2 O estágio supervisionado, o Trabalho de Conclusão de Curso e as temáticas da
realidade rural
Tomando como pressuposto que “o estágio supervisionado constitui-se como momento
privilegiado de aprendizado teórico-prático do trabalho profissional”, e que o Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) “deve ser entendido como um momento de síntese e expressão da
totalidade da formação profissional” (ABESS, 1996, p. 19), entendeu-se a importância de
discutir três questões: a) como tais processos de aprendizagem estão se efetivando na formação
oferecida pelos dois cursos? b) Neles está acontecendo a reflexão sobre a realidade rural? e c)
Tal reflexão faz relação entre o exercício profissional e esta realidade?
Assim, durante o diálogo com as assistentes sociais abordou-se primeiramente como
haviam realizado estas duas “atividades indispensáveis integradoras do currículo” da
formação em Serviço Social, segundo as Diretrizes Curriculares de 1996 (ABESS, 1996, p.
19). O entendimento que instigou a abertura deste debate nas entrevistas foi de que o estágio
supervisionado, pela sua característica de ‘unidade teoria-prática’, a partir do processo de
ensino-aprendizagem realizado em um espaço sócio-ocupacional, sob supervisão direta de
dois assistentes sociais – um como supervisor de campo e outro como supervisor acadêmico –
, configura-se como atividade em potencial para ocorrer a articulação entre a formação
profissional e a realidade social, da qual o rural é parte na totalidade.
Ora, o estágio é um dos principais espaços da formação para a apreensão dos
determinantes da realidade que implicam no exercício profissional, pois nele o processo de
ensino-aprendizagem ocorre de forma prática, a partir da inserção do estudante na dinâmica
institucional e profissional, destacando-se o contato objetivo com os usuários e as demandas
que trazem para o atendimento do Serviço Social. Assim, entende-se existir a possibilidade de
que, a partir do campo de estágio, a realidade rural se explicite aos discentes, tornando-se
objeto de intervenção da prática de ensino, tendo como solo quaisquer setores de políticas
sociais – não necessariamente a política agrária ou agrícola. Isso porque é a partir dos serviços
340
que operacionalizam as diversas políticas públicas, especialmente aquelas de recorte social,
que os sujeitos rurais, com suas realidades, modos de vida e necessidades, buscam as
respostas para sanar as suas demandas, através do atendimento também do Serviço Social,
inclusive no espaço urbano.
Ao mesmo tempo,
O estágio se constitui num instrumento fundamental na formação da análise crítica e
da capacidade interventiva, propositiva e investigativa do(a) estudante, que precisa
apreender os elementos concretos que constituem a realidade social capitalista e suas
contradições, de modo a intervir, posteriormente como profissional, nas diferentes
expressões da questão social, que vem se agravando diante do movimento mais
recente de colapso mundial da economia, em sua fase financeira, e de
desregulamentação do trabalho e dos direitos sociais (ABPSS, 2009, p. 11).
Somando-se todos esses pressupostos, ao que as entrevistadas já haviam relatado na
primeira etapa do diálogo, quando indicaram que também no espaço rural estão postas as
contradições do modo de produção capitalista, e que nele se encontram variadas expressões da
questão social, ora, era preciso discutir com elas se o processo de estágio que tinham vivido
durante a graduação, tinha proporcionado a cada uma fazer tal leitura do rural e da realidade
social capitalista.
A primeira temática suscitada para o diálogo sobre os campos de estágio versava
sobre a área em que foi cumprido o estágio supervisionado obrigatório. Em suas respostas, as
profissionais indicaram as mais variadas áreas, conforme demonstra o gráfico abaixo.
Gráfico 1 – Área de cumprimento do Estágio Supervisionado Obrigatório em Serviço Social
Saúde - Atenção básica
1
Saúde mental
1
4
Infanto-juvenil
1
Assistência Social
1
Idoso
Sócio-jurídica
1
2
2
Empresa
OnG - Desenvolvimento comunitário
Fonte: Entrevistas (2012).
341
Ao observar o gráfico, percebe-se a diversidade dos campos e das áreas temáticas do
estágio cumprido pelas entrevistadas e nela, o rural não aparece de forma objetiva. No âmbito
dessa diversidade, é possível identificar as duas tendências de maior concentração do
exercício profissional, que, por consequência, acabam sendo as duas áreas de maior abertura
dos campos de estágio: a saúde e a assistência social. Ora, caso sejam somadas as duas áreas
citadas na saúde, quais sejam a atenção básica e a saúde mental, ter-se-á o índice de seis
estágios cumpridos, ou seja, quase metade da amostra total. Da mesma forma, ao somar as
áreas infanto-juvenil, do idoso e da assistência social – a política social em que as duas
primeiras estão localizadas –, chegar-se-á a ordem de quatro estágios, índice que também é
significativo na amostragem considerada.
Assim, mais do que confirmar localmente – através desta pequena amostragem de 13
assistentes sociais formadas nos cursos da UFAL – a tendência já apontada em outra região do
Brasil (VASCONCELOS, 2006), bem como nacionalmente (CFESS, 2005; IAMAMOTO,
2009)83, salienta-se a existência de certa diversificação dos campos de estágio, mesmo que
estejam referenciados dentro de uma ou duas políticas de atenção social, o que reflete, de
alguma forma, a diversificação dos espaços sócio-ocupacionais e do público atendido pelo
Serviço Social. Nesta diversificação, há presença tanto da atenção básica, prestada na saúde e
na assistência, mas também aquela realizada no atendimento direto prestado para a classe
trabalhadora (estágio em empresa), para a sociedade civil (estágio em organização
comunitária) e para as famílias no âmbito do judiciário. Há também o atendimento de média
complexidade, nas experiências de estágio com ‘idoso’: “meu estágio foi com Idosos, no
CREAS” (A. S. 12); ‘infância e juventude’ e em ‘saúde mental’: “meu estágio curricular
obrigatório foi na área da saúde mental, no Hospital Escola X” (A. S. 4).
Afinal, em todos os espaços sócio-ocupacionais, políticas e níveis de atendimento, as
possibilidades de trabalhar com a população rural84 e com as respostas para suas demandas
são significativas, considerando o perfil do Estado de Alagoas, já discutido no último capítulo
da primeira seção. Assim, se numa primeira provocação do diálogo, não figurou o espaço
83
Faz-se referência à pesquisa de Vasconcelos (2006) no Rio de Janeiro na área da saúde; à pesquisa nacional
realizada pelos Conselhos Regionais de Serviço Social em conjunto com um grupo de pesquisadores da UFAL,
coordenados pela Profa. Dra. Rosa Prédes e publicada pelo Conselho Federal de Serviço Social (2005); e à
discussão realizada por Iamamoto (2009), na introdução do módulo sobre ‘os espaços sócio-ocupacionais do
assistente social, do curso de especialização ‘Serviço Social: direitos sociais e competências profissionais’.
84
Considera-se população rural aquela que vive ou viveu e trabalha ou trabalhou no campo, mesmo que agora
não continue a morar ou trabalhar neste lugar. Isto porque se identifica que, ainda quando há ruptura do
vínculo de trabalho ou moradia no campo, ele permanece enquanto modo de vida, sendo reproduzido nos
hábitos, nos costumes, nos imaginários sociais dos indivíduos, também quando ocorre a migração para a
cidade.
342
rural como campo específico de realização do estágio curricular obrigatório, isso não
demonstra que a realidade rural não tenha estado presente nas experiências de estágio.
Para especificar o olhar para a relação ‘estágio e espaço rural’, as entrevistadas foram
impelidas a responder se alguém da turma delas havia cumprido o estágio em algum espaço
sócio-ocupacional que guardasse alguma relação com o espaço rural. Em suas respostas, sete
entrevistadas disseram não lembrar e outras seis afirmaram que não houve esta relação entre
estágio e realidade rural. Destarte, de uma ou de outra forma, nenhuma das entrevistadas
identificou a presença da relação entre ‘espaço rural e o campo de estágio’, o que indica
subliminarmente que não reconheceram o atendimento de sujeitos rurais e de suas demandas –
elementos correlatos ao espaço rural – nas suas experiências de estágio. Assim, não foi
possível identificar na pesquisa se em cada campo de estágio existiu a possibilidade de
encontrar nos atendimentos os sujeitos ou demandas rurais, a não ser que no diálogo se
evidenciasse a possibilidade de resposta, correndo o risco de induzir o resultado da pesquisa.
Ponderando as reflexões das assistentes sociais, expressas no capítulo anterior desta
mesma seção, de que no espaço rural são ainda ausentes os serviços e equipamentos públicos
de atendimento dos direitos sociais, entende-se que esses serviços são buscados pelos sujeitos
rurais no espaço urbano, uma vez que suas demandas são reais e precisam ser sanadas.
O recurso aos equipamentos e serviços urbanos pode acontecer no nível de atenção
básica das políticas, mas geralmente esta procura pelo atendimento tem ocorrido no nível de
média e alta complexidade. Isto porque, diante da ausência de atendimento no espaço rural, num
primeiro momento o indivíduo e/ou sua família tentam resolver a demanda autonomamente, ou
então recorrendo às relações de vizinhança e comunitárias. Porém, quando a situação já oferece
gravidade e não há como resolvê-la nestes âmbitos, busca-se pelo atendimento urbano, que lá
chega com perfil para a média e alta complexidade. Esta lógica de procura pelo atendimento é
frequente, por exemplo, na área de saúde, quando a situação já demanda internamento
hospitalar, ou mesmo na área específica de saúde mental, quando já é necessário o atendimento
com tratamento compulsório, ou ainda, no âmbito da violência intra-familiar, conforme
anteriormente apontaram algumas das profissionais do CRAS Rural de Batingas.
Enfim, nota-se que está sendo difícil para o Serviço Social reconhecer a relação
direta que existe entre o exercício profissional e a realidade rural. Ora, se reconhecer esta
relação é algo desafiador, mesmo para aquelas que atualmente estão em contato direto com a
realidade rural, entende-se que este desafio foi e continua sendo ainda maior em relação aos
profissionais cujo exercício ocorre no espaço urbano. Isto porque, conforme já alertava
Iamamoto (2007) a tendência é considerar a sociedade – e as manifestações da questão social
343
decorrentes da ordem capitalista – numa ótica evidentemente urbana, dissociando-a dos
processos sociais, políticos, econômicos e culturais que ocorrem no rural brasileiro e que
implicam também nas demandas sociais que despontam nas cidades.
A formação profissional pode estar contribuindo muito para esta fragmentação na
leitura sobre os processos sociais da realidade brasileira e para o ofuscamento do rural que
chega para o assistente social também nos espaços urbanizados. Sabe-se que a invisibilidade
apontada através da reflexão sobre as experiências de estágio não se situa apenas nesta atividade
formativa, visto que já foi evidenciada no âmbito das disciplinas. Contudo, havia de se verificar
também a atividade de TCC, sabendo que ela é apontada pela ABESS (1996) como atividade
indispensável da formação profissional. De tal modo, outro aspecto da formação de graduação
eleito para a discussão com as entrevistadas foi o processo de construção do TCC.
Tomando como pressuposto que o momento de investigação e de elaboração deste
trabalho consolida a síntese da formação profissional, que se relaciona objetivamente com a
dinâmica da realidade social – seja na reflexão sobre os processos societários e/ou na análise
do próprio exercício profissional –, entendeu-se que ainda nessa atividade a realidade rural
poderia aparecer de forma transversalizada nos diversos temas abordados, ou, ainda,
objetivamente como objeto de análise.
Dessa forma, passou-se a tratar com as entrevistadas sobre os temas dos TCCs,
primeiramente indagando-as sobre o objeto tratado por elas na sua pesquisa final de conclusão
de curso. Numa pergunta de caráter aberto, as respostas também foram abertas e por isto,
bastante variadas. No quadro abaixo segue a sistematização sobre os temas discutidos pelas
treze assistentes sociais nos seus TCCs.
Quadro 3 – Temas e áreas dos Trabalhos de Conclusão de Curso
Tema tratado no TCC, segundo as entrevistadas
Área temática
identificada pela
pesquisadora
Limites e possibilidades de atuação do assistente social na Política de
Assistência Social
Assistência Social
Breve análise sobre a política de educação inclusiva no contexto do
capitalismo
Educação
O trabalho e a pessoa idosa: uma questão de direito
Idosos
O “Sucateamento” da Infância: da realidade do segmento infanto-juvenil e
a proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente – 20 anos
depois
O meio ambiente, com foco em uma comunidade da cidade de Maceió
Infância e Juventude
Meio ambiente
344
Tema tratado no TCC, segundo as entrevistadas
Área temática
identificada pela
pesquisadora
Movimentos Sociais em Alagoas e controle social
Movimentos sociais
Capitalismo monopolista e Estado de Bem-Estar Social: uma breve reflexão
sobre a origem das políticas sociais
Política Social
A atuação do assistente social na Política de Saúde
Saúde
Política Nacional de Planejamento Familiar x Política de Controle da
Natalidade
Saúde
A contribuição do Serviço Social na Estratégia Saúde da Família
Saúde
Rotatividade da mão de obra, numa Empresa Autoviária
Trabalho
A inserção de pessoas com deficiência auditiva no espaço sócioocupacional em Maceió.
Trabalho / Pessoa com
deficiência
A configuração do trabalho no setor sucroalcooleiro de Alagoas: uma
análise da condição do trabalhador rural
Trabalho/rural
Fonte: Entrevistas (2012).
Visualiza-se novamente a grande diversidade de temáticas abordadas pelas atuais
assistentes sociais, agora em relação à pesquisa final que lhes possibilitou a conclusão do
curso. Tais temas, de forma geral, estão ligados à área temática e/ou ao objeto principal de
intervenção do estágio supervisionado.
Neste sentido, há de se considerar que o processo de produção de uma pesquisa de
caráter teórico-metodológico, cujo objeto de estudos configurou-se anteriormente como
objeto de intervenção de estágio, ou também de prática de extensão ou ainda resultante da
participação em espaços variados da academia, como o movimento estudantil, por exemplo,
tem se mostrado valioso, dentro do processo de formação. Ele provoca no discente a
necessidade de articular em torno do objeto da prática as dimensões que foram postas durante
todo o processo de formação, quais sejam: teórico-metodológicas, técnico-operativas e éticopolíticas, as quais são indissociáveis no exercício profissional.
Sobre isto, consta nas Diretrizes Curriculares de 1996 a sugestão preferencial de que
o processo investigativo síntese da formação profissional – o TCC – possa resultar da prática
de estágio, reforçando que necessariamente esta investigação deverá desenvolver o caráter
teórico sobre o tema antes foco de intervenção, articulando este àquele caráter que antes tinha
sido predominantemente técnico. Recomenda-se também que, sendo o TCC resultante da
prática de estágio, que se dê especial atenção à discussão teórica dos elementos que
constituem o exercício profissional com o qual o estudante teve contato (ABESS, 1996).
345
É o que confirma o fragmento a seguir das Diretrizes, quando orienta que no TCC o
discente deve
[...] sistematizar o conhecimento resultante de um processo investigativo, originário
de uma indagação teórica, preferencialmente gerada a partir da prática do estágio no
decorrer do curso. Este processo de sistematização, quando resultar de experiência
de estágio, deve apresentar os elementos do trabalho profissional em seus aspectos
teórico-metodológico-operativos.
Além disso, considera-se que os TCCs podem resultar de indagações surgidas em
outras atividades da formação profissional, tais como o processo de ensino das matérias
operado pelas disciplinas, os projetos de pesquisa, as ações e projetos de extensão, as
experiências político-organizativas e de representação estudantil nos diversos âmbitos da
universidade etc.
Ter encontrado indagações teóricas nessas outras atividades, que foram capazes de
sintetizar o processo de formação profissional das entrevistadas, à época em que concluíram o
curso, justifica a presença de temas que não apareceram antes, quando foi discutida a prática
do estágio supervisionado. Assim, nas respostas das entrevistadas, notou-se o surgimento de
discussões teóricas sobre educação, meio ambiente, política social e trabalho – pessoas com
deficiência e trabalhadores rurais –, que foram surgindo como resultado dessas outras
atividades. Quiçá foram elas que despertaram nas entrevistadas, à época da graduação, o
reconhecimento de problemas de pesquisa, ainda não resolvidos até aquele momento do
processo de formação.
E então, diante das novas temáticas, eis que a abordagem sobre as condições do
trabalhador rural no setor sucroalcooleiro de Alagoas chama a atenção, justamente porque a
partir deste TCC surge o ‘rural’ no processo de formação de uma das entrevistadas, hoje já em
exercício profissional.
No decorrer da conversa com a profissional que trabalhou o tema, entendeu-se que a
abordagem resultou das indagações provocadas pela sua participação em um projeto de
pesquisa de iniciação científica – processo que aponta a relevância da pesquisa para o
reconhecimento da realidade –, vinculado ao projeto ‘O Serviço Social no Setor
Sucroalcooleiro de Alagoas e suas interfaces com os direitos dos trabalhadores’, iniciado em
2009 e coordenado pela Profa. Dra. Maria Virgínia Borges do Amaral 85.
85
A Professora Dra. Maria Virgínia Borges do Amaral foi orientadora tanto do Projeto de Iniciação Científica
(PIBIC) quanto do TCC da profissional entrevistada e é docente da Faculdade de Serviço Social da UFAL,
Campus A. C. Simões. Coordena atualmente outro projeto cujo tema é correlato, qual seja “As condições de
trabalho na agroindústria canavieira e o Serviço Social na interface com os direitos dos trabalhadores’, iniciado
em 2011 e ainda em andamento.
346
Este TCC originado de um projeto de pesquisa de iniciação científica apontou que a
temática agrária estava aparecendo no âmbito da pesquisa no curso oferecido no Campus A.
C. Simões86, através da abordagem de um tema de significativa relevância, considerando a
configuração da economia do Estado, historicamente ligada aos engenhos, aos banguês e às
usinas de açúcar. Na realidade do rural canavieiro, encontram-se as origens de muitas
expressões da questão social que perpassam – por vezes de modo latente e noutras de forma
evidenciada – todo o Estado de Alagoas, mas manifestam-se principalmente na zona da mata,
no litoral e na capital. Esta realidade é ainda marcada na atualidade pela expropriação da terra
dos pequenos produtores, pela dominação política e econômica – com reflexo na produção de
relações sociais violentas –, pelas mortes violentas, pelo desemprego no campo e pelas
migrações sazonais ou temporárias forçadas pela pobreza, miséria e fome. Enfim, uma
realidade balizada pela ausência de um Estado que, nesta região, é agrário em suas raízes e em
sua atual dinâmica de gestão governamental.
Todavia, mesmo identificando que a discussão deste aspecto da realidade rural do
estado esteve presente na formação da assistente social entrevistada, uma questão ainda
permanecia, sem que se pudesse resolvê-la naquele instante, pois ela requisitava recursos de
pesquisa não disponíveis no momento – como, por exemplo, entrevistar as coordenações de
curso em diferentes períodos. Ora, essa questão versava sobre como esta realidade agrária (e
rural) de Alagoas transversalizava a formação profissional de todo o curso e não apenas
aquela vivida pela entrevistada. Em outras palavras: como a questão agrária – levantada no
âmbito das relações sociais de trabalho dos trabalhadores rurais do setor sucroalcooleiro –
aparecia nas discussões em sala de aula, nos seminários e eventos do curso, nos espaços
coletivos de estudos, pesquisas e extensão, a ponto de produzir na comunidade acadêmica
conhecimentos sobre este elemento da realidade social de Alagoas.
86
Embora não tenha aparecido nas falas das profissionais entrevistadas, formadas no Curso de Serviço Social do
Campus Arapiraca, Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, registra-se que também neste curso estão em
desenvolvimento projetos de pesquisa e extensão, vinculados ao: a) Observatório da Questão Rural, em
funcionamento desde 2010, coordenado por esta pesquisadora, dos quais são exemplos os Projetos de Iniciação
à Pesquisa-Ação (PIBIP-Ação) ‘O reconhecimento do campesinato e das ruralidades no Agreste Alagoano e a
construção de relações sociais entre os indivíduos camponeses e a Universidade’; e ‘Identidades rurais em
Arapiraca: permanências e rupturas e suas inflexões no cotidiano do exercício profissional do Serviço Social’;
b) Programa de Educação Tutorial / Núcleo de Estudos do Semiárido (PET/NESAL), também em
funcionamento desde 2010, sob tutoria da Profa. Dra. Maria Ester Ferreira da Silva, dos quais são exemplos os
projetos ‘MAHURA – Memória e História das Mulheres Quilombolas “Trabalhadeiras” da Tabacaria –
Palmeira dos Índios’ no âmbito de PIBIP-Ação e ‘Formação em direitos sociais, mobilização e controle social
para lideranças e membros da comunidade quilombola da Tabacaria – Palmeira dos Índios’, no âmbito das
ações de extensão. Além disto, segundo dados da Coordenação de TCC deste curso, foram defendidos até 2012
dois TCC de uma mesma turma (concluintes de 2011/2) que abordaram temáticas correlatas ao rural. Foram
eles: ‘Entre possibilidades e contradições no espaço rural: exercício profissional do Serviço Social no CRAS
Rural de Batingas, em Arapiraca’, da discente-concluinte Karina Lima Duarte; e ‘Questão agrária e o modo de
produção capitalista’, da discente-concluinte Viviane Alves, ambos orientados por esta pesquisadora.
347
Apesar de apontar esta demanda da investigação, reconhece-se que no diálogo com
as profissionais entrevistadas não foi possível adentrar no debate sobre as atividades
complementares na formação profissional e, nelas, sobre a abordagem da realidade rural.
Certamente este foi um dos aspectos da formação que se conseguiu dar pouca visibilidade
durante a pesquisa, o que depreende a necessidade de tratá-lo com maior atenção no futuro.
Seguindo a discussão com as entrevistadas sobre os temas dos TCCs, desencadeou-se
outra indagação: alguém da turma que tinha concluído o curso com elas, tratou sobre alguma
questão correlata ao rural em seu TCC? E, se alguém o fez, relacionou com o Serviço Social?
Nas respostas, oito das treze entrevistadas disseram que não se lembravam de que
algum colega tivesse tratado do tema e quatro afirmaram que o tema não foi tratado por
ninguém. Apenas a entrevistada que já tinha indicado ter tratado sobre o tema em seu TCC,
identificou que a sua pesquisa de conclusão de curso foi a única da sua turma a tratar sobre
um tema correlato ao rural. Essa mesma entrevistada, na sequência da resposta, fez uma
observação bastante pertinente, de que em seu TCC não fez a relação entre o tema abordado e
o Serviço Social.
Fundamentalmente, o que chama a atenção nas respostas das entrevistadas é a
invisibilidade da abordagem sobre a realidade rural, que aparece tanto naquelas que dizem
que não foi tratado o tema, quanto naquelas de não se lembram de que alguma colega o tenha
discutido. Ao contrário do que pode acontecer nos campos de estágio supervisionado, onde o
rural poderia estar presente, mas não foi reconhecido pelas entrevistadas, nos TCC’s os
objetos de pesquisa devem estar bem definidos. Dessa forma, quando se afirma que não foi
tratado nenhum aspecto da realidade rural nos TCCs é porque essa abordagem, de fato, não
foi feita.
Afinal, deve-se considerar que no desenvolvimento dessa ‘atividade indispensável’
na formação – o Trabalho de Conclusão de Curso – têm aparecido algumas discussões que
versam sobre temas correlatos ao rural, todavia, isso ainda ocorre de forma insípida. Assim,
ponderando que o TCC é a síntese do processo de formação, entende-se que sua presença no
quadro das abordagens indica que a realidade rural está aparecendo neste processo, todavia
ainda se requer ampliá-la.
Para finalizar este item da discussão, salienta-se que, em relação ao estágio
curricular, é necessário atentar para dois fatos. O primeiro é que não se está promovendo
condições para que os processos sócio-ocupacionais do Serviço Social no espaço rural sejam
discutidos durante a formação profissional. Um indicativo foi o fato relatado pelas
entrevistadas de que inexistem campos abertos para estágio supervisionado curricular nas
348
instituições onde elas atualmente exercem a profissão, na execução ou gestão de serviços e/ou
políticas públicas agrárias, agrícolas ou mesmo sociais, diretamente no espaço rural.
O segundo é que a transversalidade do ‘rural’ não está aparecendo nas discussões do
exercício profissional, de forma geral. Isto possivelmente ocorre porque a leitura da realidade
social ainda é feita de forma fragmentada e a-histórica. Neste sentido, é preciso garantir que
esta leitura da realidade assuma a centralidade no processo de formação, conforme está
proposto nas Diretrizes Curriculares de 1996. E ainda, que esta leitura seja feita sob uma
perspectiva crítica, totalizante e histórica, conforme já requisitava Iamamoto (2007).
Portanto, é preciso ter aportes teórico-metodológicos, técnico-operativos e éticopolíticos que possibilitem a leitura desta realidade rural e o reconhecimento dos sujeitos do
campo e das suas demandas. A perspectiva crítica dialética, que direciona hegemonicamente o
projeto profissional do Serviço Social desde a década de 1980 é requisito fundamental para
que estes aportes sejam trabalhados com efetividade na formação profissional. Requisita-se,
dessa forma, um debate constante e vigilante sobre formação, a fim de fundamentá-la na
realidade e nos processos sociais, políticos, econômicos e culturais cotidianos da sociabilidade
capitalista, a qual funda a profissão.
4.2.3 O caráter generalista da profissão e o reconhecimento da realidade rural
Ainda na década de 1980 a profissão apontava em seus debates a necessidade de
garantir uma formação profissional generalista. Essa necessidade é reforçada na década de
1990, quando ocorre a avaliação do processo de formação que estava em curso. Neste
segundo momento, reforçava-se a imprescindibilidade do caráter generalita associado ao
totalizante, na construção da formação profissional direcionada segundo o projeto éticopolítico que se firmava naquele momento. Entendia-se que tal perfil da formação seria capaz
de oferecer os aportes críticos para a leitura da realidade social, em suas múltiplas dimensões
e em seu caráter histórico, possibilitando reconhecer o principal sujeito da ação profissional, o
seu modo de vida e de trabalho, as suas necessidades e demandas, as suas particularidades e
singularidades, que captadas sob a perspectiva totalizante, torna-o sujeito coletivo, integrante
da classe trabalhadora.
Essa realidade social, histórica e totalizante, era posta como elemento central no
processo de formação e deveria captar, inclusive, as especificidades regionais e locais, como
também àquelas das dinâmicas institucionais e das diferentes políticas sociais.
349
Afirmava-se ainda a necessidade de um tipo de formação que compreendesse que a
profissão está envolta em múltiplos determinantes e que ela é contraditória, pois é parte e
efeito das relações sociais que, na sociabilidade capitalista, são fundamentalmente
contraditórias.
Esse tipo de formação deveria assegurar os referenciais teórico-metodológicos
críticos, capazes que produzir análises sobre a singularidade e a universalidade do objeto de
intervenção, cujos estudos tivessem como base de fundamentação o exercício profissional, a
fim de refletir sobre as suas demandas e limites cotidianos e, sobre eles, originar
possibilidades de atuação. Assim, deveria superar o distanciamento entre reflexão teórica e
práticas cotidianas, relacionando o âmbito da investigação como condição sine qua non para a
formação e o exercício profissional comprometidos com a nova direção política que a
profissão estava construindo desde a década de 1980.
Ora, esse tipo de formação, sendo efetivada realmente, produziria profissionais
habilitados para reconhecer as especificidades – voltando a salientar, na lógica da mediação
entre singularidade/universalidade/particularidade – do espaço rural que compõem a
totalidade da realidade social, inclusive no tocante a formação sócio-histórica. Desse modo, a
formação generalista genérica e totalizante asseguraria os elementos necessários para
compreender o rural como constituinte da realidade brasileira que oferece chão para o
exercício profissional, indicando nas singularidades/universalidade/particularidades desse
espaço – e dos sujeitos e modos de vida que o constituem – as demandas, desafios e
possibilidades de atuação junto à classe trabalhadora.
A proposta desse tipo de formação consolidou-se como pressuposto legal para a
formação em Serviço Social a partir da aprovação, pela categoria, das Diretrizes Curriculares
de 1996. Segundo tais Diretrizes, essa formação volta-se para produzir um “profissional
dotado de formação intelectual e cultural generalista crítica, competente em sua área de
desempenho, com capacidade de inserção criativa e propositiva, no conjunto das relações
sociais e no mercado de trabalho” (ABESS, 1996, p. 27).
Desde então, esse é o tipo de formação profissional que os cursos de Serviço Social
no Brasil – articulados através da ABESS, que atualmente constitui-se na ABEPSS – têm
buscado oferecer. Sem dúvida, o primeiro sinal do caráter generalista da formação já começa
a se fazer presente no curso de Serviço Social da UFAL do Campus A. C. Simões desde os
anos 1980, quando da extinção, no Currículo do Curso de 1984, da formação setorializada,
sinalizando o acompanhamento do debate nacional de implantação do Currículo Mínimo de
1982 para os cursos de Serviço Social no Brasil.
350
No Novo Currículo de 1994 este caráter é reafirmado, destacando-se que a formação
profissional deveria produzir profissionais aptos para operar transformações, segundo a
realidade social alagoana e brasileira, entendendo o seu compromisso de mediar a garantia
dos direitos sociais, antecipando as mudanças que levariam ao devir social. Por fim, esse tipo
de formação é explicitado no Projeto Pedagógico de 2007, vigente atualmente, quando se
aponta que um dos traços do perfil do egresso é “profissional generalista, com competências
teórica, metodológica e política, referenciado no conhecimento das Ciências Sociais e da
teoria social de Marx, com capacidade de análise crítica e propositiva nos diversos espaços
sócio-institucionais” (UFAL/Curso de Serviço Social, 2007, p. 2).
O curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, Unidade Educacional de Palmeira
dos Índios, considerando a sua recente criação, posterior à consolidação nacional das
Diretrizes Curriculares de 1996, surge definindo em seu Projeto Pedagógico original o mesmo
perfil generalista da formação eminente nas Diretrizes Curriculares. As duas modificações
realizadas no Projeto original, especialmente a segunda, realizada em 2008, reforçou tal perfil,
conferindo destaque para a formação generalista crítica, considerada como primeira dentre
os seus atributos.
Ponderando isso tudo, percebeu-se a necessidade de dialogar com as entrevistadas,
hoje em exercício profissional, como o caráter generalista tinha perpassado pela formação
recebida em um dos dois cursos da UFAL. Para aproximá-las dessa discussão, depois de ter
exposto a definição desse tipo de formação, segundo o debate da categoria profissional,
indagou-as se a formação que tinham recebido teve ou não o caráter generalista, deixandolhes aberta a possibilidade de comentar a resposta.
Seguindo o desencadeamento histórico da formação profissional oferecida pela
UFAL, doze delas disseram reconhecer o caráter genérico da sua formação e apenas uma
disse ter dúvidas quanto à identificação deste traço na formação recebida no âmbito da
graduação. Em relação ao grupo das doze profissionais, notou-se que todas ingressaram na
UFAL a partir do início dos anos 1990, o que indica que foram formadas com base nos
Currículos que incorporavam este caráter (1984, 1994, 2006 e 2007). Já a entrevistada que
manifestou dúvida quanto a esse perfil da formação, foi a única formada ainda pelo Currículo
de 1974, cujo caráter era ainda setorializado e compartimentava o conhecimento profissional
em áreas de saber que gradualmente eram associadas – de forma justaposta – mas não
articuladas.
E se a identificação geral das entrevistadas confirmou o caráter pretenso da formação
profissional, os seus comentários sucessivos deixaram indagações, em primeiro lugar, sobre a
351
apreensão do significado do caráter generalista, crítico e totalizante da formação profissional,
e, em segundo lugar, sobre os limites para efetivação desse tipo de formação.
A primeira preocupação é exemplificada na fala de uma das entrevistadas, quando
afirmou “acredito que [foi generalista] sim, pois as disciplinas traziam materiais de diversos
autores do Serviço Social, que faziam análises de conjunturas, o que nos permitia estar
sintonizados com a realidade não só profissional como da sociedade como um todo” (A. S. 8).
Identifica-se em seu comentário que a entrevistada confunde, mesmo que minimamente, com
o caráter pluralista da formação, muito embora depois aponte o desenvolvimento da
habilidade para analisar a realidade social e profissional, como características resultantes
deste tipo de formação. Deve-se dizer que a sutil confusão feita por esta entrevistada em
relação ao caráter pluralista, ficou bastante definida nos comentários de outras profissionais –
no total, quatro delas –, como aquela que justificou a presença do caráter generalista, “pois, os
textos discutidos permeavam sobre várias perspectivas teóricas” (A. S. 11).
Diante dessas percepções, não se pode deixar de problematizar como que a formação
generalista, crítica e totalizante poderia resultar em confusões epistemológicas como esta,
entre o caráter generalista e aquele plural? A resposta poderia ser que a formação, embora
ocorra no âmbito coletivo, através da construção socializada do conhecimento, constitui-se
por processos que, frequentemente, são pessoais, individuais. Assim, a confusão apontada
pelas quatro entrevistadas, pode se configurar como ocorrência isolada dentro do quadro geral
de egressos dos cursos, e do quadro geral de características da formação. Todavia, cumpre
apontar aos corpos docentes, às coordenações e colegiados de cada curso para que se atentem
ao desenvolvimento deste caráter da formação em Serviço Social, que é um de seus – ou o seu
– principais pressupostos, pois uma das possibilidades para o seu não reconhecimento pelos
egressos é que não esteja sendo desenvolvido, de fato.
Por outro lado, também chamou a atenção o que outra entrevistada comentou sobre o
significado e as consequências deste tipo de formação generalista. Para ela,
[...] Esse tipo de formação nos apresenta os instrumentos teórico-metodológicos que
irão conduzir para a compreensão da realidade social. Sendo importante salientar
que um dos principais instrumentos é a análise de conjuntura de forma crítica e
reflexiva. Porém a formação não traz a fundo nenhuma política social específica. Ou
seja, apenas nos dá subsidio/base [sic] para a compreensão das políticas, a partir do
conhecimento de suas particularidades e singularidades (A. S. 10).
Segundo o seu comentário, o significado deste tipo de formação e sua justificativa é
conferir aportes, subsídios, base para que o profissional compreenda a realidade social, em
352
suas particularidades, e nela atue segundo a política específica e a realidade institucional, as
quais configurarão o espaço sócio-ocupacional em que se inserirá como assistente social.
Mesmo que a última entrevistada tenha sinalizado elementos que apontam para o
caráter generalista da formação, ainda havia uma segunda preocupação, que resultou do
reconhecimento que algumas entrevistadas apontavam, inclusive, os limites da formação
generalista que lhes foi ofertada, analisando as dificuldades encontradas quando do ingresso
no exercício profissional. Nesse sentido, uma das assistentes sociais asseverou que
Entendi como generalista, uma visão geral de todas as áreas que o Serviço Social
atua e da sociedade que compreende as relações sociais. Mas, penso que muita coisa
específica, é apagada no caráter generalista da formação, e deixa de ser vista [sic], o
que faz falta na atuação profissional. Como exemplo, cito o próprio Serviço Social
na área rural, na área sociojurídica e etc. (A. S. 2).
Logo, segundo a entrevistada, um dos possíveis limites em relação a como está sendo
implementado o caráter generalista é que esteja se perdendo a discussão das particularidades –
deve-se entender as particularidades como resultantes da mediação necessária entre
singularidade e universalidade – das questões que envolvem a formação profissional, as quais
emergem da realidade social e, nela, do exercício profissional. Assim, possivelmente na
tensão de garantir a totalidade dos processos, ficar-se-ia preso às macrodeterminações, à
análise da macrorrealidade, sem conceder a atenção às singularidades que as constituem e
devem compor suas análises. Se assim estiver ocorrendo, há de se atentar às mediações
necessárias entre os componentes – o universal e o singular, o macro e o micro, o total e o
particular – da realidade social, dos processos e relações sociais e, finalmente, da formação e
do exercício profissionais.
O último comentário que chamou a atenção remeteu às estratégias profissionais
necessárias para que a formação de caráter generalista possa produzir bons efeitos para o
exercício profissional. Conforme a assistente social,
Ao entrar no mercado de trabalho me senti um pouco despreparada justamente por
esta particularidade da nossa formação e pelo leque de setores em que podemos
atuar. Tentando superar essa deficiência, busquei afunilar meus conhecimentos
através da pesquisa e da leitura nas áreas que estou atuando (A. S. 5).
Percebe-se na sua fala, que a profissional apontou, ao mesmo tempo, um limite deste
tipo de formação – ao dizer que se sentiu despreparada –, mas também indicou o requisito
fundamental para que a formação generalista cumpra a sua proposta: a permanente
atualização profissional, através das leituras, mas principalmente da investigação sobre a
353
realidade e sobre o exercício profissional, segundo as particularidades que são – ou serão –
encontradas sempre que se ingressa num espaço sócio-ocupacional.
Assim, a formação generalista, crítica e totalizante somente desempenha a função a
ela imputada se for seguida do compromisso profissional em fazer cotidianamente a leitura e
análise da realidade social, das demandas que dela emergem e do exercício profissional
necessário frente ao contexto. O cuidado que se deve ter é para não ‘empurrar’ a
responsabilidade pela leitura e análise das singularidades, apenas para o profissional, após a
sua formação acadêmica. Neste sentido, o caráter generalista deve assegurar os aportes
teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos necessários para que a leitura e
análise da realidade social e do exercício profissional ocorram permanentemente, em suas
especificidades, sem perder de vista a totalidade social.
Na sequência do diálogo, afunilou-se o debate propondo que as entrevistadas
avaliassem se a formação generalista lhes possibilitava o reconhecimento das dimensões
particulares do espaço rural. O gráfico a seguir ilustra as suas respostas.
Gráfico 2 – A formação generalista e as particularidades da realidade rural
A formação generalista concedeu os aportes para análise das
especificidades do rural?
Sim
2
8
não
Muito pouco
2
Quantidade de respostas
Fonte: Entrevistas (2012).
A expressividade das respostas que indicaram que a formação generalista não lhes
conferiu aportes para trabalhar na realidade rural apontou a urgência em refletir sobre os
motivos pelos quais as profissionais não encontram na formação generalista tais aportes. Será
que esta o problema estaria na execução dessa proposta, ou seja, será que estaria sendo
354
‘apenas pretensamente’ generalista e não ‘de fato’? Ou será que, sendo realmente generalista,
estava falhando ao tratar a totalidade dos processos envolvidos na realidade social brasileira?
Bem, procurou-se compreender a situação, observando primeiro as respostas das
assistentes sociais que afirmaram ter encontrado na formação generalista os aportes para a
atuação no espaço rural. Uma delas (A. S. 11) justificou que a formação generalista tinha lhe
conferido fundamentos para trabalhar em equipe multiprofissional, o que, de alguma forma,
possibilitava, em seu processo de trabalho, responder às questões pertinentes às
especificidades rurais. O teor da resposta fez com que, inicialmente, fosse cogitado
desconsiderá-la, pois havia dúvidas se a profissional não estava confundindo ‘generalidade’
com ‘interdisciplinaridade’. Então, insistiu-se na resposta que foi confirmada nos mesmos
termos. Assim, buscou-se entender os nexos que a faziam pensar assim. Percebeu-se que, a
partir do trabalho em equipe multiprofissional, é possível agregar uma diversidade maior de
conhecimentos sobre a realidade rural, que possibilita compreendê-la e, ao mesmo tempo,
traçar as estratégias coletivas de intervenção, mas também aquelas específicas do Serviço
Social. Ora, neste caso, a formação generalista do Serviço Social funcionaria como pano de
fundo, sendo determinante a agregação de conhecimentos da equipe multiprofissional para
trabalhar as especificidades da realidade rural. Portanto, o fator que lhe concede aportes para
trabalhar na realidade rural é preponderantemente o caráter multidisciplinar da equipe
profissional e apenas secundariamente a formação generalista.
A segunda assistente social que confirmou que a formação generalista possibilitoulhe aportes para trabalhar num espaço sócio-ocupacional de características rurais disse que
“são poucas as particularidades que diferenciam o público-alvo da política de assistência no
rural, se compararmos com o urbano. Visto que, as políticas públicas, de forma geral,
universalizam o atendimento, todavia a política de previdência social possui concessões
diferenciadas” (A. S. 4).
Neste caso, a profissional parte do ponto de vista que o desenho institucional das
políticas não indica um atendimento diferenciado entre o rural e o urbano, o que,
consequentemente, não requisitaria diferenciar o processo de trabalho nos espaços ligados
objetivamente à realidade rural. Dessa forma, não havendo demanda por um processo de
trabalho diferenciado, a formação generalista estaria conseguindo oferecer subsídios a esse
tipo de exercício, que seguindo a lógica de encadeamento da resposta, acaba sendo também
genérico – mas não generalista –, como se fosse o cumprimento de um protocolo institucional.
Outra vez, preocupa-se com a resposta da entrevistada, primeiro porque a
profissional não diz que não existem particularidades em relação à realidade rural. O que ela
355
diz é que são ‘poucas as particularidades’ entre um e outro público-alvo da política, porque
institucionalmente se universaliza o atendimento. Isso significa que não se está partindo da
realidade rural e das especificidades que envolvem o modo de vida e de trabalho dos sujeitos,
os quais determinam também as suas necessidades sociais e as demandas que apresentam para
os serviços e equipamentos de atendimento das políticas sociais.
Considerando que tais especificidades foram relatadas pelas várias profissionais no
primeiro capítulo desta seção, não se trata de agora negá-las. Logo, a análise confirmaria o
que já tinha sido alertado anteriormente, de que a profissão estaria olhando mais para o Estado
e para o desenho institucional do atendimento dos direitos sociais, do que para a realidade
social e para os processos sociais, políticos, econômicos e culturais em que estão envolvidos
os indivíduos e que determinam suas necessidades sociais. Assim, se esta posição profissional
for ampliada dentre a categoria, percebe-se o risco de que o Estado – e a classe que o domina
– volte a determinar o exercício profissional do Serviço Social, assim como ocorreu desde a
sua institucionalização no Brasil, até a segunda metade da década de 1970, quando as forças
internas da profissão começaram a operar o processo de ruptura das amarras tradicionais que
atrelavam a profissão ao conservadorismo. Portanto, profissionalmente é preciso estar atentos,
assumindo essa discussão de modo especial no âmbito da formação profissional, perguntandose sobre que formação se está oferecendo e sob quais objetivos.
Por outro lado, aquelas profissionais que disseram que a formação de caráter
generalista não lhes ofereceu os aportes necessários para trabalhar com as especificidades do
espaço rural, apontaram que elas encontraram tais aportes no próprio exercício profissional. A
fala da seguinte entrevistada é representativa da opinião das demais, pois
[...] para trabalhar com as especificidades características do espaço rural a minha
formação não me propiciou as bases para esse reconhecimento. Quando comecei a
atuar meu primeiro emprego foi em um município na zona agreste de Alagoas. Só
nessa prática profissional comecei a reconhecer as particularidades do exercício
profissional nesse espaço. E devo dizer que não foi fácil. O cotidiano nesse espaço
de atuação demanda outras reflexões e ações muito diferentes do que aprendi na
Universidade (A. S. 3).
Outro dado a ponderar nas falas dessas oito profissionais é que sugeriram que o rural
esteve ausente na formação generalista. Assim, por um lado, para elas a formação teve caráter
generalista, o que as preparou para o trabalho nos diferentes espaços sócio-ocupacionais das
políticas sociais, segundo o desenho predominante em cada política. Contudo, por outro lado,
a questão é que não houve aproximação com a realidade rural em nenhuma das dimensões da
formação profissional. Para elas, foi como se o rural tivesse sido invisibilizado da formação
profissional e como se ele não existisse enquanto possibilidade de atuação profissional. A
356
consideração na sequência representa esta análise das entrevistadas. Nela, a assistente social é
enfática ao dizer: “[...] de forma alguma me possibilitou! Durante a minha formação não
entrei em contato com essa realidade, nem de forma teórica, nem prática, o que não me
permitiu conhecer as particularidades dessa demanda” (A. S. 5).
Por último, reporta-se ao fato que a formação, para ser de fato generalista, requisitaria
desenvolver vários aspectos durante a formação profissional, isto é, dentro da própria matriz
curricular da graduação, seja através da inserção de novas disciplinas, seja de conteúdos nas
disciplinas já existentes, ou ainda a garantia da discussão de temas nas atividades indispensáveis
da formação profissional, os quais, por enquanto, ainda são insípidos.
Assim, há que se buscar solucionar estas lacunas, que por enquanto estão sendo
resolvidas individualmente pelos profissionais, depois de formados e já em exercício
profissional, num esforço de atualização permanente, seja pelas leituras que fazem, pelos
cursos de formação complementar que frequentam, ou ainda pelo simples, mas árduo
enfrentamento da realidade social em sua diversidade posta nos espaços sócio-ocupacionais.
É o que apontam as falas de duas colegas, transcritas a seguir. Cada uma, de seu
jeito, indica onde foi encontrando os aportes necessários para trabalhar, enquanto assistentes
sociais, as especificidades rurais.
Considero sim que foi uma formação generalista, contudo, minha atuação
profissional posterior em um movimento social do campo, revelou-me a ausência de
conteúdos das matérias curriculares relacionadas à área de ruralidades e
organizações populares. Esta base formativa foi possível tendo em vista minha
vinculação na graduação a um grupo de pesquisa em movimentos sociais e
oportunidades que tive de formação complementar em metodologias populares e
educação popular depois da graduação. Considero também importante fortalecer na
graduação – aspecto que hoje considero que foi ausente – o conhecimento das
particulares da formação social alagoana (A. S. 6).
A formação generalista não me possibilitou o reconhecimento das dimensões
particulares da realidade rural. Reconhecer estas dimensões no espaço rural me foi
possibilitado a partir de minhas experiências de militância mesmo antes de minha
formação acadêmica e intensificado agora durante minha atuação profissional (A. S.
7).
Sintetizando a discussão sobre a formação de caráter generalista, crítica e totalizante
do Serviço Social e suas implicações para o exercício profissional em espaços diretamente
correlatos ao rural, conclui-se com as seguintes assertivas:
a) Os cursos estão trabalhando o que entendem por formação generalista e estão
deixando que o próprio exercício profissional possibilite ao assistente social
formado conhecer as particularidades que compõem o genérico. Assim, estão
357
responsabilizando muito o profissional no que tange ao reconhecimento das
particularidades, e responsabilizando-se pouco pela mesma tarefa.
b) Entende-se que uma formação generalista que não trata as singularidades e
particularidades que envolvem a realidade social, inclusive em sua dimensão
histórica, está, de fato, invisibilizando-as. Destarte, mesmo que apenas uma parte
da realidade, dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais esteja
fugindo do olhar, das discussões e análises da formação generalista, então, estarse-ia colocando em suspenso, automaticamente, o seu caráter generalista.
c) O Serviço Social quer uma formação de caráter generalista, propõe-se desenvolvêla, envida esforços teórico-metodológicos, técnico-operativos e ético-políticos
para o feito, entretanto, talvez o máximo que esteja conseguindo efetivamente é
desenvolver o olhar crítico para a realidade. Possivelmente também esteja
conseguindo manter – de forma teimosa – a hegemonia da direção política
fundada no materialismo histórico dialético de Marx e não setorializar a formação
profissional no nível de graduação em especialidades. Porém, será que isto é
suficiente para consolidar a formação generalista?
d) É desafiador assegurar a perspectiva da totalidade na leitura e análise da realidade
brasileira. Até o momento, não se está conseguindo olhar para ela na sua
historicidade, razão que, por si só, já a fragmentaria. Possivelmente, estar-se-ia
fragmentando-a em seus processos sociais, políticos, econômicos e culturais, que
sustentam a sociabilidade capitalista. E ainda, estar-se-ia fragmentando-a entre o
que é urbano e o que é rural; o que é classe trabalhadora e o que ‘agoniza abaixo
da linha do trabalho formal’; o que é político e o que é social. E sendo assim,
estar-se-ia também erodindo a base da dialética na análise da realidade, pois é
impossível existir campo de forças e correlação de forças, onde há fragmentação
desses componentes. Logo, há possibilidade de que se esteja comprometendo a
totalidade, a historicidade e a dialética na análise da realidade e dos processos
sociais. E, se assim o for, como sustentar o caráter generalista da formação?
e) É urgente refletir sobre a centralidade da realidade social no processo de
formação, bem como sobre o tratamento que se tem conferido à reflexão sobre a
358
formação sócio-histórica da sociedade brasileira. Todas as duas implicam no
caráter generalista da formação profissional. Se persistirem as brechas abertas na
formação devido às insuficiências ou às ausências provocadas por elas, também
dessa forma corre-se o risco de depor definitivamente o caráter generalista da
formação profissional, já tão ameaçado.
Sem querer ser fatalista, mas sim objetiva, calçada na realidade sobre a formação
profissional que as treze entrevistadas relataram até o momento, há de se evidenciar que a
forma como se implementou as Diretrizes Curriculares tem colocado em risco a efetivação de
seus princípios. Possivelmente a formação esteja planejada para um lapso de tempo bastante
restrito em relação ao conjunto de saberes que se pretende desenvolver nela. Talvez, ainda
faltem elementos nas matérias básicas e nos demais componentes e atividades curriculares
indispensáveis da formação profissional. Quem sabe ainda a articulação/mediação na
perspectiva de unidade entre os três núcleos da formação profissional não esteja ocorrendo.
Ou, quiçá, simplesmente se esteja deixando de lado os elementos que foram colocados pela
categoria profissional como indispensáveis, centrais, no processo de formação, dentre os quais
se cita a leitura e análise da realidade.
Em qualquer das hipóteses levantadas, a conclusão é apenas uma: a proposta de
formação desenhada coletivamente, com caráter generalista, está em suspenso, ou seja,
encontra-se ameaçada na sua consolidação. Isto não ocorre em um ou outro curso analisado,
pelo contrário, é um sintoma partilhado entre as escolas brasileiras de Serviço Social, que se
arrasta há algumas décadas, conforme foi registrado por outros autores, como Iamamoto
(2007; 2008) e Koike (2009). É necessário, portanto, tomar coragem para admitir que estão
postas dificuldades para implementar as diretrizes tal como propostas e, a partir disso,
estabelecer saídas para, de fato consolidá-las.
4.2.4 As Diretrizes Curriculares e a nova lógica de organização da matriz curricular na
formação profissional oferecida na UFAL – Breves considerações
Analisadas as questões sobre o caráter generalista da formação, percebia-se a
necessidade de discutir com as entrevistadas 87 um último aspecto da formação profissional,
87
Nessa última parte das entrevistas, foram apenas seis as assistentes sociais com as quais se conversou sobre a
nova lógica de organização curricular. Isto porque essa nova lógica começa a ser implantada nos currículos dos
359
também reconhecido como fundamental no desenho das Diretrizes Curriculares de 1996: a
organização de forma articulada dos núcleos de fundamentos da formação. Isto porque é a
partir da articulação dos conteúdos expressos nesses três núcleos que constitui a totalidade de
conhecimentos necessários para a compreensão do processo de trabalho do assistente social
(ABESS, 1996). Caso esta articulação ocorresse com dificuldade, ou mesmo não ocorresse, a
totalidade de conhecimentos necessária para o exercício profissional poderia estar
comprometida.
Assim, a proposta da organização curricular a partir dos núcleos de fundamentos da
formação configurava-se como estratégia para reforçar o caráter generalista da formação, e
superar a fragmentação do processo de ensino-aprendizagem, operando especialmente a
mediação da unidade teoria e prática, historicamente apontada como limite a ser superado na
formação profissional, desde o lustro final da década de 1970.
Dessa forma, mesmo sabendo que poucas profissionais entrevistadas tinham sido
formadas desde a implantação dessa nova lógica de organização curricular nos dois cursos da
UFAL, entendeu-se oportuno refletir com elas o significado desta inovação na formação para
o exercício profissional. De tal modo, o objetivo nesta parte final das entrevistas foi perceber
se a nova lógica de organização da matriz curricular estava produzindo a articulação entre os
três fundamentos da formação profissional, considerados pela categoria profissional, desde a
década de 1990, como um conjunto de conhecimentos indissociáveis e articulados entre si,
quais sejam: o núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social; o núcleo de
fundamentos da formação sócio-histórica da sociedade brasileira; e o núcleo de
fundamentos da vida profissional.
Sinaliza-se que nesta parte do diálogo não se fez nenhuma provocação para as
entrevistadas no que tange a relação entre esse tipo de formação e o exercício profissional no
espaço rural. Isto porque se entendia que, caso a indissociabilidade e articulação previstas
estivessem ocorrendo, a perspectiva da totalidade, o reconhecimento da historicidade presente
na realidade e nos processos sociais e profissionais já avançaria consideravelmente na direção
da sua consolidação, o que certamente traria ganhos objetivos no exercício profissional em
cursos de Serviço Social do Brasil a partir dos anos 2000 - quando as Diretrizes Curriculares de 1996 são
aprovadas pelo MEC, através da Resolução CNE/CES nº 5, de 13 de março de 2002, com todos os prejuízos
conceituais em relação à proposta original da categoria, já discutidos na segunda seção desta tese. Na UFAL a
nova organização curricular será implantada ainda depois: a partir de 2006, com o início do Curso de Serviço
Social no Campus Arapiraca; e a partir de 2007, no Campus A. C. Simões, com a implantação no novo Projeto
Pedagógico do curso. Logo, apenas estas seis profissionais foram formadas segundo os projetos pedagógicos
que já incorporavam a nova lógica de organização curricular.
360
quaisquer espaços sócio-ocupacionais, e, por conseguinte, também naqueles objetivamente
rurais.
Então, provocação inicial para as entrevistadas foi para que falassem,
resumidamente, sobre cada um dos três núcleos da formação profissional. Antes disso,
explicou-se para elas sobre esta inovação nas Diretrizes Curriculares, sobre os efeitos
esperados com a modificação dos currículos dos cursos, e, finalmente, foram-lhes relatados,
apenas nominalmente, os três núcleos da formação profissional.
Como resultado da provocação, as seis conseguem identificar de forma bastante
ampla os componentes que constituem cada um dos três núcleos. É certo que umas têm maior
ou menor dificuldade para isto, todavia percebe-se que as profissionais conseguiram
reconhecer os núcleos constituintes da formação que lhes foi oferecida. É o que sinaliza a
resposta de uma das entrevistadas, quando diz que
O núcleo de fundamentos teórico-metodológicos da vida social fornece
conhecimentos diversos no intuito de possibilitar uma compreensão mais ampla das
particularidades presentes na dinâmica da vida social da sociedade burguesa. Já o
núcleo de fundamentos da particularidade da formação sócio-histórica da
sociedade brasileira diz respeito aos conhecimentos acerca das particularidades
históricas das diversas regiões e locais da sociedade brasileira e o núcleo de
fundamentos do trabalho profissional refere-se a todos os elementos do Serviço
Social e sua práxis, tais como sua trajetória histórica, teórica e metodológica, bem
como a ética profissional. Elementos estes fundamentais para o exercício da
profissão (A. S. 9, grifo nosso).
Nota-se na fala da assistente social que ela indica que são conhecimentos necessários
ora para aprender a particularidade da dinâmica da vida social, ora para se apropriar das
particularidades históricas da sociedade brasileira, incluindo as especificidades regionais e
locais. Por fim no último núcleo, o mote do pensamento da entrevistada foi apontar que são
conhecimentos fundamentais para o exercício profissional que virá a partir dessa formação.
A resposta de outra entrevistada também chamou a atenção. Em sua afirmação,
bastante sintética, o elemento-chave que articula os três eixos da profissão é a ‘realidade’.
Para ela, “o primeiro núcleo é importante para analisar a realidade social, o segundo para
conhecer a história e a partir dela entender a realidade atual e o terceiro possibilita aprender as
ações pertinentes à atuação do Serviço Social nas instituições, segundo a realidade em que se
inscreve” (A. S. 11).
Destarte, haveria um indicativo de que a leitura e análise da realidade, tanto
reclamada pela profissão nas avaliações sobre a formação e exercício profissionais na década
de 1990, e que apareceu ainda insípida nas análises gerais – relativas à amostra total das treze
361
entrevistadas – sobre a formação oferecida pela UFAL, poderia estar se redesenhando,
justamente como resultado desse novo modelo de organização da formação profissional.
Há ainda uma observação pertinente às profissionais formadas no curso oferecido no
Campus Arapiraca, Unidade Educacional de Palmeira dos Índios. Todas as quatro assistentes
sociais demonstraram maior dificuldade para tratar sobre os dois primeiros núcleos de
componentes da formação, que tratam respectivamente sobre os fundamentos teóricometodológicos da vida social e sobre os fundamentos da formação sócio-histórica brasileira.
Sugere-se ao curso dar atenção ao modo como estão sendo consolidados esses núcleos
de fundamentação da formação, já indicando três possíveis limites a serem discutidos. O
primeiro – pensa-se já resolvido parcialmente –, trata-se do fato que inicialmente a organização
da matriz curricular, segundo os três eixos da formação profissional, tinha sido desconsiderada
na versão original do Projeto Pedagógico implantado no curso. Mesmo considerando que no
primeiro ano da formação ocorreu uma revisão curricular que alterou o Projeto, organizando-o
segundo a lógica proposta nas Diretrizes Curriculares de 1996, esta ‘inserção suplementar’ pode
não ter conseguido extinguir os reflexos da ausência original. Por isto, sugere-se que o corpo
docente avalie a articulação entre os núcleos de fundamentação da formação profissional, os
conteúdos e áreas do conhecimento congregados neles, discutindo a necessidade de mais
alguma alteração que possibilite a mediação entre eles, na perspectiva da unidade entre os
conhecimentos, conforme as características de cada componente curricular envolvido.
Associado a este primeiro limite, indica-se um segundo, que igualmente merece a
atenção do corpo docente. Refere-se à organização da matriz curricular característica de todos
os cursos do Projeto de Interiorização da UFAL, subdividido 88 em tronco inicial,
intermediário e profissionalizante. Ao contrário da lógica de articulação e indissociabilidade
entre os núcleos proposta pela categoria profissional, através da ABEPSS, expressa nas
Diretrizes Curriculares de 1996, a lógica da organização curricular em três troncos de ensino
segue totalmente dissociada. Como esta subdivisão acompanha a ordenação curricular dos três
núcleos de fundamentos, o que pode estar ocorrendo é que a fragmentação dos troncos de
ensino esteja provocando também a dissociação e fragmentação entre os núcleos de
fundamentos e entre as matérias básicas e as atividades indissociáveis da formação
profissional neles contidos.
O terceiro limite percebido é a ausência marcante da matéria básica sobre a formação
sócio-histórica do Brasil no segundo núcleo de fundamentos da profissão. Entende-se que os
88
Este termo está sendo empregado propositalmente para indicar a lógica fragmentada de divisão entre os três
troncos de ensino propostos no Projeto de Interiorização da UFAL.
362
conteúdos indicados nas Diretrizes Curriculares de 1996, como componentes desta matéria,
são essenciais para a articulação dos conhecimentos que perpassam toda a formação
profissional. Sua ausência no processo formativo pode estar colocando em risco o
reconhecimento da realidade e dos processos sociais que envolvem o exercício profissional na
sociedade e, portanto, dificultariam a apreensão da profissão em si.
Esse alerta já foi feito na terceira seção desta tese, na perspectiva de um ‘possível’
efeito da ausência da abordagem desta matéria básica. Todavia são as entrevistadas –
enquanto profissionais formadas pelo curso – que vêm expressar em suas falas que o
‘possível’ se ‘concretizou’. Portanto, indica-se a urgência em proceder a avaliação do Projeto
Pedagógico – que se sabe, já está em curso – sob o risco de continuar produzindo uma
significativa lacuna na formação profissional. Esta situação deve ser revertida, pois
[...] Uma visão teoricista da competência profissional, restringida parcialmente à
apropriação teórico-sistemática das principais matrizes do pensamento social [...],
mas descolada de uma base de informação histórica sobre a sociedade brasileira [...]
constrói um discurso acadêmico genérico, envernizado teoricamente, mas estéril no
desvendamento dos processos sociais que circunscrevem o exercício do Serviço
Social na sociedade brasileira, porque dela alijado (IAMAMOTO, 2007, p. 247,
grifo nosso).
O registro destas observações em relação ao curso oferecido no Campus Arapiraca,
Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, embora feito com base na análise das respostas
das assistentes sociais formadas neste curso, ampliam-se em relação à sugestão de reflexão e
avaliação também para o curso do Campus A. C. Simões, uma vez que ambos os Projetos
Pedagógicos estão articulados e possuem traços em comum – não obstante a lógica curricular
dos troncos de ensino esteja ausente no segundo curso.
A última provocação de diálogo feita junto às entrevistadas, direcionou-se para saber
quais os conteúdos elas lembravam-se de ter estudado em cada um dos três núcleos de
fundamentos. Possivelmente como afunilou-se o eixo da resposta, o que ocorreu foi o
surgimento de certa confusão de conteúdos entre, pelo menos, três delas, ou seja, a metade da
amostra de entrevistadas.
Sobre as que fazem a confusão de conteúdos, deve-se dizer que ocorre especialmente
no âmbito dos dois primeiros núcleos de fundamentos, quais sejam: os fundamentos teóricometodológicos da vida social e os fundamentos sócio-históricos da sociedade brasileira. Esta
certa confusão não fica restrita nas profissionais formadas em um ou outro curso, mas sim,
são comuns aos dois.
Sobre as três que conseguem lembrar e relacionar significativamente os conteúdos aos
núcleos, tem-se a registrar que elas conseguem encadear os conteúdos, apontando uma
363
importante articulação, o que levaria a sugerir que, no que tange a nucleação dos três eixos de
fundamentos da formação, apesar de alguns limites – dentre os quais aqueles recém-apontados –
a proposta pedagógica dos dois cursos está conseguindo atingir, mesmo que parcialmente, os
resultados esperados com a implantação das Diretrizes Curriculares. É notório que a amostra
que gerou esta breve análise foi pequena e restrita às profissionais formadas neste último
período e que trabalham em espaços sócio-ocupacionais rurais. Todavia, ela indica possíveis
avanços na formação profissional, passíveis de melhor aprofundamento reflexivo e analítico.
Considerações finais da seção, à guisa de encerramento desse diálogo
Não se pretende prolongar muito mais a conversa. Todavia sente-se a necessidade de
fazer algumas amarrações entre as questões tratadas nesta seção, as quais em alguns
momentos foram objetos de análise e noutros apenas de comentários ou registros sob o título
de alerta, geralmente.
A primeira amarração é, em verdade, ainda um registro. Cumpre explicitar que tanto
quanto foi prazeroso o diálogo com as treze entrevistadas, ele também foi ‘infinitas vezes’
desafiador. Compreender os diferentes tempos históricos das assistentes sociais, tanto no que
tange suas idades, o período de formação, o tempo de formação e aquele de exercício
profissional, exigiu mergulhar na ‘formação sócio-histórica’ brasileira, de Alagoas e
especialmente, dos dois cursos de Serviço Social da UFAL – no sentido figurado, mas
também literal.
Além desses diferentes tempos históricos, necessitou-se entender a constituição dos
sujeitos históricos que dialogavam abertamente com esta pesquisadora. Quem eram essas
profissionais, de onde vinham, quais suas histórias de vida, onde e como tinham se formado,
quais suas relações sociais e a que relações sociais, institucionais e profissionais estavam
submetidas, ou, pelo menos, faziam parte. Meninas, mulheres e senhoras, da capital e do sertão
de Alagoas, do universo canavieiro, mas também da militância nos movimentos sociais.
Essas mulheres e seus tempos históricos ensinaram a esta pesquisadora a paciência
em aguardar uma resposta que só viria mais tarde. Ou então, saber reconhecer as respostas
antes mesmo de realizar as perguntas. Essas mulheres, assistentes sociais, ensinaram esta
pesquisadora sobre as especificidades rurais, especialmente aquelas que reportam o modo de
vida e de trabalho. Ensinaram sobre as mediações do campo com a cidade e sobre como é e
como pode ser o exercício profissional no espaço rural.
364
Essas assistentes sociais ensinaram que o rural é invisibilizado pela sociedade e pelo
Estado, que especialmente se faz ausente daquele espaço, como se não fosse responsável por
operacionalizar políticas também para os sujeitos que nele vivem e trabalham. Esta
invisibilidade causa um distanciamento entre o rural e o urbano, que reitera a velha máxima
de que o rural é o lugar do atraso e o urbano é o lugar do moderno.
Neste mesmo sentido, essas mulheres ensinaram que na sociedade está ainda
presente a lógica dualista, que configura dois lugares diferentes, os quais operam em direções
diametralmente opostas: o central, moderno e acessível; e o periférico, marginal, atrasado e
isolado. Assim, tanto quanto o urbano está para o primeiro e o rural está para o segundo, nesta
mesma lógica, a capital está para o primeiro e o interior do estado para o segundo. Por isto, se
o rural da capital ou dos polos regionais do estado é marginalizado, o rural das cidades do
interior e o rural do sertão são, infinitas vezes, mais marginalizados, tanto pelo Estado, quanto
pela sociedade, pelas gerências de serviços e também pelos gestores das políticas públicas.
Elas também ensinaram que esta lógica dual, ao afetar o rural, afeta inclusive o
exercício profissional nos espaços sócio-ocupacionais rurais. Neles é permissivo a
precariedade da estrutura do serviço; são tolerantes os arranjos institucionais no lugar da
efetiva operacionalidade das política públicas, isto porque para o rural qualquer coisa serve.
Ensinaram
que
neste
contexto,
infelizmente,
também
o
Serviço
Social
frequentemente invisibiliza o rural. E afirmaram isto, especialmente, em relação à formação
profissional, quando disseram que a academia não lhes preparou para trabalhar com as
particularidades da realidade rural. Em suas falas, ensinaram a esta pesquisadora que há ainda
alguns limites na formação profissional, que recolocam aqueles já discutidos em décadas
anteriores, um dos quais a fragmentação na leitura e análise da realidade. Ensinaram que, mais
do que apontar esse limite – a invisibilidade do rural – para a academia, estavam
estrategicamente sugerindo que o tema passe a ser tratado, pois há quem o demanda: os
profissionais em exercício nesses espaços sócio-ocupacionais e os indivíduos sociais que o
Serviço Social atende.
Num outro âmbito, essas profissionais ensinaram que a história da formação em Serviço
Social na UFAL foi processual e também foi articulada aos tempos históricos da sociedade
brasileira, alagoana e ao próprio tempo da Universidade e àquele do Serviço Social em Alagoas.
Essas mulheres ensinaram que a leitura e análise da realidade é um ponto fulcral na
formação e no exercício profissional, que representa um limite a ser discutido e trabalhado
pelo conjunto das escolas de Serviço Social da UFAL. Elas ensinaram que o caráter
generalista da formação deve ser colocado em suspenso para ser revisado, refletido e
365
discutido, pois seus produtos estão divergindo daqueles esperados. Elas ensinaram que ainda
há fragmentações e desarticulações de conteúdos na formação profissional e que ainda carece
muito de historicidade.
Ora, então, essas assistentes sociais ensinaram que a formação profissional articulou-se
e desarticulou-se do rural ‘das Alagoas’, isto porque também o exercício profissional do Serviço
Social articulou-se, desarticulou-se e atualmente volta a se articular ao rural deste Estado. E, se
esta pesquisadora não se equivocou no aprendizado construído, é sinal de que os cursos da
UFAL – e possivelmente os outros quatro cursos ofertados por outras escolas no estado – vivem
um novo tempo histórico em relação à rearticulação entre a formação e o exercício profissional.
Neste novo tempo histórico o exercício profissional em espaços sócio-ocupacionais rurais está
posto e verbalmente está requisitando respostas às escolas de Serviço Social. Respostas exigidas
já para a graduação, mas também respostas esperadas na pós-graduação, as quais possam
corresponder às demandas das próprias interlocutoras desta pesquisa.
E para finalizar as amarrações desta seção, é necessário apontar que durante o
diálogo com as assistentes sociais sentiu-se a falta de dois outros tipos de articulações. A
primeira é a articulação entre as próprias profissionais que partilham de experiências
semelhantes de atendimento em espaços sócio-ocupacionais rurais. E a segunda é a
articulação entre as duas escolas de Serviço Social da UFAL.
Em relação à primeira, entende-se que as diversas atividades profissionais, suas
demandas decorrentes – mesmo porque muitas delas acumulam dos trabalhos como
assistentes sociais – e o distanciamento regional dentro do próprio Estado, implicam em
dificuldade para construir essa articulação. Porém, mesmo diante do contexto de dificuldades,
a simples indicação de que há limites e desafios institucionais e profissionais compartilhados,
assim como há perspectivas e intencionalidades que caminha numa direção significativamente
próxima, indica que é necessário construir tais relações, contribuindo, inclusive para
aprimorar a dimensão político-organizativa da profissão em Alagoas.
Em relação à segunda, entende-se que a recente chegada do curso de Serviço Social
no Campus Arapiraca implicou numa nova dinâmica institucional do Serviço Social na
UFAL. Entende-se também que as dinâmicas dos dois cursos são diversas, tanto porque são
diferentes a composição dos seus corpos docentes, as suas ofertas de vagas, a distribuição
geográfica de seus estudantes, mas especialmente as suas dinâmicas de ensino, pesquisa e
extensão. Contudo, é preciso, mesmo assim, estreitar mais os laços dos processos de
formação, articulando ainda mais a história da formação em Serviço Social na Universidade
Federal de Alagoas.
366
CONCLUSÃO
Chega o entardecer e a caminhante precisa organizar sua mochila cheia de
conhecimentos para, logo mais, retirar-se aguardando que no dia seguinte os frutos plantados
no caminho possam começar a vingar.
Ora, buscou-se analisar como a formação profissional produz aportes teóricometodológicos, técnico-operativos e ético-políticos para o exercício profissional que ocorre
em espaços sócio-ocupacionais rurais em Alagoas, agora, encerrando esse processo
investigativo, é necessário apontar suas principais conclusões. E principia-se alertando que
são várias, pois a mochila já não traz mais só o projeto.
Conclui-se que a frágil historicidade que permeia a formação profissional em relação à
formação sócio-histórica brasileira, dificulta a compreensão das características agrárias do
Estado brasileiro o reconhecimento da realidade rural e, por consequência, ocasiona o
desconhecimento parcial da sociedade, quando o Serviço Social olha apenas para o espaço
urbano, fragmentando a realidade. Logo, entende-se que essa fragilidade implica reflexos no
reconhecimento da realidade social, e impossibilita avanços no nível cognitivo capazes de
desvendar as mediações entre os processos sociais e as relações sociais na sociedade capitalista,
motivando a invisibilidade de alguns espaços e sujeitos sociais, tais como o rural brasileiro.
Em decorrência disto, mesmo que se consiga efetivar uma formação profissional com
aportes generalistas no que tange aos fundamentos teórico-metodológicos, técnico-operativos
e ético-políticos da profissão, persistiria a dificuldade de atuação em alguns espaços sócioocupacionais – como o rural –, invisibilizados na leitura da realidade e na análise dos
processos sociais.
É notório que a análise construída no decorrer desta tese refere-se ao tempo presente,
e ao exame das últimas duas décadas da formação profissional – com base nas experiências de
formação profissional dos dois cursos da Universidade Federal de Alagoas – do Serviço
Social. Contudo ela também foi apontada por outros estudiosos, em outros momentos e
contextos da formação em Serviço Social, como por exemplo, por Iamamoto, na década de
1980, ainda sob o título de hipótese. Para a autora (2007, p. 249),
A carência dessa substância da historicidade da nova sociedade no campo da
pesquisa no Serviço Social é uma das causas determinantes da “miséria da
estratégia” no debate teórico-metodológico da década de 1980, que não conseguiu
dar conta das particularidades prático-interventivas do Serviço Social.
367
Neste sentido, ao perceber que o limite apontado pela autora – de que o debate
teórico-metodológico não estava dando conta das particularidades interventivas do Serviço
Social – ainda persiste, conforme evidenciaram as assistentes sociais no diálogo reportado na
4ª seção da tese, conclui-se que a formação profissional efetivada nos últimos quinze anos não
conseguiu dar conta de algumas de suas limitações, dentre as quais a carência de
historicidade. Logo, esta tese estaria confirmando uma das hipóteses levantadas por Iamamoto
(2007) na segunda metade dos anos 1990.
Assim, entende-se que se configura como um significativo desafio tratar desde o
chão da realidade cotidiana, pois, muitas vezes, aspectos essenciais da realidade capitalista
são invisibilizados durante a formação profissional. Diante da experiência na docência em um
dos cursos da UFAL analisados, chama-se a atenção que os discentes propensamente insistem
em trazer para as discussões das aulas alguns destes aspectos fundamentais do cotidiano.
Todavia, por algum motivo que esta investigação não possibilitou identificar – pois não era
este seu foco – esses elementos da realidade são abstraídos dos conteúdos discutidos no
processo de ensino-aprendizagem. Ou, então, são dispersos em meio ao cumprimento dos
conteúdos programáticos – frequentemente bastante longos em relação à carga horária das
disciplinas e outras atividades de ensino – dificultando que tais elementos sejam reconhecidos
no conjunto da matéria abordada na disciplina, comprometendo a mediação entre os
conteúdos que, se fossem trabalhados de fato dialeticamente, proporcionariam uma
compreensão de totalidade.
Neste sentido, apesar dos avanços operados pela categoria no que se refere à
formação profissional desde fins dos anos 1970, direcionada para uma formação crítica, é
preciso reconhecer que, frequentemente, não se dá vazão aos relatos e exemplos da realidade
trazidos pelos estudantes, os quais são fruto da sua luta diária enquanto classe trabalhadora.
Neste sentido, desabilita-se um recurso de ensino-aprendizado, ou, pelo menos, subutiliza-se,
uma vez que a partir da realidade cotidiana trazida pelos estudantes poder-se-ia discutir a
formação sócio-histórica do Brasil, a formação das classes sociais, a luta entre elas pela
defesa de seus interesses, a realidade rural e urbana e a mediação entre elas, as manifestações
da questão social no campo e na cidade, e muito mais.
Destarte, entende-se que durante a formação profissional é imprescindível pensar o
Serviço Social a partir dos processos da realidade objetiva, para que assim também possa ser
feito no exercício profissional. É a partir das falas dos sujeitos – sejam eles estudantes,
Assistentes Sociais ou a própria população usuária do Serviço Social – que podem ser
368
reconhecidas as demandas postas para a profissão, as quais devem orientar também o
processo de formação profissional.
Em princípio, a indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão na
formação profissional deveriam colaborar para que as discussões dos processos da realidade
objetiva, ou realidade cotidiana, aparecessem como objetos principais do ensinoaprendizagem. Quando foi encontrada, na fala de uma das entrevistadas, a abordagem de um
dos elementos fundamentais que caracterizam o rural alagoano – qual seja, ‘a precarização
que ronda a exploração da força de trabalho dos proletários rurais das usinas de cana-deaçúcar’ – que foi inicialmente investigado no âmbito da pesquisa (Projeto de PIBIC) e depois
passou a se constituir também como objeto vinculado ao âmbito do ensino (TCC), considerase que, de alguma forma, a mediação entre pesquisa e ensino está acontecendo no processo de
formação. Todavia, há de se problematizar se esta mediação está atingindo a todos os
estudantes dos cursos de Serviço Social, ou se ela acaba sendo pontual, apenas para aqueles
que conseguiram se vincular a algum dos projetos de pesquisa ou de extensão em
andamento89? Qual seria a estratégia para que esta mediação dialética entre ensino, pesquisa e
extensão pudesse, de fato, transversalizasse todo o processo de formação profissional e
atingisse toda a comunidade acadêmica – discentes e docentes?
Diante destes limites da formação profissional, percebidos através da análise das
falas das assistentes sociais formadas pela UFAL, conclui-se que é preciso rediscutir as
Diretrizes Curriculares de 1996, tendo como ponto de partida três aspectos, considerados
fundamentais no processo formativo: 1) a análise do caráter generalista; 2) a centralidade da
realidade social, em sua historicidade e totalidade; 3) a relação mediada entre os três núcleos
de fundamentos da formação profissional.
Ora, ao sugerir que esses aspectos possam ser rediscutidos, não se está contestando e,
muito menos, depondo a generalidade inaugurada pela categoria profissional ainda no
Currículo Mínimo de 1982 e, posteriormente, reafirmada nas Diretrizes Curriculares de 1996,
de forma amadurecida. O que se está identificando é que a generalidade proposta não está
conseguindo cumprir parte de seus objetivos, deixando limites.
89
Os termos utilizados nesta problematização foram justamente empregados para indicar que um dos efeitos da
precarização do ensino superior no Brasil é a diminuição dos financiamentos para o desenvolvimento da
pesquisa e da extensão, o que tem como efeito direto a diminuição das bolsas estudantis vinculadas aos
projetos de pesquisa ou de extensão. Soma-se a isto o fato de que a maioria dos discentes compõe a classe
trabalhadora e precisam encontrar formas de subsistência durante a graduação, trabalhando durante parte ou
todo o contraturno das aulas, o que faz com que aqueles que não conseguem acessar as poucas bolsas
acadêmicas não disponham de tempo para participar das atividades externas às salas de aula.
369
Tais limites, que atingem diretamente os profissionais formados e igualmente os
estudantes de Serviço Social – visto que é no processo de formação que se colocam –,
poderiam ter duas origens:
a) Uma deficiência na implementação das Diretrizes Curriculares pelos cursos; ou
b) Um limite da própria proposta de contemplar o caráter generalista da formação,
que por ser genérica não prepara suficientemente para o exercício.
Na análise conclusiva desta pesquisadora, é a primeira afirmativa que melhor explica
a origem dos limites, muito embora se reconheça a necessidade de que a categoria profissional
discuta o que entende por formação generalista e para que a quer, ou seja, a sua
intencionalidade.
A partir do conjunto da investigação 90, especialmente daquela empírica, percebe-se
que há limites durante o processo de ensino-aprendizagem do ‘Núcleo de Fundamentos da
Formação Sócio-histórica da Sociedade Brasileira’, especialmente da matéria básica
‘Formação Sócio-histórica do Brasil’. A identificação e descrição deste núcleo de
fundamentos foi a que resultou em maiores dificuldades e confusões por parte das seis
assistentes sociais entrevistadas, que tiveram sua formação profissional baseada na
organização curricular pós Diretrizes Curriculares de 1996.
Em relação à matéria básica, deve-se considerar que ela já existia, no caso do curso
de Serviço Social mais antigo, do Campus da capital de Alagoas, desde o primeiro currículo
implementado após a sua incorporação à UFAL, sendo denominada de “Formação Social,
Econômica e Política do Brasil” (UFAL/DSS, 1974, p. 29). Nas revisões curriculares
posteriores ela apenas sofreu modificações, não sendo nunca extinta. Assim, no Currículo do
curso de 1984 ela é ampliada em sua carga horária e conteúdo programático, transformandose em duas disciplinas, nominadas “Formação Social, Econômica e Política do Brasil I e II”
(UFAL/Coordenação do Curso de Serviço Social, 1987, p. 17). Já no Projeto Pedagógico
implantado em 1994, essa matéria volta a ser organizada em uma só disciplina, não mais
oferecida em dois semestres, mas sim no regime seriado anual, garantindo-se o mesmo
número de horas e conteúdo programático do Currículo anterior. Por último, no Projeto
Pedagógico vigente, implantado a partir de 2007, a antiga disciplina de “Formação Social,
90
Aqui se faz referência específica aos três tipos de pesquisa empregados: bibliográfica – mais utilizada na 1ª e
2ª seções –; documental – principal base para a elaboração da 3ª seção –; e empírica – que fundamentou a 4ª
seção.
370
Econômica e Política do Brasil” passa a ser chamada de “Formação Sócio-histórica do
Brasil”, recebendo o mesmo nome da matéria básica indicada nas Diretrizes Curriculares de
1996, e transitou do regime seriado anual para semestral, perdendo parte de sua carga horária,
que passou de 120 h/a, para 80h/a.
Todavia, na formação profissional oferecida no Curso de Serviço Social da Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios, esta matéria básica não é oferecida no elenco das
disciplinas obrigatórias, constando desde 2010 como disciplina eletiva, direcionada
especialmente para a região nordeste e do Estado de Alagoas, identificada como “Formação
Social e Histórica do Nordeste e de Alagoas”, com carga horária de 40 horas/aula. Nas
entrevistas com as profissionais formadas neste curso, percebeu-se que apenas duas das quatro
entrevistadas cursaram esta disciplina, visto que não compõe o quadro dos componentes
curriculares obrigatórios da formação profissional.
Neste sentido, deve-se considerar que, enquanto as quatro assistentes sociais
formadas no curso do Campus Arapiraca não cursaram esta disciplina, todas as nove
assistentes sociais entrevistadas formadas no curso da UFAL na capital a cursaram, o que
significa objetivamente que tiveram acesso a essa matéria, considerada pelas Diretrizes de
1996, como básica. A distinção maior entre as assistentes sociais deste curso da capital,
refere-se à formação recebida pela concluinte do ano de 1976, em relação às demais, visto que
a perspectiva teórica que orientava a formação profissional e a própria profissão ainda tinha
um forte vínculo com o Serviço Social tradicional. Há também que se considerar uma
diferença em relação à formação recebida pelas duas profissionais que ingressaram no curso
após a implantação do novo Projeto Pedagógico do Curso, em 2007, pois neste ocorreu
diminuição significativa da carga horária da disciplina, conforme apontado acima.
Conforme o que foi apontado na primeira seção, a análise da ‘formação sóciohistórica brasileira’ indica o forte vínculo do Brasil contemporâneo as suas raízes agrárias.
Este Brasil agrário nunca foi extinto, apenas transformou-se no mesmo ritmo em que o
capitalismo se instalou e desenvolveu no país. É nas raízes agrárias, na distribuição fundiária
concentrada e desigual, no tipo de exploração monocultural – originalmente escravocrata – de
caráter mercantil, na concentração do poder – de ordem predominantemente política, embora
também econômica – aristocrático e burguês, rural e urbano, que os traços do Brasil
capitalista vão se desenhando, desde o período imperial até a atualidade.
Conclui-se que, sem compreender esse processo de formação sócio-histórica do país,
é impossível captar e entender os meandros da conjuntura econômica, política, social e
cultural do Brasil capitalista na atualidade. A história passada se funde numa só com aquela
371
presente, sem a qual a leitura e análise da realidade atual torna-se aparente, ou pelo menos,
desconexa dos seus determinantes estruturais, torna-se imediata.
Ora, a profissão já apontava que havia problemas com a apreensão da realidade e sua
relação com a formação e o exercício profissional, desde a avaliação do currículo mínimo da
década de 1970, que deu origem ao currículo de 1982. Ao perceber a persistência desta
dificuldade, novamente esta questão é discutida na década de 1990 e passa a se constituir
como uma questão central para a formação profissional a partir das Diretrizes Curriculares de
1996. Posteriormente autores como Iamamoto (2007) continuaram chamando a atenção sobre
a forma como o Serviço Social fazia a leitura e análise da realidade, alertando que isto estava
implicando na fragilização do exercício profissional.
Entende-se que a limitação na leitura e análise da realidade está diretamente
conectada com a a-historicidade na leitura dos processos sociais e das relações sociais
constituintes da sociedade capitalista brasileira – aludida no início desta conclusão. Por isto,
estes dois limites devem ser tratados de forma conjunta, conferindo especial atenção ao
Núcleo de Fundamentos da Formação Sócio-histórica da Sociedade Brasileira, analisando
como os objetivos atribuídos a este núcleo estão sendo trabalhados ao se desmembrarem nas
matérias básicas.
Assim, o que se levanta como uma das conclusões da tese é, em verdade,
confirmação da análise feita pela própria profissão e por outros estudiosos em períodos
anteriores, reiterando que se continua infringindo a tarefa que tantas vezes foi posta como
condição sine qua non para uma formação profissional de qualidade e efetivamente hábil para
formar profissionais com um saber generalista e totalizante, capaz de desenvolver
competências e habilidades para que os profissionais possam atuar nos mais diversos espaços
sócio-ocupacionais e com as mais variadas expressões da questão social, inclusive na
realidade rural.
E se esta conclusão não é novidade em relação ao processo de formação profissional
que se tem desenvolvido no país, sua relevância reside em indicar que mesmo depois da
consolidação das Diretrizes Curriculares de 1996 este limite persiste. Contrapartida, inova-se
também, quando se evidencia que tal limite está diretamente vinculado à invisibilidade
conferida à realidade rural durante a formação profissional. Destarte, não se pode eximir do
dever de explicitar esta conclusão, indicada pelas interlocutoras da pesquisa: pela dificuldade
de discussão da formação sócio-histórica brasileira ou pela dificuldade de problematizar a
realidade em todos os seus aspectos, ou pelas duas juntas – o mais provável –, se está
invisibilizando o rural na formação e no exercício profissional.
372
Ora, em pesquisa realizada em 2009 e publicada em 2011, as mulheres camponesas,
usuárias dos serviços sociais oferecidos pelo Estado e, por isto, prováveis usuárias do
atendimento profissional do Serviço Social, indicavam que a profissão não reconhecia as suas
demandas, não as atendendo. Hoje, quem alude que a formação profissional invisibiliza o
rural são as assistentes sociais em exercício profissional em espaços sócio-ocupacionais
diretamente ligados ao campo, ao rural brasileiro. As últimas também apontam, de alguma
forma, que o próprio exercício profissional invisibiliza as demandas provenientes dos sujeitos
rurais, quando umas tendem a afirmar que são os mesmos serviços e programas das áreas
urbanas, porque são as mesmas demandas, enquanto outras afirmam que há
especificidades no reconhecimento e atendimento das mesmas demandas.
Ao concluir esta pesquisa, nota-se que tais demandas não são diferentes porque no
rural há necessidades humanas diferenciadas, mas sim porque o modo de vida e de trabalho e,
principalmente a presença ‘ausente’ do Estado – especialmente nas políticas públicas de
recorte social – manifesta através da inexistência de serviços e equipamentos sociais, se faz
diversa no campo em relação à cidade.
Nesta consideração não se está culpabilizando as profissionais que, por ventura, não
apontaram o reconhecimento de tais especificidades. Pelo contrário, a dificuldade existe e não
é privativa de uma ou outra profissional, pois é fruto da formação profissional, que na busca
do caráter generalista possivelmente esteja desconsiderando a necessária mediação entre o
singular e o universal, que possibilitariam o reconhecimento das particularidades – ou
especificidades, segundo o termo empregado pelas entrevistadas – que envolvem a realidade
rural, as quais compõem a totalidade que conforma a realidade social.
Enfim, todos estes apontamentos foram necessários, embora custosos, pois envolvem
âmbitos de uma paixão mediada: o rural, o Serviço Social e a academia. Caso não fossem
explicitados, estar-se-ia falhando na primeira parte da ‘lição final de casa’ desta pesquisa de
doutorado, bem como não se estaria sendo condizente com as falas das assistentes sociais
entrevistadas.
E agora, para cumprir a segunda parte da mesma ‘lição final de casa’, é necessário
indicar possíveis estratégias para corrigir a invisibilidade – ou ausência de abordagem – do
rural na formação e no exercício profissional, que está relacionada ao comprometimento do
caráter genérico da formação, que, por sua vez, ocorre pela limitação em tratar da realidade
social efetivamente em sua historicidade e totalidade.
A primeira delas é a necessidade de discutir e avaliar os três núcleos de fundamentos
da formação profissional e algumas das matérias básicas indicadas nas Diretrizes Curriculares
373
de 1996. Reconhece-se que a última gestão da ABPESS tem realizado ações neste sentido,
quando, por exemplo, executou neste ano de 2012 o ‘Projeto ABEPSS Itinerante’, com
objetivo central de “dar continuidade ao debate sobre o projeto de Formação Profissional do
Serviço Social brasileiro no contexto atual, visando fortalecê-lo”, bem como “[...] as
estratégias político-pedagógicas de enfrentamento à precarização do ensino superior, por meio
da difusão ampla dos princípios, conteúdos e desafios colocados para a consolidação das
diretrizes curriculares [...]” (ABEPSS, 2011, p. 03; 13).
Neste sentido, compreende-se que fortalecer o projeto de formação profissional –
num contexto de mercantilização do ensino, seja ele público, mas principalmente privado; de
precarização das condições de ensino nas unidades acadêmicas de formação, que perdem,
inclusive, sua autonomia; e de aumento exponencial dos cursos na modalidade de ensino à
distância – é fundamental para que se continue assegurando a direção profissional segundo o
projeto ético-político, construído coletivamente desde fins da década de 1970.
Para isto, a ABEPSS, ao propor o projeto entendeu, dentre várias outras
intencionalidades, a necessidade e importância de “mapear os desafios atuais da implantação das
Diretrizes Curriculares e da consolidação do projeto de formação com elementos de realidade”
(ABEPSS, 2011, p. 14). Ora, pois é neste sentido, esperando contribuir com o mapeamento dos
desafios de implantação das Diretrizes, que se aponta a urgência de pensar que tipo de caráter
generalista se está conseguindo garantir na formação? Qual realidade está figurando na formação
profissional e qual é o significado dado para a leitura e análise da realidade durante a formação e
posteriormente para o exercício profissional? Como garantir a historicidade e a totalidade como
perspectivas implícitas ao tipo de conhecimento que se está construindo?
Em segundo lugar, também é imperativo balizar estratégias para cada uma das
escolas de Serviço Social da UFAL. Neste sentido, aponta-se a necessidade de efetivar os
processos de monitoramento e de avaliação previstos nos Projetos Pedagógicos de cada curso,
indicando-se algumas questões que merecem atenção e reflexão por parte da comunidade
acadêmica de cada escola.
No caso do Curso da Faculdade de Serviço Social do Campus A. C. Simões:
a) Considerando que não está ocorrendo o processo de monitoramento, conforme
indicado pela Coordenação de Curso, sugere-se constituir a Comissão de
Monitoramento e Avaliação da Formação Profissional – ou ativá-la, caso já tenha
sido instituída –, indicando-lhe como uma possível tarefa realizar uma avaliação
374
mais apurada da formação profissional oferecida desde 2007, quando o novo
currículo foi instalado.
b) Caso seja apontado nesta avaliação de monitoramento a necessidade de alguma
mudança estrutural na matriz curricular, que se proceda tal ação cuidando para
sintonizá-la às discussões nacionais que a ABEPSS vem desencadeando e dando
atenção aos elementos da formação que propiciam aos discentes e profissionais
egressos realizar, de fato, a leitura e análise da realidade de forma histórica e
totalizante, conforme já alertado por Iamamoto (2007). Durante as modificações da
matriz curricular, considerar como elementos de discussão da comissão, as sugestões
que seguem.
c) Caso não seja necessária esta modificação da matriz curricular, que se possa discutir
e avaliar os conteúdos básicos da formação, em cada núcleo de fundamentos, tendo
por base a recomendação das matérias básicas da formação profissional, procedendo
ajustes internos nos conteúdos e carga horária das disciplinas, equilibrando e
articulando teoria e prática profissional, e dando ênfase ao estudo da realidade, de
forma a produzir as habilidades necessárias para que os profissionais – com uma
formação generalista – possam aportar seu exercício profissional nos mais diversos
espaços sócio-ocupacionais e com as mais variadas manifestações da questão social.
d) Sugere-se também dar maior atenção à disciplina de ‘Formação sócio-histórica do
Brasil’, discutindo a possibilidade de ampliar sua carga horária, ou inserir mais um
segundo módulo da disciplina existente.
e) Além disto, indica-se a possibilidade de oferecer no quadro dos componentes
obrigatórios da formação profissional uma disciplina sobre a ‘formação sóciohistórica do nordeste e de Alagoas – sugestão proferida em entrevista por uma das
assistentes sociais (A. S. 6).
f) Sugere-se discutir com o corpo docente a importância de criar uma disciplina que
aborde diretamente a ‘Realidade Social’ nos componentes curriculares obrigatórios.
Registra-se que esta disciplina já é oferecida em outros cursos de Serviço Social no
375
Brasil, como por exemplo, na Universidade Federal de Santa Catarina, cuja
experiência poderia colaborar para a deliberação.
No caso do Curso de Serviço Social do Campus Arapiraca, oferecido na Unidade
Educacional de Palmeira dos Índios, sabendo que o monitoramento do Projeto Pedagógico
está acontecendo e que também está prevista a realização da avaliação e revisão do Projeto
Pedagógico do Curso91, a ser iniciada no primeiro semestre de 2013, sugere-se o seguinte:
a) Inserir, urgentemente, a matéria “formação sócio-histórica do Brasil”, indicada nas
Diretrizes Curriculares (ABESS, 1996, p. 16), no quadro dos componentes
curriculares obrigatórios do ‘setor de Fundamentos da Particularidade da Formação
Sócio-Histórica da Sociedade Brasileira’, cuidando para que nela seja discutido o
Brasil agrário, em suas origens e determinações atuais na sociedade. Sugere-se que
sua carga horária seja de 120h (mínimo), podendo ser organizada em dois módulos
semestrais.
b) Mover a disciplina “Formação Social e Histórica do Nordeste e de Alagoas”, do
quadro de componentes curriculares eletivos para aquele dos componentes
curriculares obrigatórios.
c) Debater com a comunidade acadêmica do curso, bem como com alguns de seus
egressos, como a discussão e apropriação de conteúdos sobre ‘a realidade’ está sendo
desenvolvida durante a formação profissional, traçando estratégias para que, de fato,
ela possa transversalizar a formação profissional oferecida. Uma das estratégias
sugeridas é criar uma disciplina que aborde diretamente a ‘Realidade Social’ nos
componentes curriculares obrigatórios, conforme também foi sugerido para o curso
do Campus A. C. Simões.
91
Segundo informações obtidas por ser membro do Núcleo Docente Estruturante (NDE), esta revisão geral do
Projeto Pedagógico do Curso é desejada pela comunidade acadêmica há, pelo menos, quatro anos. Todavia,
considerando que até o final do ano de 2011 não tinha sido concluído o processo de reconhecimento do curso
pelo MEC, isto não era factível. Por isso, optou-se desde 2007 por realizar modificações no Projeto Pedagógico
original. Desde janeiro de 2012 abriu-se a possibilidade da revisão geral, o que não foi factível até o momento
devido ao reduzido quadro de docentes e à decorrente sobrecarga de atividades. Com a possibilidade de
ampliação de mais uma ou duas vagas docentes, reitera-se o pleito para que o NDE do curso instale e coordene
o processo de revisão curricular.
376
d) Acompanhar o processo de registro do Observatório da Questão Rural – já
constituído e registrado no âmbito dos Grupos de Extensão – na Pró-Reitoria de
Pesquisa e Pós-Graduação (PROPEP) da UFAL, e no Diretório de Grupos de
Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), incentivando seus membros a ampliar as atividades de pesquisa e extensão
já desenvolvidas, transversalizando-as no âmbito ensino para todos os estudantes do
curso.
Agora, algumas sugestões de ações que podem ser desenvolvidas pelos dois cursos:
1) Pelas Coordenações de Curso, Colegiados, bem como pelas Coordenações de Estágio e
de TCC de cada curso:
a) Inserir no quadro dos componentes curriculares eletivos uma disciplina que trate
especificamente sobre o espaço rural e a questão agrária, relacionando-os ao
exercício profissional, seja em espaços sócio-ocupacionais diretamente correlatos ao
rural, ou então naqueles serviços e equipamentos urbanos, que também atendem
sujeitos do campo, com seu modo de vida e de trabalho rural e suas demandas
sociais;
b) Verificar a possibilidade de abertura de campos de estágio curricular
obrigatório em espaços sócio-ocupacionais diretamente relacionados ao rural;
c) Incentivar o desenvolvimento de projetos de pesquisa, de extensão e de ensino –
inclusive no âmbito dos TCCs e na intervenção contida no processo de estágio
curricular –, que tenham como objeto questões tocantes à realidade rural e/ou que
trabalhem demandas provenientes dos sujeitos que vivem, ou trabalham no campo.
2) De forma articulada entre os dois cursos:
a) Considerando as características ainda bastante agrárias do Estado de Alagoas e a
existência de assistentes sociais em exercício profissional diretamente no espaço
rural, propor ao 16º Conselho Regional de Serviço Social (CRESS/AL) o
acompanhamento das demandas que surgem deste exercício. Foram sugeridas
377
algumas demandas no decorrer da 4ª seção da tese, segundo o apontamento das
Assistentes Sociais entrevistadas. Entende-se que elas se originam na precarização
dos serviços oferecidos no espaço rural e que ferem especialmente as condições de
trabalho, tais como a garantia do sigilo profissional e o tipo de vínculo profissional
com a instituição contratante, devendo ser acompanhadas e/ou verificadas pelo
CRESS/AL.
b) Realizar atividades abertas para os assistentes sociais do Estado de Alagoas – tais
como seminários, ciclo de debates, mesa redonda etc. – sobre o exercício profissional
em espaços sócio-ocupacionais rurais e/ou sobre as demandas dos sujeitos rurais, que
são atendidas nos serviços e equipamentos urbanos, buscando apoio do CRESS/AL e
da ABEPSS/Regional Nordeste.
c) Considerando as características do Estado de Alagoas e dos espaços de trabalho dos
assistentes sociais, estabelecer parcerias com outras Escolas de Serviço Social para a
promoção de um evento de âmbito regional ou nacional sobre ‘o Serviço Social e a
realidade rural’, buscando apoio do CRESS/AL, da ABEPSS/Regional Nordeste e
das agências de fomento à pesquisa e a eventos (estadual e nacionais).
d) Propor um curso de especialização sobre ‘formação profissional em Serviço Social’,
vinculado à UFAL, e verificar a possibilidade de acrescentar esta linha de pesquisa,
bem como uma que trabalhe a ‘realidade rural’ no mestrado oferecido pelo Programa
de Pós-Graduação em Serviço Social da UFAL (PGSS-UFAL).
Encaminha-se, afinal para a terceira e última parte da ‘lição final de casa’, as
considerações sobre o amadurecimento intelectual produzido pela pesquisa de doutoramento e
pelo processo de elaboração desta tese.
A análise sobre a formação sócio-histórica brasileira foi importante para o
conhecimento construído ao longo desta tese – e é de fundamental importância na formação
profissional –, pois permitiu perceber a presença insistente e constante do rural na sociedade
brasileira. Foi imprescindível reconhecer a historicidade do rural enquanto espaço estruturante
das relações sociais, políticas, econômicas e culturais do Brasil. Este Brasil rural, agrário e
agrícola, que caracteriza, desde o seu surgimento enquanto colônia, este país continental. Sua
presença foi e continua sendo marcante na formação sócio-histórica do Brasil. Com isto
378
reconhece-se a eminente a necessidade de mergulhar, de fato, na formação sócio-histórica do
país, para nela reconhecer os nexos que articulam o passado ao presente, o campo à cidade, o
capitalismo colonial e de plantagem à atual crise estrutural do capital, projetando nisso tudo o
futuro, quiçá numa outra ordem societária, isto porque, já diziam Caio Prado Júnior (2006) e
Octávio Ianni (1984), ‘o campo é prenhe de revolta, é a chave da revolução’.
O olhar para o exercício profissional das assistentes sociais possibilitou perceber que
as demandas profissionais no espaço rural têm sido desenhadas – atribuídas –
predominantemente pela política pública correspondente, como por exemplo, aquelas
encontradas na pesquisa empírica, a PNAS/2004, a PNATER/2004, ou mesmo pelos planos
de políticas como o PNRA/2006. E, dentro de cada política pública, as demandas
profissionais têm sido indicadas pelo desenho institucional dos programas, projetos, recursos
e pela própria estruturação do serviço que a executa. É a competência profissional dos
assistentes sociais que lhes propicia reconhecer as especificidades dessa demanda
generalizada, propondo ações que respondam às reais necessidades dos indivíduos rurais.
Certamente, o fator determinante para atribuir a existência de tais especificidades no
espaço rural é a compreensão de que existem singularidades dos indivíduos, fortemente
impregnadas pela cultura e pelo modo de vida que lhes são característicos e que precisam ser
mediadas com a universalidade humana. No caso desta pesquisa, a mediação entre a
singularidade e universalidade dos indivíduos sociais do campo produz neles traços
característicos que lhes identificam e particularizam como sujeitos rurais na sociedade, mesmo
considerando que estão em relação significativamente mediatizada com o modo de vida urbano.
A investigação possibilitou confirmar que esta relação é, afinal, dialética porque o
espaço rural é tão afetado pelo urbano, quanto o afeta. E isto não poderia ser diferente, visto
que se constitui, com suas particularidades, como lugar de uma mesma sociedade capitalista
em crise estrutural, com suas tendências de reestruturação produtiva, de relativização das
relações sociais de produção, de transformações informacionais e tecnológicas. Neste sentido,
as expressões da questão social se refratam também no rural – aprofundando-se, talvez, ainda
mais, porque no campo o Estado está ausente e os incipientes serviços são precarizados,
conforme afirmaram as entrevistadas –, provocando a precarização das condições de vida e de
trabalho dos indivíduos do campo constituintes das classes populares, comprometendo-lhes a
subsistência.
Reconhecer que a realidade rural é mediatizada com aquela urbana é uma das
requisições para identificar a necessidade de atuação profissional junto aos indivíduos rurais
que conformam as classes populares. Outra requisição é conhecer as particularidades das
379
relações sociais, dos processos sociais, políticos, econômicos e culturais, dos modos de vida e
de trabalho, conforme acima se indicou. A partir de tais reconhecimentos é possível
identificar as possibilidades de atuação profissional nesse espaço, bem como os limites e
desafios postos na dinâmica das instituições e do exercício profissional.
A análise final dos dados da pesquisa, no que toca à formação profissional, indicou que
ela não está formando profissionais com competências teórico-metodológicas, técnicooperativas e ético-políticas suficientes, para que eles se sintam habilitados para trabalhar com a
realidade rural, logo que ingressam nos espaços sócio-ocupacionais rurais. As entrevistadas
afirmaram que é o próprio exercício profissional, associado às leituras e pesquisas sobre a
realidade rural e aos cursos de atualização, que lhes está preparando para fazer a leitura e análise
da realidade rural e, nela, reconhecer os sujeitos e as demandas profissionais. Assim, confirmase a primeira hipótese levantada nesta investigação, de que ‘o rural é marginal à profissão
porque a formação profissional não possibilita elementos para que os assistentes sociais olhem
para aquela realidade e nela encontrem os sujeitos de direitos que demandam a sua atenção’.
Contrapartida, a investigação permitiu compreender que a academia toma seus
objetos de estudos e análises segundo o movimento produzido pela sociedade capitalista. Ora,
numa conjuntura em que a evidência está no capitalismo financeiro – guiado pelo capital
fetiche – e nas artimanhas do sistema para tentar superar uma crise que é estrutural, o rural
tratado nesta tese, e que seria objeto de análise e intervenção profissional, fica invisível no
movimento da sociedade. Neste rural invisível o Estado se faz ausente e a execução de
políticas públicas, especialmente de recorte social, não se efetiva, ou se ocorre é de forma
‘muito residual’ – entenda-se que o aparente contrassenso entre as palavras entre aspas foi
proposital. Portanto, praticamente não há espaços sócio-ocupacionais instituídos para o
Serviço Social. Neste sentido, confirma-se também a segunda hipótese levantada no início da
investigação: ‘é o movimento do rural e, nele, a insipiência do exercício profissional que não
requisitam da academia – locus da formação – apropriar-se desta dinâmica e tratar sobre ela
durante a formação dos futuros profissionais’.
Ora, conclui-se com a confirmação das duas hipóteses que pareciam diametralmente
opostas, o que sugere também uma relação mediada e dialética entre elas, uma a alimentar e
aprofundar a outra. Todavia, esta dialética alude a constante marginalidade da realidade rural
na formação e a insipiente atuação profissional nos espaços sócio-ocupacionais rurais, logo,
ela torna-se como um ciclo vicioso, uma corrente que aprisiona o rural na ausência dos
serviços e de um olhar profissional que garantam a efetividade dos direitos sociais.
380
Portanto, é urgente quebrar este círculo vicioso e inverter esta lógica dialética para
que, desde dentro do Serviço Social, ‘a invisibilidade do rural e dos indivíduos rurais’ na
sociedade capitalista ‘se torne visibilidade’. Quiçá o desencadeamento da ‘contralógica’ possa
partir da academia, que começaria por ouvir as assistentes sociais – mais acuradamente do que
aqui foi feito – em suas demandas por uma formação profissional atualizada.
381
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384
APÊNDICE A – Termo de consentimento livre e esclarecido
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.)
(Em 2 vias, firmado por cada participante-voluntári(o,a) da pesquisa e pelo responsável)
“O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após
consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou por
seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na pesquisa”
(Resolução. nº 196/96-IV, do Conselho Nacional de Saúde).
Eu,
.................................................................................................................................................,
tendo sido convidad(o,a) a participar como voluntári(o,a) do estudo ‘QUESTÃO RURAL E
SERVIÇO SOCIAL - A trajetória de uma relação e o exercício profissional na atualidade’,
recebi da Sra. Mailiz Garibotti Lusa, professora da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
e doutoranda da Pontif
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